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Arqueologia de uma Distinção: o Público e o

Privado na Experiência Histórica do Direito


Cristiano Paixão Araujo Pinto
Professor Assistente da Faculdade de Direito da UnB. Mestre em Teoria e Filosofia do
Direito pela UFSC. Doutorando em Direito Constitucional pela UFMG. Procurador do
Ministério Público do Trabalho (Brasília-DF).

Fonte: ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. “Arqueologia de uma distinção – o público e o


privado na experiência histórica do direito”. In: OLIVEIRA PEREIRA, Claudia Fernanda
(org.). O novo direito administrativo brasileiro. Belo Horizonte: Forum, 2003.

Apresentação do problema

O presente ensaio propõe uma reconstrução, na experiência histórica do


direito, da distinção público-privado[1]. A interconexão e a tensão existentes entre
essas duas esferas – tema que inclui a discussão acerca do papel desempenhado pelo
Estado na consolidação do direito e sociedade modernos – são elementos
fundamentais para uma compreensão adequada do novo direito administrativo.
Porém, antes que se inicie a reflexão em torno do ponto central do artigo, faz-
se necessária a explicitação de algumas observações de ordem teórico-metodológica.
O olhar voltado ao passado – preocupação comum a juristas e
historiadores[2] – representa, mais do que um instrumento útil, uma verdadeira
necessidade, quando se propõe o desafio de compreender a complexidade e
multiplicidade das opções das sociedades atuais. Disso decorre a conclusão
fundamental: só se justifica o estudo da história quando se manifesta a preocupação
com o presente[3]. O historiador, na famosa advertência de Marc Bloch, não pratica sua
atividade (métier) como um colecionador observa objetos antigos[4].
Além disso, a reconstrução histórica terá de se assumir como uma realização
parcial e renunciar a qualquer pretensão globalizante ou de síntese total. O tema aqui
abordado assume contornos que propiciam investigação nos campos da antropologia
filosófica, da história das estruturas políticas e sociais, da teoria política, da economia e
da história das idéias. Assim, a elaboração do discurso histórico-teorético a seguir
disposto tem como finalidade apresentar o contexto, o pano de fundo construído ao
longo dos séculos e que informou a crescente tensão entre a esfera pública e o domínio
privado desde o paradigma pré-moderno de direito (da Antigüidade ao período anterior
à Revolução Francesa) até a contemporaneidade, momento em que desempenha um
papel central. Não se pretende, evidentemente, efetuar uma reconstrução completa da
distinção. Toda história é uma redução: “um século cabe numa página”[5].
Resgate da distinção ao longo da experiência do direito (I). Da Antigüidade às Luzes.

A distinção entre público e privado é tematizada pela primeira vez, como várias
outras categorias que estariam na base das estruturas de sentido posteriormente
adotadas no Ocidente, na Grécia antiga, em especial na Atenas democrática[6]. A
crescente modificação nas estruturas sociais e políticas do mundo grego encontrou um
ponto singular com a experiência desenvolvida na polis ateniense entre 510 e 323 a.C.,
que consagrou a prática democrática nas deliberações políticas. É com essa experiência
que se inicia a descrição da distinção público-privado.
A Grécia propiciou, como se sabe, o início de uma diferença fundamental para o
desdobramento das estruturas políticas no Ocidente: a separação entre política, governo
e religião. Destacando-se do contexto das monarquias até então hegemônicas na região
do Mediterrâneo e do Oriente Próximo (Mesopotâmia, Egito, Fenícia, povos hebreus,
Pérsia[7]), a civilização das poleis do período pós-homérico vai diferenciando cada vez
mais domínios da experiência humana que permaneciam englobados, como as noções
de política, governo e religião. Não por acaso, o primeiro direito antigo que dispensa o
critério da revelação divina para sua justificação é o direito grego. Surge a idéia de
responsabilidade política nas decisões que afetarão o destino da polis[8]. Inicia-se,
então, a tipologia das formas de governo, que encontra sua expressão clássica na obra
de Aristóteles[9].
A novidade da distinção entre política, governo e religião está representada na
abertura de um espaço para discussão e deliberação acerca dos destinos da polis. A fase
definitiva da ruptura com as formas tradicionais de exercício do poder (de que são
exemplos a monarquia, a aristocracia e a tirania) dá-se mediante a implementação, por
Clístenes, do regime democrático em Atenas, a abolição do governo dos arcontes e a
redivisão territorial das tribos[10].
E é paradoxal – para os modernos, mas de modo algum para os antigos – que
essa libertação das formas tradicionais de exercício do poder, com a implementação do
governo democrático (que era direto, e não representativo), ocorresse sob o signo da
desigualdade no plano vertical (que coexistia, portanto, com a igualdade no plano
horizontal da sociedade política). Com a experiência ateniense, consolida-se a
diferenciação por estratos, que será paradigmática em todo o mundo antigo e continuará
a inspirar a organização social nos períodos medieval e pré-moderno[11]. O que importa
notar, nessa distinção de papéis sociais, é o fato de que apenas os cidadãos – homens
adultos nascidos em Atenas, filhos de homens livres oriundos de famílias locais –
participavam da esfera deliberativa.
Já se pode antever, então, um primeiro aspecto da distinção público-
privado[12].
Na mentalidade e na vida social atenienses, o privado é a dimensão da
sobrevivência, da luta pela manutenção dos seres vivos e de suas famílias, da luta em
face da escassez[13]. Nesse plano da existência, o homem não difere muito de outras
espécies de seres vivos, que precisam recorrer à natureza para encontrar a subsistência.
A casa é o lugar em que essa contínua luta e conservação da vida e saúde se manifesta.
Daí a etimologia da expressão moderna economia (oikia + nomos, ou seja, a lei da casa).
A partir desta delimitação do privado, como se desenvolve a experiência
pública na Atenas clássica?
A materialização da vida pública ocorre por intermédio da emancipação
propiciada pelo exercício de todas as potencialidades do homem como cidadão. A ágora,
local das discussões em torno das questões fundamentais da polis, é o espaço (não
apenas no sentido físico) em que essa potencialidade poderá ser ativada. A formação
dos homens públicos ocorrerá na academia, no liceu. Os rituais públicos de deliberação
e julgamento trazem essa mesma dimensão emancipatória, reservada aos filhos
da polis: sessões da Eclésia, da Heliéia ou da Bulé[14]. Nesses contextos de discussão,
encontro e argumentação, o homem grego se vê livre das amarras (típicas da dimensão
privada) que o transformavam num ser desprovido, ao menos em parte, de sua
liberdade, e realiza aquilo que seria conhecido, no futuro, como o “ideal grego”, a
conjunção de várias formas de sociabilidade numa polis democrática[15].
Não é necessário aprofundar a reflexão em torno do alcance parcial do regime
democrático ateniense – trata-se de um lugar-comum. Apenas para registro, cabe notar
que grande parcela da população estava excluída do espaço de deliberação, e os
atenienses, em regra, eram bastante rigorosos em casos de concessão da cidadania a
estrangeiros (que eram raros)[16]. O que interessa destacar, nesta etapa da descrição, é
a clara e demarcada delimitação entre público e privado na experiência democrática
ateniense, que permaneceu irrepetida no curso da história[17].
No período histórico que se convencionou designar como Antigüidade, as duas
civilizações proeminentes – ou seja, culturas que, mesmo após o seu fim, exerceram
decisiva influência sobre o Ocidente – foram Grécia e Roma. Há evidentes pontos de
contato e circulação de idéias entre elas. Mas existem, também, diferenças marcantes.
Uma delas, como será visto, diz respeito à organização política.
O mundo romano não conheceu a experiência democrática. As tentativas de
implementação de formas hegemonicamente populares de exercício do poder político
na república romana, pelos irmãos Graco, foram severamente punidas por reações do
patriciado, que detinha o poder político no Senado e concentrava as decisões
fundamentais em suas mãos desde a quase lendária expulsão dos reis etruscos de Roma
(usualmente fixada em 509 a.C.)[18]. Do mesmo modo, é evidente a incompatibilidade
entre o regime democrático e o Império, que compreendia a centralização do poder
político e a ausência de responsabilidade do Imperador (declarado legibus solutus pelo
Senado).
Consignada essa diferença fundamental, vale ressaltar um dado, extraído da
experiência romana, que será relevante para a reconstrução da distinção público-
privado: a universalidade do Império. Ao contrário do mundo grego, fraturado em
estruturas autônomas e muitas vezes conflitantes entre si[19], a civilização romana
consegue estabelecer-se como fonte única do poder político ao incorporar novos
territórios. A conquista romana desenvolve-se sob duas grandes modalidades: nas
localidades com cultura, memória e identidade estabelecidas e institucionalizadas
(como, por exemplo, as cidades gregas, Mesopotâmia e Egito) há um processo de
recepção e absorção da herança cultural; de outra parte, no que se refere às
comunidades que, à época da dominação romana, ainda não haviam, por diversas
razões, estabelecido uma memória escrita (como, por exemplo, os celtas e os
germanos), há pura e simples anexação, com forte mobilização de prisioneiros que serão
utilizados posteriormente como escravos ou soldados[20]. Isso permitiu a construção
de um império com as condições ideais para impor seu direito a todos os confins (limes)
de seu território.
Ainda que não seja possível, neste momento, ingressar na discussão em torno
dos fatores históricos que conduziram ao lento declínio da civilização romana[21], o que
importa frisar, aqui, é a dimensão universal que acabou assumindo o direito romano.
Foi justamente esse caráter universal da experiência romana um dos aspectos que
facilitou a propagação do cristianismo na Antigüidade tardia e possibilitou a lenta e
fecunda inter-relação entre os mundos do Império e da Cristandade, combinação essa
que alicerçou (junto com a contribuição germânica) a civilização medieval.
Com efeito, a Igreja Católica é a principal herdeira da universalidade do Império
Romano. Na expressão translatio imperii, translatio studii está sintetizada a passagem
da herança clássica à Cristandade[22]. Essa universalidade permitirá que o homem
medieval encontre uma explicação global para sua presença no mundo, visão essa que
contará, desde a primeira Idade Média[23], com a mediação da Igreja Católica[24].
Na civilização do Ocidente medieval, será materializada a cosmovisão cristã num
mundo acossado pela ameaça moura (a Sul e a Oeste) e pelas pretensões bizantinas,
cada vez mais distintas da orientação da Igreja Romana, a Leste e Sudeste. Essa visão de
mundo começou a ser forjada num período de ruína do Império Romano do Ocidente e
de gradual crescimento da influência do Cristianismo (que ainda estava em busca de
identidade, em meio a heresias e perseguições).
Qual será, então, a influência do estabelecimento dessa visão de mundo
hegemônica, dessa unidade espiritual que domina o Ocidente medieval, na distinção
público-privado? Para que essa resposta possa ser coerentemente construída, é
necessário resgatar uma determinada expressão da mentalidade típica da civilização
medieval: a idéia de que a vida humana (e a conseqüente posição dos homens na
sociedade) constitui uma representação de uma divisão que tinha origem celeste. É a
teoria das três ordens, que busca justificar a existência de estratos na sociedade com
uma explicação sobrenatural[25]. Consoante expõe um texto católico do século XI, o
rebanho dos homens seria uma reprodução da divisão, ordenada por Deus, entre os bois
(aqueles que trabalham para alimentar os demais), as ovelhas (que fornecem a lã e o
conforto para o espírito) e os cães (que protegem os outros membros do grupo).
Transplantando-se essa representação para a sociedade medieval, pode-se encontrar
as três ordens: os laboratores (servos), os oratores (clérigos) e
os bellatores (cavaleiros)[26]. Trata-se, então, de uma sociedade trifuncional.
O que é interessante, nessa explicação, é a submissão da pessoa à ordem, ou
seja, a diluição da idéia de indivíduo (que ainda não existia, no sentido moderno da
expressão, no período medieval) numa camada da sociedade. Tal característica ajuda a
compreender, inclusive, a tendência tardo-medieval de organização de grupos de
artesãos em guildas, clubes, corporações de ofício. Fica explicitado, assim, o aspecto
global da experiência social na Idade Média, em que cada etapa da vida revela a
influência da visão de mundo cristã. Isso se reflete na celebração do contrato feudo-
vassálico, cerimônia religiosa que marca o juramento de fidelidade de um vassalo
(muitas vezes um cavaleiro) a seu suserano (em regra o senhor feudal). Era um momento
solene, abençoado pelo clérigo local (normalmente sobre relíquias sagradas) e com
evidentes conseqüências sociais (posição na hierarquia do domínio feudal – o vassalo
poderia reproduzir a cerimônia com subvassalos), econômicas (a destinação de parte da
produção agrícola ao senhor feudal) e militares (o juramento de fidelidade incluía a
promessa de proteção contra invasores externos)[27].
Esse quadro sofreria modificações com o final da civilização medieval, trazido
pela quebra da unidade espiritual do Ocidente (reformas religiosas que originam o
surgimento de credos e igrejas protestantes), pela revolução científica (fim do modelo
ptolomaico de cosmos e da hegemonia da física aristotélica, a partir da obra de
Copérnico, Kepler, Galileu e Newton) e pelo advento do renascimento florentino
(propositura de um novo humanismo, mediante apropriações e leituras originais da
herança clássica)[28].
Permanece, porém, mesmo com esse impulso de mudança – que se localiza entre
os anos 1500-1700 – a diferenciação por estratos, em que a noção de indivíduo não
significa o exercício do livre-arbítrio (o que só seria viável com a Modernidade
oitocentista). A figura do indivíduo, na acepção moderna, ainda não se havia
configurado. Entretanto, podem ser observadas, nas lutas políticas e religiosas que
marcam o cenário europeu nos séculos XVI e XVII, as origens da doutrina liberal que
prevaleceria após a queda do Absolutismo, ao final do século XVIII. A própria teoria
jurídica refletirá essa tendência, com o surgimento das doutrinas usualmente agrupadas
sob a denominação jusnaturalismo racional. Com a quebra da unidade espiritual do
Ocidente, era preciso deslocar para o exterior da doutrina cristã a justificação para a
vigência do direito. E isso foi possível com a modificação empreendida por vários autores
dos séculos XVI, XVII e XVIII que, com numerosas orientações metodológicas e diversas
inspirações antropológico-filosóficas, concentrarão no indivíduo o centro de suas
investigações. Começam a surgir, logo, os princípios gerais que informarão a natureza
humana, na interpretação dos vários autores da tradição racionalista. Entre esses
princípios podem ser encontrados: não causar dano a ninguém; agir de acordo com uma
ética universal (ou universalizável); dar a cada um o que é seu; respeitar os contratos e
os compromissos. Em todas as versões tratar-se-á de um direito natural secularizado,
que dispensará a explicação divina para a presença do homem no mundo e seu posterior
destino. Essa é a linha de pensamento que une, numa mesma corrente, autores como
Grócio, Hobbes, Pufendorf, Thomasius, Locke e Wolff, entre vários outros[29].
Paralelamente a essa formulação teórica dessacralizada – fruto da laicização e
do progresso da técnica e da ciência –, permanecia, contudo, a organização política
baseada na divisão social por estratos, como remanescente da experiência medieval. As
“ordens” podiam agora ser chamadas “estados”, mas a estruturação social permanecia
marcada pela distribuição desigual de poder e riqueza. As tensões nas sociedades
européias aprofundavam-se, e isso pode ser notado pelas lutas confessionais e pelo
combate ao absolutismo real. De início, a manifestação de crenças não-ortodoxas e
religiões dissidentes no panorama europeu gerou uma série de lutas e conflitos armados
que marcou, de modo traumático, a experiência social como um todo. Desde a repressão
aos huguenotes franceses até a perseguição aos protestantes (e, posteriormente, aos
católicos) na Inglaterra, passando por radicais experiências como a dos anabatistas em
algumas regiões da Europa do Norte, ter-se-á materializado uma cisão sem precedentes
na história.
Além disso, uma outra arena de conflitos – o cenário político – revelará, no século
XVII, o esgotamento da teoria política medieval. É o que se observa num decisivo
momento histórico: o confronto, na Inglaterra seiscentista, entre a monarquia Stuart
(Jaime I e Carlos I) e o Parlamento. Como se sabe, a crescente radicalização dos
seguidores do monarca e dos membros do Parlamento conduziu o país à guerra civil,
com a execução de Carlos I em 1649 e a instalação de um governo ditatorial[30]. A
posterior restauração monárquica, ainda no século XVII, foi concluída com a passagem
da soberania para o Parlamento[31].
O movimentado século XVII inglês é objeto de vasta literatura no campo
histórico[32]. Interessa aqui salientar, a partir dessa experiência histórica, a modificação
política que repercutirá no mundo do direito. Na verdade, o século XVII explicita a crise
de uma outra concepção medieval: a idéia de constituição mista.
Cabe agora dedicar algumas linhas à noção de constituição mista, tal como
desenvolvida na teoria política medieval.
Observe-se a exata descrição de Maurizio Fioravanti:

“A constituição mista serve [na Idade Média] para defender a natureza


faticamente plural e composta da sociedade e dos poderes nela
expressados; o que se teme, nesse modelo, é o nascimento de um poder
público que venha romper esse equilíbrio, que se sinta legitimado para
alimentar, desmesuradamente, pretensões de domínio”[33].

Referindo-se especificamente aos séculos XVI e XVII, Fioravanti assinala que


essa concepção de constituição mista perdura ao longo da experiência política européia,
sofrendo alterações de grau – comunidades políticas em que uma maior parcela de
liberdade e influência na deliberação política é reservada aos nobres, ou, em outra
hipótese, reinos em que há uma esfera maior de poder concentrado no monarca – mas
conservando, em sua estrutura, a idéia de organização política e social plural, com
diversos ordenamentos e formas de vigência do direito, sem um “momento
constitucional inicial” definido. A manutenção da constituição mista medieval é
particularmente visível no parlamento inglês, “em que conviviam, inclusive fisicamente,
os três elementos da constituição mista, a saber, o rei, os Lords como expressão do
componente aristocrático e os Commons como expressão do componente
democrático”[34].
São exemplos paradigmáticos dessa idéia de constituição mista alguns
documentos que pertencem à história das fontes do direito ocidental:

(1) a Magna Carta expedida pelo Rei João, em 1215 (e várias vezes reeditada e
confirmada, a partir de 1225) como um compromisso para atender às crescentes
reivindicações dos barões detentores da terra[35];
(2) as várias chartae libertatum que consagram algumas liberdades aos súditos do
reino ou aos habitantes da cidade, como a Carta de Afonso IX de Leão (1188), a Bula
Áurea húngara (1222), a Joyeuse Entrée de Brabante (1356) e outros privilégios
concedidos por soberanos a determinadas cidades, especialmente nas regiões hoje
correspondentes à Itália, Espanha, Sul da França e partes da Alemanha e da
Suíça[36].

Daí ser possível concluir que a expressão “constituição” utilizada nesta


representação da “constituição mista” não guarda relação com o uso moderno do termo:
não existe, na prática e na teoria política, até fins do século XVII, a consagração de um
documento – que projete sua legitimidade na soberania popular – destinado a propiciar,
na dicção comumente repetida, o “estatuto jurídico do político”.
Essa é a principal crítica dirigida por Hegel à prática constitucional medieval, a
partir de sua análise do panorama alemão do início do século XIX, consoante a síntese
propiciada por Fioravanti:

“Hegel lamentava que os alemães considerassem ´constituição´ o que era o


resultado – adquirido essencialmente na prática – de uma série de contratos,
pactos, atos de arbitragem, freqüentemente sancionados apenas do ponto
de vista formal mediante sentenças dos tribunais. Os alemães estavam
fortemente apegados a esse patrimônio consuetudinário, que consentia a
cada território, a cada autoridade, a cada estamento obter seu próprio
espaço, gozar de determinadas imunidades e liberdades, de determinados
privilégios e direitos”[37].

A crítica hegeliana é especialmente importante para a reconstrução que aqui se


apresenta, pois ela explicita a dificuldade em efetuar a distinção, tanto na Idade Média
como no período imediatamente subseqüente (séculos XVI e XVII), entre público e
privado. Percebe-se, logo, que a esfera pública não se faz presente de forma dissociada
dos interesses e ordenamentos de feição privada. A própria distinção público-privado
perde sua importância teórica e conceitual[38]. Assim, o que se torna visível, nesse
cenário de pluralidade de ordenamentos, fontes e instituições que geram e aplicam o
direito, é a inexistência de uma esfera pública apta a propiciar uma mínima separação
entre a experiência política (numa perspectiva ampliada) e as diversas constelações de
interesses – de natureza privada – protegidos por sofisticadas construções teóricas como
a idéia de sociedade trifuncional e constituição mista, típicas da teoria política medieval,
que mantêm sua força persuasiva mesmo nos séculos iniciais da Era Moderna.
A partir dessa descrição, o que se percebe, no pano de fundo dos embates entre
o Rei e o Parlamento na Inglaterra, é a dificuldade cada vez maior da nobreza de ocultar
as assimetrias presentes na forma de diferenciação por estratos e a evidente crise da
idéia de constituição mista[39]. As aspirações individuais – titularizadas pelas diversas
forças políticas e sociais em ação, desde uma parcela da aristocracia descontente com
os rumos adotados pela monarquia Stuart até a ascendente camada da gentry, pequena
burguesia que começa a prosperar na economia inglesa, passando ainda por
reivindicações de camponeses em torno da posse e cultivo da terra –, mostram-se
incompatíveis com o rígido (e cada vez mais elaborado) regime de diferenciação por
estratos.
Para que surgisse uma nova configuração social – apta a ensejar uma nova ordem
política – seria necessário, contudo, aguardar até o final do século XVIII.

Resgate da distinção ao longo da experiência do direito (II). Do alvorecer da


Modernidade até os dias atuais.

Nos últimos anos dos Setecentos, a sociedade ocidental havia passado por uma
série de transformações tão significativa que a explicação da vigência do direito com
fundamento na teoria do jusnaturalismo racional começava a perder sua capacidade de
esclarecimento e persuasão. O aumento do grau de complexidade das relações sociais,
a aceleração do devir histórico (a chamada “Era das Revoluções”) e a modificação da
semântica do tempo (a Modernidade, conceito reflexivo, volta-se para um futuro em
aberto, impulsionado pela dinâmica da idéia de progresso[40]) ensejaram uma
substancial alteração na vigência do direito, com a introdução de um movimento
inteiramente novo em termos históricos – o constitucionalismo.
Duas aquisições evolutivas da sociedade manifestam-se no limiar do século
XVIII: a diferenciação funcional e o surgimento das constituições escritas. Elas estão
relacionadas entre si e, em última análise, condicionam-se reciprocamente. Convém,
então, efetuar breve descrição histórico-teórica de cada um desses elementos, a partir
da teoria luhmanniana da diferenciação dos sistemas sociais.
Por diferenciação funcional entende-se a fundamental modificação na
estruturação da sociedade que possibilitou a superação da diferenciação por estratos
(descrita no item anterior) pela organização da sociedade em sistemas funcionalmente
especializados. Parte-se, aqui, do pressuposto de que as condições de comunicação na
sociedade – compreendida como sistema global da comunicação – passaram a tematizar
a existência de problemas determinados (domínios funcionais) em cuja solução se
especializa cada subsistema. Evidentemente não é possível, nos estritos limites deste
ensaio, ingressar na discussão sobre as condições de existência, manutenção e auto-
reprodução dos sistemas sociais funcionalmente especializados[41]. O que se deve
assinalar, no presente momento, é a modificação no princípio estruturador da
sociedade: da distribuição desigual de poder e riqueza (o que pressupõe, naturalmente,
o surgimento de estruturas de hierarquia na sociedade) à especialização funcional (que
exigirá a coexistência simultânea de vários subsistemas numa sociedade descentrada).
É exatamente essa abertura para a atuação de domínios funcionais
especializados que permitirá uma radical modificação na vigência do direito. Não será
possível, a partir da diferenciação funcional, estabelecer as bases da cadeia normativa
da sociedade com fundamento em doutrinas no direito natural (seja ele de ordem
cósmica, moral, teológica ou racional-especulativa). A luta contra o Absolutismo – mote
central das Revoluções Francesa e Americana – e a busca pela tolerância política e
religiosa exigirão uma nova forma de estabelecimento e controle do poder. Essa forma
– uma invenção do final do século XVIII – consolidou-se, na imensa maioria dos países
ocidentais, por meio das constituições escritas.
Torna-se adequado, então, após fixadas as duas premissas fundamentais da
passagem para a Modernidade – diferenciação funcional e edição de constituições
escritas –, deixar registrado um primeiro aclaramento conceitual: é hora de expor (e
distinguir) as noções de constitucionalismo e constituição escrita.
Na correta síntese de Michel Rosenfeld[42], pode-se dizer que qualquer
definição aceitável da idéia de constitucionalismo terá de compreender: (1) o
estabelecimento de limites ao poder do governo; (2) a adesão ao Estado de Direito[43] e
(3) a proteção de direitos fundamentais. Trata-se, pois, de um movimento
historicamente localizável: a esse respeito, é lícito, inclusive, falar numa espécie de “pré”
ou “proto” constitucionalismo inglês, representado pela secular luta entre rei e barões
(desde o início da conquista normanda) e, posteriormente, entre rei e Parlamento
(especialmente no período da monarquia Stuart, já aludido), como uma etapa na
tentativa histórica de estipulação de limites e freios ao poder político centralizado. O
direito – no caso inglês, o common law – ocupou, em todo o processo, um papel central,
como referência para fixação de parâmetros para a atuação do soberano. Entretanto, a
concretização do movimento do constitucionalismo só foi possível no final do século
XVIII, quando apresentaram-se condições para o preenchimento dos requisitos acima
enumerados.
Isso permite que se passe à segunda parte da distinção. A forma que permitiu a
vigência das premissas do constitucionalismo foi, na expressiva maioria dos países do
Ocidente, a elaboração de constituições escritas[44], que concentraram em suas
prescrições as opções fundamentais de cada sociedade política e buscaram prever meios
e organizações para concretizar essas escolhas[45]. Os momentos de elaboração das
primeiras constituições são conhecidos: 1787 nos Estados Unidos da América e 1791 na
França. É importante mencionar, contudo, que a afirmação da supremacia das
constituições escritas – e, por conseqüência, da subordinação de todo o demais direito
às prescrições constitucionais – só foi concretizada com a decisão do caso Marbury v.
Madison, proferida em 1803 pela Suprema Corte norte-americana[46].
Esboçada, em rápidas linhas, a reconstrução histórica do surgimento do
constitucionalismo e das constituições escritas, é chegado o momento de voltar os olhos
ao tema central da presente investigação. Para que se possa resgatar as tensões,
nuances e oscilações da distinção público-privado, ter-se-á de recorrer à classificação
que compreenda, da melhor maneira possível, a complexidade das novas formas de
organização social e política. Em outras palavras: para que seja aceitável e coerente o
discurso em torno do tratamento das esferas do público e do privado da Modernidade
até a contemporaneidade, será necessário inserir a descrição nos paradigmas[47] de
Estado de Direito verificados ao longo da experiência histórica do Ocidente.
O primeiro paradigma que se identifica na experiência moderna é o do Estado
Liberal. Aqui o Estado de Direito aparece moldado pelo constitucionalismo clássico, com
enorme influência das conquistas decorrentes dos combates – típicos dos séculos XVII e
XVIII – contra a intolerância política e religiosa. Os direitos previstos nas declarações
constitucionais (exemplo: as dez primeiras emendas à Constituição norte-americana,
conhecidas como o Bill of Rights, inseridas em 1791) assumem a perspectiva liberal, no
sentido de se caracterizarem como liberdades “negativas”, verdadeiras proteções contra
o arbítrio estatal. Assim podem ser compreendidas disposições referentes à liberdade,
propriedade e igualdade. O Estado, nesse contexto, assume função regulatória,
reservando ao mercado a tarefa de promover a distribuição eqüânime de oportunidades
e benefícios[48]. Estruturas do Antigo Regime ainda permeiam aspectos relevantes da
vida social, e podem ser consideradas remanescentes da diferenciação por estratos:
assim, não há inclusão de toda população adulta nos processos eleitorais e critérios de
voto censitário se fazem presentes[49].
É nesse panorama que se pode perceber uma nítida assimetria na
relação público-privado. O domínio do privado, nesse cenário em que prevalece o
liberalismo (político e econômico), é superdimensionado. A invenção moderna da figura
do indivíduo – agora libertado das “ordens” ou “estados” que caracterizavam o Antigo
Regime[50] – permite que a forma jurídica predominante seja a do contrato, que
mantém a afirmação (mesmo que fictícia, no plano material) de igualdade entre as partes
acordantes. Como uma decorrência natural da luta contra o Absolutismo – e também
para uma justificação operativa acerca da posição de certas camadas superiores da
sociedade –, o público, inteiramente associado ao Estado (observe-se que o século XIX
é o período de afirmação da maioria dos Estados-Nação na Europa) é visto com
desconfiança, ou mesmo reserva. Daí a idéia das liberdades “negativas”, garantidas por
um governo representativo eleito periodicamente (nas condições já aludidas), o que
permite uma apropriação (ou, para alguns críticos, colonização) do público por uma
determinada parte da sociedade (que continua, como no Antigo Regime, concentrar as
oportunidades de distribuição de poder e riqueza).
É nessa quadra histórica que se inicia o interesse – ainda presente – de delimitar
a divisão entre direito público e direito privado. Numa sociedade que estabelece, de
forma explícita e propositiva, a limitação dos poderes do Estado, e que privilegia, como
observado, a distribuição “natural” de oportunidades pela própria dinâmica social, será
fundamental considerar o direito público como aquele repertório mínimo de disposições
e instrumentos referentes ao governo representativo, permanecendo uma grande
parcela do direito público regida por convenção (usos e costumes que permeiam a
prática do sistema político, procedimentos que limitam a universalização da participação
popular, formalismo cada vez mais exacerbado dos processos e organizações
estatais)[51]. O direito privado, por seu turno, radicaliza a emancipação do indivíduo,
fruto da Modernidade. O elemento central é o contrato, e são pressupostas as
potencialidades e capacidades de todo e qualquer indivíduo de firmar pactos, ser
proprietário de bens e ser regido por um sistema universal de leis gerais e abstratas[52].
Não se materializa, ainda, um direito administrativo independente, na acepção que seria
adquirida no final do século XIX. Prevalecia, na doutrina do Estado Liberal, a teoria da
irresponsabilidade do Estado[53].
Ocorre, porém, que a modificação social que culminou com as Revoluções
Francesa e Americana não representou apenas uma radical transformação no sistema
político: a laicização da sociedade propiciou, junto com a ascensão econômica da
burguesia, o nascimento de uma esfera pública independente, ancorada numa maior
liberdade de imprensa, na reorganização do planejamento urbano de várias cidades
importantes no século XVIII e na crescente possibilidade de criação de novas esferas
públicas de deliberação (como os salões, os cafés e demais lugares de sociabilidade da
cidade moderna)[54]. E esse aumento potencial nos canais de comunicação da sociedade
não é (ao menos inteiramente) controlável pelo Estado ou por certas camadas da
população.
Surgem, portanto, a partir da segunda metade do século XIX, manifestações de
conflito e revolta por parte de setores atingidos pela crescente desigualdade material na
distribuição de poder e riqueza. Esse processo é acelerado pela Revolução Industrial
inglesa, que altera substancialmente o sistema econômico e explicita determinadas
dificuldades de acesso – de enorme parcela da população – a bens de consumo e
participação política. São bastante conhecidos os fatores de passagem que marcam a
ruptura do paradigma liberal: a eclosão de movimentos revolucionários na Europa (a
partir, principalmente, de 1848), o surgimento e crescimento de doutrinas de feição
socialista ou anarquista (que tinham como ponto comum a forte rejeição ao Estado
Liberal então vigente) e a organização de setores da sociedade em novos grupos de
pressão (sujeitos coletivos de direito, como associações ou sindicatos profissionais). É
desse período que datam as primeiras manifestações, já no campo da teoria da
constituição, acerca do estrito formalismo em que vinha incorrendo o Estado Liberal.
Recorde-se, quanto a esse ponto, o discurso de Lassalle em Berlim (1863), em que
qualifica as constituições liberais como meras “folhas de papel”[55].
Diante da pressão para modificações na estrutura da sociedade, duas
alternativas principais se apresentaram: reforma ou revolução[56]. Prevaleceu, como se
sabe, na Europa Ocidental, a via reformista. A reação do Estado às revoltas e conflitos
sociais deu-se mediante uma mudança de paradigma: o surgimento do Estado
Social[57]. Passam a integrar o rol das constituições escritas, além do núcleo essencial
das cartas liberais, novos direitos (contemplando a atividade do homem como
trabalhador, como ator social numa rede de relações econômicas) e novas formas de
exercício (reconhecimento dos sujeitos coletivos de direito, novas competências
estatais)[58].
A tônica do Estado Social é a idéia de compensação devida a uma grande camada
de indivíduos diante da concentração de riqueza e poder em alguns setores da
sociedade[59]. E pertencerá ao Estado a tarefa de prover essas compensações. Disso
decorre o enorme crescimento dos órgãos e competências do Estado, que assume
funções técnicas de aprimoramento da compensação e inclusão de setores da sociedade
numa determinada rede de proteção. Naturalmente, quem propiciará essa rede é o
próprio Estado. Novas demandas de compensação e inclusão não cessam de surgir,
assim como novas organizações com funções técnicas cada vez mais especializadas no
interior do Estado. É uma estrutura circular[60].
É possível antever, nessa perspectiva, a modificação que será notada na relação
entre público e privado. Haverá, no paradigma do Estado Social, a hipertrofia do público,
que passa a ser identificado ao Estado. Na verdade, o público esgota-se no Estado, um
aparato administrativo-técnico dotado de inúmeras atribuições e com extensas
ramificações em vários setores da sociedade. Ganha enorme força, nesse contexto, a
tradicional concepção de cidadania como pertinência ao Estado[61]. O sistema político
procura qualificar-se como centro da sociedade. Invertendo-se a polaridade verificada
na práxis do Estado Liberal, a dimensão privada será vista com desconfiança no Estado
Social, identificada com o egoísmo, com a própria negativa do exercício da vida pública
(repita-se: aqui inteiramente associada ao Estado).
Altera-se, de igual modo, a distinção existente entre direito público e direito
privado. Com a premissa de materialização de direitos – reação ao exacerbado
formalismo do paradigma liberal[62] – e a conseqüente transferência para o Estado das
novas funções de inclusão e compensação, a delimitação entre direito público e privado
deixa de ser ontológica para assumir uma mera feição didático-pedagógica. A rigor,
todo direito é público no Estado Social[63]. Mantendo-se a dicotomia para fins didáticos,
convém mencionar o advento de novas formas de juridicidade e a revisão dos
fundamentos das disciplinas tradicionais. Verifica-se a tendência, em ambas as
hipóteses, de confundir os domínios – anteriormente bem delimitados – do direito
público e do direito privado[64]. O direito administrativo, como disciplina autônoma da
teoria e da dogmática jurídicas, aparece no contexto do Estado Social. O célebre
caso Blanco, ocorrido em Bordeaux no ano de 1873[65], inaugura a discussão em torno
da responsabilidade estatal e reflete a amplificação do campo de atuação estatal no
paradigma do Estado Social.
A chamada crise do Estado Social é ainda um tema central na teoria política
contemporânea. Deve-se atentar, porém, para o fato de que suas dimensões, fatores e
desdobramentos são muito mais profundos do que uma primeira análise pode
perceber. Como é notório, houve a conscientização, ao longo da década de 1970, do
crescimento do endividamento do setor público em várias economias do Ocidente, como
decorrência do enorme volume de gastos ocasionado pelas múltiplas funções da
máquina burocrático-estatal. A esse contexto somou-se a crise do petróleo,
desencadeada a partir do início dos anos setenta. Verificou-se, pois, a limitação das
propostas do Estado Social.
Entretanto, é fundamental assinalar que a crise do Estado Social não é
exclusivamente fiscal ou administrativa[66]. Ela é, antes de tudo, uma crise de déficit de
cidadania e de democracia.
A crise de cidadania decorre da carência, gradativamente percebida, de
participação efetiva do público nos processos de deliberação da sociedade política. A
identificação do público com o estatal acabou por limitar a participação política ao voto.
A isso se aduziu uma estrutura burocrática centralizada e distanciada da dinâmica vital
da sociedade[67]. A associação entre público e estatal acarretou a construção de uma
relação entre indivíduo e Estado que pode ser equiparada à relação travada entre uma
instituição prestadora de serviços (e bens) e seus clientes. Como é sabido ao menos
desde o início do século XX, o distanciamento, a impessoalidade e a hierarquização são
atributos básicos do “tipo puro” de dominação que se consolidou no Ocidente
desencantado[68].
A crise de democracia pode ser explicada, entre vários outros fatores, pela
centralidade da presença da política na sociedade. O Estado Social passou, como
exaustivamente descrito, a atrair para si a tarefa de prover compensação e inclusão. Isso
impulsionou a amplificação de suas ramificações e órgãos especializados. O problema
dessa concepção é que ela vai de encontro a uma das aquisições evolutivas fundamentais
da Modernidade (já citada acima): a diferenciação funcional. Numa sociedade
diferenciada por especialização de funções, não há o domínio de uma parcela da
sociedade sobre a outra. A sociedade moderna é uma sociedade sem centro e sem
vértice[69]. Seus domínios funcionais operam de modo independente, com códigos
próprios: os sistemas são, entre si, sistema e ambiente. Quanto maior a diferenciação
funcional, mais alto o grau de complexidade e maior o âmbito da comunicação social
que o sistema pode suportar. Assim, numa sociedade centrada na política (que tem a
função de produzir decisões coletivamente vinculantes), temas da comunicação social
funcionalmente especializados como economia e educação passam a ter sua deliberação
voltada para a política, o que pode acarretar um contexto de des-diferenciação, ou seja,
de predomínio de um dos sistemas sociais sobre os demais[70].
É com a crise do Estado Social que se viabiliza a construção – ainda em pleno
andamento – de um novo paradigma: o Estado Democrático de Direito[71]. Ele decorre
da constatação da crise do Estado Social e da emergência – a partir da complexidade das
relações sociais – de novas manifestações de direitos. Desde manifestações ligadas à
tutela do meio ambiente, até reivindicações de setores antes ausentes do processo de
debate interno (minorias raciais, grupos ligados por vínculos de gênero ou orientação
sexual), passando ainda pela crescente preocupação com lesões a direitos cuja
titularidade é de difícil determinação (os chamados interesses difusos), setores das
sociedades ocidentais, a partir do pós-guerra e especialmente da década de 1960,
passam a questionar o papel e a racionalidade do Estado-interventor[72].
A ênfase conferida ao paradigma emergente concentra-se na idéia de cidadania,
compreendida em sentido procedimental, de participação ativa[73]. Como seria de se
esperar na mudança paradigmática, os direitos consagrados nos modelos anteriores de
constitucionalismo são redimensionados[74]. Verificam-se, no interior da sociedade,
novas formas de associação: organizações não-governamentais, sociedades civis de
interesse público, redes de serviços não-verticalizadas.
A relação público-privado passa por nova transformação. Analisando-se
retrospectivamente essa dicotomia nos dois paradigmas anteriores, percebe-se que, não
obstante a oscilação de orientação entre público e privado (no Estado Liberal, o privado
superdimensionado e o público reduzido a suas funções mínimas, e no Estado Social,
uma inversão dos pólos), há uma linha de continuidade entre os dois modelos de
constitucionalismo: ambos tendem a diluir o público no estatal[75]. Ocorre, porém, que,
com a emergência dos movimentos sociais mencionados, não há mais como identificar
o público com o Estado. Na verdade, as manifestações que surgem de forma difusa em
setores da sociedade – relacionadas aos chamados “direitos de terceira geração” –
veiculam reivindicações de direitos que não podem ser atendidos (mediante
compensação) pelo Estado, que é, em grande parte das situações, responsável (por ação
ou omissão no dever fiscalizador) pelos danos que ocasionam as próprias reivindicações
(os exemplos mais evidentes concentram-se nas demandas relativas à tutela do meio
ambiente, ao direito do consumidor, à defesa do patrimônio histórico, artístico, cultural
e paisagístico e à atenção a pessoas portadoras de necessidades especiais).
De outra parte, a esfera privada aparece revalorizada[76]. Tanto é assim que a
proposta discursiva de Habermas procurará, na formulação teórica do Estado
Democrático de Direito, resgatar as pretensões de autodeterminação, autonomia e
liberdade, que estão na base de sua teoria do agir comunicativo e de sua proposta de
releitura da racionalidade construída no Ocidente[77]. E, evidentemente, a efetividade
dessas premissas depende da existência de uma esfera privada independente do poder
administrativo[78].
Observa-se, pois, que as esferas do público e privado, tratadas, tanto no
paradigma do Estado Liberal quanto no do Estado Social como
opostas[79] (modificando-se apenas a direção da “seta valorativa”), passam, num
cenário de construção do paradigma do Estado Democrático de Direito, a ser vistas como
complementares, eqüiprimordiais. E é essa mesma relação de eqüiprimordialidade que
norteará a redefinição da dicotomia direito público-direito privado. Numa sociedade
complexa, algumas distinções conceituais tornam-se fluidas e variáveis. O direito
privado passa a ter espaços – antes inteiramente preservados de qualquer disposição de
ordem normativa – regulamentados em lei. Isso se torna visível especialmente no direito
de família. E, da mesma forma, algumas das disciplinas antes classificadas como de
direito público passam a assumir uma feição cada vez mais aberta à possibilidade de
argumentação, à inserção de elementos ligados à iniciativa individual. Um exemplo
ilustrativo são as normas que autorizam transação penal ou suspensão da punibilidade
em face da admissão da prática do ilícito.
Essa modificação de enfoque se reflete com especial relevo no direito
administrativo. A redefinição do Estado não se reporta apenas ao tamanho de seu
aparato; ela também pressupõe o questionamento do forte apelo hierárquico e
verticalizante que norteia várias noções de direito administrativo desde sua
sistematização doutrinária. Figuras jurídicas clássicas como a de “discricionariedade da
Administração” ou a de “ato de império” passam a ser observadas, sob o ponto de vista
de uma crítica “radicalmente” democrática, como esferas de atuação do poder
administrativo que atuaram, por grande período de tempo, isentas de qualquer controle
ou discussão por parte da sociedade, o que pode ser interpretado como decorrência da
submissão do público ao estatal.
Vive-se imerso na intensa dinâmica do tempo histórico presente. A emancipação
de uma esfera pública independente dos comandos estatais e que viabilize a
redefinição da relação entre a dimensão privada da existência e o aspecto público da
organização social constitui o maior desafio a ser enfrentado por sociedades que se
pretendam democráticas. A sobrevivência e a renovação do constitucionalismo, como
construção social típica do mundo moderno, dependem, em grande parte, dessa relação
complementar. E o direito administrativo, como ramo do conhecimento jurídico apto a
propiciar, em seu campo de abrangência, a mediação entre esses pólos, reveste-se de
uma importância imensurável.
Trata-se, enfim, de repensar o Estado, o direito, a constituição, a sociedade. Com
os olhos voltados para a experiência presente. Encontra maior sentido e impacto, nesse
momento, a exortação de Drummond: “O presente é tão grande, não nos afastemos. O
tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”[80].

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[1] O autor registra seus agradecimentos a Menelick de Carvalho Netto, Alexandre


Bernardino Costa, Paulo Sávio Peixoto Maia e Renato Bigliassi, que tiveram acesso ao
manuscrito e contribuíram com valiosas sugestões para a versão final deste artigo.
[2] Quando a história surge como disciplina acadêmica autônoma, no século XIX, ela
adota e se inspira em procedimentos de argumentação e pesquisa já utilizados por
juristas. Para uma melhor definição desses interessantes contatos entre a história e
outros campos do conhecimento, cf. BANN, Stephen. As invenções da história – ensaios
sobre a representação do passado. São Paulo: Unesp, 1994 (trad. de Flávia Villas-Bôas),
pp. 27-50.
[3] Revela-se adequada, nesse contexto, a recomendação de Anthony Giddens:
“Devemos ser cuidadosos com o modo de entender a historicidade. Ela pode ser definida
como o uso do passado para ajudar a moldar o presente, mas não depende de um
respeito pelo passado. Pelo contrário, historicidade significa o conhecimento sobre o
passado como um meio de romper com ele – ou, ao menos, manter apenas o que pode
ser justificado de uma maneira proba”. As conseqüências da modernidade. São Paulo:
Unesp, 1991 (trad. de Raul Fiker), p. 56.
[4] Bloch narra um diálogo que manteve com Henri Pirenne, um dos “pais” da nova
história. Quando ambos percorriam a cidade de Estocolmo, surgiu a dúvida: o que visitar
primeiro? Construções novas ou partes históricas da cidade? Para surpresa de Bloch,
Pirenne decidiu ir em primeiro lugar às edificações novas da cidade, e justificou sua
resolução com a seguinte frase: “Se eu fosse um antiquário, preferiria ver as coisas
velhas. Mas sou um historiador e por isso amo a vida”. Episódio narrado em BLOCH,
Marc. Introducción a la historia. 1ª ed., 17ª reimpressão. México: Fondo de Cultura
Económica, 1992, p. 38.
[5] VEYNE, Paul. Como se escreve a história. 3ª ed. Brasília: EdUnB, 1995 (trad. de Alda
Baltar e Maria Auxiliadora Kineipp), p. 11.
[6] Adota-se, nesta parte da exposição, a delimitação proposta por Moses Finley para os
vários estágios da experiência grega na Antigüidade: um período arcaico, que vai até
500 a.C., compreendendo a civilização cretense, a civilização micênica e os tempos
homéricos, o período clássico (estabelecido entre o ano de 500 a.C. e a morte de
Alexandre, ocorrida em 323 a.C.) e período helenístico, ao qual se seguiu a dominação
romana. Cf. FINLEY, Moses. “Introdução”. In: FINLEY (org.). O legado da Grécia: uma nova
avaliação. Brasília: EdUnB, 1998 (trad. de Yvette V. Pinto de Almeida), p. 8.
[7] Cf., para um melhor esclarecimento da inter-relação entre política, governo e religião
na Mesopotâmia e Egito, ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. “Direito e sociedade no
Oriente Antigo: Mesopotâmia e Egito”. In: WOLKMER, Antônio Carlos
(org.). Fundamentos de história do direito. 2ª ed., 2ª reimp. Belo Horizonte: Del Rey,
2002.
[8] Cf. FINLEY, M. “Política”. In: FINLEY (org.). O legado da Grécia: uma nova avaliação,
pp. 31-47.
[9] Cf., para uma conhecida e criteriosa reconstrução da teoria, BOBBIO, Norberto. A
teoria das formas de Governo. 6ª ed. Brasília: EdUnB, 1992 (trad. de Sérgio Bath).
[10] Para uma criteriosa descrição do processo que conduziu à instalação e consolidação
da democracia em Atenas, cf. MOSSÉ, Claude. Atenas – a história de uma democracia. 3ª
ed. Brasília: EdUnB, 1997 (trad. de João Batista da Costa). Para demarcação de aspectos
diferenciais em relação às concepções de democracia em diferentes épocas históricas,
ver FINLEY, Moses. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988 (trad. de
Waldéa Barcellos e Sandra Bedran). E, para uma inovadora análise da relação entre a
prática e a teoria da democracia ateniense, cf. LORAUX, Nicole. Invenção de Atenas. Rio
de Janeiro: Editora 34, 1994 (trad. de Lilian Valle).
[11] Observadas, é claro, as inúmeras e relevantes particularidades históricas. O
princípio estruturante da diferenciação por estratos consiste na desigualdade de
distribuição de poder e riqueza entre os membros do grupo social. Cf. a clássica
descrição de Niklas LUHMANN. Sociologia do direito (I). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1983 (trad. de Gustavo Bayer) e a descrição das formas de diferenciação apresentada em
ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. Modernidade, tempo e direito, pp. 161-197.
[12] Adota-se, nesta parte, a clássica descrição empreendida por Hannah ARENDT. A
condição humana. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997 (trad. de Roberto
Raposo), pp. 31-88. É fundamental, entretanto, ressaltar que a narrativa de Hannah
Arendt não pode ser compreendida como um simples relato histórico da vida política e
social em Atenas. Há sérias e ponderáveis restrições, por parte de historiadores e
filósofos voltados à Antigüidade clássica, acerca da excessiva categorização e divisão
concedidas ao público e ao privado por Hannah Arendt (divisão essa que é, em certa
medida, carente de fontes históricas). O que viabiliza sua inclusão numa reconstrução
histórico-teorética da distinção público/privado é, em primeiro lugar, o enorme alcance
e influência da reflexão arendtiana ao longo do século XX e, em segundo lugar, a
originalidade da bipartição entre as duas esferas da experiência social. Nesse contexto,
as proposições de Arendt devem ser percebidas como “tipos-ideais”, quadros de
referência aptos a demonstrar, antes de tudo, a preocupação (atual, portanto
profundamente histórica) da teoria política ocidental em demarcar, com significante
poder persuasivo, as dimensões do público e do privado. Para duas abordagens
rigorosas da experiência política e econômica em Atenas, ver VEYNE, Paul. “Os gregos
conheceram a democracia?”. In: Diógenes – Revista Internacional de Ciências Sociais. Nº
6. Brasília: EdUnB, 1984 (trad. de Ana Maria Falcão) e CRESPO, Ricardo F. “La noción
aristotélica de Oikonomiké”. In: Hýpnos. Nº 4. São Paulo: Editora da PUC-SP/Palas Atena,
1996-1998, pp. 139-148.
[13] Recorde-se que, por questões ligadas às condições do solo (de baixa fertilidade e
em grande parte dominada por rochas), a ameaça de fome foi uma constante em toda a
experiência grega na Antigüidade, assim como foi baixa a expectativa de vida, inclusive
para os padrões da época. Cf., para esses aspectos, FINLEY, Moses. “Introdução”, pp.
22-23 e LOPES, José Reinaldo Lima. O direito na história – lições introdutórias. São Paulo:
Max Limonad, 2000, pp. 33-34.
[14] Órgãos encarregados, no período democrático, de resolver questões alusivas a
política externa, julgamentos em determinados crimes e demais assuntos políticos. Eram
compostos por cidadãos, por determinados lapsos de tempo, com direito a votação
igualitária e com pagamento por comparecimento à sessão (mistoforia), como forma de
evitar a concentração das deliberações por parte de famílias com maior poder aquisitivo.
Para uma detalhada descrição dos procedimentos e composição desses órgãos
assembleares, cf. MOSSÉ, Claude. O processo de Sócrates. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1990 (trad. de Arnaldo Marques) e SOUZA, Raquel de. “O direito grego antigo”. In:
WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de história do direito. 2ª ed, 2ª reimp.
Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
[15] A seguinte passagem de Hannah Arendt parece sintetizar a linha de pensamento
até aqui descrita: “O que todos os filósofos gregos tinham como certo, por mais que se
opusessem à vida na polis, é que a liberdade situa-se exclusivamente na esfera política;
que a necessidade é primordialmente um fenômeno pré-político, característico da
organização do lar privado”. A condição humana, p. 40.
[16] Mesmo alguns estrangeiros que colaboraram na restauração da democracia, após o
turbulento período de governo dos trinta tiranos, não foram beneficiados com a
concessão da cidadania ateniense. Cf. MOSSÉ, Claude. O processo de Sócrates, p. 45.
[17] O desenvolvimento das estruturas políticas em Roma, como poder-se-á observar
nas linhas que se seguem, não contemplou o regime democrático nos moldes
atenienses, e o modelo moderno de democracia, forjado após a luta contra o
Absolutismo, consagra a representação política, conceito inteiramente estranho à
prática democrática em Atenas.
[18] Ver, a esse respeito, ROULAND, Norbert. Roma, democracia impossível? – os
agentes do poder na urbe romana. Brasília: UnB, 1997 (trad. de Ivo Martinazzo) e
GORDON, Scott. Controlling the State – constitutionalism from ancient Athens to today.
Cambridge, MA and London: Harvard University Press, 2002, pp. 86-115.
[19] FINLEY, Moses. “Introdução”, pp. 13-14.
[20] Para uma interessante descrição desse processo dúplice de conquista, cf.
ANDERSON, Perry. Passagens da Antigüidade ao feudalismo. 5ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1995 (trad. de Beatriz Sidou), pp. 55-64.
[21] Cf., nesta matéria, a clássica e vigorosa descrição de GIBBON, Edward. Declínio e
queda do Império Romano. Ed. abrev. São Paulo: Companhia das Letras, 1989 (trad. de
José Paulo Paes). Para abordagens da segunda metade do século XX, voltadas a aspectos
econômicos, cf. FINLEY, Moses. Aspectos da Antigüidade. São Paulo: Martins Fontes,
1991, esp. pp. 177-186 e ANDERSON, Perry. Passagens da Antigüidade ao feudalismo,
pp. 64-99.
[22] Ver, a esse respeito, TARNAS, Richard. The passion of the western mind –
understanding the ideas that have shaped our World View. London: Pimlico, 2000, pp.
87-93 e 98-119 e SCHMITT, Carl. Catolicismo romano e forma política. Belo Horizonte:
Manuscrito inédito, 1998 (trad. de Menelick de Carvalho Netto).
[23] Entende-se adequado, para o exercício de datação interna da era histórica que se
convencionou chamar Idade Média, o critério adotado por Hilário Franco Júnior, que
divide o horizonte temporal da Idade Média em quatro grandes períodos: (i) a Primeira
Idade Média (início do século IV a meados do século VIII), marcada pela lenta transição
do mundo antigo para a sociedade medieval; (ii) a Alta Idade Média (meados do século
VIII ao século X), época do Império Carolíngio e sua aliança com a Cristandade, mas já
caracterizada por fortes tendências descentralizantes e centrífugas; (iii) a Idade Média
Central (séculos XI a XIII), período em que se consolida a formação social usualmente
denominada “feudalismo”, em que há fragmentação do poder político na Europa
ocidental e as economias se voltam para o interior de cada domínio senhorial, com
relações próprias de vassalagem. É ainda nesse período de Idade Média Central que se
opera o “Renascimento da Idade Média”, típico dos séculos XII e XIII, marcado pelo
ressurgir das cidades, revitalização do comércio e da moeda e surgimento das
universidades. Assim, pode-se dizer que no subperíodo intitulado Idade Média Central
estão compreendidos tanto o feudalismo como o renascimento urbano e comercial; (iv)
há, por fim, a Baixa Idade Média (situada entre o século XIV e meados do século XV),
tempo de declínio da civilização medieval com a crise econômica global e o decréscimo
populacional ocorridos no século XIV. FRANCO JR., Hilário. A Idade Média – nascimento
do Ocidente. 1ª ed., 6ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 1999, pp. 11-15.
[24] É fundamental observar, nesse contexto, que durante toda a Antigüidade o homem
esteve envolto por uma cosmovisão, uma explicação abrangente acerca de sua presença
no mundo, que pressupunha uma dada idéia de natureza e de cosmos e que possuía
fundo religioso e gnoseológico. Essa orientação pode ser encontrada na grande parte
das correntes filosóficas gregas, desde os pré-socráticos até os filósofos clássicos,
estóicos e neoplatônicos. Autores dessas últimas duas escolas mantiveram contato com
o mundo romano e transplantaram para o novo ambiente a cosmovisão forjada na Grécia
Antiga. Cícero é um autor representativo dessa comunicação, pois foi o responsável pela
tradução do grande sistema de educação e formação do homem grego, a Paideia,
transformada na Humanitas latina. Sua obra está repleta de influências de filósofos
gregos. Ver TARNAS, Richard. The passion of the western mind, pp. 73-88. Ver, quanto
à repercussão dessa concepção na filosofia do direito da Antigüidade, FRIEDRICH,
Carl. Perspectiva histórica da filosofia do direito, pp. 43-51.
[25] DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. 2ª ed. Lisboa:
Estampa, 1994 (trad. de Maria Helena Costa Dias).
[26] Cf. LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente medieval (II). 2ª ed. Lisboa: Estampa,
1995 (trad. de Manuel Ruas), pp. 9-10.
[27] LE GOFF, Jacques. “O ritual simbólico de vassalagem”. In: Para um novo conceito de
Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: Estampa, 1993 (trad. de
Maria Helena da Costa Dias), pp. 325-385. Para uma descrição, com fontes da época,
de um contrato feudo-vassálico, e sua importância no direito medieval, cf. GILISSEN,
John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995 (trad.
de A.M. Botelho Hespanha e I.M. Macaísta Malheiros), p. 193.
[28] Cf., para uma primeira análise dos fatores e desdobramentos dessas importantes
modificações históricas: BRONOWSKY, J. e MAZLISCH, B. A tradição intelectual do
Ocidente. Lisboa: Edições 70, 1988 (trad. de Joaquim João Braga Coelho Rosa).
[29] Para uma visão geral, cf. FRIEDRICH, Carl. Perspectiva histórica da filosofia do
direito, pp. 74-127 e KAUFMANN, Arthur. “Teoría de la justicia. Un ensayo histórico-
problemático”. In: Anales de la cátedra Francisco Suárez. Nº 25. Granada: Universidad
de Granada, 1985.
[30] Ver, para uma excelente descrição desses conflitos na cena política inglesa, bem
como sua repercussão no desenvolvimento do common law, NÉBIAS BARRETO,
Herman. A petition of right e o rule of law. Belo Horizonte, 2001. Dissertação de
mestrado. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (inédito).
[31] Momento em que são elaborados alguns dos mais importantes documentos do pré-
constitucionalismo inglês: o Bill of Rights (1689), o Toleration Act (1689) e o Act of
Settlement (1701). Um interessante desdobramento da modificação da cena política
inglesa no século XVII é o fato de que naquela comunidade política, de modo contrário
ao ocorrido na Europa Continental e nos Estados Unidos da América (como será visto no
próximo tópico deste ensaio), não houve a promulgação de uma constituição escrita e
rígida. Com a persistência, na Modernidade, da idéia de supremacia do Parlamento, não
se estabeleceu um “momento constitucional” na Inglaterra, país que propiciou grande
parte da experiência pré-constitucional no Ocidente. Para uma interessante abordagem
da influência dos eventos do século XVII na Inglaterra na doutrina e prática do
constitucionalismo moderno, cf., entre vários, GORDON, Scott. Controlling the State
– constitutionalism from ancient Athens to today, especialmente pp. 287-294 e
CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito
Comparado. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1984 (trad. de Aroldo Plínio Gonçalves), pp. 57-
63.
[32] Cf., a esse respeito, BRIGGS, Asa. A social history of England, pp. 3ª ed. London:
Penguin, 1999, pp. 143-173, RUSSELL, Conrad. The causes of the english civil war – the
Ford lectures delivered in the University of Oxford (1987-1988). Oxford: Oxford
University Press, 1990 e ASHLEY, Maurice. The english civil war. Gloucestershire: Sutton
Publishing, 2001.
[33] Constitución – de la Antigüedad a nuestros días. Madrid: Trotta, 2001 (trad. de
Manuel Martínez Neira), p. 56.
[34] Idem, ibidem.
[35] Cf., em relação à gênese, conteúdo e repercussão da Magna Carta, entre muitos:
HOLT, J.C. Magna Carta. 2ª ed. Cambridge: Press of the Syndicate of the University of
Cambridge, 1994.
[36] Cf. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. pp. 423-424 e CAENEGEM, Raoul
van. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes, 1995 (trad.
de Carlos Eduardo Machado), pp. 88-91.
[37] Constitución – de la Antigüedad a nuestros días, p. 134. Para um aprofundamento
da crítica, ver HEGEL, Georg Friedrich. Princípios da filosofia do direito. 4ª ed. Lisboa:
Guimarães Editores, 1990 (trad. de Orlando Vitorino), pp. 224-232.
[38] Na feliz síntese de Menelick de Carvalho Netto: “O Direito e a organização política
pré-modernos encontravam tradução, em última análise, em um amálgama normativo
indiferenciado de religião, direito, moral, tradição e costumes transcendentalmente
justificados e que essencialmente não se discerniam. O Direito é visto como a coisa
devida a alguém, em razão de seu local de nascimento na hierarquia social tida como
absoluta e divinizada nas sociedades de castas”. “A hermenêutica constitucional sob o
paradigma do Estado Democrático de Direito”. In: Notícia do direito brasileiro. Nova
série. Nº 6. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, 2/1998, pp. 237-238.
[39] Crise exemplificada na reflexão teórica de Thomas Hobbes. Uma de suas principais
obras, o Leviathan, foi escrita em 1651, dois anos após a execução de Carlos I. Cf.
GORDON, Scott. Controlling the State – constitutionalism from ancient Athens to today,
pp. 24-28.
[40] Para uma cartografia das modificações na semântica do tempo histórico na
Modernidade, e suas inter-relações com o sistema do direito, cf. ARAUJO PINTO,
Cristiano Paixão. Modernidade, tempo e direito, pp. 239-264.
[41] Para uma acurada descrição do processo de diferenciação, a referência fundamental
é: LUHMANN, Niklas. The differentiation of society. New York: Columbia University Press,
1982 (trad. de Stephen Holmes e Charles Larmore). Podem ser consultadas, com
proveito, as seguintes obras de Niklas LUHMANN: Sociologia do direito (I e II). Teoria
politica nello Stato del benessere. 2ª ed. Milano: FrancoAngeli, 1987 (trad. de Raffaella
Sutter). La differenziazione del diritto. Bologna: Il Mulino, 1990 (trad. de Raffaele De
Giorgi e Michele Silbernagl). Osservazioni sul moderno Roma: Armando Editore, 1995
(trad. de Francesco Pistolato). Ver também: NAVAS, Alejandro. La teoria sociológica de
Niklas Luhmann. Pamplona: Ed. Univ. de Navarra, 1989 e ARAUJO PINTO, Cristiano
Paixão. Modernidade, tempo e direito, pp. 161-237.
[42] “Modern constitutionalism as interplay between identity and diversity”. In:
ROSENFELD, M. (ed.) Constitutionalism, identity, difference, and legitimacy – theoretical
perspectives. Durham, NC and London: Duke University Press, 1998, p. 3.
[43] Ainda segundo o pensamento de Rosenfeld, há adesão ao Estado de Direito quando,
numa determinada organização política, (1) os cidadãos estejam sujeitos apenas a leis
publicamente promulgadas, (2) a função legislativa seja minimamente separada da
função judicial e (3) ninguém esteja acima da lei. “The rule of law, and the legitimacy of
constitutional democracy”. Working Paper Series. Nº 36. New York: Cardozo Law School,
março de 2001, p. 2.
[44] As conhecidas exceções à regra são a Grã-Bretanha, a Nova Zelândia e Israel, que
não adotam constituição escrita. Vale ponderar, contudo, a existência de importante
movimento político na Grã-Bretanha para adoção de uma carta constitucional no sentido
formal. É o movimento intitulado Charter 88. Cf., para maior detalhamento, o
sítio: www.charter88.org.uk (acesso em 20.11.2002). Merecem ser ponderados, ainda,
dois outros fatores que mitigam (ou diluem) a resistência britânica à vigência de uma
constituição escrita: (i) a adoção, cada vez mais corriqueira, de instrumentos de direitos
humanos em âmbito europeu, o que envolve o sistema legal e jurídico da Grã-Bretanha;
e (ii) a discussão em torno de uma possível elaboração de uma constituição européia.
Ver, quanto ao primeiro ponto: KING, Anthony. Does the United Kingdom still have a
constitution?. London: Sweet & Maxwell, 2001, JOWELL, Jeffrey e OLIVER, Dawn. The
changing constitution. 4ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2000 e ZANDER,
Michael. A bill of rights?. 4ª ed. London: Sweet & Maxwell, 1996. No que se refere à
constituição européia, cf. os artigos de Dieter Grimm (“Una costituzione per l´Europa?”)
e Jürgen Habermas (“Una costituzione per l´Europa? – Osservazioni su Dieter Grimm”)
em ZAGREBELSKY, Gustavo. PORTINARO, Pier Paolo. LUTHER, Jörg (org.). Il futuro della
costituzione. Torino: Einaudi, 1996.
[45] Podem ser identificadas algumas “ondas” de constitucionalismo ao longo dos
séculos: inicialmente, as constituições liberais que marcam a quase totalidade do século
XIX; num segundo momento, as constituições do chamado Estado Social de Direito
(como exemplos mais citados: México, em 1917, Weimar, em 1919 e Brasil, em 1934);
em seguida, as constituições da Europa Ocidental do pós-Guerra (França, Itália, ex-
Alemanha Ocidental); na década de 1970, as constituições de Portugal e Espanha,
advindas após décadas de regimes ditatoriais; e, por fim, na década de 1990, as
constituições dos países do Leste Europeu, promulgadas com a queda do bloco
soviético. Cf. CANOTILHO, J.J. Gomes. “Externalização ou internalização da ´justiça´
constitucional – introversão ou extroversão da legitimidade processual constitucional”.
Conferência proferida em Porto Alegre, maio de 1994, p. 7. Manuscrito inédito.
[46] A ratio decidendi da decisão redigida pelo Juiz Marshall é bem sintetizada na
seguinte passagem de Mauro Cappelletti: “a função de todos os juízes é a de interpretar
as leis, a fim de aplicá-las aos casos concretos de vez em vez submetidos a seu
julgamento; uma das regras mais óbvias da interpretação das leis é a segundo a qual,
quando duas disposições legislativas estejam em contraste entre si, o juiz deve aplicar
a prevalente; tratando-se de disposições de igual força normativa, a prevalente será
indicada pelos usuais, tradicionais critérios lex posterior derogat legi priori, lex specialis
derogat legi generali, etc.; mas, evidentemente, estes critérios não valem mais – e vale,
ao contrário, em seu lugar, o óbvio critério lex superior derogat legi inferior‘ – quando
o contraste seja entre disposições de diversa força normativa: a norma constitucional,
quando a Constituição seja ‘rígida’ e não ‘flexível’, prevalece sempre sobre a norma
ordinária contrastante, do mesmo modo como a lei ordinária prevalece, na Itália assim
como na França, sobre o regulamento, ou seja, na terminologia alemã,
as Gesetze prevalecem sobre as Verordnungen“. O Controle Judicial de
Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado, p.75. Ver, ainda, a abordagem
teórica proposta por TUSHNET, Mark. “Marbury v. Madison and the theory of judicial
supremacy”. In: GEORGE, Robert. (ed.). Great cases in constitutional law. Princeton:
Princeton University Press, 2000. Para uma minuciosa e esclarecedora reconstrução
histórica das circunstâncias que nortearam a decisão, cf. GARRATY, John A. “The case of
the missing comissions”. In: GARRATY, John. (ed.). Quarrels that have shaped the
Constitution. New York: HarperCollins, 1988.
[47] É oportuno lembrar a definição kuhniana de paradigma: “Considero ‘paradigmas’
as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo,
fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma
ciência”. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 4ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 1996 (trad. de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira), p. 13. Para uma
esclarecedora explicação acerca da relação entre a noção de paradigma e a hermenêutica
(com seus conceitos de tradição e pré-compreensão), cf. CARVALHO NETTO, Menelick
de. “A contribuição do Direito Administrativo enfocado da ótica do administrado para
uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das leis no
Brasil: um pequeno exercício de Teoria da Constituição”. In: Fórum administrativo. Ano
I. Nº 1. Belo Horizonte: Forum, março de 2001, pp. 14-15 e BARNES, Barry. “Thomas
Kuhn”. In: SKINNER, Quentin (ed.). As ciências humanas e os seus grandes pensadores.
Lisboa: Dom Quixote, 1992 (trad. de Teresa Curvelo).
[48] Uma esclarecedora organização das idéias fundamentais do liberalismo, em suas
diversas vertentes, pode ser encontrada em CADEMARTORI, Sérgio e MORAIS, José Luiz
Bolzan de. “Liberalismo e função do Estado nas relações de produção”. In: Revista
Seqüência – estudos jurídicos e políticos. Nº 24. Florianópolis: CPDG-UFSC, setembro de
1992, pp. 81-91.
[49] Cf., quanto a essa asserção, CARVALHO NETTO, Menelick de. “A hermenêutica
constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito”, p. 240.
[50] LUHMANN, Niklas. Teoria politica nello Stato del benessere, pp. 59-60.
[51] Atente-se para a abordagem de Menelick de Carvalho Netto: “O Direito Público, no
entanto, deveria assegurar, mesmo que por intermédio de formas e sistemas de governo
variados, o não-retorno ao absolutismo, precisamente para que aquelas idéias abstratas
pudessem ter livre curso na sociedade, mediante a limitação do Estado à lei e a adoção
do princípio da separação dos poderes que, ainda que lido de distintos modos, sempre
deveria requerer, no mínimo, também a aprovação da representação censitária da
“melhor sociedade” no processo de elaboração dessas mesmas leis. E, assim, às leis
deveria ser reservado o tratamento de toda a matéria relativa à vida, à liberdade e à
propriedade dos súditos. Contudo, em face do Direito Privado, reino por excelência
daquelas verdades evidentes, o Direito Público, ao variar, em seus detalhes, de país para
país, é visto como mera convenção, pois da ‘sociedade política’ deveria participar apenas
a ‘melhor sociedade’, convencionalmente estabelecida pelo requisito de renda mínima
para o exercício do voto, bem assim pelos critérios mínimos crescentes de renda
censitariamente escalonados para que alguém pudesse se candidatar a cargos públicos
nacionais, regionais e locais”. “A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado
Democrático de Direito”, pp. 239-240.
[52] Consoante a descrição de Menelick de Carvalho Netto: “Pela primeira vez na história
pós-tribal, todos os membros da sociedade são, ou devem ser, proprietários, homens
livres e, assim, igualmente sujeitos de direito, capazes, até mesmo o mais humilde
trabalhador braçal, de realizar atos jurídicos contratuais como o da compra e venda da
força de trabalho. Com o movimento constitucionalista implantam-se Estados de Direito
que resultam da conformação da organização política à necessidade de que essas idéias,
tidas como direito natural de cunho racional, verdades matemáticas absolutas e
inquestionáveis (caracterizadoras do indivíduo – essa outra invenção da modernidade)
pudessem encontrar livre curso e se impor (…) O Direito Privado, por sua vez,
corresponderia àquelas verdades matemáticas inerentes a todo e qualquer indivíduo: os
direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade privada”. “A hermenêutica
constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito”, pp. 239-240.
[53] Cf. a criteriosa reconstrução histórico-teorética empreendida por MENEGHELLI, José
Eduardo Neder. Responsabilidade do Estado por ato jurisdicional lícito: prisão preventiva
e posterior absolvição do acusado. Brasília, 2002. Dissertação de mestrado. Faculdade
de Direito da Universidade de Brasília (inédito), pp. 71-90.
[54] Trata-se da conhecida tese de Jürgen Habermas, que data da década de 1960,
acerca da construção de uma esfera pública no cenário europeu da metade do século
XVIII. Para uma adequada e esclarecedora descrição desse processo, cf. SOUZA, Jessé. A
modernização seletiva – uma interpretação do dilema brasileiro. Brasília: EdUnB, 2000,
pp. 59-93.
[55] LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998
(trad. de Walter Stönner), p. 37.
[56] Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente – contra o
desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000, p. 149. Um dos Estados europeus
em que esse dilema se manifestou de forma viva foi a Alemanha, no período
imediatamente posterior à primeira guerra. Para uma visão autorizada daquela
determinada época histórica, ver: HERF, Jeffrey. O modernismo reacionário – tecnologia,
cultura e política na República de Weimar e no 3º Reich. Campinas: Ensaio e Ed. da
Unicamp, 1993 (trad. de Cláudio F. da S. Ramos). RICHARD, Lionel. A República de
Weimar (1919-1933). São Paulo: Companhia das Letras, 1988 (trad. de Jônatas Batista
Neto). KLEIN, Claude. Weimar. São Paulo: Perspectiva, 1995 (trad. de Geraldo Gerson de
Souza). THALMANN, Rita. A República de Weimar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988 (trad.
de Álvaro Cabral). GAY, Peter. A cultura de Weimar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978
(trad. de Laura L. da Costa Braga). LOUREIRO, Isabel Maria. Rosa Luxemburg – os
dilemas da ação revolucionária. São Paulo: Unesp, 1995. TRAGTENBERG,
Maurício: Burocracia e ideologia. São Paulo: Ática, 1985, pp. 93-185.
[57] Também intitulado “Estado do Bem-Estar Social”, na tradição anglo-germânica, ou
“Estado-Providência”, na dicção francesa. As expressões podem ser tomadas, para os
fins do presente texto, como equivalentes.
[58] Duas obras de referência para a apresentação da evolução histórica do Estado Social
são: BRIGGS, Asa: “The Welfare State in Historical Perspective.”. In: European Journal of
Sociology. Nº 11. 1961. MARSHALL, T.H.: Class, Citizenship, and Social
Development. Chicago: Univ. of Chicago Press, 1963. Uma coletânea abrangente de
vários ensaios referentes ao Estado Social é: PIERSON, Christopher e CASTLES, Francis G.
(eds.). The Welfare State Reader. Cambridge: Polity Press, 2000.
[59] LUHMANN, Niklas. Teoria politica nello Stato del benessere, pp. 42-45.
[60] Idem, pp. 74-80.
[61] Segundo a observação de Menelick de Carvalho Netto: “nessa visão [do paradigma
do Estado Social], o público vai se apresentar como estatal, até porque Schmitt, que
também é um dos representantes desse paradigma, nos diz claramente que povo aí só
pode ser a massa daqueles deserdados, explorados até o máximo pelo capitalismo
selvagem (…) É o Estado que tem de assumir o papel de Leviatã capaz de produzir
cidadania para essa massa de desvalidos e incorporá-los na cidadania como tal, porque
cidadania formal ela tem, ela alcança um direito de voto, mas agora ela precisa da
materialização, que o exercício de um voto consciente requeriria”. “Controle de
constitucionalidade e democracia”. In: MAUÉS, Antonio G. Moreira (org.). Constituição e
democracia. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 227.
[62] Consoante acrescenta Menelick de Carvalho Netto: “A idéia de liberdade agora se
assenta numa igualdade tendencialmente material, através do reconhecimento na lei das
diferenças materiais entre as pessoas e sempre a proteção do lado mais fraco das várias
relações. É precisamente com essa mudança básica que os Direitos sociais coletivos se
importam; é com ela que vamos ter a idéia de liberdade como a exigência de leis que
reconheçam materialmente as diferenças, com a emancipação do campo do Direito civil,
do Direito do trabalho, da previdência social, etc. É claro que vamos ter também aí a
noção da propriedade condicionada a uma função social, não mais vista como um Direito
absoluto, mas condicionado”. “A contribuição do Direito Administrativo enfocado da
ótica do administrado para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de
constitucionalidade das leis no Brasil: um pequeno exercício de Teoria da Constituição”,
p. 17.
[63] Prossegue o relato de Menelick de Carvalho Netto: “É o que Kelsen observa muito
bem quando afirma que o Direito público e o privado não são categorias ontológicas.
Para ele, podemos manter a distinção didática entre Direito público e Direito privado,
mas, na verdade, todo Direito é público, todo Direito é estatal, todo Direito é criado num
parlamento. A quantidade de esfera privada que se deixa é uma convenção”. “A
contribuição do Direito Administrativo enfocado da ótica do administrado para uma
reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das leis no Brasil:
um pequeno exercício de Teoria da Constituição”, p. 17.
[64] Observe-se a reflexão de Boaventura de Sousa Santos: “O impacto do novo modo
de regulação social no direito foi enorme. A monitorização intensificada dos processos
econômicos e sociais levada a cabo pelo Estado conduziu ao desenvolvimento de novos
domínios do direito, como o direito econômico, o direito do trabalho e o direito social,
todos eles com a característica comum de conjugarem elementos de direito privado e
de direito público, esbatendo assim ainda mais a linha de demarcação entre Estado e
sociedade civil”. A crítica da razão indolente – contra o desperdício da experiência, p.
149.
[65] Cf. MENEGHELLI, José Eduardo Neder. Responsabilidade do Estado por ato
jurisdicional lícito: prisão preventiva e posterior absolvição do acusado, p. 86.
[66] O que é suficiente para que se evite qualquer leitura “neoliberal” da crise do Estado
Social, como se ela representasse uma necessidade de “retorno” aos “princípios” do
liberalismo clássico.
[67] Niklas Luhmann assevera, numa feliz passagem, que o Estado do Bem-Estar Social,
com sua estrutura circular de resolução e produção de (novos) problemas, acabou por
evidenciar uma “realidade autoproduzida”. Teoria politica nello Stato del benessere, p.
44.
[68] Cf., por todos, WEBER, Max. Economia y sociedad. 2ª ed, 9ª reimpressão. México:
Fondo de Cultura Económica, 1992 (trad. de José Medina Echavarría et al.), esp. pp. 170-
180, 716-752 e 1047-1117.
[69] LUHMANN, Niklas. Teoria politica nello Stato del benessere, pp. 54-55.
[70] Para aclaramento da operação e da auto-reprodução dos sistemas funcionais, cf.
ARAUJO PINTO, Cristiano Paixão. Modernidade, tempo e direito, pp. 161-237. Para uma
explicitação desses riscos e possibilidades de des-diferenciação, cf. LUHMANN,
Niklas. Teoria politica nello Stato del benessere, esp. pp. 65-87.
[71] Adota-se, aqui, a reflexão empreendida por Jürgen Habermas no capítulo IX da
obra: Direito e democracia – entre facticidade e validade (II). Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, pp. 123-190, a partir da sofisticada leitura proposta nos diversos
textos, já bastante citados, de Menelick de Carvalho Netto. Para uma adequada
compreensão da “virada procedimental” trazida pela reflexão habermasiana sobre o
direito moderno, cf. as seguintes referências: HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro –
estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002 (trad. de George Sperber e Paulo Astor
Soethe) e A constelação pós-nacional – ensaios políticos. São Paulo: Littera Mundi, 2001
(trad. de Márcio Seligmann-Silva). Ver também: WHITE, Stephen K. (ed.). The Cambridge
Companion to Habermas. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. OUTHWAITE,
William. Habermas – a critical introduction. Cambridge: Polity Press, 1994. BAXTER,
Hugh. “System and lifeworld in Habermas´s theory of law”. In: Cardozo Law Review. Vol.
23. Nº 2. New York: Cardozo School of Law, fevereiro de 2002. SOUZA, Jessé. A
modernização seletiva – uma interpretação do dilema brasileiro, pp. 59-93.
[72] Observa, a esse respeito, Menelick de Carvalho Netto: “As sociedades
hipercomplexas da era da informação ou pós-industrial comportam relações
extremamente intrincadas e fluidas. Tem lugar aqui o advento dos direitos da 3ª
geração, os chamados interesses ou direitos difusos, que compreendem os direitos
ambientais, do consumidor e da criança, dentre outros. São direitos cujos titulares, na
hipótese de dano, não podem ser clara e nitidamente determinados. O Estado, quando
não diretamente responsável pelo dano verificado foi, no mínimo, negligente no seu
dever de fiscalização ou de atuação criando uma situação difusa de risco para a
sociedade”. “A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de
Direito”, p. 243.
[73] Na inspirada digressão de Roberto Aguiar: “Por mais realistas que sejamos,
cotidianamente acreditamos que a mudança das leis ensejará a mudança do mundo. É
uma luta constante na busca de novas leis que tutelem liberdades e abram novos
caminhos para a sociedade. O que não percebemos é que esse processo nada mais é do
que uma movimentação do mundo para a consignação de práticas sociais,
procedimentos políticos ou reconhecimentos jurídicos já existentes fenomenicamente e
que precisam de formalização para ainda mais se disseminarem. Logo, é a prática do
mundo, os jogos da sociedade e o exercício da cidadania que precederá a formalização
jurídica pelo direito positivado. Diante disso, devemos abandonar a crença simplista de
que a lei modifica o mundo, mas assumir o princípio de que o mundo modifica a lei.”.
“Procurando superar o ontem: um direito para hoje e amanhã”. In: Notícia do direito
brasileiro. Nova série. Nº 9. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, 2002, p. 69.
[74] Para Menelick de Carvalho Netto, “Associações da sociedade civil passam a
representar o interesse público contra o Estado privatizado ou omisso. Os direitos de
primeira e segunda geração ganham novo significado. Os de primeira são retomados
como direitos (agora revestidos de uma conotação sobretudo processual) de
participação no debate público que informa e conforma a soberania democrática de um
novo paradigma, o paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito e seu
Direito participativo, pluralista e aberto” .”A hermenêutica constitucional sob o
paradigma do Estado Democrático de Direito”, pp. 243-244.
[75] Ainda consoante a dicção de Menelick de Carvalho Netto: “O conceito básico era o
mesmo, em um ou em outro, mudava-se simplesmente a seta valorativa. No primeiro,
o privado é excelente e o público é péssimo. No segundo, o público é excelente e o
privado é péssimo. De toda sorte, no entanto, o privado é e continua a ser em ambos o
reino do egoísmo encarnado no indivíduo e o público o do interesse geral sempre
consubstanciado no Estado”. “A contribuição do Direito Administrativo enfocado da ótica
do administrado para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de
constitucionalidade das leis no Brasil: um pequeno exercício de Teoria da Constituição”,
p. 18.
[76] Na pertinente reflexão propiciada por Jürgen Habermas, a subordinação da
dimensão individual, privada, a uma determinada visão de bem público (em grande parte
dos casos, de modo coercitivo) é uma das insuficiências constatadas na teoria política
de Karl Marx. Cf. LOVE, Nancy S. “What´s left of Marx?”. In: WHITE, Stephen K. (ed.). The
Cambridge Companion to Habermas, p. 50
[77] OUTHWAITE, William. Habermas – a critical introduction, p. 149.
[78] A mesma reflexão se aplica ao constitucionalismo contemporâneo. Como aponta
Rosenfeld, “Numa comunidade completamente homogênea, marcada por uma única
proposta de vida coletiva e desprovida da concepção de que um indivíduo possa ser
portador de direitos ou interesses legítimos, ainda que separados daqueles da
comunidade como um todo, o constitucionalismo seria supérfluo”. ROSENFELD, Michel.
“The identity of the constitutional subject”. In: Cardozo Law Review. Vol. 16. Nº 1. New
York: Cardozo School of Law, janeiro de 1995, pp. 25-26.
[79] Na exata afirmação de Roberto Aguiar: “É interessante relembrar que esse
entendimento da juridicidade cindiu a sociedade em dois mundos: de um lado a esfera
pública, que precede a privada por se referir à proteção de interesses coletivos, e de
outro, a esfera privada, formada por seres abstratos denominados indivíduos, que outra
coisa não fazem senão defender seus interesses particulares. Surpreendentemente, esse
mesmo entendimento jurídico vai dar precedência a um documento legal privado, o
Código Civil de matiz napoleônico, como espinha dorsal dos ordenamentos jurídicos
nacionais criados. As esferas do público e do privado renunciaram às suas pontes e
deixaram correr soltos todos os preconceitos recíprocos e desconfianças mútuas”.
“Procurando superar o ontem: um direito para hoje e amanhã”, p. 70.
[80] Carlos Drummond de ANDRADE. Sentimento do mundo. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Record, 1997, p. 161.

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