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MICROBIOLOGIA

Omar Julio Sosa


Metabolismo e
crescimento microbiano
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir metabolismo e descrever as diferenças fundamentais entre


anabolismo e catabolismo.
 Identificar os substratos e processos utilizados pelos microrganismos
durante as suas reações metabólicas.
 Descrever as principais reações metabólicas.

Introdução
Desde as células mais simples até as que fazem parte de tecidos e órgãos
de animais superiores, todas realizam reações químicas no seu interior
que possibilitam o cumprimento de suas tarefas vitais. Nesses processos,
existem algumas moléculas que são fundamentais, como substratos
específicos, enzimas que favorecem as reações, ATP e os produtos finais.
Neste capítulo, você vai compreender o significado de metabolismo,
diferenciando anabolismo de catabolismo. Além disso, vai identificar os
substratos e processos utilizados pelos microrganismos e vai aprender
sobre as reações metabólicas mais importantes.

Reações anabólicas e catabólicas


O conjunto de todas as reações químicas que acontecem no interior de um
organismo é chamado de metabolismo. Dentro das células, existem enzimas
que favorecem essas reações, liberando energia, e são denominados processos
catabólicos. Neste grupo, é comum a fragmentação de moléculas complexas
em partículas mais simples (degradação), quebrando ligações químicas por
meio de reações hidrolíticas (que utilizam água). Como o balanço energético
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é positivo, gerando mais energia do que a que é utilizada, dizemos que são
reações exergônicas (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
Por outro lado, as reações que necessitam de energia para a síntese de
compostos orgânicos complexos partindo de partículas simples são conhecidas
como anabólicas (biosintéticas). Esses processos utilizam mais energia do
que geram e, por isso, são chamados de endergônicos. A formação de DNA
ou RNA a partir de nucleotídeos e de proteínas partindo de aminoácidos são
alguns exemplos de reações endergônicas (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
Existe um acoplamento entre as reações catabólicas que disponibilizam as
moléculas simples, as reações anabólicas que sintetizam macromoléculas, e a
energia que é fundamental para levar a cabo esses processos metabólicos. A
moeda energética comum é o ATP (trifosfato de adenosina), constituído por
três fosfatos, uma adenina e uma ribose. A quebra da molécula do ATP pela
remoção de um grupo fosfato gera difosfato de adenosina (ADP), um grupo
fosfato e energia. Essa energia do anabolismo é aproveitada para sintetizar
novamente ATP (a partir de ADP e fosfato) em uma reação catabólica (Figura
1) (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Figura 1. Reações anabólicas, catabólicas e ATP. A oxidação de moléculas complexas (catabolismo)


gera a energia que é utilizada para a produção de ATP. Por outro lado, a síntese de compostos
complexos partindo de partículas simples (anabolismo) é realizada utilizando a energia do ATP.
Fonte: Tortora, Funke e Case (2017, p.110).
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A seguir, veja algumas caraterísticas importantes das vias metabólicas


(VOET; VOET, 2013).

 Irreversivilidade: significa que o sentido das reações é único e está


determinado pela variação de energia livre.
 As vias anabólicas e catabólicas devem ser diferentes: quando dois
metabólitos (1 e 2) são interconversíveis, a via de 1 para 2 não pode
ser igual à via de 2 para 1.
 No início de cada etapa, existe uma reação exorgônica que obriga o
metabólito produzido a seguir nessa via.
 As vias metabólicas são reguladas, muitas vezes, por enzimas que
catalisam as primeiras etapas.
 Em células eucarióticas, existem regiões celulares específicas nas
quais se desenvolvem as vias metabólicas. No Quadro 1, são descritas
algumas funções metabólicas e sua localização celular. Por exemplo,
as mitocôndrias são organelas que produzem a maior parte do ATP;
no citoplasma, acontece a glicólise e, no retículo endoplasmático liso,
são gerados lipídeos e esteroides.

Quadro 1. Funções metabólicas de organelas

Organela Função

Mitocôndria Ciclo do ácido cítrico, transporte de elétrons e fosforila-


ção oxidativa, oxidação de ácidos graxos, degradação de
aminoácidos

Citosol Glicólise, ciclo das pentoses, biossíntese de ácidos graxos,


muitas reações da gliconeogênese

Lisossomos Digestão enzimática de componentes celulares e matéria


ingerida

Núcleo Replicação do DNA, transcrição, processamento do RNA

Aparelho de Golgi Processamento pós-traducional de proteínas de membrana


e proteínas que serão secretadas; formação da membrana
plasmática e de vesículas secretórias

Retículo endoplas- Síntese de proteínas ligadas a membranas e proteínas que


mático rugoso serão secretadas

(Continua)
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(Continua)

Quadro 1. Funções metabólicas de organelas

Organela Função

Retículo endoplas- Biossíntese de lipídeos e esteroides


mático liso

Peroxissomos Reações oxidativas catalisadas por aminoácidos-oxidades e


(glioxíssomos nas pela catalase; nas plantas, reações do ciclo do glioxilato
plantas)

Fonte: Adaptado de Voet e Voet (2013).

Classificação nutricional dos microrganismos


Uma forma de classificar os organismos é levando em consideração a fonte
de energia e de carbono que utilizam. Se o principal recurso energético é a
luz, são organismos fototrópicos; se a fonte de energia é a partir de compostos
orgânicos ou inorgânicos, estamos falando de organismos quimiotróficos.
Considerando a fonte de carbono, os que usam dióxido de carbono são auto-
tróficos, e os que necessitam carbono orgânico são chamados de heterotróficos.
Na Figura 2, podemos observar uma classificação geral dos organismos,
incluindo também os fotoautotróficos, foto-heterotróficos, quimioautotróficos
e quimio-heterotróficos (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Fotoautotróficos
Este tipo de organismo tem como principal fonte de energia a luz e, como fonte
de carbono, utiliza dióxido de carbono. Dentro deste grupo, temos plantas
verdes, algas e bactérias fotossintéticas (cianobactérias, bactérias verdes e
púrpuras). Na fotossíntese, o dióxido de carbono é reduzido a partir do hidro-
gênio da água, liberando oxigênio gasoso (processo oxigênico). As bactérias
verdes e púrpuras se desenvolvem em um ambiente anaeróbico, não conseguem
utilizar água para reduzir dióxido de carbono e não produzem O2 (processo
anoxigênico) (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
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Figura 2. Classificação nutricional dos organismos.


Fonte: Adaptada de Tortora, Funke e Case (2017).

Foto-heterotróficos
Os organismos foto-heterotróficos possuem como fonte de energia a luz e,
como fonte de carbono, empregam compostos orgânicos (carboidratos, álcoois,
ácidos graxos e outros ácidos orgânicos). Exemplos deste tipo de organismos
são as bactérias púrpuras não sulfurosas (Rhodopseudomonas) e as bactérias
verdes não sulfurosas (Chloroflexus) (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Quimioautotróficos
A fonte de energia dos quimioautotróficos são elétrons de compostos inorgâ-
nicos, e a fonte de carbono é o dióxido de carbono. Alguns organismos dentro
deste grupo utilizam como fonte de energia enxofre elementar (Acidithio-
bacillus thiooxidans), gás hidrogênio (Cupriavidus), monóxido de carbono
(Pseudomonas carboxydohydrogena) e sulfeto de hidrogênio (Beggiatoa)
(TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Quimio-heterotróficos
Os quimio-heterotróficos utilizam como fonte de energia os elétrons dos
átomos do hidrogênio de moléculas orgânicas. Se os compostos orgâni-
cos vêm de matéria orgânica morta ou de algum hospedeiro vivo, são
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subclassificados em saprófitas e parasitos respectivamente. Grande parte


dos animais, fungos, bactérias e protozoários são quimio-heterotróficos
(TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Catabolismo de carboidratos
A principal forma de obter energia da maioria dos microorganismos é por
meio do catabolismo de carboidratos. Dentro deles, a glicose é a molécula
mais utilizada, sendo, portanto, fundamental para o metabolismo microbiano
(TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
As células utilizam dois mecanismos básicos para gerar energia: a fermentação
e a respiração celular. Ambos os processos possuem uma primeira etapa comum,
a glicólise (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017). A fermentação é um processo
catabólico anaeróbio no qual um composto orgânico atua tanto como doador quanto
como aceptor de elétrons. Já a respiração corresponde a um catabolismo aeróbio ou
anaeróbio em que é oxidado um doador de elétrons utilizando O2 ou um substituto,
como o aceptor final de elétrons. Os dois processos, respiração e fermentação, são
caminhos metabólicos alternativos. Se as condições ambientais são de elevado
O2, ocorrerá respiração. É importante lembrar que esse processo produz maior
quantidade de energia na forma de ATP. Em caso contrário, a fermentação será o
processo que forneça energia ao microrganismo (MADIGAN et al., 2016).

Saccharomyces cerevisiae e seu dilema metabólico


A fermentação e a respiração são caminhos metabólicos alternativos, e um bom
exemplo prático disso é o da levedura S. cerevisiae. Embora o processo de respiração
gere mais energia para o organismo, as condições nas quais ele se desenvolve vão
determinar o caminho metabólico a ser seguido.
Trabalhadores da indústria alimentícia e cervejeira perceberam que a fermentação da
levedura era fundamental para a produção de pão, vinho e cerveja de boa qualidade. No
caso do pão, o produto da fermentação que aumenta sua massa é o CO2 gerado pelas
leveduras. Para a geração de vinhos e cervejas, o produto desejado da fermentação
é o álcool. Mas como a levedura “escolhe” o processo de fermentação, e não o de
respiração? As pessoas encarregadas da produção desses produtos alimentícios geram
as condições necessárias para que as leveduras realizem a fermentação. Assim, para
a produção de vinho, o recipiente com as uvas exprimidas é fechado, bloqueando o
ingresso de ar, criando um ambiente sem oxigênio. As leveduras, então, realizam o tão
esperado processo de fermentação, gerando álcool (MADIGAN et al., 2016).
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Na Figura 3, são apresentados de forma geral os três processos.

Figura 3. Respiração e fermentação


Fonte: Adaptada de Tortora, Funke e Case (2017).

Glicólise
A glicólise (também chamada via de Embden-Meyerhoff) é um processo
catabólico utilizado pela maioria dos microrganismos (Figura 4). Nessa etapa,
a molécula de glicose formada por seis carbonos é quebrada em dois açúcares
de três carbonos. Durante a oxidação desses açúcares, é liberada energia e são
formadas duas moléculas de ácido pirúvico, o NAD+ é reduzido a NADH, e
são gerados dois ATP (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
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Figura 4. Reações da glicólise (a, b).


Fonte: Adaptada de Tortora, Funke e Case (2017).
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Figura 4. Reações da glicólise (a, b).


Fonte: Adaptada de Tortora, Funke e Case (2017).
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O processo de glicólise pode ser dividido em 10 etapas, em que cada


uma é catalisada por enzimas específicas (Figura 4). No estágio inicial ou
preparatório, são consumidas duas moléculas de ATP, a glicose é fosforilada
e clivada enzimaticamente para gerar duas moléculas de três carbonos (di-
-hidroxiacetona-fosfato DHAP e gliceraldeído-3-fosfato GP). Posteriormente,
o DHAP é transformado em GP (embora também seja possível a reação
inversa). Na seguinte etapa, é formado ácido pirúvico por meio da oxidação
das moléculas de GP, gerando, também, 2 NADH e 4 ATP (TORTORA;
FUNKE; CASE, 2017).

Respiração
A respiração é um processo de oxidação em que, se o aceptor final de elétrons
for uma molécula de O2 ou outra diferente, pode ser classificado em respiração
aeróbia e em respiração anaeróbia respectivamente (MADIGAN et al., 2016).
Na respiração aeróbia, um processo fundamental é o ciclo de Krebs (ou
ciclo do ácido cítrico) (Figura 5). Em uma etapa inicial, a molécula de ácido
pirúvico produto da glicose perde uma molécula de CO2 em um processo
de descarboxilação. O composto resultante de dois carbonos (grupo acetil)
liga-se à coenzima A, formando a primeira molécula a ingressar no ciclo de
Krebs, a acetil coenzima A (acetil-CoA). A primeira reação do ciclo envolve
a transferência do grupo acetil da acetil-CoA para o ácido oxalacético,
formando uma molécula de seis carbonos (ácido cítrico). Seguidamente,
acontece uma série de oxidações e descarboxilações, gerando CO2 e NADH
respectivamente, assim como uma molécula de succinil-CoA. Por meio da
fosforilação em nível de substrato, é gerado ATP e o grupo CoA é descar-
tado, gerando ácido succínico. Em uma série de oxidações, são formados
dois produtos intermediários, o ácido fumárico e o ácido málico, liberando
FADH2 e NADH antes da formação do ácido oxalacético, que vai iniciar
novamente o ciclo (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
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Figura 5. Ciclo de Krebs (a, b).


Fonte: Adaptada de Tortora, Funke e Case (2017).
Figura 5. Ciclo de Krebs (a, b).
Fonte: Adaptada de Tortora, Funke e Case (2017).
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Fermentação
O ácido pirúvico gerado durante a glicólise pode ser utilizado na respiração ou
seguir o caminho da fermentação, em que NADP+ e NAD+ são regenerados e
um produto orgânico final é formado (Figura 6). A fermentação é um processo
que não necessita oxigênio, gera energia partindo de moléculas orgânicas
(como açúcares, aminoácidos, pirimidinas e purinas), produz pouco ATP
(gerado durante a glicólise) e usa uma molécula orgânica como aceptor final
de elétrons (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Figura 6. Fermentação (a, b).


Fonte: Adaptada de Tortora, Funke e Case (2017).
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Figura 6. Fermentação (a, b).


Fonte: Adaptada de Tortora, Funke e Case (2017).

Os produtos finais da fermentação variam dependendo do microrganismo.


Assim, por exemplo, ácido láctico é gerado por Streptococcus; etanol, por
Saccharomyces; ácido propiônico, por Propionibacterium; etanol, por Esche-
richia; e ácido butírico, por Clostridium (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
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MADIGAN, M. T. et al. Microbiologia de Brock. 14. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.
TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
VOET, D.; VOET, J. G. Bioquímica. 4. ed. Porto Alegre: Armed, 2013.

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