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Como Escrever Histórias

Como Formatar
Roteiros
Cinema & TV.
de Raoni Marqs

Sabe quando você vê uma página de roteiro e percebe que é


completamente diferente da página de um livro? É porque roteiros de
audiovisual são formatados de um jeito diferente e é essa a formatação que
TODO MUNDO NO PLANETA usa pra fazer filmes, TV, animações e tal
tal tal. É isso o que a gente vai aprender hoje, então… apertem os cintos.

Ok? Ok.

O desconhecidíssimo mas super influente livro "Como escrever um filme


em 21 dias", da Viki King, tem quase 200 páginas, mas ela precisou só de
seis pra ensinar como formatar um roteiro. O que ela ensina é mais ou
menos assim:

Formatação:
FADE IN:
Isso aqui é uma transição, ela tá do lado esquerdo porque ela é o
COMEÇO de alguma coisa.
INT. SUA CASA – DIA

Aqui a gente fala onde a cena se passa – num lugar INTerno, ou EXTerno,
qual é o lugar e se é dia ou noite.

Aqui é onde você descreve o que nós vemos. Se você


quer mostrar um homem, escreva "rico executivo
melancólico," ou talvez "morador de rua". Os dois
são homens, mas a escolha de palavras os torna
homens bem diferentes. Você não pode dizer "homem
divorciado" porque nós não conseguimos enxergar
"divorcidade". Nós conseguimos enxergar
"executivo" através do que o homem veste, o que
ele carrega, onde ele está.

Pule uma linha entre descrição e diálogo.

NOME DO PERSONAGEM
(perplexo) – em
parênteses ficam as instruções
para o ator: não exagere na dose.
Aqui é onde você coloca o
diálogo. Tudo o que é dito vai no
diálogo. Nomes de personagens e
diálogos vão no centro da página.

CUT TO:

Quando você quer terminar uma cena e ir para a próxima cena, você pode
CORTAR PARA ou DISSOLVER PARA (DISSOLVE TO) e colocar essas
indicações na direita – porque ela está no FIM de alguma coisa... mas
ninguém liga se estiverem na esquerda.

Quando um personagem não termina de falar ao fim da página, tente


interromper a fala ao final de uma frase. Escreva (MORE) [ou (MAIS)] na
linha abaixo da última frase; repita o nome do personagem e adicione
(CONT'D) no topo da próxima página:

NOME DO PERSONAGEM
É assim que o diálogo é dividido quando
não cabe numa mesma página.
(MORE)

(fim da página)
------------------------------------------------------------------------------------------
(topo da nova página)

NOME DO PERSONAGEM (CONT'D)


assim o leitor sabe que ainda há
mais por vir.

Quando nós ouvimos alguém narrando sobre o que estamos vendo, você
anota isso usando "V.O." de "voice over". Quando alguém está falando na
cena, mas não está aparecendo na tela, você usa "O.S." de "off screen". E
sempre que quiser enfatizar alguma coisa numa ação ou diálogo, sublinhe.

Quando usar caixa alta:


Na descrição, use caixa alta ao escrever o nome de um personagem que
aparece pela primeira vez. Teoricamente, isso é para alertar o diretor de
casting. Também usa-se caixa alta para efeitos sonoros, para alertar o
sonoplasta. Teoricamente, também se usa caixa alta pra escrever nomes de
músicas ou livros, mas… não sei se andam seguindo muito essa aí.

A Viki King para por aí, mas existem algumas coisinhas...


Algumas coisinhas:
Vira e mexe você acaba encontrando alguma coisa que você não sabe
exatamente como formatar. Por exemplo, numa conversa de telefone, em
que a câmera corta entre duas pessoas em lugares diferentes, como você
faz: começa uma nova cena a cada fala? A Viki King usa uma formatação
que diz:

INTERCUT TELEPHONE CONVERSATION:

...e aí o roteiro só mostra um diálogo normal entre as duas pessoas. Mas


isso serve para quando você já está no meio de uma cena. Pra começar
uma cena que se passa toda entrecortada assim, tem um exemplo ótimo:
no roteiro de "Os Excêntricos Tenenbaums," – o melhor filme de todos os
tempos, – o Wes Anderson define as duas locações e segue a cena como
um diálogo normal.

INT. APARTAMENTO DO HENRY/QUARTO DO TELEFONE DA


ETHELINE. DIA

Uma conversa de telefone. Henry está sentado à


mesa em seu escritório. Há livros de contabilidade
e calculadoras à sua frente e estátuas de vidro de
pássaros e animais atrás dele. Etheline está no
quarto do telefone na Archer Avenue.

HENRY
Você contou para os seus filhos?
ETHELINE
Mais ou menos.

Outra coisa que ela não cobre são montagens. Uma montagem é uma série
de cenas que formam uma mesma sequência, que podem acontecer num
mesmo lugar ou em lugares diferentes. Por exemplo: toda vez que um
filme oitentista tem uma cena em que um personagem troca de roupa
várias vezes e outro personagem fica julgando as roupas até gostar de
alguma, isso é uma montagem. Toda vez que um boxeador está treinando
em vários lugares diferentes e toca uma música empolgante no fundo, isso
é uma montagem. O que define a montagem, além da unidade de tempo, é
que ela não tem falas. Então nos tenenbaums quando a gente vê uma
montagem de com quantas pessoas a Margot já traiu o marido dela, ela é
descrita assim:

MONTAGEM:

Margot aos 12 anos de idade compra um maço de


cigarros numa vendinha.

Ela fuma um no terraço da casa, apoiada na chaminé


ao lado da casinha do falcão.

Em cada uma das imagens seguintes Margot fuma um


cigarro.

Margot sai pela janela do dormitório feminino. Ela


carrega uma malinha.

Margot beija
– um adolescente porto-riquenho no banco de trás
de um táxi;
– um cara magrelo de moicano num ônibus;
– um irlandês bruto no deque de uma balsa;
– Eli num vagão de metrô deserto, se movendo à
toda velocidade à noite.

CUT TO:
E aí termina a montagem. Caso você tenha uma cena que começa, tem
uma montagem no meio da cena e depois disso a cena continua, é bom não
só escrever "MONTAGEM:" no começo, mas também escrever "FIM DA
MONTAGEM" ao final – é sempre bom deixar algumas coisas claras.

Entretanto, se você tiver uma série de cenas curtas, mas que envolvem
uma série de ações específicas ou qualquer fala, é melhor começar cada
uma com um cabeçalho e descrever rapidamente o que acontece ao invés
de descrever como uma montagem.

Também existem "INSERTS". Um insert é uma cena muito curta e focada


em algo muito específico, que pode se passar em outro lugar, mas que, por
ser curta e específica não demanda um cabeçalho ou muita descrição – é
praticamente um take que é "inserido" na cena que está se passando.

Por exemplo, "Os Excêntricos Tenenbaums" abre com a imagem de um


livro sendo retirado da biblioteca – esse livro é o filme que a gente está
vendo, e a cada novo capítulo nós vemos a página do livro em que esse
capítulo começa. Todas essas cenas de um novo capítulo começando são
inserts. Então a primeira linha na primeira página do roteiro todo é:

INSERT:

Uma cópia da primeira edição de Os Excêntricos


Tenenbaums.

Na capa há uma ilustração de um cartão cor de


creme que parece um convite de casamento. O título
do livro está gravado no cartão.
A próxima página diz Capítulo Um.

NARRADOR
Royal Tenenbaum comprou a casa na
Archer Avenue no inverno do seu
trigésimo quinto ano.
CUT TO:

E aí termina o insert.

É interessante que aqui, "Os Excêntricos Tenenbaums" é o título de um


livro – um livro fictício, mas um livro – e, ao invés de usar maiúsculas
como a Viki King diz, ele usa itálico. Então você pode refletir sobre como
você vai escrever, de que maneira certas coisas podem ser formatadas no
seu roteiro – porque se você não sabe como formatar um roteiro é um
problema, mas se você tem precedentes de outros roteiros e só escolheu o
que mais te agradou, aí ninguém pode dizer que você tá errado.

Ao contrário de uma montagem, esse insert ainda tem uma fala. Não só
isso, como a fala é de um narrador e o autor escreve "Narrador" como se
escrevesse um personagem normal. Tecnicamente, a gente mostra que uma
cena está sendo narrada colocando "V.O." depois do nome do personagem,
mas como "narrador" já define uma pessoa que só fala através de voz over,
o autor achou que seria redundante especificar que a voz do narrador é
over. Pontos pra ele.

Outra coisa é que o segundo parágrafo descreve um segundo insert – se


um insert é uma mini cena, quando você corta da capa do livro pro interior
do livro, você tá numa segunda mini cena. Mas ele não cria outro insert
pra esse take, porque seria redundante – se você tem um segundo insert no
seu insert, não tem porquê dizer de novo que a gente tá num insert. O
negócio é que, quando a gente corta, por exemplo, da capa do livro pra
primeira página, a gente tá seguindo um raciocínio. Mas vamos dizer que
você tenha uma série de inserts diferentes – você coloca uma lista de
inserts? Ou isso é uma montagem??

Geralmente a gente usa "montagem" pra cenas abertas com ações, e inserts
são mais contidos. Mas se você tem uma cena com uma ação – e só uma –
ela não é uma montagem, então ela pode ser descrita no roteiro como um
insert. É confuso, mas esses casos são bem raros de acontecer então deixe
pra se preocupar com essas especificidades quando encontrar com elas ao
escrever o seu roteiro.

Sobre a página título do seu roteiro, ela deve ficar mais ou menos assim:

SEU TÍTULO

Escrito
por
seu nome

E para terminar o seu roteiro você pode usar:

FADE OUT.

THE END

E é isso.

A formatação de roteiro é o básico pra quem quer escrever um roteiro


profissional e ela serve pra quem quer escrever pra qualquer coisa que seja
audiovisual – tipo filmes ou TV ou animação… – mas eu também uso pra
outras coisas tipo quadrinhos, às vezes, porque eu odeio a formatação de
quadrinhos, e a formatação de cinema e TV já é bem prática em comunicar
imagens e diálogos.

A maior dificuldade da formatação é saber qual o espaçamento certo de


cada coisa, mas hoje em dia todo mundo usa algum programa próprio para
roteiros e esses programas já fazem todo esse trabalho pra você – você
escolhe se o que você está escrevendo é uma descrição, um cabeçalho, um
diálogo, um personagem, uma transição, ou até um "parenthetical".

Quando eu tava na faculdade eu usava o Celtx, todo mundo no planeta usa


o Final Draft (inclusive eu) e a Shonda Rhimes usa o Movie Magic
Screenwriter. Escolha o seu aí e boa sorte. Ou então abra o Google Docs e
vai usando a tecla TAB pra ir ajustando o seu texto uma linha de cada vez
até deixar tudo no lugar certo.

Por favor: vá atrás dos roteiros dos filmes que você gosta e LEIA
ROTEIROS – assim como escritores deviam ler muito, roteiristas deviam
ler muitos roteiros pra ficar cada vez mais familiarizados com o formato
em que você precisa apresentar as suas histórias.

Espero que você agora esteja livre para escrever roteiros que parecem
totalmente profissionais e impressionar seus amigos e família com a sua
destreza na escrita criativa!

Agora vai lá escrever.

"Como Escrever Histórias" – Raoni Marqs, 2018.


bendaora.com

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