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Saúde e adoecimento no trabalho

Considera-se que uma das principais causas de adoecimento, falta ao trabalho e


incapacidade de realizar as atividades laborais, entre os trabalhadores do setor
industrial, são as lesões por esforço repetitivo (LER) ou Distúrbios Osteomusculares
Relacionadas ao Trabalho (DORT). De acordo com o estudo “Diagnóstico de saúde e
estilo de vida”, realizado pelo SESI Nacional, os principais causadores dos males que
acometem os trabalhadores da indústria brasileira são a pressão alta, depressão e
obesidade.

Ainda, segundo a mesma pesquisa: “O alto índice de deprimidos está


relacionado à organização do trabalho, principalmente nos últimos tempos, com a
ameaça de desemprego diante da crise financeira”. Sabe-se que os doentes com LER
(Lesão por Esforço Repetitivo) tendem a sofrer de depressão, diante da desqualificação
da doença, já que o sintoma é a dor. Muitos trabalhadores não relacionam a dificuldade
de relacionamento, o cansaço frequente, e o sono difícil como sintomas de depressão.

As transformações recentes nos processos produtivos das indústrias levam a uma maior
intensificação do trabalho, com aumento no esforço requerido de tendões, músculos e
articulações, levando a um importante aumento na incidência dessas lesões
ocupacionais no trabalhador.

Há ainda a questão da organização do trabalho que influi diretamente sobre o


bem-estar dos trabalhadores. A falta de condições adequadas de trabalho é prejudicial
tanto para os trabalhadores, aumentando a incidência do adoecimento e absenteísmo
laboral (falta ao trabalho) entre eles, como para os empregadores, com a diminuição da
produtividade e competitividade da indústria.

Outros fatores ergonômicos também são importantes, como no caso de


equipamentos mal projetados, que não podem ser ajustados de acordo com as diferenças
individuais de cada empregado, e que por isso tornam sua utilização desconfortável,
predispondo os trabalhadores a danos físicos e psíquicos.

Atualmente, a progressiva automação das atividades industriais tem exigido


que os trabalhadores realizem tarefas que requerem alta repetição de movimentos,
principalmente dos membros superiores (ombros, braços e mãos), além de posturas
fixas (estáticas) de todo o corpo, comprometendo, de muitas maneiras, o sistema
músculo-esquelético. O uso excessivo dos músculos e articulações leva a pequenos
traumas que se repetem durante a jornada de trabalho, provocando as Lesões por
Esforços Repetitivos (LER) ou Distúrbios Ósteo-musculares Relacionados ao Trabalho
(DORT).

Portanto, pode-se perceber que o emprego de novas tecnologias


frequentemente não é utilizado no sentido de aliviar a carga de trabalho ou de permitir
uma maior autonomia do trabalhador na realização de suas tarefas, mas sim, no sentido
de impor uma maior exigência do ritmo e frequência de trabalho, o que está estritamente
relacionado à atual expansão das LER/DORT (MERLO, 2000).

Na maioria dos trabalhadores acometidos por LER/DORT a doença evolui para


uma forma crônica e com presença permanente de dor. Quando esta lesão se torna
crônica, produz alterações consideráveis na vida destas pessoas, impossibilitando-os de
realizar, não só sua atividade profissional, mas também suas atividades diárias. Os
trabalhadores acometidos por tais doenças encontram-se em uma situação de
permanente sofrimento físico e psíquico (MERLO et al, 2003).

Geralmente os sintomas são de evolução insidiosa (sem diagnóstico aparente


ou difícil de ser diagnosticado) até serem claramente percebidos. Com frequência são
desencadeados ou agravados após períodos de maior quantidade de trabalho ou jornadas
prolongadas e em geral, o trabalhador busca formas de manter o desenvolvimento de
seu trabalho, mesmo que à custa de dor. A diminuição da capacidade física passa a ser
percebida no trabalho e fora dele, durante as atividades cotidianas.

As LER/DORT são as manifestações de lesões decorrentes da utilização


excessiva, imposta ao sistema músculo-esquelético, e da falta de tempo para a sua
recuperação. Lesões neuro-ortopédicas como as tendinites (inflamação dos tendões) e as
compressões de nervos periféricos (síndrome do túnel do carpo) são exemplos de lesões
relacionadas ao trabalho.

Os fatores de risco para o surgimento das LER/DORT envolvem aspectos


físicos, psicoemocionais e da organização do trabalho, os quais comumente interagem
entre si. Entre eles temos:

•Execução de movimentos repetitivos durante o trabalho;

•Falta de rotatividade de tarefas;

•Falta de pausas durante a jornada de trabalho;

•Posturas desconfortáveis adotadas pelos trabalhadores;

•Realização de esforço muscular excessivo;

•Posto de trabalho e equipamentos ergonomicamente inadequados;

•Estresse físico e mental; etc.

O que pode ocorrer nos casos mais crônicos?

Nos casos mais crônicos e graves, pode ocorrer: sudorese (suor) excessiva nas
mãos e alodínea (sensação de dor como resposta a estímulos não nocivos em pele
normal).

A prevenção do adoecimento do trabalhador é de grande importância para a indústria,


pois um trabalhador doente torna-se ineficiente e improdutivo. Para tanto devem ser
realizadas ações que visem a estimular o bem-estar físico e psicossocial dos
empregados, evitando assim o surgimento de doenças ocupacionais. Entre as medidas
gerais que podem ser aplicadas para alcançar este objetivo, pode-se citar:

•Ergonomia – através de mudanças no ambiente de trabalho e no modo de


produção (organização do trabalho). A intervenção ergonômica dentro de uma empresa
deve ser realizada de forma a promover mudanças que busquem solucionar
necessidades específicas de cada atividade. Para tanto, é preciso que, inicialmente, se
realize a Análise Ergonômica do Trabalho (AET) por um profissional habilitado
(ergonomista) e através desta possam ser colocadas em prática as alterações mais
adequadas e efetivas para cada caso. Medidas como a implantação de pausas durante o
trabalho, rotatividade de tarefas e mecanização de atividades que exijam sobrecarga
muscular do trabalhador, como o levantamento de carga, são exemplos de alterações
benéficas para a saúde dos empregados;

•Educação dos trabalhadores – ensinando sobre como realizar suas tarefas de


forma correta e segura, evitando lesões e acidentes do trabalho;

•Ginástica Laboral – o incentivo à prática de atividade física leva a melhora da


saúde geral do indivíduo e a integração social dos trabalhadores, beneficiando os
aspectos físicos e psicológicos durante o trabalho.

Vários fatores provocam essas lesões, dentre elas destacamos:

•Postos de trabalho que forçam o trabalhador a adotar posturas desconfortáveis,


a suportar cargas excessivas e a se comportar de forma a causar ou agravar afecções
músculo-esqueléticas;

•Exposição a vibrações de corpo inteiro, ou do membro superior, pode causar


efeitos vasculares, musculares e neurológicos;

•Exposição ao frio pode ter efeito direto sobre o tecido exposto e indireto pelo
uso de equipamentos de proteção individual contra baixas temperaturas (ex. luvas);

•Exposição a ruído elevado, entre outros efeitos pode produzir mudanças de


comportamento;

•Pressão mecânica localizada provocada pelo contato físico de cantos retos ou


pontiagudos de objetos, ferramentas e móveis, com tecidos moles de segmentos do
corpo e trajetos nervosos provocando compressão de estruturas moles do sistema
músculo-esquelético.

•Posturas inadequadas podem causar LER/DORT. Estas posturas possuem três


características que podem estar presentes simultaneamente:

- Posturas em que as articulações são forçadas até o seu limite de movimento.


- Força da gravidade impondo aumento de carga sobre os músculos e
articulações.

- Posturas que modificam a geometria músculo-esquelética e podem gerar


estresse sobre tendões, músculos e articulações.

•Sobrecarga mecânica músculo-esquelética. Entre os fatores que influenciam a


carga músculo-esquelética, encontramos: a força, a repetição, a duração da carga, o tipo
de preensão, a postura e o método de trabalho. A carga músculo-esquelética pode ser
entendida como a carga mecânica exercida sobre seus tecidos e inclui:

- Tensão muscular;

- Pressão externa sobre músculos e nervos;

- Fricção dos tendões sobre as estruturas ao seu redor;

- Irritação dos nervos.

Como essas lesões podem ser diagnosticadas?

Observando-se:

•Dor localizada, irradiada ou generalizada;

•Desconforto;

•Fadiga;

•Sensação de peso;

•Formigamento;

•Dormência;

•Sensação de diminuição de força;

•Inchaço;

•Enrijecimento muscular;

•Choques nos membros;

•Falta de firmeza nas mãos.

É necessário um profissional médico para esse diagnóstico?

Sim, é importante que estas lesões sejam diagnosticadas por um médico, pois
com sua experiência e formação ele pode buscar dados por meio da história clínica,
levando em consideração as atividades realizadas pela pessoa tanto no trabalho, quanto
no lazer. Em seguida realiza um exame físico geral, dedicando especial atenção aos
locais afetados.
Existem exames complementares para auxiliar o médico no diagnóstico?

Exames complementares podem ser solicitados para esclarecer o diagnóstico,


incluindo: radiografias, ecografias, eletroneuromiografia, ressonância magnética e
exames laboratoriais para condições reumáticas, dentre outros.

O tratamento da LER/DORT têm início após um diagnóstico correto e deve buscar uma
abordagem integrada, ao invés de tratar somente a sintomatologia:

•Medidas ergonômicas visam a melhorias no local de trabalho que não


induzam ao desenvolvimento das LER/DORT. Por vezes, pequenas adaptações fazem
grandes diferenças. As pausas programadas durante a jornada de trabalho podem ser
consideradas atitudes ergonômicas benéficas.

•Exercícios físicos são benéficos, incluindo tanto exercícios aeróbicos como


exercícios de alongamento, mas devem sempre ser orientandos por profissional
especializado.

•A fisioterapia é muitas vezes empregada na redução da dor e na recuperação


da função e dos movimentos do membro afetado pela LER/DORT.

•Medicamentos antiinflamatórios e analgésicos são utilizados para alívio da dor


aguda e crônica. Devem ser utilizados com cautela e somente com recomendação
médica.

•Medicamentos corticóides são antiinflamatórios mais potentes, porém com


mais efeitos colaterais, merecendo atenção médica redobrada.

•Medicamentos antidepressivos e outros agentes com ação no sistema nervoso


central são utilizados em quadros de dores crônicas provocadas pelas LER/DORT ou
quando associadas a sintomas de humor e/ou ansiedade.

•Intervenção cirúrgica é indicada para casos associados a más formações e


deformidades ósteo-musculares irreversíveis ao tratamento medicamentoso.

Como prevenir a ocorrência dessas lesões?

•Identifique tarefas, ferramentas ou situações que causam dor ou desconforto e


converse sobre elas com os profissionais da segurança e saúde do trabalho que atendem
a sua empresa e com sua chefia;

•Faça revezamento nas tarefas;

•Procure aprender outras tarefas que exijam outros tipos de movimento;

•Faça pausas obrigatórias de 10 minutos a cada 50 minutos trabalhados,


evitando ultrapassar 6 horas de trabalho diário de digitação;
•Auxilie na identificação das posições incorretas e forçadas no trabalho e ao
mesmo tempo, procure dar sugestões sobre o que fazer para melhorar as condições de
trabalho;
•Informe claramente à sua chefia quando o tempo determinado para realizar uma tarefa
for reduzido;

•Diante dos sintomas de dor ou formigamento nos membros superiores,


procure um médico;

•Procure conhecer os recursos de conforto do seu posto de trabalho;

•Procure adotar posturas corretas;

•Levante-se de tempos em tempos, ande um pouco, espreguice-se, faça


movimentos contrários àqueles da tarefa.

Quais os exercícios ideais para prevenção e ou tratamento das LER/DORT?

Alguns exercícios são indicados para prevenção e auxiliam no tratamento das


LER/DORT, como estes:

•Abra as mãos e encoste as palmas em "posição de rezar". Com os dedos juntos


flexione os punhos e comprima uma mão contra a outra. (frente do peito);

•Aperte dedo contra dedo, alongando-os um por um (polegar contra polegar,


indicador contra indicador e assim por diante). Pode ser feito com todos os dedos ao
mesmo tempo;

•Cruze o dedo com dedo (gancho) e puxe alternando-os. Ex. Polegar com
médio, anular com mínimo. A variedade fica por conta de cada um;

•Feche bem as mãos como se estivesse segurando algo com força. Em seguida
estique bem os dedos;

•Abra os dedos afastando-os o máximo possível. Feche os dedos apertando-os


com a mão esticada;

•Faça "ondas" com a mão e os dedos. Como se a mão estivesse serpenteando


no ar;
•Balance as mãos;

•Gire os punhos em círculo, com as mãos soltas, no sentido horário e anti-


horário.
Veja mais sobre este assunto:

O Trabalho entre Prazer, Sofrimento e Adoecimento: A Realidade dos


Portadores de Lesões por Esforços Repetitivos.
O saber do psicólogo na prevenção, reabilitação e promoção
da saúde dos trabalhadores

Conforme já foi assinalado, a área de atenção à saúde dos


trabalhadores insere-se no campo das práticas em saúde coletiva, e o
psicólogo poderá deparar-se com as questões do processo saúde-doença
em sua relação com o trabalho, independentemente do lugar em que
esteja atuando.
Considerando o fato de a atual configuração teórica da área romper
a concepção que estabelece um vínculo causal entre doença e um agente
específico e introduzir a leitura dos condicionantes sociais, das condições
e da organização do trabalho na determinação do processo de adoecer
e sofrer no trabalho, tais preceitos repercutirão na prática psicológica, o
que implica numa releitura teórica e metodológica dessa prática. A revisão
da abordagem médico-científica, com ênfase nos fenômenos biológicos
e uma visão mecanicista do adoecer, que não previa intervenções nos
processos produtivos, foi modificada e ampliou os conhecimentos sobre a
relação entre saúde e trabalho, privilegiando o olhar sobre o trabalhador.
Na perspectiva de superar o reducionismo positivista das
explicações que permeiam o adoecer no trabalho, impõe-se à área de
Saúde do Trabalhador um olhar sobre o ser humano na relação com a sua
atividade, isto é, na forma pela qual se insere no processo produtivo, além
das condições, da organização e da divisão do trabalho. Dessa forma,
é preciso reconhecer a subjetividade no trabalho, o significado que os
indivíduos atribuem a determinadas situações, o modo como cada um
reage a partir da sua história de vida, de seus valores, das suas crenças,
das suas experiências e das suas representações sobre a atividade
desenvolvida.
Torna-se evidente também a necessidade da participação dos
trabalhadores nas ações voltadas para a proteção e a promoção da saúde
como sujeitos capazes de contribuir com o seu conhecimento para o
avanço da compreensão do impacto do trabalho sobre o processo saúde-
doença e de intervir para transformar a realidade. Nesse contexto, cabe
à Psicologia contribuir com um olhar para cada sujeito, considerando-
o sujeito de um coletivo, resgatar o conhecimento e valorizar a
subjetividade dos trabalhadores, para compreender melhor suas práticas
de trabalho (SELLIGMANN-SILVA, 1994; SILVA FILHO, 1997). Seguindo
as diretrizes do SUS, as ações desenvolvidas devem ser orientadas para a
promoção, a prevenção, a assistência e a reabilitação. Ao mesmo tempo,
devem ser desenhadas a partir das singularidades que conformam cada
território, em termos econômico-produtivos e socioculturais, cabendo
especial atenção à especificidade da organização do movimento social-
sindical, pois, conforme já foi dito, o controle social é um dos princípios
norteadores da política de Saúde do Trabalhador.
Dadas as circunstâncias, as práticas psicológicas em Saúde do
Trabalhador devem ser desenhadas a partir de uma contínua atividade
investigativa que norteie a eleição de prioridades e que defina as formas
de atuação. Deve-se considerar que a atuação do psicólogo nesse
âmbito pode estar delimitada por determinações legais (como no caso
da vigilância) e pode subsidiar a concessão de benefícios previdenciários
(auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, por exemplo) e trabalhistas
(direito à reintegração).
Desse modo, com o intuito de apresentar as contribuições da
Psicologia para a implantação e a implementação de ações na área
da Saúde do Trabalhador, serão relatadas, a seguir, algumas atividades
desenvolvidas nessa área. É importante salientar que muitas dessas
ações tornaram-se referência para a implantação de diversas práticas; no
entanto, não se trata da apresentação de modelos, pois as informações
e demandas locais, as especificidades regionais, as atribuições e as
competências de cada serviço norteiam a definição das ações, segundo
os princípios do SUS, privilegiando as estratégias da atenção básica, o
enfoque da promoção da saúde e o controle social.
Também vale lembrar que, da mesma forma que a Saúde do
Trabalhador enquanto política pública não se restringe aos CERESTs,
também a atuação do psicólogo nesse campo não pode ficar restrita
a essa unidade especializada. Ela deve ocorrer nos mais diversos
serviços do SUS, tais como unidades de atenção básica, ambulatórios
de especialidades, CAPS, hospitais e serviços de vigilância em saúde.
As particularidades e possibilidades de ação em cada local dependem
das características loco-regionais e de determinações legais. Sendo
assim, aqui também não se pretende delimitar as fronteiras de atuação
do psicólogo em cada tipo de serviço, mas apresentar as diversas
possibilidades de ação no campo da Saúde do Trabalhador em que
esse profissional possa estar inserido. No que se refere ao papel de cada
tipo de serviço no SUS, sugere-se consultar a legislação indicada nas
referências ao final do documento.

2.1 A notificação dos agravos e das situações de risco para


a saúde dos trabalhadores
A notificação tem se colocado como um dos principais desafios à
rede de atenção à saúde dos trabalhadores.
Nos últimos anos, se ainda há escassez de dados, muito se avançou
com a publicação, pelo Ministério da Saúde, do Manual de Doenças
Relacionadas ao Trabalho (2001), cujo capítulo 10 discorre sobre os
transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho, e da
Portaria nº 777/GM, de 28 de abril de 2004, que institui a notificação
compulsória de agravos à saúde do trabalhador, a saber:
§ 1º São agravos de notificação compulsória, para efeitos desta
portaria:
X - Transtornos mentais relacionados ao trabalho.
Na prática, a notificação dos transtornos mentais será realizada por
meio de um sistema de informações do Ministério da Saúde (Sistema de
Informação de Agravos de Notificação – SINAN), já conhecido da rede de
saúde, pois é utilizado para os demais agravos de notificação compulsória
rotineiramente registrados pelos serviços de vigilância à saúde.
Embora as normas técnicas referentes à temática saúde mental
e trabalho impulsionem o aperfeiçoamento das ações de registro e
notificação dos transtornos mentais, faz-se necessária a incorporação
dessa prática no dia a dia do psicólogo a partir da realização de um
diagnóstico com o devido rigor ético e técnico.
No campo dos estudos epidemiológicos, a busca da determinação
social da doença e os dados de caráter coletivo relacionados aos
transtornos mentais favorecem o reconhecimento da categoria trabalho
como determinante do adoecimento e permitem maior visibilidade ao
sofrimento psíquico.

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2.2 Informação: produção e organização de dados
A área da Saúde do Trabalhador tem, tradicionalmente, utilizado
as informações produzidas por outros setores, tais como a Previdência
Social (o registro das notificações de acidentes do trabalho) e o Ministério
do Trabalho e Emprego (registro das empresas), dentre outros, uma vez
que há carência de dados nos serviços de saúde relativos ao adoecimento
produzido pelo trabalho, mapeamento dos riscos no trabalho etc.
Por outro lado, as informações dos serviços devem alimentar os
sistemas de informação em saúde, integrando os dados de saúde do
trabalhador aos bancos de dados oficiais, o que garantirá a ampla difusão
das informações e as disponibilizará para a sociedade.

2.3 Ações de assistência e promoção da saúde: uma abor-


dagem interdisciplinar
Independentemente do seu espaço de atuação, o psicólogo deve
sempre colaborar com a saúde dos trabalhadores, ou seja, se na sua prática
clínica não perder de vista a centralidade do trabalho na compreensão da
subjetividade humana, essa dimensão será necessariamente levada em
conta. Contudo, deve-se ressaltar que é na abordagem interdisciplinar
que se pode dar conta da amplitude dos problemas de saúde relacionados
ao trabalho.
Nesse sentido, observa-se que os psicólogos têm participado
da elaboração de diferentes modalidades terapêuticas de atenção aos
trabalhadores, dando especial destaque às atividades grupais com
portadores de doenças crônicas (LER/DORT; lombalgia, PAIR etc.). Em tais
atividades, são adotadas diversas perspectivas teóricas. De modo geral, os
grupos têm caráter informativo-terapêutico, valorizam o conhecimento e
a subjetividade dos trabalhadores e visam à ressignificação do processo
de adoecimento, além de legitimar o seu discurso, estimular a sua
participação e autonomia em relação ao tratamento, o que propicia o
autoconhecimento.
Um dos primeiros relatos de intervenção terapêutica grupal com
trabalhadores portadores de LER/DORT desenvolvida em serviços
públicos de Saúde do Trabalhador foi produzido por Sato et al. (1993). O

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artigo apresenta os resultados encontrados sobre a dimensão psicossocial
e o sofrimento vivido pelos portadores, este associado à culpa e à revolta
em relação ao adoecimento, à impossibilidade de realizar as atividades
anteriores e à incerteza da melhora. Concluiu-se que tal abordagem
propiciou a construção de estratégias individuais e coletivas visando a
melhor qualidade de vida, o que contribui para a adoção de uma postura
ativa.
Lima e Oliveira (1995) abordam a temática da ideologia da
culpabilização e os grupos de qualidade de vida tecendo uma crítica às
explicações reducionistas adotadas pela Psicologia, ao enfocar o indivíduo
como objeto exclusivo da investigação. Os autores enfatizam a importância
do trabalho grupal como espaço de reflexão, ao instrumentalizar os
indivíduos para o enfrentamento das situações vividas.
A implementação das oficinas terapêutico-pedagógicas para
portadores de LER/DORT (CHIESA et al. 2002) exemplifica um modelo
de atenção psicoterapêutica desenvolvida no serviço público. Neste,
consideram-se as características do processo de adoecimento e a
superação da problemática a partir do resgate e da articulação das
experiências de vida em um determinado contexto social.
Com ênfase na busca coletiva de soluções de tarefas, Hoefel et
al. (2004) propuseram a formação dos grupos de ação solidária que
estimulam o desenvolvimento da criatividade e a construção de formas de
apoio social e laços solidários, o que desencadeia novas posturas frente às
situações do adoecimento. A partir de uma “situação problema”, realiza-
se uma análise coletiva em busca de alternativas para uma intervenção e
para o resgate da cidadania.
Esse breve relato de atividades terapêuticas teve o intuito de
ilustrar a dimensão psicológica e a compreensão do sofrimento psíquico
relacionadas ao processo de adoecimento decorrente do trabalho. As
atividades descritas têm sido desenvolvidas em diversos serviços de
atenções primária, secundária e até mesmo terciária do SUS, mas ainda
são os CERESTs que as realizam com um caráter sistemático, seja na
atenção direta aos usuários seja no apoio técnico a outras unidades
(GARBIN, 2003; BERNARDO, 2003; ALVARENGA ; SILVA, 2003; MERLO
et al., 2001).

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As perspectivas de atenção, tratamento e reabilitação na área
da Saúde do Trabalhador incluem abordagens mais amplas do que
a reabilitação para o trabalho, o que possibilita um viver criativo
apesar da presença da doença. Trata-se, portanto, de uma reabilitação
para uma nova inserção social. Nesse sentido, trabalha-se com a
perspectiva de instrumentalizar os indivíduos para ações individuais
e coletivas, buscando melhorar a qualidade de vida e ampliar a
participação na sociedade, o que gera um pensamento crítico sobre a
realidade, possibilita a transformação de relações de poder e aumenta
a capacidade de os indivíduos sentirem-se ativos nos processos que
determinam suas vidas.
Convém ressaltar que diferentes condições de trabalho, a falta de
trabalho ou mesmo a ameaça de perda do emprego podem provocar
sofrimento mental. Os acidentes, doenças do trabalho e o desemprego
podem afetar a saúde mental, levando aos chamados transtornos
mentais e do comportamento, a quadros psicopatológicos específicos e
a alterações no sistema nervoso (SELIGMANN-SILVA, 1997).

2.4 Análise dos processos de trabalho e vigilância


As ações de vigilância em Saúde do Trabalhador incluem
a identificação, o controle e a eliminação dos riscos nos locais
de trabalho. Partindo de dados epidemiológicos, de informações
fornecidas pelos trabalhadores atendidos nas unidades de saúde e/ou
pelos sindicatos, além da bibliografia especializada, definem-se as
prioridades de atuação. O objetivo é identificar os riscos à saúde nos
contextos de trabalho e indicar modificações, visando à prevenção
primária. O processo de vigilância pode ser desencadeado por um
evento sentinela, ou seja, a ocorrência de doença, invalidez ou mortes
evitáveis. A partir do conhecimento de cada um dos eventos, ocorrerá
uma investigação para determinar como eventos similares podem ser
prevenidos no futuro.
Um dos pressupostos que orientam a prática em vigilância é o
diálogo entre a vivência e a experiência cotidiana dos trabalhadores e
o conhecimento técnico-científico. É preciso ater-se cuidadosamente
acerca desse ponto, pois, durante as avaliações, o local de trabalho

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costuma ser apresentado pela empresa de modo a aparentar menos
danos à saúde: máquinas perigosas são desligadas, o ritmo de trabalho
é diminuído etc. A situação real, nesses casos, fica praticamente
inacessível. Além do mais, apenas com a participação dos trabalhadores
poder-se-á garantir a implementação das mudanças sugeridas a partir
dessas avaliações, já que os trabalhadores, quando participam da
elaboração de propostas, tornam-se seus “fiscais” permanentes.
É principalmente enquanto pesquisador social que o psicólogo
participa da equipe interdisciplinar de vigilância, atuando como agente
de investigação crítico quanto à dimensão subjetiva nos ambientes de
trabalho, sensível às formas particulares como os trabalhadores vêem
os riscos do trabalho, os modos como eles lidam com estes e como se
organizam em cada microuniverso (SATO, 1996; BERNARDO, 2002;
SATO, LACAZ; BERNARDO, 2006).
As ações de vigilância apresentam-se como modalidades
diferenciadas de atuação para o psicólogo, e os aspectos relacionados
à organização do trabalho representam desafios de investigação e
modificação do trabalho, pois ameaçam os interesses do capital
(BERNARDO, 2006). Os fatores relacionados ao tempo, ritmo, turnos,
sobrecarga de trabalho, pressão por resultados, excesso de horas
extras, horários irregulares e práticas de assédio moral são aspectos
da organização do trabalho que merecem atenção, pois podem gerar
efeitos deletérios sobre a saúde mental dos trabalhadores e repercutir
na qualidade da vida familiar e social do trabalhador.
Assim, ao se inserirem nas equipes interdisciplinares que realizam
as ações de vigilância, os psicólogos podem colaborar na apreensão de
informações relacionadas ao modo como o trabalho está organizado e
suas conseqüências para a saúde da população trabalhadora. Busca-se a
descrição dos fenômenos e das relações no trabalho para a compreensão
dos sentidos, processos, hábitos e representações construídos naquele
espaço. Trata-se, portanto, de identificar a experiência subjetiva com o
desafio de responder como se dá o trabalho real. A premissa básica nessa
área de atuação considera que o trabalhador detém o conhecimento
sobre o universo do trabalho, porém tal conhecimento nem sempre
se apresenta pronto e acabado, sendo expresso em estratégias de

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enfrentamento das situações cotidianas e de soluções para os problemas
identificados.
Pode ser utilizada uma metodologia quantitativa ou qualitativa, por
meio de questionários, entrevistas, observações e grupos focais, dentre
outros, sempre considerando as questões éticas envolvidas: anonimato,
consentimento e participação voluntária (FACCHINI, 1997).

2.5 Educação em saúde


Trata-se do desenvolvimento de cursos, seminários e estágios
para técnicos, gestores e trabalhadores, com a finalidade de capacitar
técnicos integrantes das instâncias de controle social e trabalhadores em
geral, além de servir de modelo para as instâncias municipais e regionais
do SUS. Refere-se, ainda, à produção de conhecimento, ou seja, à
publicação de manuais, elaboração de artigos, organização de livros,
apostilas e audiovisuais técnicos.
O psicólogo, assim como os demais profissionais, pode
contribuir para a identificação de problemas de saúde e de outras
questões relacionadas ao trabalho que necessitam ser investigadas ou
estudadas, de modo a produzir conhecimento especializado, divulgar
os dados, estabelecer cooperação técnica e subsidiar a formulação e a
implementação de políticas na área.
No âmbito da educação permanente dos profissionais, incluída
a atualização técnico-científica, o psicólogo pode atuar na formação e
gestão do trabalho em saúde, estimulando as discussões relativas às
mudanças nas relações e nos processos de trabalho e o trabalho em
equipe.

2.6 O estabelecimento do nexo causal: um grande de-


safio que se apresenta ao psicólogo no campo da Saúde do
Trabalhador
Um grande desafio que se apresenta ao psicólogo, nesse campo,
consiste no estabelecimento do nexo causal entre os transtornos mentais
e os aspectos organizacionais do trabalho. Embora tal questão não esteja
ainda resolvida, para uma análise da categoria trabalho como fator de risco

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para o desenvolvimento dos transtornos mentais e do comportamento,
conta-se com o seguinte modelo, proposto pelo Ministério da Saúde, em
20013:
I – o trabalho pode ser causa necessária para o adoecimento – a
exposição a substâncias tóxicas – metais pesados: mercúrio, chumbo,
manganês – pode comprometer funções cognitivas e levar ao quadro
de transtorno orgânico de personalidade; a exposição a um evento ou
situação estressante de natureza excepcionalmente ameaçadora – vítimas
de assaltos, por exemplo, – pode desencadear o quadro de estresse pós-
traumático. Esse grupo abrange os diagnósticos de demência, delírio, não
sobreposto a demência, transtorno cognitivo leve, transtorno orgânico
de personalidade, transtorno mental orgânico, episódios depressivos,
síndrome de fadiga e transtorno do ciclo vigília-sono.
Os vários recursos de avaliação psicológica podem ser úteis na
identificação de alterações permanentes de funções como memória,
atenção concentrada e outras, advindas de transtornos orgânicos,
que auxiliam o trabalhador a compreender a sua real condição e, em
conseqüência, a defender os seus direitos.
II – o trabalho pode ser fator contributivo, mas não necessário – a
vivência de esgotamento profissional em um contexto de estresse laboral
prolongado, com ritmo de trabalho penoso e ambientes que passam
por transformações organizacionais, pode levar à exaustão emocional e
desencadear a síndrome de Bournout (esgotamento profissional) ou a
neurose profissional, nas quais o trabalho pode ser considerado fator de
risco no conjunto de fatores de risco associados à etiologia da doença.
III – o trabalho como provocador de um distúrbio psíquico
latente ou agravador de doença já estabelecida – o trabalho em
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Quanto ao reconhecimento da importância do Manual de Procedimentos na Saúde do Trabalhador no cenário
da Política Nacional de Saúde, deve-se fazer a seguinte ressalva: o quadro classificatório ali adotado, seguindo a
classificação de Schilling (1984 BRASIL/MS, 2001), ao utilizar os termos genéricos “distúrbios mentais” e “doenças
mentais” como exemplos do Grupo III - (do trabalho como desencadeador de um distúrbio latente ou de doença pré-
estabelecida) pode reforçar uma compreensão positivista e essencialista dos transtornos mentais, desconsiderando a
variedade dos contextos de produção e a diversidade de condições específicas. Tal compreensão, que está associada
a uma psicopatologia mais tradicional e contra a qual o profissional de Psicologia deve estar de sobreaviso, seria uma
incoerência dentro do próprio Manual de Procedimentos, que, ao longo das páginas seguintes, traz vários exemplos
de distúrbios mentais e comportamentais entre os grupos I e II, afirmando, por exemplo, que “o diagnóstico de trans-
torno orgânico de personalidade, excluídas outras causas não-ocupacionais, pode ser enquadrado no Grupo I da
classificação de Schilling, em que o trabalho desempenha o papel de causa necessária”. (BRASIL, 2001, p.171).

36
condições degradantes, atividades que coloquem a vida do trabalhador
em risco, jornadas extensas e/ou em turnos alternados ou noturnos,
dentre outros, pode se tornar importante fator psicossocial que leva ao
desencadeamento de distúrbios psíquicos latentes ou ao agravamento de
doenças já existentes, tais como a síndrome de dependência do álcool.
Esses casos exigem especial atenção do psicólogo para não
atribuir o problema de saúde apresentado pelo trabalhador unicamente
a fatores individuais. Conforme mostra Seligmann-Silva (1994), além
do diagnóstico, o olhar para o contexto no qual o trabalho dá-se é
fundamental.
Pode-se dizer que, de um modo geral, o estabelecimento da relação
causal entre doença e trabalho pode ser definido de acordo com as
diretrizes do Ministério da Saúde (BRASIL, 2001, p. 31): “natureza da
exposição, história ocupacional, grau ou intensidade da exposição, tempo
de exposição, tempo de latência, evidências epidemiológicas e tipo de
relação causal com o trabalho”.
Entretanto, de acordo com Jardim e Glina (2000), reforçamos que
a investigação diagnóstica em saúde mental e trabalho deve combinar
diferentes técnicas, como, por exemplo, entrevistas e testes psicológicos.
No processo de investigação diagnóstica, deve-se sempre perguntar sobre
o trabalho, realizar uma anamnese ocupacional, levantar aspectos da
organização do trabalho, identificar as exigências físicas e mentais, inquirir
sobre a percepção do trabalhador a respeito dos riscos, e observar o posto
de trabalho, as condições ambientais e o processo de trabalho. Observa-
se, assim, que o nexo entre saúde/doença mental exige olhar e atuação
interdisciplinar, na qual o psicólogo tem papel de destaque.
Ainda, conforme afirma Jacques (2007), deve-se lembrar que,
“mesmo admitindo o reducionismo que a relação causal produz em
se tratando de quadros psicopatológicos, a exigência legal a impõe
para o reconhecimento de doenças relacionadas ao trabalho” (p.112),
possibilitando, assim, que o trabalhador possa ter acesso às “garantias
previstas pela legislação, tanto de caráter econômico como sua
estabilidade por um ano quando do retorno ao trabalho” (p.117). A autora
também ressalta que a ênfase na Psicopatologia pode encobrir o contexto
em que se dá a relação entre o trabalhador e seu trabalho. Desse modo,

37
é importante que, ao buscar estabelecer nexo entre trabalho e saúde/
doença mental, sejam considerados o contexto laboral, a subjetividade do
trabalhador e, principalmente, a relação entre esses dois aspectos.
O estabelecimento de nexo causal ganhou um novo contorno ao
entrarem em vigor a Lei nº11.430, de 26 de dezembro de 2006, o Decreto
nº 6042, de 12 de fevereiro de 2007, e a Instrução Normativa nº 16, do
INSS, de 27 de março de 2007 (IN 16), pois, a partir desse momento,
o reconhecimento das doenças relacionadas ao trabalho passou a ser
identificado, pelo INSS, mediante o estabelecimento de “nexo técnico
epidemiológico” ligado à atividade profissional exercida, ou seja, quando
um trabalhador for afastado do trabalho por uma determinada doença
que tenha significância estatística no ramo econômico a que pertence o
seu empregador, seu benefício será definido automaticamente pelo INSS
como acidente de trabalho. Assim, quando os dados epidemiológicos
indicarem que, em determinado ramo produtivo, há uma alta incidência
de incapacidade laborativa decorrente de um mesmo problema de saúde,
não caberá mais ao trabalhador inserido em uma empresa desse ramo
a responsabilidade de comprovar que seu adoecimento – seja físico ou
mental – foi causado pela atividade que desempenhava. Ao contrário,
caberá ao empregador o encargo de provar que tal nexo não existe.
Para finalizar este tópico, é importante ressaltar que o nexo entre
adoecimento/sofrimento psíquico e trabalho é uma atividade importante
na assistência aos trabalhadores que, de alguma forma, já tiveram sua
saúde afetada pelo trabalho; no entanto, é importante lembrar que a
identificação de tais situações na atividade clínica do psicólogo deve
ser vista também como um alerta para o desencadeamento de ações
preventivas (especialmente a vigilância em saúde, discutida no item 2.4)
no sentido de evitar que outros trabalhadores permaneçam expostos às
mesmas condições.

38
3. Aspectos éticos e políticos relacionados à atuação
do psicólogo na Saúde do Trabalhador
Se a Saúde do Trabalhador enquanto política pública surge como
uma alternativa à saúde ocupacional – a qual, conforme afirma Nardi
(1997), tem como foco primordial a “saúde da produção” e não a dos
trabalhadores – pode-se dizer que o exercício da Psicologia na Saúde
do Trabalhador no âmbito do SUS também assume características que
diferem das práticas tradicionais dos psicólogos nas empresas.
Atuando no âmbito público, os profissionais da área de Saúde
do Trabalhador no SUS não estão inseridos em nenhum dos pólos do
conflito entre capital e trabalho. Eles são representantes do Estado,
e, enquanto tais, têm o dever de proteger o lado mais frágil dessa
relação. Para isso, devem estar atentos às condições de qualquer tipo
de atividade laboral (formal ou informal) que possa representar riscos
para a saúde dos trabalhadores, independentemente de que, para o
seu equacionamento, sejam necessárias ações que se oponham aos
interesses dos empregadores.
Assim, quando atua na Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS,
o psicólogo deve priorizar a adequação das condições do ambiente e da
organização dos processos de trabalho ao trabalhador, e não o contrário.
Tais características ampliam significativamente os limites de atuação do
profissional, pois deve-se lembrar que um psicólogo contratado por uma
empresa está, em geral, subordinado a ela, e, por isso, pode ter bastante
dificuldade no enfrentamento das questões relacionadas à saúde dos
trabalhadores quando seu equacionamento envolver a redução do lucro
ou o aumento dos custos de seu empregador.
Conforme foi exposto no item referente às práticas do psicólogo
na Saúde do Trabalhador, sua atuação pode ser bastante variada.
Naturalmente, em todas as atividades, o Código de Ética Profissional do
Psicólogo deve ser respeitado. No que se refere à Vigilância em Saúde,
no entanto, esse profissional também estará subordinado aos aspectos
éticos relativos à atividade de “autoridade sanitária”, que lhe conferem o
papel de “polícia administrativa”, com o poder de estabelecer punições
– tais como multas e penalidades educativas – aos empregadores que não

40
respeitarem a legislação de saúde. Nesse contexto, não é aconselhável
aceitar presentes ou outras formas de remuneração que possam
configurar crime de corrupção, nem exercer função remunerada pelas
empresas situadas na região em que atua.
Um outro importante aspecto que envolve a ética da atuação
do psicólogo na área de Saúde do Trabalhador dá-se no âmbito das
atividades de assistência e diz respeito ao estabelecimento de “nexo
causal” entre o problema de saúde e o trabalho, especialmente quando
o profissional é solicitado a emitir laudos e pareceres ou a depor em
juízo. Nesses casos, deve seguir as determinações do Código de Ética
Profissional e das resoluções do Conselho Federal de Psicologia,
elaborando o seu laudo/parecer com fundamentação e qualidade técnica
(Código de Ética Profissional, art. 2º, letra g), levando em consideração
os aspectos expostos no item anterior deste documento, respeitando o
sigilo profissional e prestando as informações estritamente necessárias a
que teve acesso no atendimento ao trabalhador (Código de Ética, arts. 9º,
10º e 11º). Também devem ser observadas as Resoluções do Conselho
Federal de Psicologia, especialmente a nº 15, de 13/12/1996, que institui
e regulamenta a concessão de atestado psicológico para tratamento de
saúde por problemas psicológicos, e a nº 07/2003, que institui o Manual
de Documentos Escritos produzidos pelos psicólogos.
Finalmente, é importante lembrar que o olhar para as questões que
envolvem a saúde do trabalhador deve ser incorporado pelo psicólogo
independentemente do tipo de serviço no qual esteja inserido ou de sua
área de atuação. Na prática clínica, na rede básica ou em unidades de
emergência na rede de CAPS e na rede de CERESTs, além, é claro, da
atuação nas empresas, é muito importante que, ao atender um indivíduo,
o profissional esteja atento à possibilidade de que suas queixas estejam
relacionadas ao trabalho. Tradicionalmente, a formação do psicólogo não
contempla a relação entre trabalho e saúde mental, e o profissional acaba
por negligenciá-la. Mas, ao deixar de considerar esse aspecto, o psicólogo
arrisca-se a se tornar conivente com situações de “exploração, violência,
crueldade e opressão”, o que pode configurar uma violação aos princípios
fundamentais do Código de Ética Profissional.

41
4. A formação do psicólogo no campo da Saúde do
Trabalhador
Inicialmente, deve ser ressaltada a pouca ênfase que tem sido
dada à categoria trabalho no contexto geral da formação do psicólogo,
no Brasil. A relação trabalho/subjetividade ainda não foi devidamente
reconhecida nesse contexto, o que representa uma séria barreira para a
atuação desse profissional em todas as áreas, sobretudo no campo da
Saúde do Trabalhador.
A base dessa formação deve ser a compreensão da “(...) gênese
e (do) desenvolvimento da individualidade humano-societária, tendo o
trabalho como categoria central e fundante do ser social” (CHASIN, 1999,
p. 12). Não se trata, no entanto, de propor, como ponto de partida, um
paradigma do trabalho ou mesmo uma “ontologia do trabalho restrita
à sua positividade”, mas, sim, “o estatuto e os lineamentos de uma
ontologia da sociabilidade ou do ser social, isto é, do ser autoconstituinte,
na qual o trabalho é uma categoria central (...)”.
Em suma, o trabalho deve ser entendido como “o ponto de partida
de toda tentativa de se compreender o homem, (pois) é ele que funda,
produz e reproduz o ser social sempre como um outro” (id. p. 16), ou, nos
termos de Marx e Engels (1998): “O homem é o que faz e como o faz”.
A maior implicação disso para a formação do psicólogo é que, pela
compreensão do trabalho, torna-se possível apreender, de forma efetiva,
como se dá o interfluxo subjetividade/objetividade, o que nos fornece a
chave para compreender os processos psicológicos humanos. Isso significa
que “todo ato humano, na medida em que tem no trabalho sua protoforma,
é a permanente objetivação da subjetividade no mundo real” (CHASIN,
1993). Dessa forma, o desvendamento dos processos de individuação,
tarefa por excelência do psicólogo, exige “a delucidação efetiva de todos os
patamares ou mediações da interatividade social” (CHASIN, 1999, p. 59-60),
e, como o grande mediador dessa interatividade é o trabalho, este deve ser
necessariamente desvendado e incorporado à formação desse profissional.
Em síntese, pode-se dizer que a tarefa básica do psicólogo consiste
em compreender como os indivíduos constituem-se , em uma dada época,
a partir do desvendamento das formas de interação social e das formas

44
de produção e reprodução da existência, e, para efetivar essa tarefa, deve
partir dos indivíduos ativos e de sua autoprodução como resultado de sua
própria atividade. Trata-se de uma perspectiva acima de tudo filosófica, na
qual “o problema da individuação ganha legitimidade e dimensão próprias
sempre em relação à realidade material, concreta, efetiva e histórica da
produção dos indivíduos sociais” (ALVES, 1999, p. 4).
Por isso, o ponto de partida para a formação do psicólogo deve ser a
compreensão do modo pelo qual os indivíduos produzem e reproduzem a
sua existência, deixando aberta a possibilidade de se entender a produção
no seu duplo sentido: produção das coisas e autoprodução dos indivíduos.
Além disso, pode-se avançar no entendimento de que essa autoprodução
dos indivíduos não ocorre no isolamento, mas em sociedade, o que os
define, de forma imediata, como seres sociais.
Em suma, a formação do psicólogo deve levar em conta:
1) a criação de disciplinas que tematizem adequadamente a relação
subjetividade/objetividade, evitando dicotomias ou vieses que impeçam
a visão adequada de como se efetiva tal relação e, sobretudo, o lugar
ocupado pelo trabalho no interfluxo sujeito/objeto;
2) o enfoque nos processos de individuação, levando sempre em
conta o seu caráter histórico e processual;
3) o enfoque nas diferentes possibilidades de atuação do psicólogo
do trabalho, superando a visão estreita de uma atuação restrita ao
contexto das organizações empresariais;
4) a ênfase na formação interdisciplinar, possibilitando ao
profissional o acesso a conhecimentos proporcionados por disciplinas
afins, tais como a ergonomia, a Sociologia, a Filosofia, a epidemiologia
social, a Antropologia, a saúde coletiva, a Economia etc;
5) a criação de instrumentos que permitam melhor compreensão
das vivências subjetivas no trabalho, conciliando a clínica com a análise
da atividade (CLOT, 2006);
6) o desenvolvimento de habilidades que permitam ao profissional
apreender as reais necessidades dos trabalhadores, ao assumir o
compromisso com a preservação da saúde nos contextos laborais;
7) o conhecimento de políticas públicas, sobretudo aquelas voltadas
para a saúde;

45
8) a aquisição de noções/conceitos sobre o mundo do trabalho
(inserção no trabalho, relações de trabalho, processo, organização e
condições do trabalho);
9) a ênfase em pesquisas visando ao avanço da disciplina e à
resposta mais adequada às demandas sociais em torno da Saúde do
Trabalhador, propondo um psicólogo como investigador prático, e não
como mero aplicador de técnicas.

46
Psicodinâmica do trabalho

A percepção de que o trabalho pode ter conseqüências sobre a saú-


de mental dos indivíduos é muito antiga. Podemos encontrá-la no
clássico "Tempos Modernos" de Charlie Chaplin - sensível à violên-
cia produzida pelas transformações contemporâneas do taylorismo e
do fordismo sobre os trabalhadores —, até nos não menos clássicos
estudos acadêmicos dos "pais" da Sociologia do Trabalho, Georges
Friedman e Pierre Naville (1962), onde relatam as conseqüências do
trabalho em linha de montagem.
Nas origens da Psicodinâmica do Trabalho, temos os estudos de
Le Guillant (1984), que, durante os anos 50, realizou as primeiras ob-
servações sistemáticas que lhe permitiram estabelecer relações entre
trabalho e Psicopatologia. Seu trabalho mais citado foi feito em 1956
sobre a atividade de telefonistas em Paris, no qual o autor diagnosti-
cou um distúrbio que ele nomeou como Síndrome Geral de Fadiga
Nervosa, caracterizada por um quadro polimórfico que incluía altera-
ções de humor e de caráter, modificações do sono e manifestações
somáticas variáveis (angústia, palpitações, sensações de aperto toráci-
co, de "bola no estômago", etc). O autor falava, ainda, da invasão do
espaço fora do trabalho por hábitos do trabalho que ele chamou de
Síndrome Subjetiva Comum da Fadiga Nervosa. Esta última síndro-
me caracterizava-se pela manutenção do ritmo de trabalho durante as
férias, manifestando-se pela sensação de irritação, por uma grande di-
ficuldade para ler em casa e pela repetição incontrolável de expres-
sões verbais do trabalho (Le Guillant, 1984: 382).
Gillon (1962) considerava que não havia uma relação de especifi-
cidade entre o tipo de distúrbio mental e o trabalho efetuado, exceto nos
casos provocados por intoxicações ou naqueles que ele atribuía a "con-
dições de trabalho particularmente penosas", sem precisar as atividades
englobadas nessa qualificação. Ainda que ele considerasse como excep-
cional a possibilidade de que as condições de trabalho fossem responsá-
veis por distúrbios mentais, citava pesquisas que demonstravam que
existiam "elementos desfavoráveis" no trabalho, a saber:
A duração excessiva do trabalho, um trabalho considerado como
monótono, muito leve ou muito sedentário, um trabalho exi-
gindo aptidões que não estão ao alcance da inteligência do ope-
rário, um trabalho exigindo um grau de atenção muito alta ou
não permitindo suficientemente a iniciativa, um ciclo de traba-
lho muito longo (Gillon, 1962: 163).
No entanto, Gillon marginalizava o papel que podia desempenhar
a organização do trabalho ou as relações no trabalho e reproduzia a
abordagem psiquiátrica comum na época, que via no trabalho apenas
um instrumento neutro e indispensável para a ressocialização e a cura
de doenças mentais. Ele defendia a idéia de que o trabalho era funda-
mentalmente bom e terapêutico, e que cabia ao trabalhador, na medida
em que possuísse uma "saúde mental equilibrada", adaptar-se. E possí-
vel perceber-se na sua interpretação uma influência do próprio pensa-
mento taylorista, cuja visão faz do trabalho um elemento essencial-
mente benéfico, segundo a qual a única forma possível de trabalho é
aquela que tenha sido legitimada por sua "cientifícidade". Desta forma,
só restando ao trabalhador a escolha entre a adaptação ou a doença.
Da Psicopatologia do Trabalho à Psicodinâmica do Trabalho
O estudo das repercussões da organização do trabalho sobre o
aparelho psíquico será muito inovado pelo trabalho de Christophe
Dejours, com a publicação na França de Travail: usure mentale. Essai de
psychopathologie du travail, em 1980, traduzido no Brasil sob o nome de
A. Loucura do Trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho, em 1987.
A utilização do conceito de Psicodinâmica do Trabalho, em
substituição ao de Psicopatologia do Trabalho, deu-se a partir de um
privilegia-mento do estudo da normalidade, sobre o da patologia. O
que impor-
ta para a Psicodinâmica do Trabalho é conseguir compreender como
os trabalhadores alcançam manter um certo equilíbrio psíquico,
mesmo estando submetidos a condições de trabalho desestruturan-
tes (Dejours, 1993). Propõe-se a estudar o espaço que separa um
comportamento livre de um outro estereotipado, referindo-se a pala-
vra livre, aqui, ao modelo comportamental que faz intervir uma ten-
tativa visando a transformar a realidade que o circunda, conforme os
desejos do sujeito, no sentido do prazer. O objetivo principal do pro-
cedimento de pesquisa seria o de localizar o processo de anulação
desse comportamento livre (Merlo, 1999: 37). Dejours (1987c: 735)
define o campo da Psicodinâmica do Trabalho como aquele do sofri-
mento e do conteúdo, da significação e das formas desse sofrimento
e situa sua investigação no campo do infrapatológico ou do pré-pato-
lógico. Para ele o sofrimento é um espaço clínico intermediário que
marca a evolução de uma luta entre funcionamento psíquico e meca-
nismo de defesa por um lado e pressões organizacionais desestabili-
zantes por outro lado, com o objetivo de conjurar a descompensação
e conservar, apesar de tudo, um equilíbrio possível, mesmo se ele
ocorre ao preço de um sofrimento, com a condição que ele preserve
o conformismo aparente do comportamento e satisfaça aos critérios
sociais de normalidade.
Uma outra característica importante é que a Psicodinâmica do
Trabalho visa à coletividade de trabalho e não aos indivíduos isolada-
mente. Após diagnosticar o sofrimento psíquico em situações de tra-
balho, ela não busca atos terapêuticos individuais, mas intervenções
voltadas para a organização do trabalho à qual os indivíduos este-
jam submetidos. Ela tem como uma de suas vertentes fundamentais
as categorias da Psicanálise. Assim, compreende que frente a uma
situação de agressão ao Ego, o indivíduo defende-se, primeiramen-
te, pela produção de fantasmas, que lhe permitem construir uma li-
gação entre a realidade difícil de suportar, o desejo e a possibilidade
de sublimação. Para Dejours (1987c: 739), a situação de trabalho
taylorizada está bloqueada entre o Ego e a realidade, pois o conteú-
do da tarefa, seu modo operatório e sua cadência são decididos pela
direção da empresa. Nessas condições, é possível perceber-se que o
fantasma não serve a nada.
A Psicodinâmica do Trabalho tem, também, por referência fun-
damental, os conceitos ergonômicos de trabalho prescrito e de trabalho
real. É no espaço entre esse prescrito e esse real que pode ocorrer ou
não a sublimação e a construção da identidade no trabalho. Segundo
Daniellou e colaboradores (1983: 39), existe sempre, no trabalho tay-
lorizado, uma separação entre trabalho prescrito e real, conseqüente
à separação entre concepção e execução.
Assim, a principal crítica que a disciplina dirige ao taylorismo é
que ele impede a conquista da identidade no trabalho, a qual ocorre,
precisamente, no espaço entre trabalho prescrito e trabalho real. A Orga-
nização Científica do Trabalho não se limitaria apenas à desapropria-
ção do saber; ela proibiria, também, toda a liberdade de organização,
de reorganização e de adaptação ao trabalho, pois tal adaptação exigi-
ria uma atividade intelectual e cognitiva não esperada pelo taylorismo
(Dejours, 1993: 38).
Para Dejours (1987c: 730) outras abordagens diferentes, além da
Psicodinâmica do Trabalho, são possíveis, entre as quais:
- a tentativa de se evidenciarem doenças mentais especificamente
ocasionadas pelo trabalho a partir de uma hipótese patogênica inspi
rada no modelo toxicológico;
—uma abordagem de tipo epidemiológica, que vai chocar-se com
obstáculos importantes, como a seleção de uma amostra significativa,
pois fica difícil determinarem-se as relações entre o sujeito que sofre
de um distúrbio psíquico e o trabalho, na medida em que esse traba
lho já foi perdido, na maior parte das vezes, por motivo de queda de
performance profissional e de alterações na vida relacional. É neces-
sário assinalarem-se, também, os problemas oriundos das dificulda-
des de diagnóstico que encontra o pessoal de saúde (médico do traba-
lho e mesmo os psiquiatras);
—a abordagem "agressológica", que privilegia o estudo das conse-
quências do estresse sobre o organismo humano e que poderia ser as
semelhada à Psicodinâmica do Trabalho através da identificação en-
tre estresse e sofrimento psíquico. A principal limitação dessa inter-
pretação é a sua não-especifícidade com relação ao tipo de trabalho,
isto é, as reações somáticas são sempre de mesma natureza, não im-
portando o tipo de pressão no trabalho;
- a abordagem psicanalítica, que apresenta, no entanto, limita-
ções, pelo fato de que a Psicanálise privilegia o campo do fantasma
em relação à realidade e, também, porque ela tem muitas dificuldades
em articular essa realidade com uma estrutura psíquica concebida,
quase exclusivamente, a partir de experiências infantis. No entanto,
esse autor pensa que é possível utilizar-se o conceito de sublimação
como um instrumento de compreensão de situações de trabalho (De-
jours, 1987c: 731).
O conceito de sublimação tem sua origem na teoria de Freud so-
bre o desenvolvimento da sexualidade, segundo a qual, após o nasci-
mento, os órgãos sensoriais (pele, olhos, orelhas, etc.) "solicitam sa-
tisfação por sua própria conta", dentro de um mosaico primitivo
onde apenas intervém o corpo e onde não existe aparelho psíquico
para controlar essas operações. É o momento da indiferenciação so-
mato-psíquica. Para chegar a uma sexualidade adulta, é necessário
que a criança passe por um estágio no qual ela unifique esse mosaico.
Tal unificação faz-se através do olhar do outro e, em primeiro lugar,
da mãe no momento dos cuidados com o corpo do bebe. Porém, pul-
sões parciais fogem a essa unificação.
A sublimação é, portanto, o processo graças ao qual essas pulsões
parciais — cuja satisfação é, originalmente, de natureza sexual — en-
contram uma saída substitutiva em uma atividade socialmente valo-
rizada. A idéia subjacente é a de que essas pulsões do sujeito, que
deveriam desembocar sobre relações sexuais, são redirigidas ao tra-
balho, supondo-se que ocorra, preliminarmente, uma dessexuali-
zação e, também, uma atividade de substituição socialmente valo-
rizada. No entanto, essa substituição não é simples, pois trata-se de
manterem-se juntos os aspectos semelhantes e os aspectos diferen-
tes e, dessa forma, fazê-los interagir. Por sua vez, o trabalho repeti-
tivo elimina toda possibilidade de sublimação e leva, por meio da re-
pressão, tanto a doenças somáticas, como a descompensações men-
tais (psiconeuróticas).
Para que a sublimação possa ocorrer na atividade de trabalho, é
necessário que certas condições sejam preenchidas:

a) Condições psíquicas
Em primeiro lugar, deve intervir uma dessexualização das pulsões
parciais, como foi descrito anteriormente. Em segundo lugar, é ne-
cessário que se produza uma mudança de objetivo na pulsão, o que
implica uma competência particular; na verdade, é fundamental que o
indivíduo possa jogar com sua própria epistemofilia, este termo sen-
do compreendido como um desejo de entender a realidade — no caso,
a situação e a atividade de trabalho —, isto é, como a curiosidade ma-
nifestada em relação à situação presente e como a pesquisa do acesso
à significação dessa realidade. A epistemofilia é uma característica
muito difundida e ela é o resultado deste redirecionamento de objeti-
vos das pulsões.
Toda situação de trabalho apresenta algo de enigmático para o su-
jeito, o que o obriga a mobilizar sua curiosidade, a qual será recom-
pensada pela compreensão obtida. Essa compreensão atingirá todo
seu valor na medida em que ela provocar uma diminuição do sofri-
mento e possibilitar que a sublimação aconteça.

b) Condições ontogenéticas
O objeto transicional — que substitui o corpo da mãe — deve vir do
exterior. Este é um elemento que terá um papel essencial nas relações
de trabalho.
Na sua infância (dos cinco anos até a puberdade), o trabalhador
deve ser beneficiado por um espaço lúdico, onde ele aprenda a renun-
ciar, parcialmente, à atividade sexual e a se interessar por causas com
um valor social. Essa fase da infância exige companheiros (a professo-
ra, os pais, etc). A relação que os pais têm com o seu trabalho e sua
própria epistemofilia é, conseqüentemente, fundamental. No caso de
pais para quem o trabalho não deixa nenhum espaço ao desenvolvi-
mento de sua própria epistemofilia, a curiosidade infantil é sentida
como uma ameaça, pois ela vai de encontro a uma estratégia defensiva
que eles tiveram muita dificuldade em estabelecer. Nesse caso, a escola
não consegue, geralmente, fazer o contraponto frente à atitude dos
pais, e a criança vai encontrar-se presa entre os dois campos.

c) Condições organizacionais
O espaço no qual pode ocorrer a epistemofilia é o mesmo no qual
se desenvolve o processo de sublimação, o qual não acontecerá se
esse espaço for muito estreito. A organização do trabalho deverá,
portanto, responder a certas características para que tal mecanismo
possa funcionar. Assim, deve-se nela encontrar:
— um espaço entre organização do trabalho prescrita e organiza-
ção do trabalho real;
—um espaço que permita assumirem-se responsabilidades, isto é,
algum tipo de atividade de concepção;
—uma correspondência entre a situação de trabalho e o estado in
terno do sujeito. Trata-se de se estabelecer uma relação entre duas ce
nas, a do teatro psíquico interno — que dá forma à curiosidade — e a do
teatro do trabalho e de se passar de um teatro a outro. Essa relação —
a ressonância simbólica — só poderá se operar se existir uma analogia,
uma semelhança, entre os dois teatros, sendo o do trabalho que irá re
tomar, de forma controversa, o teatro psíquico interno. As diferenças
são aqui tão importantes como as coincidências, na medida em que
são elas que vão permitir estimular-se novamente, a curiosidade do
sujeito e transformá-lo.

d) Condições éticas
A relação que existe entre a organização real e a prescrita do tra-
balho é sempre conflitiva: o sujeito opõe-se, invariavelmente, à se-
gunda. As atitudes inventivas e as tentativas de se realizarem expe-
riências novas no trabalho implicam um sofrimento que se apresenta
muito custoso no plano psicológico e para a saúde globalmente.
Como retorno à contribuição dada pelo trabalhador à organização do
trabalho, ele deve receber uma retribuição que não se resume à simples
atribuição de um salário ou de um prêmio por produtividade, isto é,
ela necessita ter, antes de mais nada, um caráter moral, devendo, nor-
malmente, tomar a forma de um reconhecimento. Isso significa que os
interlocutores do trabalhador devem reconhecer que as atitudes des-
te último contribuíram para a realização do trabalho. Esse reconheci-
mento precisa acompanhar-se de um julgamento de utilidade, o que
quer dizer que a atividade fornecida pelo empregado deve receber a
gratidão de seus superiores hierárquicos na empresa, como alguma
coisa que tenha utilidade do ponto de vista econômico, técnico, etc.

e) Condições sociais da sublimação


Para que a sublimação possa produzir-se no trabalho, o trabalha-
dor deverá constituir um conjunto de pares a quem dará a contribui-
ção. A valorização da atividade do trabalhador pelos seus próprios
colegas reveste-se de muita importância na medida em que não é
mais a hierarquia que a faz. Dejours (1987) chama de "julgamento de
beleza", porque ela baseia-se em critérios que são, ao mesmo tempo,
estéticos e econômicos (no sentido de economia do corpo) quanto à
realização do trabalho. Porém, esse julgamento, por sua vez, é basea-
do em critérios estritos: para ser-se bom juiz é necessário pertencer
ao métier e respeitar suas regras. Porém, um outro critério intervém
nesse julgamento: a elegância e a leveza no trabalho. Na medida em
que as regras são estritamente respeitadas, elas não mais são vistas.
O "julgamento de beleza" c, assim, feito pelos pares, isto é, pelo
coletivo de trabalho, que é a equipe ou a comunidade à qual a pessoa
pertence, e esse julgamento é necessário para que se construa a iden-
tidade no trabalho. É ele que vai abrir um espaço ao individual, ou
seja, permitir a cada um fazer parte do coletivo, conservando alguma
coisa a mais, uma característica particular.
Outra peculiaridade importante é que o julgamento deve referir-
se ao trabalho e não à pessoa, para permitir a construção da identi-
dade. O reconhecimento que se dirige diretamente à pessoa atinge,
de fato, o domínio do amor, isto é, o domínio do erótico. A partir do
momento em que o reconhecimento não passa mais pelo trabalho, a
relação encontra-se erotizada e não permite mais a construção da
identidade do trabalhador.
O "julgamento de beleza" refere-se às regras do métier, construí-
das por subversão e transgressão daquelas prescritas. Trata-se, nesse
caso, de realizar a "burla" frente às regras. É necessário, no entanto,
em dado momento, haver um acordo mútuo quanto à maneira de
transgredi-las: é preciso tornarem-se públicas as "burlas do métier",
para que se possa merecer o "julgamento de beleza", o reconheci-
mento dos outros.
Assim, os trabalhadores são levados a criar espaços públicos, que
são espaços comuns no trabalho, onde eles possam decidir a melhor
maneira de realizar uma determinada tarefa. Essa atividade deve con-
tar com a participação de todos, para que essas novas normas possam
resultar de um consenso que as legitime. Porém, não existem apenas
critérios técnicos que entram na definição desse consenso, pois a rea-
lização da "burla" depende da história pessoal de cada um e do seu
conhecimento e experiência anteriores.
Acreditamos que a Psicodinâmica do Trabalho é, também, herdei-
ra da Sociologia do Trabalho, na medida em que se baseia na mesma
análise minuciosa e sistemática das organizações do trabalho taylori-
zadas, do desvendamento das relações de poder que aí existem e da
apropriação do saber operário que ocorre.
O fracionamento da atividade, tal qual instaurada pelo tayloris-
mo, exige respostas fortemente personalizadas, que direcionam, prio-
ritariamente, aos dois sofrimentos mais importantes provocados
pelo trabalho, a saber, o medo e a monotonia.
O medo ressentido no trabalho pode ter várias origens (Dejours,
1993: 97):
a) o medo relativo à degradação do funcionamento mental e do
equilíbrio psicoafetivo, o qual pode originar-se na desestruturação das
relações entre os colegas de trabalho. Manifesta-se através da discrimina-
ção, da suspeição ou ainda de relações de violência e de agressividade,
opondo o trabalhador à sua hierarquia. Existe, também, um medo espe-
cífico relativo à desorganização do funcionamento mental, devido à au-
to-repressão exercida de encontro ao aparelho psíquico e pelo esforço
empregado para se manterem comportamentos condicionados;
b) o medo relativo à degradação do organismo e ligado, direta-
mente, às más condições de trabalho.
Sem negar a importância dos cerceamentos psíquicos ligados ao
trabalho na geração do sofrimento, Dejours (1993: 64) chama a aten-
ção para o fato de que é, principalmente, a falta de possibilidades para
se mudarem, ou mesmo aliviarem esses cerceamentos, a origem dos
problemas de saúde.
Será através dos mecanismos de defesa empregados pelo traba-
lhador que será possível estudar c desvendar seu sofrimento. Assim,
Dejours (1987a: 22) estabelece uma separação fundamental entre os
"coletivos de defesa" produzidos por sublimação e aqueles gerados
por mecanismos simplesmente adaptativos:
Se os coletivos de defesa por sublimação mantêm uma relação
de relativa continuidade com o desejo, os coletivos originados
em defesas estritamente adaptativas têm uma tendência maior a
quebrar com a expressão do desejo [...]. Isto ocorre porque a su-
blimação, diferentemente de outras defesas, garante, frente ao
sofrimento, uma saída pulsional, não destruidora para o funcio-
namento psíquico e somático, enquanto que a repressão é limi-
tante para o jogo pulsional.
O sofrimento pode, assim, ter dois destinos diferentes: de um lado, a
sublimação, como no exemplo dado por Dejours (1993: 102) da ativida-
de dos pilotos de caça, para os quais a defesa é a sublimação que permite
aberturas novas e, de outro, os trabalhadores submetidos à execução de
tarefas repetitivas, para quem as defesas contra o sofrimento são a re-
pressão pulsional, a auto-aceleração ou a ideologia defensiva de profis-
são que expulsam, de um lado, o sujeito de seu desejo e favorecem a lógi-
ca da alienação na vontade do outro (Dejours, 1987a: 21).
O sofrimento pode tornar-se o instrumento de uma modificação
na organização do trabalho ou gerar um processo de alienação e de
conservadorismo. Este segundo caminho explica-se pelo fato de que,
após terem-se desenvolvido mecanismos de defesa contra a organi-
zação do trabalho, torna-se penoso tentar uma modificação nessa si-
tuação. Como descreve Dejours (1993: 43), a ideologia defensiva fun-
cional tem por objetivo
[...] mascarar, conter e ocultar uma ansiedade particularmente
grave. [...] É ao nível da ideologia defensiva, na medida em que
se apresenta como um mecanismo de defesa elaborado por um
grupo social particular, que se deve buscar uma especificidade
[...]. Uma ideologia defensiva não é dirigida contra uma angústia
originada de conflitos intrapsíquicos de natureza mental, mas
ela é destinada a lutar contra um perigo e um risco real [...]. Uma
ideologia defensiva, para ser operatória, deve obter a participa-
ção de todos os interessados e [...], para ser funcional, deve ser
dotada de uma certa coerência.
É a partir do estudo das ideologias defensivas que se irá construir
a investigação proposta por esta metodologia (Dejours, 1987b: 112).
Outra contribuição da Psicodinâmica do Trabalho é a sua abor-
dagem da relação com o prazer que pode existir entre o trabalhador e
seu trabalho. Na realidade concreta e na vivência individual do traba-
lho, não se encontram apenas sofrimento, mutilação e morte. A com-
preensão da maneira como se elaboram as duas facetas da organiza-
ção do trabalho, isto é, aquelas que são, respectivamente, fonte de so-
frimento e de prazer, é indispensável para se tentar uma interpretação
mais global dos laços entre trabalho e saúde e, também, para se pro-
curarem alternativas satisfatórias.
Se essa compreensão encontra sua origem na Psicanálise, que é
voltada para o estudo e o tratamento terapêutico dos indivíduos na sua
relação com uma história singular, a Psicodinâmica do Trabalho termi-
na por romper, de forma importante, com essa fonte de inspiração,
ainda que sem abandonar seus conceitos essenciais. Ela constrói uma
nova abordagem, na qual o trabalho não mais é visto, unicamente, co-
mo uma terapêutica universal para remediar "desequilíbrios mentais",
vistos como o resultado exclusivo da história singular do trabalhador
que se manifestariam em um indivíduo imaginário quase insensível aos
ambientes e à organização do trabalho na qual está inserido. A Psicodi-
nâmica do Trabalho incorpora conceitos sociológicos para caracterizar
e detalhar a organização taylorista; conceitos ergonômicos para identi-
ficar o espaço existente entre trabalho real e trabalho prescrito; e, en-
fim, conceitos psicanalíticos, tais como os de sublimação, para apreen-
der o indivíduo que entra no universo do trabalho como portador de
uma história singular que foi construída desde sua infância.

Méritos e limitações
O principal mérito da Psicodinâmica do Trabalho é, sem dúvida,
ter exposto as possibilidades de agressão mental originadas na orga-
nização do trabalho e identificáveis ainda em uma etapa pré-patológi-
ca. Na medida em que não é possível falar-se de distúrbio que possa
ser associado a uma situação específica de trabalho, o desvendamen-
to do sofrimento psíquico desde o estado pré-patológico permite pro-
gredir-se na identificação das conseqüências da organização tayloris-
ta do trabalho sobre o aparelho psíquico dos indivíduos e pensar-se
em uma intervenção terapêutica precoce.
Em várias atividades nas quais não se encontram, praticamente,
agressões imediatamente observáveis — diferentemente dos acidentes
de trabalho ou intoxicações —, os instrumentos de investigação em-
pregados pela Psicodinâmica do Trabalho revelam-se preciosos auxi-
liares para se compreenderem as relações trabalho-doença.
A abordagem adotada por essa disciplina permite ultrapassar-se a
redução a um denominador comum de diversas situações de trabalho
e buscarem-se vivências operárias específicas, que se inscrevem em
realidades concretas de trabalho, como, por exemplo, com relação ao
papel da inteligência operária e seu papel como mecanismo de defesa
e construção de identidade no trabalho (Dejours, 1992).
A metodologia da Psicodinâmica do Trabalho encontrou muita
ressonância entre os pesquisadores e técnicos brasileiros que atuam
na área da Saúde do Trabalhador (psicólogos, médicos do trabalho,
fisioterapeutas, engenheiros de segurança, etc). E isso ocorreu pela
capacidade dessa disciplina em preencher lacunas epistemológicas
importantes no conhecimento em saúde c trabalho, que haviam sido
relegadas a um segundo plano ou simplesmente negadas.
Acreditamos, no entanto, que é uma metodologia ainda muito jo-
vem e em construção — e isso é dito sem nenhum demérito ao enor-
me esforço que vem sendo feito para construí-la —, que poderá (deve-
rá) sofrer um processo de amadurecimento, que lhe permitirá aportar
respostas mais completas sobre as relações entre saúde mental e tra-
balho e definir de forma mais nítida suas fronteiras com as outras dis-
ciplinas com as quais ela tem interface.
Psicopatologia do Trabalho

Os mais recentes estudos no campo da Ergonomia, principalmente aqueles


desenvolvidos na França, levam-nos ao conhecimento de uma nova abordagem a respeito da
inadequação entre o homem e o trabalho: a Psicopatologia do Trabalho.

Já delineada e com alguns de seus principais conceitos esboçados no início da década


de 60, teria como expoente o incansável médico do trabalho, psicanalista e professor francês
CHRISTOPHE DEJOURS, que através da publicação de diversos trabalhos, inclusive no Brasil,
alterou profundamente a visão dos responsáveis pela Saúde Ocupacional do mundo, a partir da
década de 80.

Dejours fundamenta seus estudos em três conceitos básicos:

- no SOFRIMENTO dos trabalhadores, baseado na inadequação observada entre os mesmos e as


situações vivenciadas no trabalho e, até mesmo, fora dele;

- na ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO, ou seja, a maneira como o trabalho é dividido, seja nas


tarefas em si, seja na hierarquia e todas as formas de exploração usadas pelas empresas;

- nas ESTRATÉGIAS DE DEFESA adotadas pelos trabalhadores, justamente em função de uma


tentativa em ocultar, omitir a qualquer custo, o sofrimento obrigatoriamente vivenciado.

A Psicopatologia do Trabalho, pois, estuda o sofrimento e as formas de defesa


adotadas pelos trabalhadores, frente à uma organização de trabalho imposta pelas empresas, bem
como as conseqüências de tal situação para os trabalhadores, para a própria empresa e para a
sociedade como um todo.

A ABORDAGEM ERGONÔMICA CLÁSSICA

No início, a Ergonomia procurava estudar e reprojetar produtos e postos de trabalho


com um enfoque limitado à análise de agentes agressivos presentes no ambiente do próprio posto, ou
seu ambiente imediato. Assim, o ruído, a poluição atmosférica, com névoas, fumos e poeiras tóxicas,
as temperaturas extremas e as posturas inadequadas foram diagnosticadas pelos ergonomistas, que
passariam a tentar isolar os trabalhadores de tais agentes.

Um redimensionamento de cabines, painéis, dispositivos de controle e de informação,


acessos, saídas, sistemas de iluminação, mobiliários, etc. foi, aos poucos, providenciado. Restava,
contudo, uma indagação: ao voltar ao posto de trabalho, agora reprojetado com bases ergonômicas,
o profissional surpreendia-se com a rápida perda de entusiasmo dos trabalhadores que ali trabalham.
As posturas, os alcances, a visibilidade, os níveis adequados de iluminação, a cadeira nova, um plano
de trabalho que respeita as dimensões antropométricas dos operários, nada é ainda capaz de produzir
profundas alterações no comportamento destes.

Verdade que o número de acidentes caiu, as constantes reclamações de dores no corpo


diminuíram, a produção de peças erradas já não é tão intensa...etc. Mesmo assim, ainda há
insatisfação. A pergunta é: Por que ?
Passa, então, a Ergonomia, para uma nova fase: a abordagem clássica é considerada
incompleta e ineficaz. O estudo aprofundado das relações entre o homem e seu trabalho,
principalmente nas formas como este é organizado, começa a ser levantado.

A Organização do Trabalho, para ser estudada e compreendida, necessita que o aluno


conheça o Taylorismo.

O TAYLORISMO, OU ORGANIZAÇÃO CIENTÍFICA DO TRABALHO

A O.C.T., idealizada por Frederick Winslow Taylor, um engenheiro norte-americano


(1.856 - 1.915), tinha por objetivo uma análise científica da tarefa, de sorte a eliminar e evitar, a todo
custo, desperdícios de tempo na execução da mesma, por parte dos operários. Assim, os modos de
execução, movimentos, arranjos, o tempo de execução, o espaço de trabalho e os modos operatórios
foram tabulados por Taylor. Este atribuía à baixa produtividade observada em certas linhas de
montagem como sinal de vadiagem por parte dos trabalhadores. Os acidentes do trabalho, de sua vez,
eram atribuídos à negligência dos mesmos.

Apesar do nome “Organização Científica do Trabalho”, os estudos desenvolvidos por


Taylor e seus atuais seguidores não devem ser considerados científicos, pois os estudos concentraram
sua atenção apenas sobre as atividades motoras dos operários, desconsiderando as atividades de
percepção e aquelas mentais. O critério adotado visa, por conseguinte, ao aumento da
produtividade negligenciando a saúde dos trabalhadores, como mais adiante se comprovará.

A divisão das tarefas passa a ser tamanha, que cada operário, individualmente, perde a
visão do “todo” produzido, sendo submetido à uma total alienação do meio e daquilo que produz.
Percebe-se, também, que cada um “dá conta de si”, fragmentando-se de forma camuflada a união que
deveria expressar-se num trabalho de equipe. Se o operário “C”, por exemplo, produz menos que os
outros colegas de uma seção, imediatamente passa a ser menosprezado pelos demais, sendo
advertido e pressionado, pois “ganha-se mais conforme mais se produz”.

Fragmentando atividades em sub-tarefas aparentemente simples e de curta duração,


Taylor e seus seguidores criaram o trabalho repetitivo, seja este desenvolvido numa linha de
montagem de peças, seja nas atividades burocrátias de bancos, seguradoras, CPD’s e de atendimento
a público, como em supermercados e grandes lojas de departamento, como até hoje se observa.

Situação totalmente distinta se observava nos trabalhos desenvolvidos no século XIX


por um artesão, nos quais tinha-se a clara noção de começo, meio e fim, com liberdade e autonomia
para se efetuar pausas, descanso, refeições, atendimento às necessidades fisiológicas, segundo o
sentimento que partia do próprio organismo do trabalhador.

As atividades, antes enriquecedoras, que permitiam a mudança, segundo a tomada de


decisões por iniciativa do indivíduo, passam para um estado robotizado. Este, destituído de
raciocínio, despossuído de seu aparelho mental, com tempos controlados e cronometrados, produção
comparada aos demais colegas, segundo a implantação do Taylorismo, despersonaliza-se. O antigo
artesão, pois, desaparece.
Taylor conseguiria, ainda, tornar mais penosa tal organização do trabalho: o
treinamento insano ao qual foram submetidos os trabalhadores, com verdadeira lavagem cerebral e
adestramento, de forma a tornar a atividade em um “continuum”, habitual e monótono, é a última
peça do quebra-cabeças que acaba por bloquear qualquer iniciativa por parte dos operários das
indústrias. Taylor chegou a compará-los a chimpanzés, “treinados e obedientes, dóceis e isolados”.

Contudo, estava errado. O que parece correto do ponto de vista da produtividade é


falso do ponto de vista da saúde do corpo. É o próprio operário que sabe o que é compatível com
a sua saúde. Mesmo que seu método próprio de trabalho não seja o mais eficaz em termos de
produtividade e rendimento geral, o operário consegue encontrar o melhor rendimento de que é
capaz, respeitando seu equilíbrio fisiológico e mental.

COMPORTAMENTO DOS TRABALHADORES FRENTE À ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO:

Classes Sociais mais pobres:

Totalmente desestruturadas, as classes sociais que vivem em meio à miséria são as


mais difíceis de se lidar. As pessoas são desnutridas, de baixo nível cultural, analfabetas ou semi-
analfabetas, possuem noções frágeis de higiene e limpeza e relutam frente a qualquer mudança no
comportamento ao qual já se encontram acostumadas. A maioria esmagadora é viciada em bebidas
alcólicas e no fumo, o que prejudica ainda mais a saúde. São também as mais fáceis de se explorar,
pois tr
. O que nos parece normal é sinônimo de pânico para o trabalhador humilde e pobre. Assim, fingir
que tudo está bem e que não há doença alguma, ficando-se em silêncio, é a estratégia adotada.

Tal estratégia é conhecida como IDEOLOGIA DEFENSIVA, uma reação coletiva que
tem por objetivo mascarar, conter e ocultar uma ANSIEDADE particularmente grave, fundamentada
em riscos reais (diretamente relacionados com a própria sobrevivência).

A Classe Média

Distinta é a reação desta classe social, que passa para a estratégia de MECANISMOS
INDIVIDUAIS DE DEFESA. A ansiedade acima comentada, no que diz respeito ao subproletariado
que oculta a todo custo a doença, coletivamente, além da gravidez, o prazer, o lazer, o sexo, traduz-
se por um proletariado que não pode errar, não pode desaprender um ritmo, uma cadência já
adquirida sob forte pressão emocional, o movimento ordenado, limitando em centímetros e em
segundos, características da linha de produção. O anonimato e a solidão devem ser enfrentados
isoladamente e, aí, percebe-se que a ideologia defensiva é, agora, imcompatível, numa guerra em que
cada um seguirá seu rumo.

Assim, a análise comportamental nos leva à única saída possível: O mecanismo de


defesa é individual, eis que a angústia e a ansiedade, originadas da organização de trabalho taylorista,
devem ser enfrentadas individualmente. Qualquer demonstração de fraqueza será utilizada contra a
pessoa daquele trabalhador.
EFEITOS DO TRABALHO REPETITIVO SOBRE A ATIVIDADE PSÍQUICA

Antes de Taylor, verifica-se que o artesão regulava, de sua própria iniciativa, suas
aptidões intelectuais e motoras, controlando seu próprio tempo, efetuando pausas em conformidade
com suas necessidades. Assim, o CORPO OBEDECIA A MENTE, reagindo com naturalidade, sendo
o pensamento, de sua vez, controlado pelo APARELHO PSÍQUICO, responsável pelo desejo, pela
imaginação e pelo prazer. Taylor, portanto, conseguiu subtrair o estágio intermediário (MENTE),
obliterando o raciocínio, robotizando-o. As conseqüências são expressas, então, em reações violentas
na vida psíquica do indivíduo, com reflexos também observados no corpo humano, como mais à
frente verificaremos.

O trabalho repetitivo traz tão profundos sintomas no indivíduo, que manifestações fora
da empresa e do horário se fazem assustadoramente presentes:

EXEMPLOS: ao ouvir sinais eletrônicos no metrô, telefonistas respondem automaticamente um


“ALÔ” estereotipado. Controladores e vigias que trabalham com Walkie-Talkies respondem “câmbio
e desligo”. Atividades domésticas passam a ser desenvolvidas com ritmo acelerado (em alguns casos,
alucinado), caracterizadas por uma ansiedade inexplicável e fácil irritação. Motoristas dirigem como
loucos, com pressa de chegar não se sabe aonde, “... mas tenho de correr ...”. Mesmo aos domingos,
a passeio com a família, dirigem como estivessem atrazados para o trabalho.

O mais terrível a se observar em tais casos é que, já estando condicionados a tais


situações, a tal ritmo, os trabalhadores não conseguem se “desligar” do mesmo, alguns, inclusive,
desenvolvendo atividades cuidadosamente controladas, em uma estratégia inconsciente de não perder
o condicionamento já adquirido, para “não perder a produtividade ...”.

Tal comportamento, por fim, vem justificar a reação de desespero experimentada pelos
operadores de áreas industriais que são comunicados a respeito de mudança de posto de trabalho, de
um setor para o outro, mesmo que o trabalho até então realizado seja feito num posto considerado
“difícil”. Ocorre que o sofrimento dispendido no aprendizado das tarefas, relacionadas a um ritmo
que exige esforços até que seja adquirida a prática, estará, então, perdido, pois o operador terá de
reiniciar todo um processo bastante desgastante para sua saúde física e, principalmente, mental.

A EXPLORAÇÃO DO SOFRIMENTO, DA ANSIEDADE E DO MEDO

Estudos desenvolvidos na França já comprovaram que as reações anteriormente


descritas são aproveitadas pelas empresas. Na verdade, em função do sofrimento dos trabalhadores
(que as empresas muito bem conhecem), estas acabam por apropriar-se de tal situação, convertendo-
os em maior produtividade, pois o que interessa para a empresa, na verdade, é a REAÇÃO derivada
do sofrimento e não este em si.

Exemplo: As telefonistas desenvolvem um trabalho tão automatizado que acabam tornando-se


essencialmente agressivas. As frases padronizadas que são obrigadas a decorar e repetir centenas de
vezes por dia, sem que possam, ao menos, modificar uma só vírgula, as irritam profundamente.
Acrescente-se a tal fato a permanente vigília à qual estão sujeitas durante a jornada, pois a chefia
imediata seleciona, a qualquer instante, o canal de uma e de outra, aleatoriamente, para verificar se
estão cumprindo fielmente à ordens recebidas. Tal irritação faz com que a telefonista procure
“desvencilhar-se” o mais rápido possível de cada uma das ligações dos assinantes que a consultam.
Falando o mais rápido possível, atende a telefonista ao maior número de ligações.
O medo, de sua vez, fundamentado na ignorância relativa a variáveis de um processo
industrial que não é de todo conhecido, aumenta o controle voluntário efetuado por operadores de
unidades fabrís, principalmente na indústria química, petroquímica e nas refinarias. O medo produz,
então, maior número de rotinas operacionais do que o previsto, também induzido pelo fato de grande
número de dispositivos de informação apresentarem leituras falsas nos painéis de controle das Salas,
CCI’s, etc.

Determinadas situações, teoricamente previstas como uma grande evolução nos


processos industriais, provocam pânico até em operadores mais experientes: quando as diversas áreas
de uma unidade industrial passam a um monitoramento centralizado, tipo CCI, com automação por
SDC’s, por exemplo, os operadores perdem o controle sobre as variáveis do sistema, pois os
parâmetros anteriormente utilizados se perdem por completo.

Exemplo: Como um determinado dispositivo ou uma série destes não é de leitura confiável, os
operadores habituam-se a controlar as variáveis do processo, aprendendo quando o mesmo está
“normal”, por outros meios não oficiais. Assim, aprendem que o borbulhar do cloreto de vinila indica
o “ponto” certo para dar entrada a um determidado sistema operacional, a cor de uma névoa indica
que já atingiu-se temperatura “correta” do produto e até mesmo passam a controlar a temperatura de
bocais de fornos com o próprio tato das mãos, pois “... o termômetro aí cada dia marca uma
temperatura ...”.

Se tais operadores são retirados de uma área industrial e deslocados à uma Sala de
Controle à distância, passam a controlar as variáveis do processo por telas de monitores, com
gráficos de barras e outras representações gráficas. Ocorre que tais sistemas geralmente indicam um
problema QUANDO ESTE JÁ OCORREU, situação bastante distinta da anterior, quando as
variáveis eram controladas por parâmetros não oficiais, mas eficazes, que permitem evitar os
problemas ANTES DE SUA OCORRÊNCIA.

Não podemos esquecer também que inúmeras unidades que passam por modificações
projetuais durante sua vida útil, têm um período de transição, no qual são efetuadas regulagens dos
equipamentos de controle de processo. Inúmeros casos de incidentes e acidentes na indústria química
(inclusive em Cubatão) vêm ocorrendo pelo fato de que, teoricamente, um determinado sistema
deveria ter entrado em ação, quando esta ou aquela variáveis se apresentassem. Contudo, na hora
“H”, o sistema não caiu, não desligou, seguidos, geralmente, de grandes vazamentos, princípios de
incêndio, etc.

Portanto, a automatização, a implantação de uma tecnologia “dita” de 1º Mundo,


muitas vezes aumenta a carga de trabalho dos operadores, pois, quando da implantação de tais
sistemas informatizados, acredita piamente a empresa em que poderá reduzir drasticamente o número
de operadores que se ativam em tal área industrial, o que, efetivamente, se verifica. Reduz-se o
número de pessoas e aumenta-se a carga de trabalho para aqueles que ficam na empresa.
Conclusão: MAIOR NÚMERO DE ACIDENTES, MAIOR RISCO, MAIS SOFRIMENTO.

Assim, percebe-se que a intervenção ergonômica não deve ser limitada apenas às
condições de trabalho encontradas nos ambientes e postos vistoriados, ou seja, ao ruído excessivo,
iluminação deficiente, presença de vapores e névoas tóxicas, etc. A análise ergonômica também deve
prever uma atuação que reflita as reações comportamentais dos trabalhadores frente à organização do
trabalho, pois sob hipótese alguma deve-se considerar que a reação do trabalhador seja padronizada,
como se este fosse um robô. A organização do trabalho, portanto, deve prever flexibilidade, em
função da variabilidade dos processos e dos próprios operadores, com suas individuais
especificidades de intervenção. Para tanto, necessário se faz que a divisão do trabalho seja
profundamente revista.
Assédio moral e sexual

O assédio moral e sexual nas relações de trabalho ocor-


re freqüentemente, tanto na iniciativa privada quanto
nas instituições públicas. A prática desse crime efetivamente
fortalece a discriminação no trabalho, a manutenção da de-
gradação das relações de trabalho e a exclusão social.

O assédio moral e sexual no trabalho caracteriza-se pela


exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e cons-
trangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de
trabalho e relativas ao exercício de suas funções.

Tais práticas evidenciam-se em relações hierárquicas au-


toritárias, em que predominam condutas negativas, relações
desumanas e antiéticas de longa duração, de um ou mais
chefes, dirigidas a um ou mais subordinados, entre colegas
e, excepcionalmente, na modalidade ascendente (subordi-
nado x chefe), desestabilizando a relação da vítima.
Estudos sobre o tema confirmam que a humilhação
constitui um risco “invisível”, porém concreto, nas relações
de trabalho e que compromete, sobretudo, a saúde das tra-
balhadoras.
Analisar o assediador e entender suas atitudes são os
primeiros passos para incrementar o combate ao assédio
moral no ambiente de trabalho.
O que é assédio moral?

S ão atos cruéis e desumanos que caracterizam uma ati-


tude violenta e sem ética nas relações de trabalho, pra-
ticada por um ou mais chefes contra seus subordinados.
Trata-se da exposição de trabalhadoras e trabalhadores a si-
tuações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante
o exercício de sua função. É o que chamamos de violência
moral. Esses atos visam humilhar, desqualificar e desestabili-
zar emocionalmente a relação da vítima com a organização
e o ambiente de trabalho, o que põe em risco a saúde, a
própria vida da vítima e seu emprego.
A violência moral ocasiona desordens emocionais, atinge
a dignidade e identidade da pessoa humana, altera valores,
causa danos psíquicos (mentais), interfere negativamente na
saúde, na qualidade de vida e pode até levar à morte.

O assédio moral é um
sofrimento solitário,
que faz mal à saúde do
corpo e da alma
Como acontece

A vítima escolhida é isolada do grupo, sem explicações.


Passa a ser hostilizada, ridicularizada e desacreditada
no seu local de trabalho. É comum os colegas romperem
os laços afetivos com a vítima e reproduzirem as ações e os
atos do(a) agressor(a) no ambiente de trabalho. O medo do
desemprego, e a vergonha de virem a ser humilhados, asso-
ciados ao estímulo constante da concorrência profissional,
os tornam coniventes com a conduta do assediador.
Alvos preferenciais

• Mulheres
• Homens
• Raça/Etnia
• Orientação sexual
• Doentes e
A maioria das Acidentados
vítimas é mulher
e é negra
16
Violência moral contra a mulher
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

Aspectos gerais

G eralmente, o ambiente de trabalho é o mais perverso


para as mulheres, pois, além do controle e da fiscaliza-
ção cerrada, são discriminadas. Essa prática é mais freqüen-
te com as afro-descendentes. Muitas vezes o assédio moral
diferido contra elas é precedido de uma negativa ao assédio
sexual. Em alguns casos, os constrangimentos começam na
procura do emprego, a partir da apresentação estética.
Posteriormente, ações como:
• Ameaça, insulto, isolamento
• Restrição ao uso sanitário
• Restrições com grávidas,
mulheres com filhos e
casadas
• São as primeiras a
serem demitidas
• Os cursos de
aperfeiçoamento são
preferencialmente para
os homens
• Revista vexatória, e outras
atitudes que caracterizam
assédio moral
17
Violência moral contra o homem

Capítulo I • Assédio Moral no Trabalho


e orientação sexual

O homem não está livre do assédio, particularmente se


for homoafetivo ou possuir algum tipo de limitação
física ou de saúde.
No que se refere à orientação sexual, não há instrumen-
tos oficiais para esse tipo de verificação. E, aqui, o entrave
é também cultural e está ligado ao que significa ser homem
na sociedade brasileira. Em uma sociedade machista, os pre-
conceitos com relação à orientação sexual são ainda mais
graves.

Em uma sociedade
machista, os preconceitos
com relação à orientação
sexual são ainda mais graves
18
Violência moral
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

contra doentes e acidentados(as)


• Ter outra pessoa na função, quando retorna ao
serviço
• Ser colocado em local sem função alguma
• Não fornecer ou retirar instrumentos de trabalho
• Estimular a discriminação entre os sadios e os
adoecidos
• Dificultar a entrega de documentos necessários à
concretização da perícia médica pelo INSS
• Demitir após o transcurso da estabilidade legal
19
Objetivos e estratégias

Capítulo I • Assédio Moral no Trabalho


Objetivo do(a) agressor(a)
• Desestabilizar emocional e profissionalmente
• Livrar-se da vítima: forçá-lo(a) a pedir demissão ou
demiti-lo(a), em geral, por insubordinação
Estratégia do(a) agressor(a)
• Escolher a vítima e o(a) isolar do grupo
• Impedir que a vítima se expresse e não explicar o porquê
• Fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em seu
local de trabalho
• Culpar/responsabilizar publicamente, levando os comen-
tários sobre a incapacidade da vítima, muitas vezes, até o
espaço familiar
• Destruir emocionalmente a vítima por meio da vigilân-
cia acentuada e constante. Ele(a) se isola da família e dos
amigos, passa a usar drogas, principalmente o álcool, com
freqüência, desencadeando ou agravando doenças pree-
xistentes
• Impor à equipe sua autoridade para aumentar a produti-
vidade
20
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

Como identificar o assediador

É no cotidiano do ambiente de trabalho que o assédio mo-


ral ganha corpo. Alguns comportamentos típicos do(a)
agressor(a) fornecem a senha para o processo de assédio
moral nas empresas.
O assédio moral é uma relação triangular entre quem
assedia, a vítima e os demais colegas de trabalho.
Após a confirmação de que está sendo vítima de assédio
moral, não se intimide, nem seja cúmplice.

Denuncie!
21
Confira alguns exemplos:

Capítulo I • Assédio Moral no Trabalho


• Ameaçar constantemente, amedrontando quanto à
perda do emprego
• Subir na mesa e chamar a todos de incompetentes
• Repetir a mesma ordem para realizar tarefas
simples, centenas de vezes, até desestabilizar
emocionalmente o(a) subordinado(a)
• Sobrecarregar de tarefas ou impedir a continuidade
do trabalho, negando informações
• Desmoralizar publicamente
• Rir, a distância e em pequeno grupo, direcionando
os risos ao trabalhador
• Querer saber o que se está conversando
• Ignorar a presença do(a) trabalhador(a)
• Desviar da função ou retirar material necessário à
execução da tarefa, impedindo sua execução
• Troca de turno de trabalho sem prévio aviso
• Mandar executar tarefas acima ou abaixo do
conhecimento do trabalhador
• Dispensar o trabalhador por telefone, telegrama ou
correio eletrônico, estando ele em gozo de férias
• Espalhar entre os(as) colegas que o(a) trabalhador(a)
está com problemas nervosos
• Sugerir que o trabalhador peça demissão devido a
problemas de saúde
• Divulgar boatos sobre a moral do trabalhador
22
Como a vítima reage
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

M ulheres e homens reagem de maneira diferente, quan-


do vítimas de assédio. O assédio moral desencadeia
ou agrava doenças.

Mulheres:

• São humilhadas e expressam sua indignação


com choro, tristeza, ressentimentos e mágoas.
Sentimento de inutilidade, fracasso e baixa
auto-estima, tremores e palpitações. Insônia,
depressão e diminuição da libido são manifestações
características desse trauma.
23
Homens:

Capítulo I • Assédio Moral no Trabalho


• Sentem-se revoltados, indignados, desonrados, com
raiva, traídos e têm vontade de vingar-se. Idéias
de suicídio e tendências ao alcoolismo. Sentem-
se envergonhados diante da mulher e dos filhos,
sobressaindo o sentimento de inutilidade, fracasso e
baixa auto-estima.

Não se intimide! Rompa o


silêncio e busqe apoio de
colegas, familiares e dos orgãos
públicos responsáveis pela
proteção dos trabalhadores
24
O que a vítima deve fazer
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

• Resistir. Anotar, com detalhes, todas as humilhações


sofridas: dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome
do(a) agressor(a), colegas que testemunharam os fatos,
conteúdo da conversa e o que mais achar necessário
• Dar visibilidade, procurando a ajuda dos colegas,
principalmente daqueles que testemunharam o fato ou
que sofrem humilhações do(a) agressor(a)
• Evitar conversa, sem testemunhas, com o(a) agressor(a).
• Procurar seu sindicato e relatar o acontecido
• Buscar apoio junto a familiares, amigos e colegas

Instituições e órgãos que devem ser procurados:


• Ministério do Trabalho e Emprego (Superin-
tendências Regionais do Trabalho e Emprego),
Conselhos Municipais Estaduais dos Direitos da
Mulher, Comissão de Direitos Humanos, Con-
selho Regional de Medicina, Ministério Público e
Justiça do Trabalho.
25
O medo reforça o poder

Capítulo I • Assédio Moral no Trabalho


do(a) agressor(a)

O assédio moral no trabalho não é um fato isolado.


Como vimos, ele se baseia na repetição, ao longo do
tempo, de práticas vexatórias e constrangedoras, explicitan-
do a degradação deliberada das condições de trabalho.
Nessa luta, são aliados dos(as) trabalhadores(as) os
centros de Referência em Saúde dos Trabalhadores, Co-
missões de Direitos Humanos e Comissão de Igualdade e
Oportunidade de Gênero, de Raça e Etnia, de Pessoas com
Deficiência e de Combate à Discriminação nas Superinten-
dências Regionais do Trabalho e Emprego.
Um ambiente de trabalho saudável é uma conquista
diária possível. Para que isso aconteça, é preciso vigilância
constante e cooperação.
26
Conseqüências do assédio moral
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

Perdas para a empresa


As perdas para o empregador podem ser:
• Queda da produtividade e menor eficiência, imagem
negativa da empresa perante os consumidores e
mercado de trabalho
• Alteração na qualidade do serviço/produto e baixo
índice de criatividade
• Doenças profissionais, acidentes de trabalho e danos aos
equipamentos
• Troca constante de empregados, ocasionando despesas
com rescisões, seleção e treinamento de pessoal
• Aumento de ações trabalhistas, inclusive com pedidos
de reparação por danos morais
27
Ações preventivas da empresa

Capítulo I • Assédio Moral no Trabalho


O s problemas de relacionamento dentro do ambiente
de trabalho e os prejuízos daí resultantes serão tanto
maiores quanto mais desorganizada for a empresa e maior
for o grau de tolerância do empregador em relação às pra-
ticas de assédio moral.
• Estabelecer diálogo sobre os métodos de
organização de trabalho com os gestores (RH) e
trabalhadores(as)
• Realização de seminários, palestras e outras
atividades voltadas à discussão e sensibilização sobre
tais práticas abusivas
• Criar um código de ética que proíba todas as formas
de discriminação e de assédio moral
Assédio Sexual
no Trabalho
31

Capítulo II • Assédio Sexual no Trabalho


Introdução

A partir do ingresso da mulher no mercado de trabalho,


vários aspectos dessa discriminação por gênero têm se
manifestado. Elas recebem salários menores que os dos co-
legas homens, ainda que sejam, na maioria das vezes, mais
escolarizadas que eles, têm menores oportunidades de
conseguir emprego, são as primeiras a entrar nas listas de
demissão quando há cortes nas empresas e, por fim, são
as maiores vítimas do que a legislação denomina “assédio
sexual”.
Há casos inversos, em que o homem se vê assediado
por uma mulher. Mas essa não é a regra e sim a exceção. Em
qualquer hipótese, essa prática agora é crime, com legisla-
ção específica e penalidades previstas. Portanto, para saber-
mos exatamente o que vem a ser o assédio sexual no local
de trabalho é que estamos divulgando esta cartilha.
32
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

O que é assédio sexual

O assédio sexual no ambiente de trabalho consiste em


constranger colegas por meio de cantadas e insinua-
ções constantes com o objetivo de obter vantagens ou favo-
recimento sexual.
Essa atitude pode ser clara ou sutil; pode ser falada ou
apenas insinuada; pode ser escrita ou explicitada em ges-
tos; pode vir em forma de coação, quando alguém promete
promoção para a mulher, desde que ela ceda; ou, ainda, em
forma de chantagem.
33

Capítulo II • Assédio Sexual no Trabalho


Formas de assédio sexual?

O assédio sexual é uma forma de abuso de poder no


trabalho.
Segundo a professora Adriana C. Calvo, mestranda da
PUC/SP, há dois tipos de assédio sexual:
1. Chantagem: é o tipo criminal previsto pela Lei
nº 10.224/2001.
2. Intimidação: intenção de restringir, sem motivo,
a atuação de alguém ou criar uma circunstância
ofensiva ou abusiva no trabalho.
34
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

Lei brasileira

A Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, introduziu no


Código Penal a tipificação do crime de assédio sexual,
dando a seguinte redação ao art. 216-A: “Constranger al-
guém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento
sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição se supe-
rior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício, em-
prego, cargo ou função”. A pena prevista é de detenção, de
1 (um) a 2 (dois) anos.
Trata-se de evolução da legislação, pois essa conduta era
enquadrada em delito de menor potencial ofensivo, ou seja,
crime de constrangimento ilegal, cuja pena é a de detenção
por 3 meses a 1 ano ou multa para o transgressor, conforme
o art. 146 do Código Penal.
Além disso, a Consolidação das Leis do Trabalho auto-
riza o empregador a demitir por justa causa o empregado
que cometer falta grave, a exemplo dos comportamentos
faltosos listados no seu art. 482, podendo o assédio sexual
cometido no ambiente de trabalho ser considerado uma des-
sas hipóteses.
35

Capítulo II • Assédio Sexual no Trabalho


Assédio sexual

A ssédio sexual é uma das muitas violências que a mulher


sofre no seu dia-a-dia. De modo geral, acontece quan-
do o homem, principalmente em condição hierárquica su-
perior, não tolera ser rejeitado e passa a insistir e pressionar
para conseguir o que quer.
A intenção do assediador pode ser expressa de várias
formas. No ambiente de trabalho, atitudes como piadinhas,
fotos de mulheres nuas, brincadeiras consideradas de ma-
cho ou comentários constrangedores sobre a figura femini-
na podem e devem ser evitados.
Essa pressão tem componentes de extrema violência
moral, à medida que coloca a vítima em situações vexató-
rias, provoca insegurança profissional pelo medo de perder
o emprego, ser transferida para setores indesejados, perder
direitos etc.

A Convenção Interamericana para Prevenir,


Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher
(Convenção de Belém do Pará, 1995 – CEDAW)
classifica o assédio sexual no trabalho “como
uma das formas de violência contra a mulher”.
36
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

Só existe assédio sexual de


homens contra mulheres?

P ode haver assédio de homens contra mulheres; mulhe-


res contra homens; homens contra homens; e mulheres
contra mulheres.
Mesmo com todos os avanços que ocorreram no campo
da sexualidade nas últimas décadas, o assédio sexual ainda é
um tabu. Por ser oculto, passa a ser interpretado de forma
solitária por quem o sofreu, e não raras são as vezes em que
as mulheres adotam a postura de “culpadas”, isto é, ques-
tionam-se se suas ações foram adequadas, provocadoras ou
insinuadoras. É a culpabilização da vítima que se acrescenta,
sentimento que se soma ao seu sofrimento de assediada.
Essas hipóteses descaracterizam a condição de vítima e a
conduzem à posição de culpada.
O modelo social se consolida nas frases que são ditas,
repetidas e que passam de boca em boca retransmitindo
para todas as gerações um pensamento que oportuniza a
permanência do modelo.
37
O que a pessoa

Capítulo II • Assédio Sexual no Trabalho


assediada pode fazer

A primeira dica é romper o silêncio, que é o motivo dos


grandes males. Sair de uma posição submissa para uma
atitude mais ativa:
• Dizer claramente não ao assediador
• Contar para os(as) colegas o que está acontecendo
• Reunir provas, como bilhetes, presentes e outras
• Arrolar colegas que possam ser testemunhas
• Relatar o acontecido ao setor de recursos humanos
• Relatar o acontecido ao Sindicato
• Registrar a ocorrência na Delegacia da Mulher e, na
falta dessa, em uma delegacia comum
• Registrar o fato na Superintendência Regional do
Trabalho e Emprego
38
Assédio Moral e Sexual no Trabalho

Como terminar com


o assédio sexual

A ação contra o assédio sexual não é uma luta de mulhe-


res contra homens. Ela é uma luta de todos, inclusive
de todos os homens que desejam um ambiente de trabalho
saudável.
Por um mínimo de coerência, não se pode, por um lado,
defender os princípios de igualdade e justiça e, por outro
lado, tolerar, desculpar ou até mesmo defender compor-
tamentos que agridam a integridade das mulheres e dos
homens.

Derrotar a prática do assédio sexual no trabalho é parte


integrante da luta pela igualdade de direitos e oportunidades
entre homens e mulheres.
QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO: ORIGEM, EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS

Nesta virada de milênio tem sido intenso o


esforço empreendido pelas organizações para 2. ORIGEM E EVOLUÇÃO
sobreviver – e quanto a isso, acreditamos, haverá
Segundo RODRIGUES (1999), com outros
pouca discordância –, como também tem sido
títulos e em outros contextos, mas sempre voltada
enorme o desgaste e o sacrifício impingido ao
para facilitar ou trazer satisfação e bem-estar ao
trabalhador moderno. Se a teoria da administração
trabalhador na execução de suas tarefas, a qualidade
tem sido pródiga na criação de novas ferramentas de
de vida sempre foi objeto de preocupação da raça
gestão – afinal, surgem novas propostas, antigas
humana. Historicamente exemplificando, os
propostas são aperfeiçoadas ou, ainda, cunhadas
ensinamentos de Euclides (300 a.C.) de Alexandria
com um novo rótulo praticamente todos os dias –,
sobre os princípios da geometria serviram de
infelizmente aquelas que visam proporcionar uma
inspiração para a melhoraria do método de trabalho
melhor condição de trabalho e satisfação na sua
dos agricultores à margem do Nilo, assim como a
execução – e não apenas aumento do ganho
Lei das Alavancas, de Arquimedes, formulada em
pecuniário – ainda deixam muito a desejar.
287 a.C., veio a diminuir o esforço físico de muitos
Portanto, analisaremos neste trabalho a trabalhadores.
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) como
No século XX, muitos pesquisadores
ferramenta de gestão. A primeira parte busca
contribuíram para o estudo sobre a satisfação do
deslindar a origem e evolução da QVT, enfatizando
indivíduo no trabalho. Entre eles destacamos Helton
a contribuição de alguns pesquisadores, ao longo do
Mayo, cujas pesquisas, conforme FERREIRA,
século XX, para o estudo do assunto. A segunda
REIS e PEREIRA (1999), HAMPTON (1991) e
parte conceitua QVT e abrange as suas dimensões,
RODRIGUES (1999), são altamente relevantes para
isto é, as áreas com as quais faz interface. A terceira
o estudo do comportamento humano, da motivação
parte destaca as dificuldades e obstáculos para uma dos indivíduos para a obtenção das metas
efetiva implantação dos programas de QVT nas organizacionais e da Qualidade de Vida do
organizações. A quarta parte discorre sobre as Trabalhador, principalmente a partir das pesquisas e
perspectivas e desafios para a consolidação da estudos efetuados na Western Eletric Company
QVT, e a última parte ressalta a necessidade de (Hawthorne, Chicago) no início dos anos 20, que
transformação do ambiente de trabalho em um local culminaram com a escola de Relações Humanas.
aprazível, onde possamos sentir satisfação e alegria
na execução das nossas atividades profissionais.
Merece igualmente crédito o trabalho de Abrahan Vale ressaltar que o desafio imaginado pelos seus
H. Maslow, que concebeu a hierarquia das idealizadores persiste, isto é, tornar o QVT uma
necessidades, composta de cinco necessidades ferramenta gerencial efetiva e não apenas mais um
fundamentais: fisiológicas, segurança, amor, estima modismo, como tantos outros que vêm e vão. E esse
e auto-realização. Douglas McGregor, autor da desafio torna-se mais instigante neste momento em
Teoria X, por sua vez, considerava, entre outras que nos vemos às voltas com uma rotina diária
coisas, que o compromisso com os objetivos cada vez mais desgastante e massacrante. Quando
depende das recompensas à sua consecução, e que se pensava que os seres humanos poderiam
o ser humano não só aprende a aceitar as finalmente desfrutar do rápido progresso alcançado
responsabilidades, como passa a procurá-las, em várias ciências, paradoxalmente o que temos
conforme FERREIRA, REIS e PEREIRA (1999). visto é o trabalho como um fim em si mesmo.
Essa teoria, aliás, na sua essência, busca a
Após os sucessivos processos de downsizing,
integração entre os objetivos individuais e os
reestruturação e reengenharia que marcaram toda a
organizacionais. Segundo RODRIGUES (1999),
década de 90, nota-se atualmente que as pessoas
várias das dimensões destacadas por McGregor são
têm trabalhado cada vez mais, e, por extensão, têm
analisadas e consideradas em programas de QVT.
tido menos tempo para si mesmas (VEIGA, 2000).
Vale mencionar também Frederick Herzberg. As
HANDY (1995: 25), com base nessa realidade,
pesquisas desse autor detectaram que os
declarou que:
entrevistados (engenheiros e contadores)
associavam a insatisfação com o trabalho ao “O problema começou quando transformamos o
ambiente de trabalho e a satisfação com o trabalho
tempo em uma mercadoria, quando compramos o
ao conteúdo. Assim, os fatores higiênicos – tempo das pessoas em nossas empresas em vez
capazes de produzir insatisfação – compreendem: a de comprar a produção. Quanto mais tempo você
política e a administração da empresa, as relações vende, nessas condições, mais dinheiro fará.
interpessoais com os supervisores, supervisão,
Então, há uma troca inevitável entre o tempo e o
condições de trabalho, salários, status e segurança dinheiro. As empresas, por sua vez, tornam-se
no trabalho. Os fatores motivadores – geradores de exigentes. Querem menos tempo das pessoas que
satisfação – abrangem: realização, reconhecimento,
eles pagam por hora, porém mais das pessoas que
o próprio trabalho, responsabilidade e progresso ou pagam por ano, porque, no último caso, cada hora
desenvolvimento (FERREIRA, REIS e PEREIRA, extra durante o ano é gratuita.”
1999 e RODRIGUES, 1999).
Mais adiante analisaremos detidamente as
NADLER e LAWLER apud FERNANDES conseqüências desta afirmação.
(1996), FRANÇA (1997) e RODRIGUES (1999)
oferecem uma interessante e abrangente visão da
evolução do conceito de QVT, conforme a Tabela 1.

TABELA 1 - EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE QVT

CONCEPÇÕES EVOLUTIVAS DO QVT CARACTERÍSTICAS OU VISÃO


1. QVT como uma variável (1959 a 1972) Reação do indivíduo ao trabalho. Investigava-se como
melhorar a qualidade de vida no trabalho para o
indivíduo.
2. QVT como uma abordagem (1969 a 1974) O foco era o indivíduo antes do resultado
organizacional; mas, ao mesmo tempo, buscava-se
trazer melhorias tanto ao empregado como à direção.
CONCEPÇÕES EVOLUTIVAS DO QVT CARACTERÍSTICAS OU VISÃO
3. QVT como um método (1972 a 1975) Um conjunto de abordagens, métodos ou técnicas para
melhorar o ambiente de trabalho e tornar o trabalho
mais produtivo e mais satisfatório. QVT era vista como
sinônimo de grupos autônomos de trabalho,
enriquecimento de cargo ou desenho de novas plantas
com integração social e técnica.
4. QVT como um movimento (1975 a 1980) Declaração ideológica sobre a natureza do trabalho e as
relações dos trabalhadores com a organização. Os
termos “administração participativa” e “democracia
industrial” eram freqüentemente ditos como ideais do
movimento de QVT.
5. QVT como tudo (1979 a 1982) Como panacéia contra a competição estrangeira,
problemas de qualidade, baixas taxas de produtividade,
problemas de queixas e outros problemas
organizacionais.
6. QVT como nada (futuro) No caso de alguns projetos de QVT fracassarem no
futuro, não passará de um “modismo” passageiro.
Fonte: NADLER e LAWLER apud FERNANDES (1996: 42).

3. CONCEITUANDO QVT E SUAS


“No contexto do trabalho esta abordagem pode
DIMENSÕES
ser associada à ética da condição humana. Esta
ética busca desde a identificação, eliminação,
Conforme FRANÇA (1997: 80),
neutralização ou controle de riscos ocupacionais
“Qualidade de vida no trabalho (QVT) é o observáveis no ambiente físico, padrões de
conjunto das ações de uma empresa que relações de trabalho, carga física e mental
envolvem a implantação de melhorias e requerida para cada atividade, implicações
inovações gerenciais e tecnológicas no ambiente políticas e ideológicas, dinâmica da liderança
de trabalho. A construção da qualidade de vida empresarial e do poder formal até o significado
no trabalho ocorre a partir do momento em que se do trabalho em si, relacionamento e satisfação no
olha a empresa e as pessoas como um todo, o que trabalho.” (p. 80).
chamamos de enfoque biopsicossocial. O LIMONGI (1995) e ALBUQUERQUE e
posicionamento biopsicossocial representa o fator FRANÇA (1997) consideram que a sociedade vive
diferencial para a realização de diagnóstico, novos paradigmas de modos de vida dentro e fora
campanhas, criação de serviços e implantação de da empresa, gerando, em conseqüência, novos
projetos voltados para a preservação e valores e demandas de Qualidade de Vida no
desenvolvimento das pessoas, durante o trabalho Trabalho. Para os referidos autores, outras ciências
na empresa.” têm dado sua contribuição ao estudo do QVT, tais
A mesma pesquisadora esclarece que “A origem como:
do conceito vem da medicina psicossomática que • Saúde – nessa área, a ciência tem buscado
propõe uma visão integrada, holística do ser preservar a integridade física, mental e social
humano, em oposição à abordagem cartesiana que do ser humano e não apenas atuar sobre o
divide o ser humano em partes” (p. 80). E conclui, controle de doenças, gerando avanços
ao afirmar que, biomédicos e maior expectativa de vida.
• Ecologia – vê o homem como parte integrante assim como o respeito à eqüidade interna
e responsável pela preservação do sistema dos (comparação com outros colegas) e à eqüidade
seres vivos e dos insumos da natureza. externa (mercado de trabalho).
• Ergonomia – estuda as condições de trabalho Em Condições de Trabalho mede-se as
ligadas à pessoa. Fundamenta-se na medicina, condições prevalecentes no ambiente de trabalho.
na psicologia, na motricidade e na tecnologia Envolve a jornada e carga de Trabalho, materiais e
industrial, visando ao conforto na operação. equipamentos disponibilizados para a execução das
tarefas e ambiente saudável (preservação da saúde
• Psicologia – juntamente com a filosofia,
do trabalhador). Ou seja, esse tópico analisa as
demonstra a influência das atitudes internas e
condições reais oferecidas ao empregado para a
perspectivas de vida de cada pessoa em seu
consecução das suas tarefas.
trabalho e a importância do significado
intrínseco das necessidades individuais para O fator Uso e Desenvolvimento de Capacidades
seu envolvimento com o trabalho. implica o aproveitamento do talento humano, ou
capital intelectual, como está em voga atualmente.
• Sociologia– resgata a dimensão simbólica do
É forçoso, portanto, reconhecer a necessidade de
que é compartilhado e construído socialmente,
concessão de autonomia (empowerment), incentivo
demonstrando suas implicações nos diversos
à utilização da capacidade plena de cada indivíduo
contextos culturais e antropológicos da
no desempenho de suas funções e feedbacks
empresa.
constantes acerca dos resultados obtidos no trabalho
• Economia – enfatiza a consciência de que os e do processo como um todo.
bens são finitos e que a distribuição de bens,
Oportunidade de Crescimento e Segurança
recursos e serviços deve envolver de forma
abarca as políticas da instituição no que concerne
equilibrada a responsabilidade e os direitos da
ao desenvolvimento, crescimento e segurança de
sociedade.
seus empregados, ou seja, possibilidade de carreira,
• Administração – procura aumentar a crescimento pessoal e segurança no emprego. Neste
capacidade de mobilizar recursos para atingir fator pode-se observar, através das ações
resultados, em ambiente cada vez mais implementadas pelas empresas, o quanto a prática
complexo, mutável e competitivo. empresarial está de fato sintonizada com o respeito
• Engenharia – elabora formas de produção e a valorização dos empregados.
voltadas para a flexibilização da manufatura, Essencialmente, em Integração Social na
armazenamento de materiais, uso da Organização pode-se efetivamente observar se há
tecnologia, organização do trabalho e controle igualdade de oportunidades, independente da
de processos. orientação sexual, classe social, idade e outras
WALTON apud RODRIGUES (1999: 81), formas de discriminação, bem como se há o cultivo
considera que “a expressão Qualidade de Vida tem ao bom relacionamento.
sido usada com crescente freqüência para descrever Constitucionalismo mede o grau em que os
certos valores ambientais e humanos, direitos do empregado são cumpridos na instituição.
neglicenciados pelas sociedades industriais em Implica o respeito aos direitos trabalhistas, à
favor do avanço tecnológico, da produtividade e do privacidade pessoal (praticamente inexistente no
crescimento econômico.” mundo empresarial moderno), à liberdade de
WALTON, ainda apud FERNANDES (1996) expressão (altamente em cheque, tendo-se em vista
propõe oito categorias conceituais, incluindo as enormes dificuldades de trabalho com registro
critérios de QVT (Tabela II). Em Compensação em carteira).
Justa e Adequada busca-se a obtenção de No fator Trabalho e o Espaço Total da Vida
remuneração adequada pelo trabalho realizado, deveríamos encontrar o equilíbrio entre a vida
pessoal e o trabalho. Todavia, como veremos mais empresa, à responsabilidade social da instituição na
adiante, estamos muito distantes de uma prática comunidade, à qualidade dos produtos e à prestação
minimamente ideal nesse campo. Por fim, em dos serviços. Felizmente, esses aspectos vêm tendo
Relevância do Trabalho na Vida investiga-se a significativos avanços no campo empresarial.
percepção do empregado em relação à imagem da

TABELA II - CATEGORIAS CONCEITUAIS DE QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO – QVT

CRITÉRIOS INDICADORES DE QVT


1. COMPENSAÇÃO JUSTA E ADEQUADA Eqüidade interna e externa
Justiça na compensação
Partilha de ganhos de produtividade
2. CONDIÇÕES DE TRABALHO Jornada de trabalho razoável
Ambiente físico seguro e saudável
Ausência de insalubridade
3. USO E DESENVOLVIMENTO DE Autonomia
CAPACIDADES Autocontrole relativo
Qualidades múltiplas
Informações sobre o processo total do trabalho
4. OPORTUNIDADE DE CRESCIMENTO E Possibilidade de carreira
SEGURANÇA Crescimento pessoal
Perspectiva de avanço salarial
Segurança de emprego
5. INTEGRAÇÃO SOCIAL NA ORGANIZAÇÃO Ausência de preconceitos
Igualdade
Mobilidade
Relacionamento
Senso Comunitário
6. CONSTITUCIONALISMO Direitos de proteção ao trabalhador
Privacidade pessoal
Liberdade de expressão
Tratamento imparcial
Direitos trabalhistas
7. O TRABALHO E O ESPAÇO TOTAL DE VIDA Papel balanceado no trabalho
Estabilidade de horários
Poucas mudanças geográficas
Tempo para lazer da família
CRITÉRIOS INDICADORES DE QVT
8. RELEVÂNCIA SOCIAL DO TRABALHO NA Imagem da empresa
VIDA Responsabilidade social da empresa
Responsabilidade pelos produtos
Práticas de emprego
Fonte: WALTON apud FERNANDES (1996: 48).

Para SUCESSO (1998), pode-se dizer, de 4. DIFICULDADES E OBSTÁCULOS


maneira geral, que a qualidade de vida no trabalho
abrange: Em resumo, o assunto não é novo, mas a sua
aplicação tem sido inadequada. Ou, como afirma o
• Renda capaz de satisfazer às expectativas
Professor Lindolfo Galvão de Albuquerque da
pessoais e sociais;
FEA/USP (LIMONGI e ASSIS, 1995: 28):
• Orgulho pelo trabalho realizado;
“[...] existe uma grande distância entre o
• Vida emocional satisfatória;
discurso e a prática. Filosoficamente, todo mundo
• Auto-estima; acha importante a implantação de programas de
QVT, mas na prática prevalece o imediatismo e
• Imagem da empresa/instituição junto à opinião
os investimentos de médio e longo prazos são
pública;
esquecidos. Tudo está por fazer. A maioria dos
• Equilíbrio entre trabalho e lazer; programas de QVT tem origem nas atividades de
• Horários e condições de trabalho sensatos; segurança e saúde no trabalho e muitos nem
sequer se associam a programas de qualidade
• Oportunidades e perspectivas de carreira; total ou de melhoria do clima organizacional.
• Possibilidade de uso do potencial; QVT só faz sentido quando deixa de ser restrita a
programas internos de saúde ou lazer e passa a
• Respeito aos direitos; e ser discutida num sentido mais amplo, incluindo
• Justiça nas recompensas. qualidade das relações de trabalho e suas
conseqüências na saúde das pessoas e da
Para SILVA e DE MARCHI (1997), a adoção de organização.”
programas de qualidade de vida e promoção da
saúde proporcionariam ao indivíduo maior Ainda para o prof. Albuquerque, conforme
resistência ao estresse, maior estabilidade relatam LIMONGI e ASSIS (1995: 29):
emocional, maior motivação, maior eficiência no
trabalho, melhor auto-imagem e melhor “QVT é uma evolução da Qualidade Total. É o
relacionamento. Por outro lado, as empresas seriam último elo da cadeia. Não dá para falar em
beneficiadas com uma força de trabalho mais Qualidade Total se não se abranger a qualidade
saudável, menor absenteísmo/rotatividade, menor de vida das pessoas no trabalho. O esforço que
número de acidentes, menor custo de saúde tem que se desenvolver é de conscientização e
assistencial, maior produtividade, melhor imagem e, preparação para uma postura de qualidade em
por último, um melhor ambiente de trabalho. todos os sentidos. É necessária a coerência em
todos os enfoques. QVT significa condições
adequadas e os desafios de respeitar e ser
respeitado como profissional. O trabalho focado
em serviço social e saúde é muito imediatista. É
necessário colocar a QVT num contexto mais
intelectual, não só concreto e imediato. O excesso considerações devem ser feitas à sua correta e
de pragmatismo leva ao reducionismo. QVT deve adequada implementação. Não obstante a pesquisa
estar num contexto mais amplo de qualidade e de da Bain & Company indicar um elevado grau de
gestão. A gestão das pessoas deve incluir esta utilização de programas de Gestão de Qualidade
preocupação.” Total, aliás com os quais a QVT tem um ligação
umbilical, ainda há muito a ser feito.
5. PERSPECTIVAS E DESAFIOS Segundo FERNANDES (1996: 38-39),

A revista HSM Management publicou um “Apesar de toda a badalação em cima das novas
levantamento efetuado pela consultoria tecnologias de produção, ferramentas de
internacional Bain & Company sobre as ferramentas Qualidade etc., é fato facilmente constatável que
gerenciais mais utilizadas pelos executivos na mais e mais os trabalhadores se queixam de uma
América do Sul, Europa, Estados Unidos e Canadá rotina de trabalho, de uma subutilização de suas
(HSM MANAGEMENT, 2000). A ferramenta, potencialidades e talentos, e de condições de
digamos, mais voltada aos interesses pessoais dos trabalho inadequadas. Estes problemas ligados à
executivos foi “Remuneração por Desempenho”, insatisfação no trabalho têm conseqüências que
com 78%, 67% e 77% de preferência, geram um aumento do absenteísmo, uma
respectivamente (Tabela III). Nota-se, portanto, que diminuição do rendimento, uma rotatividade de
em termos de incentivo e bem-estar do trabalhador mão-de-obra mais elevada, reclamações e greves
o foco, de um modo geral, é eminentemente mais numerosas, tendo um efeito marcante sobre
pecuniário. Todavia, esse resultado apresenta alguns a saúde mental e física dos trabalhadores, e, em
paradoxos. decorrência na rentabilidade empresarial.”
Ou seja, QVT como instrumental gerencial  e
pelo que foi exposto até aqui  vai muito além da
obtenção de um salário polpudo. Outras

TABELA III – RANKINGS COMPARADOS


América do Sul Europa Estados Unidos e Canadá
Benchmarking – 85% Benchmarking – 88% Planejamento Estratégico – 92%
Planejamento Estratégico – 83% Planejamento Estratégico – 77% Missão/Visão – 86%
Gestão da Qualidade Total – Aferição da Satisfação do Aferição da Satisfação do
83% Cliente – 76% Cliente – 80%
Terceirização – 80% Remuneração por Benchmarking – 79%
Desempenho – 67%
Remuneração por Terceirização – 67% Terceirização – 78%
Desempenho – 78%
Aferição da Satisfação do Segmentação da Clientela – Remuneração por
Cliente – 65% 66% Desempenho – 77%
Segmentação da Clientela – Missão/Visão – 65% Alianças Estratégicas – 69%
55%
Missão/Visão – 50% Gestão da Qualidade Total – Estratégias de Crescimento –
65% 66%
América do Sul Europa Estados Unidos e Canadá
Estratégias de Crescimento – Retenção do Cliente – 65% Competências Essenciais – 63%
50%
Reengenharia – 40% Estratégias de Crescimento – Reengenharia – 60%
62%
Fonte: Adaptado da revista HSM MANAGEMENT (2000: 130).

Aliás, a propósito da rentabilidade empresarial, quadro sob a perspectiva do QVT, fica bem
SILVA e DE MARCHI (1997) estimam que as evidente a falta ou o esquecimento, voluntário ou
quinhentas maiores empresas listadas pela revista não, de outras dimensões. Aliás, DE MASI
Fortune enfrentarão problemas no futuro, uma vez (1999:282) assim se refere a tais políticas de
que são crescentes as despesas relacionadas com recursos humanos: “As empresas preferiram
assistência médica. Conseqüentemente, segundo os incorporar as mesas e o balcão do bar, as bancas de
autores, as duas linhas irão cruzar-se nos próximos jornais, as piscinas e as quadras de tênis, fingindo
anos, pois os custos médios serão iguais aos lucros. que houvesse trabalho suficiente para ocupar seus
empregados por oito horas ou mais por dia, em vez
Há que se reconhecer, por outro lado, o esforço
de admitir a oportunidade de reduzir os horários de
que muitas empresas têm feito no sentido de
permanência dentro das suas dependências.”
proporcionar o maior “bem-estar” possível aos seus
funcionários no ambiente de trabalho. A arte de Para SILVA e DE MARCHI (1997), dos muitos
sedução dos empregados chegou ao ponto de desafios que se apresentam para o mundo
USEEM (2000: 45) assim se referir às 100 melhores empresarial na atualidade, dois são fundamentais. O
empresas para se trabalhar da revista Fortune: primeiro está relacionado à necessidade de uma
força de trabalho saudável, motivada e preparada
“Bem-vindo à nova cidade-empresa. Isto não é para a extrema competição atualmente existente. O
uma cidade, literalmente falando, mas um parque segundo desafio é a capacidade, na visão deles, de a
de escritório corporativo ou campus. É um lugar empresa responder à demanda de seus funcionários
para viver. É um lugar onde você pode se em relação a uma melhor qualidade de vida.
alimentar, tirar uma soneca, nadar, comprar,
É exatamente isso que não vem acontecendo de
rezar, lutar kickbox, tomar uma cerveja, cuidar
maneira satisfatória. Pesquisa da consultoria Deloite
das suas incumbências, começar um romance,
Touche Tohmatsu destaca que a jornada média
fazer seu tratamento dentário, empunhar espada
efetiva dos executivos brasileiros é de 50,19 horas.
de plástico e esculpir modelos nus. É onde você
Já VEIGA (2000) informa que é de 54 horas
pode trazer todo o seu ser – mente, corpo e
(Tabela IV). De qualquer maneira, tais estatísticas
espírito – para trabalhar a cada dia. Que é uma
derrubam o mito de que os brasileiros não são muito
coisa boa, porque você estará aqui, se não do
dados ao trabalho.
berço ao túmulo como nas velhas cidades-
empresas, mas certamente do amanhecer ao Aliás, confrontados com outros países, no que se
anoitecer.” refere às horas médias de trabalho por ano, somos
um dos mais operosos do mundo, indiscutivelmente
Assim sendo, é inegável que as organizações
(Tabela V). Somos freqüentemente elogiados pela
estão se empenhando para literalmente monopolizar
nossa dedicação, criatividade e flexibilidade pelos
a atenção e o coração dos seus colaboradores. Mas,
executivos que aqui aportam para um período de
serão os benefícios acima suficientes? Obviamente
“treinamento”.
que não. Afinal de contas, quando olhamos esse
TABELA IV– HORAS DE TRABALHO POR SEMAMA - EXECUTIVOS
Brasil 54
Estados Unidos 50
Inglaterra 45
França 44
Espanha 43
Holanda 37
Fonte: Adaptado de VEIGA (2000: 126).

Portanto, a efetividade e a importância dos convincentes e congruentes. O maior obstáculo para


programas de QVT realmente ficam na berlinda sua implementação reside na falta de importância
diante de resultados como os ora apresentados. Ao estratégica e na baixa relevância financeira desses
que tudo indica, se há um reconhecimento programas, em relação a outros. Tais programas são
generalizado a respeito do valor e da necessidade da enxergados, lamentavelmente, como despesas, não
utilização de programas de QVT, por outro lado as como investimentos, segundo LIMONGI e ASSIS
ações para sua sustentação não são suficientemente (1995).

TABELA V - MÉDIA DE HORAS POR ANO, POR PAÍS


CINGAPURA 2.307
HONG KONG 2.287
MALÁSIA 2.244
TAILÂNDIA 2.228
CHILE 2.112
REPÚBLICA CHECA 2.062
ESTADOS UNIDOS 1.966
BRASIL 1.927
MÉXICO 1.909
CORÉIA DO SUL 1.892
JAPÃO 1.889
TURQUIA 1.875
AUSTRÁLIA 1.866
ISLÂNDIA 1.839
NOVA ZELÂNDIA 1.838
Fonte: Adaptado de VEIGA (2000: 128).

Ao esmiuçarmos os resultados da pesquisa da predominantemente, dos setores Metalúrgico,


Deloite Touche Tohmatsu  realizada com 146 Eletroeletrônico, Químico e Financeiro 
executivos da região Sul e Sudeste, oriundos, constatamos ainda que:
• 50% levam trabalho para casa; “[...] a ética do workaholic: não é a de trabalhar
para viver, mas viver para trabalhar. Para o
• 50% se queixam de estresse; e
workholic, sua carreira é sua vida, seu culto. E o
• 60,8% consideram que a jornada de trabalho culto da carreira, que rege sua obsessão, é guiado
interfere em suas vidas pessoais. pela Deusa do Sucesso. Ele reza as receitas de
Modernamente, o trabalho transformou-se numa profetas, gurus e “gente bem-sucedida”: ele adora
fonte de supressão da liberdade. Aos que não se heróis empresariais, venera seus símbolos e prega
“enquadram” as conseqüências são amplamente sua palavras e ações com fervor, como se fossem
conhecidas. O trabalho deixou de ser uma fonte de verdades universais, como se todos devessem
prazer e realização. O trabalho não mais representa conhecer seu evangelho.”
um instrumento de crescimento e satisfação pessoal O mesmo autor (p. 33) acrescenta que:
e profissional. Os ativos humanos mais valorizados
são cooptados por meio de programas de aquisições “Mas como o sucesso é um destino hipotético, a
de ações (stock options) ou ganhos variáveis carreira moderna e a obsessão do workaholic é
atrelados à performance. A década de 90 pode ser uma corrida que não tem fim, nem ponto de
considerada trágica para o trabalhador. As chegada, nem vencedores. [...] Ser workholic é,
conquistas até então obtidas em matéria de QVT em essência, ser moderno. Admira-se o indivíduo
foram solapadas por uma nova ordem, obcecado por trabalho, como se isto fosse certo e
lamentavelmente muito distante da humanização preciso. Como se ele soubesse aonde vai, ou para
nas empresas. quê. Como se ele refletisse sobre seu destino, ou
sobre seu caminho. [...] Em nossa ânsia de “não
Para OLIVEIRA (1998), as empresas exigem que
ficar para trás”, cada vez mais nos movemos mais
os seus empregados lhes confiem todo o seu capital
rápidos, e cada vez mais de forma menos
intelectual e que se comprometam com o seu
reflexiva: passamos da emoção à ação, sem a
trabalho. Todavia, as empresas não se
mediação da razão, do pensamento. Corremos
comprometem com seus empregados. Aliás, elas
tanto que os detalhes nos escapam, como as
recomendam que os seus empregados cultivem sua
nuances entre o certo e o errado, entre o saudável
empregabilidade se quiserem continuar ocupando
e o doentio, entre o urgente e o necessário.”
seus postos atuais.
Para WOOD JR. (1998) a maioria dos workholics
Conseqüentemente, o empregado hoje deve
não percebe o aspecto patológico de sua conduta.
apresentar um conjunto de habilidades e
Na visão do autor, trata-se dos “mestres da
capacidades cada vez maior, isto é, os requisitos
racionalização”, mas que também são avessos à
explícitos. Sem eles não há grandes possibilidades
reflexão. Chegam a confundir sua conduta com
de uma vida digna. As organizações têm sido
trabalho sério, e, em conseqüência, não distinguem
implacáveis na exigência desses requisitos
qualidade de quantidade. Como o momento
explícitos. A lista cresce cada dia mais. Mas há
favorece as empresas, elas naturalmente incentivam
também outras exigências: os requisitos implícitos,
esse tipo de comportamento. Dirigentes, executivos
que são caracterizados pelas horas extras dedicadas
ou empregados em posições mais modestas têm de
ao empregador e ao trabalho. São medidas pelas
se curvar, gostando ou não, a esse comportamento,
jornadas noturnas extras (reuniões internas e
paradoxalmente autodestrutivo e paradigmático.
externas, convenções, happy hours com
Esse é o preço da sobrevivência.
fornecedores ou superiores hierárquicos etc.) e
viagens constantes  que distanciam o empregado Infelizmente, aqueles que têm  por força do
cada vez mais, física e mentalmente, do aconchego cargo e do poder de que estão investidos 
do lar. E as conseqüências já se fazem sentir. condições de mudar, ou pelo menos de admitir
Um dos espectros desse novo contexto é a ética novas formas de comportamento no trabalho e
do workaholic. Conforme CALDAS (1988:33), novos modelos mentais, propositadamente não o
fazem. Esse é o caso, por exemplo, de Jürgen
Schrempp  atual manda-chuva da montadora fixa da pontualidade, da produtividade a todo custo,
DaimlerChrysler  , que, de acordo com relato da da competitividade, dos prazos, dos controles, das
FORTUNE (2000), coloca os negócios sempre avaliações, dos confrontos; e, como e por que o
antes de considerações pessoais ou de carreira. progresso material não se traduziu em melhor
qualidade de vida, enfim, a resposta está na
Dirigentes com esse perfil não julgam seus mentalidade de dirigentes interessados apenas nas
subordinados apenas pelos resultados por estes glórias passageiras.
alcançados. Para eles, todos os subordinados devem
viver os “valores” da empresa  na verdade, os Eles desumanizam as organizações que dirigem.
deles próprios. Segundo COLVIN (2000), Jack Eles não são efetivamente agentes do progresso
Welch, o badalado n.º 1 da General Eletric, fala humano; estão muito longe disso. Sua conduta
abertamente a respeito da necessidade de demitir os autocrática e tacanha não permite vislumbrar as
executivos que não vivem os valores da finalidades nobres do trabalho. E cedo ou tarde eles
organização, mesmo se eles produzem resultados. são tragados pelo próprio monstro que geraram.
Esses dirigentes são movidos por uma estranha
obsessão. O convívio familiar, o desenvolvimento
de nossas potencialidades, o relaxamento físico e
mental, o envolvimento com os problemas dos
filhos, o tempo para reflexão, o bem-estar no
sentido mais amplo, enfim, não fazem parte de
seus universos. Eles vivem para trabalhar. Seus
padrões mentais estão bem cristalizados. Eles ainda
 e talvez, o pior de tudo  são grandes geradores
de estresse no trabalho, exatamente por sua conduta
doentia.
Não nos interessa aqui discorrer muito mais sobre
os males do estresse, eles já são sobejamente
conhecidos. Todavia, é forçoso reconhecer que, se
estresse é doença, conforme exposto acima, por
conseguinte, muitos dirigentes workholics  que,
por sua vez, não se apresentam na melhor das suas
condições psíquicas  estão propagando
anomalias em suas organizações. Portanto, se os
programas de QVT não decolaram de maneira
satisfatória, a causa principal serão os dirigentes das
organizações que não cumprem com sua
responsabilidade social.
Portanto, quando DE MASI (2000) indaga por
que o atual desenvolvimento técnico não é
acompanhado de um avanço semelhante na
convivência civil e na felicidade humana; como e
por que milhões de trabalhadores, embora libertados
do embrutecimento físico, dotados de máquinas
portentosas, encarregados de deveres intelectuais
por vezes até agradáveis e bem pagos vivem numa
condição estressante e insuportável; como e por que
a conquista da precisão transformou-se em idéia

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