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RESUMO
Após a crise de 2008, o debate sobre ciclos econômicos volta à tona. Mas o que se vê é uma
discussão parcial, que sugere como causa das crises, e dessa em específico, os mesmos
problemas que a causaram; relacionada, notadamente, a Teoria Geral de John M. Keynes. Se
faz necessário então a apresentação de uma abordagem esquecida no debate: a Teoria
Austríaca dos Ciclos Econômicos. O objetivo desse trabalho foi, em um primeiro momento,
apresentar as duas teorias econômicos, e depois, realizar uma análise empírica a respeito da
crise de 2008 nos EUA, e da atual crise vivida no Brasil. A conclusão que se chega é que a
teoria keynesiana é insuficiente para o entendimento da crise, e os remédios sugeridos por
Keynes tendem a causar os ciclos econômicos e a agravar seus efeitos, como foi lembrado
pela Escola Austríaca de Economia.
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1 INTRODUÇÃO
Essa busca pelo entendimento dos ciclos econômicos se faz necessária por uma série
de fatores que vão desde a otimização de ganhos no mercado de capitais passando pelo
planejamento empresarial e pessoal.
O estudo está dividido em duas partes, além desta introdução e das considerações
finais. A primeira parte apresenta a metodologia utilizada para a produção deste artigo. A
segunda parte recupera elementos da teoria existente em torno do tema, pela qual se realiza o
desenvolvimento da análise em busca da resposta ao problema central levantado.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
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Esta parte tem como objetivo apresentar o embasamento teórico que contribui para a
realização e sustentação da pesquisa, permitindo a investigação e o aprimoramento do
conhecimento já adquirido.
Por ciclo econômico se entende a variação, ora positiva (expansão), ora negativa
(contração) da atividade econômica de um país, ou de um conjunto de países, baseado na
análise de variáveis econômicas relevantes, tais como produção, emprego, renda, consumo e
investimento, dado que essas variáveis não se comportam de forma linear ao longo do tempo.
Nessa busca pelo entendimento, surgem diferentes teorias tentando entender e explicar
a causa dos ciclos econômicos (a partir de agora CE) e propor soluções. Mas, como lembra
Rothbard (2012), o estudo dos ciclos econômicos deve partir de uma teoria que esteja
integrada ao restante da teoria econômica geral. Portanto, diferentes teorias devem ser
analisadas sob a luz dos diferentes pressupostos teóricos nas quais estão assentadas.
Como lembrado por Iorio (2011) a tríade básica da Escola Austríaca de Economia é a
ação, o tempo e o conhecimento. Mais precisamente, o estudo da ação humana através da
praxeologia, pois a economia nada mais é do que a interação de homens movidos por suas
insatisfações buscando uma situação com maior nível de conforto que a atual. O tempo é, na
concepção austríaca, dinâmico. O oposto à concepção estática e linear de tempo da visão
newtoniana, uma vez que ao passar do tempo o homem vai acumulando experiências e
conhecimentos, devido ao fato de algo novo sempre estar acontecendo, e com isso seus planos
podem se alterar ou, ainda, se mostrarem errados. A questão do conhecimento, último
elemento da tríade austríaca, nos remete ao fato de que o conhecimento humano detém
componentes de indeterminação e de imprevisibilidade, dotando a ação humana de efeitos
involuntários e que não podem ser calculados a priori, uma vez que o conhecimento é prático,
disperso e tácito.
4. Possibilidade de os Admite-se a possibilidade de serem Não se admite que existam erros dos
agentes se equivocarem a cometidos erros empresariais puros quais alguém possa arrepender-se, uma
priori e natureza do ganho que poderiam ter sido evitados com vez que todas as decisões passadas se
empresarial: maior perspicácia empresarial na racionalizam em termos de custos e
percepção de oportunidades de lucro. benefícios. Os lucros empresariais são
considerados como a renda de mais um
fator de produção.
10. Relação com o mundo Raciocínios apriorístico—dedutivos: Verificação empírica das hipóteses
empírico Separação radical e, quando (pelo menos retoricamente).
necessário, coordenação entre
teoria (ciência) e história (arte). A
história não pode ser utilizada para
testar as teorias.
11. Possibilidades de Impossível, uma vez que o que vai A previsão é um objetivo que se procura
previsão específica: suceder no futuro depende de um de forma deliberada.
conhecimento empresarial ainda não
criado. Apenas são possíveis pattern
predictions de tipo qualitativo e
teórico sobre as consequências
descoordenadoras do
intervencionismo.
13. Estado atual do Notável renascimento nos últimos 25 Situação de crise e mudança acelerada.
paradigma: anos (especialmente depois da crise
do keynesianismo e da queda do
socialismo real).
17. Posição relativa Rothbard, Mises, Hayek, Kirzner Coase, Friedman, Becker, Samuelson,
de diferentes autores: Stiglitz
Como dito por Arroyo 2010, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (daqui em
diante, TACE), pode ser considerada a condensação de todo o pensamento da Escola
Austríaca; apesar de parecer uma teoria a respeito de um único fenômeno a mesma só pode
ser plenamente compreendida se for estudada sob a luz de um conjunto de temas como base
teórica. Por isso se faz necessário um estudo mais aprofundado, em relação ao resumo já
apresentado aqui, sobre as bases de pensamento dessa escola.
Ciclos econômicos, diferentemente das flutuações econômicas, não são específicos
de algum setor da economia. Ocorrem de forma geral atingindo diferentes áreas e tomam
proporções enormes. Empreendedores erram de forma estapafúrdia suas previsões de
demanda e seus investimentos de longo prazo. De repente, a demanda diminui; os
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nos bancos o que força uma redução dos juros reais do mercado estimulando empresários e
consumidores a tomar crédito. Isso se torna ainda mais danoso quando o governo intervém
diminuindo as taxas de juros.
Vejamos que se essa situação (de menores taxas de juros e maiores investimentos de
longo prazo) ocorresse em um cenário livre de intervenção, ela seria consequência da baixa
preferência temporal dos agentes econômicos, sendo assim, sustentável em longo prazo, uma
vez que a consequência primeira seria a formação de poupança e redução natural das taxas de
juros.
o desemprego será agravado pelas muitas falências, e pelos grandes erros revelados,
mas ele não precisa ser mais do que temporário. (...) O desemprego ultrapassará a
fase ‘friccional’, tornando-se realmente agudo e duradouro, somente se os salários
forem mantidos artificialmente altos e impedidos de cair.
Como se sabe, o projeto de Keynes na Teoria Geral consiste basicamente em, por
um lado, negar o sistema econômico de mercado auto equilibrante e auto regulador
e, por outro, apresentar mecanismos econômicos que evitem as depressões e
flutuações econômicas.
Para tanto Keynes desenvolve seu projeto a partir de três proposições teóricas: teoria
da determinação da renda (propensão a consumir e multiplicador), teoria do
investimento (eficácia marginal do capital) e teoria da taxa de juros (preferência pela
liquidez).
Consumo, poupança e investimento, essas três decisões que são o cerne da atividade
econômica são trabalhadas por Keynes, de forma deliberada, como agregados, ou seja,
Keynes renuncia o detalhe das decisões individuais e se interessa sobre suas variações globais
ao longo do tempo e por sua maior ou menor estabilidade.
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Keynes (1982) na página 243, a respeito dos ciclos econômicos nos diz o seguinte:
“Visto que pensamos ter demonstrado nos capítulos anteriores o que determina o volume de
emprego em qualquer momento, deduz-se, se estivermos certos, que a nossa teoria deve ser
capaz de explicar o fenômeno do ciclo econômico.” Como fundamentação de sua constatação,
Keynes prossegue, na mesma passagem:
Dando continuidade, Keynes sugere que todo ciclo tem sua origem nas flutuações da
eficiência marginal do capital, somados a isso algumas outras variáveis pontuais de curto
prazo. Dillar (1993) explica:
Fica claro portando que na óptica de Keynes, apesar de complexo, o ciclo econômico
tem uma única, e principal, fonte causadora. Entretanto, para melhor compreensão, não só da
teoria de Keynes, mas do modo de pensar é preciso fazer uma análise dos demais pontos de
sua obra.
Segundo Keynes (1982), a propensão a consumir pode ser resumida como a função
entre C (consumo) e Y (renda); onde para um determinado nível de renda, existe um
determinado nível de consumo que se mostra relativamente estável em curto prazo. Apesar de
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tal análise poder ser aplicada tanto para indivíduos quanto para famílias, é no agregado para a
comunidade que Keynes se dedica. Conforme dito por ele na página 84 da mesma obra:
Como fica bastante claro, Keynes compreendia que a renda tinha somente uma parte
de influência sobre o consumo da comunidade, entretanto, também, fica claro que Keynes
opta por negligenciar os fatores subjetivos e se deter nos fatores objetivos, elencando seis
como os principais fatores que influenciam a propensão a consumir: 1) Uma variação na
unidade de salário; 2) uma variação na diferença entre renda e renda liquida; 3) variações
imprevistas nos valores de capital não considerados no cálculo da renda liquida; 4) variações
na taxa intertemporal de desconto, isto é, na relação de troca entre bens presentes e bens
futuros; 5) variações na política fiscal; 6) Modificação nas expectativas acerca da relação
entre os níveis presentes e futuros de renda. Conclui Keynes:
Portanto Keynes acredita que se a renda não sofrer alterações a propensão a consumir
tende a ser estável, apesar de também sofrer influência, em menor grau, mas não desprezível,
dos demais fatores objetivos. Keynes credita, portanto, que a variação do consumo se deve, na
maior parte, a variação da renda, entretanto tais agregadas não variam na mesma proporção,
como explicado por Dillard (1993, p. 72-73):
Como já foi dito, para Keynes há uma relação bem definida entre consumo e renda,
bem como entre renda e investimento. E com base nessa relação, pode-se, de forma
matemática, determinar quanto uma variação de renda afetaria o consumo e o investimento.
Existirá, segundo o autor, uma razão definida entre qualquer aumento de renda e qualquer
aumento no investimento. Dillard (1993) ajuda a esclarecer:
Desde que se admita que a renda seja igual ao valor da produção corrente, que o
investimento corrente seja igual a parte da dita produção corrente não consumida e
que a poupança seja igual ao excedente de renda sobre o consumo – sendo que tudo
isto está de conformidade com o senso-comum e com o costume tradicional da
grande maioria dos economistas-, a igualdade entre a poupança e o investimento é
uma consequência natural.
Para Keynes a procura por dinheiro é uma procura pela liquidez. Existindo três
grandes fatores que motivam a preferência por essa. Vamos a eles:
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Por que haveria qualquer pessoa com um superávit de riqueza de preferir acumulá-la
em forma de dinheiro e sacrificar assim o rendimento de juros que poderia auferir
trocando o dinheiro por um crédito em forma de obrigação, hipoteca, etc.? Segundo
Keynes a única condição essencial, sem a qual não poderia subsistir a preferência
pela liquidez do dinheiro como reserva de valor é, a incerteza quanto ao futuro da
taxa de juros, com o que se quer dizer a incerteza quanto ao futuro complexo de
taxas de juros, sobre os créditos de diferentes extensões, que hão prevalecer no
futuro.
Então, pela lógica keynesiana, quanto mais crescer a renda de uma economia maior
tende ser a possibilidade de formação de reservas baseadas no motivo-especulação estando os
agentes econômicos com expectativas de que as taxas de juros subirão, pois os motivo-renda e
motivo-precaução são constantes. Portanto, como os agentes econômicos esperam uma alta
nos juros eles optam por, nesse momento de incerteza, entesourar moeda e adiar
investimentos e consumo.
...crise o fato de que a substituição de uma fase ascendente por outra descendente
geralmente ocorre de modo repentino e violento, ao passo que, como regra, a
transação de uma fase descendente para fase ascende não é tão repentina.
Ainda sobre a crise e sua relação entre as taxas de juros e a eficiência marginal do
capital ele explica que o fato das taxas de juros sofrerem uma alta é um fato que agrava, e às
vezes, desencadeia a crise. Mas a causa da alta das taxas de juros é consequência da maior
demanda por moeda, tanto para fins de transações como para fins especulativos. Cita,
também, alguns fatores psicológicos que contribuem para o aumento das taxas de juros:
“Além disso, o pessimismo e a incerteza a respeito do futuro que acompanham o colapso da
eficiência marginal do capital suscitam, naturalmente, um forte aumento da preferência pela
liquidez e, consequentemente, uma elevação nas taxas de juros”.
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Falando sobre a fase de expansão do ciclo econômico e sua relação com a eficiência
marginal do capital, Keynes diz que:
Ao tratar da fase posterior a crise, Keynes lembra novamente da taxa de juros e dos
fatores psicológicos:
(...) É a volta confiança, para empregar a linguagem comum, que se afigura tão
difícil de controlar numa economia de capitalismo individualista.
Até esse ponto pode-se entender o que Keynes julgava ser a causa da crise: as
oscilações da eficiência marginal do capital. Pode-se, também, entender que tais oscilações
são inerentes a uma economia capitalista e que a alta nas taxas de juros não pode ser
considerada uma causa, mas sim um agravante da fase de declínio do ciclo. A dúvida que
pode surgir nesse ponto é: o que pode ser feito? Na página 249 ele sugere:
O remédio para o auge da expansão não é a alta, mas a baixa da taxa de juros! Pois
aquela pode fazer perdurar o chamado auge da expansão. O verdadeiro remédio para
o ciclo econômico não consiste em evitar o auge das expansões e em manter assim
uma semidepressão permanente, mas em abolir as depressões e manter desde modo
permanentemente um quasi-boom.
O remédio não consistiria em fazer incidir uma elevada taxa de juros, que
provavelmente desanimaria alguns investimentos úteis e enfraqueceria ainda mais a
propensão a consumir, mas em tomar medidas energéticas, como, por exemplo, uma
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Você pode dar a alguém um "emprego" de cavar um buraco num dia e tapá-lo no dia
seguinte — ou talvez o equivalente a isso, porém executado em uma escrivaninha.
Mas isso não trará benefício nenhum a ninguém. Da mesma maneira, seria possível
reduzir o desemprego a zero por meio de uma regressão compulsória na tecnologia:
poderíamos abolir completamente o uso de caminhões e trens, e obrigar toda a carga
a ser transportada de carro. Isso criaria milhões de novos empregos. Ou poderíamos
também abolir o uso do carro e criar ainda mais empregos, pois agora as pessoas só
poderiam transportar carga nas costas.
Em cada um desses casos, o número de empregos criados iria superar com ampla
margem o número de empregos perdidos na indústria de caminhões e na
automotiva. Mas fica a pergunta: essa criação de empregos por acaso nos deixou
mais ricos? Por acaso aumentou o nosso bem-estar? A resposta é óbvia. Essa
criação de empregos, na prática, gerou uma redução no padrão de vida de todas as
pessoas.
(...) A única maneira de criar e manter empregos que não produzem realmente
aquilo que o consumidor quer é utilizando o governo.
Seja por meio de subsídios diretos, seja por meio de regulações que criam um cartel
e proíbem a concorrência, seja por meio de tarifas de importação que criam um
reserva de mercado — apenas o governo pode manter operante empresas que
produzem algo que não é genuinamente demandado pelo consumidor. E, ao fazer
isso, empregos são gerados. E eles podem custar muito caro.
Um dos maiores críticos de Keynes, com certeza, foi Murray Rothbard. Na obra “A
grande depressão americana”, ele disseca a crise de 1929 e aponta os principais erros na
análise keynesiana.
Espero ter ficado bem claro que expansões artificiais de crédito geram ciclos
econômicos e isso nem de longe depende da existência ou ausência de fatores de
produção desempregados!
Como a oferta de bens de capital demanda mais tempo para se concretizar, empresas
não podem entrar em operação porque ainda não houve tempo para a instalação de
outras empresas que produzam insumos complementares para a produção das
primeiras e, como escreveu Mises, "fábricas cujos produtos não podem ser vendidos
porque os consumidores antes preferem comprar outros bens que, no entanto, não
são produzidos em quantidades suficientes" (porque o crédito artificial estimulou
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É claro que todos veem somente os malinvestments visíveis, sem notar que isso foi
provocado porque não surgiram empresas para produzirem bens complementares,
bem como empresas necessárias para produzir aqueles bens de consumo que agora
são mais demandados.
Mises, em Ação Humana, é bastante claro: "A classe empresarial inteira fica como
que na posição de um construtor que superestima a quantidade da oferta disponível
de materiais... supervisiona a construção das fundações... e só depois descobre... que
não tem o material necessário para completar a estrutura. É óbvio que o erro de
nosso construtor não foi um sobre investimento, mas um investimento inapropriado.
Certamente não é o valor consumido por José que lhe torna uma pessoa mais rica,
mas sim sua capacidade em gerar mais renda. Depois de passado um ano, José terá consumido
R$ 10.800,00 e poupado outros R$1.200,00. Gastar 100% da renda não torna José mais rico;
da mesma forma, gastar mais do que sua renda permite, através de endividamento, não
somente não torna José mais rico, como o torna mais pobre devido ao fato de que ele está
gerando débitos futuros que vão lhe corroer o poder de compra.
Com toda certeza, o valor consumido serviu de renda para seus fornecedores,
entretanto, um aumento do consumo de José que não seja sustentado por um aumento de
renda acaba por limitar sua capacidade de consumir no futuro, assim como, um aumento no
consumo hoje via endividamento, não só limita como diminui a capacidade de consumir no
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futuro; esse ciclo faz com que o ganho de renda atual dos fornecedores de José não se
mantenha em um futuro próximo, graças a iminente queda no consumo que está por vir. Se tal
exemplo for expandido a mais agentes econômicos, facilmente se percebe que um aumento no
consumo dos fornecedores de José terá o mesmo efeito: uma redução no consumo futuro, e o
mesmo acontecerá com os fornecedores dos fornecedores de José.
Também de forma precisa, Iorio (2013) recorre a Rothbard para mostrar como,
algebricamente, tal teoria se mostra errada:
X é, então, uma função estável de Y, o que pode ser visto se plotarmos ambos em
coordenadas e verificarmos que para cada Y haverá um X correspondente. Como
Rothbard escreveu, esta é uma função tremendamente estável, bem mais estável do
que a função consumo convencional, que não exclui o consumo de Jorge.
X = 0,99999 Y
Temos, então,
Y = 0,99999 Y + J
E, logo,
0,0001 Y = J
Ou seja,
Y = 100.000 J
Como admitido por Keynes, sua teoria é baseada no fato que os agregados
econômicos são estáveis ao longo do tempo. A Escola Austríaca lembra que é muito perigoso
analisar a economia pelo uso de agregados justamente porque esses não refletem exatamente
as preferências temporais e pessoais dos diversos agentes econômicos.
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3 ANÁLISE EMPÍRICA
A crise do subprime, que teve seu auge no ano de 2008 nos Estados Unidos e
rapidamente se espalhou pelo mundo, é até hoje, sete anos depois, motivo de divergência
entre economistas. Alguns alegam que ela serviu para provar como capitalismo sem regulação
tende a autodestruição; outros dizem que ela mostrou que a ausência de políticas anticíclicas,
pregadas por keynesianos, levou a crise. Os economistas que tem por base a escola austríaca
nos dizem que esse foi, mais um, exemplo da TACE. Nas próximas linhas, será mostrada uma
síntese imparcial a respeito da crise, assim como proposto por Roque (2013).
Observa-se que a partir do início dos anos 2000 os preços aumentaram de forma
exponencial, fugindo da linha imaginária que direcionava os preços a um aumento constante
até entrar em colapso no ano de 2008.
Para real entendimento do motivo que fez com que os preços disparassem depois de
2000, é necessário conhecer duas empresas americanas: Federal National Mortgage
Association (popularmente conhecida como Fannie Mae) e a Federal Home Loan Mortgage
Corporation (popularmente conhecida como Freddie Mac). Tais empresas foram criadas pelo
governo com o objetivo de dar liquidez ao sistema hipotecário americano; funcionavam
assim: um banco realizava um empréstimo imobiliário e vendia esse empréstimo a Fannie
Mae ou a Freddie Mac, recebendo em troca um valor superior ao valor emprestado.
Dessa forma, os bancos estavam livres do risco de inadimplência, uma vez que o risco
era todo das empresas, e poderiam voltar ao mercado fazer novos empréstimos. Devido ao
grande risco concentrado nessas duas organizações e a sua função social, o governo assumia o
papel de garantidor das empresas, ou seja, caso as empresas (privadas) sofressem perdas, o
governo era responsável por socorrê-las.
Como lembrado por Roque (2013) a participação das empresas era tão grande que em
setembro de 2008, quando o governo nacionalizou ambas, elas detinham metade das hipotecas
do país e quase 75% das hipotecas recentes. Roque (2013) exemplifica como se dava, na
prática, o funcionamento dessas empresas:
ativos bons também acabava por tabela adquirindo ativos ruins. Qualquer calote dos
ativos ruins afetaria sobremaneira os balancetes destas instituições.
Trata-se de uma lei criada ainda no governo de Jimmy Carter, no final da década de
1970, e que foi plenamente revigorada no governo Clinton. Esta lei deixou os
bancos à mercê de processos por discriminação caso eles não emprestassem para
minorias em um volume suficientemente alto, que satisfizesse as autoridades.
Aqueles que não compravam com a intenção de revender passaram a utilizar suas
casas como um caixa eletrônico: sempre que o imóvel se valorizava, o indivíduo ia
ao banco e, utilizando o novo valor da sua casa como colateral, negociava um novo
empréstimo para gastar em bens de consumo, como carros e televisores de plasma.
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Após o estouro da bolha das empresas de tecnologia, também chamada de crise das
pontocom, e dos ataques terroristas do 11 de setembro de 2011, os Estados Unidos passava
por uma situação econômica muito delicada; tinha a missão de se recuperar de uma crise
financeira e um atentado bárbaro sofrido. Como estratégia de estímulo a atividade econômica,
o FED (Federal Reserve), que funciona como o Banco Central, resolveu diminuir os juros e,
para isso, aumentou a base monetária. A figura 2, disponibilizada por Roque (2013), mostra
justamente o comportamento da taxa de juros (linha azul) e da base monetária (linha
vermelha):
Figura 2 - taxa básica de juros X base monetária
Nota-se que a taxa básica de juros foi reduzida de 6,5% a.a para 1% a.a e
permaneceu assim até parte de 2004. Também é visível o grande incremento na base
monetária, tal incremento (que se dá através dos bancos comerciais) deixou os bancos cheios
de dinheiro para emprestar e com um setor, imobiliário, se destacando como o como o
preferido (devido aos fatores já mencionados). O que nos traz a figura 3, que mostra
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Observamos que, entre 2000 e 2008, o volume total de crédito saltou de 3,5 trilhões
de dólares para 7 trilhões de dólares, ou seja, em 8 anos o volume total de crédito aumentou
em 100%. Da mesma forma, o volume destina ao crédito imobiliário passou de 1,5 trilhão de
dólares para 3,5 trilhões de dólares, um aumento, proporcionalmente, maior ainda que o
observado no crédito total.
Esse aumento na taxa básica de juros, de 1% a.a para 5,25% a.a, teve impacto nas
taxas de empréstimos sobre as hipotecas, como é mostrado a seguir na figura 5:
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Percebe-se que os juros das hipotecas com taxas ajustáveis (linha vermelha)
passaram de uma mínima de 3,5% a.a em 2004 e foram para quase 6% em 2006. Enquanto a
taxa das hipotecas convencionais de 30 anos (linha azul) passaram de 5,5% a.a. para quase
7% a.a.
A queda nos preços — na realidade, a percepção de que os preços não mais iriam
aumentar — arrefeceu toda a atividade especulativa. Pessoas que haviam comprado
imóveis para especular viram que a festa havia acabado. O que elas fizeram?
Simplesmente pararam de pagar suas hipotecas. Deram o calote. Por quê? Porque
elas haviam pegado empréstimos extremamente generosos, que não exigiam
absolutamente nenhum pagamento de entrada. Elas simplesmente abandonaram
seus imóveis. Não perderam nada.
A combinação destes dois fatores fez com que os calotes totais nos empréstimos
imobiliários disparassem. Começou timidamente em 2006. Disparou em 2007. Foi
para a estratosfera em 2008.
De 2005 até o final de 2008, os calotes pularam de US$20 bilhões para US$170
bilhões. Um aumento de 750% em 4 anos.”
O aumento no número de calotes fez com que aqueles ativos vendidos por Fannie e
Feddie para grandes bancos perde-se valor, alguns passaram a ter valor zero. Isso afetou
sobremaneira o balanço dos bancos, fazendo com que muitos não conseguissem mais
emprestar dinheiro (nem mesmo entre bancos). Por consequência, vários bancos passaram a
sofrer com problema de liquidez. Roque (2013) lembra:
Mas não foram somente os bancos que sofreram com a crise. A seguradora AIG
(uma das maiores do mundo) também teve enormes perdas. A seguradora, incentivada pela
política do FED e pela avaliação de risco das agências de rating, emitia seguros contra calote
da dívida hipotecária dos bancos, os famosos credit default swaps, com a disparada dos
calotes os bancos começaram a resgatar suas apólices, o que fez com a AIG ficasse
completamente sem dinheiro para honrar os compromissos. O socorro foi dado pelo FED que
emprestou 125 bilhões de dólares em troca de 80% da empresa.
Após todas estas intervenções, o Fed assumiu uma postura totalmente inaudita em
toda a sua história: ele simplesmente passou a comprar todos os títulos hipotecários
em posse dos bancos. Ou seja, ele passou a imprimir dinheiro e dar aos bancos em
troca dos títulos hipotecários em posse destes bancos. Isso limpou o balancete dos
bancos e fez com que a base monetária explodisse.
O gráfico abaixo mostra a evolução da base monetária (linha azul) e das reservas em
excesso (linha vermelha), que representa o dinheiro que os bancos não emprestaram
ao público porque preferiam mantê-lo voluntariamente depositado junto ao Fed, que
está pagando juros de 0,25% ao ano sobre este montante.
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Figura 7 - evolução da base monetária (linha azul) e evolução das reservas em excesso (linha vermelha)
A única intenção [do artigo] foi mostrar, sem ideologias ou partidarismos, como
realmente se desenrolou todo o processo que levou à formação de uma bolha
imobiliária, como se deu seu estouro e como isso afetou todo o sistema bancário.
2) Um sistema bancário que goza de uma garantia implícita dada pelo governo — de
que haverá socorro caso as coisas deem erradas — tende a apresentar
comportamentos mais temerários ou mais prudentes?
3) Sem um Banco Central criando dinheiro e permitindo aos bancos manterem suas
expansões creditícias de modo crescente, será que tudo isso teria sido possível?
As respostas a estas perguntas têm de estar claras antes de se iniciar qualquer debate
a respeito da crise.
Como é sabido, a crise de 2008 não foi exclusiva dos americanos. Foi uma crise de
proporções globais. Afetou de forma intensa diversos países, entretanto o Brasil ficou
conhecido por ser um dos que melhores reagiu a crise. Políticas econômicas que, por hora, se
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mostravam certas hoje são discutidas com bastante desconfiança; uns dizem que o modelo se
esgotou, outros dizem que é a crise externa que lhe atrapalha, mas o simples fato daquilo que
um dia foi chamado de “Nova Matriz Econômica” (a partir de agora NME) hoje ser
considerado um modelo já é indicação de que algo não funcionou. O questionamento que se
faz é: seria a TACE útil para analisar a conjuntura brasileira pós NME?
Com a incerteza que cada novo plano econômico trazia investir era uma tarefa
desproporcionalmente arriscada. A inflação impedia qualquer racionalidade econômica.
Somente após a implementação do plano Real, o Brasil conseguiu algo que possa ser chamado
de estabilidade econômica: confiança na moeda, controle inflacionário e manutenção nas
chamadas “regra do jogo”.
Roque (2012) nos traz um resumo de quão caótica era situação econômica do país
pré-Plano Real:
(...) Tal prática de imprimir dinheiro para fazer frente às despesas governamentais
não cobertas por impostos já era tradicional na economia brasileira; porém, no início
da década de 1990, ela havia chegado ao ápice. Em abril de 1990, por exemplo, a
inflação acumulada em 12 meses foi de 6.821%, recorde até hoje absoluto em nossa
história.
Após mais de uma década com inflação de preços anual acima dos 100% — a média
de inflação de preços anual entre 1980 e 1992 foi de incríveis 694%, uma solução
definitiva era urgente.
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Dando continuidade a seu raciocínio Roque (2012), diz que, na prática, o Plano Real
consistia em criar uma moeda muito atrelada ao dólar, e lembra que o sucesso do Plano Real
dependia de cinco fatores:
1) Zerar o déficit público, pois era sabido que era esse o causador da enorme impressão de
dinheiro;
2) Desindexar a economia, com o objetivo de acabar com a inflação inercial, os ajustes
automáticos (que existiam por força de lei) de preços foram extintos;
3) Reindexar a economia de acordo com a taxa de cambio, isso é, fazer com que os preços
variassem de acordo com a cotação do dólar;
4) Abrir a economia, para isso usou-se a diminuição de tarifas de importação;
5) Aumentar as reservas nacionais, com o intuito de mostrar maior robustez do plano e menor
vulnerabilidade a um ataque especulativo.
Após cinco anos de relativo êxito no combate à inflação, o Plano real entra na sua
segunda fase de vida: a do tripé macroeconômico. Tendo que enfrentar a crise cambial e fiscal
do ano de 1999 (que causaram uma enorme diminuição nas reservas internacionais do país, e
essas eram de suma importância para manter o real pareado ao dólar) e tendo que ser mais
eficaz no controle dos gastos públicos, foi adotado como alicerce da política
macroeconômica:
Grosso modo, pode-se dizer que o tripé econômico foi a base da política econômica
do segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso e do primeiro mandato do
governo de Lula, ou de 1999 a 2009.
De forma bastante simples, pode-se dizer que o governo expande a base monetária
para diminuir os juros reais praticados no mercado e contrai a base monetária para elevar os
juros, tudo isso visando o controle da inflação de preços.
Tal sistema tem se mostrado pouco efetivo no controle da expansão total da base
monetária; se nessa nova fase do Plano Real os gastos públicos são mais controlados, a
criação de dinheiro se dá no mercado de crédito através do sistema bancário. O gráfico a
seguir, Roque (2012), mostra a variação da base monetária a partir da adoção do tripé
econômico, tendo como base o M2 (cédulas e moedas metálicas, depósitos em conta corrente,
depósito em poupança e depósitos a prazo); variação essa diretamente relacionada a emissão
de títulos de dívida por parte do Tesouro Nacional, o que pode ser visto no gráfico
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Para entendermos a NME podemos começar citando uma entrevista com o secretário
de política econômica, dada ao jornal Valor, em 17 de dezembro de 2012¹:
Márcio Holland, explica o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste
ano por causa da transição do país para o que chama de "nova matriz
macroeconômica". Essa matriz combina juro baixo, taxa de câmbio competitiva e
uma consolidação fiscal "amigável ao investimento.
Como deixa claro mais a frente, Márcio credita a NME a redução de 5,25% na taxa
de juros, redução essa que ocorreu em 12 meses; segundo ele, tal redução na taxa de juros
muda o perfil de investimento do país: passa-se a te uma perspectiva de longo prazo ao
contrário da atual perspectiva de curto prazo.
Taxa de câmbio competitiva, significa uma taxa de cambio manipulada pelo governo
para enfraquecer o Real perante o dólar, até um patamar onde as exportações sejam mais
estimuladas em relação a um possível Real valorizado e flutuado livremente.
Por mais paradoxal que possa parecer, Holland não acredita que a NME substitua o
tripé econômico implantando em 1999, e utiliza o sistema de metas de inflação como exemplo
da conciliação das políticas: “taxas de inflação muito baixas levaram os bancos centrais a
terem taxas de juros muito baixas, que, por sua vez, geraram estímulos à formação de bolhas
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de ativos”, ou seja, o secretário acredita que é necessário inflação para que os juros não
baixem muito, mas que permaneçam baixos para estimularem investimentos de longo prazo.
Apesar das explicações dadas por Márcio Holland, a situação parece outra para
Miranda (2014):
Após os primeiros sinais de ruínas da NME boa parte da mídia passou a criticar a
política econômica adotada pelo governo brasileiro no pós-crise de 2008. Mas os economistas
que se dedicam ao estudo da Escola Austríaca já vinham anunciando suas trágicas
consequências anos antes.
Como dito por Bastiat (2013), toda ação tem duas consequências: uma imediata (que
se vê) e uma mais demorada (que não se vê); geralmente, quando a ação imediata traz
benefícios a que não se vê traz malefícios, e vice-e-versa. Bastiat (2013) conclui: “Entre um
mau e um bom economista existe uma diferença: o primeiro se detém no efeito que se vê; já o
outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever”.
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Quanto mais os preços dos fatores de produção sobem, mais desesperadas por
empréstimos ficam aquelas empresas que deram início a projetos de longo prazo
levadas pela crença de que o crédito seria farto e barato durante muito tempo. O
aumento dos preços — e, por conseguinte, dos juros — altera seus planos. Cedo ou
tarde, a crise irá se instaurar. O período da expansão econômica irá terminar e dar-
se-á início à recessão. Quanto mais cedo esta vier, menor terá sido a destruição de
capital desse período da expansão.
Como avisado pela TACE, a única consequência possível de uma expansão da base
de crédito é a recessão. No Brasil não tem como ser diferente. A estagnação do crescimento
econômico, ou até mesmo um “encolhimento” como é previsto para 2015, e a inflação acima
do teto da meta não são os únicos fatores que compravam empiricamente a TACE. Roque
(2014) apresenta uma série de gráficos que esclarece a situação atual brasileira.
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Com forte correlação com o PIB, o consumo das famílias também apresenta um
quadro preocupante:
não trabalha nem estuda (então não participam do índice) e outra grande parte somente estuda
(então não são considerados desempregados):
Figura 19 - Atividade dos jovens de 15 a 29 anos
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A filósofa Ayn Rand gostava de citar Francis Bacon dizendo que “a natureza, para
ser comandada, tem de ser obedecida”. Com base aristotélica, tal pensamento nos traz a ideia
de que a realidade existe independentemente da nossa consciência, que alguns fenômenos são
naturais e imutáveis, e o exercício da razão nos permite que entendamos tais fenômenos, sem
sermos capazes de manipulá-los. Devemos resistir a forte tentação de acreditar que a
economia possa ser manipulada para ser otimizada. Que exista um modelo econômico ideal.
Apesar de ser uma ciência social, a economia possui uma lógica natural maior baseada na
ação humana, portanto, não previsível e não manipulável.
A história, e se espera que isso tenha ficado provado nesse trabalho, nos mostra que a
hiperatividade do homem em mudar e aperfeiçoar o que é “natural” não traz as consequências
desejadas inicialmente, o que, por sua vez, gera uma nova tentativa de manipulação e
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mudança, provocando um ciclo que tende ao colapso. Somente a educação e a propagação das
boas ideias podem mudar esse cenário.
Espera-se que esse trabalho sirva como incentivo para que mais análises, com uma
base teórica consistente como a da Escola Austríaca, surjam e permitam analisar os fatos
econômicos com seriedade, da mesma forma que se buscou realizar nesse artigo.
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5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS