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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

CLEBER FEMINA DA SILVA

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM BLOGS:


UM OLHAR SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A PUBLICIDADE DO TEMA
E A DA PESSOALIDADE DO AUTOR

Natal
2010

 
CLEBER FEMINA DA SILVA

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM BLOGS:


UM OLHAR SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A PUBLICIDADE DO TEMA
E A DA PESSOALIDADE DO AUTOR

Monografia apresentada ao Departamento de


Comunicação Social como parte integrante do
requisito para a obtenção do título de Bacharel em
Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo,
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientadora: Profª. Dra. Kênia Beatriz Ferreira Maia

Natal
2010

 
CLEBER FEMINA DA SILVA

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA EM BLOGS:


UM OLHAR SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A PUBLICIDADE DO TEMA
E A DA PESSOALIDADE DO AUTOR

Monografia apresentada ao Departamento de


Comunicação Social como parte integrante
do requisito para a obtenção do título de
Bacharel em Comunicação Social –
Habilitação em Jornalismo, pela
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.

____________________________________________
Examinador 01

____________________________________________
Examinador 02

____________________________________________
Profª. Drª. Kênia Beatriz Ferreira Maia

 
Agradecimentos

À Deus, por me possibilitar a vida.

Aos meus pais, Afonso e Adélia, por me direcionarem às virtudes e por me apoiarem em
minhas escolhas.

Ao meu irmão, Everton, por me suportar nos momentos difíceis.

Aos amigos Leonardo, Clécio, Cecília e Ana Paula, pelo apoio e incentivo para o término
dessa jornada.

À minha noiva e futura esposa Zama Messala, por me amar e me proporcionar uma vida de
alegrias.

À Profª. Dra. Kênia Maia, pela infindável paciência e por me ensinar a voar.

A soul in tension that's learning to fly


Condition: grounded, but determined to try
Can't keep my eyes from the circling skies
Tongue-tied and twisted just an earth-bound misfit, I

Pink Floyd – Learning to Fly



 

Lost in a world created by man


I can't recall how it all began
Tell me who am I?
(Tell me who am I?)

Fictional stars in lost galaxies


Synthetic dreams and false memories
Is it all a lie?
(Is it all a lie?)

There is no escape
(There is no way out of here)
I'm locked in this universe
(The real world will disappear)
Where fantasy dies
(You will see our dreams)
Material lies
(Materialize)
Computer eyes
(Computerize)

Virtual reality - computer override


Actual fantasy locked away inside
(Am I no more than a program
An artificial dream
A river of electrons flowing with the stream)
A parallel dimension battle simulations
Mind over matter brain stimulation
(I don't know if I exist I think therefore I am
Without emotions I'm but a hologram)

There is no escape
I'm locked in this universe
Where fantasy dies
Material lies
Computer eyes

Ayeron – Computer Eyes



 
Resumo

Este trabalho tem como proposta conhecer a relação entre a intimidade e pessoalidade,
características do meio blog, com a necessidade de publicização que a informação científica
precisa ter para se tornar divulgação. Para isto, foram escolhidos dois veículos da rede
ScienceBlogs Brasil que tiveram seus conteúdos de um mês analisados. As pesquisas que
guiaram nossa análise indicam que os blogs tendem a enaltecer o seu autor para que este seja
conhecido no ciberespaço. O acompanhamento do nosso objeto de estudo mostrou que o
debate sobre o tema torna-se o foco de atenção do autor e dos leitores, neste caso revelado por
meio dos comentários, enquanto que os traços pessoais utilizados durante o texto apresentam-
se como uma maneira de cativar o leitor para um tipo de informação pouco compartilhado
pela sociedade brasileira.

Palavras chaves: Divulgação científica; blogs; pessoalidade; publicidade.



 
Abstract

This work has the original proposal know the relationship between intimacy and personality,
characteristics of the blog, and the need of publicity necessary for the scientific information
becomes popularization. For this, two vehicles of the ScienceBlogs Brasil network were
chosen and they had their contents of a month reviewed. Studies that guided our analyses
indicate that blogs tend to praise the author for it to be known in cyberspace. The monitoring
the object of our study shows us that debate of the theme becomes the focus of the author and
of the readers, in this case revealed through the comments, while personal traits used in the
text are presented as a way to captivate the reader into a kind information rarely shared by
Brazilian society.

Key words: Scientific popularization; blogs; personality; publicity.



 
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

01 A CIÊNCIA E SUA PROPAGAÇÃO 10

1.1 A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E SUA ATUAÇÃO NO BRASIL 10


Alguns problemas constantes 15
A CIÊNCIA NATURAL VERSUS A METAFÍSICA: COMO CHEGAR A UM 17
1.2 DENOMINADOR COMUM
02 O COMPUTADOR E A COMUNICAÇÃO MEDIADA POR ELE 25

2.1 A ESTRUTURA DE UMA NOVA CULTURA 25

2.2 A INTERNET COMO VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO 28

2.3 BLOGS: MÍDIA E COMUNICAÇÃO NA WEB 31


Estruturas 31
Blogs como meios de comunicação 34
Metodologia para análise de blogs 36

2.4 A RELAÇÃO ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NOS BLOGS 38

03 O PÚBLICO E O PESSOAL NOS BLOGS DE CIÊNCIA 41


Brontossauros Em Meu Jardim 42
Xis-Xis 47

3.1 PESSOALIDADE E PUBLICIDADE NOS BLOGS DE CIÊNCIA 51

Momento atual 57

CONSIDERAÇÕES FINAIS 59

REFERÊNCIAS 62

ANEXOS 65

 
INTRODUÇÃO

Os avanços da ciência e, por conseguinte, de uma de suas áreas, a Informática,


provocaram mudanças em todas as sociedades mundiais no último século. Muitas dessas
alterações foram provocadas pela constituição de um novo pensamento científico, originado a
partir do estabelecimento de uma relação entre a ciência e a filosofia, que busca a evolução
científica por meio de questionamentos, mudanças de métodos e quebras de paradigmas.
A Comunicação, área de recentes estudos científicos, testemunhou ao longo desses
anos a criação de tecnologias que promovem a massificação de conteúdos e, mais
recentemente, de outras, que possibilitam aos seres humanos a chance de interagir entre si
estando em diferentes pontos do planeta, em um espaço virtual e que forma uma verdadeira
teia de conexões. Estas novas tecnologias de comunicação enaltecem a pessoalidade, uma vez
que refletem dentro da rede as características daquele que está no comando no mundo real.
Comunicação e ciência encontram na divulgação científica um campo para um
trabalho mútuo, principalmente através dos meios de comunicação de massa, cujo objetivo é
tornar público o conhecimento desenvolvido dentro de uma comunidade de cultura e
linguagens próprias, muitas vezes incompreensíveis para grande parte da população.
Malavoy (2005, p. 6) ressalta que divulgar a ciência é ir além de ensinar. “O desafio
não consiste apenas em explicar bem um estudo científico, mas também em despertar o
interesse dos leitores. [...] Eles têm de ler seus textos e escutá-los por prazer”. Uma posição
similar é defendida por José Reis, um dos maiores divulgadores da ciência no Brasil. Reis
(apud KREINZ, 2005) alega que a divulgação científica possui duas funções, a primeira é
ensinar e a segunda é fomentar o ensino das ciências.
Certamente, o ensino das ciências e a divulgação científica sofreram alterações com a
chegada das novas mídias, representada pela internet, e pela pessoalidade que advém dessa
modalidade de comunicação. Nosso objetivo com este trabalho é observar como ocorre essa
relação entre a publicidade exigida pela informação científica, para que esta se torne
divulgação, e a proporcionada à pessoalidade do leitor dentro deste novo meio de
comunicação. Interessa-nos investigar também se as marcas pessoais dos indivíduos que
promovem a divulgação científica na internet por meio de blogs interferem no trato com a
informação, objetivo final do leitor.
Para compreender essa relação, definimos como objeto de estudo deste trabalho dois
blogs de divulgação científica: Brontossauros Em Meu Jardim e Xis-Xis. A escolha destes
para a análise foi motivada pela classificação de ambos em primeiro e segundo lugares,

 
respectivamente, em um concurso de opinião pública promovido pelo site Best Blogs Brazil1
no ano de 2008, que envolve duas votações populares (uma para a escolha dos participantes e
outra efetiva para a premiação) e uma votação de um grupo de jurados formada por
palestrantes da Campus Party Brasil, evento sobre inovação tecnológica e comunicacional
que ocorre anualmente no país. O conteúdo separado para a nossa avaliação refere-se às
postagens e os comentários do mês de maio de 2009. A metodologia utilizada foi a
netnografia, com observações constantes do relacionamento entre autor e leitores e com a
aplicação de questionário aos blogueiros.
O embasamento teórico deste trabalho contou com autores como Gaston Bachelard,
Karl Popper, Thomas Kuhn e Hilton Japiassu no tocante ao conhecimento científico e
epistemológico. Lilian Zamboni nos apresentou a divulgação científica e a formação do seu
discurso, enquanto que Ildeu Moreira e Luiza Massarani nos guiaram pela sua trajetória pelo
Brasil. Em outra direção, autores como Pierre Lévi, Manuel Castells e Dominique Wolton nos
ajudam a contextualizar a formação das mudanças sociais causadas pela comunicação
mediada por computador. Adriana Amaral, Sandra Montardo, Raquel Recuero e Alex Primo
dão o direcionamento para abordarmos o objeto do nosso estudo, o blog. A relação entre
intimidade e o público nos blogs foi fundamentada nos estudos de análise do discurso
realizados por Fabiana Komesu.
No primeiro capítulo apresentamos os conceitos da divulgação científica e sua
trajetória no Brasil. Também abordamos a construção do pensamento científico
contemporâneo e a necessidade de raciocinarmos sobre o fazer ciência. O segundo capítulo
traz as mudanças sociais provocadas pelas novas tecnologias da comunicação, o surgimento
dos blogs e suas definições. A análise do objeto de pesquisa encontra-se no terceiro capítulo.
Esperamos que este trabalho contribua para os estudos sobre blogs e sobre divulgação
científica realizados no Brasil.

                                                       
1
www.bestblogsbrazil.com.br . Acesso em 20/01/2010.
10 
 
1 A CIÊNCIA E SUA PROPAGAÇÃO

1.1 A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E SUA ATUAÇÃO NO BRASIL

Divulgação Científica é um termo utilizado para conceituar, de forma generalizada, as


ações de difusão e propagação do conhecimento e do saber científico. Nas palavras de
Zamboni (2001),

A divulgação científica é entendida, de modo genérico, como uma atividade de


difusão, dirigida para fora de seu contexto originário, de conhecimentos científicos
produzidos e circulantes no interior de uma comunidade de limites restritos,
mobilizando diferentes recursos, técnicas e processos para a veiculação das
informações científicas e tecnológicas ao público em geral (ZAMBONI, 2001: pp.
45-46).

Como ressalta a autora, a divulgação científica faz uso de técnicas díspares para que a
informação concebida dentro da comunidade científica chegue até a população. Entre elas,
podemos destacar ações contínuas em museus de ciência e tecnologia como, por exemplo, o
mantido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e encontros
de pesquisadores abertos à participação pública, como as reuniões anuais da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Entretanto, é nos meios de comunicação que a
divulgação científica encontra seu campo de maior atuação. Programas de rádio e de
televisão, revistas mensais, páginas diárias em jornais de circulação nacional e, mais
recentemente, sites na internet são alguns dos veículos midiáticos explorados para levar a
ciência à sociedade.
Todo esse conjunto de ações, Bueno (apud ZAMBONI, 2001) define como difusão
científica. Segundo o pesquisador, a difusão pode ser pensada em dois níveis de acordo com o
público que a recebe: disseminação e divulgação. Quando o receptor é um especialista no
tema a difusão passa a ser considerada como disseminação científica. Ela pode ser dividida
em duas vertentes: intrapares, para aqueles especialistas da mesma área ou correlatas; e
extrapares, para cientistas de áreas diferentes.
Quando o público que recebe a informação científica é heterogêneo, em sua maior
parte formado por não cientistas, a difusão torna-se divulgação. Sob esta estão incluídos os
livros didáticos, as aulas de ciência do ensino médio, cursos para não especialistas, estórias
em quadrinhos, suplementos infantis sobre o tema, folhetos de campanhas educativas voltadas
para a saúde, etc. O jornalismo científico se destaca nessa área por suas peculiaridades
11 
 
textuais pertencentes ao jornalismo tradicional, como atualidade, periodicidade, linguagem e
gêneros próprios (MAIA; GOMES, 2006).
Para Malavoy (2005), a divulgação científica pode, também, ter uma classificação
conforme o público receptor. Esta é dividida em três níveis: alta, para o grande público e
para crianças. O primeiro é voltado para pessoas instruídas, em geral com nível escolar
superior e sua informação é mais aprofundada. O segundo visa o público médio e apresenta o
conteúdo diluído. O terceiro, segundo a autora, “constitui essencialmente um modo de
despertar as crianças para as ciências”, com conteúdo muito mais diluído e com linguagem
apropriada.
Assim, percebe-se que tanto Bueno quanto Malavoy concordam que a divulgação
científica atua na propagação deste conhecimento para aqueles que estão fora do seu contexto
de produção, ou seja, pessoas que não praticam o “fazer ciência” como ofício principal. Para
cientistas e seus pares há revistas e jornais especializados na publicação de artigos científicos
completos (comumente chamados pela palavra inglesa papers) que se encaixam na vertente
da disseminação científica.
Porém, a divulgação científica não é feita pensando apenas em atender aos interesses
do público receptor. Há, também, os desejos e as vontades dos emissores das informações
que, muitas vezes, não estão restritos ao fato de levar a ciência ao maior número de pessoas
possível. Tuffani (2005) expõe que, ao longo da história ocidental, a ciência e, por
conseguinte, sua propagação esteve atrelada a motivações políticas e religiosas para manter a
sociedade sob o controle de grupos dominantes, ao invés de utilizá-la como ferramenta para o
seu desenvolvimento.
A quebra desse pensamento começou a ocorrer no século XV junto com o surgimento
de uma nova concepção de mundo que se formava. O continente americano fora descoberto e
a ideia de que a Terra é redonda começava a ser aceita como verdade, embora o
heliocentrismo continuasse a ser negado. Nos séculos XVII e XVIII, os cientistas atuavam
cada vez mais, principalmente com financiamentos e incentivos vindos da monarquia e da
nobreza que, por sua vez, almejavam alcançar o poder detido pelo clero (TUFFANI, 2005).
Com a revolução francesa, em 1789, e a industrial no século seguinte, a filosofia
positivista passa a fazer parte das ciências e esta começa a ser vista, enfim, como um meio
para a evolução das sociedades. Apesar do evidente sucesso, essa união é duramente criticada
pelos principais pensadores das ciências no século XX, devido ao fato do positivismo não ser
capaz, por natureza, de compreender os fenômenos científicos (JAPIASSU, 1986, p. 67).
12 
 
No momento em que todas essas mudanças aconteciam na Europa, o Brasil ainda era
uma colônia de Portugal, de onde só se extraia pau-brasil e se plantava cana-de-açúcar. Como
relatam Moreira e Massarani (2002), durante a Colônia a produção científica se resumia a
respostas de necessidades técnicas nas áreas de cartografia, geografia, mineração, entre outras.
Além disso, a publicação de livros era proibida e o ensino deficiente. Para se conseguir uma
formação científica, somente se fosse de família abastada e indo ao velho continente.
Moreira e Massarani (2002) registram apenas uma tentativa de propagação do
conhecimento científico durante o período colonial, nesse caso, de disseminação científica.
Em 1772 foi criada a Academia Científica do Rio de Janeiro que, posteriormente, viria a se
tornar a Sociedade Literária do Rio de Janeiro, mas cujas atividades viriam a se encerrar em
1794 sob a acusação de conspiração pró-independência da Colônia. A situação começou a
mudar com a chegada da família real portuguesa em 1808 e com ações como o início da
impressão de livros e manuais científicos pela Imprensa Régia dois anos depois.
Os primeiros casos de divulgação científica no Brasil também datam daquela época.
De forma natural, a relação entre mídia e ciência começava a se estabelecer com os primeiros
jornais que circulavam pela capital do país trazendo notícias de descobertas científicas
realizadas na Europa. Esse relacionamento foi aprofundado na segunda metade do século
XIX, durante o Segundo Reinado, com o surgimento de várias publicações voltadas para a
ciência tanto de iniciativa privada, como a Revista Brazileira – Jornal de Sciencias Letras e
Artes, lançada em 1857, quanto por parte do governo, como a Revista do Observatório, que
circulou entre 1886-1891. Ao todo, segundo levantamento feito por Moreira e Massarani
(2002), aproximadamente 300 periódicos de alguma forma relacionados com a ciência foram
registrados durante aquele século na Biblioteca Nacional.
Paralelamente ao crescimento das publicações, a divulgação científica brasileira
passou a contar com palestras, encontros e exposições que circulavam pelo mundo. As mais
conceituadas foram as Exposições Universais, que em suas cinco edições no país atraíram, em
média, 50 mil pessoas cada, e as Conferências da Glória, que se iniciaram em 1873 e duraram
quase 20 anos. Entretanto, esse boom de eventos de divulgação científica no país não
conseguiu se consolidar naquele momento. Moreira e Massarani (2002) atribuem essa queda
ao cenário internacional, que apresentava os mesmos problemas, embora sua razão não tenha
sido identificada.
A retomada das grandes ações foi marcada pela criação da Sociedade Brasileira de
Ciências, em 1916, que, anos depois, viria a se tornar a Academia Brasileira de Ciências
(ABC), ainda em atividade. Fundada por cientistas, professores, médicos, engenheiros, entre
13 
 
outros, a ABC teve papel significativo na divulgação científica na década de 1920
principalmente pelo caráter inovador de suas atuações. Uma delas foi a utilização da sua sede
para o funcionamento da primeira rádio brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Além da programação normal, com músicas e informações, eram veiculados cursos
técnicos e de idiomas, palestras, entrevistas com cientistas brasileiros e estrangeiros. A
expectativa era de que as transmissões atingissem lugares distantes e o maior número de
pessoas possível, dadas as características desse veículo: barato, pois bastava apenas ao
cidadão comprar um aparelho que o conteúdo seria gratuito; fácil, uma vez que a oralidade
permitia a compreensão por grande parte da população, que era analfabeta; e rápido, porque
alcançava grandes distâncias em segundos. A ABC também atuou nos meios impressos com a
criação de revistas, publicação de livros e na promoção de conferências públicas.
Para Moreira e Massarani (2002) o ideal dos fundadores da ABC era criar no país
condições reais para o desenvolvimento de pesquisas básicas. Segundo os autores, “o objetivo
era sensibilizar direta ou indiretamente o poder público, o que propiciaria a criação e a
manutenção de instituições ligadas à ciência, além de maior valorização social da atividade de
pesquisa” (MOREIRA; MASSARANI, 2002, p. 56).
Entre os anos de 1930 e 1970 a divulgação científica não manteve o ritmo da década
de1920, embora nesse período tenham surgido as primeiras faculdades de ciência e
importantes órgãos de pesquisa e de fomento à prática científica, como o Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas, o Instituto de Pesquisas da Amazônia, o Conselho Nacional de Pesquisas
(CNPq) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Com o início do Regime Militar, em 1964, as reuniões anuais da SBPC atraiam a
atenção da mídia nacional, tanto pelo caráter de resistência à ditadura, marcado pela
participação de intelectuais, cientistas, professores e estudantes, quanto pela esperança de se
encontrar na ciência respostas aos problemas sociais. Foi a partir desses encontros que as
universidades brasileiras passaram a incluir em seus calendários acadêmicos eventos de
promoção e divulgação científica.
Ao contrário do ocorrido com o rádio, a divulgação científica só alcançou a televisão
em 1979, quase 30 anos depois da chegada desse meio de comunicação ao país, com o
programa Nossa Ciência, produzido por um canal governamental e, em 1984, com o Globo
Ciência, ainda em veiculação. Mesmo assim, a presença da ciência na tevê não sustentou um
público regular, uma vez que os horários e formatos sofreram contínuas alterações.
Também na década de 1980 começaram a surgir os primeiros museus de ciência no
Brasil, a maior parte deles nas regiões Sul e Sudeste. Eles têm um papel importante na
14 
 
divulgação científica, pois seu público principal é formado por estudantes dos ensinos
fundamental e médio (MOREIRA; MASSARANI, 2002, p. 62). Para a maior interação entre
os museus e centros de ciências foram fundados há, aproximadamente, uma década, a
Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências e a Associação Brasileira de
Divulgação Científica.
Na imprensa escrita, a divulgação científica ganhou força nos últimos 30 anos com o
lançamento de vários títulos, como a Ciência Hoje, Superinteressante, Scientific American
Brasil, Galileu (antiga Globo Ciência), entre outras. Além disso, jornais de grande circulação
passaram a garantir um espaço regular para as notícias sobre ciência e, em alguns casos, a
contratar cientistas para atuarem como colunistas.
Nos últimos 15 anos, um meio de comunicação no qual a divulgação científica
encontrou terreno fértil para ser explorado foi a internet. A web2, como veremos no próximo
capítulo, foi concebida para permitir que as informações circulantes nela pudessem ser
acessadas de qualquer terminal de computador (CASTELLS, 1998, p. 375) e, mais
recentemente, que qualquer usuário com acesso a ela possa, também, publicar suas
informações. No que concerne à divulgação científica, a internet propicia um canal de
comunicação e de troca de informações, sem precedentes na história, para os órgãos de
pesquisa e de apoio à ciência, para os tradicionais veículos midiáticos especializados no
assunto e, de forma mais pulverizada, para os cientistas, estudantes e interessados por ciência.
Um exemplo de atuação da divulgação científica na internet é a rede ScienceBlogs
Brasil. Ela é a vertente brasileira de uma comunidade de blogs sobre ciência norte-americanos
reunidos sob a tutela da Seed Media Group, um conglomerado midiático especializado em
ciência. A versão brasileira do ScienceBlogs surgiu no ano de 2009 e conta atualmente com
28 blogs.
Assim, dado o crescimento do cenário atual da divulgação científica brasileira, o
constante aumento de usuários da internet no país, e a utilização de um novo veículo de
comunicação para levar o conhecimento científico para a população, decidimos utilizar este
segmento midiático como objeto central deste estudo.
Para isso, propomos analisar dois blogs pertencentes ao ScienceBlogs Brasil durante o
mês de maio de 2009. O período escolhido para a análise, apesar de curto, apresenta um total
de 29 postagens, quantitativo considerado suficiente dada sua variedade de informações. Os

                                                       
2
Forma reduzida de World Wide Web, literalmente traduzida como Rede de Alcance Mundial, também
conhecida como Rede Mundial de Computadores
15 
 
blogs que foram analisados são o Xis Xis (http://scienceblogs.com.br/xisxis) e o
Brontossauros Em Meu Jardim (http://scienceblogs.com.br/brontossauros).

Alguns problemas constantes

Apesar de haver tantos caminhos para a informação científica chegar até a população,
dois pontos são preocupantes quanto a forma como ela é abordada pelos veículos de
comunicação e pelos divulgadores. Em primeiro lugar, a ciência é tida como provedora de
resultados espetaculares, sempre associados à atuação genial de determinado cientista. Os
aspectos negativos da pesquisa, os riscos proporcionados por ela e o debate acerca da sua
realização são deixados de lado (MOREIRA; MASSARANI, 2002, p. 63). Além disso, a
produção científica brasileira ainda não alcançou os noticiários como poderia. De acordo com
levantamento realizado pela Thomson Reuters3, durante o ano de 2008, mais de 30 mil artigos
científicos brasileiros foram publicados em revistas especializadas, mas um número muito
menor chegou ao conhecimento da população.
Em segundo lugar, nas atividades de divulgação desenvolvidas no Brasil predomina
uma abordagem simplista conhecida por “modelo de déficit”, na qual a população é
considerada analfabeta em ciências e que precisaria receber o conteúdo científico,
considerado salvador, de forma descontextualizada (idem, p. 63-64). Uma pesquisa realizada
em 2006 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com a Fundação Oswaldo
Cruz4, sobre a percepção da ciência e tecnologia pela população brasileira mostra que 58%
dos entrevistados têm pouco ou nenhum interesse sobre o tema. O gráfico completo pode ser
conferido a seguir.

                                                       
3
Disponível em http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/bbc/2010/01/27/producao-cientifica-do-
brasil-ultrapassa-a-da-russia-indica-levantamento.jhtm 
4
Pesquisa “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil”. Disponível em
<http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/50875.html>. Acesso em 02/06/2008.
 
16 
 

Gráfico 01: Resultado da primeira questão da pesquisa Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil.
Fonte: MCT/2006

Do montante que declarou pouco ou nenhum interesse em ciência e tecnologia, 37%


justificaram sua escolha por não entenderem o tema, 24% disseram não ter tempo para o
assunto, 18% não pensam sobre ciência, 14% não gostam, 9% não ligam, 7% informaram que
não precisam saber sobre o assunto e 2% não souberam responder a questão.
Percentuais altos como estes colaboram para defesa do pensamento proposto por
Authier (apud ZAMBONI, 2001), que encaixa a divulgação científica no conjunto de práticas
de reformulação textual, no qual seu discurso original deve sofrer modificações para chegar
ao receptor final da mensagem. Entretanto, a própria Zamboni (2001) contrapõe esse
pensamento atribuindo a ela um gênero discursivo próprio.
Debates linguísticos à parte, Candotti (2002), por sua vez, acredita que é preciso o
cientista aprender a escrever para todos os públicos e que, a divulgação dos resultados dos
seus trabalhos deveria fazer parte das suas responsabilidades e ser item obrigatório do
financiamento das suas pesquisas. “Acostumados a escrever para o leitor especializado, não o
fazemos com a mesma naturalidade para o público comum, leigo” (p. 15).
O pesquisador ainda faz observações sobre a relação entre divulgação científica e
veículos de comunicação de massa, dizendo que os interesses destes raramente coincidem
17 
 
com os da educação e da ciência. Ao mesmo tempo, conclama os cientistas comprometidos
com a divulgação científica a superar esse obstáculo. “Não estamos sozinhos nesse conflito
com os valores do mercado da economia; não será difícil encontrar importantes aliados, se os
procurarmos e com eles desejarmos caminhar” (CANDOTTI, 2002, p.16).
É inegável que grande parte de todo o conteúdo divulgado pela “grande mídia”,
inclusive o científico, atende a interesses de mercado. A própria pesquisa do Ministério da
Ciência e Tecnologia revela que assuntos como os avanços nos campos da informática e
telecomunicações, biomedicina e das ciências naturais (Física, Química e Biologia), são os
escolhidos por aqueles que têm interesse e se informam sobre ciência5. Entretanto essa
preferência aparenta ter sido construída, em grande parte, devido aos avanços dessas áreas no
século XX, período em que o pensamento científico sofreu fortes mudanças em sua
concepção e prática. Métodos foram contrapostos e a reflexão do cientista sobre seu próprio
trabalho ganhou espaço tanto dentro de suas áreas de atuação quanto na filosofia.
Pensadores como Bachelard, Popper e Kuhn colaboraram significativamente para que
essas mudanças ocorressem e chegassem ao estágio atual. Em seguida, explanamos como eles
contribuíram para a reflexão do fazer científico.

1.2 A CIÊNCIA NATURAL VERSUS A METAFÍSICA: COMO CHEGAR A UM


DENOMINADOR COMUM

Alves (1981) diz que a ciência pode ser encarada como uma especialização, uma
refinação do senso comum, desde que seu uso seja disciplinado. Por mais que o autor evite
fazer uma definição sobre o senso comum, ele deixa entender que esse é todo o conhecimento
tradicional e cultural possuído pelo homem e que ainda é passível de confirmação.
Japiassu (1986), por sua vez, define o senso comum como uma das características
negativas do que ele chama de pré-saber. Segundo o pesquisador, o pré-saber é formado pelo
estado mental natural ou espontâneo do indivíduo, além de ser responsável, coletivamente,
por uma “cultura de juízos de prática e voltados para a prática” (1986, p. 18). Por outro lado,
como características positivas do pré-saber, o autor destaca a empiria, a experiência, a arte,
entre outras.
O saber, por sua vez, é a reunião dos conhecimentos adquiridos metodicamente e
possíveis de serem repassados de forma didática, sejam eles práticos (não-especulativos) ou

                                                       
5
Idem
18 
 
teórico-filosóficos (especulativos). Todavia, segundo Japiassu (1986), esses conhecimentos só
poderão ser considerados como ciência se eles forem fundamentados na Matemática, pois,
quando um saber não é efetivamente matemático, ele a usa para a investigação de dados
naturais e empíricos (idem, p. 16). Ou seja, o autor considera como ciência apenas os saberes
não-especulativos baseados no empirismo enquanto os do campo especulativo (metafísicos ou
teóricos) são tachados somente por saber.
Ambos os saberes, empíricos e metafísicos, são passíveis de reflexões sobre si, de sua
organização, formação e desenvolvimento. A essa ação de meditar, estudar o saber, Japiassu
(1986) define como epistemologia. Para o autor, há três tipos principais de epistemologia:
global, a qual abrange o saber de maneira ampla, seja ele especulativo ou científico;
particular, voltada para um campo em especial, de um dos dois saberes; e específica, quando
atua em uma disciplina única e restrita.
A epistemologia, também conhecida em sua corrente tradicional como filosofia das
ciências ou teoria do conhecimento, encontra-se, justamente, nessa intercessão entre a ciência,
da qual ela pretende se instituir como uma disciplina autônoma, e o discurso filosófico, do
qual ela pretende se afastar, embora isso seja mais complicado, uma vez que sua ligação com
a filosofia vai além do simples raciocínio do fazer científico. Inclusive, no princípio, eram os
filósofos que pesquisavam o campo epistemológico para “evidenciar os meios do
conhecimento científico, elucidar os objetos aos quais tal conhecimento se aplica e fundar a
validade deste conhecimento” 6 (JAPIASSU, 1986, p. 25). Além disso, a filosofia das ciências
busca encontrar o lugar da ciência no saber humano, seus limites e a sua natureza.
Neste último ponto, sobre a natureza da ciência, a epistemologia tem como objeto um
conhecimento ideal, diferente do real praticado rotineiramente pelos cientistas e de onde eles
retiram suas teorias. A essa epistemologia que busca o conhecimento ideal, Japiassu (1986)
denomina como “metacientífica”, pois ela permanece no campo metafísico, se interrogando
sobre as possibilidades do conhecimento e sobre as relações entre Sujeito (cientista) e Objeto
(conhecimento), agindo em contraposição às epistemologias que pensam a ciência a partir do
seu feito.
Um pensador que analisa essa interação de um ponto de vista histórico é Gaston
Bachelard. Filósofo e químico, Bachelard (1985) acredita que a ciência é proveniente do
espírito humano, formada por duas metafísicas inseparáveis que compõem a nossa cultura
científica, as quais ele define como realismo e racionalismo. Ambos seriam responsáveis pela

                                                       
6
Grifos do autor
19 
 
formação daquilo que ele defende como sendo o pensamento científico contemporâneo. Para
o autor, a ciência não poderia mais ser vista dividida entre teoria e prática, pois ela pertence à
realidade e à razão. “Se ela experimenta, é preciso raciocinar; se ela raciocina, é preciso
experimentar” (BACHELARD, 1985, p. 13).
Japiassu (1986, pp. 63-110) descreve que o pensamento de Bachelard, desenvolvido
no início do século XX, vai contra a filosofia positivista praticada até então, que pregava uma
ciência voltada para a experimentação somente para a obtenção de conhecimento, para a
dominação da natureza e sem prover uma crítica sobre si mesma. Isso porque, em plena
revolução industrial, a sociedade depositava toda sua confiança na ciência como desbravadora
de horizontes. Bachelard propôs, então, que os cientistas passassem a meditar sobre seus
trabalhos e sua conduta, que eles fossem capazes de praticar uma filosofia das ciências,
sobretudo das naturais, para que pudessem compreender a essência dos fenômenos científicos
e que o autor definia como a realização do racional. Para Bachelard,

[...] esta realização que corresponde a um realismo técnico, parece-nos um dos


traços distintivos do espírito científico contemporâneo, bem diferente a este respeito
do espírito científico dos últimos séculos, bem afastado em particular do
agnosticismo positivista ou das tolerâncias pragmáticas, sem relação enfim com o
realismo filosófico tradicional (BACHELARD, 1985; p. 14).

Para que essa relação entre teoria e experiência, realismo e racionalismo possa gerar
críticas dos cientistas sobre seus próprios trabalhos, como sugeria Bachelard, outro fator
precisa ser considerado. O método utilizado na pesquisa. Isso ele deixa claro ao reconhecer
que nenhum desses fatores isoladamente seria responsável pela constituição de provas
científicas, nem imporiam intuição ou convicção aos métodos de pesquisas.
Apesar de criticar a falta de meditação sobre o fazer científico dos seus antecessores,
Bachelard acreditava que o método ideal ainda era o indutivo, desenvolvido por Francis
Bacon entre os séculos XVI e XVII e praticado até então. O método indutivo procura
encontrar as respostas para problemas gerais partindo de casos específicos por meio de
observações indutivas e, principalmente, experimentações. Além disso, esse método prega
que o conhecimento acontece pela via empírica e não pela especulativa (PEREIRA, 2006, p.
195). Ainda, para Bacon, o avanço das ciências estaria na realização de várias experiências
ordenadas, das quais seriam retirados os axiomas e, a partir destes, propor-se-iam novos
experimentos Bachelard (1985) chega a concordar com isso alegando que o método indutivo
“lê o complexo no simples, diz a lei a propósito do fato e a regra a propósito do exemplo”.
20 
 
Essa visão é contradita pelo método dedutivo desenvolvido por Karl Popper no início
da década de 1930, que prega a lógica dedutiva como meio de comprovação das teorias
científicas. Seu pensamento contraria uma ideia que era aceita, sem dúvidas, por toda a
comunidade científica da sua época, em especial do Círculo de Viena, uma comunidade
científica com sede na capital austríaca e composta por cientistas renomados como Moritz
Schlick, Rudolf Carnap, Otto Neurath e Herbert Feigl (TUFFANI, 2005, p.61). Popper alega
que, para justificar um método indutivo

[...] teremos de recorrer a referências indutivas e, para justificar estas, teremos de


admitir um princípio indutivo de ordem mais elevada, e assim por diante. Dessa
forma, a tentativa de alicerçar o princípio de indução na experiência malogra, pois
conduz a uma regressão infinita (POPPER, 1993; p. 29).

Porém, a negação do método indutivo não se resume ao fato dele poder levar a um
retrocesso sem fim. De acordo com Popper (1993), a lógica indutiva não estabelece critérios
para distinguir as ciências empíricas das teóricas, descritas por ele como sistemas metafísicos.
A falta desse critério é denominada por problema de demarcação. Segundo o autor, esse é o
principal fator que leva os epistemologistas empíricos, principalmente os positivistas, a
optarem pelo método indutivo. Eles acreditam que este é capaz de fazer essa diferenciação de
forma adequada, alegando que a lógica indutiva atribui significado aos enunciados empíricos
enquanto a metafísica não passa de uma fala vazia e sem sentido.
Segundo Popper (1993), a distinção feita pela lógica indutiva está diretamente
associada à capacidade de verificação, falsa ou verídica, do enunciado empírico. Ou seja, é o
experimento que vai confirmar ou negar a teoria. Apesar do autor não se mostrar contrário ao
uso da experimentação como forma de validação de uma teoria, ele refuta a ideia adotada
pelos defensores do indutivismo ao afirmar que, “[...] inferências que levam a teorias,
partindo-se de enunciados singulares ‘verificados por experiências’ [...] são logicamente
impossíveis. Consequentemente, as teorias nunca são empiricamente verificáveis” (POPPER,
1993, p. 41).
Contemporâneo de Bachelard, Popper (1993) afirma que, se as conclusões dedutivas
de um enunciado forem comparadas entre si, com outras teorias ou postas empiricamente à
prova, há dois resultados possíveis de serem alcançados: a comprovação ou a negação. Se o
enunciado for comprovado, a teoria será, provisoriamente, verdadeira. Isso, porque o autor
deixa claro que enunciados singulares não podem se provar universais, além de ele estar
ciente que a evolução científica pode, a qualquer momento, rejeitar aquela conclusão que
21 
 
outrora foi positiva. Mas, se de início, a conclusão se mostrou negativa, ela falseará também a
teoria da qual é proveniente (Idem, p.34).
É com base nesse pensamento que ele propõe a falseabilidade como critério de
demarcação. Para Popper (1993) a forma lógica do sistema científico deve permitir que ele
seja validado, por meio de experiências, em sentido negativo. “Assim, o enunciado ‘choverá
ou não aqui amanhã’, não será considerado empírico, simplesmente porque não admite
refutação, ao passo que será considerado empírico o enunciado ‘choverá aqui, amanhã’”
(POPPER, 1993, p 42). De acordo com Tuffani (2005) os critérios utilizados pela lógica
dedutiva permitem, também, incluir no domínio das ciências empíricas, enunciados que,
segundo a lógica indutiva, eram incapazes de serem verificados. A exceção a esse ponto são
as ciências humanas, isso porque, segundo Popper (apud TUFFANI, 2005, p. 62), seus
fenômenos não podem ser previstos.
Para Popper, essa estruturação da ciência era completa dentro do método desenvolvido
por ele. Segundo sua lógica dedutiva, como observado anteriormente, a veracidade da teoria
dependia da forma como seu enunciado era elaborado, cabendo a este poder ser refutado ou
corroborado no experimento. Entretanto, de acordo com Tuffani (2005) essa visão foi
contraposta por Thomas Kuhn, que associou fatores externos à pesquisa como preponderantes
e, em alguns casos, determinantes para se alcançar os resultados (TUFFANI 2005, p. 62).
Em seus estudos realizados durante a década de 1960, Kuhn (2009) reconhece a
importância da observação e da experimentação para a ciência, mas afirma que elas, por si só,
não podem determinar um conjunto de crenças a serem seguidas por uma comunidade
científica. Até, porque, cada grupo de cientistas possui uma maneira diferente de olhar o
mundo e nele praticar a ciência.
Esses olhares, por sua vez, são resultantes daquilo que Kuhn (2009) define como
sendo os paradigmas de determinada comunidade científica, que são os conhecimentos
teóricos, metodológicos e instrumentais compartilhados pelos membros que fazem parte dela.
As pesquisas provenientes de paradigmas são classificadas pelo autor como “ciência normal”,
que são aquelas “firmemente baseadas em uma ou mais realizações científicas passadas [...]
reconhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica especifica como
proporcionando fundamentos para sua prática posterior” (KUHN, 2009; p.29).
Segundo Kuhn (2009) o caminho natural de uma comunidade científica é seguir os
paradigmas que orientam suas pesquisas. Nesse ponto, a teoria de Kuhn se assemelha à de
Popper, pois quando os resultados obtidos forem positivos e confirmarem a teoria, o
paradigma é mantido. Caso contrário, um novo paradigma precisa ser encontrado, pois a
22 
 
ciência normal entra em crise. Aqui se estabelece uma das principais diferenças entre os dois
pensamentos, pois, para Popper (1993), o enunciado que é refutado pela experimentação teria
sua teoria rejeitada automaticamente, ao passo que para Kuhn (2009) esta é apenas uma nova
fase do processo evolutivo da pesquisa, denominada por ele como revolução. “[...] a transição
sucessiva de um paradigma a outro, por meio de uma revolução, é o padrão usual de
desenvolvimento da ciência amadurecida” (KUHN, 2009, p. 32).
Essa mudança de paradigmas não acontece do dia para a noite. Em alguns casos, ela
demora tanto tempo para ocorrer que acaba penetrando profundamente na comunidade
científica, causando insegurança profissional nos seus membros, por medo de não alcançar os
resultados esperados durante a solução dos problemas. Entretanto, como dito antes, essa
quebra de modelos é bem vista por Kuhn (2009), pois a crise indica a hora da renovação e
promove a mudança e a evolução da ciência.
Com isso, percebemos que, ao passo que os métodos de pesquisa sofrem mudanças,
alteram-se, também, as maneiras de se pensar a ciência. Nesse sentido, Japiassu (1986) diz
que Popper funda uma epistemologia “racionalista”, caracterizada pela crítica à forma com a
qual a ciência era feita até então, buscando instituir hipóteses ou conjecturas para atingir uma
explicação científica aproximada e jamais definitiva.
Apesar de divergir do pensamento de Bachelard quanto ao método utilizado para a
pesquisa, a epistemologia de Popper possui semelhanças a dele, principalmente no que se
refere à crítica e à reformulação dos conceitos práticos e filosóficos da ciência, sobretudo os
positivistas. De acordo com Japiassu (1986), ambas também são fundamentadas no princípio
de que o conhecimento científico nunca atinge uma verdade absoluta e objetiva, pois ele não é
um estado e sim um processo contínuo do saber humano. Nesse caso, a epistemologia deve
investigar como essa mudança ocorre e analisar todos os momentos da sua construção, mas
sabendo que este é provisório e em evolução.
Seguindo esse raciocínio

[...] podemos conceituá-la como essa disciplina cuja função essencial consiste em
submeter a prática dos cientistas a uma reflexão que, diferentemente da filosofia
clássica do conhecimento, toma por objeto, não mais uma ciência feita, uma ciência
verdadeira de que deveríamos estabelecer as condições de possibilidade, coerência
ou títulos de legitimidade, mas as ciências em vias de se fazerem, em seu processo
de gênese, se formação e de estruturação progressiva (JAPIASSU, 1986; pp. 27-28).

Entretanto, dentro dos paradigmas culturais das comunidades científicas, essa reflexão
epistemológica a qual Japiassu se refere é mantida dentro do ambiente de pesquisa, sendo
23 
 
divulgado apenas seu resultado final. Segundo esse paradigma, antes de ser publicado e
conhecido pela sociedade, o artigo contendo a pesquisa precisa ser corroborado por
pesquisadores da mesma área, passar pelo chamado peer-review. Só assim ele receberá
credibilidade como um estudo válido e poderá ter seu resultado divulgado para todos os
públicos.
Essa necessidade de apresentação de novidades aos pares é apontada por Latour e
Woolgar (apud ZAMBONI, 2001, p. 35-37) como responsável por 50% dos escritos
produzidos pelos cientistas durante suas pesquisas, isso por eles serem considerados altamente
especializados. Do outro lado, os textos produzidos para o grande público representam apenas
5% do total de material publicado. Neste caso, segundo os autores, a maioria desses textos
objetiva conseguir financiamento para as pesquisas das quais eles abordam.
Essa diferença não chega a ser um entrave no trabalho da difusão da ciência. Apesar
de uma minoria da produção científica alcançar os noticiários, grande parte desse conteúdo
veiculado nos meios de comunicação é oriunda de transcrições e adaptações de papers e
artigos. Por sua vez, isso justificaria o viés adotado por Authier (apud ZAMBONI, 2001) que
considera os discursos de divulgação científica como integrantes do gênero de reformulação
textual.
Para a autora, que estudou textos de revisas de divulgação científica francesas sob a
ótica da análise do discurso francês é clara a estrutura na qual o discurso (C1) produzido pelo
cientista enunciador (E1) e que tem como primeiro destinatário sua comunidade de pares (D1)
torna-se, sob a visão de um receptor intermediário (E2), um discurso segundo (C2)
endereçado a um receptor final e diferente (D2), conforme figura abaixo elaborada por
Zamboni (2001, p. 59).

Figura 01: Sequência de formação do discurso da divulgação científica segundo Authier


(ZAMBONI, 2001, p.59)

Neste caso, a divulgação científica estaria presente na reformulação feita pelo


mediador da informação, pois ela se caracteriza pela transmissão do conhecimento científico
para fora do seu contexto de produção.
24 
 
A teoria de Authier é apoiada sobre dois pontos principais: a presença marcante da voz
do cientista na forma de discurso indireto nos textos e a constante utilização de recursos
explicativos. O primeiro é usado para atrair um caráter real ao discurso científico. A
transcrição da fala do especialista além de conferir autoridade a ele, também mostra que o
assunto é abordado com seriedade e veemência. O segundo busca estabelecer um nível
linguístico de contato entre duas “línguas” diferentes, a científica e a popular, para que a
primeira possa ser compreendida plenamente por aqueles que não partilham do seu
conhecimento.
Entretanto, a argumentação de Authier é contraposta por Zamboni (2001), que justifica
sua posição esclarecendo que o discurso indireto existe em diversos gêneros textuais, não
sendo ele exclusividade do discurso científico. Além disso, o discurso indireto se apresenta
reformulado e desprovido da sua formatação original, já adequado à divulgação científica.
Quanto à utilização de recursos explicativos, Zamboni afirma que essa é uma prática comum
em discursos produzidos em áreas que demonstram certa especialidade. Segundo a autora, não
é difícil encontrar exemplos como este em textos sobre moda, gastronomia, até mesmo nos
esportes.
Ainda de acordo com Zamboni (idem), a divulgação científica se situa no campo da
transmissão de informação e, dentro dele, se caracteriza como um gênero discursivo próprio
(p. 64). Isso porque sua produção é semelhante a de outros da mesma área, como o jornalismo
e os textos didáticos. Ela é embasada na leitura de artigos científicos sobre o assunto, no
conhecimento prévio do divulgador sobre o tema abordado, além de, muitas vezes, serem
utilizados técnicas como encontros e entrevistas com os cientistas para alcançar os objetivos.
Ou seja, a construção do discurso da divulgação científica vai além da simples tradução e
adaptação de papers.
25 
 
2 O COMPUTADOR E A COMUNICAÇÃO MEDIADA POR ELE

2.1 A ESTRUTURA DE UMA NOVA CULTURA

No Brasil de 1901 os jornais eram os principais veículos de informação de uma


sociedade urbana que dava sinais de estruturação e os telefones eram benefícios de uma
minoria. Pouco mais de cem anos depois, a telefonia celular é compartilhada por mais da
metade da população e a crise dos jornais devido ao uso crescente da internet, hoje acessada
nos rincões mais distantes do país, parece iminente.
Esse progresso ocorreu em duas vertentes, uma técnica, relacionada ao
desenvolvimento dos equipamentos e outra social, derivada deste avanço tecnológico que, por
sua vez, condicionou (LÉVY, 1999, p. 25) a sociedade do último século muito mais
rapidamente que em outras épocas históricas. A primeira começou a ocorrer na década de
1940 com a invenção dos computadores. Eles eram equipamentos enormes nos quais só eram
inseridos dados programáveis para se efetuar cálculos científicos e estatísticos, emitir
relatórios e gerenciar tarefas contábeis com maior agilidade (LÉVY, 1999, p. 31).
Durante os decênios de 1950 e 1960, quando a Guerra Fria se fazia presente no
contexto político mundial, países ricos como os Estados Unidos investiram muito em
pesquisas científicas voltadas para o desenvolvimento desse segmento. Aliás, a evolução da
tecnologia sempre esteve atrelada, em primeiro ponto, à melhoria militar.
Nos anos seguintes, o aprimoramento das peças dos computadores, em especial dos
processadores e da memória, devido ao desenvolvimento do chip e do microchip, que
proporcionaram uma diminuição considerável do tamanho dessas máquinas, aliada a uma
redução constante do preço, tornou o computador um equipamento fundamental em grandes
empresas, de indústrias a bancos, e em centros de pesquisas. É fato que todo esse processo de
evolução dos equipamentos foi acompanhado por igual avanço dos programas utilizados para
que os trabalhos fossem realizados e as conexões estabelecidas.
A criação do Personal Computer, o tradicional PC, teve sua origem no final da década
de 1970. Mas, ela não veio a reboque da melhoria dos equipamentos e sim da criação das
primeiras redes de comunicação entre computadores, responsável pelo progresso social citado
anteriormente.
Segundo Castells (2000) a pioneira nesse desenvolvimento foi a Agência de Projetos
de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DARPA - Defense
26 
 
Advanced Research Projects Agency), que começou a projetar, em 1969, um sistema de
armazenamento de dados que fosse resistente a ataques nucleares. A intenção era construir
uma rede informacional independente de centros de controles, cujos dados contidos nela
pudessem ser acessados de forma coerente em qualquer ponto da sua extensão. Assim surgiu a
ARPANET, primeira rede de computadores do mundo, direcionada para o uso das forças
armadas daquele país.
O projeto da ARPANET foi realizado por meio de parcerias estabelecidas entre a
DARPA e universidades norte-americanas. Ao mesmo tempo em que os cientistas vinculados
a essa pesquisa estruturavam a rede de computadores, eles descobriram que ela não servia
apenas para o armazenamento de dados, mas, também, como uma importante ferramenta de
comunicação, característica pela qual ela ficou conhecida desde então.
Nesse sentido, as primeiras redes civis, como a CSNET e a BITNET, começaram a ser
construídas e utilizadas por estudantes e pesquisadores desses centros, sempre tendo como
suporte a rede de uso militar. Isso fez com que a DARPA direcionasse o conteúdo dela para
uma rede exclusiva, a MILNET, criada em 1983. Assim, a ARPANET passou a operar apenas
com as redes civis, embora ainda sob o comando governamental, formando a ARPA-
INTERNET, posteriormente denominada, apenas, por Internet.
De acordo com Castells (2000, p. 377) e Lévy (1999, pp. 31 e 135) é nesse momento
que surge uma “contracultura computacional”, originária nas universidades norte-americanas,
principalmente as californianas, e resultante da junção entre o avanço eletroeletrônico e o
desejo de utilizar os computadores como instrumentos de criação e comunicação e não
somente como processadores de dados. Ela trazia consigo os mesmos ideais libertários
defendidos por movimentos sociais durante as décadas de 1960 e 1970 adaptados ao
momento.
Seus usuários almejavam independência quanto ao controle estatal da internet,
mantinham certa desconfiança quanto ao uso comercial da rede, pregavam a informalidade na
produção de conteúdo, com todos produzindo para todos, e buscavam abertura em relação à
manufatura e pesquisa de novos equipamentos e programas, estes últimos distribuídos, muitas
vezes, gratuitamente como forma de propagação do trabalho. Neste contexto, o PC surgiu
como um novo bem de consumo para aqueles que desejassem usufruir de uma ferramenta
capaz de auxiliar nas mais diversas criações intelectuais e, também, dos que quisessem se
divertir.
O uso da rede pela sociedade foi amplificado em 1978, com a invenção do modem,
aparelho utilizado para conectar o computador pessoal a uma linha telefônica e promover seu
27 
 
acesso à internet. Com isso, o que no início era considerado contracultura, passou a ser visto,
nos anos de 1980, como uma cultura informacional emergente, uma cibercultura (LÉVY,
1999). Tanto que, na década seguinte, a Fundação Nacional da Ciência dos EUA decidiu
privatizar suas principais operações na rede, o que elevou consideravelmente o número de
usuários (CASTELLS, 2000, p. 378).
Assim, com o avanço tecnológico da área em constante crescimento, aliado a uma
queda progressiva no preço dos produtos e a proliferação de um movimento social em busca
de liberdade de utilização dos computadores, a internet começou a se consolidar como palco
das comunicações mediadas por computador (CMC), cujo objetivo era estabelecer
interconexões pessoais pela rede em todo o mundo, criar grupos com interesses e objetivos
comuns e promover a formação de uma inteligência coletiva (LÉVY, 1999, p. 123).
A CMC, como concebida, passou a tomar forma com o desenvolvimento das primeiras
páginas de informações produzidas pelos seus usuários, as BBS (do inglês Bulletin Board
System). Nelas, eram promovidas trocas de arquivos e debates sobre as novidades da
informática e dos acontecimentos sociais que ocorriam no mundo e em suas regiões.
As primeiras regras de convívio social na internet também surgiram nas BBS,
baseadas nos ideais primários da cultura da rede. Nessa mesma época, novos softwares7 para a
criação de conteúdos para a internet foram desenvolvidos. Eles permitiam ao usuário utilizar
uma nova linguagem de programação, chamada hipertexto, que possibilita agregar textos e
imagens em um único documento, ligá-los aos de outros usuários na rede e melhorar a
apresentação gráfica e a movimentação dos visitantes pela página (SILVEIRA; LÜBECK,
2003). Unidos por interesses e afinidades, seus usuários formavam verdadeiras “comunidades
virtuais” (RHEINGOLD apud CASTELLS, 2000, p. 378), que abrangiam os mais diversos
assuntos, de ciência à religião, esportes, gêneros musicais, etc.
Essa união de diferentes interesses começou a formar uma rede de proporção global
que recebeu o nome de world wide web (www), literalmente uma rede de alcance mundial,
dentro da internet (CASTELLS, 2000). Pouco a pouco, programas foram criados para receber,
agrupar e distribuir, de forma organizada, as redes que formavam a web, bem como seus
conteúdos, que deixaram de ser sistemas de boletins8 e passaram a ser chamados de sites ou
páginas pessoais. Hoje, a web se tornou o principal local de tráfego de informações e de
pessoas na internet, tanto que, comumente, as duas palavras são utilizadas como sinônimos.

                                                       
7
Palavra inglesa utilizada para denominar os programas de computadores.
8
Tradução para o português do nome da BBS
28 
 
2.2 A INTERNET COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO

O uso crescente da web a partir da metade da década de 1990 estabeleceu,


definitivamente, a internet como uma nova mídia9, com peculiaridades bem distintas em
relação aos demais meios. Em primeiro lugar, cada um dos pontos que compõe a internet é
autônomo e responsável pela produção e emissão de conteúdo. Isso devido ao estilo
autorregulador e informal da comunicação praticada nela, associado à ideia de que todos
possuem sua própria voz, contribuem para todos e aguardam suas respostas individualmente
(CASTELLS, 2000), embora ainda persista a desordem (LÉVY, 1999).
Além disso, o crescimento da web nas últimas décadas causou mudanças profundas
nos demais meios de comunicação. Para não perder terreno, em nenhum dos segmentos, os
veículos midiáticos começaram a repetir nela o material divulgado em seus suportes originais.
Jornais e revistas passaram a publicar suas matérias na rede, muitos de forma gratuita, para
não perder leitores e continuar com suas receitas financeiras à base de propagandas. As
rádios, assim como as emissoras de televisão, também tiveram que disponibilizar sua
programação, algumas em tempo real, pela internet para atrair os usuários.
Quanto à forma com que as informações são transmitidas, a CMC traz consigo a
possibilidade de unir sob um mesmo veículo as diversas instâncias da comunicação midiática:
a escrita, a imagem e o som, classificando-o como um meio multimídia. Isso apesar de o
ciberespaço10 ser, em sua essência, textual, tanto na sua produção de informações como na
obtenção delas. Entretanto, essa classificação da internet como um veículo multimídia pode
ser encarada como precipitada. De acordo com Lévy (1999, p. 63), a internet se configura
como uma mídia única capaz de utilizar diferentes modos para expressar seu conteúdo, o que
a caracteriza como um veículo multimodal.
Outra característica da CMC é a capacidade de promover uma comunicação real em
mão dupla entre emissor e receptor. Seja em sites de notícias ou simplesmente em salas de
bate papo (comumente chamados de chats), todos os envolvidos no processo comunicativo da

                                                       
9
Castells (2000, p. 383) e Lévy (1999, p. 61) se referem à internet como veículo de comunicação. Entretanto,
manteremos o entendimento de Primo (2008b, p.02) que atribui à internet status de meio de comunicação e aos
sites, blogs e afins como veículos. 
10
Termo utilizado por Lévy para definir o ambiente técnico, virtual e social instituído pela rede de computadores.
“O ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo
especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de
informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.”
(LÉVY, 1999, p. 17)
29 
 
rede podem usufruir da obtenção e da concessão de respostas à mensagem. Todos, porque em
várias situações existe a possibilidade de a comunicação ser feita em grupos.
Mas, se, por um lado, essas características se apresentam como vantagens da CMC
sobre os veículos tradicionais, ela também carrega suas desvantagens. De acordo com Castells
(2000), a penetração da internet na sociedade ainda é pequena e lenta se comparada a do rádio
e da televisão. Isso porque a CMC tende a iniciar seu caminho nas classes mais ricas e com
maior nível de instrução dos países desenvolvidos e terminá-lo nos menos privilegiados
econômica e educacionalmente, pois ela depende de uma infraestrutura técnica e intelectual
ainda não disponível nestes últimos.
Embora o rádio e a televisão tivessem enfrentado o mesmo problema de ordem
econômica para sua expansão física, eles conseguiram uma propagação maior devido à
difusão dos seus conteúdos via ondas de radiofrequência, cuja única estrutura necessária era a
construção de antenas de retransmissão. Sua penetração na sociedade também foi mais rápida,
dado o caráter oral ao qual elas estão associadas.
Aliás, a oralidade é apontada por Wolton (2003) como determinante para a
proliferação desses meios de comunicação durante o século XX. Isso porque eles foram
concebidos para alcançar o maior número de pessoas possível, independente de classe social
ou do nível cultural. Essa penetração massificada do rádio e da televisão é, segundo Wolton,
um dos símbolos das sociedades atuais, ao lado da democracia de massa e da liberdade de
consumo.
Ainda, para ele, a sedução do público pelas novas mídias acontece pela desvalorização
desses conceitos, pela continua desconfiança em relação aos meios de comunicação de massa,
sobretudo no que se refere ao controle da informação, e pela exaltação da individualidade,
sendo, esta última, traduzida na autonomia do usuário, o ponto que mais seduz.
Essa atração é percebida, principalmente, nos mais jovens (LÉVY, 1999, p. 123;
WOLTON, 2003, p. 84). A internet é vista por eles como uma ferramenta de emancipação,
uma recusa aos modelos de comunicação massificados e antigos, propostos pelos seus pais e
representados pela televisão. Ela renova utopias deixadas de lado pelas mídias de massa por
não serem passíveis de realização, como a igualdade entre as pessoas, pois “diante do
computador, todo mundo está em pé de igualdade” (WOLTON, 2003, p.88), e uma nova
solidariedade mundial, desenvolvida concomitantemente à formação de uma economia
globalizada, a fim de estabelecer um equilíbrio social (idem).
Além disso, Wolton destaca que
30 
 

[...] se analisado de uma ponta à outra a sedução exercida pelas novas tecnologias,
seu caráter mágico, o fato de que a cada cinco anos suas capacidades aumentam e os
preços diminuem, a extensão das áreas de aplicação, o caráter lúdico de suas
utilizações, seu caráter “democrático”, as utopias que elas reativam, compreende-se
o encantamento que elas operam em uma boa parte dos jovens (WOLTON, 2003, p.
89).

Mas, se por um lado a individualidade na comunicação mediada por computador pode


ser vista como uma das suas principais vantagens, por outro ela pode ser apontada como uma
desvantagem em relação aos meios de comunicação de massa. Como cada pessoa conectada à
internet pode publicar qualquer conteúdo nela, a web tornou-se uma profusão desordenada de
dados. Para Wolton (2003) uma maneira de contornar isso seria através da adoção de
intermediários entre sua produção e veiculação. Segundo o autor, a medida mostra-se
necessária para manter o caráter democrático da informação adquirido ao longo da história da
humanidade que, atualmente, apresenta-se perdido dentro do universo informacional da web.
Essa relação entre informação e democracia está diretamente associada à difusão de
conteúdo midiático ao maior número de pessoas possível, o que ocorre de forma diferenciada
entre os meios de comunicação. Isso porque a informação veiculada na rede mundial de
computadores traz consigo uma característica que a diferencia das publicadas nas demais
mídias: ela é pensada do lado da emissão do conteúdo ao passo que as distribuídas por rádios,
jornais e televisões objetivam o público receptor (WOLTON, 2003). Embora isso não
signifique que a web seja uma mídia ilegítima do ponto de vista informacional, pois ela
atende essa necessidade constante e crescente que a sociedade tem em se informar e se
comunicar (idem, p. 92).
Essas diferenças são classificadas por Wolton (2003) como lógica da demanda e da
oferta, respectivamente. A primeira se faz presente quando o público busca, apenas, a
informação que é do seu interesse, gerando mais procura do que conteúdo disponível. A
lógica da demanda é comumente encontrada em meios segmentados, principalmente em
canais por assinatura e na internet. A lógica da oferta, por sua vez, é baseada na propagação
dos conteúdos midiáticos, os mais abrangentes possíveis, por canais que alcancem o maior
número de pessoas. As mídias generalistas, como a televisão aberta, o rádio e os jornais são
exemplos de veículos que seguem essa lógica.
De acordo com o Wolton (2003), a lógica da demanda deve ocorrer apenas quando o
público for maduro e experiente no que se refere ao conteúdo informacional que o é repassado
pelos veículos generalistas. Entretanto, segundo o autor, esse caminho não é uma evolução,
31 
 
como declaram as mídias temáticas e a internet, e sim um complemento da relação entre
público e meios de comunicação.
Neste sentido, apenas as mídias generalistas e seu caráter de produção de conteúdo
voltado para o grande público podem ser classificadas como ferramenta para a manutenção da
democracia. Elas representam uma coesão da identidade cultural com a informação
transmitida de forma igualitária para a maior parte da população, enquanto que a comunicação
via internet tende a enaltecer a individualidade.
A tendência, de acordo com Wolton (2003) é passarmos de uma sociedade de massa,
em parte fruto da ação das mídias generalistas que marcaram o século XX, para uma
sociedade individualista de massa, resultado da presença de cada indivíduo na concepção do
seu próprio meio de comunicação com o mundo. Essa mudança não é uma contraposição de
um produto midiático novo em relação a um antigo, mas sim um caminho natural a se seguir
(p. 188).

2.3 BLOGS: MÍDIA E COMUNICAÇÃO NA WEB

Cada pessoa conectada à internet pode produzir seu próprio veículo de comunicação
bastando, apenas, ter algum conhecimento em informática e um computador a sua disposição.
Isso porque, as ferramentas e os programas disponibilizados para se prover essa inserção do
indivíduo à rede mundial de computadores estão, há décadas, em constante evolução.
A comunicação mediada por computador pode ser feita através de duas formas: por
meio de programas específicos que estabeleçam a relação entre os seus usuários, como é o
caso do IRC11, ICQ12, MSN Messenger, Skype, ou diretamente pela world wide web, com
páginas pessoais, salas de bate papo, sites de relacionamento, blogs e microblogs.
Cada um possui suas especificidades na construção do relacionamento interpessoal e
da comunicação com o mundo por meio da internet. Dentre estes, o blog aparece em um
patamar à parte por ter ganhado ao longo do tempo status de mídia e de veículo de
comunicação (PRIMO, 2008a). Mas, afinal, o que é um blog?

Estruturas

                                                       
11
Internet Relay Chat
12
Sigla idealizada a partir da pronúncia do termo inglês I Seek You, Eu Procuro Você, em português
32 
 
Blogs são páginas de internet, mais especificamente publicadas na world wide web,
caracterizadas pela inserção de conteúdo em ordem cronológica reversa, do recente ao antigo.
Esse conteúdo é, em sua essência, texto, o que não impede que sejam adicionados a ele fotos
ou vídeos13. O termo foi criado por John Barger, desenvolvedor do primeiro blog, o Robot
Wisdom, em 1997, e surgiu como uma variação da palavra inglesa weblog que, por sua vez, é
a contração de outras duas, web e log, utilizadas para se descrever o ato de arquivar um dado
na web (AMARAL; RECUERO; MONTARDO, 2009, p.28). A intenção era reunir em uma
página links de sites com conteúdos que o administrador do blog, denominado blogueiro,
julgasse interessantes.
Naquela época, os blogs não eram diferentes, em sua estrutura, de outras páginas
convencionais. A mudança ocorreu em 1999 com a criação das primeiras ferramentas capazes
de permitir a manutenção de sites diretamente pela web. Nesse mesmo ano foi lançado o
Blogger, um dos principais sistemas de criação de blogs, ainda em atividade, cuja vantagem
em relação às maneiras tradicionais de construção de sites era oferecer a qualquer usuário da
internet a possibilidade de ter seu próprio espaço na rede, de forma rápida e sem ter
conhecimento em linguagem de programação (OLIVEIRA, 2009).
Essa facilidade conquistou o público e os blogs começaram a se disseminar na rede. A
pessoalidade, seu mais forte atributo, levou-os a serem comparados a diários pessoais virtuais,
com alguns tendo seus conteúdos voltados para o relato do cotidiano dos seus criadores,
embora a maioria dos blogueiros utilizasse seu espaço para os mais diversos fins, do
entretenimento ao jornalismo, do científico ao religioso, do individual ao coletivo (PRIMO,
2008b).
Outra característica dos blogs e que hoje é percebida nos mais diversos veículos da
internet é a participação dos leitores por meio de comentários sobre a informação postada14.
Através de links específicos, geralmente colocados junto aos conteúdos, os leitores podem
emitir suas opiniões sobre o assunto descrito, interagir com o blogueiro ou com outros
comentaristas como ele, entre outras possibilidades. Apesar disso, a estrutura virtual para
comentários não é uma obrigatoriedade nos blogs, nem uma unanimidade entre seus

                                                       
13
Os Blogs cujos conteúdos são voltados, principalmente, para a fotografia e o vídeo são denominados fotologs
e videologs, respectivamente. 
14
Palavra amplamente utilizada para definir o ato de publicar os dados em blogs. Suas variantes, postagem,
postar, e até o termo em inglês post também são comumente usados.
33 
 
administradores15. Entretanto, a participação do leitor por meio deles é vista como um fator
determinante para seu sucesso e continuidade (AMARAL; RECUERO; MONTARDO, 2009).
A estrutura dos blogs conta ainda com um espaço para ligações externas, com outros
blogs ou sites de interesse do administrador, e internas, com histórico dos conteúdos
publicados, posts mais comentados, relação dos temas categorizados por palavras-chaves, etc.
Ao contrário dos comentários, os quadros de links externos se revelam uma preferência do
blogueiro. Através deles são estabelecidas as relações dentro do próprio meio, essas
necessárias para se criar um fluxo de visitas, aumentar a popularidade e ter sua informação
circulando na rede. Aliás, a republicação de conteúdos em diferentes blogs é uma prática
comum e bem aceita na web, desde que a fonte seja creditada corretamente.
Recuero (2004) categoriza os blogs de acordo com o conteúdo publicado. Para a
autora, eles podem ser divididos de acordo com a seguinte classificação:

a) Weblogs Diários – São os weblogs que se referenciam principalmente à vida


pessoal do autor. O seu objetivo não é trazer informações ou discuti-las, mas,
simplesmente, relatar fatos cotidianos, como um diário pessoal.
b) Weblogs Publicações – São weblogs que se destinam principalmente a trazer
informação de modo opinativo. Buscam principalmente o debate e o comentário.
Alguns possuem um tema central, outros tratam de generalidades.
c) Weblogs Literários – São os weblogs destinados ou a contar uma história
ficcional ou, simplesmente, ser um conjunto de crônicas ou poesias com ambições
literárias.
d) Weblogs Clippings – São os weblogs que simplesmente se destinam a ser um
apanhado de links ou recortes de outras publicações, com o objetivo de filtrar a
informação publicada em outros lugares.
e) Weblogs Mistos – São aqueles que efetivamente misturam posts pessoais e posts
informativos, com notícias, dicas e comentários de acordo com o gosto e opinião
pessoal do autor. (RECUERO, 2004, p. 03).

Neste ponto, vale ressaltar a distinção feita por Primo (2008b, p. 123) sobre os
diferentes usos do termo “blog” elaborada a fim de evitar reducionismos em prol da estrutura
tecnológica a que eles estão atrelados. Para o autor, essa diferenciação abrange três
conotações conforme o uso: blog-texto, quando seu conteúdo é ressaltado (Você leu o blog do
Centro Acadêmico hoje?); blog-programa (Instalamos nosso blog em uma plataforma do
Wordpress.); e blog-espaço (Me envie o endereço do seu blog por e-mail.).
Toda essa descrição da estrutura dos blogs é uma das três classificações conceituais
sobre eles apresentados por Amaral, Recuero e Montardo (2009). Segundo as autoras, os
                                                       
15
Em setembro de 2009 o blog lançado pela Presidência da República, o Blog do Planalto, foi alvo de críticas
por não permitir a participação dos seus leitores através dos comentários. Isso levou um grupo de internautas a
promover uma cópia do Blog do Planalto que fosse capaz de receber comentários. Disponível em
<http://noticias.uol.com.br/politica/2009/09/03/ult5773u2361.jhtm>. Acesso em 07/04/2010.
34 
 
blogs podem ser vistos, ainda, por dois vieses: como artefatos culturais ou por meio da sua
funcionalidade.
O primeiro refere-se a uma abordagem antropológica e etnográfica da relação
subjetiva do ser humano com as novas tecnologias de informação e comunicação. Ver os
blogs dessa maneira permite conhecer os traços culturais dos seus administradores através
deles e, por consequência, revelar sua significação e intenção. Também é possível conhecer o
espaço virtual compartilhado por aqueles que possuem uma identidade cultural semelhante e
formam, a partir daí, comunidades de blogs no ciberespaço, denominadas webrings16.
Os webrings são constituídos pelas ligações estabelecidas entre blogs e entre seus
leitores. Normalmente o processo tem início no espaço de comentários, onde os links são
trocados. O blogueiro costuma visitar regularmente as páginas que estão listadas em seu site
ou no seu arquivo de “preferidos” e ser visitado por aqueles que possuem seu endereço.
Estabelece-se, assim, uma relação que, de acordo com Recuero (2002), vai além da
interconexão hipertextual.
Segundo a autora, os blogs são reflexos do “eu” dos seus donos dentro do ciberespaço.
Quando sua personalidade sofre mudanças, o blog muda também, seja no layout ou no
conteúdo. São essas representações que atraem os leitores e que dão origem aos convívios
sociais na blogosfera17. Com isso, a ligação formada nos webrings passa a ter um caráter mais
pessoal do que tecnológico.

Blogs como meios de comunicação

Quanto à sua funcionalidade, os blogs têm sido considerados como meio de


comunicação. Isso devido ao seu lado social, “expresso através do seu caráter conversacional
tanto dos textos publicados quanto pelas ferramentas anexadas, e que hoje são características
dos sistemas, como os comentários” (AMARAL; RECUERO; MONTARDO, 2009, p. 30).
Primo (2008a) também analisa os blogs por essa perspectiva e os enquadra em duas
subcategorias sugeridas por Thornton (1996 apud PRIMO, 2008a), como micromídia e como
mídia de nicho ou segmentada. Essa diferenciação é feita a partir de uma avaliação sobre as
condições de produção e recepção da mensagem, bem como das circunstâncias de interação
que se desenvolvem entre seus participantes, blogueiro e leitores. Para estabelecer esses
parâmetros, Primo utiliza os conceitos de dados externos instituídos pelo contrato de
                                                       
16
Também chamados de anéis de blogs.
17
Neologismo usado para definir a rede de blogs dentro da web.
35 
 
comunicação elaborado por Charaudeau (2006)18, os quais consideram as características de
cada situação particular de troca comunicativa como a identidade dos participantes, suas
finalidades, seus propósitos e o dispositivo sob o qual essa comunicação é realizada.
Segundo Charaudeau (apud Primo, 2008a, p.03) os participantes do ato comunicativo
“se encontram na situação de dever subscrever, antes de qualquer intenção e estratégia
particular, a um contrato de reconhecimento das condições de realização da troca linguageira
em que estão envolvidos: um contrato de comunicação19”. Ou seja, eles sabem previamente
das restrições e possibilidades do meio no qual irão realizar essa comunicação.
Como o dispositivo é igual para ambas as subcategorias, formado pela estrutura
descrita acima, há de se fazer a diferenciação entre elas no que se refere às três características
restantes. O quadro a seguir pretende colaborar para esse entendimento.

Micromídia Veículos de nicho


Conteúdo Os assuntos são relevantes ao Os blogs seguem estruturas
blogueiro. Não dependem de organizacionais. Seus conteúdos são
aprovação prévia e nem seguem produzidos de acordo com estratégias
políticas internas de empresas. Sua de mercado e sua publicação é
periodicidade pode ser interrompida controlada pelos prazos comerciais a
a qualquer momento. cumprir com anunciantes.
Finalidade Prazer em publicar, debater temas Atingir determinado segmento de
atuais ou, simplesmente, conversar. leitores para estabelecer uma
publicidade lucrativa.
Identidade A relação do blogueiro com o Devido sua estrutura organizacional,
público é mais íntima. Ela possibilita não se pode identificar o responsável
a construção de relacionamentos ao pela publicação da informação, nem
longo do tempo. quem mantém o relacionamento com o
público, que, apesar de segmentado, é
considerado genérico.
Quadro 01: comparação entre os blogs conforme características propostas pelo contrato de
comunicação de Charaudeau e identificadas por Primo (2008a).

Percebe-se, por meio dessa relação, que os blogs enquanto micromídia trazem consigo
as características originais dos movimentos sociais que buscavam uma maior abertura da rede
mundial de computadores, especialmente, no quesito liberdade de expressão. Hoje, qualquer
pessoa com acesso à internet pode construir seu blog e ser gerador ou reprodutor do conteúdo
que desejar e da forma que quiser. Além disso, a proximidade com o público através dos

                                                       
18
O contrato de comunicação de Charaudeau (2006, apud Primo, 2008a) prevê, ainda, uma análise dos dados
internos feita a partir das características discursivas encontradas nos parâmetros dos dados externos.
19
Grifo do autor
36 
 
canais de comentários configura uma instância interativa dos meios de comunicação não
alcançada pelas outras mídias anteriormente, que é a formação de espaços virtuais de
relacionamentos sociais.
Mas, de acordo com Primo (2008a) esses pontos não podem ser enxergados como uma
contraposição à mídia de massa. Assim como Wolton (2003), ele defende que novos meios de
comunicação, como os blogs, fazem parte de uma “estrutura midiática contemporânea” na
qual todos os meios interagem entre si formando o que ele define por “encadeamento
midiático” (p. 08). Emissoras de tevê e jornais sendo pautados por blogs que, por sua vez,
abordam temas divulgados pelos primeiros com o intuito de gerarem debates impossíveis de
serem realizados nos outros veículos e assim por diante.

Metodologia para análise de blogs

Por se tratar de uma área relativamente recente nas pesquisas da comunicação social,
os blogs têm apresentado diversas formas de análise dos seus objetos de estudo. Segundo
Amaral, Recuero e Montardo (2009), a metodologia varia conforme o objetivo do pesquisador
e vão desde verificações baseadas na utilização de ferramentas de classificação preferencial
de sites, como o Google PageRank, até as análises sociais das redes de relacionamento
formada pelos comentários.
Uma metodologia que se apresenta muito usada nas pesquisas sobre os blogs é a
netnografia, uma adaptação ao ciberespaço da etnografia, método empregado em estudos de
campo das áreas da Antropologia e das Ciências Sociais. De acordo com Travancas (2006) a
etnografia é uma pesquisa qualitativa e empírica que consiste na imersão do pesquisador em
uma determinada comunidade ou grupo de pessoas, para se conhecer seus aspectos sociais e
culturais. Para isso, ele estabelece relações com o grupo para realizar observações, colher
informações e transcrevê-las de forma precisa, cujos resultados possam revelar dados
significantes do comportamento humano e, principalmente, como esses aspectos são
interpretados pelo grupo estudado.
A netnografia, ou etnografia virtual como também é conhecida, busca os mesmos fins,
embora com suas características ajustadas ao ambiente a que se propõe. Ela está diretamente
ligada à análise da internet como ambiente sócio-cultural. A transposição do “eu” real para o
“eu” virtual e a construção de espaços comuns na web a partir dessa premissa, permite que a
netnografia seja utilizada como um método válido para o estudo das relações humanas no
ciberespaço.
37 
 
Os princípios para a atuação na netnografia são os mesmos da etnografia: manter
distância e estranhamento em relação ao objeto de estudo, considerar a subjetividade dos
atores e, também, o relato etnográfico como sendo de textualidade múltipla, além de
considerar os dados resultantes como interpretações de segunda ou terceira mão (KOZINETS,
1997, apud AMARAL; NATAL; VIANA, 2008). O meio virtual exige, entretanto, que
critérios de confiabilidade sejam utilizados para confirmar a veracidade da comunidade ou da
cultura estudada, para que esta não seja considerada apenas uma reunião de indivíduos. Esses
critérios podem ser descrito em quatro pontos:

(1) indivíduos familiarizados entre eles; (2) comunicações que sejam


especificamente identificadas e não-anônimas; (3) grupos com linguagens, símbolos,
e normas específicas e; (4) comportamentos de manutenção do enquadramento
dentro das fronteiras de dentro e fora do grupo (KOZINETS, 1997, apud AMARAL;
NATAL; VIANA, 2008, p. 38).

Ao fazer uso desses aspectos, Kozinets (2002, apud MONTADO; PASSERINO,


2006) descreve que o trabalho do pesquisador ao utilizar a netnografia segue algumas
similaridades com etnografia tradicional. O ingresso cultural dele no ambiente de pesquisa
deve ser precedido de um conhecimento prévio sobre o assunto para, então, identificar a quem
deve dirigir seus questionamentos e descobrir de quais comunidades on-line seu objeto
participa. Ainda nesse ponto, o pesquisador deve observar as interações entre os participantes
para aprender sobre sua identidade cultural.
Quanto à coleta de dados e análise, o pesquisador precisa estar atento para separar
aqueles que são referentes ao processo da comunicação mediada por computador dos
provenientes da interação entre os membros da comunidade. Ao fornecer interpretações
dignas de confiança é necessário lembrar que o objeto de análise é o comportamento ou os
atos dos envolvidos e não as pessoas. Nesse ponto, segundo Kozinets, os textos publicados
são importante fonte de avaliação e de credibilidade, pois a comunicação analisada na
netnografia difere da estudada na etnografia nos seguintes pontos: é mediada por computador;
está disponível ao público; é gerada em forma de texto e; as identidades dos participantes são
mais difíceis de serem discernidas. Para uma maior compreensão, o autor recomenda que
outras ferramentas, como entrevistas e sondagens, sejam usadas.
A ética de pesquisa na netnografia enfrenta duas questões: é preciso saber até que
ponto os debates realizados on-line são públicos ou privados e se há um “consentimento
informado” no ciberespaço. Pois, quem participa de comunidades na internet não pretende
38 
 
fazer parte de pesquisas científicas. Vale, nesse caso, o principio ético de manter a
privacidade dos entrevistados, sua confidencialidade, evitar a apropriação de histórias
pessoais e pedir seus consentimentos.
Por fim, enviar os dados para a verificação dos participantes. Essa atitude pode
revelar novas nuanças sobre o trabalho desenvolvido que outrora não foram observadas, além
de servir para a manutenção de contato entre pesquisador e pesquisado.
No caso dos blogs, a netnografia se mostra ideal para suas análises, uma vez que estes
podem ser vistos como uma representação do seu administrador na rede, embora muitas
informações possam ser de caráter duvidoso, além de possibilitar a formação de espaços
virtuais passiveis de sociabilidade, os webrings (RECUERO, 2002). Os recursos multimídias
utilizados pelos blogueiros também se apresentam como enriquecedores da pesquisa
netnográfica. Entretanto é preciso que o pesquisador mantenha-se atento para não perder o
foco do seu trabalho, dados os diversos rumos que este pode tomar.

2.4 A RELAÇÃO ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NOS BLOGS

A publicidade inata dos blogs promove não apenas a divulgação do seu conteúdo
discursivo, seja este textual ou audiovisual. Ela expõe também a pessoalidade dos seus
administradores, expressa por meio de formas e cores do layout, das ferramentas de pesquisa
e da escolha dos temas e dos links para outros blogs e sites lidos pelo blogueiro.
Essa exposição não é vista como prejudicial, uma vez que as marcas pessoais do autor
vão definir sua identidade no contexto social do ciberespaço. Nos blogs, elas fazem parte do
jogo enunciativo entre enunciador (blogueiro) e coenunciador (leitor), descrito por Fabiana
Komesu (2005) como publicização de si e intimidade construída, uma forma de definir a
relação existente entre a busca por um local de visibilidade no ciberespaço e o
compartilhamento da intimidade com o leitor.
Para analisar como as marcas pessoais influenciam na publicização de si, Komesu
utiliza o conceito de ethos, resgatado de Maingueneau, e sua relação entre o orador e seu
discurso. Segundo a autora, esse conceito permite compreender “as propriedades que os
oradores conferiam implicitamente a si mesmos através de uma maneira de dizer. Não se trata
do que os oradores diziam explicitamente sobre si, mas da personalidade que mostravam
através de uma maneira de se exprimir” (pp. 205-206). Assim, o ethos vai avaliar o discurso,
ao invés do seu produtor, na busca por uma representação deste, uma vez que ele é formado a
partir dos traços psicológicos do seu autor.
39 
 
Na pesquisa conduzida por Komesu, foi identificado que o ethos dos autores dos blogs
estudados é constituído por recursos argumentativos voltados para a formação e exposição de
um sujeito vaidoso e em constante busca por elogios, com a finalidade de conquistar um local
de destaque dentro da web. Mas, para que o blogueiro chegue a este patamar ele precisa
direcionar para si os galanteios dos seus leitores. Como a comunicação proposta pelos blogs
pressupõe a presença de um interlocutor, são esses, afinal, que devem ser conquistados,
embora, como relata Komesu (p. 86), alguns escreventes insistam em dizer o contrário.
Alcançar a popularidade almejada só é possível com a construção de uma intimidade
entre blogueiro e seu público. O estabelecimento desta relação irá acontecer, segundo Komesu
(2005, p. 226) quando o leitor se identificar, justamente, com os traços pessoais do autor,
como suas opiniões a respeito de diversos assuntos, inclusive aqueles que desvirtuem do tema
principal do blog.
Para estabelecer uma intimidade e construir um relacionamento com o leitor, o
blogueiro procura se mostrar como um ser humano, um igual, que não está tão longe, mas
apenas do outro lado da tela. Dessa forma, nota-se que o uso da linguagem coloquial é
predominante. Há, também, a utilização de índices de pessoa como pronomes pessoais do
caso reto e oblíquo, pronomes possessivos, demonstrativos e advérbios de tempo e espaço,
além de frases exclamativas, interrogativas e imperativas (KOMESU, 2005, p. 202)
Ao passo que a intimidade entre ambos é construída, o blogueiro procura consolidar
sua presença no ciberespaço por meio de uma maior valorização de si. Komesu identifica que
dois mecanismos são utilizados de formas distintas, porém com essa mesma finalidade: o
contador de visitas e os espaços para comentários, denominados, respectivamente, por ela
como lugar de quantidade e lugar de qualidade. No primeiro, a quantidade de acessos obtidos
pelo blog durante certo período é usada como justificativa para definir seu sucesso. O segundo
vai considerar a qualidade das relações dialógicas estabelecidas nos comentários como fator
preponderante para a fama. Dentre os dois mecanismos, o lugar de qualidade demonstra ser o
de maior importância para o blogueiro. Isso porque ele vai contribuir diretamente para a
solidificação da sua imagem na web, objetivo do seu ethos.
É importante ressaltar que a pesquisa de Komesu identificou que também é possível
encontrar um ethos no discurso dos leitores dos blogs. Neste caso, ele se apresenta sobre duas
formas: como leitor participante ou ausente. O coenunciador participante é aquele que irá
promover ao blogueiro sua ascensão na blogosfera, como dito no parágrafo anterior. A
pesquisadora notou ainda que
40 
 

[...] Aparentemente, o leitor não “ri” das ou menospreza as confissões narradas,


muito menos reclama do teor dos blogs, isto é, das possíveis bobagens “faladas”
(escritas) nesse texto eletrônico. Em geral, o leitor que comenta os posts ou o blog
do escrevente tem, também ele, seu próprio blog. Seus comentários podem, portanto,
significar uma maneira de divulgar sua própria disposição em expor e ver comentada
sua intimidade num blog pessoal: uma visita comentada se paga com
outra...(KOMESU, 2005, p. 230)

Por outro lado, o coenunciador ausente pode motivar mudanças severas nos blogs, em
alguns casos, até a sua desativação. A ausência do leitor comentador pode ser vista como
falha do autor na elaboração do conteúdo, principalmente se for identificado pelos
mecanismos de consulta de visita que o blog continua movimentado. Para o blogueiro, não
basta ser visto, seus posts têm que ser comentados para que ele alcance a visibilidade
desejada.
No próximo capítulo iremos observar se as características da relação entre público e
privado encontradas por Komesu em blogs do tipo “diários íntimos on-line” se repete em
blogs de outra temática. Mais especificamente, em blogs sobre ciência.
41 
 
3 O PÚBLICO E O PESSOAL NOS BLOGS DE CIÊNCIA

Ao longo deste trabalho vimos que a ciência praticada atualmente é resultante de um


processo de mudanças, de quebra de paradigmas e da construção de um novo pensamento
científico ocorridos durante o século XX. Como consequência disso, a divulgação científica,
responsável por levar à sociedade o conhecimento produzido no interior das comunidades de
cientistas, também sofreu suas mudanças. Novos espaços de interação foram criados e os
meios de comunicação, principal forma de exposição das descobertas científicas, tornaram-se
acessíveis, teoricamente, a todos, desde cientistas e instituições de pesquisas centenárias até
curiosos por ciência.
Este trabalho também nos mostrou como a informática e a sua utilização como
ferramenta para estabelecer novas maneiras das pessoas se comunicarem mudou as relações
sociais, inclusive com a criação de um novo espaço interacional, o ciberespaço. Hoje,
qualquer indivíduo com um terminal de computador e uma conexão com a internet tem a
possibilidade de se comunicar com outro formando uma rede de proporções globais. Além
disso, a evolução da informática afetou os meios de comunicação e o jeito que a informação
circulava até então. Antes, de um para muitos; agora, de todos para todos. E uma ferramenta
capaz de propiciar este tipo de comunicação é o blog, nosso objeto de estudo.
Neste capítulo, iremos analisar a relação entre o público e o privado nos blogs sobre
ciência, compreendida como a relação entre a intimidade/subjetividade do autor e o tema de
interesse público. Interessa-nos descobrir até que ponto a publicização de si, da forma como
descrita no capítulo anterior, interfere no trato da informação científica. Mais ainda, qual a
influência da publicização do autor sobre a divulgação científica, uma vez que o protagonista
dela é o feito científico?
Para isso, definimos os blogs Brontossauros em meu jardim e Xis-Xis, para
desenvolvermos nossa análise. Ambos fazem parte da rede ScienceBlogs Brasil (SBBr),
conforme explicitado no Capítulo 1. A escolha deles foi motivada por uma pesquisa de
opinião promovida pelo site Best Blogs Brazil20
(http://www.bestblogsbrazil.com/2008/node/29), que os classificou os melhores blogs sobre
ciência em 2008.
Nossa avaliação é dirigida pela metodologia netnográfica com foco no
acompanhamento das publicações e debates ocorridos nos veículos, além do envio, por e-
                                                       
20
As regras de participação e escolha dos vencedores são descritas no seguinte endereço
<http://www.bestblogsbrazil.com/2008/node/3>. Acesso em 14/12/2009
42 
 
mail, de um questionário21 para os autores dos blogs, embora apenas o do BEMJ tenha sido
retornado. Em um primeiro momento os posts foram analisados para se encontrar uma fonte
de informação que os legitimem como gênero da divulgação científica. Depois, as marcas
pessoais do escrevente são identificadas para se estabelecer as características do ethos do
blogueiro. O conteúdo dos comentários também é avaliado neste momento para conhecer a
interação entre enunciador e coenunciador. Ao final, são extraídas as conclusões sobre a
veiculação de temas de interesse públicos por meios de comunicação totalmente pessoais.

Brontossauros Em Meu Jardim

O blog Brontossauros Em Meu Jardim (BEMJ) é de autoria do biólogo especialista em


biologia molecular de plantas Carlos Hotta. De acordo com a descrição contida no link
Sobre22, o blog existe desde 2007 e já foi recomendado como indicação de leitura por uma
revista de circulação nacional. A inclusão à rede ScienceBlogs Brasil ocorreu em março de
2009, após Hotta e o coadministrador da rede SBBr, Átila Iamarino receberem uma proposta
do Seed Media Group, criador da rede, para administrar sua versão em português. Seu tema
principal é a área de atuação do blogueiro, com abordagens de assuntos populares em
circulação na mídia e divulgação de descobertas científicas.
O layout do BEMJ é um padrão utilizado por todos os componentes da rede SBBr. Ao
topo há um banner de identificação do blog, juntamente com links para contato, arquivos,
serviço RSS e página do perfil do autor. Do lado esquerdo há uma imagem do blogueiro
seguida por um pequeno texto a seu respeito. Também deste lado podem ser visualizadas
algumas ferramentas para incremento do blog, como o serviço de tradução automática
exemplificado na imagem. O conteúdo publicado fica no centro da página. O lado direito é
reservado para propagandas da ScienceBlogs ou de parceiros do grupo Seed, além de conter
um menu com barra de rolagem para acesso aos outros blogs da rede brasileira e um serviço
rápido de pesquisa de conteúdo.
Em resposta ao questionário de nossa análise, Hotta diz que o site recebe uma média
de 500 visitantes por dia. Seus conteúdos são guiados por escolha pessoal, geralmente por
temas noticiados na mídia de massa ou em veículos específicos, como revistas e sites de
divulgação científica. O autor também acredita que um veículo de divulgação científica como
blog pode promover debates mais rápidos e mais democráticos sobre assuntos da comunidade
científica, além de ser uma ótima oportunidade para se conhecer o trabalho desenvolvido em
                                                       
21
Disponível no anexo 1
22
http://scienceblogs.com.br/brontossauros/sobre.php
43 
 
laboratório, desde que isso seja feito com cuidado para não haver precipitações sobre
resultados alcançados.

Imagem 2: página inicial do blog Brontossauros em meu jardim. Acesso em 20/01/2010.

Durante o mês de maio de 2009, o blog apresentou quatorze posts, sete deles voltados
para explicações sobre a gripe provocada pelo vírus Influenza A H1N1, comumente
conhecida como gripe suína. Isso porque o Brasil começava a registrar, naquela época, os
primeiros casos da doença e a Organização Mundial da Saúde (OMS) acabara de elevar o
nível da epidemia de 4 para 5, assumindo o patamar de pandemia, fato relatado no primeiro
texto publicado pelo autor no dia 01/05/2009. Os demais posts apresentaram os seguintes
temas: nanotecnologia (1), luz (2), críticas à rede Ecoblogs (2) e posts de imagens (2). Sua
organização pode ser conferida no quadro a seguir.
44 
 
Data de publicação Título do post Quantidade de comentários
Muitas considerações sobre a gripe
01/05/2009 16
suína (1/5)
1 – Como se identifica a gripe suína?
08/05/2009 03
2 – Por que a demora na confirmação
08/05/2009 05
nos casos no Brasil?
Nanotecnologia: a caixa mágica de
08/05/2009 05
DNA
Luz do sol... que a folha traga e
09/05/2009 01
traduz...
3 – Como se produz vacina contra a
12/05/2009 42
gripe suína
4 – A gripe suína é fraca?
13/05/2009 11
Um motivo para comer no
16/05/2009 06
McDonald’s
5 – Podemos ficar tranquilos em
17/05/2009 06
relação a esta gripe?
Causos de laboratório III
19/05/2009 03
Uma revolução infravermelha
20/05/2009 03
6 – Qual é a causa da discrepância
25/05/2009 01
entre dados suspeitos e os oficiais?
Flamingos na Mata Atlântica: o mais
27/05/2009 12
antigo Photoshop Disaster
Resposta da admin da Ecoblogs
29/05/2009 01
Quadro 02: Relação do conteúdo analisado no blog Brontossauros em meu jardim

A gripe H1N1 começou a aparecer na imprensa brasileira na segunda quinzena do mês


de abril de 200923, com notícias de mortes de dezenas de pessoas e com interdições de
espaços públicos no México. O BEMJ acompanhou o desenvolvimento deste processo e posts
sobre o assunto foram publicados durante alguns meses. No mês de maio, período de análise
deste trabalho, as informações sobre o vírus, a expectativa de uma pandemia e os cuidados a
serem tomados pela população eram recentes e estudos mais aprofundados estavam em
andamento. Com isso, Hotta passou a referenciar seus textos em informações publicadas pela
OMS e pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), como
exemplificado nos seguintes trechos.
                                                       
23
<http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/04/24/surto-de-gripe-leva-mexico-fechar-escolas-na-capital-
755417613.asp>
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u556330.shtml>
<http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2009/04/24/ult729u79808.jhtm>. Acessos em 15/12/2009.
45 
 

[a]
- a Organização Mundial de Saúde (OMS) mudou o estágio de pandemia de 4 para
5, de 6. Muitos apostam que passaremos para o estágio 6 antes do começo da
próxima semana. O que significa estágio 6? Significa que está caracterizada uma
pandemia. Pandemia é quando uma doença infecciosa se espalha por uma enorme
região geográfica, tipo o planeta inteiro. Isso NÃO significa que vamos todos
morrer, NÃO significa que será igual à pandemia de 1918. Não nego que isso
pode acontecer mas não é o que parece que vai acontecer. As fases da OMS são um
indicativo do estado de ALERTA e PREPARAÇÃO que os países devem adotar.
(Publicado em 01/05/2009. Grifos no original).

[b]
No Roda Viva da segunda passada (4/5), o secretário de Saúde do Estado de São
Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata, disse que os casos suspeitos no Brasil não
foram confirmados porque eles estavam esperando os kits de identificação do vírus
da gripe suína chegar.

Uma das minhas frustrações de cientista foi o fato dos jornalistas não terem
pressionado o secretário para dar mais detalhes: que kits são estes? Os baseados em
anticorpos, que são pouco sensíveis e precisos? Ou kits de real-time PCR?

Em qualquer caso, é inadmissível que o país tenha que esperar kits do CDC! Em um
caso porque o kit não vai ser útil e no outro porque real-time PCR não exige kits
especiais!!!! É só ter um laboratório preparado e comprar os primers, com urgência!

O problema é que o nosso sistema de monitoramento em saúde não possui um


laboratório acompanhando os casos de gripe no Brasil, como faz o CDC nos EUA.
Se não sabemos quais variedades do vírus da gripe estão por aqui, como
conseguiremos distinguir os vírus da gripe suína do resto no inverno que vem?
(Publicado em 08/05/2009. Grifos no original).

Em [a] o autor apresenta os dados divulgados pela mídia no mesmo período e os


completa com explicações sobre o que significa uma pandemia e sobre aquilo que realmente a
OMS espera ser feito (manter um estado de alerta e preparação) pelos governos, enquanto
que, em [b], Hotta cita um modelo de ação de controle de doenças infecciosas adotado pelo
CDC norteamericano, como proposta para implantação no Brasil. O texto grifado promove a
ligação do leitor com a página oficial do Centro. Isso embasa sua opinião a respeito do
assunto abordado (a demora na identificação de casos da gripe H1N1 no país). Apesar dos
dois órgãos fonte não realizarem pesquisas diretamente, eles promovem apoio e fornecem
recursos para que outras instituições as façam24.
Em ambos os casos, a citação dos referidos órgãos de renome e credibilidade
internacionais legitimam as informações contidas nos posts como científicas. Por meio dela
também é possível perceber o trajeto da informação científica até o leitor final, como o
mostrado por Zamboni (2001, p. 59). Primeiro ela é produzida e discutida entre seus pares,

                                                       
24
OMS: Disponível em: <http://www.who.int/about/en/>. Acesso em 15/12/2009.
CDC: Disponível em:< http://www.cdc.gov/about/>. Acesso em 15/12/2009.
46 
 
nestes casos, cientistas membros de conselhos dos referidos órgãos. Depois, a informação é
dirigida aos divulgadores, que podem ser veículos de comunicação, como em [a], ou pessoas
que acessem e interpretem os dados contidos em uma página de internet como em [b]. O
público final terá acesso à informação após ela ser reformulada e adaptada a ele
caracterizando o conteúdo do post como pertencente à divulgação científica. O mesmo
caminho pode ser percebido no próximo exemplo.

[c]
Nanotecnologia: a caixa mágica de DNA

O interessante da Ciência é que algumas novidades são mais incríveis do que ficção
científica. Uma destas novidades é uma técnica chamada origami de DNA que usa a
capacidde do DNA de se auto organizar para formar estruturas bidimensionais. Em
um artigo espetacular publicado em 2006, Paul W. K. Rothemund descreveu como
utilizar uma longa molécula de DNA e uma série de moléculas complementares para
formar planos de formatos variado como estrelas, triângulos e smiles.

Se você não se impressionou com sorrisos de apenas 100 nm (sabe um milímetro?


pois é, 100 nanometros são 10 mil vezes menores), espero que te impressione com o
artigo publicado na Nature desta semana: caixas tridimensionais feitas com DNA.
Sério. Não se impressionou? Tá: não somente as caixinhas são ocas, ou seja,
podemos colocar coisas nelas, mas elas também têm tampas que podem ser abertas
ou fechadas!

O time pegou uma molécula de DNA originada de um vírus que infecta bactérias
porcas e desenhou os pequenos fragmentos de DNA, que chamamos de
oligonucleotídeos, para formarem seis retângulos. Depois, eles desenharam
oligonucleotídeos que juntavam os retângulos na forma de uma caixa. Por fim, ainda
testaram se a caixa poderia ter sua tampa aberta ou fechada. Não acredita? Vejam as
fotos abaixo, do planejamento, dos seis retângulos, da caixa fechada e da caixa
aberta:

A estrutura inteira tem cerca de 30 nanômetros de lado e exige uma molécula longa
e pouco mais de 250 oligonucleotídeos. O controle da abertura e fechamento da
caixinha é baseado no reconhecimento de certos fragmentos de DNA. Isso quer dizer
que é possível controlar a abertura e fechamento das caixas que podem conter, por
exemplo, drogas ou proteínas específicas. Isto é, se o fecho for forte o suficiente.

O incrível é que, como eu falei, isto tudo é auto-organizado. Os pesquisadores


apenas misturaram todas as partes em um tubinho e esperaram uma ou duas horas
para que bilhões de caixas sejam formadas.

Obviamente este é apenas mais um passo para o desenvolvimento de tecnologias


mais avançadas utilizando-se os origamis de DNA. A princípio estruturas muito
mais complexas do que caixas podem ser feitas.

Paul W. K. Rothemund (2006) Folding DNA to create nanoscale shapes and


patterns Nature 440, 297-302 | doi:10.1038/nature045861

Ebbe S Andersen, Mingdong Dong, Morten M Nielsen, Kasper Jahn, Ramesh


Subramani, Wael Mamdouh, Monika M Golas, Bjoern Sander, Holger Stark,
Cristiano L Oliveira, Jan S Pedersen, Victoria Birkedal, Flemming
Besenbacher, Kurt V Gothelf, Jorgen Kjems (2009) Self-assembly of a
47 
 
nanoscale DNA box with a controllable lid. Nature, 459, 73-76 |
doi:10.1038/nature07971
(Publicado em 08/05/2009 – Grifos no original)

Neste post, Hotta traça uma relação entre dois artigos sobre o mesmo tema publicados
em uma renomada revista de ciência em anos diferentes. Novamente o blogueiro atua como
intermediário entre o artigo original, publicado em inglês e possivelmente dotado de termos
específicos da comunidade científica na qual está inserido, e os seus leitores brasileiros,
readaptando-o, sem deixar de mencionar os pesquisadores e de promover a ligação com
material original (os trechos grifados agem como links para os artigos).
Exemplos como estes também podem ser encontrados no blog Xis – Xis, o outro
veículo analisado neste trabalho, como veremos a seguir.

Xis - Xis

O blog Xis – Xis é escrito pela jornalista e especialista em divulgação científica Ísis
Nóbile Diniz. Ele foi criado 2008, mas apenas em agosto de 2009 foi integrado ao rol do
ScienceBlogs Brasil. O nome faz referência ao conjunto de cromossomos responsáveis por
definir o sexo: XY para homes e XX para mulheres. Como pode ser conferido na imagem a
seguir, sua estrutura é idêntica à do BEMJ, dada a característica do SBBr, embora com a
possibilidade de alterar as ferramentas disponíveis ao leitor. No topo há um banner com o
nome do site. No lado esquerdo, pequenos textos a respeito do blog e da autora, juntamente
com uma foto da mesma. Mais abaixo, links para pesquisa por categorias, outros blogs e sites.
No lado direito, espaço para propagandas do Seed Media Group e link para acesso rápido aos
outros blogs do SBBr. O conteúdo publicado fica ao centro da página.
48 
 

Imagem 03 – Página inicial do blog Xis – Xis. Acesso em 20/01/2010

Apesar de postagens sobre o meio-ambiente e suas vertentes se mostrarem constantes


no blog, durante o período analisado os temas abordados por Ísis Diniz são diversos e
abraçam desde a astronomia às ciências humanas. Isso fica claro quando relacionamos e
agrupamos os quinze posts veiculados durante o período analisado de acordo com sua
temática predominante. Do total, três abordam resultados de pesquisas científicas, quatro são
de cunho pessoal, um sobre um programa de entrevistas, um relacionado a um concurso de
fotografias de imagens científicas, que encaramos como arte, e seis com informações
científicas de forma geral. O quadro completo das postagens é mostrado a seguir.
49 
 
Data de publicação Título do post Quantidade de comentários
Foi culpa da gripe
06/05/2009 07
Unifesp recruta voluntários para
06/05/2009 07
pesquisas científicas
Os países mais limpos do mundo
07/05/2009 10
O melhor blog brasileiro de
08/05/2009 10
sustentabilidade
As vantagens e desvantagens dos
12/05/2009 07
tipos de leite
A luz do Hubble está chegando ao fim
13/05/2009 05
Xis-Xis vence concurso de melhor
14/05/2009 04
post sobre ciência
Debate sobre transgênicos no Roda
14/05/2009 09
Viva
Saiba mais sobre o bruxismo
15/05/2009 05
Vote na arte da ciência
19/05/2009 02
Gregos já sabiam: a Terra é redonda
20/05/2009 16
Comprovado: as mulheres são mais
21/05/2009 30
inteligentes que os homens
“Os Humanos”, novo blog sobre
25/05/2009 05
ciências
Escolha o melhor vídeo sobre
26/05/2009 06
aquecimento global
É preciso saber viver
28/05/2009 10
Quadro 03: Relação do conteúdo analisado no blog Xis-Xis

Tomemos como exemplo o post sobre o telescópio Hubble.

[d]
A luz do Hubble está chegando ao fim

O triste fim. É triste o fim. Escreveria uma poesia sobre, não fosse a questão tão
noticiosa. Está sentado? Pois, então, segure-se. A vida do Hubble – nosso querido
telescópio espacial que capta a luz dos mais distantes e belos corpos celestes - está
chegando ao fim.

O telescópio está capenga. Uma das principais câmeras não funciona, o


espectrógrafo - instrumento que decompõe a luz – também não, a antena tem um
buraco, as baterias acabaram – elas armazenam energia da luz solar para quando
estiver na sombra da Terra – e a área externa está toda machucada.
50 
 
Para dar uma garibada, segunda-feira (dia 11), a Nasa mandou sete astronautas
arrumarem o telescópio. Eles decolaram com o ônibus espacial Atlantis. Após os
reparos, que devem começar hoje, o Hubble funcionará com força total até 2014.

Vale ressaltar que a missão é arriscada. Um meteorito ou lixo espacial pode se


chocar com a nave. Além disso, o telescópio está mais distante, a cerca de 560
quilômetros da Terra, que a Estação Espacial Internacional (ISS), 330 quilômetros.

Agora... a novidade. Durante um ano, o Hubble trabalhará ao mesmo tempo que o


telescópio espacial James Webb. Hein? Leu certo. Em 2013, o Webb deve ser
lançado para o espaço. Ficará a 1,5 milhão de quilômetros da Terra!

Depois... meu pequeno herói captador de luz, o telescópio Hubble, virará lixo
espacial. Ô tristeza. Espero que o Webb não nos decepcione.

Resumindo, o Webb terá um espelho de 6,5 metros – o do Hubble possui 2,40 – o


que significa que poderá captar mais e mais distantes luzes. Aliás, sua área de coleta
de luz será seis vezes maior que a do Hubble. Mesmo assim, ele terá metade do peso
do antecessor.

Com o Webb, cientistas acreditam que será possível observar o espaço há 13 bilhões
de anos. Quase na época do Big Bang. Para finalizar com o ouro, o novo telescópio
captará a luz infravermelha. O que permitirá entender o nascimento das galáxias.
Para saber mais, indico o site do Hubble e do próprio James Webb.

Momento nostalgia. Confira aqui as melhores luzes captada pelo Hubble. As


nebulosas são completamente psicodélicas. As galáxias me lembram um tempo que
não vivi. O Sistema Solar traz um gosto de infância. Saturno, em especial, é divino

Obs.: Este post faz parte da Blogagem Coletiva com o tema “luz” organizada pelo
ScienceBlogs Brasil. Para ler outros textos interessantíssimos escritos pelos meus
colegas, clique aqui.
(Publicado em 13/05/2009 – Grifos no original)

Diferente dos exemplos do BEMJ mostrados anteriormente, este post não apresenta
ligações ou referências às fontes das informações divulgadas, apenas links para os sites dos
telescópios e para textos de outros blogs com o mesmo tema. Entretanto, isso não
descaracteriza o conteúdo como pertencente à divulgação científica, pois, como relata
Zamboni (2001, p. 64), a divulgação científica também ocorre com pesquisas, conhecimento
prévio do divulgador e entrevistas, não apenas com a publicação de papers. Tal fato pode ser
percebido nos próximos trechos exemplificados, nos quais a blogueira expõe as informações
com referência direta a pesquisadores das áreas.

[e]
Esta é para começar a terça-feira com "utilidade pública". A nutricionista Patrícia
Ramos, coordenadora do Serviço de Nutrição e Gastronomia do Hospital
Bandeirantes, em São Paulo, explica as vantagens e desvantagens do leite de cabra,
vaca, soja... E por aí vai:
(Publicado em 12/05/2009 – Grifos no original)

[f]
51 
 
Não sou bruxa, mas rolou uma identificação – que piadinha péssima. Pedro Luiz
Pitarello, cirurgião bucomaxilofacial – não achei como se escreve corretamente o
"palavrão" - do Hospital e Maternidade Beneficência Portuguesa de Santo André,
conta que um dos principais problemas com que topa é o bruxismo. Aquela mania
de ranger os dentes dormindo ou sem perceber durante o dia.
(Publicado em 15/05/2009 – Grifos no original)

É possível perceber em [e] e [f] que as informações contidas nos posts objetivam
alcançar o leitor pela inserção dos assuntos em seu dia a dia. O termo “utilidade pública”,
grifado em [e], busca despertar no coenunciador a importância de se conhecer os tipos de leite
consumidos por este. Já em [f], a palavra do especialista (ele conta que...) aliada à quantidade
do problema (um dos principais...) leva o leitor a pensar que ele também pode sofrer do
bruxismo e, assim, procurar ajuda para tratar da saúde. Aliás, medicina e saúde, tema dos dois
posts exemplificados, é o assunto de maior interesse dos leitores segundo a pesquisa sobre
percepção da ciência, realizada pelo MCT e Fiocruz, descrita no nosso primeiro capítulo.

3.1 PESSOALIDADE E PUBLICIDADE NOS BLOGS DE CIÊNCIA

Nestes exemplos, tanto os colhidos do BEMJ como os do Xis – Xis, pode-se perceber
que o ethos do blogueiro divulgador de ciências se mostra diferente daquele encontrado por
Komesu (2005) em sua tese, embora ambos objetivem a satisfação pessoal e a conquista do
leitor. O primeiro indício a ser observado é o fato do autor do blog de ciências ter
conhecimento sobre sua posição no ciberespaço, uma vez que ele sabe que é divulgador, ao
passo que o blogueiro de diários íntimos estudados por Komesu vai tentar construir sua
identidade dentro da web. Tal pensamento é confirmado pelo autor do Brontossauros, Carlos
Hotta, em resposta ao questionário25 enviado para ele por e-mail, como parte da metodologia
adotada. Perguntado se considera seu blog como um veículo de jornalismo científico ou de
divulgação científica, Hotta diz que é divulgador, pois não utiliza técnicas jornalísticas, como
entrevistas e investigações para compor o seu material.
Acreditamos que outros dois pontos colaboram para esse pensamento: a percepção que
eles têm do suporte midiático e o tema abordado por cada um deles. Quanto à consciência
sobre o emprego da tecnologia da comunicação mediada por computador, o autor de diários a
usa como um espaço para a publicização de si e a simples interação com o outro, enquanto o
divulgador de ciências utiliza o blog como veículo de comunicação, promovendo a
transmissão de um determinado tipo de conteúdo para uma parcela específica de leitores, além
                                                       
25
O questionário completo encontra-se no anexo 01
52 
 
de se relacionar com o eles. Tanto o BEMJ quanto o Xis – Xis apresentam um caráter
profissional, pois estão cercados pela estética e pelos padrões de um grupo midiático,
remetendo-os à categoria de veículo de nicho como indicado por Charaudeau e descrito por
Primo (2008b), retratadas no quadro 01, embora com algumas diferenças.
Como é um dos administradores da rede SBBr, Hotta informa que até o momento da
realização deste estudo, o SEED Media Group, promotor e mantedor da rede ScienceBlogs,
não tem interferido na elaboração dos textos publicados pelos blogueiros da versão brasileira
da rede por esta se tratar de uma experiência da expansão dela em outros idiomas. As receitas
financeiras do SEED são provenientes de propagandas e um percentual delas é repassado aos
blogueiros, porém não há compromissos de quantitativos de publicações e cumprimento de
prazos comerciais. Os autores são conhecidos pelos leitores e, muitas vezes, debatem os
assuntos com eles.
Quanto aos temas, Komesu (2005, p. 61) afirma que nos blogs considerados diários
íntimos on-line predomina a banalidade cotidiana do autor com ênfase nas suas relações
pessoais. Ele procura externar sua intimidade para o leitor com o objetivo de criar uma
relação interpessoal com este e, assim, dar forma à sua identidade na rede. Por outro lado, os
blogs estudados para este trabalho possuem uma temática definida e um público segmentado,
o que não impede seus autores de publicarem detalhes sobre sua vida privada. Aliás, a
subjetividade do blogueiro começa a ser expressa pela escolha da pesquisa ou do feito
científico a ser divulgado.
Entretanto, na análise do nosso objeto de estudo percebemos que os autores dos blogs
de divulgação científica se atêm sobre o conteúdo publicado. Isso porque o assunto é cercado
de especificidades as quais, muitas vezes, fogem do dia-a-dia da maioria da população. Além
disso, o trato com a informação científica ao longo dos anos impõe ao divulgador de ciências
a necessidade de se fazer compreender pelo público receptor para poder alcançar o sucesso.
Daí a prioridade em devotar maior atenção ao tema. Vale ressaltar que não temos a intenção
de estabelecer aqui uma dicotomia entre banal versus intelectual, pois acreditamos que cada
um tem direito a expressar aquilo que deseja.
Para Hotta, a adaptação da linguagem científica para a coloquial é um dos grandes
desafios dos cientistas que promovem divulgação, como propôs Candotti (2002), pois eles
precisam passar a essência daquilo que querem dizer para o público. E continua
exemplificando,
53 
 
“Você quer o público aprenda que a aranha tem algo chamado exoesqueleto ou que
ela não tem um esqueleto interno, mas sim uma carapaça? O público precisa saber
de todos os detalhes para entender de forma geral e correta a sua pesquisa? O único
cuidado a se tomar é evitar que a linguagem coloquial leve a imprecisões factuais ou
que as analogias usadas acabem sendo mal-interpretadas. Este trabalho, de despir
seu trabalho em sua essência, é essencial para o cientista, que precisa ter clareza e
concisão nas suas ideias para se comunicar com outros cientistas e para não se
atrapalhar com seus próprios pensamentos” (Questionário completo no Anexo 01).

Percebemos que a utilização de linguagem coloquial revela que o autor do blog sobre
ciência busca chamar a atenção do leitor para a informação veiculada por ele, ao invés de ele
próprio tentar ser o alvo do interesse do coenunciador. Isso porque as peculiaridades do
discurso científico são apontadas como um dos principais fatores para o desinteresse da
população pelo tema. Assim, adequar o texto a uma linguagem de fácil compreensão, sem ser
reducionista, pode ser encarado como uma ferramenta para a conquista do leitor, indo além da
simples publicação de descobertas para fora do seu contexto de produção.
O uso de marcas de pessoalidade em seu discurso, como verbos na primeira pessoa do
singular e de adjetivos, além da utilização de pronomes de segunda pessoa para o trato com o
leitor, mostra a intenção do blogueiro em “estabelecer uma interlocução direta com os
outros”, como relatado por Komesu (2005, p. 227). Neste ponto, os inúmeros tipos de blogs se
assemelham, pois todos almejam a participação do leitor.
De acordo com a pesquisadora (p. 232), a participação dos leitores nos blogs por meio
dos comentários legitima a busca pela publicização na web almejada pelo autor, ao mesmo
tempo em que serve como espaço, também, para a publicização do leitor. Isso porque, no
material analisado por ela, os textos eram recheados de elogios e críticas voltados para
agradar o autor, entretanto vazios e sem outra finalidade que não fosse a promoção do leitor
no espaço interacional, geralmente representada por uma indicação de leitura do seu próprio
blog.
Por outro lado, a participação dos leitores neste segmento vai além do elogio ao autor,
o que não é negativo ou passível de crítica. Os comentários destes se mostram voltados para o
debate acerca do tema proposto na postagem, mantendo o foco no conteúdo. Para Hotta, os
comentários são sinais de que o leitor está sendo impactado por aquilo que foi publicado ao
ponto de ter o trabalho de escrever algo sobre isso. Os trechos a seguir foram extraídos do
post [a], publicado no BEMJ, e do seu conjunto de comentários e demonstram como essas
duas características, discussão e elogios, convivem nos blogs de divulgação científica. Os
números à esquerda indicam a ordem de inserção dos comentários.
54 
 

[a.1]
[...]- o Osame está espalhando por aí números que indicam um número
gigantesco de pessoas infectadas e mortos. Ele tira estes números usando modelos
de infecção e epidemias. O problema é que não estamos lidando com porcos
perfeitamente esféricos no vácuo. Muito pelo contrário. Um dos fatores que devem
evitar o alastramento da doença é o estado atual de ALERTA dos governos e da
população.[...]

Comentários
[...]
2 - Oi Carlos,
Eu não espalhei números gigantescos sobre infectados ou mortos, eu apenas citei os
números do ministério da saúde em seu plano de contenção de pandemia de gripe de
2005:

http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/p_influenza_3versao.pdf

O ministério estima a necessidade de 1.000 a 200.000 leitos para os casos graves. O


problema é que o país não está preparado e não dispõe desses leitos.[...]
Escrito por: Osame Kinouchi | maio 1, 2009 2:45 PM

3 - Epidemia Hiperreal é isso.


Escrito por: Karl | maio 2, 2009 12:05 AM

4 - Eu gostei do termo. É isso mesmo! Eu peguei a gripe suína hiperreal. Saber mais
não deixa o que está acontecendo mais claro nem, aposto, mais a salvo.
Escrito por: Carlos Hotta | maio 2, 2009 12:31 AM
[...]

15 - Olá!!! Muito esclarecedora sua postagem, em meu blog publiquei o relato de


uma amiga mexicana, sobre as impressões dela, sobre o que está acontecendo em
seu país. As informações dela, pode não ter valor científico, mas alguns comentários
são bem interessantes,ela fala do pânico exagerado, convido todos a lerem:
www.conscienciacomcienciaa.blogspot.com
Escrito por: Daniela Lima | maio 7, 2009 7:23 PM
(Grifos nos originais)

Ao longo de toda seção de comentários deste post26, publicado em 01/05/2009, os


leitores Osame Kinouchi e Karl debateram acerca das conjecturas da pandemia do vírus
Influenza A H1N1 e sobre a histeria que começava a tomar conta da população. Ambos
possuem blogs27 de divulgação científica e abordavam o tema naquela, inclusive com a
participação de Hotta neles28. No BEMJ, a participação do autor nos comentários foi sutil,
com apenas duas contribuições. Entretanto, a “conversa” entre os dois leitores foi responsável
por quase 70% dos comentários recebidos neste post (11 de 16). O primeiro defendendo que a

                                                       
26
A versão completa dos comentários pode ser acessada no seguinte endereço da web:
<http://scienceblogs.com.br/brontossauros/2009/05/muitas_consideracoes_sobre_a_g.php> . Acesso em
20/01/2010.
27
Recomendamos a leitura do blog Semciência, de Osame Kinouchi (http://www.comciencias.blogspot.com/) e
do blog Ecce Medicus, de Karl (http://scienceblogs.com.br/eccemedicus/)
28
http://comciencias.blogspot.com/2009/05/complexo-decassandra-iii-gripe-suina.html
55 
 
população deveria se precaver, uma vez que as estimativas de contaminação se mostravam
alarmantes enquanto o segundo afirmava que a situação apenas promovia pânico na
sociedade. O debate também abordou a construção do pensamento científico ocidental e
questões éticas, como os interesses políticos e econômicos no desenvolvimento da ciência,
sempre com fontes externas, como livros e sites, para o embasamento de seus comentários.
Por outro lado, o comentário de número 15 confirma o pensamento de Komesu, no
qual a leitora inicia com elogios ao texto do blogueiro e finaliza com um convite formal de
visita ao seu próprio espaço. Mesmo assim, a leitora busca contribuir para esclarecimentos
sobre o tema, visto que revela ter informações, mesmo sem valor científico, de uma amiga
mexicana, moradora do país onde a gripe suína começou a se alastrar e ganhou os noticiários.
Durante nossa coleta de dados sobre os comentários, foi possível notar que há uma
maior interação entre o blogueiro e os leitores/comentadores casuais, provavelmente movida
pela temática em destaque no momento. Dos 115 comentários recebidos pelos posts
publicados durante o mês de maio de 2009 no BEMJ, Hotta é responsável por 21 inserções,
tendo respondido 17 vezes aos participantes esporádicos e quatro a leitores assíduos. O post
cujo blogueiro demandou “maior atenção” foi o publicado no dia 12/05/200929 e que descreve
o processo de desenvolvimento da vacina contra a gripe H1N1. Foram 10 respostas para um
total de 42 comentários, em um dia com mais de mil acessos30.
Entre os comentadores, nos chama a atenção a presença de uma representante do
Ministério da Saúde do Brasil para esclarecer alguns pontos sobre a fabricação de um
medicamento para o combate dos sintomas da gripe A H1N1. Tal fato, na nossa compreensão,
demonstra a importância que mídia blog conseguiu estabelecer para o fornecimento de
informação para a sociedade, pois o aparato midiático do Governo possui livre acesso a meios
de comunicação de massa, incluindo veículos próprios, podendo fornecer as mesmas
explicações em rede nacional de rádio e televisão, por exemplo.
Já no blog Xis – Xis a autora interage constantemente com os leitores. Há comentários
dela em todos os posts publicados durante o mês escolhido para análise. Ao todo, dos 133
comentários publicados, 51 são de Isis Diniz. Este relacionamento entre autor e leitor na seção
de comentários de um blog de divulgação científica pode aprofundar as ideias iniciadas no
post e contribuir ainda mais para a compreensão do assunto. O próximo exemplo faz parte dos
comentários relacionados ao excerto [b]. No post, também do BEMJ, o autor revela um

                                                       
29
http://scienceblogs.com.br/brontossauros/2009/05/3_-_como_se_produz_vacina_cont.php
30
Dados coletados pelo sistema Google Analytics e fornecido pelo blogueiro. Disponível no Anexo 02.
56 
 
sentimento de indignação quanto à demora pela identificação dos casos da gripe H1N1 e
sugere a implantação de uma central de monitoramento.

4 - "...comprar os primers, com urgência!"


Qual é a diferença de esperar um kit e esperar primers? Você acha que os primers
iam demorar menos que o kit para chegar?
Escrito por: Guilherme | maio 8, 2009 11:31 PM

5 - Claro que sim! A média é dez dias úteis, mas, devido à urgência, poderia
demorar bem menos. Com um sistema de alerta, poderia-se usar sequenciamento
com primers comuns às variedades conhecidas, mas acho que vc sabe disso não? E
testes com cultura viral? Além disso, poderiam-se excluir muitos casos suspeitos
usando primers específicos para outras variedades! Ficar de braços cruzados é que
não pode!
Escrito por: Carlos Hotta | maio 9, 2009 1:08 AM
(Grifos no original)

Entretanto, há também casos em que o autor do blog não possui as informações que o
leitor busca. No blog Xis – Xis, por exemplo, a autora publicou um post no dia 06 de maio
para informar aos leitores que a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estava com
inscrições abertas para voluntários em pesquisas nas áreas de cuidados familiares, doença de
Parkinson, fibromialgia e alcoolismo. A seção de comentários registrou as seguintes
interações:

1 - Gostaria saber se há alguma pesquisa em andamento pra fibromialgia, pois foi


dignosticado há mais ou menos 4 anos e não tem cura, e gostaria de participar de
alguma pesquisa.
Desde já agradeço
Escrito por: Janaina Rosa de Paula | julho 9, 2009 1:35 AM

2 - Janaina,
Infelizmente, não sei te dizer ao certo. Sugiro que entre em contato com as
universidades como USP, Unesp e Unicamp. Sorte e melhoras!
Escrito por: Isis Nóbile Diniz | julho 9, 2009 12:23 PM

3 - Gostaria de saber se já foram desenvolvidas pesquisas que associem a utilização


do cágado (espécie de quelônios de água doce) para a elaboração de medicamentos a
controle e erradicação de pessoas contaminadas com o vírus HIV.
Ressalto essa possibilidade, pois essa espécie de quelônios é utilizada para a cura de
distintas enfermidades. Vale a pena pesquisar.
Escrito por: Tatiane | agosto 7, 2009 12:18 PM

4 - Tatiane, não sei te dizer... Sugiro que pesquise em sites como o


http://www.scielo.org/php/index.php .
Escrito por: Isis Nóbile Diniz | agosto 11, 2009 6:32 PM
57 
 
Aparentemente, dada a distância entre a postagem e o início dos comentários (cerca de
60 dias) a autora não se recordou sobre o que havia publicado e recomenda à leitora que
procure outros centros de pesquisas diferentes daquele que descreveu em seu post. No
comentário seguinte, a blogueira reconhece que não tem a resposta, mas pede que a leitora
utilize um serviço de armazenamento e de procura on-line de textos científicos para sanar suas
dúvidas.
O ponto que deve ser ressaltado a partir destes últimos exemplos não é o fato do
blogueiro explicar ou não o conteúdo do seu post para o leitor, mas de ele atender a demanda
do seu público, mesmo, em alguns casos, esquecendo ou não sabendo a resposta esperada por
ele. Claro que quando as respostas são positivas e há um interesse por parte do leitor em
compreender o assunto mais profundamente, o debate tende a engrandecer o conhecimento do
tema e todos os leitores do blog acabam ganhando.

Momento atual

No momento de término deste trabalho, março de 2010, voltamos a acompanhar os


blogs Brontossauros em meu jardim e Xis – Xis para verificar se houve mudanças
significativas em relação ao objeto analisado e se estas alteram nossa percepção.
O BEMJ apresentou uma queda na emissão de posts entre os meses de maio de 2009 e
março de 2010. De acordo com Carlos Hotta, a diminuição foi motivada pelo aumento de
atenção requerida pela sua pesquisa de pós-doutorado, restando a ele pouco tempo para
blogar. A epidemia causada pelo vírus Influenza A H1N1 continuou presente entre os temas.
Foram duas inserções acerca da gripe suína, em março de 2010, ao lado de três sobre vida
animal.
Os principais debates se concentraram nos textos que abordavam a produção e a
aplicação da vacina contra a gripe. Novamente, o espaço do blog foi utilizado pelo Ministério
da Saúde para dar explicações sobre os procedimentos que deveriam ser adotados pela
população. O autor se manteve referenciando os textos com artigos publicados em revistas
especializadas, informações de órgãos oficiais e outros blogs sobre ciência, preservando o
papel de divulgador científico.
O blog Xis – Xis manteve uma média de 13 publicações mensais, com pico de 29
textos em outubro e baixa de dois em dezembro. Em março foram 18 posts escritos por Isis
Diniz, dos quais treze têm como temática a ecologia e suas vertentes. Os demais são divididos
entre saúde (1), fotografia (1), palestra de blogueiros (1) e uma promoção (2).
58 
 
Nossa observação constatou que o conteúdo sobre ecologia publicado no Xis – Xis
neste mês foi baseado nas experiências reunidas por Isis Diniz em viagens, campanhas de
organizações não governamentais e no próprio dia-a-dia da autora. Assim como encontrado
no conjunto de posts do mês de maio de 2009, a blogueira utiliza diversas fontes de
informação para embasar seus textos. Há neles a presença de referências a estudos realizados,
coleta de informação em outros veículos de comunicação ou com especialistas.
Este recorte temporal de ambos os blogs sugere que não houve alterações
significativas do relacionamento entre blogueiro, veículo de comunicação e leitor em
comparação ao período efetivamente analisado.
59 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos ao longo deste trabalho, a ciência evoluiu no último século mais do que
nos últimos 500 anos, provavelmente. A quebra de paradigmas, a formação de um novo
pensamento científico e um olhar diferente sobre o método modificaram, até o momento, a
forma de se fazer ciência e a sociedade como um todo. Muitas áreas do conhecimento foram
beneficiadas por esses avanços e a Informática e a Comunicação são duas delas. A primeira
por possibilitar que os estudos científicos se tornassem mais rápidos, mais precisos e
melhorassem a cada dia a vida humana. A segunda, por promover mudanças sociais incríveis
nos últimos cem anos. Aliadas, Informática e Comunicação promoveram o surgimento de
uma consciência global, de um espaço interacional e de uma nova cultura.
A divulgação científica, maneira com a qual a sociedade conhece os avanços da
ciência, também passou por mudanças neste período. Quase todas associadas aos meios de
comunicação. Das mídias de massa à comunicação mediada por computador, hoje, sem
dúvida alguma, a ciência conta com mais adeptos para a sua popularização do que há trinta
anos, principalmente no Brasil. E os blogs de divulgação científica começam a ganhar espaço
e a fazer parte nessa história.
A divulgação científica sempre teve como objeto principal do seu discurso o feito ou
descoberta científica. O divulgador, como sugerido por Authier (apud ZAMBONI, 2001), era,
e ainda pode ser encarado dessa forma, um intermediário entre o fato científico e o público.
Aquele que compreende a linguagem hermética da academia e a traduz para o cidadão
comum. Por mais envolvimento que o divulgador tenha com a pesquisa a ser publicizada, e
aqui não cabe análises sobre integridade e caráter, o fato científico é sempre o objeto principal
do discurso.
Essa percepção poderia ser diferente nos blogs, pois, como dito antes, estes são meios
de comunicação naturalmente pessoais, carregados de marcas íntimas capazes de refletir a
intencionalidade do seu autor. Mas, durante este trabalho, observamos nos dois blogs de
divulgação científica, objetos da nossa análise, que essa abordagem pode existir, embora não
seja predominante. Como dito em outro momento, o tema do blog é o principal objeto de
discussão.
60 
 
Ao contrário das conclusões obtidas por Komesu31 (2005), principalmente devido às
características opostas possuídas pelos blogs analisados neste trabalho e no da pesquisadora32,
os autores de blogs de divulgação científica têm, sim, muito a dizer. O tom confessional
utilizado pelos autores de diários on-line e a ênfase aos assuntos cotidianos dá lugar às
expressões de opiniões e à promoção de conhecimento, entretanto sem a linguagem
especializada da comunidade científica, fato esse exemplificado no corpo deste trabalho.
Aliás, as marcas pessoais do discurso, característica do gênero blog, no nosso ponto de vista,
contribuem para a familiarização do leitor com o conteúdo e promovem a inclusão dele no
universo das ciências.
A posição de divulgador científico é assumida pelos blogueiros no momento em que
eles escolhem os temas abordados e os ratificam com a exposição das devidas fontes oficiais.
Sua subjetividade é notada claramente na expressão de opiniões nos seus posts e no
desenrolar das idéias ao longo dos seus comentários junto aos dos seus leitores. Por outro
lado, no material analisado não foi possível encontrar exemplos da publicização da intimidade
do autor, neste caso, compreendida como a exposição do dia a dia dos trabalhos científicos
desenvolvidos por eles, principalmente no caso do BEMJ, administrado por um geneticista.
Essa observação mostra que o paradigma de divulgação de resultados de pesquisas
somente após estes serem corroborados por órgãos ou instituições de renome dentro da
comunidade científica, permanece atuante mesmo naqueles cientistas que buscam uma maior
aproximação da ciência com o público. Lembramos, porém, que não nos compete a
proposição de mudanças, uma vez que apenas observamos. Entretanto, ressaltamos os ideais
de Kuhn (2009) quando da necessidade da quebra de paradigmas para a evolução da ciência.
Assim, a proposta de escrita dos blogs se mostra atrativa para aqueles que almejam
promover a divulgação científica para o grande público através de um meio de comunicação
em franca expansão. As marcas pessoais do autor expressas em seu discurso, bem como
momentos de exposição de intimidade entre este e o público, não desabonam a utilização
desta mídia para a propagação da informação científica, uma vez que é necessária a adaptação
textual para que ela chegue à população.
Além disso, a busca por uma maior racionalização e debate acerca do pensamento
científico, como o proposto por Bachelard (1985), encontra nos blogs de divulgação científica

                                                       
31
Para a autora, os blogs analisados por ela apresentam um conteúdo insubstancial em seus enunciados se
levados em consideração a característica do meio, que é promover a comunicação.
32
De acordo com a classificação proposta por Recuero (2004), os blogs analisados por Komesu (2005)
encaixam-se na categoria de blogs diários, enquanto que os vistos para este trabalho se inserem na categoria de
blogs publicações.
61 
 
uma ágora na qual seus participantes têm muito para contribuir. Como vimos, a seção de
comentários promove um campo para a discussão comparável, guardada as devidas
proporções, aos encontros e reuniões de cientistas, onde os participantes são convidados a
sabatinar os palestrantes e aos companheiros de plateia, com uma notável diferença: a seção
de comentários está aberta aos especialistas da área, aos de outras áreas e, principalmente, aos
leigos em ciência, fato impensável em congressos de geneticistas, tomando como exemplo a
formação do blogueiro de um dos nossos objetos de estudo. Além disso, a seção de
comentários permite o aprofundamento dos temas, a geração de dúvidas e repostas e, mais
ainda, o estabelecimento de uma relação direta entre cientista/divulgador e público inexistente
em outros meios de comunicação.
Por fim, acreditamos que a divulgação científica feita nos blogs tende a congregar um
maior número de leitores com o passar do tempo e contribuir ainda mais para a publicização
do conteúdo científico, estabelecendo novas fontes de pesquisas e colaborando diretamente
para o avanço da Nação.
62 
 
REFERÊNCIAS

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um objeto. In: AMARAL, Adriana; RECUERO, Raquel; MONTARDO, Sandra Portella
(Orgs.). Blogs.Com: estudos sobre blogs e comunicação. São Paulo: Momento Editorial,
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BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.

CANDOTTI, Ennio. Ciência na educação popular. In. MASSARANI, Luisa; MOREIRA,


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o fim da audiência de massa e o surgimento de redes interativas. In. CASTELLS, Manuel. A
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HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma


categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

JAPIASSU, Hilton Ferreira. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro, F.


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KOMESU, Fabiana Cristina. Entre o público e o privado: um jogo enunciativo na


constituição do escrevente de blogs da internet. 269 p. Tese (Doutorado em Linguistica) –
Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas: Unicamp, 2005.

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LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

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MAIA, Kenia Beatriz Ferreira; GOMES, Ana Cecília Aragão. Para pensar o fazer e a
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repete o velho, o novo blog? In: AMARAL, Adriana; RECUERO, Raquel; MONTARDO,
Sandra Portella (Orgs.). Blogs.Com: estudos sobre blogs e comunicação. São Paulo:
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PRIMO, Alex. Os blogs não são diários pessoais online: matriz para tipificação da
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apresentado no VI Seminário Internacional de Comunicação, GT de Comunicação e Cultura
(setembro de 2002). Disponível em <http://www.pontomidia.com.br/raquel/weblogs.htm>.
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RECUERO, Raquel da C. Warblogs: os blogs, a guerra do Iraque e o jornalismo online.


Verso e Reverso n. 37, p. 57-76. São Leopoldo: 2003

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LEMOS, A. & CUNHA, P. (Orgs.) Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre (RS):
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TERRA, Salomão Afonso. O público e o privado na interatividade do mundo virtual. 63 f.


Monografia (Graduação em Comunicação Social) – Departamento de Comunicação Social,
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TRAVANCAS, Isabel. Fazendo etnografia no mundo da comunicação. In: BARROS,


Antonio; DUARTE, Jorge (Orgs.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São
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TUFFANI, Maurício. Ciência e interesses: as regras do jogo acima do método e da razão. In:
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ct=C000050221&_version=1&_urlVersion=0&_userid=10&md5=3b15e31d9d18b8034f31ee
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WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. Porto
Alegre: Sulina, 2003.

ZAMBONI, Lilian Márcia Simões. Cientistas, jornalistas e a divulgação científica:


subjetividade e heterogeneidade no discurso da divulgação científica. Campinas: Autores
Associados, 2001.
65 
 
Anexo 01

Questionário enviado ao blogueiro Carlos Hotta como parte da metodologia adotada.

1. Nome:
Carlos Takeshi Hotta
2. Formação:
Biólogo
3. Atua em pesquisa? Em qual área?
Biologia Molecular de Plantas
4. Como surgiu a idéia de ter um blog?
O blog surgiu da vontade de compartilhar com as pessoas as coisas interessantes que leio
sobre Ciências.
5. Você tem ou teve algum outro blog antes desse? Se sim, sobre o quê você escreve ou
escreveu nele?
Tive um blog para falar sobre minha vida na Inglaterra, quando morei lá.
6. Para você, há diferenças entre os blogs “convencionais”, tipos diários pessoais, e os sobre
ciência? Por quê?
A priori não há diferenças entre tipos de blogs, isso depende mais do blogueiro. Há
blogueiros de Ciência que gostam de falar sobre seu dia-a-dia, outros não. Há os formais,
há os informais. Há os sérios, há os engraçados. Há os que dão opiniões e os que fixam-se
nos fatos. É difícil enquadrar os blogs de Ciência em alguma categoria.
7. Você considera seu blog como Divulgação Científica ou como Jornalismo Científico? Por
quê? Sou Divulgador Científico. Dificilmente entrevisto os pesquisadores envolvidos na
pesquisa, como jornalistas fazem. Também não escrevo só sobre o que é novo ou me foco
sobre a novidade. Além disso, não vou a difentes locais para apurar uma notícia ou gerar
conteúdos novos, nem tenho vocação para fazer reportagens investigativas. Só divulgo o
que aprendo e acho interessante.
8. Qual é a média de acesso diário do seu blog?
500 visitas/dia
9. Caso você possua o Google Analytics ou outro sistema de verificação de fluxo de visitas
associado ao seu blog, poderia enviar uma imagem do gráfico de visitas do mês de maio
de 2009 e outra do período de 01/01 a 30/06 de 2009?
Em anexo. Em março de 2009 mudamos o blog de site, por isso mando dois screenshots
diferentes para jan/09 a jun/09.
10. Como você mantém o blog?
O blog é mantido pela SEED, uma empresa americana de divulgação científica.
11. Como é a ajuda deles?
A SEED mantém os servidores e fazem a manutenção do site. Eles também
administram os usuários e o sistema de publicidade.
12. Somente quanto à hospedagem e demais serviços on-line, como manutenção, ou eles
promovem algum ganho financeiro para o blogueiro (não precisa informar valores)?
Os blogueiros podem vir a ganhar dependendo do acesso. Não é muito mas é melhor do
que o Google Adsense.
13. Qual a contrapartida do blogueiro para o SEED? Há um número mínimo de publicações
mensais?
A SEED ganha com parte da publicidade. No nosso caso, somos um teste sobre como
transportar a amrca ScienceBlogs para outras línguas. Não há interferência editorial
nenhuma da SEED.
14. Quais são suas fontes de informação científica atualmente?
66 
 
Revistas científicas, como a Science e Nature. Jornais, Twitter e Google Reader.
15. Como você escolhe os assuntos que são publicados em seu blog?
Pelo meu interesse particular.
16. Quando você publica um post, você o faz objetivando o interesse do leitor ou sua
satisfação pessoal?
É algo puramente egoísta. Muitas vezes me interesso pelo que está sendo discutido na
mídia e, se tenho algo importante a acrescentar, escrevo um texto. Foi o caso da gripe
suína.
17. Você sempre espera comentários em seus posts? Se sim, qual o seu pensamento quando
isso não ocorre?
Comentários são um sinal de que vc está sendo lido e causando um impacto forte o
suficiente no leitor que ele se dá ao trabalho de escrevê-lo. É decepcionante quando não
há comentários.
18. Como você divide o seu tempo entre sua profissão e o ofício de blogueiro?
Atualmente escrevo um ou dois textos por mês. Ou seja: só escrevo quando tenho tempo
livre.
19. Você acredita que os blogs sobre ciência promovem um espaço antes inexistente para o
debate científico?
Os blogs de Ciência são um meio de se discutir tópicos científicos de modo mais rápido e
mais democrático que os poucos espaços que existiam antes.
20. Um paradigma da comunidade científica é não divulgar o andamento da pesquisa, mas
apenas suas conclusões finais, após essas serem corroboradas por pesquisadores da
mesma área. O blog, por sua vez, pode atuar como “diário” no qual o cientista poderia
externar seu dia a dia e trocar informações que possam contribuir com seu trabalho. Qual
a sua opinião sobre esse assunto?
Um dos estilos interessantes de blogs de Ciência é o diário das atividas do laboratório. Há
de se tomar cuidado para não se divulgar “descobertas” que devam ser desmentidas
depois. Fora isso é fascinante ter mais acesso ao cotidiano de cientistas, não?
21. Enio Candotti, em texto publicado no livro "Ciência e Público" de Ildeu Moreira e Luiza
Massarani, diz que o cientista deve aprender a escrever para o público "leigo" e que a
divulgação dos resultados para o grande público deveria ser parte integrante do
financiamento das pesquisas. Como você já trabalhou com divulgação científica para
crianças, como você vê a utilização da linguagem coloquial e da adaptação textual (sem
reducionismos extremos) para a divulgação científica? Uma linguagem mais simples
ajuda a atrair leitores?
O grande desafio do cientista é descobrir a essência da mensagem que eles querem passar
para o público. Você quer o público aprendar que a aranha tem algo chamado
exoesqueleto ou que ela não tem um esqueleto interno mas sim uma carapaça? O público
precisa saber de todos os detalhes para entender de forma geral e correta a sua pesquisa?
O único cuidado a se tomar é evitar que a linguagem coloquial levem a imprecisões
factuais ou que as analogias usadas acabem sendo mal-interpretadas. Este trabalho, de
despir seu trabalho em sua essência, é essencial para o cientista, que precisa ter clareza e
concisão nas suas ideias para se comunicar com outros cientistas e para não se atrapalhar
com seus próprios pensamentos.
67 
 
Anexo 02

Imagens do relatório de acesso ao blog Brontossauros em meu jardim

Acesso ao blog enquanto hospedado no domínio lablogatórios.com.br – Janeiro a junho/2009

Acesso ao blog enquanto hospedado no domínio scienceblogs.com.br – Janeiro a junho/2009


68 
 

Mapa de acesso do BEMJ no mês de maio/2009

Você também pode gostar