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AÇÃO SOCIAL DE PENTECOSTAIS E DA

RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA NO


BRASIL
O discurso de seus líderes*

Cecília Loreto Mariz


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Rio de Janeiro – RJ. E-mail: ceciliamariz@globo.com

DOI: 10.17666/319204/2016

Discutindo emoção e individualismo no que como “magia”, concluindo que no mundo contem-
chamaram de “nebulosa mística esotérica”, bem porâneo a “magia”, e não a “razão” como se pensava,
como em outros movimentos religiosos contempo- estaria decretando o “fim da religião”.
râneos na França, incluindo a Renovação Carismáti- No Brasil e na América Latina, observações
ca Católica (RCC), Françoise Champion e Danièle e análise crítica similares foram frequentemente
Hervieu-Léger (1990) sugerem que essas correntes dirigidas ao pentecostalismo e à RCC. Segundo
propõem uma religiosidade do “eu” que afastaria fiéis vários dos primeiros analistas desses movimentos
da preocupação com o outro e com a sociedade mais na região, por exemplo, D’Épinay (1969) e Ro-
ampla. Hervieu-Léger (1997) chega a argumentar lim, (1985), no caso pentecostal, e Oliveira et al.
que por adotarem práticas mágicas e enfatizarem so- (1978), Benedetti (1988), Prandi (1996) e Carran-
luções de problemas individuais, esses movimentos se za (2000), no caso da RCC, a ênfase em experiên-
afastariam do que Durkheim e Weber chamavam de cias encantadas, como as promovidas pelos dons
“religião” e se aproximariam do que identificaram do Espírito Santo, geraria um estilo espiritual in-
dividualista, subjetivista, emocional que afastaria os
* Esta pesquisa foi apoiada pelo programa Pentecostal
fiéis de preocupações sociais e políticas e, portanto,
and Charismatic Research Initiatives (PCRI) da Uni- dos problemas dos mais necessitados.1 Essa forma
versity Southern California (USC) e também pelo de religiosidade ou espiritualidade dos carismá-
CNPq.
ticos e pentecostais, que pode ser aproximada ao
Artigo recebido em 06/02/2015 tipo ideal weberiano “místico” ou “contemplativo”
Aprovado em 29/04/2016 (Weber, 2002, p. 227), tem sido objeto de críticas
RBCS Vol. 31 n° 92 outubro/2016: e319204
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na história do cristianismo2 pelas lideranças das três autores e também por Mariano (1999) como
próprias instituições religiosas tradicionais – repro- uma ilustração desse processo. Ao assumir um tra-
vados inicialmente em suas próprias igrejas e por balho social, a maioria dos movimentos religiosos
vezes expulsos delas – , assim como pela academia e ou das igrejas tem como pressuposto uma agenda
pela sociedade em geral. mais universal para demonstrar que não se organi-
Pesquisa de campo em área bastante carente, za apenas para conquistar mais adeptos. Por meio
realizada nos meados dos anos de 1980, observou da realização de um projeto de ajuda social, assim
católicos e membros de religiões afro-brasileiras acu- como via a adesão ao discurso dos direitos huma-
sando pentecostais de descaso com os mais neces- nos, as igrejas, como já mostrou Machado (2012a
sitados. Por vezes, a crítica era contundente, e um e 2012b), conseguem obter legitimidade para atuar
entrevistado chegou a dizer que “os crentes não são na esfera pública. Baseadas em Habermas (2006),
capazes de ajudar” (Mariz, 1994, p. 83). Na época, Machado (2012b), Scheliga (2010) e Montero
os próprios pentecostais dessa área pobre afirmavam (2009) já destacaram a necessidade de atores reli-
com certo orgulho que em suas visitas a presídios e giosos adotarem em suas falas argumentos racio-
hospitais traziam apenas a Bíblia, pois com ela e Je- nais, não encantados, e valores universalistas para
sus os que sofriam encontrariam solução para todos obterem legitimidade no debate democrático. Por
os males, incluindo suas necessidades materiais. Res- esse motivo, salientam Machado e Burity (2014),
pondiam às críticas dizendo que não queriam bar- os líderes religiosos cada vez mais passam a desen-
ganhar fé com doações – naquela década não eram volver uma fluência na linguagem secular especial-
comuns obras sociais no meio pentecostal. O mesmo mente para falarem de política e também dos tra-
ocorria entre carismáticos católicos. Atualmente, a balhos sociais de suas igrejas. Esses autores mostram
situação é bem diferente, como revelam diversas pes- como os discursos de líderes religiosos sobre as obras
quisas empíricas tanto sobre os carismáticos católicos sociais desempenham papel importante na construção
(por exemplo, Theije, 2002; Cleary, 2010; Machado de uma imagem positiva do grupo religioso e na luta
e Mariz, 2007 entre outros) como sobre os evangé- por legitimidade no jogo político e por acesso a verbas
licos pentecostais (Machado, 2003; Miller e Yama- públicas que financiem seus projetos sociais.
mori, 2007; Machado e Mariz, 2007; Conrado, O presente texto discute alguns resultados de
2006; Scheliga, 2010, entre outros). Descrevendo um projeto de pesquisa (Freston et al., 2010) mais
a atuação social de pentecostais em várias partes do amplo,3 cujo objetivo era analisar e comparar os
mundo, incluindo uma análise do trabalho da Igreja discursos de lideranças da Renovação Carismática
Renascer em São Paulo, Milller e Yamamori (2007) Católica e de igrejas evangélicas pentecostais sobre
propõem o conceito de “progressive pentecostalism” questões várias, entre as quais os trabalhos sociais.
para se referir a esse engajamento social. Os dados Buscava-se identificar similaridades, diferenças e par-
sugerem, assim, que em contextos sócio-históricos cerias entre esses grupos e observar em que medida as
distintos uma mesma espiritualidade pode levar os falas apontariam para uma aproximação entre esses
fiéis a comportamentos diversos. movimentos. Essa questão surgiu a partir da consta-
Como já salientaram Machado (2003), Conra- tação, já destacada por Machado (2012a e 2012b),
do (2006), Scheliga (2010), os primeiros registros Machado e Mariz (2004), entre outros, de que agen-
de práticas assistencialistas promovidas pelas igrejas das politicas similares aproximavam lideranças pen-
pentecostais no Brasil datam apenas dos anos de tecostais e carismáticas católicas. Embora a coleta de
1990. Segundo eles, o investimento dessas igrejas dados tenha sido guiada por essa questão comparati-
na área social foi uma busca por legitimidade na es- va, os dados nos levaram a ampliar a discussão para
fera pública. As igrejas lutavam por reconhecimen- questões mais genéricas, como será analisado aqui.
to e legitimidade ao mesmo tempo que lançavam Diferentemente das demais pesquisas sobre ati-
candidatos a cargos políticos. O caso da criação da vidades assistencialistas ou projetos de luta por justi-
Associação Beneficente Cristã (ABC) pela Igreja ça social nesses grupos religiosos, nosso objetivo não
Universal do Reino de Deus é apresentado por esses é estudar uma organização ou projeto específicos,
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nem as parcerias feitas para realização desses traba- Embora as entrevistas tenham sido ricas em ter-
lhos, mas descrever e entender as características dos mos de dados e conteúdo, a análise desenvolvida nes-
discursos acionados pelos líderes religiosos quando te artigo focará apenas dois pontos. O tom defensivo
respondem sobre tais atividades diante de interlocu- das falas será o primeiro ponto que discutiremos.
tores do mundo secular, no caso o pesquisador das Diante das questões sobre ação social, os entrevista-
ciências sociais, visto como “científico” e não religio- dos pareciam estar respondendo a acusações e críti-
so. Para entender o contexto das entrevistas é preciso cas comumente dirigidas às suas igrejas ou grupos
ter claro que os entrevistados são líderes, não apenas religiosos pela academia, por outros grupos religiosos
religiosos, muitos também políticos, que lutam por mais intelectualizados ou pela mídia. Suas respostas
verbas, alianças e apoio estatais e de outros grupos; revelavam que conheciam bem essas críticas. Ao dis-
necessitam assim serem aceitos como atores e inter- cutir esse primeiro ponto, mostraremos como nossos
locutores legítimos em uma sociedade democrática dados confirmam o que a literatura destacou: em seu
e plural. Não querem ser acusados de defender pro- discurso sobre trabalho social, os líderes religiosos
postas encantadas, alienadas, mágicas, individualistas possuem clareza sobre quais são os argumentos le-
ou “corporativas” (no sentido de favorecer apenas a gítimos para a esfera pública e para o pesquisador
instituição a que pertencem). Dessa forma, tem-se acadêmico. Uma igreja ou religião que desenvolve
claro que as falas analisadas somente podem ser en- e estimula o trabalho social adquire legitimidade e
tendidas ao se levar em conta esse contexto da passa a ser vista como de interesse público, pois sua
entrevista, marcado pela relação de poder implícita agenda contempla questões que vão muito além dos
do pesquisador sobre o pesquisado. O primeiro é so- interesses individuais de seus membros.
cialmente reconhecido como “detentor” ou o “espe- O segundo ponto que analisaremos é a prefe-
cialista” da linguagem secular, cuja base considerada rência, entre os trabalhos sociais, por projetos de re-
“desencantada e racional” seria a única legítima para cuperação de dependentes químicos. Discutiremos
os embates da esfera pública. As respostas dos entre- como essa preferência tem a ver com argumentos
vistados são, portanto, discursos que se produziram sobre a impossibilidade desse tipo de recuperação
nesse tipo de relação de poder. sem o apoio religioso e como se vincula a uma visão
Como se pode deduzir do parágrafo anterior, negativa e crítica da vida na sociedade contempo-
concebemos discursos como práticas sociais que se rânea em geral, mas especialmente a suas práticas
produzem no processo de troca e relações sociais médicas na superação desse tipo de problema. Des-
e, como Berger (2014), entendemos a própria rea- tacamos que o discurso neste ponto se torna uma
lidade como múltipla. Cada sujeito social possui- fala de defesa do espiritual e da religião, afastando-
ria, portanto, múltiplos discursos, construídos e -se em certa medida da linguagem e dos pressupos-
acionados em contextos diferentes dependendo do tos do discurso puramente secular. Quando optam
tipo de relação com os interlocutores. Nossa análi- por um discurso crítico ao mundo “não religioso”,
se procurará, assim, identificar valores e argumen- os entrevistados necessitam recorrer a argumentos
tos acionados por esses líderes religiosos para falar e pressupostos que não são completamente “tra-
sobre sua ação social a pesquisadores acadêmicos duzíveis” para a linguagem secular. Pretendemos
vinculados a universidades, identificados, portanto, mostrar que, apesar disso, essa crítica ao mundo
como detentores do discurso secular e racional, isto moderno e laico não se reduz a argumentos e a ter-
é, “especialistas” da gramática secular, a única legíti- mos religiosos, mas é elaborada de forma a ter certa
ma na esfera pública. As falas analisadas na pesquisa ressonância no discurso contemporâneo sobre os
foram influenciadas, então, por esse contexto. De- limites da razão. Antes de apresentarmos a análise
vido a essa situação de tensão e relação desigual de dos dados, descreveremos brevemente, na próxima
poder, há líderes religiosos que rejeitam se expor a seção, como foi realizada sua coleta.
esse tipo de pesquisa; os líderes que aceitaram dar Cabe ressaltar que sendo o discurso em si a
entrevistas se sentiam à vontade com a linguagem prática social que se busca entender aqui, não nos
secular e não se percebiam desprivilegiados. importava se o entrevistado estivesse ou não envol-
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vido em alguma ação social de seu grupo religioso. temática. Desse conjunto, vinte eram lideranças
Tampouco houve preocupação em cotejar a fala dos de diferentes igrejas evangélicas pentecostais (to-
entrevistados com pesquisas empíricas sobre o tra- dos pastores, alguns políticos eleitos e apenas uma
balho social realizado e citado pelos entrevistados, mulher) e 17 se identificaram como católicos vin-
embora de vez em quando façamos referências a culados ao movimento de renovação carismática
essas pesquisas (ver, entre outros, Targino da Silva, católica (dois bispos, dois padres, lideranças leigas
2014; Medeiros, 2012; Laura Machado, 2011; Ma- masculinas e femininas, entre as quais havia funda-
chado e Mariz, 2007; Medeiros e Mariz, 2013). Na dores de “novas comunidades”,4 líderes vinculados
presente análise importa pouco se essa fala descreve ao movimento institucionalizado e políticos elei-
apropriadamente a realidade empírica. Destacamos tos). Embora houvesse entrevistados de diferentes
também que os entrevistados foram selecionados regiões do país,5 a maior parte vivia nos estados de
apenas por sua posição de liderança em seu gru- São Paulo e Rio de Janeiro. As entrevistas ocorre-
po. Eventualmente um ou outro afirmou liderar ou ram entre março de 2011 e abril 2012. Um fato a
tomar parte em um trabalho dessa natureza, mas ser destacado é que, embora o critério de escolha do
essa não era a característica que necessariamente o pesquisado fosse a sua identificação com a verten-
qualificava para entrevista. te pentecostal-carismática, foram detectados dois
entrevistados de igrejas pentecostais com discursos
que defendiam afastamento da teologia pentecostal,
Sobre os dados analisados seguindo uma tendência já identificada por Freston
(2012, 2013) de uma certa “despentecostalização”,
O projeto mais amplo, do qual este estudo faz ou um “pentecostalismo reconfigurado” que se
parte, visava a identificar as concepções, as atitudes afasta de práticas mais extraordinárias e “encanta-
e os valores sobre um variado leque de questões re- das” – processo em estudo por Clemir Fernandes
ferentes às diferentes esferas da vida social, política (2013). Essas posições teológicas, bem como as de-
e religiosa de líderes do meio carismático católico e mais defendidas por essas lideranças, eventualmen-
evangélico pentecostal no Brasil. Tratava-se, portan- te divergem daquelas dos fiéis de suas igrejas. Mas
to, de um estudo sobre os discursos dessas lideranças o objetivo do estudo era entender a fala de líderes
a respeito de política nacional, internacional, direitos e intelectuais desses movimentos religiosos, ou seja,
humanos, relação com outros credos, missão religio- daqueles responsáveis por desenvolver argumentos
sa internacional, práticas sociocaritativas. O presente para dialogar com outros atores da esfera pública.
artigo faz um recorte desse conjunto de entrevistas. Consideramos necessário destacar a existência de
Adotando uma metodologia qualitativa, a en- uma aparente “despentecostalização” desses dois
trevista seguiu um roteiro flexível e muito amplo. entrevistados para mostrar o grau de pluralidade
Foi uma opção metodológica deixar os entrevis- dos pentecostais.
tadores livres para a cada entrevista, se necessário, Reiterando, nosso objetivo é analisar falas e
focar em apenas algumas questões cujas respostas argumentos,6 e não a verificação empírica do que
lhes parecessem mais produtivas. Dependendo das estava sendo descrito. Havia, no entanto, alguns
circunstâncias e do perfil do entrevistado, algumas projetos referidos pelos entrevistados que são co-
temáticas poderiam ser desprezadas e outras apro- nhecidos mais amplamente e divulgados pela mí-
fundadas. Como estudo qualitativo, que busca re- dia; entre eles, alguns que já foram objetos de pes-
gistrar e entender a lógica das argumentações, não quisas acadêmicas com as quais tivemos vinculação
havia necessidade de ter grande número de respos- (Machado e Mariz, 2007; Medeiros, 2012; Targino
tas sobre cada tema. Assim, nem todos os 106 en- da Silva, 2014). Relembramos que poucos entrevis-
trevistados do projeto geral responderam sobre a tados estavam diretamente envolvidos em alguma
questão que nos propomos analisar aqui (práticas obra social: os políticos ocupando cargos públicos
sociocaritativas). Utilizando o recurso do NVIVO, justificavam sua falta de tempo para atuar em pro-
identificamos 37 entrevistas que abordavam essa jetos dessa natureza.
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Um discurso defensivo sim, a falsidade da acusação de que seus fiéis e líde-


res não se preocupam com problemas sociais nem
Quando questionados sobre atividades socio- realizam trabalhos voltados para os mais pobres ou
caritativas em seu grupo religioso, os líderes entre- desafortunados em geral.
vistados7 tendiam a afirmar de forma enfática que No universo cristão é muito séria a acusação de
essas atividades existiam sim e que eram, até mes- não cuidar dos mais necessitados, mas os entrevis-
mo, numerosas. Destacavam não apenas a quan- tados não estão dialogando apenas com outros cris-
tidade de trabalhos, mas também sua qualidade e tãos ou religiosos; seu discurso sobre obras sociais
resultados positivos. Como poucos estavam envol- busca também responder a acusações mais diversas
vidos diretamente nesse tipo de atividade social, a de alienação social, individualismo e corporativis-
maior parte não possuía informações específicas mo. Como líderes e “intelectuais” de seus grupos,
a respeito. As respostas soavam por vezes vagas, mas os entrevistados propõem diálogo com a academia
sempre utilizavam expressões enfáticas destacando e com outros grupos religiosos e políticos, salien-
o grande número dessas atividades, ainda que algu- tando que suas agendas abrangem questões para
mas pudessem ser pouco visíveis. além do crescimento da instituição. Com isso
Destacando a atuação da RCC, um dos líderes querem mostrar que compartilham valores huma-
referiu-se a “milhares de obras” e outro comentou: nitários universais, sobretudo o de ajuda aos mais
“Veja [...] quantas obras sociais nasceram a partir necessitados. Esses argumentos revelam competên-
da Renovação, você tem hoje muitas comunidades cia discursiva e “fluência” na “linguagem secular”
de vida que trabalham com drogados, com crian- da democracia contemporânea (Machado e Burity,
ças abandonadas, trabalham com velhos carentes”. 2014). Isso é mais evidente quando vinculam o tra-
Esse entrevistado sublinhou ainda que essas obras balho social à luta por justiça social. Em geral, os
se preocupavam com justiça e responsabilidade so- entrevistados que ocupavam cargos políticos desta-
cial em consonância, portanto, com os documentos caram com mais veemência essa vinculação, certa-
de Roma e da Conferência Nacional dos Bispos do mente por causa da necessidade de responder a seus
Brasil (CNBB). Como ele, outros entrevistados da opositores, principalmente de setores considerados
RCC procuravam mostrar que estavam seguindo a de esquerda, e da necessidade de falar para um pú-
orientação oficial da Igreja católica. Dois deles des- blico mais amplo. Nesse sentido, ouvimos um po-
tacaram especialmente os trabalhos realizados entre lítico pentecostal afirmar que sua igreja estabelece
população carente na Ilha do Marajó no Pará, que “uma malha de serviços sociais em todo Brasil”,
seriam uma “resposta do ‘Evangelho anunciante’, acrescentando em seguida que esse tipo de trabalho
resposta ao Documento 72 da CNBB [...] evange- seria um caminho para “justiça social”.
lizar os batizados, resposta a Redemptoris Missio,8 Outra forma recorrente de se defender é dizer
resposta para o Documento de Aparecida”.9 que muitas obras sociais empreendidas são pouco
Essa ênfase em apontar a existência de uma visíveis: “ninguém fala, mas eu sei que existe um
grande quantidade de trabalhos sociais, mesmo que trabalho [...] na Vila Mimosa, [...] de uma médica
nem sempre apresentassem dados concretos sobre católica. Então, isso não é divulgado [...] no meio
eles, sugere que os entrevistados entendiam a per- das irmãs prostitutas, no meio dos travestis, existe
gunta como uma cobrança e, por isso, a postura de- a presença de um católico”, declarou uma líder lei-
fensiva. Essas falas evidenciam ainda que, no caso ga da RCC. Ou como afirmou um pastor político
católico, a RCC se defende também da acusação eleito: [...] normalmente esse tipo de trabalho, não
de não seguir as diretrizes da hierarquia e de Roma. é um trabalho visível, [...] que dê algum retorno
Os entrevistados, portanto, têm clareza da crítica político, para o Estado. [...] é um trabalho que
que seus movimentos sofrem e, salientando a quan- normalmente, as igrejas fazem. O trabalho de re-
tidade dos trabalhos sociais, tentam mostrar que a cuperação [...], com jovens usuários de drogas. O
espiritualidade pentecostal-carismática não leva trabalho em presídio, entendeu? O trabalho alcan-
a um maior individualismo. Demonstrariam, as- çando pessoas carentes”.
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O ataque também é uma estratégia de defesa. em algumas dessas respostas. Segundo esse pastor, a
O Estado é acusado de não investir em trabalhos busca por novos fiéis e o trabalho social aparecem
que não têm repercussão, delegando-os a grupos re- como projetos distintos que competiriam por re-
ligiosos. O mesmo entrevistado continua criticando cursos da igreja. Adiante veremos lideranças com
a omissão do Estado apontando para o papel fun- argumentos que seguem em direção oposta.
damental das igrejas durante as chuvas e enchentes Como vimos, embora possam eximir suas pró-
de 2011 na zona serrana do Rio de Janeiro: prias igrejas, há pentecostais que concordam com a
validade da crítica à falta de preocupação social por
[...] quem foi relevante [...] em Teresópolis? parte do pentecostalismo em geral, ou seja, por “ou-
Foram as igrejas. E quando eu falo em igrejas, tros pentecostais”. Essa crítica se explicita na fala des-
eu não estou falando das igrejas evangélicas, só te entrevistado: “A igreja pentecostal sempre se preo-
[...], mas igrejas católicas [...]. Igrejas que servi- cupou muito com a questão do carisma, [...] nunca
ram de abrigos [...]. A igreja “x” não tinha de- atuou muito na área social. Eu acho que isso é um
terminado alimento, mas a minha tinha. Nós desafio que a igreja tem de ter”. Entre os carismáti-
fornecíamos para aquela igreja. E ela fornecia cos católicos, comenta-se que no caso da RCC essa
pra nós o que nós não tínhamos. E nessa troca crítica só é legítima em relação ao “passado”, quando
[...] ajudávamos umas às outras. a RCC chegou ao Brasil. Foi recorrente encontrar
líderes da RCC que destacavam um crescente pro-
Em contraste com essa fala, cuja crítica ao cesso de “amadurecimento” do movimento nos úl-
Estado é acompanhada de uma defesa de grupos timos quarenta anos, como bem destacou Carranza
religiosos em geral, incluindo igrejas concorren- (2011), indicando uma nova atitude em relação ao
tes, foram identificadas críticas à pouca dedicação trabalho social. Os entrevistados confirmaram várias
de outras igrejas à esfera social. Registramos, por inciativas de cunho não apenas caritativo tradicio-
exemplo, críticas às igrejas evangélicas brasileiras nal, mas voltadas para a justiça social. Esses líderes
em geral, como a de um entrevistado que afirma: tendem a concordar que o foco em experiências so-
“é impressionante o desconhecimento que a igre- brenaturais e extraordinárias, que marcou o início do
ja evangélica brasileira tem dessa responsabilidade movimento, teria sido “falta de maturidade”. O tra-
social”. Tal reprovação é estendida até mesmo a balho realizado nos últimos anos na Ilha de Marajó
igrejas evangélicas que desenvolvem obras sociais foi o exemplo mais citado para expressar a preocupa-
consolidadas, assegurando que tais obras são man- ção da RCC com o social.
tidas apenas por verbas vindas do exterior – “esse A análise da fala dos líderes da RCC revela
investimento não era da igreja brasileira, era de também um discurso pela unidade da identidade
fora, Estados Unidos, Inglaterra [...]” – ainda que católica. Embora se perguntasse especificamen-
haja exceções (o entrevistado cita como exceção a te sobre trabalho social realizado pela RCC, em
própria igreja, que desde a década de 1960 estaria suas respostas os entrevistados referiam-se por ve-
desenvolvendo projetos sociais que são, no entan- zes a atividades de outros grupos católicos. Assim,
to, pouco notados). Nessa linha de argumentação, a identidade católica mais ampla é acionada para
outro pastor considera que a dedicação social tem afirmar que seu grupo religioso realiza trabalhos so-
seu preço: sua igreja tem crescido menos que ou- ciais, como é o caso do entrevistado que lembrou
tras por ter optado em “investir no social e não no dos trabalhos dos Vicentinos. Similar é a resposta
marketing eclesiológico, não gastar com tempo na de outra líder que toma a questão em nível mais
TV, mas com assistência social”. Critica, portanto, pessoal: “desde que eu era da Cruzada Eucarística
as igrejas mais “visíveis”, que estão crescendo mais a gente sempre visitou os pobres, os doentes né?
por gastar muito em programas de televisão e ou- Depois, dentro da RCC nós levávamos compras, a
tras atividades de marketing para atrair fiéis. As ten- gente dava banho nas crianças [...]. Visitávamos as
sões que geram rupturas internas e competição no favelas”. Uma das estratégias para manter a unida-
campo evangélico pentecostal se evidenciam, assim, de de grandes instituições, como a Igreja católica,
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é seus membros se apresenterem aos “de fora” com Na época, por exemplo, dessa prefeita, nós dis-
uma identidade coesa, evitando mencionar divisões tribuímos quatrocentas quentinhas, na Praça
internas. Portanto, ao contrário do que ocorreu en- da Sé, toda sexta-feira e era uma comida sadia,
tre os pentecostais – quando a pergunta sobre ação porque a gente fazia a comida na igreja, doada
social levou entrevistados a criticar outros pente- pelo pessoal e distribuía. Nós fomos proibidos.
costais, evidenciando as cisões nesse campo –, entre Por quê? Ah, não, pode estar contaminada,
os católicos carismáticos, a mesma pergunta tende pode prejudicar [risos] o mendigo, a Igreja foi
aparentemente a reforçar a unidade da identidade proibida.
católica. No entanto, é importante lembrar que
pesquisas qualitativas sobre a RCC revelam que o Evidentemente, o entrevistado conhece bem
engajamento nesse movimento tem estimulado a e aciona os argumentos considerados legítimos na
participação em diversas atividades no campo ca- esfera pública contemporânea – o bispo critica a
tólico e que muitos dos que estão agora vinculados legislação estatal, que tenta controlar o trabalho
a esse movimento participaram, ou participam, ati- social dos religiosos. Diferentemente dos evangéli-
vamente de outros grupos e movimentos católicos cos, o líder da Igreja católica afirma que sua igreja
(ver, entre outros, Machado, 1996). É dessa forma “não precisa” da ajuda do “Estado”10 para o traba-
que o movimento carismático tem estimulado e re- lho social, mas apenas que o Estado não dificulte
forçado a identidade católica. sua ação. Esse tipo de argumentação assume valores
O tom defensivo das respostas de modo geral, universais de competência e eficiência. Adotando
independentemente da corrente religiosa, suge- tais regras, o discurso religioso se adequa, pois, ao
re que os entrevistadores sejam identificados com debate político e por isso é mais facilmente ouvido.
os formuladores de críticas. As próprias perguntas
parecem soar como crítica disfarçada. Talvez essa
identificação se dê pelo entrevistador pertencer ao Evangelização e ação social: conversão e
universo acadêmico: os setores das diferentes igrejas solução de problemas
cristãs que dialogam mais de perto com a academia
são justamente os que tendem a acusar mais fre- Em contraste com essas falas, os entrevista-
quentemente pentecostais e carismáticos de descui- dos também acionam, em defesa de seus projetos
do com a pobreza e problemas sociais. sociais, argumentos que enfrentam dificuldade de
Quando questionado sobre as ações sociais, um “tradução”11 para a linguagem da esfera pública,
bispo católico pergunta logo à entrevistadora: “É a a saber, a ideia de que a evangelização ajuda o in-
ênfase aí do Boff, não é? ”. Com efeito, a crítica à fal- divíduo a superar os mais diversos problemas, até
ta de preocupação com o social da RCC no Brasil foi mesmo os materiais, como supõe a Teologia da
recorrentemente realizada por católicos mais vincu- Prosperidade . Esse tipo de argumento, que é parti-
lados à Teologia da Libertação. E o entrevistado con- cularmente adotado para explicar o trabalho na re-
tinua: “Mas a Igreja, ela é social. Nós não podemos cuperação de dependentes, tem sido encarado com
deixar de fazer obra social. Só que não podemos pen- muita suspeita, especialmente por parte de profis-
sar apenas um contexto social. Há trabalhos, ativida- sionais da saúde no sentido de considerá-lo uma
des que não competem à Igreja. É o Estado que tem estratégia para disfarçar de obra social um projeto
que fazer”. Tal comentário mostra que bispo faz dis- religioso.12 Alguns líderes pentecostais entrevistados
tinção entre o Estado e a igreja a que pertence quan- sugerem que, ao se converterem, os sujeitos reorga-
to à obrigação e ao papel de cada um nas questões nizam suas vidas e encontram soluções para proble-
sociais. Destacando a responsabilidade estatal nessas mas espirituais e materiais, sejam econômicos ou
questões, o entrevistado censura o Estado não só por de saúde. Dessa forma, levar a “Palavra” seria em
não desempenhar bem seu dever, mas também por si uma prática sociocaritativa. Durante a entrevis-
criar empecilhos aos grupos religiosos que desejam ta, um pastor refletia sobre os efeitos sociais de sua
fazer o trabalho onde ele está sendo omisso: missão, concluindo que a simples adesão à Igreja
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resulta na melhora da condição de vida do sujeito. dependentes devido à própria experiência de vida
Esse tipo de observação levou a que no curso da en- na rua. Além do mais, a dependência química se-
trevista, no diálogo entre entrevistador e entrevis- ria um grande empecilho para sair da situação de
tado, surgisse o conceito “trabalho social indireto”. rua. A necessidade de mudar a vida dos moradores
Visitar favelas com o intuito de evangelizar de rua e dos dependentes químicos em geral pare-
pode ser também considerado “obra social”, como ce motivar fortemente pentecostais e carismáticos
revela uma pastora pentecostal ao responder à per- a desenvolver projetos sociais. As obras com essa
gunta sobre a ação social de sua igreja. Embora em população foram as mais amplamente citadas por
sua fala reconheça que o objetivo dessas visitas é líderes dos dois grupos em todo o país; havia mes-
de natureza religiosa e que, portanto, não pode ser mo entrevistados que lideravam trabalhos dessa na-
identificado exclusivamente como ação social, o tureza. Esse dado difere do que foi observado pelo
fato de se referir a essas visitas quando questiona- estudo sobre organizações evangélicas assistenciais,
da sobre práticas sociais indica que vincula forte- incluindo especialmente igrejas protestantes his-
mente evangelizar à promoção social. Essa concep- tóricas, realizado por Conrado (2006, p. 32) que
ção parece ser compartilhada pelos evangélicos da encontrou “uma espécie de opção preferencial das
América Latina, segundo os dados divulgados pelo igrejas pelas crianças e adolescentes em risco social”.
Pew Forum (2014): 50% dos católicos e 37% dos Com efeito, a dependência química foi o
protestantes acham que a mais importante forma problema que mais estimulou reflexões: três en-
de ajudar os pobres é via trabalhos caritativos; em trevistados (dois pastores pentecostais e um leigo
contrapartida, 47 % dos protestantes e 24% dos carismático católico) participaram da fundação de
católicos acreditam que é “trazer o pobre e carente comunidades terapêuticas. O leigo católico e um
para Cristo”. 13 dos pastores se declararam também dependentes
Esses dados podem ser interpretados de ma- químicos que superaram o problema mediante sua
neiras diversas. Afirmar que “trazer para Cristo” é fé pentecostal carismática. Engajados atualmente
mais importante do que trabalhos caritativos pode nas chamadas “comunidades terapêuticas”, falaram
ser interpretado como uma assertiva de maior pre- sobre sua própria experiência e de outros ex-depen-
ocupação com o âmbito espiritual. Por outro lado, dentes que aderiram à fé. Um dos pastores destacou
essa afirmação vincula carência material a proble- que, por causa da dependência química, os indiví-
mas existenciais, morais e afetivos que a religião duos abandonam o trabalho, a vida familiar e até
ajudaria a sanar ou, ainda, vincula ética religiosa à mesmo a identidade sexual e de gênero. Segundo
ética do trabalho. Com base nisso, assume-se que ele, os profissionais de saúde sozinhos não dão con-
os materialmente mais necessitados seriam também os ta do problema, nem os programas de saúde do Es-
mais necessitados em termos espirituais, e o traba- tado que dispõem apenas desses profissionais, pois
lho social visaria, assim, a mudanças morais e de em geral as pessoas nessa situação rejeitam ajuda.
estilo de vida a partir de uma nova mentalidade, O outro pastor, também diretor de vários centros
coincidindo, pois, com a evangelização. Mais fre- de recuperação voltados para dependentes e mora-
quente entre pentecostais, esse discurso apareceu dores de rua, comentou sobre a necessidade de re-
entre alguns líderes da RCC, especialmente quando cursos materiais e como envolvia suas congregações
falavam sobre o trabalho com a população de rua em atividades dos centros de recuperação: “Toda
e, particularmente, sobre o trabalho de recuperação semana aqui na igreja nós temos uma campanha:
de dependentes químicos. ‘Traga um quilo de alimento’ [...] ou faça uma ces-
Para os líderes de ambos os segmentos religio- tinha... mas traga coisas básicas e produtos de hi-
sos, o principal problema da maior parte dos mo- giene pessoal. Porque uma pessoa que vai para um
radores de rua seria o consumo de álcool e drogas. centro de recuperação não tem a mínima condição
Argumenta-se que muitos se tornaram “sem teto” de comprar nada”.
por causa do uso excessivo dessas substâncias e os Apesar da necessidade de recursos para manter
que foram para rua por outros motivos se tornam os centros de recuperação, esse pastor reafirma que
AÇÃO SOCIAL DE PENTECOSTAIS E DA RENOVAÇÃO …  9

ajuda material não basta. Retoma a questão de que pêutico específico, como a Maranatha do Rio de
o indivíduo a ser ajudado precisa querer se transfor- Janeiro, fundada por leigos (alguns ex-dependen-
mar. Nesse sentido, a recuperação seria uma “con- tes) de um grupo de oração carismática (Targino
versão” no sentido literal da palavra: uma transfor- da Silva, 2014). Mas nem todos projetos teriam o
mação, não necessariamente a conversão religiosa. mesmo perfil e foi citado, por exemplo, o caso da
Como todos os que desenvolvem projetos dessa comunidade Shalom, que, apesar de promover ati-
natureza, esse pastor afirma que não há pretensão vidades dessa natureza, desenvolve um leque varia-
de conversão, mas que se deseja levar os indivíduos do de trabalhos sociais em sedes estabelecidas em
dependentes a ter força de vontade e determinação. diversas regiões do país. Todos os projetos precisam
Embora destacassem o papel da fé, não houve igualmente do apoio estatal, que só é concedido a
entre os entrevistados menção alguma a “demô- comunidades que tenham suporte médico.
nios” ou a “forças espirituais malignas” que esti- Para os entrevistados, contudo, os saberes mé-
vessem dominando os dependentes. Nesse sentido, dicos podem ser necessários, mas não são suficien-
os discursos contrastam muito com os que foram tes: a superação da dependência ocorreria apenas
observados em outras pesquisas que abordaram a via a descoberta de uma nova forma de vida. Ar-
questão da dependência no contexto meramente gumentam que o mais importante seria ajudar os
religioso, seja na fala de fiéis e mesmo de líderes indivíduos a ter confiança e fé em si e em outros se-
de igrejas pentecostais, seja na fala de grupos da res humanos, o que seria possível mediante a fé em
RCC (Machado, 1996; Mariz, 1994, 2003, entre Deus. Subjaz nesse discurso uma crítica ao mundo
outros). Quando evitam falar dessas crenças, nossos desprovido de fé no sobrenatural. Assumindo ten-
entrevistados revelam ter clareza do tipo de discur- são e concorrência com os profissionais de saúde,
so legitimo no contexto de nossa pesquisa e o que abandona-se o que Peter Berger (2014) chama de
julgam ser mais aceitável para os entrevistadores, “discurso que faz de conta que Deus não existe”.
identificados como vinculados a universidades – Por outro lado, adota-se uma posição aparentemen-
portadores, portanto, de uma visão de mundo se- te a favor do pluralismo religioso quando se fala da
cular. Não estamos dizendo que esses líderes menti- necessidade de amor e fé, sugerindo que todas as
ram, pois, como chamamos atenção no início deste religiões seriam igualmente positivas sem afirmar
artigo, a realidade é múltipla e os discursos tam- superioridade de nenhuma igreja ou credo. Eviden-
bém. O leque de discursos possíveis e disponíveis temente, no contexto religioso muitos desses líderes
para cada grupo social varia, contudo, de acordo teriam outro tipo de discurso, mas aqui, como diria
com contexto histórico e social. A presente análise Berger (2014), se “faz de conta” que todas as religi-
procura identificar de quais discursos esses líderes ões possuem o mesmo poder curativo.
religiosos dispõem atualmente. Observamos, assim Observando as semelhanças entre o processo
como outros estudos, que eles dispõem, mais do de recuperação e de conversão, os líderes entrevis-
que dispunham no passado no caso pentecostal, de tados destacaram o maior potencial da abordagem
um discurso universalmente mais aceito para além religiosa na recuperação da dependência. Um líder
das fronteiras da crença religiosa. católico carismático afirmou que nos projetos de sua
Tanto pentecostais como carismáticos não e também de outras igrejas “não se dopam os depen-
negam a premência de profissionais de saúde, dentes” como acontece em muitas clínicas médicas,
afirmando que o problema da dependência não é ou seja, não substituem uma droga por outra. O en-
apenas religioso, mas também médico. Esse argu- trevistado defende a terapia religiosa recorrendo a ar-
mento, evidentemente, é importante para obter os gumentos utilizados pela literatura psicológica para
subsídios do governo. A maior parte dos trabalhos é desqualificar o papel da religião.14 O apoio à religião
mantida por organizações não governamentais que de uma maneira geral pressupõe a ideia de que não
se identificam como “comunidades terapêuticas”. se busca converter o indivíduo para uma igreja espe-
Líderes católicos carismáticos lembraram que mui- cífica. Portanto, tanto pentecostais como carismáti-
tas comunidades surgiram com esse objetivo tera- cos disseram que as obras sociais de suas igrejas ou
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 92

grupos religiosos não pretendiam converter os assis- Há, portanto, um conjunto de argumentos
tidos, mas reconheceram que isso ocorre em muitos apresentado pelos entrevistados de afiliações reli-
casos, sobretudo entre os dependentes químicos.15 giosas diversas que defende a necessidade do campo
A importância da religião aparece ainda nas fa- religioso no desenvolvimento de ações sociais sub-
las sobre trabalhos sociais com prostitutas e travestis. sidiadas pelo poder público. Apesar das críticas à
De acordo com dois líderes católicos e alguns pente- omissão do Estado nessa área, foi comum que se
costais, a situação de risco dessa população endossa apontasse a existência de parcerias estatais. As igre-
a necessidade de uma ação social por parte da igreja, jas precisam de apoio e recursos; o Estado precisaria
além do que, entre eles, há também muitos depen- das igrejas, já que, segundo os entrevistados, é raro
dentes químicos. Segundo a visão religiosa, traumas haver bons resultados apenas com profissionais de
e abusos sexuais na infância seriam as causas para a saúde e assistência social, sobretudo quando se trata
prostituição e o travestismo, cuja “cura” implicaria de dependência química.
intensa força de vontade, assim como acontece entre Como mostra a análise aqui empreendida, os
os viciados. Tanto entre católicos como entre pente- discursos dos líderes católicos carismáticos e pro-
costais, encontramos líderes que fizeram referência a testantes pentecostais sobre práticas caritativas
trabalhos sociais com “viciados sexuais”. 16 A posição assemelham-se muito. Os dois grupos têm prefe-
de uma líder católica carismática do Rio de Janei- rências pelo mesmo tipo de atividade e apresentam
ro é assumida por outros entrevistados, a saber, de avaliação similar sobre quais seriam os problemas
que “drogados” e pessoas que vivem de prostituição mais sérios de nossa sociedade e a melhor estraté-
precisam de amor e espiritualidade. Essa líder, ao gia para combatê-los. No entanto, não se fez refe-
citar um trabalho social realizado por carismáticos, rência a nenhuma parceria entre grupos religiosos.
disse que a ajuda material não teria sido eficiente A relevância do papel atribuído por esses líderes à
se não fosse, antes de tudo, espiritual: “tem pessoas adesão religiosa no processo de recuperação ajuda a
que às vezes precisam de uma palavra, não que você compreender por que parcerias com outros grupos
vai convertê-la”. Outro pastor também afirmou que religiosos se tornam praticamente impossíveis no
seu trabalho só era eficaz porque a “igreja oferecia trabalho com dependentes. Os que se recuperam
amor”, o que, segundo ele, é marca diferencial da tendem a aderir ao grupo religioso que lhes ofere-
atuação religiosa – “acolhimento”, “amor”. E isso cera suporte durante esse processo. Ao contrário do
certamente se estende a projetos simples, como a que ocorre no campo da política, onde há alianças
distribuição de cestas básicas. As pessoas se sentem entre pentecostais evangélicos e católicos carismá-
bem porque são bem recebidas, daí pensarem “eles ticos em torno de uma agenda comum, parece que
me amam, e [...] Cristo me ama também”. Obser- dificilmente isso ocorrerá no campo das práticas so-
vando que muitas dessas pessoas se tornam mem- ciocaritativas e mais especificamente no trabalho de
bros da igreja que os ajudou, o pastor afirma: “Eu recuperação de dependentes químicos.
tenho feito até uma estatística disso [...] mais ou
menos 57%, é até uma pesquisa um pouco científi-
ca, eles ficam, quando eles sentem esse amor”. Em- Considerações Finais
bora outros tipos de ajuda possam eventualmente
levar indivíduos a se converterem, essa possibilidade Nossa análise revelou a existência de um diá-
certamente será maior no caso dos que enfrentavam logo tenso entre o discurso de líderes religiosos e o
problemas de dependência química, pois se pressu- discurso racional moderno que caracteriza e susten-
põe no processo de cura uma mudança de estilo de ta a esfera pública contemporânea. Observa-se, as-
vida, e a religião pode ser muito eficaz. Entende-se, sim, uma certa tensão com o próprio pesquisador,
dessa forma, por que esse tipo de projeto social de que representaria a academia, a “ciência” e ainda,
recuperação de dependentes tem grande apelo para para alguns entrevistados, estaria representando os
grupos religiosos, mobilizando fortemente carismá- setores religiosos mais intelectualizados. Por um
ticos e pentecostais. lado, os líderes defendem seus grupos de acusações
AÇÃO SOCIAL DE PENTECOSTAIS E DA RENOVAÇÃO …  11

como “alienação mágica” ou “religião individualis- defender, como para criticar a omissão de outras
ta”, adotando uma argumentação que possui legiti- igrejas e do próprio Estado. Dessa forma, os entre-
midade e ressonância no discurso racional moder- vistados constroem em suas falas um Estado que se
no da esfera pública; por outro, em direção oposta, define por seu dever de promover políticas sociais.
chamam atenção para importância crucial da re- Esse papel fica claro nas críticas à sua atuação social
ligião na superação do problema da dependência e seu apoio reduzido ou controle excessivo das ati-
química e da população de rua. vidades de grupos que realizam esses trabalhos.
Iniciamos este texto lembrando que o pente- Além de se assemelharem pelo tom defensivo
costalismo e a Renovação Carismática Católica de suas falas, os dois conjuntos de líderes igualmen-
podem ser considerados uma expressão “mística” te citaram com mais frequência trabalhos com os
do cristianismo, e, como tal, têm sofrido as críti- dependentes químicos, especialmente com aque-
cas historicamente feitas a essa vertente no univer- les que vivem nas ruas e se envolvem em crime e
so cristão. Por entender que indivíduos podem ter violência. A solução desse problema, argumentam,
contato com o sagrado sem a mediação institucio- exige do dependente uma mudança tão radical que
nal, essa espiritualidade ameaçaria não só a autori- se aproximaria a uma conversão religiosa. Embora
dade religiosa institucionalizada, mas também o sa- reconheçam a necessidade da presença de profissio-
ber teológico racional. Ao definir a espiritualidade nais de saúde e de parcerias com o Estado, os líderes
pentecostal como uma religião do “eu” e “encanta- entrevistados sugerem que sem o apoio espiritual
da”, voltada para soluções milagrosas de problemas esses problemas não serão resolvidos. Em sua argu-
pessoais e emocionais, os estudiosos desses movi- mentação deixam claro a crítica à sociedade moder-
mentos fornecem a seus críticos do campo religioso na e apontam o que consideram limites dos saberes
argumentos pertencentes à gramática das ciências sobre saúde da ciência contemporânea. Portanto, o
sociais. Esse é um exemplo, entre outros, da inte- diagnóstico que fazem da sociedade mais ampla se
gração entre os discursos do campo religioso e das reflete nos critérios para a escolha das obras sociais
ciências sociais. Com efeito, a RCC é criticada por a serem realizadas. O fato de se voltarem mais para
setores da Teologia da Libertação e os pentecostais, trabalhos com dependentes de drogas pode ser ex-
pelas igrejas protestantes históricas de se restrin- plicado por sua avaliação da gravidade desse pro-
girem às esferas da emoção e da magia, alienando blema, mas também pelo entendimento de que a
seus fiéis com crenças em soluções sobrenaturais religião e a fé teriam mais competência para ajudar
para qualquer problema da vida, e de não lutarem os drogados do que outras instituições sociais. Re-
contra as injustiças sociais. conhecem ainda que nesse processo de superação
Conscientes dessas críticas e do papel da pesqui- da dependência é comum que ocorra conversão.
sa acadêmica em sua elaboração, os líderes pentecos- Essa possibilidade de sobreposição do trabalho so-
tais e da RCC entrevistados deram indício de que cial com o religioso pode explicar o apelo especial
interpretaram a questão sobre as obras sociais como às atividades com dependentes químicos.
uma “acusação”, buscando claramente mostrar como Os entrevistados evitaram argumentos que
essa era injusta e falsa. Houve líderes que comenta- não pudessem ser “traduzíveis” a uma linguagem
ram a ausência de trabalhos sociais no passado ou em secular e racional para explicar a raiz da dependên-
outras igrejas. Nota-se a preocupação em registrar cia química e também do que identificaram como
que a igreja ou o grupo religioso a que pertencem rea- “dependência sexual”. Em vez de justificativas en-
liza projetos e ações que concretamente melhoram volvendo “demônio”, “forças malignas” e “pecado”,
a vida dos mais desfavorecidos. Vale lembrar que maneira pela qual se dirigiriam aos fiéis, os líderes
quando os líderes exercem cargos políticos, esse tipo enfatizaram a “falta de amor”. Em outras palavras,
de discurso é ainda mais enfatizado. a superação da dependência só seria possível com
Ambos os grupos também afirmaram que as “amor” e “fé”. Com base nessa ideia, apontaram os
obras sociais importantes são “invisíveis”. O con- limites tanto da ação dos profissionais de saúde sem
ceito de invisibilidade foi acionado tanto para se o apoio dos voluntários religiosos, como do discur-
12  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 92

so secular em geral, que não seria capaz de gerar tais credo. Essa mudança pode ser explicada não só pelo
sentimentos e motivações. Salientando a incompe- ingresso dessas igrejas no jogo político, mas tam-
tência reconhecida pelo próprio discurso secular bém pela ascensão social de seus membros e líderes.
sobre saúde e dependência, os entrevistados aciona-
ram argumentos que defendem a complementação,
e não o confronto, com o discurso médico. Além Notas
disso, a questão da fé como algo fundamental nas
obras sociais foi introduzida de maneira abstrata, 1 No período dos estudos desses pesquisadores os dados
isto é, não se afirmava que apenas a sua religião e mostravam esses fiéis afastados dessas questões.
igreja seriam capazes de ajudar o dependente, mas 2 Em oposição ao “místico”, que busca ser “receptáculo
que a espiritualidade e fé em geral teriam o mesmo do divino”, Weber (2002) identifica o tipo “asceta”,
efeito positivo. Os entrevistados evitaram as conhe- um “instrumento de Deus”. Desde sua origem o cris-
cidas críticas a outros grupos religiosos que são ex- tianismo experimenta uma tensão entre esses dois ti-
pos biblicamente ilustrada nas figuras de Marta (ação)
plicitadas em suas igrejas no contexto propriamente
e Maria (contemplação).
religioso. No entanto, nenhum entrevistado se re-
3 Como já citado anteriormente, esse era um projeto in-
feriu à existência de comunidades terapêuticas que
terinstitucional com sede na Universidade do Estado
realizassem parcerias com grupos de outras igrejas e
do Rio de Janeiro (Uerj) que envolvia vários pesquisa-
muito menos de religiões distintas. dores e instituições do Brasil e do exterior.
Para finalizar, sugerimos a análise do papel de-
4 Para entender o que se tem definido como “novas co-
sempenhado pela pesquisa nas ciências sociais em munidades” e como essas são criadas no Brasil, ver
geral, e mais especificamente sobre religião, como Carranza et al. (2009).
estímulo à reflexividade e elaboração de discursos 5 Há entrevistas com lideranças das cidades de Salvador,
racionais por parte dos líderes religiosos. Em diálo- Belo Horizonte e Brasília, mas a maior parte é dos
go com os pesquisadores, não apenas no momento estados do Rio de Janeiro e São Paulo, com muitos
da entrevista, mas também pela leitura de trabalhos líderes da RCC da cidade de Campinas.
acadêmicos sobre sua religião, líderes de diferentes 6 Diferentemente de Scheliga (2010), não analisamos
grupos religiosos elaboram discursos com um po- as categorias utilizadas, mas as estratégias argumen-
der de convencimento e aceitabilidade para além tativas.
das fronteiras de sua fé. Esse processo de troca entre 7 Optamos por não divulgar nesse artigo os nomes dos
as ciências sociais e intelectuais de diferentes reli- entrevistados.
giões tem longa data.17 A Igreja católica e as igre- 8 Encíclica de João Paulo II de 1990.
jas “protestantes históricas” possuem seu próprio 9 O entrevistado refere-se ao documento final da Con-
quadro de intelectuais academicamente muito bem ferência Geral do Episcopado Latino-americano e do
formados, com competência verbal e capacidade Caribe (Celam), que ocorreu na cidade de Aparecida
argumentativa bastante desenvolvida. Há, nesses do Norte, em 2007.
quadros, intelectuais que são também pesquisa- 10 Discutindo as obras sociais espíritas, Marcelo Camur-
dores. Entre os pentecostais e os carismáticos isso ça (2014) e Delma Pessanha Neves (2007) comentam
não ocorre. No passado, seus líderes aparentemente que a Igreja católica é a instituição religiosa que mais
desprezavam esse tipo de formação. As entrevistas possui parceria com o Estado. Mas aqui analisamos a
analisadas no presente artigo apontam para uma fala em termos de sua estratégia argumentativa.
mudança de atitude por parte dos líderes pente- 11 Estamos aqui seguindo a leitura de Montero (2009)
costais e carismáticos. Observamos uma atitude sobre a contribuição de Habermas para a discussão
mais aberta aos pesquisadores e mais autorreflexiva, central nas ciências sociais em geral, e na antropologia
portanto, diferente daquela registrada em passado em particular, da tradução na diversidade cultural.
recente. Em suas falas, os entrevistados procuraram 12 Entre os críticos, ver o relatório sobre do Conselho
traduzir suas crenças em argumentos que pudessem Federal de Psicologia (2012) sobre locais de interna-
mento para dependentes químicos.
ter legitimidade para atores seculares e/ou de outro
AÇÃO SOCIAL DE PENTECOSTAIS E DA RENOVAÇÃO …  13

13 Esse tipo de crença afeta, portanto, a resposta que se BURITY, Joanildo. (2000), “Redes sociais e o lugar
pode dar em surveys sobre participação em trabalhos da religião no entendimento das situações de
sociais, pois pode levar muitos a considerar seu traba- pobreza”. Cadernos de Políticas Sociais de Recife,
lho missionário como uma forma de ajuda ao necessi- 16 (1): 29-53.
tado, ou seja, um “trabalho social”.
CARRANZA, Brenda. (2000), Renovação carismá-
14 Como, por exemplo, as terapias comportamentalistas tica. Aparecida, SP, Santuário.
que criticam os grupos religiosos de substituírem a de-
_______. (2011), Catolicismo midiático. Aparecida,
pendência química por outra, no caso, “dependência
religiosa” (Cordeiro e Gonçalves, 1998).
SP, Ideias & Letras.
CARRANZA, B. et al. (2009), Novas comunidades
15 Como várias pesquisas revelam, aqueles que vivem ou
católicas: em busca do espaço pós-moderno. Apa-
viveram nessas “comunidades terapêuticas” ou centros
de recuperação, em geral quando se sentem recupera- recida, SP, Ideias & Letras.
dos, aderem à religião ou à igreja dos que administram CHAMPION, F. & HERVIEU-LÉGER, D.
e cuidam desses centros (Targino da Silva, 2014; Ma- (orgs.). (1990), De l’émotion en religion. Paris,
chado, 2011; Barradas, 2008). Em seu estudo Janine Centurion.
Targino (2014) observa essa adesão tanto em uma ins- CLEARY, E. (2010), The rise of Charismatic Catho-
tituição pentecostal quanto em outra criada por grupo licism in Latin America. Gainesville, University
vinculado à RCC. Press of Florida.
16 O léxico da “dependência” é acionado para o entendi- CONRADO, Flavio C. dos Santos. (2006), Re-
mento de outros problemas, como é o caso da prostitui- ligião e cultura cívica: um estudo sobre modali-
ção. Houve entrevistados que citaram problemas de “de- dades, oposições e complementaridades presentes
pendência sexual” como a origem de problemas sociais. nas ações sociais evangélicas no Brasil. Tese de
17 Há uma ampla literatura sobre a influência dos cien- doutorado, Programa de Pós-graduação em
tistas sociais nas religiões de matriz africana no Brasil e Sociologia e Antropologia, IFCS, Universidade
também sobre a presença de intelectuais religiosos na
Federal do Rio de Janeiro.
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16  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 92

AÇÃO SOCIAL DE THE SOCIAL ACTION OF THE ACTION SOCIALE DE


PENTECOSTAIS E DA PENTECOSTAL DENOMINATION PENTECÔTISTES ET
RENOVAÇÃO CARISMÁTICA AND THE CATHOLIC RENOUVEAU CHARISMATIQUE
CATÓLICA NO BRASIL: O CHARISMATIC RENOVATION CATHOLIQUE AU BRÉSIL:
DISCURSO DE SEUS LÍDERES IN BRAZIL: THE DISCOURSE OF LE DISCOURS DE LEURS
THEIR LEADERS DIRIGEANTS

Cecília Loreto Mariz Cecília Loreto Mariz Cecília Loreto Mariz

Palavras-chave: Pentecostalismo; Reno- Keywords: Pentecostalism; Catholic Mots-clés: Pentecôtisme; Renouveau


vação Carismática Católica; Ação social; Charismatic Renovation; Social Action; charismatique catholique; Action sociale;
Esfera pública; Liderança religiosa. Public Sphere; Religious Leadership Sphère publique; Dignitaires religieux.

Tematizando a relação religião e espaço Thematizing the relationship between re- Cet article, qui aborde le thème de la
público, esse artigo analisa operações dis- ligion and the public sphere, this article relation entre la religion et l’espace pu-
cursivas de agentes religiosos em defesa analyses the religious agents’ discursive blic, analyse les opérations discursives des
de um protagonismo imprescindível das operations which advocate for a neces- dignitaires religieux dans la défense d’un
instituições e crenças religiosas em pro- sary protagonism of religious institutions rôle vital des institutions et des croyances
jetos públicos especificamente no traba- and beliefs on public projects, especially religieuses dans les projets publics, prin-
lho social. A comparação de entrevistas those related to social work. Compar- cipalement face au travail social. La
com líderes pentecostais e da Renovação ing the interviews of Pentecostal leaders comparaison des interviews avec des di-
Carismática Católica identifica como a and leaders of the Catholic Charismatic rigeants pentecôtistes et du Renouveau
crescente fluência na gramática secular Renovation movement allows us to iden- Charismatique Catholique identifie de
dessa liderança, historicamente a menos tify the increasing secular fluency of these quelle façon la maîtrise croissante de la
intelectualizada dentre as cristãs, a habi- leadership. Despite historically being the grammaire séculaire de ce leadership
lita a criticar o discurso moderno a partir least intelectuallized among the christian qui, historiquement, est la moins intel-
de dentro. Focando nos limites da prática leaderships, this secular fluency qualifies lectualisée parmi les chrétiennes, le qua-
médica científica e do discurso racional them to criticize the modern discourse lifie à critiquer, à partir d’elle-même, le
na promoção humana, em geral, e espe- from within. Focusing on the borders of discours moderne. Les dirigeants, tout
cialmente na recuperação de dependentes scientific medical practices and rational en mettant l’accent sur les limites de
químicos, os líderes defendem a maior discourses of human promotion - es- la pratique médicale scientifique et du
competência da religião na realização pecially related to the recovery of drug discours rationnel sur la promotion hu-
nesse trabalho social e de saúde públi- addiction -, these leaders stand up for a maine, particulièrement sur la récupéra-
ca. O texto sugere ainda que pesquisas greater role of religion on this type of so- tion des toxicomanes, prônent une plus
empíricas, como a descrita, são espaços, cial and public health issue. Finally, this grande compétence de la religion dans la
dentre outros, que fomentam a constru- paper discusses how empirical researches réalisation de ce travail social et de santé
ção de articulações entre falas religiosas e as this one are key spaces to promote and publique. Le texte suggère aussi que des
seculares. develop connections between religious recherches empiriques, comme celle ici
and secular speeches. décrite, représentent, entre autres, des
espaces de promotion de la construction
d’articulations entre les discours religieux
et laïcs.

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