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*Texto publicado em: Vida Pastoral: Revista para Sacerdotes e Agentes de Pastoral.

Ano XXII –
nº 98 – maio/junho de 1981, pp. 23-29.

MISSÃO DA IGREJA E MINISTÉRIOS ECLESIAIS

Pe. José Maria Fructuoso Braga

Missão da Igreja e ministérios eclesiais se entendem tão somente numa recíproca


interdependência. A igreja, para realizar sua missão, assume e organiza serviços, que o Espírito
Santo suscita (cf. 1Cor 12,4-7). Tais serviços ou ministérios valem enquanto brotam da própria
missão da Igreja e são meios adequados à realização desta missão. Eles se estruturam
historicamente condicionados a diversos fatores, entre os quais a interpretação das necessidades da
comunidade cristã numa abertura ao Espírito Santo presente na comunidade e uma teologia que
favoreça à colocação dos ministérios em função efetiva da missão eclesial.
Examinaremos, a seguir, a missão da Igreja procurando salientar pontos (I) que ajudem a
perceber a emergência dos ministérios da própria missão, seja nos primórdios da Igreja seja no
decorrer de sua história até hoje (II).

I. A MISSÃO DA IGREJA

A missão da Igreja é aquela que Jesus confiou aos apóstolos e que vem comemorada nos
Evangelhos sob diversas formas: “Ide por todo mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura...”
(Mc 16,15); “Ide e fazei que todas as nações se tornem discípulos…” (Mt 28,19); “Assim está
escrito que o Messias devia sofrer e ressuscitar dos mortos ao terceiro dia, e que, em seu nome,
fosse proclamada a conversão para a remissão dos pecados a todas as nações a começar de
Jerusalém...” (Lc 24,46-47); “Como o Pai me enviou também eu vos envio… Recebei o Espírito
Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados, aqueles aos quais não
perdoardes ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,21-23). Trata-se sempre de ser enviado por Jesus para
anunciar a Boa-nova de que, pela morte e ressurreição de Cristo, os homens estão reconciliados
com Deus (Cl 1,20) e, uma vez convertidos, pela ação do Espírito Santo podem ser uma
humanidade nova em Cristo (Puebla 330-339). É, pois, anunciar o “mistério” da vontade salvífica
de Deus (Ef 1,9-10), mistério que estivera escondido e foi manifestado em Cristo e pela pregação
apostólica (Cl 1,26). É o mistério de Cristo agindo na história para atuar o projeto de Deus.

1. O mistério de Cristo e a Igreja visível

O mistério de Cristo é uma totalidade dinâmica. Pela encarnação o Filho de Deus assumiu a
humanidade inteira e toda criação. Por sua morte e ressurreição restabeleceu a comunhão dos
homens com o Pai (Cl 1,20). E a Jesus ressuscitado Deus fez Senhor e Cristo (At 2,36), “Senhor do
mundo e da história” (Puebla 195). Agora os homens podem, “na força do Espírito”, realizar o
projeto de Deus de reunir todos em Cristo (Ef 1,10) através da comunhão e participação (Puebla
195). É o projeto de reunir todos os homens numa fraternidade “capaz de abrir a roda de uma nova
história” (Puebla 193), de que todos sejam sujeitos (Puebla 274) na comunhão e participação. Tal é
o mistério de Cristo na sua totalidade, compreendendo a encarnação, a morte e a ressurreição de
Jesus e a ação do Espírito na comunidade cristã e na história dos homens.
A Igreja visível é o sacramento do mistério de Cristo. É a comunidade dos batizados que,
confessando a Jesus como Senhor e Cristo, procura realizar o projeto de Deus na história.
“Batizados em Cristo Jesus”, os cristãos foram “sepultados com ele para ressuscitar também com
ele na ‘vida nova’” (Rm 6,3-4) da comunidade de fé. E esta é chamada a “educar homens capazes
de forjar a história segundo a práxis de Jesus” (Puebla 279). A Igreja se diz sacramento enquanto
está aberta à ação do Espírito de Jesus ressuscitado, vivendo comunitariamente o projeto de Deus e
dinamizando este projeto dentro da sociedade. Nisto se situa a própria missão da Igreja.

2. A igreja é missão

A Igreja, mais do que tem uma missão ou está em missão, é missão: é o Povo de Deus
enviado. “Na força da consagração messiânica do batismo, o Povo de Deus é enviado para servir ao
crescimento do reino nos demais povos. É enviado como povo profético que anuncia o Evangelho
ou faz discernimento das vozes do Senhor no coração da história. Anuncia onde se manifesta a
presença de seu Espírito. Denuncia onde opera o mistério da iniquidade, mediante fatos e estruturas
que impedem uma participação mais fraterna na construção da sociedade e no desfrutar dos bens
que Deus criou para todos” (Puebla 267). Também é povo sacerdotal que celebra a fé no mistério de
Cristo na história e atua essa mesma fé através do empenho de realizar o projeto histórico de Deus.

3. A Igreja-missão não é fim em si mesma

Compreendendo a Igreja como Missão entendemos que ela não existe em função de si
mesma, porém a serviço da realização do projeto de Deus. Ela não é fim em si mesma, e antes meio
para atuar este projeto de comunhão e participação dos homens entre si e com Deus, o que em
última análise é o projeto do Reino de Deus. Este projeto possui uma dimensão histórica e uma
outra dimensão pós-histórica. Atua historicamente dentro da sociedade para transformá-la numa
sociedade fraterna e justa. Esta fraternidade manifesta o Amor que é Deus dentro das ambiguidades
da história. Ao mesmo tempo esta fraternidade é semente do Reino de Deus, que alcançará sua
plenitude somente na consumação da história, como a Jerusalém celeste descrita no Apocalipse (Ap
21,1-22,5). Esta fraternidade há de ser vivida pela Igreja como sacramento do projeto de Deus para
toda a humanidade. E é missão da Igreja testemunhar e anunciar este projeto aos povos.

4. Missão de testemunhar

Por isso mesmo a Igreja é chamada a ser Povo que testemunha o mistério de Cristo. Para
tanto ela se guia por dupla lei: a lei da encarnação e a lei do Espírito.
Pela lei da encarnação ela reconhece Jesus presente como Servo de Javé (Is 53) no povo
que sofre as injustiças da sociedade: Jesus, Filho obediente de Deus “encarna, perante a justiça
salvadora de seu Pai, clamor de libertação e de redenção de todos os homens” (Puebla 194). E o
Povo de Deus sente-se igualmente chamado a se encarnar com Cristo em todos os problemas do
povo sofredor e se torna uma comunidade encarnada e comprometida com os homens que Deus
ama. É por isso que a Igreja latino-americana, continuando a práxis de Jesus (cf. Puebla 196),
privilegia os mais pobres e fracos, que não são apenas pessoas individuais, mas constituem uma
classe de marginalizados pelo sistema segundo o qual está organizada nossa sociedade.
Pela lei do Espírito acredita no amor e o testemunha, em primeiro lugar procurando ser
comunidade “corpo de Cristo”, em que os cristãos experimentam-se como “membros uns dos
outros” (Ef 4,25), assumindo cada qual sua função, para que todo o “corpo” cresça em amor (Ef
4,16). Acredita no amor e o testemunha lutando também, “na força do Espírito”, pela libertação
integral dos oprimidos. Este seu testemunho consiste particularmente na “firmeza permanente” da
ação não-violenta, participando da construção do projeto de Deus com todos os que buscam
retamente a justiça, mesmo com aqueles que não chegam a professar a fé. Acredita que também
nestes se encontra a “força do Espírito” de Jesus ressuscitado.

5. Missão essencialmente religiosa


Na sua carta aos Bispos do Brasil, de 10/12/1980, o papa João Paulo II assim escreveu: “a
Igreja é portadora de uma missão essencialmente religiosa e cumprir essa missão é seu dever
prioritário. É certo que a missão é seu dever prioritário. É certo que a missão da Igreja não se
confina nas atividades de culto e no interior dos templos. Desde os tempos apostólicos, e certamente
inspirada na ação do próprio Jesus, ela sempre procurou inserir-se na comunidade humana, sempre
se debruçou sobre a humanidade, à imagem do bom samaritano, para conhecer suas necessidades,
curar suas feridas, encorajar seus esforços e apoiar suas iniciativas… Esta dimensão é hoje mais
sentida do que nunca. E no Continente latino-americano e no vosso Brasil talvez mais do que em
qualquer outro quadrante do mundo, por causa do papel histórico que a Igreja desempenha em
vossos Países”.
O papa lembrou, nessa carta, ser necessário à Igreja conservar e jamais perder, “com sua
identidade, a sua credibilidade e a sua eficácia verdadeira em todos os campos”. E isto aconteceria
se ela deixasse de “anunciar o Absoluto de Deus, pregar o nome, o mistério de Jesus Cristo,
proclamar as bem-aventuranças e os valores evangélicos e convidar à conversão, comunicar aos
homens o mistério da graça de Deus nos sacramentos da fé e consolidar esta fé – em uma palavra –,
evangelizar e, evangelizando, construir o Reino de Deus”. Por isso mesmo, a Igreja assume a sua
missão de construir a fraternidade pela comunhão e participação também dentro da sociedade por
causa do Reino de Deus, a partir do mistério de Cristo presente dentro da história. Seus membros
se organizam ao lado até mesmo dos que não chegam a professar a fé, porque eles se compreendem
chamados a “forjar a história seguindo a práxis de Jesus” (Puebla 279). De fato a Igreja perderia sua
identidade, sua credibilidade e sua eficácia verdadeira se deixasse de anunciar Jesus Cristo, seja não
mostrando que o Reino de Deus só alcançará sua plenitude além de nossa história, seja omitindo a
necessidade de urgência de lutar pela construção de uma sociedade fraterna como semente e início
do Reino de Deus na comunhão e participação dentro da história dos homens. Este é o próprio
ensinamento do Papa nos seus discursos quando esteve no Brasil e é seu pensamento dominante
nesta carta dirigida aos nossos Bispos. Com muito acerto os Bispos latino-americanos tinham
afirmado em Puebla: “Não podemos desfigurar, parcializar ou ideologizar a pessoa de Jesus Cristo,
nem fazendo dele um político, um líder, um revolucionário ou um simples profeta, nem reduzindo
ao campo privado aquele que é o Senhor da História” (Puebla 178). A Igreja é enviada a
testemunhar e anunciar a totalidade do mistério de Cristo.

Conclusão da 1ª parte

O fruto da missão é a “conversão para a remissão dos pecados” (Lc 24,47). Os convertidos
pela pregação apostólica passaram a formar comunidade (At 2,42), que vivia profundamente o amor
fraterno e onde “ninguém considerava seu o que possuía, mas tudo era comum entre eles”. Deste
modo “não havia entre eles indigente algum” (At 4,34). A conversão, pois, já trazia um novo estilo
de vida social, atuando o projeto de Deus na comunidade, cujo testemunho causava profunda
admiração ao povo (At 5,13). Também hoje, na América Latina, “evangelizados pelo Senhor em seu
Espírito, somos enviados para levar a Boa-nova a todos os irmãos, especialmente aos mais pobres e
esquecidos. Esta empresa evangelizadora nos conduz à plena conversão e comunhão com Cristo, na
Igreja; ela impregnará nossa cultura; levar-nos-á à autêntica promoção de nossas comunidades e a
uma presença crítica e orientadora diante das ideologias e políticas que condicionem a sorte de
nossas nações” (Puebla 164).

II. OS MINISTÉRIOS ECLESIAIS

A própria missão da Igreja de realizar o projeto de Deus, sendo ela mesma comunidade,
“corpo de Cristo”, em que os cristão experimentam-se como “membros uns dos outros” (Ef 4,25),
exige ministérios diversos para a própria edificação do Corpo de Cristo até que este chegue à
plenitude (Ef 4,11-13). E sua dimensão missionária de “instrumento do Senhor, que dinamize
eficazmente em direção a ele a história dos homens e dos povos” (Puebla 280), pela atuação dos
membros da Igreja na transformação da sociedade segundo o projeto de Deus, faz a Igreja toda de
certo modo ministerial a serviço do Reino de Deus.

1. Como entender os ministérios eclesiais

A Igreja é missão enquanto comunidade de fé, encarnada na história, procurando atuar o


projeto de Deus. Dentro da realidade histórica da comunidade, em meio às necessidades da mesma,
o Espírito Santo suscita dons e carismas e ela organiza diferentes funções. Estas funções e serviços
é que vão constituir os ministérios eclesiais, aqueles que compõem o ministério hierárquico, cuja
origem remonta aos tempos apostólicos e aqueles que a Igreja foi criando através dos tempos.
O teólogo Leonardo Boff tenta ajudar a compreensão da organização da Igreja imaginando
dois momentos, que não são cronologicamente distintos, mas antes duas dimensões da realidade
eclesial1:
“Num primeiro momento vigora uma igualdade fundamental de todos. Pela fé e pelo batismo
todos são inseridos diretamente em Cristo; o Espírito se faz presente em todos, criando uma
comunidade e uma verdadeira fraternidade, na qual todas as diferenças de sexo, de nação, de
inteligência, de posição social não contam (Gl 3,28) porque ‘todos são um em Cristo’ (Gl 3,28). Na
comunidade todos são enviados, não somente alguns, todos são responsáveis pela Igreja, não apenas
alguns, todos devem santificar, não apenas alguns”.
“Num segundo momento surgem as diferenças e jerarquias dentro da unidade, todos são
iguais mas nem todos fazem todas as coisas. Manifestam-se muitas necessidades que devem ser
atendidas. Há encargos, funções e serviços” (cf. Rm 12 e 1Cor 12). Todos esses ministérios, na sua
variedade, exigem na comunidade a presença do ministério da coordenação ou unidade.

2. O fundamento dos ministérios

Jesus Cristo é o alicerce da Igreja (1Cor 3,9-17). A comunidade cristã está edificada sobre
este alicerce qual “templo de Deus” e o Espírito de Deus habita nesse templo (1Cor 3,16). O
alicerce é Jesus Cristo anunciado pelo Evangelho que os apóstolos levaram às comunidades por eles
fundadas. Por isso, o alicerce é esse Evangelho, de tal forma que este é “norma” para discernir
qualquer futuro anúncio à comunidade (cf. Gl 1,8-9).
Na epístola aos efésios vem afirmado que os apóstolos e os profetas são o fundamento da
Igreja, de que Jesus Cristo é a pedra angular (Ef 2,20-22). E sobre este fundamento se ergue o
edifício, a comunidade cristã formada de judeus e de gentios, como “habitação de Deus no Espírito
(Ef 2,22). Os profetas do Novo Testamento (cf. Ef 3,5; 4,11; Rm 12,6; 1Cor 12,28-29) e os
apóstolos formam a geração das testemunhas que receberam a revelação do projeto de Deus (de
ambos os povos judeus e gentios, fazer um só povo) e anunciaram o Evangelho da comunhão e
participação. Jesus Cristo é a “pedra angular” que faz a comunhão. Os profetas e os apóstolos,
como fundadores das primeiras comunidades cristãs, – tanto de judeus como de gentios –, são o
fundamento da Igreja, das Igrejas que eles fundaram e das Igrejas que depois seriam estabelecidas
em todo mundo. Eles constituem “norma” para a Igreja de todos os tempos. Mas eles mesmos têm
por norma última Jesus Cristo. Deste modo entendemos que o fundamento da Igreja é crístico e é
apostólico, é crístico pela mediação apostólica. O ministério de Jesus Cristo foi continuado no
ministério apostólico e este continua no ministério dos sucessores dos apóstolos, que têm como
norma – a que eles mesmos precisam submeter-se –, a Palavra de Deus recebida dos apóstolos (cf.
DEI VERBUM 10). Na fonte de todo ministério eclesial está o ministério de Jesus Cristo
mediatizado pelo ministério apostólico. Os novos ministérios que através dos tempos o Espírito

1 BOFF, L., Ecleseogênese, Ed. Vozes, Petrópolis, 1977, pp. 42-43.


Santo suscita na Igreja têm a garantia de serem formas de continuar o ministério de Jesus, quando
autenticados pelo ministério apostólico conservado no ministério dos sucessores dos apóstolos.

3. Como se elaboram historicamente os ministérios

Nos tempos apostólicos as Igrejas fundadas pelos apóstolos aparecem organizando-se com
serviços e funções diversas sob a ação do Espírito Santo (cf. Atos dos apóstolos e epístolas
paulinas). Paulo coloca sempre em primeiro lugar o ministério dos apóstolos e dá lugar de maior
importância aos ofícios da Palavra. Só depois ele enumera outros serviços (cf. 1Cor 12,28).
Progressivamente os ministérios foram se institucionalizando nas formas e denominações
que chegaram até nós. O ministério hierárquico ordenado, constituído pelo ministério do Bispo, do
presbítero e do diácono, sem dúvida remonta aos tempos apostólicos, embora a figura e ofícios de
cada um desses ministérios tenham sido definidos também progressivamente. Da mesma forma o
supremo ministério da unidade exercido pelo Bispo de Roma, de instituição originária em Jesus
Cristo, se estruturou historicamente até chegar ao modo como hoje é exercido.
No século XVI, o Concílio de Trento – como resposta ao protestantismo e na falta de uma
mais profunda teologia da Palavra –, deu realce ao especto cultual do ministério do presbítero,
tendo deixado em segundo plano a dimensão do anúncio da Palavra pelo presbítero. Atribuiu ao
Bispo, como múnus primordial, a pregação do Evangelho.
O Concílio Vaticano II é que representou um verdadeiro progresso na compreensão dos
ministérios episcopal, presbiteral e diaconal, numa amplitude que foi muito além da perspectiva
cultural. Deu grande relevo ao ministério da Palavra. Ressaltou a colegialidade episcopal e o sentido
e lugar do presbítero na Igreja Particular. Atribuiu ao diácono o ministério da caridade. Evidenciou
a missão da Igreja no mundo contemporâneo. Ressaltou o “sacerdócio comum” de todos os cristãos
e o lugar dos leigos na missão da Igreja. Abriu a possibilidade da ordenação de leigos casados para
o ministério diaconal permanente.

4. Os novos ministérios

No clima de renovação pós-conciliar, em diversas Igreja Particulares do Brasil leigos de um


e outro sexo foram instituídos ministros extraordinários da Eucaristia e mesmo do Batismo, e ainda
ministros da Palavra. Para toda a Igreja os ministérios de leitor e de acólito, já revigorados dentro de
uma maior compreensão da missão da Igreja, substituíram as ordens menores e o subdiaconato
como degraus à ordenação presbiteral e se abriram também aos leigos. A ordenação do diácono
leigo permanente se introduziu em algumas Igreja Particulares.
Mas é sobretudo nas Comunidades Eclesiais de Base que os ministérios diversificados, não-
ordenados, surgem das próprias necessidades do Povo de Deus sob a ação do Espírito Santo, com
muito menor risco de “clericalização” dos ministros, do que ocorrera em certos casos em âmbito
paroquial ou diocesano – com ministros principalmente da Eucaristia. Esses ministérios, os já
reconhecidos oficialmente e outros ainda sem denominação específica, foram sendo assumidos em
comunhão com o Bispo e presbíteros responsáveis, não faltando pois a mediação apostólica.
José Marins e equipe, na obra “Comunidades eclesiais de base: foco de evangelização e
libertação”2, distingue vários tipos de ministérios nas CEBs: o ministério de coordenação ou
presidência da comunidade, “exercido em nome da sucessão apostólica, em conexão com o Bispo
ou sacerdote responsável pela área”; o ministério de evangelização, que “faz a conexão entre os
problemas da vida real e o Evangelho”; o ministério de oração e liturgia, representado em geral
pela equipe de liturgia, celebrantes do batismo, ministros extraordinários da Eucaristia, os rezadores
de capelas etc.; o ministério de caridade e promoção, desde a assistência aos desabrigados,

2 MARINS, JOSÉ E EQUIPE, Comunidades Eclesiais de Base: foco de evangelização e libertação, Ed. Paulinas, S.
Paulo, 1980, pp. 103-106.
alfabetização, educação de base, até o serviço de promoção dos direitos humanos e a pastoral da
terra.
Há sempre necessidade de forte consciência e espírito de comunhão e participação para que
os ministérios não sejam exercidos como serviços isolados, mas se situem de fato na vida e missão
da comunidade.

5. Serviços eclesiais em ordem à construção de uma sociedade justa

Na América Latina a Igreja-instituição tem assumido diversos serviços diretamente ligados à


construção de uma sociedade justa. Quando as conferências episcopais denunciam as injustiças da
doutrina de Segurança Nacional ou a CNBB aponta as falhas do Estatuto do Estrangeiro propondo
alterações concretas dessa lei, a Igreja está exercendo uma diaconia política. Quando conferências
episcopais, e outros órgãos a elas ligados ou alguns Bispos em suas Igreja Particulares denunciam
determinadas situações de injustiças, tomando posição contra a expulsão de posseiros de suas terras,
contra o desrespeito aos índios ou a repressão a greve justas, a Igreja está exercendo a diaconia da
defesa dos direitos humanos sobretudo através das comissões de Justiça e Paz3.
Os Bispos do Brasil estão vigilantes para que as CEBs não sejam instrumentalizadas por
partidos políticos. Doutra parte, está surgindo a preocupação de que também as comunidades
cristãs, sem se tornarem partidárias, eduquem seus membros para a ação política e ofereçam
critérios para uma eventual opção partidária que seus membros viessem a tomar4.
Tais serviços situam-se dentro da missão da Igreja no mundo, para o qual ela há de ser
sobretudo sacramento do projeto divino de comunhão e participação. A missão evangelizadora
responsabiliza a Igreja por uma evangelização libertadora que transforme a sociedade segundo o
projeto de Deus. Nessa perspectiva a Igreja é sujeito do ministério de evangelização, competindo
aos leigos a ação direta na efetiva mudança das estruturas da sociedade (cf. Puebla 786-799).

Conclusão da 2ª parte

Os ministérios se elaboram historicamente, alguns remontando aos tempos apostólicos e


outros surgindo de acordo com novas necessidades da Igreja. O ministério hierárquico ordenado –
do Bispo, do presbítero e do diácono – assim como o ministério do Papa são reconhecidos de
instituição divina, sendo que sua configuração histórica e sua compreensão teológica passaram por
diversas etapas desde a Igreja conhecida pelos livros do Novo Testamento até a Igreja hoje.
O Vaticano II trouxe a preocupação de salientar a Igreja como Povo de Deus, a Igreja
comunidade, a Igreja atuando no mundo. Isto veio contribuir para o surgimento de novo ministérios
não-ordenados e nova compressão, bem mais dinâmica, dos ministérios ordenados. O ministério
hierárquico agora é visto sobretudo a partir de sua dimensão evangelizadora.

CONCLUSÃO GERAL

A inter-relação ministérios-missão já ficou ao menos acenada na 2ª parte deste artigo. Ela


depende, na prática, da preparação dos ministros baseada numa atualizada teologia da missão e dos
ministérios.
Os ministros não-ordenados porém aprendem os fundamentos desta teologia dentro do
próprio engajamento pastoral, sem recusar a ajuda dos especialistas, que poderão oferecer-lhes

3 Seguimos a linguagem adotada por Leonardo Boff na obra A fé na periferia do mundo, Ed. Vozes, Petrópolis, 1979,
pp. 86-91.
4 Cf. Sugestões para a atuação pastoral na política partidária, equipe da Prelazia de São Felix do Araguaia, O SÃO
PAULO, n. 1.301, p. 5.
critérios para um discernimento mais objetivo até mesmo da prática pastoral. Isto supondo que se
trata de especialistas abertos às reais necessidades do povo.
Os candidatos ao presbiterato, por exigência de sua formação intelectual, durante um
período prolongado permanecem sem muitos encargos junto ao povo. Não lhes pode faltar, porém,
um conhecimento da realidade que não seja meramente teórica e uma prática pastoral em que
possam exprimir, progressiva e criticamente, a sua caminhada nos estudos teológicos.
Tanto os que se preparam para os ministérios ordenados, como os que se preparam para os
ministérios diversificados não-ordenados, têm necessidade de um crescimento espiritual adequado.
Porém, toda espiritualidade dos ministros se fundamenta na vida cristã e só a partir desta é que se
especifica como espiritualidade presbiteral ou como espiritualidade laical ministerial. Na base está
sempre o sentido de Igreja-missão.
Missão e ministérios se tornam recíprocos na vida da Igreja muito mais do que na
sistematização teológica.

BIBLIOGRAFIA consultada, além das referidas nas notas:

José Comblin, Teologia da missão, Ed. Vozes, Petrópolis, 1980.

René Laurentin, Luz do Novo Testamento sobre a crise atual dos ministérios, CONCILIUM 80
(1972), 1242-1251.

Franz Schnider – Werner Stenger, A Igreja como edifício e a construção da Igreja, CONCILIUM
80, 1252-1264.

André Lemaire, Dos serviços aos ministérios: Os Serviços eclesiásticos nos dois primeiros séculos,
CONCILIUM 80, 1265-1277.

Peter Kearney, O Novo Testamento estimula uma ordem eclesiástica diferente? CONCILIUM 80,
1278-1289.

Alexandre Ganoczy, “Grandezas e misérias” da doutrina tridentina dos ministérios, CONCILIUM


80, 1300-1309.

A. Antoniazzi, Os ministérios na Igreja hoje, Ed. Vozes, Petrópolis, 1975.

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