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Faculdade Católica de Fortaleza


Márcio André Teixeira Barradas

A EXISTÊNCIA DE DEUS EM DUNS SCOTUS


NA OBRA ORDINATIO

Monografia apresentada ao Departamento de


Filosofia da Faculdade Católica de Fortaleza,
como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Filosofia.
Prof. Dr. Orientador: Prof. Dr. Jan Gerard
Joseph ter Reegen

Fortaleza
2011
2

Faculdade Católica de Fortaleza


Márcio André Teixeira Barradas

A EXISTÊNCIA DE DEUS EM DUNS SCOTUS


NA OBRA ORDINATIO

Defesa em:____/____/____ Nota Obtida: _________


Banca Examinadora

_____________________________________________
Prof. Dr. Jan Gerard Joseph ter Reegen

_____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Silva de Sousa

Fortaleza
2011
3

“É nossa profunda convicção de que,


especialmente, com o tesouro intelectual de
João Duns Scotus, podemos obter armas
brilhantes para combater e eliminar a nuvem
negra do ateísmo, que ofusca a nossa época.
Muitas vezes, os negadores teóricos e práticos
de Deus não são para adorar os ídolos e os
fantasmas, eles se formaram e se tornaram
nulos em seus pensamentos.”
(Paulo VI, Carta Apostólica Alma Parens).
4

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 5

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO ESCOTISTA ......................................... 7


1.1 Contexto Histórico .............................................................................................................. 7
1.1.1 A criação das universidades. ............................................................................................. 8
1.1.2 O pensamento aristotélico na Alta Escolástica. ............................................................... 10
1.2 Vida e Obra de Duns Escoto ............................................................................................ 12
1.2.1 A divergência entre filósofos e teólogos ...................... Erro! Indicador não definido.13
1.2.2 A refundação da Metafísica a partir de Duns Escoto. ..................................................... 16
1.2.3 A teoria da univocidade do ser ........................................................................................17
1.2.4 Teoria do conhecimento. ................................................................................................. 17

CAPÍTULO 2 O CONCEITO DE ENTE INFINITO. ............................................................. 20


2.1 É possível ao homem conhecer a Deus naturalmente? .................................................. 20
2.2 A relação entre ente e infinito.......................................................................................... 23
2.2.1 A noção de infinito. ......................................................................................................... 23
2.2.2 As quatro ordens do ser ................................................................................................... 29
2.2.3 Justificação das ordens dos seres ..................................................................................... 31

CAPÍTULO 3 A EXISTÊNCIA DE DEUS ............................................................................. 36


3.1 Se há entre os seres um ser infinito atualmente existente ............................................. 36
3.1.1 Propriedades relativas do ser infinito .............................................................................. 36
3.1.1.1 Primazia da causa eficiente...........................................................................................36
3.1.1.2 Primazia da causa final.................................................................................................39
3.1.1.3 Primazia da causa eminente..........................................................................................40
3.1.1.4 Unidade da primeira natureza ....................................................................................... 41
3.2 Propriedades absolutas de Deus ...................................................................................... 42
3.2.1 Inteligência e vontade ...................................................................................................... 42
3.2.2 A infinidade do primeiro Ser............................................................................................44
3.3 “Se só existe um Deus” .................................................................................................... 47

CONSIDERAÇOES FINAIS ................................................................................................... 53

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................... 56


5

INTRODUÇÃO

Deus existe? É possível ao homem conhecê-lo racionalmente ainda nesta vida? O


que o homem conhece e como o faz? Estas perguntas norteiam toda a investigação acerca de
uma reflexão filosófica sobre a existência de Deus, tema este tão analisado na Idade Média
por conta da cultura européia ser dominantemente teocêntrica. Dentre vários filósofos
cristãos, vale destacar Duns Scotus, um dos maiores filósofos franciscanos e da Idade Média,
que sobressaiu a ponto de ser criada uma nova linha de pensamento filosófico chamada de
escotismo.
Portanto, antes mesmo de iniciar a investigação com relação à existência de Deus,
é mister inserir-se no contexto histórico do Doutor Sutil,1 para que se verifique as
circunstâncias filosóficas e sociais, bem como a influência recebida do seu pensamento. Por
isso, no primeiro capítulo analisar-se-á, em linhas gerais, a dimensão sócio-político-cultural
do século XIII, pondo em evidência a criação das universidades, pois isto repercutiu de forma
direta e incisiva na universalização do saber, bem como para a sistematização da filosofia
cristã medieval.
Outro aspecto destacado no primeiro capítulo é a influência do pensamento
aristotélico. Até o período da Alta Escolástica pouco se sabe e raras são as obras disponíveis e
traduzidas para o latim de Aristóteles, sendo que o inicio da Idade Média é posta em evidência
a Filosofia neoplatônica de Agostinho. Por conta do controle em que os Reis e o papado
tinham sobe as universidades, havia-se uma certa temerosidade com respeito a liberação do
estudo das obras de Aristóteles, já que de início era improvável adequar o pensamento
filosófico deste com a doutrina cristã. Para tanto, vale ressaltar a importância do pensamento
escotista.
Por último, no primeiro capítulo apresentar-se-ão as principais colaborações e
teses de Duns Scotus. A refundação da metafísica destaca-se por uma nova forma de inteligir
com relação ao estudo do ser. Qual o papel da metafísica? Para o Doutor Sutil, a excelência
desta é reconhecê-la enquanto ciência por meio da separação do campo investigativo da
filosofia e da teologia, e que a metafísica é reafirmada tornando-a como ciência e tendo-a

1
Duns Scotus era chamado de Doutor Sutil pelo seu rigorismo lógico em seus argumentos.
6

como dobradiça, ou seja, fazendo uma mediação entre a filosofia e a teologia.


Ademais, destacar-se-á ainda no primeiro capítulo, como a grande novidade do
pensamento escotista, a teoria da univocidade do ser, que tem como fundamento um conceito
comum entre as criaturas e Deus, o que, segundo o Doutor Sutil, possibilita o conhecimento
de Deus por meio da univocidade do conceito de ente. Esta teoria será apresentada de forma
geral e breve neste capítulo, porém será aplicada especificamente na problematização da
existência de Deus no segundo capítulo. Por fim, encerrar-se-á o primeiro capítulo citando
brevemente a teoria do conhecimento em Duns Scotus, no qual dar-se-á a devida importância
do que é cognoscível apresentando a metodologia intelectiva do homem de como apreender as
coisas, o ser humano e o próprio Deus.
Já no segundo capítulo, explicar-se-á a noção de ente infinito em Duns Scotus,
que é para ele a melhor forma de conceituar racionalmente a Deus, já que não é possível
provar a existência de Deus tomando o termo Deus em si, mas é possível demonstrar
filosoficamente a existência do ente infinito. Dessa forma, neste capítulo apresentar-se-á o
conceito de ente e infinito, destacando as quatro ordens do ser e o conceito unívoco do ser
para se obter o conhecimento de Deus.
O terceiro capítulo explicar-se-á a existência de Deus em três perguntas: Se entre
os seres há um ser infinito? Se este ente infinito é existente? Se há um único Deus? Enfim,
retomar-se-á a fundamentação das quatro ordens do ser, aplicando-se às três primazias
causais, investigando-as como elas decorrem e evidenciando-se a sua existência e que estas
são na verdade uma mesma natureza. Por fim, apresentar-se-á racionalmente a unicidade de
Deus, destacando-a em sete vias.
7

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO ESCOTISTA

1.1 Contexto Histórico

A Idade Média é dividida pelos historiadores entre a Alta Idade Média e a Baixa
Idade Média. Aquela se deu entre os séculos V ao IX, tendo como enfoque a formação do
sistema feudal. Com a queda do Império Romano e a formação dos Reinos Bárbaros (Reino
Franco, Império Bizantino e a expansão do mundo árabe), foram-se firmando um processo de
ruralização da economia e sociedade da Europa. Já na Baixa Idade Média, compreendida entre
os séculos XI ao XV, caracterizou-se pela crise do modo de produção feudal e das suas
relações sociais, culturais e econômicas.
O século XIII2 é caracterizado por grandes mudanças e é a época em que viveu
Duns Scotus.3 Neste período é perceptível a crise do sistema feudal, ou seja, até então a vida
em sociedade do homem medieval restringia-se a vida agrária em seus feudos, e que
ligeiramente mudou para uma forma de vida urbana. Não obstante a esta transformação, o
pensamento filosófico medieval apresentou nesse século o auge da sua sistematização em
Tomás de Aquino4.
A Alta Escolástica5 destacou-se por ser o apogeu da filosofia e da teologia na

2
O ocidente europeu no século XIII é repleto de transformações sociais, culturais, demográficas e comerciais,
dando-se abertura para outros poderes que são os burgos ou municípios e as monarquias nacionais. Também
soma-se a união do Romano Pontífice com o imperador, observando ou uma situação de equilíbrio ou de uma
tentativa de um domínio sobre o outro (cesaropapismo ou teocracia).
3
João Duns Escoto nasceu entre o ano 1265 e 1266 na Escócia, e que ingressou na ordem franciscana em 1281.
Concluído os seus estudos em Paris e Oxford, ensinou em 1300 em Cambridge e Oxford, depois foi lecionar em
Paris no ano de 1302 e em 1307 em Colônia, que morreu em 1308.
4
“Numa exposição histórica da filosofia medieval, a obra e a importância de São Tomás devem ser encaradas,
não à luz do triunfo posterior do tomismo, e sim, exclusivamente, no ambiente histórico do século XIII. Pois
bem: o aristotelismo se corroborara a ponto de tornar necessária uma tomada de posição: ou seria posto a serviço
da Teologia, ou, ao contrário, transformar-se-ia numa ameaça aos próprios fundamentos da visão cristã do
mundo” (BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etilene. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau
de Cusa. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 447).
5
“A Escolástica medieval costuma ser distinguida em três grandes períodos: 1º a alta Escolástica, que vai do séc.
IX ao fim do séc. XII, caracterizada pela confiança na harmonia intrínseca e substancial entre fé e razão e na
coincidência de seus resultados; 2º o florescimento da Escolástica, que vai de 1200 aos primeiros anos do séc.
XIV, época dos grandes sistemas, em que a harmonia entre fé e razão é considerada parcial, apesar de não se
considerar possível a oposição entre ambas; 3º dissolução da Escolástica, que vai dos primeiros decênios do séc.
XIV até o Renascimento, período em que o tema básico é a oposição entre fé e razão” (Dicionário: Escolástica.
In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. e Org. Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins
8

Idade Média, seja numa perspectiva sociopolítica ou cultural institucional. Tendo em vista a
primeira, o primado do papado na Europa tem uma grande influência na evidenciação da
cultura teocêntrica, por conta da ampla disseminação do pensamento cristão. Na segunda, vale
destacar o surgimento das ordens mendicantes6 que forneciam um grande número de mestres
para as universidades, no qual resultou que estas passaram a ser grandes centros de pesquisa e
ensino.

1.1.1 A criação das universidades.

A filosofia escolástica é profundamente marcada e influenciada pela criação das


universidades7. As universitas studiorum, diferentemente do sentido que as universidades têm
nos dias atuais, foram criadas com um caráter de corporação, ou seja, surgiram no período
escolástico para fins de produção e transmissão do conhecimento em defesa da Igreja
enquanto instituição. A Universidade de Paris, por exemplo, considerada a mais antiga e a
mais influente da época, tive uma importância relevante para o desenvolvimento do
pensamento cristão ao mundo inteiro8.
A elaboração e transmissão da teoria filosófica de Duns Scotus deu-se nas
universidades9. Daí a observância em relacionar a importância sociocultural do surgimento da

Fontes, 2000. p. 344).


6
Com o surgimento das ordens medicantes marcou-se a transição do modelo de vida e economia feudal
encontrado nos mosteiros, para a vida urbana evidenciada pela ascensão da burguesia e o consequente
reflorescimento do comércio. Por isso, as ordens mendicantes surgem com essa necessidade inicial de produção
e transmissão do conhecimento à luz do pensamento cristão em voga na época.
7
“A Universidade de Paris, que em última instância deve sua origem às escolas urbanas do século XII, começou
a existir com o privilégio do rei Felipe II Augusto, concedido em 1200 às citadas escolas. Com a aprovação real,
a incipiente Universidade reuniu os mestres e alunos pertencentes às escolas catedralícias de Notre-Dame e
submeteu-os à jurisdição de um chanceler. Os mestres agrupavam-se em quatro faculdades: teólogos, artistas
(depois filósofos), decretistas e médicos. Os estudantes constituíam quatro nações (picardos, galos, normandos e
ingleses, substituídos pelos alemães durante a Guerra dos Cem Anos), à frente dos quais se achava o reitor, que
logo começou a rivalizar com a autoridade do chanceler. Em agosto de 1215, o legado pontifício Robert de
Courçon deu estatutos à nascente Universidade, estabelecendo o regime de promoção do professorado e a
organização da docência”( SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à
escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo
Lúlio”, 2006. p. 256-257).
8
“Aos olhos de um Inocêncio III ou de um Gregório IX, a Universidade de Paris representava o meio mais eficaz
de que dispunha a Igreja para a difusão da verdade no mundo inteiro. Por isso Inocêncio III tentou como
primeiro transformar este centro de estudos num organismo, cuja estrutura, atividade e função ideais no seio da
cristandade só podem ser devidamente avaliadas do ponto de vista supracitado. Para o homem medieval nada
havia de estranho em tal atitude. Tratava-se não tanto de uma instituição da cidade de Paris ou da nação francesa,
quanto de um estabelecimento da cristandade universal. Como instituto supranacional, ela ultrapassa os estados
nacionais, situando-se ao lado do Sacerdotium e do Imperium” (BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etilene.
História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis – RJ: Vozes,
1970. p. 356).
9
O Doutor Sutil ensinou nas Universidades de Oxford, Cambrigde, Paris e Colônia. Por isso é mister citar como
eram as universidades no século XIII, situando o meio acadêmico em que este Filósofo viveu.
9

universidade com destaque do seu pensamento filosófico no meio acadêmico. Ora, “as
universidades foram a criação mais original e fecunda da civilização ocidental medieval, e, ao
mesmo tempo, a expressão e resultado de um novo espírito e de uma nova mentalidade.”10
Nas universidades medievais o conteúdo era ministrado por duas formas: a
disputatio e a lectio.

A Lectio podia ser legere cursorie (leitura prévia de um livro clássico, com
um comentário e uma paráfrase, sem mais) ou legere ordinarie (após a
leitura, o mestre formulava, a propósito do texto, uma série de problemas,
que tratava de resolver). A disputatio era um ensino participativo: podia ser
ordinaria, na qual o próprio mestre colocava as dificuldades, as resolvia e
sitematizava; ou então geral ou quodlibet, de caráter extraordinário e solene,
que era realizada duas vezes por ano (páscoa e Natal), e na qual se debatiam
os mais variados temas.11

Na visão sociocultural do Século XIII, a criação das universidades é muito


relevante, por conta da própria mudança social vivida neste século. Com o desenvolvimento
das corporações, grêmios, municípios e das classes burguesas, aqueles que têm os mesmos
interesses uniam-se para defender a sua própria causa. Não era diferente com as
universidades, que foram criadas inicialmente como uma “associação corporativa”, chamada a
defender os seus próprios interesses.
A influência social das universidades repercutiu incisivamente na Igreja com o
surgimento de novos mestres, elaborando o conhecimento científico que antes era reservado
apenas a uma função hierárquica. A ascensão dos novos mestres fez com que “o studium
adquire o terceiro poder ao lado do sacerdotium e do regnum, quer dizer, a classe intelectual
universitária elevou-se a categoria social com grande poder no social e no religioso.”12

Com a criação das universidades, a figura do homem de cultura adquire uma


nova consideração e relevância sociais singulares. Se a antiga divisão da
sociedade estava feita segundo a tríade oratores, bellatores e laboratores, a
partir de agora, a nova ordem social é constituída pelos sapientes, pelos
nobiles, e pelos divites sive potentes. O intelectual, o novo sábio, é expressão
e emblema desse novo organismo ou nova instituição, a universidade de uma
determinada cidade que, por sua vez, é um organismo universal e
13
fundamental da christianitas medieval.

10
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 11.
11
SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução:
Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 257 e 258.
12
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 12.
13
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
10

As mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais ocorridas no século XIII


não só são acolhidas, discutidas e recebidas positiva ou negativamente dentro das
universidades, mas também são iniciadas estas transformações no interior deste meio
acadêmico, pois os novos mestres universitários são autênticos formadores de opinião e isto
influenciava decisivamente no curso da sociedade medieval. Somando-se a isto, é importante
citar que a comunidade universitária realçava um ambiente favorável ao diálogo entre as mais
distintas classes sociais, já que não era um privilégio apenas de ricos ou pobres, pois ambos
tinham acesso ao conhecimento. Por isso, reflete-se que não só o saber era ensinado de forma
universal, mas a inclusão da sociedade, abrangendo todas as classes sociais, tinha também um
aspecto universalizante, ou seja, compreendendo o todo no saber e nas diversidades
socioculturais.

A universidade medieval não era elitista ou classista, mas popular, na qual


podiam entrar não somente os abastados, mas também os estudantes pobres,
filhos de camponeses, de lavradores e artesãos, os quais, com a intenção das
taxas ou mediante bolsas de estudos, podiam enfrentar o peso econômico
dos estudos. Uma vez que os estudantes ingressavam na universidade,
desapareciam as diferenças sociais, e todos eles entravam a fazer parte de
14
uma certa 'nobreza' que a ciência adquirida lhes outorgava.

As universidades precursoras na Escolástica foram a de Oxford, Bolonha e Paris,


no qual a primeira destacava-se pelo grande incentivo às ciências naturais e experimentais; na
segunda, enfatizava o Direito e a terceira “teve a honra de ser chamada de omnium studiorum
nobilissima civitas, civitas philosophorum, por excelência, convertendo-se no centro principal
da vida intelectual da Idade Média”.15

1.1.2 O pensamento aristotélico na Alta Escolástica.

A recepção das Obras de Aristóteles deu-se no Ocidente de forma gradativa e


lenta. Não se conhecia as obras completas do Estagirita antes do século XII, somente
conhecia-se entre os latinos as Categorias e o De Interpretatione, por meio da transcrição de
Boécio. Até o século XIII, é fundamental perceber que existia três pontos que diferenciavam

Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 12.


14
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 12.
15
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 13.
11

as interpretações das obras de Aristóteles.

Caso olhemos para seu destino a partir do século XII, o Aristoteles latinus
apresenta três aspectos linguísticos, culturais e filosóficos diferentes. O
Aristóteles greco-latino foi adquirido em duas etapas. Primeiramente, o
período tardo antigo e da alta Idade Média, o Aristóteles de Boécio e, no
século XII, as novas traduções greco-latinas de Tiago de Veneza, muitas
vezes lacunares ou diferentes. A partir do século XIII, o trabalho de
Guilherme de Moerbeke abre um período de revisão e crítica textuais. Entre
esses dois extremos encontra-se, no início do século, o Aristóteles árabe-
16
latino – o de Averrós – com Miguel Escoto.

O recebimento das obras de Aristóteles não foi algo simples de ser constatado e
nem passível de discussões, pelo contrário, foi motivo de divergências do ponto de vista
doutrinário. As interpretações e as doutrinas dos árabes e dos judeus, juntamente com o texto
do Estagirita confrontavam a doutrina cristã. “Os quatro problemas mais graves eram: o
criacionismo, a providência divina, o princípio da dupla verdade e a imortalidade da alma.”17
Fazendo menção a filosofia árabe, remete-se à criação da Casa da Sabedoria, em
Bagdá, logo após a fundação desta cidade no ano de 765, no qual se dedicava a tradução das
obras dos filósofos gregos para o árabe, passando pelo siríaco. O desenvolvimento da
filosofia árabe medieval principiou-se por Al-Kindî,18 e teve como grande comentador de
Aristóteles o filósofo Al-Fârâbî.19 Al-Gâzâlî,20 apresentava-se com a sua crítica ao

16
DE LIBERA, Allan. A Filosofia Medieval. Trad. Marcos Marcolino. Edições Loyola, 2. Ed. São Paulo, 2004.
p. 359.
17
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 15.
18
“Cronologicamente, o primeiro filósofo árabe aristotélico foi al-Kindî (796- ca. 866), pensador a quem se
atribuem mais de duzentos e oitenta escritos. […] Al-Kindî criou uma teodicéia especialmente centrada na
negação dos atributos positivos de Deus, afirmando exclusivamente os atributos negativos, que lhe serviam para
destacar a absoluta transcendência de Deus sobre o mundo. Também se inclinou para uma demonstração da
existência de Deus, a partir das criaturas, como sendo o ser necessário e o supremo criador, ordenador e criador
do Universo. Além disso, estudou amplamente o tema aristotélico (entendimento sempre em ato e entendimento
em potência ou possível), o entendimento que passa da potência ao ato (intelecto possível, quando atualizado
pela recepção de formas inteligíveis), e o entendimento demonstrativo (que conserva a ciência adquirida e pode
transmiti-la por demonstração). O entendimento sempre em ato, inteligência da última esfera celeste – que rege o
mundo sublunar - , produz as formas e é, portanto, uma substância separada(Cfr. Sobre o intelecto, Fdz. I, ns.
929-932). O entendimento em potência ou possível é parte da alma individual do homem”( SARANYANA,
Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. -
São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 219- 220).
19
Al-Fârâbî (ca. 870-950), dotado de um estimável saber enciclopédico e tentou harmonizar as doutrinas de
Platão e de Aristóteles, detinha de um considerável conhecimento da filosofia grega e de dialética. A sua
principal contribuição foi o conceito de ser necessário que tanto influenciou Avicena. “Procurando encontrar um
critério para distinguir entre Deus e os seres criados, notou que um é causado e outros são incausados; que um é
necessário e outros são contingentes.” (SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens
patrísticas à escolástica barroca. Tradução: Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e
Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 221).
20
Algazel (1058-1111), foi um ferrenho crítico ao Aristotelismo e ao pensamento especulativo filosófico, pelo
fato do crescimento das questões filosóficas e suas discussões, que aparentavam uma dissociação entre a
12

pensamento filosófico, e em especial ao aristotelismo, que para ele estava em detrimento a


doutrina religiosa e que não deveria especular temas religiosos na filosofia. Porém, é em Ibn
Sînâ que encontra-se aquele que sistematizou o pensamento filosófico medieval árabe.
A influência da filosofia de Aristóteles também recaiu na filosofia da Alta
Escolástica, apesar da resistência e da insegurança das autoridades eclesiais da época. O maior
filósofo que soube sistematizar e adequar com a filosofia cristã foi Tomás de Aquino, que este
apresentou a novidade do seu pensamento por conta da sua originalidade da sua filosofia e
não só adequou ao pensamento Aristotélico, bem como o desenvolveu e apresentou novas
categorias e teorias, que decorreu depois no surgimento de uma nova corrente de pensamento
filosófico, o Tomismo.

1.2 Vida e Obra de Duns Escoto.

Nascido entre 1265 ou 1266, no condado de Berwick (Escócia), Duns Escoto


frequentou na sua infância a escola de Haddington. Em 1278 ou 1279, Duns ingressou no
convento franciscano em Dumfries, por intermédio do seu tio que exercia a função de
guardião e em 1281 recebeu o hábito franciscano. Dez anos após, no dia 17 de Março, ele foi
ordenado sacerdote em Northampton, e de 1293 a 1296 foi estudar em Paris. De 1297 a 1301
foi lecionar na Universidade de Cambridge e de Oxford. Entre 1302 e 1303 retornou para
Paris na condição de Bacharel Sentenciário, porém teve o seu trabalho interrompido por conta
do dissídio entre Filipe, o Belo, e o Papa Bonifácio VIII, ao recusar a causa do rei, pois este
obrigou a todos os padres a estarem a seu lado o apoiando. No ano seguinte pode retornar a
Paris. Em 18 de Novembro de 1304 o Ministro Geral, Gonsalo de Balboa, promoveu Duns
Escoto para o Licenciado e Magistério em Teologia. Em 1308 foi enviado para Colônia, tendo
falecido em 8 de Novembro deste ano.
Por conta de a morte de Duns Scotus ter sido decorrida em meio à incompletude
das suas obras, é importante mencionar que, por vários séculos, houve uma certa margem de
erro de interpretação do pensamento escotista, por conta do equívoco quanto à atribuição da
autoria de algumas obras filosóficas que, em verdade, estas foram elaboradas por alguns de
seus discípulos. Por isso, a Comissão Escotista apresentou um estimável trabalho em retomar
documentos e fontes de pesquisa com o intuito de verificar a autenticidade da autoria de suas

doutrina religiosa, Algazel tenta retirar todas as doutrinas filosóficas que tentam por menor que seja afetar a
doutrina religiosa. Com a separação entre teologia e filosofia, Al-Gazâlî critica Avicena e Averróis, que são os
dois intérpretes muçulmanos de Aristóteles.
13

obras, delimitando o pensamento de Duns Scotus e retirando-se toda a margem de erro e má


interpretação das teorias deste autor.
Duns Escoto destacou-se pelo seu pensamento original que superou a mera
reprodução dos autores dominantes, para se firmar em um pensamento próprio seja no âmbito
da Filosofia quanto na Teologia. Na filosofia, a teoria da unicidade do ser fez do Doutor Sutil
um dos maiores filósofos da Idade Média, por representar a reformulação e evidenciação da
Metafísica, apresentando esta como uma dobradiça entre a Filosofia e a Teologia. Como
vimos anteriormente a calorosa discussão entre filósofos e teólogos fez perceber a grande
importância em diferenciar metodologicamente o campo de estudo da filosofia quanto da
teologia, apresentando aquilo que as une e as diferencia.
Dentre as obras filosóficas do Doutor sutil pode-se elencar as seguintes:
Quaestiones in librum Porphyrii Isagoge, Quaestiones super Praedicamenta Aristotelis,
Quaestiones in primum librum Perihermeneias Aristotelis, Quaestiones in duos libros
Perihermeneias Aristotelis, Quaestiones super librum Elenchorum Aristotelis, Quaestiones
super libros Metaphysicorum Aristotelis, Quaestiones super secundum et tertium De anima.
Ademais, três destacam-se pela profundidade e abrangência do seu pensamento filosófico-
teológico que são: Lectura, Ordinatio e Reportatio.21

1.2.1 A divergência entre filósofos e teólogos.

É vista, nesta questão, a controvérsia entre filósofos e teólogos. Os filósofos


defendem a perfeição da natureza e negam a perfeição sobrenatural; os
teólogos, entretanto, reconhecem a deficiência da natureza, a necessidade da
graça e a perfeição sobrenatural. O filósofo diria, portanto, que nenhum
conhecimento sobrenatural é necessário ao homem, no presente estado, mas
sim que ele poderia adquirir todo conhecimento a si necessário a partir da
ação de causas naturais [. . .] Contra esta posição, pode-se argumentar de três
maneiras: nada sobrenatural pode, pela razão natural, ser mostrado existir no
peregrino, e nem pode ser mostrado ser necessariamente requerido para a sua
perfeição; e tampouco, ademais, o que possui algo sobrenatural pode
conhecer que aquele nele se encontra. Portanto, é impossível, aqui, que se
faça uso da razão natural contra Aristóteles: caso se argumente a partir do
que é crido, não há argumentação contra o filósofo, pois ele não admite uma
premissa crida. Donde estas razões aqui formuladas contra ele têm uma outra

21
“Os comentários feitos por Scotus ao Livro das Sentenças chegaram a nós de três formas: como Lectura, como
Ordinatio e como Reportatio (“leitura”, “ordenação” e “reportagem” poderiam ser os termos da tradução para o
português). Coube a C. Balic explicar o significado técnico de tais palavras. A Lectura era o texto elaborado pelo
bacharel para apresentar em aula – seria algo como um rascunho ou uma primeira redação; a Ordinatio, o texto
que o professor preparava para entregar aos livreiros, a fim de serem feitas cópias, isto é, tratava-se da obra
definitiva do autor; já a Reportatio compunha-se das notas de aula, tomadas pelos alunos ou assistentes”. (DE
BONI, Luis Alberto. Sobre a vida e a obra de Duns Scotus. Veritas. PUCRS: Porto Alegre, 2008. v. 53, n. 3.
p. 8).
14

premissa, crida ou provada a partir do que é crido; por isso mesmo, não são
senão persuasões teológicas, a partir do que é crido para o que é crido.22

A novidade da filosofia Escotista dá-se primeiramente pela originalidade do


objeto de estudo da metafísica: a ontologia. A metafísica é tida como dobradiça entre a
filosofia e a teologia. A mediação e o intermédio da metafísica entre a filosofia e a teologia é
concebida a partir da visão de mundo em que ambas tendem a se contrastar. A filosofia grega
detém-se em analisar o mundo como uma natureza física, tendo como fim último o motor
imóvel. Já para a teologia, tendo como a priori a fé, o mundo é uma criação de Deus resultado
da sua vontade livre e contingente e não do motor imóvel. É muito desafiante unir essas duas
visões contrastantes, porém Escoto teve a preocupação e o olhar de filósofo e teólogo capaz
de unir o que aparentemente era improvável.

Diante desta dificuldade real, o Doutor Sutil vê a única saída no fato de que
alguém seja filósofo e teólogo ao mesmo tempo, mas sem mesclar nem
confundir a filosofia e a teologia nem em seus conteúdos nem em seus
métodos. Quando a mente do filósofo é a mesma do teólogo, pode ser
iluminada pela fé, não para apoiar-se dela, mas para que ilumine a razão em
sua capacidade cognoscitiva e para uma compreensão da Revelação.
Quando a mente do teólogo é a mesma do filósofo, se verá obrigada a
expressar as verdades reveladas com conceitos humanos capazes de conectar
a contingência radical com a vontade criadora de Deus e não com razões do
necessitarismo grego. 23

Enfim, para superar as aporias presentes entre as discussões entre filósofos e


teólogos, o Doutor Sutil vem superar a visão tradicional da própria metafísica, dando-lhe um
estatuto científico, por meio da teoria da univocidade do ser. A metafísica deve distinguir-se
tanto da física quanto da teologia, pois a metafísica transcende a física e a teologia amplia o
campo investigativo da metafísica. “Por isso, não se deve confundi-las nem tampouco separá-
las. Pela fé se transcende a filosofia e se abre à metafísica; e a partir da metafísica se concebe
a teologia não como uma transmetafísica, mas como uma ciência humana do divino.”24
Na relação entre a filosofia e a teologia, em três aspectos torna-se claro para Duns
Escoto que em nosso estado presente necessitamos de um auxílio sobrenatural.
Primeiramente, não é concebível na investigação filosófica que o fim último do homem que

22
DUNS SCOTUS, João. Prólogo da Ordinatio. Tradução, introdução e notas de Roberto Hofmeister Pich.
EDIPUCRS: Porto Alegre, 2003. n. 5 e 12.
23
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p 126.
24
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 126-127.
15

move as suas atividades seja a visão beatífica. Segundo, para atingir esse fim, é preciso saber
o modo de se chegar a ele, os meios que se conduz a este e se esses meios são suficientes.
Terceiro, pelo conhecimento natural não obtemos o conhecimento da essência do mundo
espiritual e da própria divindade.
Não obstante a esses três aspectos acima citados, as verdades extraídas na teologia
podem ampliar e condicionar a especulação filosófica, como destaca Oromí, três verdades na
teologia que iluminam a compreensão filosófica com relação ao mundo:

1ª, que Deus criou o mundo por um ato livre da sua vontade; o que
significa que o mundo é essencialmente contingente, já não somente
existe, porque 2ª, na mente divina está necessária e atualmente todas
as idéias ou essências possíveis. O que a vontade divina faça
contingentemente ao escolher as essências da mete divina para realizá-
las significa que as essências realizadas podiam ser essencialmente
outras; aí radica sua contingência radical; 3ª, que nosso entendimento,
nossa alma, está destinada a ver a essência divina, não em abstrato,
senão em concreto, ut esentia haec.[tradução nossa].25

Diante da transitoriedade do mundo, ou seja, o constante devir das coisas, Escoto


não se limitou a trazer no centro da sua investigação o problema da mudança e do movimento,
mas sim a investigação do nada ao ser. Para explicar o problema da contingência do mundo 26,
o Doutor Sutil parte do pressuposto de que a filosofia só pode conhecer profundamente o
mundo e o homem a partir da criação. Somente a partir de Deus, que atua no mundo de forma
livre, entende-se a contingência.

Scotus tem uma expressão própria para enfatizar a relação ativa de Deus
com as criaturas: práxis, que traduz o vínculo livre e amoroso de Deus com
os seres criados (Ord. III, d 16, q.2, n. 53-54). A relação criatural implica e
comporta uma dependência ontológica de Deus que condiciona a estrutura
íntima do ser contingente e se escapa a simples relação de pot6encia-ato. Ao
mundo deve se aproximar, pois, não apenas com a inteligência, como
realidade cognoscível, senão também com a vontade, como realidade
amada.27

25
“1ª, que Dios creó el mundo por un acto libérrimo de su voluntad; lo que significa que el mundo es
esencialmente contingente, ya no sólo existe, porque 2ª., en la mente divina están necesaria y actualmente todas
las ideas o esencias posibles. El que la voluntad divina obre contingentemente al escoger las esencias de la
mente divina para realizarlas significa que las esencias realizadas podían ser esencialmente otras: ahí radica su
contingencia radical; 3ª, que nuestro entendimiento, nuestra alma, está destinado a ver la esencia divina, no en
abstracto, sino en concreto, ut esentia haec.”(MERINO, José Antõnio. Juan Duns Escoto. Introducción a su
pensamiento Filosófico-teológico. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007. p. 56).
26
“Entende-se por contingência como o modo de ser daquilo que existe atualmente” [tradução nossa]. SCOTUS
Apud. MERINO, José Antõnio. Juan Duns Escoto. Introducción a su pensamiento Filosófico-teológico.
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007. p. 45.
27
“Escoto tiene una expresión propia para subrayar la relación activa de Dios con las criaturas: praxis, que
16

1.2.2 A refundação da Metafísica a partir de Duns Escoto.

Partindo da discussão acerca dos filósofos e dos teólogos acerca do entendimento


do conhecimento de Deus, do mundo e do homem, Duns Escoto teve a preocupação em criar
uma ciência que pudesse intermediar a Filosofia e a Teologia. Assim, ele definiu três ciências,
especificando o objeto de cada uma delas: a teologia natural, a teologia sobrenatural e a
ciência beata, diferenciando-as da física aristotélica com a ciência beata.
Na ciência beata, defini-se como “a ciência do divino – sub lumine glorie –
consiste em amar, porque a especulação dos bem-aventurados é uma especulação amativa. É
um conhecimento prático, na medida que, indo além do puro conhecer, se estende e alcança
um ato de vontade”28. Já a teologia sobrenatural visa “conhecer e amar o divino sub lumine
fidei”29. Já a teologia natural, Escoto descobriu uma nova ciência que é a refundação da
metafísica, agora sob a apreciação da ontologia.
Aprofundando o tema, o Doutor Sutil criticou tanto Avicena quanto Aristóteles e
Tomás de Aquino. Primeiro Avicena elencou entre os transcendentais a noção de ente, coisa e
necessidade, caindo assim no necessitarismo emanacionista e também no imediatismo da
noção de ente30. Segundo, Aristóteles afirmou que “o intelecto penetra, com sua parte mais
alta, na espécie da criatura – que somente representa a criatura – para conhecer as coisas que
são de Deus, e as que foram ditas de Deus”31. Por último, Tomás de Aquino afirma na sua
teoria do conhecimento que a razão humana só pode alcançar o conhecimento de Deus pela
causalidade transcendental, ou seja, a compreensão da essência de Deus é alcançada pelo
entendimento que Deus é o primeiro motor imóvel, primeira causa incausada, ser necessário
por si, ser perfeitíssimo e supremo ordenador.
Diante dos três pensamentos acima citados, Duns Scotus apresenta a novidade da

traduce el vínculo libre y amoroso de Dios con los seres creados (Ord. III, d 16, q.2, n. 53-54). La relación
criatural implica y comporta una dependencia ontológica de Dios que condiciona la estructura íntima del ser
contingente y se escapa a la simple relación de potencia-acto. Al mundo hay que acercarse, pues, no sólo con la
inteligencia, como realidad cognoscible, sino también con la voluntad, como realidad amada.” (MERINO, José
Antõnio. Juan Duns Escoto. Introducción a su pensamiento Filosófico-teológico. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 2007. p. 46).
28
SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução:
Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 387.
29
SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução:
Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 388.
30
SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução:
Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 381.
31
SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução:
Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p. 382.
17

sua filosofia, pois ele não acredita que a demonstração e o conhecimento de Deus é obtida
como uma causa transcendental, a partir dos efeitos do mundo físico. Entretanto, o Doutor
Sutil pensa primeiramente que o ente pode ser dividido em ens infinitum e ens finitum, ens
increatum e ens creatum, e, por meio disso, é possível chegar à prova da existência de Deus32.

1.2.3 A teoria da univocidade do ser.

A refundação da metafísica é concebida por Duns Escoto por meio da ontologia, a


fim de superar a divisão entre filosofia e teologia. A novidade trazida na metafisica por ele se
dá na noção de ser, em que ele percebeu a possibilidade de obter um conceito comum de ser
na teoria da univocidade do ser. Com o conceito unívoco do ser, Duns Escoto apresenta em
sua teoria a possibilidade de se conhecer qualquer realidade, seja a humana ou a divina, por
conta de um conceito de ente comum a ambas. Com isto, o Doutor Sutil quer afirmar que o
objeto do entendimento é o ente enquanto ente, e que se não houver esse conceito unívoco não
se pode conhecer a Deus.

A univocidade designa 'a unidade de razão daquilo que é predicado' (Ord. I,


d. 8, n. 89 (IV, 195)); é a identidade de um conceito. A identidade do
conceito unívoco predicado vai além da identidade real dos sujeitos dos
quais se predica. Quer dizer, o conceito pode ser idêntico em si mesmo sem
que seja idêntico nos casos aos quais se refere. A univocidade designa a
unidade de um mesmo conceito enquanto se predica de muitas coisas. 'Para
que não haja conflito no tocante ao nome de univocidade, chamo de conceito
unívoco aquele que é uno; de tal modo que sua unidade é suficiente para a
contradição, quando se afirma e se nega algo da mesma coisa' (Ord. I, d. 3,
n. 26 (III, 18)). A univocidade não designa coisas idênticas no nome e no
sentido, mas designa a unidade e a identidade de um conceito, assumindo as
exigências da lógica segundo os requisitos do princípio da não contradição.
A univocidade lógica de um conceito é sua unidade consistente33.

A univocidade em que Duns Escoto demonstra é a do conceito do ser, podendo-se


diferenciar da univocidade física ou natural (compreendendo a identidade real), e da
univocidade metafísica (gênero próximo de diferentes seres).34 Vale citar que apesar de
Tempier no ano 1277 apresentou dentre as teses condenadas a da individuação da matéria, não
refere-se a univocidade do conceito do ser apresentado pelo Doutor Sutil, pois ele também

32
SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica barroca. Tradução:
Fernando Salles. - São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”, 2006. p 389.
33
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 127-128.
34
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 128.
18

nega a individuação da substância pela matéria signata quantitate. A matéria é indistinta e


indeterminada, não podendo constituir princípio de individuação.

1.2.4 Teoria do conhecimento.

A teoria do conhecimento apresentada por Duns Escoto diferencia das doutrinas


predominantes da época, seja as de influência platônico-agostiniana, representadas por
Henrique de Gand, ou as de influência aristotélica, representadas por Tomás de Aquino e
Godofredo de Fontaines. A primeira, afirma que todo o conhecimento inicia-se e se finda na
alma. Já para a segunda, a inteligência não passa da potência para o ato sem ser movida pelo
objeto. Para o Doutor Sutil, o conhecimento é obtido tanto pela inteligência da alma como
pelo objeto cognoscível. Esta é a sua teoria das causas eficientes parciais35.

De fato, argumenta o Doutor Sutil, a solução apresentada por Henrique de


Gand, além de ser ambígua, uma vez que não precisa a natureza de condição
necessária por parte do objeto, é reconhecida como necessária para que haja
conhecimento, e, por outro lado, não lhe é reconhecido valor de autêntica
causa. [. . . ] A segunda orientação, de inspiração aristotélica, e que coloca a
tônica da causalidade efetiva do ato cognoscitivo no objeto, é vigorosamente
combatida por Duns Scotus, pois compromete irremediavelmente não só as
iniciativas da inteligência, em concreto a formação de conceitos, de juízos e
raciocínios, mas também sua própria dignidade espiritual, à medida que o
36
efeito, ou seja, o conhecimento seria mais perfeito do que sua causa .

A novidade trazida pela teoria acima citada é que tanto o sujeito cognoscente
quanto o objeto cognoscível concorrem mutuamente para o conhecimento. Isto decorre ao se
perceber que o sujeito exerce por meio da ação intelectiva causas e efeitos próprios do seu ato
de inteligir, e, igualmente, o objeto dentro da sua esfera tem causas e efeitos específicos. A
base da compreensão da sua teoria do conhecimento é a introdução de uma nova entidade
ontológica que é a natureza comum (natura communis), que é indiferente tanto à
singularidade quanto à universalidade. Para que o intelecto tome as realidades concretas, que
são singulares e individuais, e as abstraia para uma natureza universal, o Doutor Sutil cria esse
termo que é a natureza comum, condição necessária para que o intelecto passe da coisa
singular para o universal.

A tese escotista sobre a natureza comum, em relação com o entendimento,


pode ser sintetizada do modo seguinte: a natureza comum constitui o

35
SCOTUS, Apud MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia
Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 82.
36
SCOTUS, Apud MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia
Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 81.
19

fundamento remoto do universal, já que é indiferente tanto à singularidade


como à universalidade. A natureza comum, considerada no existente
concreto, é universal físico. Conceitualizada pelo entendimento (prima
intentio) é o universal metafísico e, aplicada a todos os indivíduos da espécie
(segunda intentio), é o universal lógico. Portanto, entre a unidade concreta
do individual sensível e a unidade universal inteligível da predicação lógica
existe a natureza comum, como unidade específica, unidade de essência e
37
inteligibilidade .

A teoria do conhecimento apresentada por Duns Scotus tem como novidade a


noção da natureza comum e do ser unívoco como uma nova possibilidade de refletir
filosoficamente acerca do conhecimento de Deus pelo intelecto do homem. A teoria do
conhecimento analógico é agora substituida por Duns Scotus pela teoria das causas parciais,
em que prioriza o conhecimento do singular. Para o Doutor Sutil não é possível conhecermos
a Deus naturalmente, ou seja, não é um conhecimento evidente, no entanto, é possível provar
a exitência de Deus buscando um primeiro princípio na ordem do ser. Por isso, tomando essas
noções gerais do pensamento escotista, é possível passar para reflexão da existência de Deus
no pensamento filosófico de Duns Scotus.

37
MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia Franciscana. Trad. Celso
Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 140.
20

CAPÍTULO 2 O CONCEITO DE ENTE INFINITO.

2.1 É possível ao homem conhecer a Deus naturalmente?

A partir dessa reflexão inicial, que norteou a teoria do conhecimento de Duns


Scotus, o conhecimento humano apreende a quididade entitativa, ou seja, conhece-se o ser
enquanto ser. Assim o Doutor Sutil parte para a seguinte questão: “Deus é naturalmente
cognoscível pelo intelecto humano nesta vida?”38 Resume a opinião de Henrique de Gand,
“Deus não é conhecido através de uma representação que lhe seja própria, pois nada é mais
simples que ele; mas através de alguma representação alheia proveniente das criaturas, à
semelhança do modo de operação da estimativa”.39
No entanto, a opinião de Duns Scotus é em parte divergente de Henrique de
40
Gand, já que aquele filósofo também acredita que é possível chegar a um “conceito de Deus
que é concebido por si e quiditativamente”41. Por meio deste pensamento, o Doutor Sutil
utiliza do conceito unívoco a criatura e a Deus para alcançar o conhecimento deste, e não mais
tomando apenas um conceito análogo ao que se tem da criatura. A respeito da argumentação
da teoria da univocidade do ser, esta é provada por cinco argumentos que serão analisados
cada um deles.
No primeiro argumento, Duns Scotus afirma que na atividade intelectiva, todo
intelecto, que tem certeza a respeito de um conceito e duvida a propósito de outros, possui o

38
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de
Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 1.
39
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de
Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 21.
40
A opinião de Henrique de Gand apresenta a forma de conhecimento de Deus de três modos, a saber:
generalíssimo, mais geral e geral. Na primeira é dividida em três etapas. Primeiro, concebe a Deus de uma forma
mais vaga, por tentar particularizar numa noção geral de ser para este ser. Segundo, é tentar tirar este e ficar só
com o ser. Terceiro, é de se distinguir o conceito de ser próprio de Deus com o ser das criaturas, pois Deus para
Henrique de Gand é um ser indeterminado negativamente, e o conceito análogo das criaturas é indeterminado
privativamente. Em seguida, passando para o modo mais geral, atribui-se a Deus atributos mais perfeitos, em
um grau mais supremo. Por fim, de modo geral, conhece-se a Deus que em qualquer atributo seu se confunde
com a sua noção primeira, de ser. “Henrique de Gand sustenta, pois, que os dois conceitos de ser são
radicalmente distintos e que o assim chamado ‘conceito análogo de ser’ comum às criaturas e a Deus é na
realidade dois conceitos. Nós os confundimos por causa de sua semelhança que consiste na negação de
determinação.” Ibidem., n. 21.
41
Ibidem., n 25.
21

conceito de que tem certeza como distintos dos conceitos de que tem dúvida.” 42 A certeza
alcançada pelo intelecto de que Deus é um ser soma-se na dúvida se ele é um ser finito ou
infinito, criado ou incriado. Para explicitar melhor esse argumento, o filósofo remete a
discussão ocorrida nos primórdios da filosofia na Grécia Antiga, acerca do que era o primeiro
princípio. Alguns postulavam que era a água e outros que era o fogo. Apesar da dúvida com
relação a natureza específica do primeiro princípio (se era água ou fogo), existia um consenso
entre eles de que o primeiro princípio era um ser.
Com relação ao segundo argumento, este parte da premissa de que “nenhum
conceito real é causado naturalmente no intelecto humano nesta vida senão por aqueles fatores
que movem naturalmente o nosso intelecto”43. Dessa forma, só podemos conhecer algo pela
imagem sensível ou o objeto revelado na imagem sensível. Por conseguinte, se não existisse
um conceito unívoco do objeto revelado na imagem sensível e do ser incriado, não se poderia
chegar ao conhecimento de Deus.
Já no terceiro argumento, refere-se que quando se tem um conceito apropriado de
um sujeito compreende-se tudo o que for inerente a ele. O intelecto humano não é capaz de
conhecer suficientemente tudo que é inerente a Deus. Portanto, “será através das proposições
imediatas que serão conhecidas as mediatas,”44 isto é, partindo do conhecimento dos termos
das criaturas, da mesma forma obtêm-se o termo médio, e onde finda-se o termo médio inicia-
se as proposições imediatas.45
O quarto argumento é investigado da seguinte forma: “ou alguma perfeição pura 46
tem um significado que é comum a Deus e à criatura, ou não.”47 Se não, ou é aplicada apenas
às criaturas e não se aplicaria a Deus, ou ainda teria um significado que seria próprio Deus e

42
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 27.
43
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 35.
44
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 37.
45
“Qualquer proposição imediata é conhecida na medida em que conhecemos os seus termos. Portanto, a maior é
evidente a propósito de tudo o que for concebível como imediatamente inerente ao conceito de sujeito. Caso se
trate de algo que inere mediatamente, faz-se o mesmo raciocínio a respeito do termo médio referido ao mesmo
sujeito e onde quer que o processo termine teremos o que foi dito a propósito das proposições imediatas.” DUNS
SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito de Deus.
Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 37.
46
“Uma perfeição pura ou simples é a que não implica, em sua razão formal, nenhuma imperfeição ou limitação.
Exemplos: conhecimento, vontade, existência, sabedoria, etc. Distingue-se das perfeições mistas que implicam,
em sua noção formal, alguma imperfeição ou limitação. Exemplos: matéria, corporeidade, sensibilidade, razão,
etc.” (DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a
respeito de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 38).
47
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 38.
22

nada seria aplicado a Deus por ser uma perfeição pura. Por isso, Duns Scotus conclui que para
se investigar por meio da metafísica ao conhecimento de Deus deve-se partir do entendimento
que “considera-se a noção formal de algo e remove-se desta noção formal a imperfeição que
ela tem nas criaturas; toma-se esta noção formal e atribui-se-lhe de maneira total à suma
perfeição; é deste modo que ela é atribuída a Deus.”48
Utilizando o exemplo do Doutor Sutil toma-se a noção formal da sabedoria,
intelecto e vontade. Aplicando essas noções às criaturas, percebe-se suas imperfeições, e que
ao abstraírem para a sua noção formal tornam-se puras e são atribuídas a Deus de forma
perfeitíssima. Diante disso, afirma-se que não é possível atribuir nada a Deus partindo de
qualquer noção que seja própria às criaturas, pois aquilo que é próprio de Deus é diferente do
que seja a criatura.
Ao quinto argumento refere-se à ordem das intelecções segundo a ordem das
criaturas que conduzem a elas. “Segue-se, portanto, que entre a intelecção abstrativa ínfima e
a intelecção intuitiva há mais ou tantas intelecções intermediárias quantos intermediários há
entre a espécie ínfima dos seres e a suprema.”49 Por esta razão, é possível percorrer de uma
espécie mais ínfima a um ser superior àquela causa a intelecção abstrativa suprema.
Do exposto acima acerca dos cinco argumentos que tratam da univocidade do ser,
ou seja, Duns Scotus defende que Deus pode ser conhecido naturalmente pelo homem “em
algum conceito unívoco a ele e à criatura.”50 Outrossim, o Doutor Sutil acredita que existam
muitos conceitos que são particularizados em Deus; porém, na sua opinião, o conceito mais
perfeito e mais simples é o conceito de ser infinito, pois exprime o modo intrínseco da própria
entidade divina, e ele afirma que “[. . .] quando digo ‘ser infinito,’ não tenho um conceito por
assim dizer composto acidentalmente do sujeito e do seu atributo, mas um conceito próprio do
sujeito num determinado grau de perfeição, a saber, a infinidade.”51

Prova-se a perfeição deste conceito, primeiro, porque este conceito é, dentre


todos os conceitos por nós concebíveis, o que mais inclui virtualmente. Pois,
assim, como o ser inclui virtualmente em si o verdadeiro e o bem, assim
também o ser infinito inclui o verdadeiro infinito, o bem infinito e toda a
perfeição pura infinita. Prova-se também pelo fato seguinte: A existência do
ser infinito é a última coisa a ser demonstrada através de uma demonstração
48
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 39.
49
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n 42.
50
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 26.
51
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 58.
23

‘de que’, como ficou claro pelo que foi dito na primeira questão da segunda
distinção. Ora, o mais perfeito se conhece em último lugar, através de uma
demonstração ‘de que’, que parte das criaturas. Com efeito, é dificílimo
estabelecê-lo a partir das criaturas por causa da sua distância entre elas.”52
2.2 A relação entre ente e infinito

Ao iniciar a reflexão filosófica acerca da existência de Deus, Duns Scotus parte da


necessidade de se provar a existência de um ente infinito.53 Quando se afirma que Deus existe
diz-se que essa proposição é por si evidente, porém a proposição da existência de um ente
infinito não é por si evidente, pois precisa ser demonstrada. Para o Doutor Sutil, “O conceito
simultaneamente mais perfeito e mais simples que nos é possível é o conceito de ser
infinito.”54 Portanto, o conceito de ente infinito envolve estes dois termos: ente e infinito.

A infinitude não repugna ao ente por quatro razões: em primeiro lugar,


porque a própria finitude não pertence à noção de ente, nem é uma
propriedade conversível com o ente, que causasse incompossibilidade
do ente com o infinito; em segundo lugar, por uma razão de analogia
com a quantidade, isto é, porque tal como o infinito não repugna à
quantidade, ao receber sucessivamente parte por parte, assim também
o infinito não repugna à entidade, ao ser simultaneamente na
perfeição; em terceiro lugar, por comparação entre a quantidade de
virtude e a quantidade de volume, de modo que, se aquela é
simplesmente mais perfeita do que esta, e se o infinito é possível em
volume, então, a fortiori, também o será em virtude; por fim, e em
quarto lugar, porque o intelecto, porque o primeiro objeto é o ente, não
sente repugnância alguma ao inteligir algo infinito, pois não poderia
deixar de senti-la, caso o infinito deixasse de existir.55

Compreendendo que a noção de ente e infinito não se excluem mutuamente, mas


que cada um tem a sua particularidade, é importante tomá-los a parte e depois o relacioná-los
entre si, pois a noção de ente é fundamental para prescindir o conhecimento de uma ordem
dos seres, e em perceber que a noção de infinito é a mas perfeita e simples definição de Deus.
Ao fim dessa exposição do que venha a ser ente e infinito, cumpre verificar a univocidade do
ser como via de acesso ao conhecimento de Deus por meio da metafísica apresentada por
Duns Scotus.

52
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 59.
53
“Utrum aliquod infinitum esse sit per se notum, ut Deum esse.” SCOTUS, Apud XAVIER, p. 159.
54
DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito
de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 58.
55
SCOTUS apud XAVIER, p. 163.
24

2.2.1 A noção de infinito.

O questionamento acerca do caráter infinito de Deus, inquirindo na possibilidade


da existência de um ente infinito em ato, requer a reflexão se o infinito é conhecido como
ente.56 O âmbito desta investigação envolve dois aspectos, essencial e existencial. No
primeiro, é mister excluir tudo aquilo que não é próprio enquanto tal, podendo chegar a
afirmação de um ente cuja determinação essencial seja a sua infinitude. Os argumentos
contrários incidem na ideia de que há uma contradição entre infinitude e determinação,
afirmando que o ente infinito seria indeterminado e indefinido. Ao contrário desta afirmação
Scotus cita Aristóteles em que a infinitude seria mesma uma determinação do ente.57
Da mesma forma, afirmar a existência de um ente infinito é conceber tal ente em
meio aos outros entes, e não defender que esta existência seja meramente intelectual. Os que
defendem em contrário, sustentam que o ente infinito não pode co-existir com os entes finitos,
pois o que é contrtário não pode haver lugar com ele simultaneamente. No entanto, o
pensamento de Duns Scotus58 vem corrigir desse erro afirmando que:

[. . .] a contradição entre finitude e infinitude existe a um âmbito


anterior a da existência atual, a saber, a da possibilidade de existência,
em quanto que possui uma virtude infinita, a qual dá lugar a que exista
todo quanto é algo, de modo que, dado que todo quanto se mostra
mediante os sentidos e que se encontra movido pelo existente, sua
existência é inegável. [tradução nossa].59

56
Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 307: “Circa distinctionem secundam quaeritur primo
utrum in entibus sit aliquod ens actu infinitum”
57
Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008., 310: “VII Physicorum dicit Philosophus quod primum
movens est infinitum, et ideo non est virtus in magnitudine: non infinita, quia nulla talis, - nec in magnitudine
finita, quia maior magnitudo habet maiorem virtutem. Sed ista ratio non valeret nisi intelligeret de infinito
secundum virtutem, quia corpus, tu sol, esset infinitum duratione.”
58
Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 310: “Primo dicendum est quid sit primo cognitum a
nobis cognitione confusa secundum viam generationis. Et dico quod illud est species specialissima, cuius
individuum et sigulare fortius movet sensum, sive sit audibile sive visibile sive tangibile; quodcumque
individuum fortius movet sensum, illa species est primo cognita cognitione confusa.”
59
“[. . .] la contradicción entre finitud e infinitud a un ámbito anterior al de la existencia actual, a saber, al de la
posibilidad de existencia, en cuanto que posee una virtud infinita, la cual da lugar a que exista todo cuanto es
algo, de modo que, dado que todo cuanto se muestra mediante los sentidos y que se encuentra movido por él
existe, su existencia es innegable.” NÚÑES, Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el
carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS
SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma – Itália: Antonianum, 2008. p. 310.
25

Diante desta possibilidade do ente infinito em ato, ou seja, que este tenha um
lugar entre os demais entes, tanto de modo essencial quanto existencial, constituindo o ente
infinito como tal e que sua presença seja encontrada em meio aos entes infinitos, é preciso
partir da questão elaborada por Duns Scotus: “Iuxta hoc quaeritur utrum aliquod infinitum
esse, ut Deum esse, sit per se notum.”60

[. . .] Dessa forma, em virtude desta nova pergunta põe-se


expressamente em questão o âmbito do ente finito e particularmente
àquele ente finito que é capaz de apreender a presença de si mesmo e
dos demais, ao homem, pois de fato que se dá uma relação entre este
âmbito e o do infinito, entre Deus e as criaturas, a maneira como a
presença daquele se pode pôr de manifesto em meio destas últimas
encontrar-se-á ligada ao modo como se dá a conhecer a presença
destas ao homem, e a capacidade deste de reconhecer a dita presença.
[tradução nossa].61

A presença do ente infinito em meio aos entes finitos não deve ser a única
preocupação, soma-se ainda a verdade disto que é dada por uma proposição, no qual unem-se
tanto os sentidos quanto o intelecto, isto é, a proposição reune tanto aquilo que se dá a
conhecer quanto ao que se deixa manifestar a sua presença. Portanto, para se reconhecer que
existe um ente infinito em ato, examinando a sua essencia e a sua existência, a sua veracidade
e a sua presença, Duns Scotus afirma que tal proposição deve ser dada per se nota.62

Assim, ao examinar o que entende Duns Escoto por uma proposição


‘per se nota,’ podemos nos dar conta de que tal caráter determina-se a
partir de dois termos; por uma parte, temos o que se trata de uma
proposição, de modo que temos que considerar a maneira que lhe é

60
Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 315.
61
“[. . .] Asimismo, en virtud de esta nueva pregunta se pone expresamente en cuestión el ámbito de lo ente finito
y particularmente a aquel ente finito que es capaz de aprehender la presencia de sí mismo y de los demás, al
hombre, pues del hecho de que se dé una relación entre este ámbito y el del ente infinito, entre Dios y las
criaturas, la manera como la presencia de aquel se pueda poner de manifiesto en medio de estas últimas se
encontrará ligada al modo como se da a conocer la presencia de éstas al hombre, y a la capacidad de éste de
reconocer dicha presencia.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em
la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 315.
62
Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 316: “Ad istam quaestionem secundam est primo
dicendum. Ad cuius solutionem primo videntum est quae est ratio propositionis per se notae [. . .] cum dicitur
propositio per se nota, per ly 'per se' non excluditur quaecumque causa, quia non notitia terminorum, quia nulla
propotitio est per se nota nisi habeatur notitia terminorum; sed excluditur quaecumque causa et ratio quae est
extra per se conceptus terminorum propositionis per se notae.”
26

própria, em quanto tal, para pôr manifestada a presença de todo o que


é, a qual tem lugar a partir do que Escoto denomina ‘notitia
terminorum’, já que “nulla propositio est per se nota nisi habeatur
notitia terminorum”; por outro aspecto, para que estejamos diante de
uma proposição ‘per se nota’, é necessário que se excluia assim
mesmo “quaecumque causa et ratio quae est extra per se conceptus
terminorum.” [tradução nossa].63

A definição de uma proposição per se nota dá-se da seguinte forma:


primeiramente é importante ater-se que toda a apreensão dada por algo por sua presença é
viabilizada primeiramente por conhecer o seu nome64, e este conhecimento é no início dado
de forma indeterminada, confusa, apenas dado a sua presença aos outros por conta do seu
nome. No entanto é mister superar esta falha na definição para ser conhecido efetivamente, de
forma determinada, definida, sendo que a presença seja obtida por tudo aquilo que o constituí
enquanto tal.
A relação existente entre o nome e a sua definição, estando em plena harmonia,
Duns Scotus vai chamar de 'notitia terminorum', que é a manifestação efetiva daquilo que se
encontra e que é possível reconhecer a sua presença, pois o nome por si só é incapaz de
mostrar algo se não remete ao que a coisa é. Nestes termos, tem-se no nome a forma confusa
enquanto que na definição encontra-se claramente determinada.

Assim, ainda que em virtude da reunião entre o nominado e a sua


definição, uma vez que o último tenha sido apreendido, pode-se
consumar a manifestação da presença do dito ente cada vez que nos
encontremos ante ele, dita manifestação não mostra em efeito nada se
é o que se afirma do ente cuja presença é acolhida no dizer não se
encontra já reunido nele, senão se dá uma correspondência entre eles,
entre o conceito e a definição. [tradução nossa].65

63
“Así, al examinar qué entiende Duns Escoto pro una proposición 'per se nota', nos podemos dar cuenta de que
tal carácter se determina a partir de dos términos; por una parte, tenemos que se trata de una proposición, de
modo que tenemos que considerar la manera que le es propia, en cuanto tal, para poner de manifesto la
presencia de todo lo que es, la cual tiene lugar a partir de lo que Escoto denomina 'notitia terminorum', ya que
'nulla propositio est per se nota nisi habeatur notitia terminorum'; por otra parte, para que estemos ante una
proposición 'per se nota', es menester que se excluya asimismo 'quaecumque causa et ratio quae est extra per se
conceptus terminorum.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 317.
64
Cf. SCOTUS, Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. 2008, p. 317: “Nunc autem alius terminus est nomem, et
conceptus importatus per nomem, ut alius terminus est nomem, et conceptus importatus per nomen, ut alius
terminus est nomen, et difinitio nominis.”
65
“Así, aún cuando en virtud de la reunión entre el ente nombrado y su definición, una vez que su ésta ha sido
aprehendida, se puede consumar la manifestación de la presencia de dicho ente cada vez que nos encontremos
ante él, dicha manifestación no muestra en efecto nada si es que lo que se afirma del ente cuya presencia es
27

Deparando-se com uma proposição per se nota, não é suficiente a notitia


terminorum, mas Duns Scotus também acrescenta a conceptus terminorum, que consiste em
acolher a manifestação daquilo que se dá a conhecer, permitindo que tenha um lugar de
reconhecimento efetivo de que estamos na sua presença. Dessa forma, estas duas ações,
notare e concipere, o ato de deparar-se com algo já conhecido e reconhecê-lo e de acolher do
que se dá a conhecer, são complementares para uma proposição per se nota.

De modo que podemos entender a “notitia teminorum” como o


reconhecimento dos termos, a saber, o reconhecimento de que a reunião
daquilo que se tem presente, da sua definição e do nome que põe a ambos em
relação, não somente dá lugar à manifestação do ente mencionado na
proposição, senão que também a sua própria em quanto termos da
proposição, a saber, em quanto que cada um deles permite que tenha lugar a
dita manifestação, e que sua reunião constitui a causa imediata desta última.
O “conceptus terminorum,” por sua parte, diz a relação com a apreensão
efetiva da manifestação do ente que se tem presente mediante o seu nome e a
sua definição, mas não considerando já a isto como causa da manifestação do
dito ente, senão mais também que sua reunião na proposição nos permite
reconhecer que o ente aludido constitui o fundamento da manifestação que
tem lugar nela, e por onde nos remete mais além da proposição. [tradução
nossa].66

Aprofundando a questão com relação a manifestação do ente infinito nos entes


finitos, esta proposição é reconhecida a partir de si mesma por meio da verificação da verdade
na relação entre o que é dito ao ente e como este se torna presente. “A la concordancia entre
sujeto y predicado la llamamos anteriormente la 'verdad de la proposición', mientras que a la
correspondencia entre el ente y su definición la 'verdad de la manifestación'.”67 Neste

acogida en el decir no se encuentra ya reunido en él, si no se da una correspondencia entre ellos, entre el
concepto y la definición.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 319.
66
“De modo que podemos entender la 'notitia terminorum' como el 'reconocimiento de los términos', es decir, el
reconocimiento de que la reunión de aquello que se hace presente, de su definición y del nombre que pone a
ambos en relación, no sólo da lugar a la manifestación del ente mencionado en la proposición, sino que también
a la suya propia en cuanto términos de la proposición, es decir, en cuanto que cada uno de ellos permite que
tenga lugar dicha manifestación, y que su reunión constituye la causa inmediata de esta última. El 'conceptus
terminorum' , por su parte, dice relación con la aprehensión efectiva de la manifestación del ente que se hace
presente mediante su nombre y su definición, pero no considerando ya a éstos como causa de la manifestación
de dicho ente, sino más bien que su reunión en la proposición nos permite reconocer que el ente aludido
constituye el fundamento de la manifestación que tiene lugar en ella, y por ende nos remite más allá de la
proposición”. GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de
Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario
della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 323.
67
GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto.
In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte.
Roma: Antonianum, 2008. p. 325.
28

sentido, entende-se que ao examinar se a veracidade do ente infinito requer a observância da


determinação do ente e da sua presença e da correta relação entre ambos, mas que não é
suficiente para tornar-se evidente em si para o homem este proposição.

No entanto, a proposição que afirma o ser do ente infinito em ato, de


Deus, está determinada para ser reconhecida a partir de si mesma, de
acordo dom o que temos visto, não quer dizer outra coisa que nela tem
lugar de maneira adequada a manifestação da presença do ente em
questão, e por ente dá-se uma correspondência absoluta entre o caráter
suficiente do dito ente e a proposição mediante da qual se dá a
conhecer. Não obstante, tal correspondência não é capaz de assegurar
que todo aquele que ouvi a proposição pode alcançar uma apreensão
adequada da essência divina, isto é, que reconheça mais que Deus
mesmo que se faz presente de maneira adequada na dita proposição,
pois o fato de que a manifestação seja ou não apreendida por n’s não
determina seu caráter “per se notum.”[tradução nossa].68

Ao examinar o caráter de uma proposição per se nota, compreende-se que esta é


reconhecida a partir de si mesma, no entanto, Duns Scotus afirma que o ser humano não pode
assimilar pelo intelecto a presença do ser de Deus a partir desta proposição em si mesma,69
mas somente quando se põe manifestada pelo próprio Deus nas criaturas, “[. . .] de maneira
que a evidência da manifestação de Deus enquanto ente infinito em ato não é imediata, senão
mais que é produto de uma conclusão.”70
Ademais, só é possível reconhecer a presença de Deus ou por meio da fé ou por

68
“Sin embargo, que la proposición que afirma el ser del ente infinito en acto, de Dios, esté determinada para ser
reconocida a partir de sí misma, de acuerdo con lo que hemos visto, no quiere decir otra cosa que en ella tiene
lugar de manera adecuada la manifestación de la presencia del ente en cuestión, y por ente se da una
correspondencia
absoluta entre el carácter suficiente de dicho ente y la proposición mediante la cual se da a conocer. No obstante,
tal correspondencia no es capaz de asegurar que todo aquel que oye la proposición pueda alcanzar una
aprehensión adecuada de la esencia divina, esto es, que reconozca sin más que Dios mismo se hace presente de
manera adecuada en dicha proposición, pues el hecho de que la manifestación sea o no aprehendida por nosotros
no determina su carácter 'per se notum'.” GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter
infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi
e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 328.
69
Cf. SCOTUS Apud GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la
Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII
Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 329. “Quod primo et per se convenit inferiori se,
natum est ostendi per se de suo superiore, sumpto inferiore pro medio, ut si aliqua passio ostendatur primo de
triangulo, illa potest demonstrari de figura per triangulum; sed omnis conceptus quem nos concipimus de Deo
est superior sive posterior quam haec essencia; igitur per hanc essentiam, cui primo convenit esse, potest
demonstrari esse de omni conceptu quem nos de Deo concipimus.”
70
“[. . .] de manera que la evidencia de la manifestación de Dios em cuanto ente infinito em acto no es
inmediata, sino que más bien es producto de una conclusión”.GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta
por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS
SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 329.
29

uma demonstração, sendo que estas anteriorizações confirmam a não evidência por si mesma
da proposição Deus é ou um ente infinito é. Portanto, isto resulta que a apreensão dos termos
não nos põe em presença de Deus, e por onde não podemos afirmar que a proposição ‘Deus é’
seja reconhecida a partir de si mesma.

Por último, tudo o que podemos conceber de Deus não é algo, como
disse Scotus, “simpliciter simplex,” isto é, um conceito que já não
pode reduzir a um conceito anterior ou mais simples, nem que se pode
resolver em vários conceitos, posto que, quanto apreendemos algo de
Deus e isso é comum para ele e para nós, e portanto temos que
encontrar neste caráter comum àquele que é próprio de Deus e que o
diferencia das criaturas. De modo tal que é necessário provar que as
partes do dito conceito encontram-se nele, e assim uma parte se pode
demonstrar de outra, como um exemplo que dá Scotus, 'ut quod Deus
est infinitus et quod Deus est, prout nos Deum concipimus.'[tradução
nossa].71

Portanto, a presença de Deus nas criaturas não é possível pelo homem apenas por
meio de sua mera apreensão, mas é preciso reconhecer a sua manifestação que é resultada
pela apreensão do que é comum a Deus e às criaturas, e isto só ocorre neste pôr em relação
das criaturas, do homem e de Deus, e que se realizará em virtude do caráter unívoco do ser,
“[. . .] entendemos ‘ser’ como ‘estar presente’, como ‘presença’, e não tanto como
entidade.”[tradução nossa].72
O ponto central em questão e que foi analisado é que se existe a possibilidade de
encontrar algo comum entre um ente infinito e os entes finitos, acolhendo a sua presença, e
esse vínculo pode-se chamar de univocidade do conceito de ser, compreendendo como ser do
ente, presença do que se faz presente, colocando a infinitude de Deus e a finitude das criaturas
uma diante da outra, correspondendo o que está presente e a sua manifestação.

2.2.2 As quatro ordens do ser

71
“Por último, todo lo que podemos concebir de Dios no es algo, como dice Scoto, 'simpliciter simplex', esto es,
un concepto que ya no se puede reducir a un concepto anterior o más simple, ni que se pueda resolver en varios
conceptos, puesto que, cuando aprehendemos algo. De modo tal que es menester probar que las partes de dicho
concepto se encuentran reunidas en él, y así una parte se puede demonstrar de la otra, como en el ejemplo que
da Escoto, 'ut quod Deus est infinitus et quod Deus est, prout nos Deum concipimus'.” GUERRERO
TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto. In: NÚÑEZ,
Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte. Roma:
Antonianum, 2008. p. 330.
72
“[. . .] entendiendo ‘ser’ como ‘hacerse presencia’, como ‘presencia’, y no tanto como ‘entidad’.’
’GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura de Duns Scoto.
In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche nel VII Centenario della sua morte.
Roma: Antonianum, 2008. p. 331.
30

Deus para Duns Scotus é o primeiro princípio dos seres. Para tanto, parte do relato
das Sagradas Escrituras do povo antigo Hebreu quando Moisés coloca-se diante de Deus para
que revele o seu nome, e que o revelou como caminho para o entendimento humano acerca do
divino dizendo: “Eu sou o que sou”. Por isso a compreensão da noção do ser serve como
método para que o Doutor Sutil reflita filosoficamente sobre a existência de Deus. Se Deus é
um ser, Scotus inicia a sua reflexão com relação as quatro ordens do ser.

Oh Senhor nosso Deus! Quando teu servo Moisés perguntou a Ti, Doutor
verossímil, qual és o teu nome, para que se pudesse dizer aos seus filhos de
Israel, Tu que conheces a capacidade do entendimento humano a respeito de
Ti, deste-o a conhecê-lo respondendo: Eu sou o que sou73 [tradução nossa].

Na primeira divisão da ordem essencial, relaciona-se entre a ordem de eminência


e a ordem de dependência. Com relação à ordem de eminência, “diz-se primeiro ou anterior o
que é excedente ou eminente, e o posterior o que é excedido”74 [tradução nossa]; e na ordem
de dependência, “diz-se anterior aquilo de que algo depende, e posterior o que depende”75. Na
segunda divisão da ordem essencial, subdivide-se a ordem de dependência entre “o que
depende é causado e aquilo de que depende é sua causa, ou é um efeito mais remoto de uma
causa e aquilo de que depende é um efeito mais próximo da mesma causa”.76
A explicação da segunda divisão decorre pelo fato de uma causa ter dois efeitos, e
que um pode ser causado naturalmente por ela e outro só depois pode ser causado por ela.
Então, temos dois efeitos de uma mesma causa, sendo um sendo anterior e outro posterior. O
efeito mais remoto depende do efeito anterior, e isso faz com que entre eles existam uma
relação de causalidade, o que os faz relacionar-se com um terceiro efeito. “Logo o efeito
segundo depende da causa que produz o ser do efeito mais próximo, e pelo mesmo depende

73
“Domine Deus noster, Moysi servo tuo, de tuo nomine filiis Israel proponendo, a te Doctore Veríssimo
sciscitanti, sciens quid posset de te concipere intellectus mortalium, nomen tuum benedictum reserans,
respondisti: EGO SUM, QUI SUM” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y
Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p.
595.
74
“Primo modo prius dicitur eminens, et posterius, quod est excessum”. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del
Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid:
Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 597.
75
“Secundo modo prius dicitur, a quo aliquid dependet, et posterius, quod dependet.” DUNS SCOTUS, Juan.
Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe.
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 597.
76
“ [. . . ] quia dependens aut est causatum et illud a quo dependet est eius causa, aut dependens est causatum
remotius alicuius causae et illud a quo dependet est causatum propinquius eiusdem causae”. Ibidem., p. 598.
31

também este”.77
Na terceira divisão argüi-se que tomando a divisão anterior, em a existência de um
efeito, A, mais imediato a uma causa que lhe é próxima e tomando outro efeito, B, que lhe é
posterior e que não tem em nenhuma causa anterior a sua causa próxima, pode-se ainda tomar
uma causa que seja próxima ao efeito B e posterior ao efeito A. Dentre essa causa que seja
comum a ambos os efeitos faz com que estes se relacionem em uma ordem essencial. Por isso,
conclui-se que não pode existir um efeito posterior sem antes existir um efeito anterior. Por
fim, na quarta divisão, refere-se a subdivisão as quatro ordens conhecidas: final, eficiente,
formal e material, no qual será aprofundada no item seguinte.

[. . .] É, de fato, comprovado da seguinte forma: os dois efeitos,


essencialmente ordenados a partir de um terceiro, que é devido a
ambos, também deve ser essencialmente ordenados entre si. Além
disso, a causa comum é concebida como uma causa remota do efeito
posterior, se o efeito anterior não é causado. Adicione o efeito
posterior não pode existir sem o anterior.”[tradução nossa]78

2.2.3 Justificação das ordens dos seres

As quatro ordens acima citadas são justificadas por Duns Scotus num capítulo
seguinte.79 Neste capítulo, o autor desenvolve a sua argumentação em dezesseis conclusões
que tem como intuito aprofundar as ordens dos seres. Para tanto, na conclusão primeira cita-se
que “Nenhuma coisa existe que gere a si mesmo como ser” [tradução nossa],80 e que a esta
afirmação o Doutor Sutil faz a seguinte reflexão: “Que nenhuma coisa está essencialmente
ordenada a si mesma” [tradução nossa].81 Nenhuma coisa pode exceder a si mesma, ou seja, é
inadmissível conter dentro de uma ordem de eminência que exista algo que dependa de si
77
“Ergo secundum dependet a causa quae posuit propinquius in esse; igitur et ab esse propinquiore”. DUNS
SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al.
Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 599.
78
“Hoc autem sic probatur: Nam et utrumque causatum respectu tertii, quod est causa ipsorum, essentialiter
ordinatur: igitur ET inter se; tunc etiam causa communis quasi remota causa intelligitur respectu posterioris,
priori non causato; tunc etiam posterius non potest esse sine priore.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del
Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca
de Autores Cristianos, 1960. p. 600.
79
Refere-se ao segundo capítulo da obra Tratado acerca do primeiro princípio de Duns Scotus.
80
“Nada hay que se dé a sí mismo el ser.”
“Nulla omnio res est quae seipsam gignat ut sit.”( DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In:
Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos,
1960. p. 602).
81
“Que ninguna cosa está esencialmente ordenada a sí misma?”
“Quia nulla omnio res essentialem ordinem habet ad se?” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer
Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960. p. 602).
32

mesmo em ordem essencial.


A conclusão segunda defende que a ordem essencial não é possível em círculo, ou
seja, algo seria anterior e posterior ao mesmo tempo. E segue-se a isto a conclusão terceira,
que o que é posterior só pode ser em ordem de dependência ou de efeito a algo que lhe é
anterior, e não do que lhe é posterior. A partir dessas demonstrações, é importante
compreender as conclusões referentes às quatro ordens de causa e efeito. A primeira diz que
“o que não é finito não é efetível” [tradução nossa].82 O efetível é gerado por uma causa por
si, e não de que é acidental; e também para ser gerado por essa causa por si deve ser ordenada
a um fim. Dessa forma, o fim é causa primeira, é o que move todo o processo de causação,
por isso deve toda a atenção na relação de causa e efeito.

Prova da premissa maior. Em nenhum gênero é primeiro por acidente


(ou o acidental). Aristóteles o prova em o livro segundo da Física,
onde diz que a natureza e a inteligência como causas por si são
necessariamente anteriores ao azar e a fortuna, que são causas por
acidentes nesse gênero de causalidade [eficiente]. Mas o que não
procede do anterior não procede do posterior, como consta na verdade
terceira. Fala-se de feitos positivos, únicos que podem ser causados
propriamente. A premissa maior é então evidente.
Prova da premissa menor. Todo agente por si age por um fim, pois
nada atua em vão; Aristóteles, no livro II da Física, afirma com
relação à natureza, em que aparece menos evidente. Logo, um agente
por si não faz nada senão por um fim.[tradução nossa].83

82
“Lo que no es 'finido' no es 'efecto'”
“Quod non est finitum non est effectum.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno
y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p.
604).
83
“Prueba de La premisa mayor. En ningún género es primero lo accidental. Aristóteles lo prueba en el libro
segundo de la Física, donde dice que la naturaleza y la inteligencia como causas per se son necesariamente
anteriores al azar y la fortuna, que son causas per accidens en este género de causalidad [eficiente]. Pero lo que
no procede de lo anterior no procede de lo posterior, como consta de la verdad tercera. (Nótese que hablo de
efectos positivos, únicos que pueden ser causados propiamente.) [Luego lo que no procede de una causa per se,
que es anterior, no procede de una causa accidental, que es posterior, es decir, no es causado.] La premisa
mayor es, pues, evidente.
Prueba de la premisa menor. Todo agente per se obra por un fin, pues nada actúa en vano; Aristóteles, en el
libro II de la Física, lo afirma de la naturaleza, en la que aparece menos evidente. Luego, un agente per se no
hace nada sino por un fin.”
“Maior sic probatur: quia in nullo genere per accidens est primum; quod Aristoteles satis exprimit II
Physicorum, ubi casu et fortuna tamquam causis per accidens, priores ponit necessario naturam et intellectum
tamquam causas per se in illo genere causae; quod autem non est a primo, non est a posteriori, ex tercia iam
praemissa. Et loquor de positivis, quae sola sunt proprie effectibilia. Pater igitur maior. Minor sic probatur:
Agens per se omne agit propter finem quia nullum frustra, quod Aristoteles in II Physicorum determinat de
natura, de qua minus videtur; ergo tale nihil efficit nisi propter finem”. (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del
Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca
de Autores Cristianos, 1960. p. 605).
33

Da conclusão que segue, “o que não é efetível não é finito”84, o Doutor Sutil
apresenta o fim com relação a causa final. O que depende do ser finito não é o seu fim, mas
somente quando este move a causa eficiente a dar o ser ao finito. “O fim não é a causa final
da causa eficiente, senão do efeito. Por conseguinte, a afirmação de que o agente atua por um
fim, não se entende de seu fim, senão do fim do efeito” [tradução nossa].85 Por isso, todo
efetível depende da sua causa final que o move por um fim, e este fim não se deve confundir
como causa de uma causa eficiente. “[. . .] A última operação de um ser, o objeto desta
operação, é chamado às vezes, e com razão, fim, porque é o último, e em algum modo ótimo,
e tem pelo menos algumas condições da causa final” [tradução nossa].86
Na conclusão sexta defende-se que “o que não é efetível não é materiável”
[tradução nossa].87 É importante esclarecer primeiramente que como a matéria está em
contradição com a forma, esta não pode ser causa que aquela se torne em ato. Portanto para
que a matéria se torne em ato é necessário o causar de outro ser, sedo que “[. . .] este outro ser
é a causa eficiente do composto, pois constituir um ser composto ou fazer com que a matéria
seja em ato pela forma é a mesma coisa” [tradução nossa].88 Ademais, para que haja uma
unidade do composto formado pela matéria e pela forma, é mister compreender que não uma
delas é causada entre si, pois ambas são inferiores a entidade total, mas que esta unidade é
garantida por um ser extrínseco que tem unidade.
A causa eficiente é a causa próxima da final. Logo é anterior à matéria

84
“Lo que no es 'efecto' no es 'finido.'”
“Quod non est effectum non est finitum.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno
y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960.
p. 606).
85
“El fin no es la causa final de la causa eficiente, sino del efecto. Por consiguiente, la afirmación de que el
agente actúa por un fin, no ha de entenderse de su fin, sino del fin del efecto.”
“Patet aliud corollarium, quod finis non est causa finalis efficientis, sed effectus; unde quod dicitur, agens agit
propter finem, non intelligendum est suum, sed sui effectus”. (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer
Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960. p. 609).
86
“[. . .] La última operación de un ser, o El objeto de esta operación, es llamado a veces, y con razón, fin,
porque es lo último, y en algún modo lo óptimo, y tiene por lo mismo algunas condiciones de la causa final.”
“[. . .] Tamen bene operatio ultima alicuius, vel quod per ipsam attingitur, quandoque dicitur finis, quia ultimum
et aliquo modo optimum, et ita habet aliquas condiciones causae finalis”. (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del
Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca
de Autores Cristianos, 1960. p. 607).
87
“Lo que no es ‘efecto’ no es ‘materiado’.”
“Quod non est effectum non est materiatum”. (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios
Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960.
p. 609).
88
“[. . .] Este otro ser es la causa eficiente del compuesto, pues ‘constituir un ser compuesto’ o ‘ hacer que la
materia sea en acto por la forma’ es una misma cosa.”
“[. . .] illud est efficiens compositum, quia idem est ‘facere compositum’ et ‘materiam esse actu per formam’.”
(DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al.
Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 609).
34

[ logo o que não é efeito não é materiável, causado pela matéria]; pois
o que tem uma causa anterior, não tem uma posterior. A primeira
proposição [a causa eficiente é a causa da final] prova-se: a
causalidade do fim consiste em mover metaforicamente em quanto é
amado; desta maneira o fim move a causa eficiente, não outra causa.
O composto é verdadeiramente uno. Logo tem certa entidade que nem
é matéria nem é forma. Esta entidade do composto, que é uma, não é
unidade, um ser, constituído de vários elementos, senão por virtude de
um; nem é causada primeiramente por uma das duas entidades
componentes, porque cada uma destas é inferior a da entidade total.
Logo esta entidade total é causada por um ser extrínseco que é uno.
[tradução nossa].89

Na sétima conclusão afirma-se que “o que não é materiável não é formado e vice-
versa.”90 Foi visto acima que o composto formado pela matéria e pela forma é obtida a sua
unidade por um ser extrínseco que causa a matéria e não a forma que causa a matéria.
Outrossim, o que é materiado é também formado, e existe uma causa intrínseca para a matéria
e também uma causa intrínseca para a forma e que esta concausa aquela.
Por conseguinte, o que não contem uma parte potencial [material], não
é composto. Logo tampouco é formado, pois o que é formado é
composto, tem uma forma como parte. Como acabamos de
fundamentar com relação à matéria e a forma pode fundamentar-se da
substância ou sujeito e acidente e sua ordem. [tradução nossa].91

As duas conclusões seguintes relacionam com as quatro conclusões anteriores. Na


conclusão oitava afirma que as causas intrínsecas têm uma dependência com relação às causas
extrínsecas, pois estas são anteriores em causalidade por terem um grau de perfeição maior do
que aquelas. Já na conclusão oitava defende que a ordem das quatro classes de causas tem
como consequência causarem uma mesma coisa. Dessa forma, existe uma relação mútua

89
“La causa eficiente es la causa próxima a la final. Luego es anterior a la materia [luego lo que no es efecto,
no es ‘materiado’, causado por la materia]; pues lo que no tiene una causa anterior, no tiene una posterior. La
primera proposición [la causa eficiente es la causa próxima a la final] se prueba: la causalidad del fin consiste
en mover metafóricamente en cuanto es amado; de esta manera el fin mueve la causa eficiente, no otra causa.
El compuesto es verdaderamente uno. Luego tiene cierta entidad, que ni es la materia ni la forma. Esta entidad
del compuesto, que es una, no es da unidad, un ser, constituido de varios elementos, sino por virtud de uno; ni es
causada primeramente por una de las dos entidades componentes, porque cada una de éstas es inferior a la
entidad total. Luego esta entidad total es causada por un ser extrínseco que es uno.” (DUNS SCOTUS, Juan.
Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe.
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 610).
90
“Lo que no es ‘materiado’ no es ‘formado’ y viceversa.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer
Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad., Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960. p. 610).
91
“Por consiguiente, lo que no contiene una parte potencial [materia], no es compuesto. Luego tampoco es
‘formado’, pues lo que es ‘formado’ es compuesto, tiene una forma como parte. Como acabamos de razonar de
la materia y forma puede razonarse de la substancia o sujeto y accidente en su orden.” (DUNS SCOTUS, Juan.
Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe.
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 611).
35

entre a causa final e a causa eficiente, e que também existe uma relação entre a causa material
e a causa formal.
Qual seja a ordem das quatro classes de causas, aparece manifesto na
causa final e na eficiente pelo que foi dito acerca de sua relação
mútua, pela prova segunda da conclusão quarta, a prova segunda da
conclusão sexta e a conclusão oitava.
[. . .] Se perguntas em que ordem é a matéria anterior à forma,
respondo: como efeito mais próximo na ordem, segundo a qual a
forma, respondo: Como efeito mais próximo na ordem, segundo a qual
a forma é causada pela mesma causa. Contudo, a forma é anterior em
eminência, pois é mais perfeita. [tradução nossa].92

Nas quatro conclusões seguintes Duns Scotus vai comparar a anterioridade e a


posterioridade dos efeitos e a sua relação de causalidade. Primeiro, quando tomamos dois
efeitos e o comparamos com uma mesma causa, percebe-se nesta uma certa disposição ou de
proximidade ou de distanciamento com os respectivos efeitos. Já se relacionarmos dois efeitos
sendo que um é mais próximo de uma causa, por conta disto, não se pode afirmar que seja
este efeito causa do outro efeito por ser distanciado da mesma causa.
Referindo as próximas conclusões, relaciona-se o excedido com o excedente,
podendo perceber uma ordem de eminência, sendo que este é mais nobre do que aquele, não
há necessariamente uma relação de causalidade, não sendo sua causa nem o seu efeito mais
próximo. “Se algum ser eminente não é causa de outro excedido, nem efeito mais próximo da
causa de ambos, segue-se que o ser excedido não depende essencialmente do eminente.”
[tradução nossa].93 Ademais, não se pode afirmar ao que depende de outro seja menos
perfeito do que este.
Por fim, nas últimas duas conclusões que se seguem, entende-se que não há
necessidade de haver outras ordem de seres por conta das conclusões acima referidas.
Refletindo sobre as seis ordem dos seres, Duns Scotus demonstra que é importante
compreender as causas e os efeitos dispostos numa ordem, e que ao compreendê-la, serve
como pressuposto para a reflexão acerca do ente infinito. Quando afirma-se que existe esta

92
“Cuál sea el orden de estas cuatro clases de causas, aparece manifiesto respecto de la causa final y de la
eficiente por lo dicho acerca de su relación mutua, por la prueba segunda de la conclusión cuarta, la prueba
segunda de la conclusión sexta (incluso de otras secciones de las mismas conclusiones) y la conclusión octava.
[. . .] Si preguntas en qué orden es la materia anterior a la forma, respondo: Como efecto más próximo en el
orden, según el cual la forma es causada por la misma causa. Sin embargo, la forma es anterior en eminencia,
pues es más perfecta.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad.
Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 614).
93
“Si algún ser eminente no es causa de otro excedido, ni efecto más próximo de la causa de ambos, síguese que
el ser excedido no depende esencialmente del eminente.” (DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer
Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. APERRYBAY, Bernardo et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960. p. 618).
36

ordem, está já se dispondo para a especulação filosófica acerca da existência de Deus, pois o
ser humano não te acesso ao conhecimento de Deus por meio da sua própria essência, mas por
meio de uma via comum entre Deus e as criaturas. Por isso é importante fazer menção entre a
ordem dos seres à teoria da univocidade do ser.

CAPÍTULO 3 A EXISTÊNCIA DE DEUS

3.1 Se há entre os seres um ser infinito atualmente existente

3.1.1 Propriedades relativas do ser infinito

A fundamentação da existência do ser infinito é apresentada por Duns Scotus por


meio das três modos de primazia, no qual este ser infinito é tido como algo simplesmente
primeiro em eficiência, em finalidade e em eminência.

3.1.1.1 Primazia da causalidade eficiente

A primeira conclusão é apresentada por Duns Scotus na perspectiva da


possibilidade da existência de uma causa eficiente absolutamente primeira, sendo que esta não
seja produzida por nenhuma outra causa eficiente. Para tanto, esta conclusão é embasada pela
seguinte proposição: “Algum ser é efetível?”94 Ou seja, por termos analisado a ordem dos
seres, juntamente por existir também uma ordem das causas, a existência de uma causa
eficiente primeira é uma proposição necessária, por isso torna-se mais rigoroso o critério e a
investigação em Duns Scotus.
“Algum efetivo é simplesmente primeiro, isto é, não efetível por outro, nem
efetivo em virtude de outro”95. Sendo o efetivo um ser que é capaz de produzir um efeito, e o
efetível é algo suscetível de ser produzido por tal efetivo, logo o Doutor Sutil afirma que o

94
“Duns Escoto prova esta conclusão a partir da proposição: Algum ser é efetível (“Aliquod ens est effectibile”).
Ele observa expressamente que seria possível partir, também, da proposição: Algum ser é produzido (“Aliquod
ens est effectum”); entretanto, esta proposição é continente, e como se sabe, as regras da teoria aristotélica da
demonstração proíbe o uso de tais proposições. No intuito de dar uma demonstração rigorosa, Duns Escoto opta
pela primeira proposição, que é necessária e evidente; pois aquilo que é efetuado é necessariamente efetível.”
(BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etilene. História da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa.
Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 1970. p. 504).
95
DUNS SCOTUS, João. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1-2. A existência de Deus. Trad. Luis João
Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 43.
37

efetível só o é ou por si, ou por nada ou por outro. Por nada não se pode, pois o nada não é
capaz de causar. Por si não há ser capaz de fazer a si mesmo, segundo Scotus cita Agostinho.
Portanto, o efetível dá-se por outro. Ao querer determinar este, notar-se-á que a ele caberá
reconhecer algum ser primeiro a este, e a esse procedimento resultará ao infinito, por conta de
que em cada efeito deve-se reconhecer um efeito anterior. A isto o Doutor Sutil critica a
defesa em sentido do ascendente a infinidade, bem como a existência de um círculo nas
causas.
Para criticar a infinidade das causas é mister fazer uma diferenciação entre causas
essencialmente ordenadas e causas acidentalmente ordenadas. Na primeira, em relação a
causa e seu efeito, ela é causa em virtude da sua própria natureza, enquanto que a segunda é
em virtude de algo acidental. Em um primeiro aspecto de diferenciação dado por Duns
Scotus, nas causas essencialmente ordenadas, há uma dependência de uma causa com relação
a outra, enquanto que nas causas acidentais não há dependência entre as causas. Segundo, nas
causas essencialmente ordenadas, há uma diferenciação entre as causas, pois uma causa é
mais perfeita do que a causa inferior, enquanto que nas causas acidentalmente ordenadas, não
há dependência e nem diferenciação entre as causas. Por fim, naquelas há uma colaboração
simultânea no causar, enquanto que nestas a causalidade é perfeita com relação ao seu efeito e
independe de outra causa.

“[. . .] uma infinidade de causas essencialmente ordenadas é impossível.


Segundo, que uma infinidade de causas acidentalmente ordenadas é
igualmente impossível sem fazer alto nas essencialmente ordenadas; por
conseguinte, em todos os casos uma infinidade de causas essencialmente
ordenadas é impossível. Terceiro, embora se negue [a existência de] uma
ordem essencial, ainda assim uma infinidade é impossível. Portanto, em
qualquer hipótese, existe necessariamente algum primeiro e simplesmente
efetivo.”96

Portanto, em três proposições Duns Scotus tenta provar a argüição acima exposta.
Inicialmente afirma-se que “uma infinidade de causas essencialmente ordenadas é
impossível.”97 Existindo uma totalidade dos efeitos essencialmente ordenados deve ser
procedida de uma causa externa a esses efeitos, pois se não o fosse seria causa de si mesmo,
ademais, teriam estas causas uma existência simultânea em ato. Também vale ressaltar que
comparando a causa superior ela é tida mais perfeita no causar, logo a infinitamente superior é

96
DUNS SCOTUS, João. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1-2. A existência de Deus. Trad. Luis João
Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 52.
97
DUNS SCOTUS, João. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1-2. A existência de Deus. Trad. Luis João
Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). n. 53.
38

a mais perfeita, por isso o seu causar é infinito. No entanto, sabe-se que esta causa é
imperfeita por depender de outra.98
A infinidade acidental essencialmente ordenada também é impossível. O acidente
produz mesmo deixando de existir a sua causa anterior, pois a ela é independente em produzir
os seus efeitos. Porém, o causar do que é acidental não é um ato permanente, exceto que
dependa de alguma natureza de duração infinita. Por isso, a infinidade acidental depende da
existência de sua infinidade essencial e esta já foi provada anteriormente a sua existência
desde que seja causada por uma natureza diversa e perfeita.99
Ao afirmar sobre uma natureza efetível, comprova-se que não é causada em
virtude de outra natureza, pois tenderia a um processo infinito que seria em círculo, o que é
improvável como foi visto. Por conta da existência de um ser primeiro que é efetível, logo ele
não é causado, não é ordenado a um fim, não é materiável, nem formável e também nem
materiável e formável ao mesmo tempo.100 Ademais, prova-se a existência da causa eficiente
primeira em ato por referir a sua existência por si.

[. . .] A primeira causa eficiente não somente é anterior às outras, senão que


exclui contradicionalmente outro ser anterior. E enquanto é primeiro, existe.
Prova-se como a quarta conclusão: A definição da primeira causa eficiente
inclui, antes de tudo, incausabilidade. Logo se pode existir, pois que não
contradiz ao ser, pode existir por si. Logo existe por si. [tradução nossa].101

98
Cf. Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo
Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 627-628: “Pruébanse
estas proposiciones. Pruebas de A: Primera: La totalidad de los efectos esencialmente ordenados es causada.
Luego causada por alguna causa que no pertenece a ella, pues la totalidad de dependientes depende, y no de
alguno de sus elementos componentes. Si la totaldad fuese causada por algún elemento perteneciente a ella, éste
sería causa de sí mismo. Segunda: Si una infinidad de causas esencialemnte ordenadas fuese posible, existirían
simltáneamente en acto cera diferencia arriba indicada entre causas esencialemente ordenadas y
accidentalmente ordenadas. Pero ningún filósofo admite tal conclusión”
“Probatio istarum: Primo A probatur, tum quia universitas causatorum essentialiter ordintorum est causata;
igitur ab aliqua causa quae nihil est universitatis; tunc enim esset causa sui; tota enim universitas dependentium
dependet et a nullo illius universitatis; tum quia infinitae causae essentialiter ordinatae essent simul i actu – ex
diffrentia tertia supra; consequens nullus philosophus ponit.”
99
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay
et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 628: “[. . .] Esta infinidad de sucesión
es imposible a no ser que toda ella y cada miembro suyo dependa de alguna naturaleza de duración infinita.
“[. . .] Talis infiitas successionis est iposibilis, nisi ab aliqua natura infinite durante, a qua tota successio et
quiblibet eius dependeat.”
100
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay
et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 629-630: “[. . .] Si el primero es
inefectible, es absolutamente incausable, porque no es ‘finible’ [ordenable al fin], consta de la conclusión quinta
del capítulo segundo; ni ‘materiable’, consta de la conclusión séptima del mismo capítulo; ni ‘materiable’ y
‘formable’ al mismo tiempo, consta de la conclusión octava del mismo capítulo.”
“[. . .] Si primum est ineffectibile, igitur incausabile, quia non finibile – ex quinta secundi; Nec materiabile – ex
sexta eiusdem; Nec formabile – ex septima ibi; simul etiam de forma et materia – ex octava ibidem.”
101
“[. . .] La primera causa eficiente no sólo es anterior a las otras, sino que excluye contradictoriamente otro
ser anterior. Y en cuanto es primero, existe. Se prueba como la cuarta conclusión: la definición de la primera
causa eficiente incluye, ante todo, incausabilidad. Luego si puede existir, pues que no contradice al ser, puede
39

A causa eficiente primeira, por ser incausável, é por ela mesma necessária. Ocorre
esta necessidade do seu existir porque todas as causas que existem são por ela ordenadas, e se
o incausável não existisse, as causas que não a dependessem desta ou o existiriam por si ou
por outro. Se as causas que são incompatíveis existissem, o incausável não existiria, e da
mesma forma o incompatível com o incausável nega a existência de outro incompatível. Por
fim, não pode existir um ser que não dependa do incausável e depende de outro, pois o
incausável é mais perfeito do que qualquer outro ser.102
Só a um ser pertence a necessidade intrínseca de si, pois se existissem duas
naturezas dessa forma, obteriam a mesma necessidade e a mesma quididade, e as
diferenciariam por suas entidades formais, sendo que ocorreria duas incompatibilidades.
Primeiramente, por conta da entidade comum, seriam de menor atualidade, e segundo, pelo
fato da entidade formal distintiva, seriam de maior atualidade. “Parece, contudo, impossível
que algo seja primeiramente necessário por uma atualidade menor e não seja nem
primeiramente nem por si por uma atualidade maior.” [tradução nossa].103
A necessidade intrínseca de ser de duas naturezas é incompatível também e dois
aspectos. Primeiro, porque sendo desiguais, um seria mais perfeito do que o outro e isso é
contraditório, pois nada pode ser mais perfeito do que é intrinsecamente necessário. Segue
ainda que existindo duas naturezas intrinsecamente necessárias, nenhuma dependeria da outra,
e não existiriam no universo, o que levaria a entender que a unidade do universo está
relacionada a ordem dos seres.104

existir por sí. Luego existe por sí.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y
Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 628.
p. 631.
102
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay
et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 632. “[. . .] Nihil incompossibile
incausabili potest positive vel privative esse, quia vel ex se vel ab alio; non primo modo, quia tunc esset sic ex se
– ex quarta – et ita incompossibilia simul essent; et pari ratione neutrum esset, quia concedis per illud
incompossibile, illud incausabile non esse, et ita sequitur e converso; quia nullum causatum habet vehementius
esse vel potentius a causa quam incausabile non.”
103
“Parece, sin embargo, imposible que algo sea primariamente necesario por una actualidad menor, y no lo sea
ni primariamente ni per se por una actualidad mayor.”
“ [. . .] Videtur autem impossibile quod minor actualitas sit qua primo aliquid est necessarium, et maiore nec
primo nec per se sit aliquid necessarium.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno
y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p.
628. p. 633.
104
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay
et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 634: “Si duae naturae essent ex se
necesse esse, nullam dependentiam haberet uma ad aliam in essendo; ergo nec aliquem ordinem essentialem;
igitur alterum nihil esset huius universi, quia nihil est in universo, quod non habet essentialem ordinem inter
entia, quia ab ordine partium est unitas universi.”
40

3.1.1.2 Primazia de causalidade final

A primazia da causalidade final segue em três conclusões. A primeira é que


“algum finitivo é simplesmente primeiro.”105 Este ser primeiro não admite que o possa ser
ordenado a um outro fim, muito menos causar como fim por conta de outro, pois ele se ordena
a si mesmo. Esta prova é obtida de forma similar por cinco argumentos contidos na conclusão
segunda do terceiro capítulo, referente ao primeiro efetivo.106
A segunda conclusão é que “o primeiro finitivo é incausável.” Entende-se esta
conclusão pelo fato de que a primeira causa final não é causada por outro agente per se e nem
por outro fim, pois se existisse uma causa que a gerasse o excederia e esta deixaria de ser
primeira. E a terceira conclusão refere-se à existência em ato dessa causa primeira no qual
pertence a alguma natureza, e que remete à quarta conclusão deste capítulo.
Já na terceira conclusão, Duns Scotus reflete sobre a existência em ato desta causa
final primeira e se ela possui a uma natureza eficiente.107 De início, vale ressaltar que a
primeira causa final tem a sua primazia a ponto de que a existência de algo anterior a ela é
impossível, e por isso, esta causa deve existir por si, e se não existisse nem por si e nem por
outro seria um nada, um não existente, o que é improvável pelo fato deste não ser capaz de
produzir nada.

3.1.1.3 Primazia de preeminência

Na terceira primazia, Duns Scotus vai analisar a possibilidade de alguma natureza


ser excedente ou eminente. Observa-se que ao partir da possibilidade de alguma natureza ser
ordenada a um fim e que se pode também ser excedida, portanto é provável a existência de
um excedente ou eminente. Em três conclusões é possível demonstrá-la. Na primeira, “é
possível alguma natureza eminente simplesmente primeira em perfeição,”108 ao partir da

105
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay
et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 636: “Aliquod finitivum est
simpliciter primum.”
106
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay
et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 636: “Probatur quinque pobationibus
similibus illis ad secundam huius tertii.”
107
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay
et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 637: “Primum finitivum est actu
existens, et alicui naturae actu existenti convenit ista primitas.”
108
“Es posible alguna naturaleza eminente simplemente primera en perfección.”
“Aliqua natura eminens est simpliciter prima secundum perfectionem” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del
Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca
41

ordem essencial existe a necessidade de que um ser tome como primeiro nesta ordem, pois
como foi já explicado a inviabilidade de uma ordem em círculo ou de um regresso ao infinito.
A segunda conclusão refere-se que, “a natureza suprema é incausável.”109 Cabe
argumentar que esta natureza suprema é infinível, ou seja, não é ordenada a um fim, pois se
assim fosse, afirmaria que existe algo maior e mais perfeito; decorre também por ser
inefetível, e por conta disso, é incausável. Segue a última conclusão, “A natureza suprema é
uma natureza atualmente existente.110 A existência desta natureza suprema é evidenciada pelo
fato de não existir outra natureza que a supere em perfeição ou em supremacia, pois seria uma
contradição.

3.1.2 Unidade da primeira natureza

Do exposto acima ao referir-se as três primazias, é cabível perceber que estas


coincidem-se em uma mesma natureza, pois o primeiro eficiente age por si mesmo sendo o
seu próprio fim, não havendo uma causa de um fim de outro que a possa causar, e o primeiro
eficiente é o primeiro eminente, posto que o efeito que produz a outrem é diferente e inferior
ao próprio efeito de si mesmo, por ser mais perfeito a causa de si a natureza primeira.

Com efeito, se uma natureza pertence a um ser intrinsecamente necessário e


si a natureza a que pertence qualquer das primícias mencionadas é o ser
intrinsecamente necessário (consta nas conclusões quinta e terceira com
relação a primeira primícia, das conclusões quinta e nona com respeito da
segunda, e das conclusões quinta e decimo terceira relacionada com a
terceira), segue-se que cada um das ditas primícias pertencem à natureza a
que pertencem atualmente a uma natureza (consta das conclusões quarta,
décima e decimo quarta) e não a diferentes naturezas. Logo é a mesma.
Prova menor: Em caso contrário, muitas naturezas seriam seres
intrinsecamente necessários, consta da segunda proposição do argumento
dado. A conclusão proposta prova-se, ademais, pela natureza do incausável:
O incausável é primeiro e único. Pois o que és primeiro com qualquer das
três primazias em incausável. Logo é primeiro e único. Prova da maior:
Como poderia ser por si mesmo uma multiplicidade? [tradução nossa]111

de Autores Cristianos, 1960. p. 637.


109
“La naturaleza suprema es incausable.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios
Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos,
1960. p. 638.
110
“La naturaleza suprema es una naturaleza actualmente existente.”
“Suprema natura est aliqua actu existes.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno
y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p.
638.
111
“En efecto, si a una naturaleza pertenece e ser intrínsecamente necesario (consta de la conclusión sexta de
esta capítulo), y si la naturaleza a la que pertenece cualquiera de las primacías mencionadas es ser
intrínsecamente necesario (consta de las conclusiones quinta y tercera respecto de la primera primacía, de las
42

3.2 Propriedades absolutas de Deus

3.2.1 Inteligência e vontade

O primeiro ser, provado que possui uma tríplice primazia, age por si e é
incausável, sendo que a sua inteligência e a sua vontade é provada por três aspectos. Primeiro,
é que a natureza só age movida por um fim, e para tanto é necessária a existência de um
conhecedor do fim para que dirija a natureza ao seu fim. Já no segundo, refere-se que se o
incausável age movido por um fim e este fim não pode ser superior a ele, logo tanto age por
ele mesmo como o seu fim é ele mesmo, pois o primeiro eficiente não ama um fim distinto de
si senão estaria ordenado a algo fora dele.

Todo agente natural considerado como tal e supondo que fosse independente,
atuaria necessariamente e de idêntica maneira, embora não atuasse por um
fim. Por conseguinte, se somente atua por um fim, isto se deve porque
depende de um agente que ama o fim [a saber, de um agente dotado de
inteligência e vontade].
[. . .] O primeiro eficiente dirige seu efeito ao fim. Logo o dirige ou
naturalmente ou por amor do fim. Não do primeiro modo [a saber,
naturalmente], porque o ser que não conhece só dirige em virtude e algum
outro ser que conhece – a primeira ordenação é própria do sábio - , e o
primeiro eficiente não dirige como tampouco causa em virtude de outro.
[tradução nossa]112

conclusiones quinta y novena respecto de la segunda, y de las conclusiones quinta y decimotercera respecto de
la tercera), síguese que cada una de dichas primacías pertenece a la naturaleza a la que pertenece actualmente
a una naturaleza (consta de las conclusiones cuarta, décima y decimocuarta) y no a diferentes naturalezas.
Luego a la misma. Prueba de la menor: En caso contrario, muchas naturalezas serían seres intrínsecamente
necesarios, consta de la segunda proposición del argumento dado. La conclusión propuesta se prueba, además,
por la naturaleza de lo incausable: Lo incausable es primero y único. Pero lo que es primero con cualquiera de
las tres primacías en incausable. Luego es primero y único. Prueba de la mayor: ¿Cómo podría ser por sí una
multitud?”
“[. . .] Si unicae naturae inest necesse esse ex se – ex sexta huius – et cui inest primitas quaecumque dictarum
trium, illud est necesse esse ex se – ex quinta et tertia de uma primitate, et ex quinta et nona de alia primitate, et
ex quinta et decimatertia de tertia primitate – igitur unicae naturae inest quaecumque primitas praedicta, cui
etiam naturae inest uma et alia; quia quaelibet alicui naturae inest actu – ex quarta et decima et decimacuarta –
et nona lii et alii naturae; igitur eidem .Probatur minor, quia tunc multae naturae essent necese esse – ex
secunda argumenti iam facti. Item: Probatur propositum per incausabile, quia illud est unicum primum;
quodlibet dictum est incausabile; quare, etc. Maior probatur: Quomodo multitudo erit a se?” DUNS SCOTUS,
Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe.
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 640.
112
“Todo agente natural considerado como tal, y suponiendo que fuese independiente, actuaría necesariamente y
de idéntica manera, aunque no actuase por un fin. Por consiguiente, si sólo actúa por un fin, ello se debe a que
depende de un agente que ama el fin [es decir, de un agente dotado de inteligencia y voluntad].
[. . .] El primer eficiente dirige su efecto al fin. Luego lo dirige o naturalmente o por el amor Del fin. No del
primer modo [es decir, naturalmente], porque el ser que no conoce sólo dirige en virtud de algún otro ser que
conoce – la primera ordenación es propia del sabio –, y el primer eficiente no dirige, como tampoco causa, en
virtud de otro. ”
“Omne naturale agens, praecise consideratum, ex necessitate et aeque ageret, si ad nullum finem ageret, si esset
independenter agens; ergo si non agit nisi propter finem, hoc est quia dependet ab agente amante finem; quare,
43

Por fim, em um terceiro aspecto, apresenta-se a prova de que algum efeito ocorre
contingentemente quando é causado. Cabe aqui diferenciar o que age de forma necessária do
que age contingentemente. No primeiro, o seu agir manifesta-se de forma inevitável, ou seja,
sempre produz o mesmo efeito, já no segundo, existe a possibilidade da mudança e de variar o
movimento, aceitando assim o oposto, dando margem para que aconteça tal efeito ou não.
Portanto, ao indagar sobre o causar do primeiro eficiente se é volitivo, supõe-se que é
contingente. 113

Se outra causa pode impedir a causa atuante, o pode em virtude de uma


causa superior, e assim sucessivamente, até obter, por último, a causa
primeira. Se esta move necessariamente uma causa imediata a si, terá
necessidade em todas as ordem das causas a que impedem. Logo esta
impedirá necessariamente. Logo, em tal caso, nenhuma causa poderá causar
sem efeito contingente. [tradução nossa].114

A inteligência e a vontade são atributos absolutos de Deus por conta das três
provas acima descritas, ademais, vale ressaltar ainda que estes atributos também se
identificam com a própria essência do Primeiro Ser. Isto é provado em duas proposições.
Primeiro que, Duns Scotus citando Aristóteles, diz que a própria sublimidade do Primeiro
Princípio decorre do se tornar idêntico com o ato de entender; segundo, também citando
Aristóteles, se o Primeiro Princípio estivesse em potência com relação ao entendimento, o ato
de entender para ele seria trabalhoso.115

etc. [. . .] Primum efficiens dirigit effectum suum ad finem; ergo vel naturaliter vel amando illum; non primo
modo, quia non cognoscens nihil dirigit nisi in virtute cognoscentis; sapientis enim est prima ordinatio; Primum
in nullius virtute dirigit, sicut nec causat.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno
y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960.
p. 654.
113
Cf. “[. . ] todo actuar será contingente, porque depende de la eficiencia del primer principio, que es
contingente.”
“Omne efficere erit contingens, quia dependet ab efficientia Primi, quae est contingens.” DUNS SCOTUS, Juan.
Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe.
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 662.
114
“Si otra causa puede impedir la causa actuante, lo puede en virtud de una causa superior, y así
sucesivamente, hasta llegar, por último, a la causa primera. Si ésta mueve necesariamente una causa inmediata
a sí, habrá necesidad en todo el orden de causas hasta la que impide. Luego ésta impedirá necesariamente.
Luego, en tal caso, ninguna causa podrá causar su efecto contingentemente.”
“Si alia causa potest impedire istam, nunc potest virtute superioris causae impedire, et sic usque ad primam;
quae si immediatam causam sibi necesario movet, in todo ordine usque ad istam impedientem erit necesitas;
igitur necesario impediet; igitur tunc non posset alia causa causare contigenter causatum.” DUNS SCOTUS,
Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe.
Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 656.
115
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay
et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 664. “Hoc Aristoteles ostendit XII
Metaphyscae de intelligere; alias Primum non erit optima substantia, quia per intelligere est honorabile; alias
44

[. . .] A vontade é idêntica à natureza primeira: O querer é um ato de vontade,


então a vontade é incausável [intrinsecamente necessário, idênticas com a
natureza primeira]. Uniformemente, o ato de querer, que é idêntica à
natureza primeira é concebido como posterior à vontade, então a fortiori será
idêntico a dita natureza. Segue-se, em segundo lugar, que o ato que se
entende a si não é conhecido, então o ato de compreensão é intrinsecamente
necessário sem causa, idêntico com a natureza que o ato de vontade [então a
fortiori ser idêntico a ele]. Segue-se, em terceiro lugar, que o entendimento é
idêntico. Argumenta-se como se tem argüido a respeito da vontade partindo
do ato de querer. Segue-se também que a razão [conceito, idéia] de que
compreende em si é idêntico ao que a natureza, é intrinsecamente necessária,
e é concebido, por assim dizer, antes de intelecção. [tradução nossa].116

3.2.2 A infinidade do Primeiro Ser.

A infinidade do Primeiro Ser é provada por quatro vias em Duns Scotus. Na


primeira via, a da eficiência, primeiro constata-se que “o primeiro move com movimento
infinito. Logo, tem poder infinito.”117 É importante explicar que este poder infinito não se
deve entendê-lo pelo tamanho da duração do movimento, nem com o poder de produzir todas
as coisas simultaneamente, e tampouco pela distância infinita entre os opostos, mas é
simplesmente porque a primeira causa possui eminentemente a perfeição causativa total das
coisas.

laboriosa erit continuatio, quia si non sit illud sed in potentia contradicionis ad illud, ad illam sequitur labor,
secundum ipsum.”
116
“[. . .] la voluntad es idéntica a la naturaleza primera: El querer es un acto de la voluntad; luego la voluntad
es incausable [intrínsecamente necesaria, idéntica con la naturaleza primera]. Parejamente, el acto de querer,
que es idéntico a la naturaleza primera, se concibe como posterior a la voluntad; luego a fortiori la voluntad
será idéntica a dicha naturaleza. Síguese, en segundo lugar, que el acto por el que se entiende a sí no es
conocido; luego el acto de entender es intrínsecamente necesario [incausable, idéntico a la naturaleza que el
acto de querer [luego a fortiori será idéntico a ella]. Síguese, en tercer lugar, que el entendimiento le es
idéntico. Se arguye como hemos argüido respecto de la voluntad partiendo del acto de querer. Síguese también
que la razón [concepto, idea] por la que se entiende a sí misma es idéntica a dicha naturaleza, pues es
intrínsecamente necesaria, y se concibe, por así decirlo, anteriormente a la intelección.”
“[. . .] voluntas est idem primae Naturae, quia velle non est nisi voluntatis; igitur illa est incausabilis; ergo, etc.
Similiter: Velle intelligitur quase posterius, et tamen velle est idem illi Naturae; igitur magis voluntas. Sequitur
secundo quod intelligere se est idem illi Naturae, quia nihil amatur nisi cognitum; ergo intelligere est necesse
esse ex se; similiter quasi propinquior est illi Naturae quam velle. Sequitur tertio quod intellectus est idem illi
Naturae, sicut prius de voluntate ex velle argutum est. Sequitur quod ratio intelligendi se est idem sibi, quia
necesse esse ex se, et quase praeintelligitur intellectioni.” DUNS SCOTUS, Juan. Tratado del Primer
Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et. al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960. p. 666.
117
“El Primero mueve con movimiento infinito. Luego tiene poder infinito.”
“Primam viam, ex parte causae, tangit Philosophus VIII Physicorum et XII Metaphysicae, quia movet motu
infinito; ergo habet potentiam infinitam.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios
Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960.
n. 111.
45

[. . .] Além disso, segundo Aristóteles, todas as perfeições das causas


secundárias existem na primeira mais eminentemente do que em si , de sê-lo
possível, se concebesse nela formalmente. Prova: A causa segunda é próxima
à primeira tem toda a sua perfeição causativa da primeira somente. Logo a
causa segunda possui-a formalmente. A conseqüência é óbvia: A primeira
causa é causa total e equívoca com relação à segunda. Se argúi igualmente
da causa terceira, consideramos em relação à primeira, teremos a conclusão
buscada (que a primeira contém mais eminentemente que esta a sua
perfeição causativa), se consideramos em relação à segunda, segue-se que
ele contém, eminentemente, a perfeição total que a terceira possui
formalmente, mas que, possuindo eminentemente a perfeição da terceira, se
o deve à primeira, como consta do que foi citado acima. Logo a primeira tem
mais eminentemente do que a segunda a perfeição da terceira; diga-se outro
modo das demais causas, até a última. [tradução nossa].118

A segunda via prova que o primeiro eficiente é conhecedor de tudo o que pode ser
feito. “Os inteligíveis são infinitos e os são em ato, no entendimento que se obtém em todos
os seres. Logo o entendimento dá-se simultaneamente em ato ao infinito. O entendimento do
Primeiro é tal. (Logo é infinito).”119 Em um primeiro aspecto, percebe-se que os atos do
intelecto do primeiro efetivo conhecem os objetos que lhe são dispostos simultaneamente em
ato, e que estes objetos são infinitos. Já em segundo, a abrangência do intelecto do efetivo dá-
se por abranger todas as operações próprias do conhecimento dos variados tipos de objeto.
Portanto, a causa eficiente primeira por causar a causa segunda, esta não
acrescenta em nada àquela, pois se dependesse da segunda, de forma alguma seria primeira e

118
“[. . .] Además, según Aristóteles, todas las perfecciones de las causas segundas existen en la primera más
eminentemente que si, de ser ello posible, se hallasen en ella formalmente. Prueba: La causa segunda próxima a
la primera tiene toda su perfección causativa de la primera sola. Luego la causa segunda, que la posee
formalmente. La consecuencia es evidente: La causa primera es causa total y equívoca respecto de la segunda.
Se arguye igualmente de la causa tercera, consideramos en relación a la primera, tenemos la conclusión
intentada (que la primera contiene más eminentemente que ella su perfección causativa); si consideramos en
relación a la segunda, síguese que ésta contiene eminentemente la perfección total que la tercera posee
formalmente; pero esto, al poseer eminentemente la perfección de la tercera, se lo debe a la primera, como costa
de lo mostrado arriba. Luego la primera contiene más eminentemente que la segunda la perfección de la
tercera; dígase otro tanto de las demás causas, hasta la última.”
“[. . .] Tum quia perfectiones totae secundum Aristotelem eminentius sunt in primo quam si ipsae formalitates
earum sibi inessent si possent inesse; quod probatur, quia causa segunda proxima prima quam secunda causa
habens ipsam formaliter. Consequentia patet, quia prima respectu illius causae secundae est causatotalis et
aequivoca. Consimiliter quaeratur de tertia causa respectu secundae vel respectu primae: si respectu primar,
habetur propositum; si respectu secundae, sequitur secundam eminenter continere perfectionem totalem quae est
formaliter in tertia. Sed secunda habet a prima quod sic continet perfeccionem tertiae, ex praeostensa; ergo
prima eminentius habet continere perfectionem tertiae quam secunda, et sic de omnibus aliis, usque as
ultimam.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo
Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 120.
119
“Los inteligibles so infinitos, e infinitos en acto, en el entendimiento que entiende todos los seres. Luego el
entendimiento que los entiende simultáneamente en acto es infinito. El entendimiento del Primero es tal. (Luego
es infinito).”
“[. . .] intelligibilia sunt infinita, et hoc actu, in intellectu omniaintelligente; ergo intellectus ista simul actu
intelligens est infinitus. Talis est intellectus primi.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas.
In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1960. n. 125.
46

mais perfeita. Somente o finito acrescenta a outro finito alguma perfeição, logo se conclui
que a causa primeira é infinita. Ademais, acrescenta-se que o Primeiro eficiente obtém a
cognoscibilidade não a partir de um objeto, mas por si mesmo, por isso, nada que é
cognoscível pode acrescentar ao conhecimento do Primeiro.
Na terceira via argüi-se que, por meio do fim, que a vontade livre tende a amar um
bem infinito e isso decorre por esta vontade não se contentar plenamente em amar um bem
finito. “[. . .] parece também que se tinha repugnância entre o bem e a infinidade, a vontade
não descansaria no bem infinito, nem tenderia facilmente a ele, como não tende a que repugna
a seu objeto.” [tradução nossa].120 Dessa forma, é inconcebível não conceber uma
compatibilidade entre o infinito e o bem, pois se ocorresse assim, ambos se rejeitariam e nada
encontraria repouso no bem infinito.
Por fim, na quarta via sustenta-se que “o infinito não repugna o ser.”121 De início
deve-se compreender que por não ser contraditórios os conceitos de ser e infinito, eles não se
repugnam. “O ser não pode explicar-se por nada mais conhecido; ao infinito o entendemos
pelo finito (isto o explico vulgarmente: infinito é o que excede um finito dado, não segundo
uma relação finita precisa, senão mais além de toda relação assinalável.” [tradução nossa].122
Por conseguinte, por não serem contraditórios, é possível compreender o infinito por meio do
finito, pela via da univocidade do conceito de ser.
Ademais, Duns Scotus retoma o argumento anselmiano, provando que é possível
provar a existência do Ser Primeiro, por dois aspectos, quer seja provando a existência na
realidade do ser qüiditativo, pois não é possível o intelecto encontrar o seu maior repouso do
que no ser pensável em sumo grau; ou ainda com relação ao ser existencial, por conta da
existência do Primeiro eminente não ser evidenciada apenas no intelecto, mas que a sua
sumidade decorre por também existir na realidade.
120
“[. . .] parece también que, si hubiese repugnancia entre e bien y la infinidad, la voluntad no descansaría en el
bien infinito, ni tendería fácilmente a él, como no tiende a lo que repugna a su objeto.”
“Videtur etiam si infinitum repugnaret bono quod nullo modo quietaretur in bono sub ratione infiniti, Nec in
illud faciliter tenderet, sicut Nec in repugnans suo obiecto.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas
Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960. n. 130.
121
“[. . .] lo infinito no repugna al ser.”
“[. . .] quia infinitum non repugnat enti.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios
Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960.
n. 132.
122
“El ser no puede explicarse por nada más conocido; al infinito lo entendemos por lo finito (esto lo explico
vulgarmente: infinito es lo que excede un finito dado, no según una relación finita precisa, sino más allá de toda
relación asignable.”
“[. . .] Ens per nihil notius explicatur, infinitum est quod aliquod finitum datum secundum nullam habitudinem
finitam praecise excedit, sed ultra omnem talem habitudinem assignabilem adhuc excedit.” DUNS ESCOTO,
Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion
bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 132.
47

[. . .] O que existe é pensável maior; é mais perfeitamente cognoscível, por


ser visível ou intuitivamente inteligível; o que não existe, nem em si, nem
em outro ser mais nobre ao que nada acrescenta, não é visível. Agora, o que
é visível é mais perfeitamente cognoscível que o que não é, que é somente
abstratamente inteligível. Logo o cognoscível perfeitíssimo existe.[tradução
nossa].123

Diante das apreciações destas quatro vias prova-se que o Ser Primeiro é um ser
infinito, seja por ser o primeiro eficiente, por conhecer todos os seres possíveis, porque é o
fim último e ainda na exposição do argumento de Santo Anselmo que indica “Deus é o ser no
qual não se pode pensar nada maior,” rejeitando a via inútil que reduz a infinidade a
imaterialidade. Enfim, pode-se provar que entre os seres existe um ser com a tríplice primazia,
eficiência, causal e eminência. A seguir, prova-se que ele é infinito e que ele existe em ato,
pois este conceito de infinito é perfeitíssimo em absoluto, restando no capítulo seguinte
provar a unicidade de Deus.

3.3 A unicidade de Deus.

Antes de se tentar explicar dentro de uma reflexão filosófica acerca da existência


de somente um Deus, o Doutor Sutil cita a autoridade do rabino Moyses Maimonides, que não
acredita que seja demonstrável por meio da razão a existência de um só Deus, pois “a unidade
de Deus é recebida pela lei.”124 No entanto, Duns Scotus prova a existência da unidade de
Deus por meio da razão natural e isto é provado por sete vias, a saber: a via do entendimento
infinito, a via da vontade infinita, a via da bondade infinita, a via do poder infinito, a via do
infinito tomado absolutamente, a via do ser necessário e por último a via da onipotência.
A primeira via é a do entendimento infinito, que se pode destacar em três pontos.
O entendimento infinito conhece todo o inteligível, portanto o conhecimento e a essência do

123
“[. . .] Lo que existe es pensable mayor; es más perfectamente cognoscible, por ser visible o intuitivamente
inteligible; lo que no existe, ni en sí, ni en otro ser más noble al que nada añade, no es visible. Ahora bien, lo que
es visible es más perfectamente cognoscible que lo que no es, que es sólo abstractamente inteligible. Luego el
cognoscible perfectísimo existe.” n. 139.
“[. . .] maius cogitabile est quod existit ; id est perfectius cognoscibile, quia visibile sive inteligibile intellectione
intuitiva; cum non exsistit, nec in se nec in nobiliori cui nihil addit, non est visibile. Visibile autem est perfectius
cognoscibile non visibile sed tentummodo intelligibili abstractive; ergo perfectissimum cognoscibile existit.”
DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et
al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 436.
124
“[. . .] la unidad de Dios es recibida por la ley.” “[. . .] et ad hoc sequitur auctoritas Rabbi Moysis, 23 cap.,
quod ‘unitas Dei accepta est a Lege.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno
y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n.
163.
48

Primeiro Ser tornam-se a mesma coisa. Tomado o exemplo da possibilidade da existência de


dois deuses, chamando-os de A e B, A para ser comprovadamente deus, precisa conhecer B
em sua essência para que se caracterize um conhecimento perfeito; porém, o conhecimento de
B em sua essência só poderia estar nele mesmo para que ele seja Deus. Dessa forma, tanto A
como B, em essências distintas, não possuem o conhecimento pleno de todo o inteligível, logo
é impossível haver dois ou mais deuses.
Em um segundo ponto, destaca-se a relação de posteridade. Ainda tomando o
exemplo acima, se A conhecesse a B em sua essência, este ato inteligível seria tido como
posterior ao da sua própria essência, e isto caracterizaria que A não seria Deus. “Todo ato de
conhecer que não é idêntico ao objeto é posterior a este, pois o ato não é anterior nem
simultâneo por natureza a algo distinto dele; do contrário, poderia ser entendido sem objeto e
reciprocamente.” [tradução nossa].125 Ademais, Duns Scotus nega a possibilidade de A
conhecer a B, pois o conhecimento de Deus é tido como perfeitíssimo e intuitivo, e não
quando se recorre simplesmente ao conhecimento por semelhança ou universal. Por fim, o
Doutor Sutil afirma que a adequação do conhecimento decorre da intelecção de apenas um
objeto, logo A não pode ter A e B como objeto do seu conhecimento.

[. . .] O mesmo ato do entendimento não pode ter dois objetos adequados. A


é objeto adequado da interlocução de A; mas se poderia entender a B, este o
seria adequado. Logo é impossível que A entenda ambos, A e B, com uma
única interlocução simultânea e perfeitamente; requereria duas interlocuções
realmente distintas, o que prova que não é Deus. A maior é evidente, porque
de outra sorte o ato seria adequado a um objeto, descartado o qual não seria
satisfeito e adequado. Tal objeto seria portanto inútil. [tradução nossa].126

125
“[. . .] Todo acto de conocer que no es idéntico al objeto, es posterior a éste, pues el acto ni es anterior ni
simultáneo por naturaleza a algo distinto de él; de lo contrario, podría ser entendido sin objeto y
conversamente.”
“[. . .] quod autem actus ipsius a sit posterior ipso b, probatio, quia omnis actus cognoscendi qui non est idem
obiecto, est posterior obiecto; neque enim prior neque simul natura est actus cum aliquo alio ab actu, quia tunc
actus posset intelligi sine obiecto, sicut e converso.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas.
In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1960. n. 166.
126
“[. . .] El mismo acto del entendimiento no puede tener dos objetos adecuados. A es objeto adecuado de la
intelección de A; pero si pudiera entender a B, éste le sería adecuado. Luego es imposible que A entienda
ambos, A y B, con una única intelección simultánea y perfectamente; requeriría dos intelecciones realmente
distintas, lo que prueba que no es Dios. La mayor es evidente, porque de otra suerte el acto sería adecuado a un
objeto, descartado el cual no sería menos satisfecho y adecuado. Tal objeto sería, por tanto, inútil.”
“[. . .] actus idem non potest habere duo obiecta adaequata; a est obiectum adaequatum suae intellectioni, et b
esset adaequatum eidem si a posset intelligere b; ergo impossibile est quod a intelligat unica intellectione simul
perfecte a et b. Si a habeat intellectiones realiter distinctas, ergo non est Deus. Maior paret, quia aliter actus
adaequaretur obiecto quo subtractonon minus quietaretur et adaequaretur, et ita frustra esset tale obiectum.”
DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et
al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 168.
49

A segunda via refere-se à vontade infinita em que Duns Scotus argüi em duas
formas. Por conta de a vontade infinita corresponder a que Deus ame todo o que é amável
enquanto é amado, existindo dois deuses, A não pode amar infinitamente A e B ao mesmo
tempo, pois “[. . .] todo ser ama naturalmente a seu ser mais que o ser do outro, de que nem é
parte nem é efeito.” [tradução nossa].127 Enfim, existe uma primazia do amor a si em relação
ao amor ao outro. “ [. . .] Por o mesmo A ama naturalmente seu ser mais que o ser de B. Mas a
vontade livre, quando é reta, conforma-se com a vontade natural; do contrário a vontade
natural não seria sempre reta.” [tradução nossa].128 Conclui-se que A não ama infinitamente B,
então não pode haver dois deuses.
Da mesma forma que A não é capaz de amar infinitamente a si mesmo e a B,
também Duns Scotus afirma que a felicidade plena consiste em gozar plenamente de um só
objeto quando ele diz que “[. . .] nenhum ser pode ser atualmente feliz em dois objetos
beatificantes totais; do contrário, destruindo qualquer deles seria, não obstante, feliz; por
tanto, não é feliz em nenhum deles.” [tradução nossa].129 A vontade infinita abrange amar e
gozar plenamente, o que se torna provado que não é possível a co-existência de seres divinos
dotados desta vontade, logo o Doutor Sutil prova que só há um Deus provado pela via da
vontade infinita.
A bondade infinita é classificada por Duns Scotus como a terceira via. Esta via
pressupõe a anterior, já que se é provado que só há um Deus possuidor de uma vontade
infinita, da mesma forma somente há um bem infinito que satisfaça essa suma vontade. “[. . .]
Logo a vontade poderia ordenadamente amar mais vários bens infinitos que um só, e não
descansaria em nenhum bem infinito único. Mas que um bem seja infinito e não satisfaça toda
vontade é contra a natureza do bem.” [tradução nossa].130

127
“[. . .] todo ser ama naturalmente a su ser más que el ser de otro, de que ni es parte ni es efecto.”
“[. . .] quilibet enim naturaliter diligit plus esse suum quam esse alterius cuius non est pars vel effectus.” DUNS
ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al.
Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 169.
128
“[. . .] Por lo mismo A ama naturalmente su ser más que el ser de B. Pero la voluntad libre, cuando es recta,
se conforma a la voluntad natural; de lo contrario la voluntad natural no sería siempre recta.”
“[. . .] ergo plus diligit a se naturaliter quam ipsum b. Sed voluntas libera quando est recta conformatur
voluntati naturali, aliquin voluntas naturalis non esset semper recta.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las
divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca
de Autores Cristianos, 1960. n. 169.
129
“[. . .] ningún ser puede ser actualmente feliz en dos objetos beatificantes totales; de lo contrario, destruido
cualquiera de ellos, sería, no obstante, feliz; por tanto, no es feliz en ninguno de ellos.”
“[. . .] quia nihil potest esse actu beatum in duobus obiectis beatificantibus totalibus; probatio, quia utroque
destructo nihilominus esset beatus; ergo in neutro est beauts.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas
Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 1960. n. 170.
130
“[. . .] Luego la voluntad podría ordenadamente amar más varios bienes infinitos que uno solo, y no
descansaría en ningún bien infinito único. Pero que un bien sea infinito y no satisfaga toda voluntad es contra la
50

A quarta via é a da potência infinita que é fundamentada por meio da ordem dos
seres já explicada no capítulo anterior, e esclarece que o poder infinito causa todo efeito, por
ser causa primeira, e que resulta que esta infinidade causal não comporta outra causa para
gerar um mesmo efeito. Por isso, existindo um poder infinito, não é possível estabelecer duas
causas finais primeiras e duas causas eminentes primeiras, pois Duns Scotus ensina que “[. . .]
nenhum ser é excedido primeiramente por dois seres e nenhum ser ‘finito’ és essencialmente
ordenado a dois fins primeiros. [. . .] logo é impossível que haja dois fins primeiros dos
‘finitos’ dados, o que haja dois eminentes primeiros de dois excedidos.” [tradução nossa]. 131
A próxima via apresentada por Duns Scotus é a do infinito absoluto, tomando a
ordem dos seres percebe-se que todo finito é excedido, porém o infinito não o pode ser
excedido. Esta via vai contra toda a cultura da Grécia Antiga que acreditava na existência de
vários deuses,132 e que a fundamentação que o Doutor Sutil vai sobressair a essa cultura
politeísta é em Santo Agostinho, quando diz “[. . .] toda perfeição que se obtém em diversos
seres é maior em muitos do que em um, como se disse em A Trindade, livro oitavo, capítulo
Primeiro. Logo o infinito absoluto não pode se obter em muitos.” [tradução nossa].133
A sexta via é concebida por Duns Scotus pelo ser necessário, que por ser
responsável em gerar não só muitos indivíduos de uma mesma espécie mais infinitos
indivíduos, é sem refutação aceitável a sua existência determinada em apenas um ser
necessário, pois a infinidade de seres necessários não há como fundamentá-las. Abrindo-se a
possibilidade da existência de dois seres necessários, existem duas opções, a saber: Se não são

naturaleza del bien.”


“[. . .] ergo voluntas ordinate plus posset amare plura infinita quam unum, et per consequens in nullo uno bono
infinito quietaretur. Sed hoc est contra rationem boni – quod sit infinitum et non quietativum cuiuscumque
voluntatis.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo
Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 171.
131
“[. . .] ningún ser es excedido primariamente por dos seres y ningún ser ‘finido’ es esencialmente ordenado a
dos fines primeros. [. . .] Luego es imposible que haya dos fines primeros de los ‘finidos’ dados, o que haya dos
eminentes primeros de dos excedidos.”
“[. . .] nihil enim est excessum a duobus primo excedentibus, vel finitum essentialiter ordinatur ad duos primos
fines. [. . .] ergo impossibile est aliquorum duorum finitorum duos esse fines primos, vel duorum excessorum duo
prima eminentia.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad.
Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 174.
132
Cf. DUNS SCOTUS, Juan. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 3. A unicidade de Deus. Trad. Luis João
Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. n. 175. (Os Pensadores): “Uma perfeição é numerada em
vários, quando cada um de seus portadores possui a sua perfeição própria e distinta. Assim, cada u de vários
deuses possuiria sua perfeição própria e distinta; e por isso haveria mais perfeição em vários deuses do que num
só. Nas três pessoas da divina Trindade, ao contrário, a perfeição é uma só; ali ela não é numerada: as três
pessoas não possuem mais um mais de perfeição do que duas ou uma.”
133
“[. . .] toda perfección que se halla en diversos seres es mayor en muchos que en uno, como se dice en De la
Trinidad, libro octavo, cap. Primero. Luego el infinito absoluto no puede hallarse en muchos.”
“[. . .] quaecumque perfectio potest numerari in diversis, plus perfectionis habet in pluribus quam in uno, sicut
dicitur VIII De Trinitate cap 1; igitur infinitum omnino in pluribus numerari non potest.” DUNS ESCOTO,
Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion
bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 175.
51

formalmente necessários em virtude de ambos, não que se falar em um ser necessário; porém
se forem, ocorrerá uma necessidade resultada por duas razões, o que se torna ilógico, pois
uma necessidade não abrange a outra.

Pela mesma via sexta argüiu de outro modo: Se existe dois seres necessários,
se distinguem por perfeições reais. Chamamo-las A e B. Então, ou estes dois
seres necessários que se distinguem pelas perfeições A e B, formalmente
necessários por estas ou não. Se não são necessários por elas, nem A nem B,
é obvio, são a razão formal da sua necessidade. Logo nem o ser que inclui
qualquer delas é primeiramente necessário, pois contem uma entidade que
não é a razão formal da necessidade de ser nem é necessária de si. Mas se
tais seres são formalmente necessários por A e B e, ademais, são necessários
pela entidade que convém, segue-se que tenham em si duas razões da sua
necessidade. Mas isto é impossível, pois nenhuma destas perfeições (aquela
em que convém com o outro e aquela em que se distingue dele) inclui a
outra, e descartada uma delas, o ser seria necessário por outra. A saber,
haveria um ser formalmente necessário por uma perfeição e descartada esta,
seria, não obstante, necessário; o que és impossível. [tradução nossa].134

Na sétima via que é a da onipotência, Duns Scotus vem advertir acerca da


validade desta via, e de antemão vem sustentar que não a pode ser demonstrada pela razão
somente, mas pressupondo a fé, nas palavras do Doutor Sutil diz-se que “[. . .] se A é
onipotente, pode ocorrer que qualquer outro ser seja ou não seja. Portanto, poderá destruir a
B, a saber, tê-lo impotente, logo B não é Deus.”135 Essa via é assegurada também unindo-se a

134
“Por la misma vía sexta arguyo de otro modo: Si hay dos seres necesarios, se distinguen por perfecciones
reales. Llamémoslas A y B. Ahora bien, o estos dos seres necesarios que se distinguen por las perfecciones A y B
son formalmente necesarios por ellas o no. Si no son necesarios por ellas, ni A ni B, es obvio, son la razón
formal de su necesidad. Luego ni el ser que incluye cualquiera de ellas es primariamente necesario, pues
contiene una entidad que no es la razón formal de la necesidad de ser ni es necesaria de sí. Pero si tales seres
son formalmente necesarios por A y B y, además, son necesarios por la entidad en que convienen, síguese que
tienen en sí dos razones de su necesidad. Pero esto es imposible, pues ninguna de estas perfecciones (aquella en
que conviene con el otro y aquella en que se distingue de él) incluye a la otra, y descartada una de ellas, el ser
sería necesario por la otra. Es decir, habría un ser formalmente necesario por una perfección, y descartada ésta,
sería, no obstante, necesario; lo que es imposible.”
“Secundo arguo sic, et iuxta istam viam: si sint plura necesse esse aliquibus perfectionibus realibus
distinguuntur; sint illae a et b. Tunc sic: aut illa duo distincta per a et b sunt formaliter necesse esse per a et per
b, aut non. Si non, ergo a non est ratio formalis essendi necessário, nec b per consequens: nec ergo ea includens
est necessarium primo, quia includit aliquam entitatem quae non est formaliter necessitas essendi nec necessária
ex se. Si autem illa sint formaliter necesse esse per a et b, et praeter hoc utrumque est necesse esse per illud in
quo convenit unum cum alio, ergo utrumque habet in se duas rationes quarum utraque formaliter est necesse
esse, sed hoc est impossible, quia neutra illarum includit alteram; utraque ergo illarum circumscripta esst tale
necesse esse per reliquam, et ita aliquid esset formaliter necesse esse per rationem aliquam, qua circumscripta
nihilominus esset necesse esse, quod est imposible.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas.
In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1960. n. 177.
135
“[. . .] si A es omnipotente, puede hacer que cualquier otro ser sea o no sea. Por tanto, podrá destruir a B, es
decir, hacerlo impotente. Luego B no es Dios.”
“[. . .] si a est omnipotens, ergo potest facere circa quodcumque aliud ipsum esse vel non esse, et ita posset
destruere b, et ita faceret b nullipotentem, et sic sequitur quod b non est Deus.” DUNS ESCOTO, Juan. De Dios
y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid:
52

quarta via, pois um mesmo efeito não pode ser causado duplamente, e ademais, existindo A,
por sua onipotência ele pode produzir em seu querer todas as coisas, independente de B, o que
leve a concluir que B não é onipotente porque o seu querer não produz todas as coisas, mesmo
se concorresse com a vontade de A, logo prova-se a unidade de Deus por essa via.

Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. n. 179.


53

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A existência de Deus foi um tema bastante refletido filosoficamente na Idade


Média e que teve a sua devida valorização por conta da própria cultura teocêntrica da Europa,
e, ademais, pela forte influência que exercia a Igreja na sociedade feudal. Dentre os inúmeros
autores deste período, destaca-se Duns Scotus, por conta da novidade do seu pensamento
filosófico. A influência de Aristóteles fez com que o Doutor Sutil aprofundasse nele e,
refletindo de forma nova a metafísica, apresentou a teoria da univocidade do ser, concebendo
um conceito comum entre Deus e as criaturas e que, por conta disso, fez-se possível chegar à
verificação, a posteriori, da existência de Deus.
Partindo do conceito de Deus, que é por si mesmo compreensível, porém, de
forma obscura, Duns Scotus entende que o que é demonstrável é a existência do ente infinito.
Para compreender este, é preciso assimilar o entendimento com relação às quatro ordens dos
seres e a teoria da univocidade do ser, pois o conhecimento de Deus não é auto-evidente, mas
sim demonstrável a posteriori. Quando se entende o que venha a ser esta ordem, juntamente
com o conceito unívoco do ser, torna-se mais compreensível a ontologia do Doutor Sutil.
Deus é simplesmente primeiro em eficiência, finalidade e eminência. A primazia
da causa eficiência verifica-se que há um ser primeiro em eficiência, ou seja, que é efetível,
logo ele não é causado, não é ordenado a um fim, não é materiável, nem formável e também
nem materiável e formável ao mesmo tempo. Por isso, sem se afirmar que não há um efetível
primeiro, decorrer-se-á no erro em defender que os seres ordenam-se em círculo, que é
ilógico. Já na primazia da causa final, explicou-se em três conclusões de Duns Scotus, no qual
esta primazia é simplesmente primeiro, é incausável e tem natureza eminente. Dessa forma
foi-se entendido que nenhuma causa final possa vir a ser causada por um fim diferente desta
causa.
Com relação à primazia da causa preeminente, decorre três conclusões, sendo que
esta primazia é simplesmente primeira em perfeição, para que não se decorra de uma ordem
em círculo ou de um regresso ao infinito. A segunda conclusão refere-se que a natureza
suprema é incausável, por conta de não existir uma causa senão a si mesmo pois senão não
seria mais perfeito. Na última conclusão, afirmou-se que a natureza suprema é uma natureza
54

atualmente existente. Pois do contrário, existiria uma natureza maior, o que seria uma
contradição.
Destas três primazias supracitadas, verificou-se que ambas referem-se a uma
mesma natureza, o que faz ser um ser atualmente existente. Relacionaram-se estas entre si e
compreendeu-se que o primeiro eficiente age por si mesmo sendo o seu próprio fim, não
havendo uma causa de um fim de outro que a possa causar, e o primeiro eficiente é o primeiro
eminente, posto que o efeito que produz a outrem é diferente e inferior ao próprio efeito de si
mesmo, por ser mais perfeito a causa de si a natureza primeira.
Por fim, a unicidade de Deus foi verificada em sete vias. A primeira via é a do
entendimento infinito, que se afirmou que o conhecimento e a essência do Primeiro Ser
tornam-se a mesma coisa. A segunda, da vontade infinita, argüiu-se que naturalmente um ser
ama mais a si mesmo e que não pode amar infinitamente um outro ser e a si mesmo sendo
infinito. A terceira via, da bondade infinita, argumentou-se que a vontade infinita só ama um
bem infinito que satisfaça essa vontade. A quarta via defendeu-se que o infinito não repugna o
ser, ou seja, não há contradição entre ser e infinito, e ambos não se repugnam.
A quinta via é a do infinito absoluto, sendo que se remeteu a ordem dos seres
percebendo que todo finito é excedido, porém o infinito não o pode ser excedido. A sexta via é
concebida por Duns Scotus pelo ser necessário, que por ser responsável em gerar não só
muitos indivíduos de uma mesma espécie mais infinitos indivíduos, é sem refutação aceitável
a sua existência determinada em apenas um ser necessário, pois a infinidade de seres
necessários não há como fundamentá-las. Na sétima via que é a da onipotência, provou-se
somando-se ao argumento da quarta via, pois um mesmo efeito não pode ser assegurado
duplamente, sendo que essa via deve-se pressupor a fé para partir da razão.
Nestes temos, reconhece-se que a grande contribuição do pensamento filosófico
de Duns Scotus, primeiramente, na metafísica, com a teoria da univocidade do ser, e, em
especial, com relação à existência de Deus, concebendo Deus como o ente infinito e aplicando
o pensamento aristotélico, na perspectiva Cristã, no qual resulta na novidade do seu
pensamento. No Doutor Sutil é característico o rigor lógico, a metafísica original e perspicácia
em seus argumentos, aspectos estes relevantes, já que ao homem contemporâneo, cada vez
mais crescente o ateísmo, depara-se com a crise do homem que é a crise do ser e a não
compreensão racional da existência de Deus.
É possível verificar, por meio da filosofia, a existência de Deus. Por que não
retomar ao período genuíno do pensamento filosófico, que na Escolástica tão bem foram
elaboradas obras com o intuito de provar a existência de Deus? Seria para o homem de hoje
55

um mero conhecimento descartável e desapropriado para os dias atuais? Seria uma visão
reducionista e fechada se não estivesse aberto o homem atual à pesquisa e ao estudo da
filosofia medieval, em especial, ao estudo da existência de Deus. Por isso cabe a ressalvar a
contribuição dos filósofos medievais e, em especial, da contribuição do pensamento do
Doutor Sutil com relação à existência de Deus.
Quando se busca conhecer como Duns Scotus apresenta a demonstração do ente
infinito como caminho seguro para alcançar ao entendimento racional da existência de Deus,
é preciso perceber que nesse estudo envolve a própria reflexão de o quê e como o homem
conhece as coisas, ele mesmo e a Deus. O homem contemporâneo não pode negar a si mesmo,
o que ele tem de mais sublime, que é o saber e o desejo da verdade. Buscar o conhecimento, e
a fonte de todo o saber, que se resume na busca do homem a Deus, é, na perspectiva racional,
potencializar a magnífica capacidade que tem o homem em pensar, de forma reta e segura.
Portanto, não se deve negligenciar em refletir que existe uma causa primeira em
eminência, eficiência e finalidade, ou seja, no estudo do ser existe uma ordem, e que este ser
primeiro é existente e possuidor de uma única natureza e na unicidade de Deus. Há por acaso
um estudo que demonstre a não existência de Deus? O que existe é a crise de valores do
homem de hoje, que prefere rastejar em seu niilismo a transcender para além de si mesmo,
reconhecendo que a sabedoria do homem está em elevar a sua razão ao que há de mais
sublime ela possa desejar, no mais perfeito encontro do homem com o divino: saber que Deus
existe.
56

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1 OBRAS PRINCIPAIS

DUNS ESCOTO, Juan. De Dios y de las divinas Personas. In: Dios Uno y Trino. Trad.
Bernardo Aperrybay et al. Edicion bilingue. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960.
p. 265-592.

______. Tratado del Primer Principio. In: Dios Uno y Trino. Trad. Bernardo Aperrybay et.
al. Edicion bilingüe. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1960. p. 593-710.

______. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1. O conhecimento natural do homem a respeito


de Deus. Trad. Luis João Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 265- 278
(Os Pensadores).

______. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 1-2. A existência de Deus. Trad. Luis João
Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 279- 307 (Os Pensadores).

______. Opus Oxoniense, I, d. 3, parte 1, q. 3. A unicidade de Deus. Trad. Luis João


Baraúna et al. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 309- 318 (Os Pensadores).

______. Prólogo da Ordinatio. Tradução, Introdução e notas de Roberto Hofmeister Pich.


Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. (Coleção Pensamento Franciscano, Volume V).

2 OBRAS SECUNDÁRIAS

BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etilene. História da filosofia cristã: desde as origens até
Nicolau de Cusa. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 1970.

DE BONI, Luis Alberto. Sobre a vida e a obra de Duns Scotus. Veritas. PUCRS: Porto
Alegre, 2008. v. 53, n. 3. p. 7-31.

DE LIBERA, Allan. A Filosofia Medieval. Trad. Marcos Marcolino. 2. ed. São Paulo:
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Dicionário: Escolástica. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. e Org.


Alfredo Bosi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 344.

MERINO, José Antônio e FRESNEDA, Francisco Martínez. Manual de Filosofia


Franciscana. Trad. Celso Márcio Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2006.
57

________, José Antõnio. Juan Duns Escoto. Introducción a su pensamiento Filosófico-


teológico. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2007.

GUERRERO TRONCOSO, Hernán. La pergunta por el carácter infinito de dios em la Lectura


de Duns Scoto. In: NÚÑEZ, Martín Carbajo. GIOVANNI DUNS SCOTO: Studi e ricerche
nel VII Centenario della sua morte. Roma: Antonianum, 2008. p. 307-334. Vol. I.

SARANYANA, Josep-Ignasi. A filosofia medieval – das origens patrísticas à escolástica


barroca. Tradução: Fernando Salles. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência
“Raimundo Lúlio”, 2006.

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