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O que começa com...

Iniciando o trabalho com a leitura e a escrita em turmas de 1º ano do Ensino


Fundamental

Sílvia N. Gonçalves

O trabalho de alfabetização em turmas de 1º ano requer do professor um


trabalho que envolva uma proposta de letramento. Entendo aqui letramento como o
uso de práticas reais de leitura e de escrita em sala de aula. Contar e ler histórias para
as crianças, trabalhar com diferentes portadores textuais, planejar escritas para os
mais diversos fins (escrever bilhetes, livros, avisos, etc.), registrar receitas e atividades
feitas em aula são atividades imprescindíveis nessas turmas. Além disso, os momentos
do brinquedo livre, da pracinha e de jogos devem ser respeitados e promovidos na
rotina diária dos pequenos. Entretanto, para a construção da leitura e da escrita de
maneira mais formal, é necessária a promoção de atividades mais específicas. Pensar o
uso das letras, em como se escreve, demanda atividades metalinguísticas que
permitam o manuseio de materiais e propostas diferenciadas com a letra, a palavra e o
texto.

O projeto O que começa com..., que


está em andamento, tem como objetivo
principal a associação das letras a palavras.
Para que a criança aprenda a ler e a
escrever é necessária uma série de
conhecimentos. Esse projeto possibilita a
construção de alguns elementos iniciais
desse processo: que o aluno saiba que se

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usam letras para escrever, que conheça o nome e o som das
letras e associe, ao menos, uma palavra para cada letra. Além
disso, significa a escrita, no momento que estamos construindo
um livro, registrando nele nossas aprendizagens.

Esse projeto foi baseado no livro de mesmo nome da


escritora Ingrid Bellinghausen. No ano anterior, eu já havia feito
um trabalho com esse livro. Naquela oportunidade, explorei o livro com os alunos e
depois os convidei a fazerem desenhos para montarmos o nosso livro. Confeccionei-o
com folhas color set e colei os desenhos dos alunos. Após, usamos o livro para propor a
escrita do que fora desenhado.

Neste ano, a proposta foi diferente. Montei com os


alunos um livro individual usando 7 folhas de desenho e
capa em papel cartaz, colando uma letra em cada página e
o título do livro. Depois, convidei os alunos a trazerem
objetos. No primeiro dia, deixei que ilustrassem a primeira
página com o que quisessem. Como tarefa de casa,
ficaram encarregados de trazerem objetos, imagens ou desenhos com a letra A (não
segui a ordem do alfabeto nos dias posteriores, para que eles também tivessem a

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oportunidade de procurarem no livro onde está a letra a ser trabalhada e não
simplesmente colocadas em uma sequência do alfabeto).

Alunos colorindo as letras para o livro.

Após, recortaram e as organizaram pela


ordem do alfabeto (observando o
alfabeto da sala).

Nesse momento, optei por colar as


letras, devido ao cuidado com o excesso
de cola, que poderia colar uma página
na outra.

No momento da rodinha, os alunos apresentaram o material trazido. Todos eles


exploraram livremente os objetos e figuras, identificando o que eram e comentando
seus usos. Em seguida, nas mesas, receberam seus livros e foram registrando coisas
que começavam pela letra ‘A’. Fui desenhando com eles no quadro e anotando o nome
também, para que visualizassem que aquelas coisas começavam todas com a letra ‘A’.
Eles tiveram a opção de escrever o nome ou não (nesse momento o importante é a
associação de objetos à letra).

Material trazido com a letra “C” Aluna registrando, em seu livro, o que
começa com a letra “C”

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Como os alunos trouxeram muitas palavras,
imagens e desenhos, acabei construindo também um
grande livro, onde estamos colando o material trazido
após a exploração na rodinha.

Junto aos desenhos produzidos pelos alunos


no livro, distribuí também uma figura para colarem
na página correspondente à inicial de seu nome,
para que os alunos que ainda não têm o desenho
estruturado tenham uma palavra/imagem de apoio.
Para essa figura, todos devem registrar o nome.
Neste momento, exploro a escrita da palavra como
um todo, não só a letra inicial. Faço os sons de cada
letra, associo a palavras que já trabalhamos. Desse
modo, auxilio as crianças em outras de suas hipóteses de escrita (hipótese da escrita
silábica, da estabilidade das letras na palavra, na qualidade e quantidade das letras).

Outra coisa que estamos fazendo é a


construção de um alfabeto concreto. Tenho
separado um dos objetos trazidos, colocado
em um saquinho transparente e fixado em
uma parede com a letra em E.V.A
correspondente. O alfabeto tem sido consultado em diferentes atividades que fazemos
em aula.

Na rodinha, tenho aproveitado para


explorar os objetos trazidos, agrupando-os de
diferentes formas. Às vezes, coloco quatro objetos
iniciados por determinada letra e outro objeto com

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outra letra e questiono qual o objeto não pertence ao grupo e por que. Outras vezes,
coloco alguns objetos e peço que os agrupem pela letra que inicia (com os objetos já
explorados em aulas anteriores). Também promovo atividades de exploração do livro
que estamos montando: proponho que encontrem letras, que vejam o que está
registrado em determinada letra. Ou então, como na foto abaixo, peço que desenhem
objetos iniciados por algumas letras e para isso eles podem consultar o livro (ou
procurar pela sala – num exercício de dar sentido ao alfabeto concreto e ilustrado da
sala). Estamos também fazendo o registro dessas descobertas.

Alunas explorando o livro O QUE COMEÇA COM... em um


momento de brinquedo livre. Todos os materiais ficam a
disposição dos alunos para manusearem em todos os
momentos da aula (objetos trazidos, livro original, livro
montando com gravuras trazidas pelos alunos). Esse é mais
um momento de construção de aprendizagem: onde
mostram seus interesses, o que já compreendem, como
estão pensando, além de possibilitar mais uma oportunidade
de reflexão sobre a leitura e a escrita.

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Além do envolvimento e entusiasmo dos meus alunos com o livro, tenho
notado a sensibilidade que estão desenvolvendo para as letras. Por exemplo, após
termos estudado a letra ‘A’ e ido almoçar, um aluno disse : “Profe, almoço também
escreve com A.” E outro: “Tinha também ALFACE no almoço, profe.” Ou então, eu
comentando que a próxima letra a ser estudada seria o ‘D’ e mostrando no painel do
alfabeto concreto que a turma da manhã já havia trazido um dado, uma aluna
prontamente disse: “de manhã tem ‘D’ também”. Outro dia, com uma menina,
durante o lanche no refeitório em que havia laranja para comer disse: “Né que laranja
começa com ‘A’, profe?” (reconhecendo a primeira vogal da palavra como sendo seu
som inicial – hipótese silábica). Ver meus alunos atentos às letras, aos objetos a nossa
volta é a prova de que o projeto com livro tem surtido resultado. Descobriram que
estão cercados pelas letras e que podem ter controle sobre isso!

Ainda estamos no início do livro, talvez não faça essa exploração com cada letra
até o final, afinal, ainda faremos muitos outros livros com o estudo do alfabeto. Estou
pensando em enviar algumas letras para serem feitas com as famílias em casa, um
jeito também de mobilizar os familiares nas tarefas dos filhos. O que sei é que o livro já
cumpriu seu papel, o de mostrar às crianças que escrevemos com letras e que estamos
cercados por elas, mesmo, não as vendo e ainda não compreendendo direito seu
funcionamento.

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Sílvia N. Gonçalves – Bacharel em Letras (UFRGS) e
licenciada (FEEVALE) em Letras. Especialista em
linguagem e letramento (FAPA). Professora da rede
municipal de Porto Alegre. Silvia_facos@yahoo.com.br

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