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rizar a população, teorizar a urbanização, teo- senvolvimento sobre os índices vitais, morta-
rizar a nutrição, teorizar a saúde pública, teo- lidade geral, mortalidade infantil, fertilidade,
rizar o desenvolvimento. Essas teorias, tem- esperança de vida e nutrição. Buscávamos es-
pos atrás, eram imbricadas umas com as ou- sa combinação entre minorias e condições ge-
tras porque o elo central era exatamente o rais e efeitos do desenvolvimento sobre a vida
mundo, que é a unidade de pensamento de individual e das famílias. Esses anos 70 mar-
problemas. Mas hoje tudo o que era baseado cam a emergência tímida e depois agressiva
numa solidariedade internacional e numa lu- de aspectos chamados qualitativos. Mas todo
ta civilizatória deixou de existir. mundo sabe que o qualitativo rapidamente
Daí a contribuição fundamental à questão mostra-se com sua cara quantitativa, portan-
da saúde, dada por desenvolvimentistas, ter- do variáveis novas, dentre as quais a tecno-
ceiro-mundistas, antiimperialistas, no fim ciência que tem um papel desgraçadamente
dos anos 60 e no começo dos anos 70. Per- muito importante nas questões que interes-
doem-me os que são muito jovens, pois até eu sam a área da saúde.
“cometi” um livro, que não está traduzido pa- Esses progressos da ciência e da técnica es-
ra o português, que discute a questão da ali- timularam a produção pragmática, ou seja,
mentação e da população, evidentemente pas- vamos fazer assim para obter tal resultado. A
sando pela questão da saúde, a partir de uma tal ponto isso se generalizou que as formula-
visão de um geógrafo. É dessa época também ções ditas gerais começam do resultado e não
que se notam progressos médicos conducen- das causas, o que é sempre um empobreci-
tes a uma melhor saúde individual e coletiva, mento do ponto de vista da posição do pensa-
havendo avanços, ainda que não homogê- mento. Essa pragmática coloca os resultados
neos, na questão da prevenção, da informação à prova, como algo a desejar, mostrados como
e de uma tomada de consciência. Então, a se fossem algo moral. Inclusive essa questão
ajuda internacional tinha um papel positivo. do meio ambiente freqüentemente é mal co-
A partir dos anos 70, em grande parte, essa locada, já que as dificuldades da maior parte
ajuda se deixa comandar por interesses das da população não vêm do fato de estar aqui e
grandes potências. Basta ver o tratamento da- ali, mas do fato de ser assim ou assado.
do à questão da fome, na África subsaariana Um saber e uma prática bem descolados
comandada pela política dos novos grandes de preocupações humanísticas são a principal
impérios. Também é o mesmo caso do trata- marca do domínio da técnica sobre a ciência
mento de diversas questões no subcontinente que estamos agora assistindo: é a técnica que
asiático, consideradas como ajuda internacio- também está ditando as escolhas possíveis
nal, mas tratadas de forma egoística, de tal dos remédios.
maneira que as pessoas bem pensantes passa- É curioso que a nova ciência semi-impos-
ram, desde então, a desconfiar da palavra ta pela via da técnica, pelos portadores de
“ajuda”. Mas também vivenciamos a timidez uma filosofia pragmática, vem sobretudo dos
das idéias provenientes das instituições inter- Estados Unidos que hoje têm o comando ab-
nacionais, a prudência com a qual os seus re- soluto do debate das questões, por exemplo
presentantes tomam a palavra nas ocasiões de saúde, tanto do ponto de vista social quan-
que lhe são oferecidas, o escamoteamento da to individual. Isso se dá em paralelismo com
centralidade do problema social e político a busca de uma nova ordem da economia.
mundial, a prevalência dos enfoques tecnicis- Quando os progressos técnicos científicos ga-
tas que também dominam situações de gran- nham autonomia – e é ao que estamos assis-
de relevo para a vida do ser humano, como é o tindo hoje na vida acadêmica com profundas
caso também na própria medicina em todos repercussões negativas na produção da políti-
os seus aspectos. Essa última mostra o distan- ca –, eles tenderiam a aconselhar ou justificar
ciamento entre uma produção intelectual que visões de buscas parciais, cada vez mais par-
se amplia e para a qual os recursos são abun- ciais; cada vez mais profundas e mais parciais,
dantes, desde que, os esforços se dirijam nesta cada vez mais penetrantes e cada vez mais
“direção vesga”, e a realidade que avoluma parciais; cada vez mais isoladas e cada vez
problemas que necessitam de enfoques mais mais autônomas. Dessa forma a produção de
abrangentes. conhecimento ganha autonomia sobre a von-
Naquele tempo gabávamo-nos dos efeitos tade de humanização da vida sobre o planeta.
das políticas, mas também dos efeitos do de- Sou apenas um observador das questões
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médicas; quem sou eu para ter um juízo defi- seja apenas um dado do oficialismo, é tam-
nitivo ou mesmo próximo disso. A respeito bém um dado das oposições. Eu ia dizendo
disso confesso que tenho muito medo do que das esquerdas, poderia insistir nisso somente
leio, sobretudo; sou um homem assustado acrescentando que ser esquerda hoje é de no-
porque chego à idade que tenho quase com a vo ser diferente de ser direita, só que a direita
obrigação de ser também doente. Vejo-me ca- dá centralidade a isso que passamos a adorar,
da dia cotejado com manchetes contraditó- a moeda estável, o fim da inflação, os equilí-
rias dentro das mesmas revistas, dando conta brios macroeconômicos, repetindo sempre o
do trabalho já não tanto das universidades mesmo sem saber para que e por que. E a es-
mas das empresas, ou então, das empresas querda seria aquela parte da sociedade preo-
dentro das universidades. A grande moda cupada com essa coisa tão insignificante, mas
agora é pedir às universidades que perguntem que configura a única justificativa real para
às empresas que digam o que elas devem fa- que o mundo prossiga: o homem.
zer. É considerado chique e permite ao CNPq A globalização veio sem que se viesse jun-
se retirar do processo de financiamento. Só to um mundo só. Busca-se abreviar o tempo
que, na produção de dados que têm relação do trabalho, mas não é para socializar o lazer,
com a vida, o resultado pode ser a corrupção é pra fazê-lo ainda mais mercantil. Acredita-
da pesquisa e a desconfiança justificada em se que a técnica conduz ao desemprego. Que
relação aos homens de ciência. horror! A técnica jamais existiu historica-
Uma meia verdade serve a objetivos prag- mente sem a política. É um equívoco imagi-
máticos, mas uma meia verdade não é a ver- nar que se poderia conceber a presença histó-
dade. E todas as meias verdades possíveis reu- rica da técnica sem o paralelo da política. É a
nidas não produzem a verdade. As verdades política que decide o que fazer da técnica: em
parciais podem ser eficazes no interesse da- todos os tempos foi assim. Inventam-se novas
queles a quem interessem, mas não conduzem formas construtivas, mas não para humani-
à verdade, e cedo ou tarde conduzirão a desas- zar a cidade. Ou seja, não é a cidade que é res-
tres. Tal é o caso do Brasil, cujo primeiro ponsável pelos problemas, como tantas vezes
grande desastre vai se manifestar no setor da se diz. A urbanização não é um mal.
saúde. Aliás já está se mostrando, exatamente A urbanização permitiu avanços formidá-
porque esse modelo foi aceito tranqüilamente veis em todas as áreas, inclusive da saúde. Não
pelo Estado e também por nós da universida- foi por causa da urbanização que os países
de, por nós os cientistas que não levantamos subdesenvolvidos tiveram muitas dificulda-
suficientemente a voz para protestar. Isso des para enfrentar as questões de saúde, tanto
tem que ser dito: essa “universidade de resul- do ponto de vista individual quanto do ponto
tados” com esse autocontrole suicida, mas de vista coletivo. É a maneira como organiza-
também assassino dos cientistas, dá priorida- mos a sociedade, separando os que podem e
de à elaboração dos textos, ao poder e ao mer- os que não podem viver em determinados lu-
cado, um círculo fechado. gares. Mas, em geral não queremos falar em
É evidente que as questões técnicas do mudanças sociais, queremos falar das mu-
“como fazer” são importantíssimas, mas que danças dos organogramas. Daí esse enfoque
faço delas se não obtiver antes esse dia mais tímido e de subserviência ao sistema e que,
amplo de recolocá-las dentro de um quadro, geralmente, dá prioridade ao que não tem, à
no qual as coisas todas possam ser cotejadas, falta e ao que deve ser suprido.
revistas, produzindo uma idéia generosa da Nos anos 60 e 70, a grande luta era para
convivência entre os homens, uma idéia gene- aumentar a produção alimentar. Aí, nos anos
rosa do que o mundo pode ser? Isso é respon- 70 houve os que toleraram a revolução verde.
sabilidade nossa como intelectuais. Agora há os que estão justificando os transgê-
A globalização vai deixando para trás as nicos, como se a questão da fome e todas as
grandes questões civilizatórias, humanísti- questões sociais fossem derivadas de soluções
cas; basta ver o debate que se dá no Brasil técnicas. Vimos que, primeiro a produção ali-
atual, e no qual a palavra civilização é quase mentar ultrapassou a necessidade alimentar
obscena também para os adultos. Ou seja, não do mundo tomado como um todo, basta ver o
está proibida apenas aos menores de 14 ou 16 ardor com que os europeus arrancam as suas
anos, é uma palavra que se tornou proibida plantações alimentares para garantir o preço.
neste país. É grave que esse reducionismo não Portanto, a questão não é técnica, é de econo-
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mia política, de distribuição do poder e da ri- ro que essa famosa lista com que os congressos ter-
queza. No caso das doenças, não são os anais minam inclua os grandes problemas de sociedade
dos congressos que determinam como elas que em um país como Brasil têm gravidade irrecu-
vão ser tratadas e sim o poder econômico que sável. Aí comparece o papel crítico e que tem de ser
privilegia uma parte da sociedade em detri- de grande valentia, das ciências humanas, e entre
mento da outra. elas, das ciências sociais da saúde.
A discussão que agora timidamente se dá É evidente que a estrutura da universidade atual
no Brasil quanto à distribuição dos remédios é hostil a qualquer exercício do pensamento livre.
é bem explicativa dessa situação. Isso tem que Esse, talvez, seja o maior problema da universidade
ver, em grande parte, com o fato de que a téc- brasileira. Ou seja, o maior desmentido da universi-
nica passou a ter comando sobre a ciência, e dade pública brasileira, que se quer pública, mas
como a técnica é cada vez mais comandada não chega a sê-lo e não o é. Considero que o pensa-
pelo mercado, é também o mercado que co- mento que se elabora em nossas universidades pú-
manda a ciência. Os estudiosos da área da blicas é cada vez menos público, porque cada vez
saúde sabem disso melhor do que eu, porque menos livre. Por conseguinte, já que me convida-
a minha disciplina não me obriga a produzir ram, eu lhes venho fazer esse apelo, evidente que
produtos, somente idéias, enquanto eles são nem precisava fazê-lo, porque essas idéias estavam
obrigados a produzir produtos-resultados. presentes nas mentes e nos corações. Todavia, é
A cidade está ameaçada de privatização, o sempre bom que alguém venha e produza algum
que vai ser um grande problema nas questões discurso de conjunto, oferecendo uma provocação
de saúde pública. Na nossa análise está faltan- que amplie as vozes e que, eventualmente, as façam
do – na dos profissionais de saúde e na dos entendidas. As vozes não são entendidas quando se
geógrafos – uma análise prospectiva desse dirigem às autoridades, esse tempo acabou. As vo-
processo de privatização que vai agravar ain- zes têm de se dirigir à sociedade em geral, que se in-
da mais questões de saúde pública: a privati- cumbe depois de impor aos ouvidos das autorida-
zação da água, dos esgotos, e tudo mais que des. Ela condiz com o que profundamente sentem
concerne à vida urbana. No mundo em que a as pessoas. Quero falar sobre a esperança que os se-
cidade, tendo crescido de tamanho, tem nas nhores me dão, e com a esperança me despeço.
empresas filiadas aos grandes bancos a solu-
ção para as questões urbanas, na medida em
que são cegos para a vida social e para as
questões humanitárias, os problemas vão se
avolumar contra os que não podem pagar.
Será que essa técnica, assim comandante
da ciência, essa técnica assim comandada pe-
lo mercado, esse mercado comandante da
ciência decretaram uma vez por todas a mal-
dição dos homens de ciência ou podem eles
ainda erguer a sua cabeça, e dizer: não! Espe-