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Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

A Reflexão de Séneca Sobre a Morte:

Uma Meditação Estoica

Pedro Silva, 153435

Filosofia: Filosofia e Meditação

Docente: Paulo Borges

22 de novembro de 2022
Silva 2

A filosofia estoica tornou-se um interesse e uma prática pessoal cedo na minha vida.
Devido à ocorrência de certos eventos infortúnios, procurei aprender formas de lidar e
ultrapassar tais eventos – o que me levou ao estoicismo. Desde esse momento, passei a
aplicar o melhor possível, as práticas e os ensinamentos estoicos, recebendo os resultados
algum tempo depois. A partir daí nunca mais parei, inclusive investiguei cada vez mais sobre
esta filosofia e tento passar para os outros este modo de viver. Por este motivo, escolhi
analisar a meditação sobre a morte em Séneca, mais concretamente na obra Edificar-Se Para
a Morte; Das Cartas Morais de Lucílio. O objetivo desta análise é entender as reflexões que
Séneca faz sobre a felicidade e plenitude durante a vida, e acerca da inevitabilidade da morte.
Começarei por contextualizar historicamente Séneca de forma a entender o que o pode ter
levado a pensar da sua maneira; de seguida, analisarei e comentarei as epístolas que
considerei melhor retratarem a reflexão geral de Séneca; finalmente, refletirei acerca das
considerações do filósofo com o intuito de demonstrar o benefício que esta meditação
proporciona durante a vida.

1. A Vida de Séneca

Lucios Annaeus Seneca (ca. 1 a.C. – 65), nascido em Córdoba (Espanha), foi um
filósofo, político, orador e dramaturgo1. Oriundo de uma família abastada, o seu pai, Séneca,
o Orador, fora um famoso professor de retórica em Roma; a sua mãe, Hélvia, tivera um
excelente caráter e educação; o seu irmão mais velho, Gallio, conhecera o apóstolo S. Paulo
na Grécia; e o seu irmão mais novo fora pai do poeta Lucano. Ainda novo foi para Roma,
onde foi treinado para ser um orador e educado em filosofia na escola de Sextii, muito
importante para a filosofia de Séneca, uma vez que misturava o Estoicismo com um
Neopitagorismo ascético2. Entenda-se que ascético provém do asceticismo, que é a prática de
recusar desejos físicos ou psicológicos de forma a atingir um ideal ou objetivo espiritual3.

Mesmo uma resumida lista de eventos da sua vida indica que Séneca teve amplas
ocasiões para refletir sobre emoções violentas, o perigo da ambição e as formas onde a vida
de política difere da vida de filosofia4. Por volta de 31 começou a sua carreira em política e
direito e, em pouco tempo, acabou num conflito com o imperador Calígula, que apenas

1
Vogt. “Seneca”.
2
Dudley. "Seneca".
3
"Asceticism". academic.eb.com.
4
Vogt. “Seneca”.
Silva 3

desistiu de matar Séneca pelo argumento de que a vida deste seria curta. Dez anos depois,
Séneca foi acusado de adultério com a sobrinha do imperador Cláudio, levando o pontífice
máximo a exilá-lo para Córsega, onde, nesse ambiente desagradável, estudou ciência e
filosofia. Nesse exílio, escreveu as importantes três Consolações: à mãe, pelo seu exílio, a
Políbio, pela morte do filho deste, mas com um pedido de retirada de Córsega, e a Márcia,
pela morte do filho desta, provavelmente para tentar ganhar o seu favor, uma vez que
integrava uma família rica, cujo pai fora um historiador notável. Estas três consolações, cuja
forma se assemelha mais a um ensaio do que a uma carta, são importantes para entender
também a sua filosofia estoica, uma vez que o conteúdo se aprofunda mais em realizações de
Séneca do que propriamente num consolo aos demais remetentes. A influência de Júlia
Agripina, mulher do imperador Cláudio, levou ao retorno de Séneca a Roma em 49,
tornando-se praetor5 no ano seguinte. Casou com Pompeia Paulina, uma mulher rica,
construiu um poderoso grupo de amigos, que incluía Burrus, o novo praefectus6 da guarda, e
tornou-se tutor de Nero, futuro imperador de Roma, quando este ainda era adolescente7.

A morte do imperador Cláudio em 54 empurrou Séneca e Burrus, para o topo. O


primeiro discurso público de Nero foi escrito pelo filósofo, prometendo liberdade para o
Senado e um fim à influência de libertos e mulheres. Os dois amigos, apesar de provinciais de
Espanha e da Gália, respetivamente, compreenderam os problemas do mundo romano,
introduzindo reformas judiciais e fiscais, e promovendo uma atitude mais humana
relativamente aos escravos. Séneca e Burrus eram os favoritos de um tirano e, em 59, tiveram
de tolerar, ou forjar, o assassinato de Agripina. Quando o praefectus morreu em 62, o filósofo
sabia que não podia continuar retirando-se da vida pública e escrevendo nos restantes anos
algumas das suas melhores obras filosóficas. Três anos após a morte do seu amigo, os
inimigos de Séneca denunciaram-no de ter participado na conspiração de Piso para assassinar
Nero. Ordenado a cometer suicídio, Séneca conheceu a morte com compostura e fortitude8.

5
Um oficial da justiça que tinha ampla autoridade em casos de equidade, era responsável pela produção dos
jogos públicos, e, na ausência de cônsules, exercia uma extensa autoridade no governo. “Praetor”,
academic.eb.com.
6
Prefeito.
7
Dudley, op. cit.
8
Dudley. "Seneca".
Silva 4

Analisando a vida de Séneca, podemos compreender a origem e os motivos da sua


filosofia. Considero que o ensino inicial direcionado a esta corrente filosófica foi de extrema
importância, uma vez que durante o seu exílio escreveu as suas primeiras obras estoicas, o
que acredito ser muito difícil por conta do ambiente solitário e enlouquecedor, para alguém
que sempre viveu rodeado de muitas pessoas. Mas é aí que julgo residir a essência do
estoicismo de Séneca: sendo as suas primeiras obras escritas no exilio, demonstra-se que o
filósofo conseguiu renunciar os seus desejos e aceitar aquela situação, retirando o máximo de
ensinamentos possíveis daquela experiência, especialmente os relativos à morte. Ainda assim,
os escritos de Séneca têm sido comumente interpretados como uma biografia, pois levantam a
questão de como é que a sua discussão dos poderes curativos da filosofia não reflete a sua
própria vida. Mas, apesar do estilo pessoal muitas vezes utilizado, as suas obras não são
autobiográficas: Séneca cria uma persona literária para si próprio. Ele discute as questões que
o ocupam de uma forma que convida os leitores a pensar sobre as questões nas suas próprias
vidas, ao invés de na vida do filósofo9.

2. Análise de Algumas Epístolas

Esta obra possui 22 epístolas das diversas que Séneca escreveu a Lucílio. Estas tinham
o propósito explícito de orientar a formação espiritual do remetente segundo os preceitos e
princípios do Estoicismo: uma proposta sobre a prática existencial pautada pela harmonia
com a Natureza, que é aqui entendia como a ordenação do cosmo10. O objetivo será analisar e
entender a forma como Séneca aborda a questão da morte e, por consequente, como
argumenta a favor da importância de viver o presente – sendo este o aspeto mais importante
do estoicismo.

2.1. Epístola 1

Séneca afirma que o ser humano, na realidade, é unicamente proprietário do seu


tempo de vida e, assim, o pior desperdício deste é pela negligência. “Tudo na existência que
ficou para trás pertence à morte”11 e, por isso, aconselha Lucílio a aproveitar todas as horas,
levando-o a depender menos do amanhã, uma vez que controla o tempo presente. Quem
aceita o tempo de outro não deve nada, pois “… nem mesmo um homem agradecido tem

9
Vogt, "Seneca".
10
Freitas 7; Introdução.
11
Séneca, epístola 1.
Silva 5

como restituir”12. Assim, Séneca gere e controla o seu tempo de forma a conseguir saber onde
gasta e para que, e de que forma, o usa. Por fim, lembra Lucílio que este comece de imediato
a aproveitar o seu tempo. Desta forma, o tempo deve ser valorizado e, por consequente, bem
gerido, pois no fim da vida já será demasiado tarde para controlar o tempo despendido13.

Se refletirmos bem sobre o assunto, o tempo da nossa vida é realmente a única coisa
que nos pertence e que ninguém nos pode tirar. Por exemplo, pensando em casos onde
podemos ficar encarcerados: ninguém nos rouba o tempo, apenas força-nos a despender do
mesmo da maneira menos útil possível. O tempo é algo intrínseco ao ser humano. O
problema, ou a virtude, deste é que nem é controlável, nem é definido – ninguém nasce
sabendo o seu limite temporal de vida, apenas que ele existe. Assim, o importante a reter é
que temos de preservar o melhor possível o nosso tempo, isto é, uma vez que não podemos
parar o tempo, a melhor forma de preservação será o melhor aproveitamento possível do
nosso tempo. Isto porque, para finalizar, o tempo que passou apenas pertence à morte,
segundo Séneca, afirmando que a morte não chega só no fim, mas que anda sempre atrás de
nós. Desta forma, podemos perceber que a primeira carta anuncia o desenrolar das restantes
cartas: aproveitando o tempo vivendo o presente, e descartando medos, como o da morte, de
forma que o nosso espírito esteja o mais sereno possível.

2.2. Epístola 4

Séneca motiva Lucílio a começar rápido de forma a poder desfrutar por mais tempo
do seu espírito transformado e harmonioso. Inclusive, afirma que o remetente irá ainda
desfrutar durante o processo de harmonização, mas o prazer não é igual ao sentido pela “…
contemplação de uma mente livre de qualquer mácula e esplêndida”14. O filósofo argumenta
que Lucílio se sentirá melhor quando deixar o seu espírito infantil, permitindo que a filosofia
o torne num homem. O problema não é a infância vigorar até essa altura, mas sim a
infantilidade. Ela é pior porque temos a autoridade dos idosos e as falhas das crianças: eles
temem banalidades, elas temem fantasias – levando os homens a temer ambas coisas15.

12
Ibid.
13
Ibid.
14
Ibid., epístola 4.
15
Séneca, epístola 4.
Silva 6

Considero pertinente comentar esta parte da epístola, pois podemos retirar desta
secção um conselho que pode passar despercebido: Séneca relembra Lucílio que é importante
estudar filosofia, pois é esta que lhe dará a maturidade necessária para deixar de ter os medos
causados pela infantilidade.

Continuando, Séneca foca-se agora na questão do medo, afirmando que as situações


que mais medo causam devem ser as menos temidas. A morte vem ao nosso encontro e
apenas seria de temer se pudesse coexistir com a nossa vida – o que não acontece, pois ou
não nos alcança, ou atravessa-se no nosso caminho. “Não pode contar com uma vida serena
quem pensa demais sobre como prolongá-la, quem contabiliza entre seus maiores bens
muitos anos”16. Assim, o filósofo aconselha Lucílio a refletir diariamente sobre esta questão,
de forma que com espírito tranquilo, possa deixar esta vida que a maioria das pessoas tem:
viver com o medo da morte e com as preocupações da vida. Posto isto, abandonar todas as
preocupações torna a vida agradável, pois nenhuma coisa é boa se não estivermos preparados
para perdê-la. Além disso, estamos destinados desde que nascemos à morte – “São coisas
assim que devemos acalentar no espírito se desejamos esperar placidamente pela hora final,
cujo medo transtorna todas as demais”17.

Interrompendo novamente, focando-me na questão do medo da morte e nas


preocupações da vida: não devemos nem ter medo, nem preocupações com o futuro. Este é
um ponto fulcral do estoicismo – temos de viver o presente e esquecer o futuro. Acredito que
a morte não deve ser temida, já que é a única coisa certa na vida, relativamente à morte
corporal, a espiritual tem outras questões. O foco é a morte corporal, deixar de existir
enquanto matéria física. Mas isto não quer dizer que não devemos viver a pensar no futuro:
existe uma diferença entre não esperar estar vivo amanhã e esperar morrer amanhã. Não
esperar estar vivo amanhã não implica que não devemos estudar, criar relações, trabalhar,
entre outros, enquanto esperar morrer amanhã leva a uma vivência desmedida e um
sentimento de ansiedade. O importante a reter é que temos de aproveitar e tirar prazer apenas
do presente até porque quando a morte chegar não vamos perceber, uma vez que já estaremos
mortos. E esta questão de não ter medo da morte, que é uma preocupação com o futuro, liga-
se com as diversas preocupações da vida futura: de que serve pensar e estar preocupado com
algo que está por chegar? É importante diferenciar entre preocupação e preparação – não nos

16
Séneca, epístola 4.
17
Ibid.
Silva 7

preocuparmos com o futuro não implica não nos prepararmos. Por exemplo: não me
preocupar com a minha morte não implica que tenha de negligenciar a minha saúde; não me
preocupar com um futuro teste não implica que não tenha de estudar. O que interessa é
aproveitar o presente e fazer o que é preciso sem pensar nos resultados possíveis que estão
além do meu controlo.

Por fim, Séneca refere que somos seres simples. Os únicos limites impostos pela
natureza são a não ausência de fome, frio e sede e, para tal, não é necessário que entremos em
guerras, que nos arrisquemos nos mares. Isto porque o que é necessário à nossa sobrevivência
está disponível e ao nosso alcance, tudo o resto que façamos é tempo gasto em
superficialidades. “Quem convive bem com a pobreza é rico”18.

Este último parágrafo é bastante direto e simples: quanto mais simples, melhor a vida.
A última citação é bastante forte e reflete exatamente a ideia de sermos seres simples. Não
precisamos de nada mais além do que é essencial para vivermos, e é esse essencial que
proporciona a felicidade e o prazer. Uma simples refeição, saciar a sede, aquecermo-nos, é
destas coisas que devemos retirar prazer porque, além de serem uma ação no presente, é algo
da nossa naturalidade.

2.3. Epístola 12

Séneca reflete sobre a velhice: esta deve ser aceite e está cheia de prazeres, caso se
saiba aproveitar. “O que cada prazer tem de melhor fica reservado para o fim”19, acreditando
que mesmo sendo a melhor idade a avançada sem decadência, a que está perto do fim ou tem
os seus prazeres, ou no lugar de prazeres tem uma ausência de desejos – “Como é doce ter-se
cansado de desejos e tê-los abandonado”20. Além disso, afirma o que comentei anteriormente
sobre a questão de não esperar o amanhã: cada dia deve ser vivido como se fosse o último e
completasse a vida. Aquele que espera o dia de amanhã sem preocupação é muito feliz e
sereno21.

É interessante perceber o pensamento de Séneca acerca da velhice: no caso hipotético


de levarmos uma vida como o filósofo descreve, é possível conceber uma fase final, talvez

18
Séneca, epístola 4.
19
Ibid., epístola 12.
20
Ibid.
21
Ibid.
Silva 8

não com prazeres, mas com a ausência de desejos. Chegar ao fim, conformado com o destino,
e num estado sereno e de paz, sem qualquer desejo. O restante da epístola acaba por colmatar
o meu comentário sobre a morte na quarta epístola.

2.4. Epístola 23

Séneca começa por afirmar que sábio é aquele que sabe o que lhe proporciona
extrema felicidade e aquele que não deposita nos outros a sua própria felicidade. Além disso,
aquele que tem qualquer esperança, por mais alcançável, de fácil obtenção, e nunca traído por
esta, é ansioso e inseguro de si. Temos de aprender a rejubilarmo-nos – não são as
esperanças, por exemplo, que dão prazeres. Pelo contrário, a sua ausência é que proporciona
imensa alegria. E essa alegria é natural quando está dentro de nós, todos os outros
contentamentos são superficiais. Mas este rejubilar não é fácil: não é qualquer pessoa que é
insignificante à sua morte, vive pobremente, abstém se de prazeres e reflete sobre a
resignação às dores. Isto é muito pouco apetecível, contudo aquele que alcançar todas estas
coisas realmente alcançará uma enorme felicidade. Este jubilo é o importante, e quando
descobrimos onde obtê-lo, nunca nos deixará. O povo que se deleita com os metais valiosos,
porque se vendem por melhores preços, apenas proporcionam prazeres momentâneos – o
jubilo que Séneca defende é sólido e é interior a nós. A felicidade vem da “… consciência
tranquila, das decisões honradas, das ações corretas, do desdém pelo que é fortuito, de um
curso de vida calmo e constante que persiste num só caminho”22 – porque aqueles que
mudam, ou os que não mudam, mas são levados pelo acaso, não conseguem ter nada
duradouro. Assim, é preciso definir o que queremos e preservar isso23.

Acredito, à semelhança do que venho defendendo, que esta questão de a felicidade


estar no nosso interior é da maior importância. Refletindo sobre a nossa natureza, o ser
humano tira prazer e foca-se em coisas superficiais para simplesmente suprir a infelicidade
interna. Não sabendo estar sozinho consigo, sem mais nada ao redor, com o espírito calmo e
sereno, aproveitando o momento presente, o ser humano tem a necessidade de seguir desejos
externos, de acreditar que os outros irão proporcionar-lhe felicidade. Na verdade, a melhor
coisa a fazer é não ter espectativas – vivemos vários momentos infelizes ao longo da vida
pelas espectativas não realizadas.

22
Séneca, epístola 23.
23
Ibid.
Silva 9

2.5. Epístola 24

Séneca descreve diversos exemplos históricos de homens que venceram a morte, onde
certas partes acabam por colmatar o que comentei anteriormente. Não há necessidade de lidar
com males futuros, de ser infeliz por mais tarde existir a possibilidade de ser infeliz. Para
ultrapassar a preocupação basta prever que o pior vai acontecer e, medindo-o connosco
próprios, perceber que hiperbolizamos esses pensamentos, pois realmente tais medos nem
serão tão prolongados, nem grandes. Não precisamos ter medo da morte, porque, a certo
ponto, ela traz o benefício de nada temer – por exemplo, a quantidade de pessoas libertadas
dos seus males quando morrem. E mesmo tendo uma consciência serena e calma acerca de
acontecimento externos, temos de esperar o mais justo e preparar para o mais injusto. Tem de
existir um equilíbrio entre a morte e a vida – nem repudiar demasiado a primeira, nem desejar
desmedidamente a segunda. Mas isto não significa que fugimos da vida, mas sim que saímos
dela, tendo atenção para evitar a vontade de morrer, pois o espírito também possui uma
inclinação para a morte24.

2.6. Epístola 26

Séneca afirma que apenas sente no corpo as marcas da ideia, visto que o seu espírito
se rejubila por se livrar de tal fardo. E ir chegando aos poucos ao fim, libertando-se do corpo
gradualmente, é uma sensação amena – para o filósofo, é melhor que perecer subitamente.
Afirma para consigo que nada do que falou e demonstrou significa: só na hora final é que irá
entender se realmente tem a coragem. Não são conversas de caráter intelectual que revelam
um espírito firme, o que for realizado só se mostrará quando se exalar a alma – devemos
aceitar esta condição. Por fim, cita Epicuro – “Medita sobre a morte”25, isto é, temos de
aprender sobre a morte. E é por ser algo único que temos de aprender, porque é importante
aprender aquilo que não temos como testar se sabemos. A citação de Epicuro remete para
uma meditação sobre a liberdade, pois quem aprende a morrer, desaprende a servir, elevando-
se acima de qualquer autoridade, pois tudo o resto tem uma saída. A única coisa que nos
mantém presos é o amor à vida – não é preciso abandoná-lo, simplesmente há que reduzir,
para quando surgir o momento final estarmos preparados e que nada nos impeça de tal26.

24
Séneca, epístola 24.
25
Ibid., epístola 26.
26
Ibid.
Silva 10

A meditação sobre é morte é o objetivo principal deste estudo. Apesar de Séneca não
escrever diretamente sobre o assunto em mais cartas, tudo o que já foi descrito anteriormente
pode ser considerado parte da meditação sobre a morte. Esta meditação é a que nos permite
começar todo o processo de renúncia à felicidade oriunda do exterior, jubilando-nos com o
nosso interior. Além disso, é preferível que pereçamos pouco a pouco, pois assim é possível
realizar esta meditação mais vezes, aumentando o tempo de uma vida serena e prazerosa.

2.7. Epístola 54

Séneca reflete sobre o estado da morte. Por esta altura, já tem asma e está muito débil,
levando-o a entender que não tem muito mais para viver. Esta asma é diferente de qualquer
incómodo que já sentiu: ela é a preparação para a morte, enquanto os outros seriam apenas
adoecer, por exemplo. Não está animado por conseguir escrever a Lucílio após um ataque de
asma, não se alegra como se estivesse bem de saúde. Mas é certo que durante o ataque
encontrou “… conforto em pensamentos felizes e valorosos”27. O filósofo já teve uma longa
experiência com ela, como antes de nascer – “A morte é não ser”28. E sabe o que é, pois será
o mesmo que foi antes de ele ser o que é. Logo, se existe desconforto nessa condição,
também existiu antes de nascermos, contudo não sentimos nada antes dessa ocasião. Os seres
humanos são o meio entre dois extremos: durante a vida sofremos e nos extremos estamos
profundamente tranquilos. É neste ponto que se erra, pois preocupamo-nos com o que virá
depois da morte quando esta é o que existiu antes de nós – “Tudo o que houver antes de nós é
a morte”29. Assim, não é importante não ser nem o início nem o fim, já que ambos resultam
em não ser. Para Séneca, a asma e os seu ataques podem e vão continuar, o que interessa é
que ele “… não seja um asmático de espírito”30. Por estes motivos, o filósofo já não planeia
um dia inteiro – está preparado para perecer. E há que admirar o ser humano que “… não
reluta em morrer, embora aprecie viver”31. A coragem é necessária para ir embora quando se
irá ser expulso, e no caso da morte não é diferente: efetivamente somos expulsos, contudo a
sensação tem de ser a de sair apenas. E é nesta questão que se distingue o sábio, pois este

27
Ibid., epístola 54.
28
Ibid.
29
Ibid.
30
Ibid.
31
Ibid.
Silva 11

nunca é expulso, visto que tal implica sair contrariado – o sábio “… escapa ao inevitável
porque deseja o que está para lhe ser imposto”32, nunca faz nada contrariado33.

Esta epístola entra numa nova temática da filosofia quando Séneca afirma que a morte
é não ser: o que é não ser especificamente? Existem diversas respostas para esta questão: uns
afirmarão que sim, não somos nada material e espiritualmente, outros apenas materialmente,
e outros poderão ainda responder de diferentes formas. Contudo a resposta a esta questão não
é o foco. O importante a realçar desta reflexão de Séneca é, novamente, o medo desnecessário
da morte. Independentemente da resposta à última questão, é possível conceber que antes de
nascer é o mesmo que depois de perecer – não nos lembramos de nada anterior ao nosso
nascimento e, possivelmente, também não nos lembraremos quando morrermos. Por este
motivo, qualquer desconforto que tivemos antes de nascer não ficou na nossa memória. Logo,
temer a morte por medo de outra coisa além de parar de viver não parece fazer muito sentido.
À semelhança do que comentei anteriormente, temos de ser também realistas e perceber o
nível de planeamento futuro que fazemos: se, a morte foi iminente, agendar um dia inteiro
acaba por ser desmedido, o que, novamente, não implica que com boa saúde não pensemos
um pouco no futuro, simplesmente tem de se aceitar que a morte pode chegar a qualquer
momento. E é esta aceitação, quando a morte se vai aproximando gradualmente, que nos
permite sair da vida, e não expulsos dela: não é uma mera conformidade com a morte, que
tem de acontecer porque sim; é antes um entendimento sobre o destino de todos, cuja
aceitação provém do entendimento da natureza do ser humano.

2.8. Epístola 61

Completando a epístola anterior, Séneca reflete, estando à beira da morte, que é agora
que tem de deixar de desejar o que desejou no passado, isto é, pondo um fim a vícios antigos.
Desta forma, o seu dia tem o valor de uma vida inteira, contudo é preciso ter atenção que não
espera que seja o último dia – encara antes como possivelmente o último. Esta reflexão
provém da sua afirmação de nunca fazer algo contrariado, pois “… tudo o que é inevitável a
quem costuma recusar-se não é inevitável a quem aceita”34: é preciso colocar o nosso espírito
em harmonia de forma a desejar o que as contingências exijam de nós e, mais importante,
com o objetivo de refletir sobre o nosso fim sem tristeza. A preparação para a morte é maior
32
Séneca, epístola 54.
33
Ibid.
34
Ibid., epístola 61.
Silva 12

que para a vida, pois durante a última temos sempre a sensação que falta algo – ela apenas
nos fornece o suficiente. E isto é intrínseco ao ser humano, irá sempre acontecer, daí ser o
nosso espírito quem garante que vivemos o suficiente.

2.9. Epístola 70

Séneca afirma que a duração da vida não é o importante, pois uns morrem muito
rápido, por mais que adiem, e outros vão-se muito lentamente. Por isso, nem sempre se quer
preservar a vida – “… viver não é um bem, mas viver bem”35. Assim, o mais sábio viverá,
não o quanto puder, mas sim o quanto considera que deve: “Ele reflete sempre sobre a
qualidade da vida...”36. Não tem medo se é ele que põe termo à vida ou não, caso o seu
espírito não consiga estar tranquilo devido a diversos fatores, pois morrer aos poucos não
causa perdas a ninguém. O relevante é morrer bem ou mal e, neste caso, “… morrer bem é
escapar ao risco de morrer mal”37. Não devemos aceitar a vida a qualquer custo, pois mesmo
tendo coisas que nos aguardam futuramente, inevitáveis, não é admitindo a fraqueza que as
devemos alcançar – o destino é impotente contra aqueles que sabem morrer e não devemos
pensar que tem poder absoluto sobre os seres vivos. Além disso, temos o poder de escolha
sobre a morte em casos de ela ser inevitável, pois é preferível morrer o mais indolor e
rapidamente, do que o mais tormentosa e lentamente: “… é sempre pior uma morte
prolongada”38. E a morte é onde se dá prioridade à satisfação da disposição do espírito,
devendo partir segundo o que nos motiva. A única aprovação que precisamos para a própria
morte é a nossa – “… ótima é a morte que lhe agrada”39 – pois qualquer que seja a forma,
alguém irá julgar. E os que forem contra o suicídio não entendem que a maravilha da
natureza foi ter-nos dado várias saídas, e uma entrada apenas. Logo, não nos podemos
queixar sobre a forma de morrer, pois a vida não segura ninguém: em caso de satisfação, que
viva; em caso de insatisfação, que morra. Ninguém pensa que um dia terá de sair do corpo e é
por isso que a comodidade do costume e do lugar, mesmo passando por entraves, retêm
antigos inquilinos. O importante é considerar que o corpo é temporário para que na hora final
estejamos mais fortes, só que pensar no fim é difícil uma vez que os seres humanos

35
Séneca, epístola 70
36
Ibid.
37
Ibid.
38
Ibid.
39
Ibid.
Silva 13

ambicionam tudo o que não tem fim. É importante realçar que só o querer é um obstáculo ao
morrer, pois “… é preferível a morte mais suja à mais limpa servidão”40. Não há nada que
impeça aqueles que desejam partir e desligar-se, de o fazer – aqueles que não tiverem uma
necessidade urgente devem considerar uma morte mais suave; aqueles que possuírem
diversas formas de o fazer, têm de decidir qual usar, preferencialmente uma que os possa
libertar; e aqueles que raramente terão uma oportunidade devem de aproveitar a primeira
como se fosse a melhor de todas, mesmo sendo a primeira. Logo, aqueles que tiverem ânimo
irão sempre arranjar forma de chegar à morte. “O grande homem é que não apenas
determinou a própria morte, mas a encontrou”41. A razão elucida-nos que existem vários
acessos para o destino, mas um único e igual fim, ou seja, o que importa é a chegada e não a
partida. E “Essa mesma razão orienta que, se te for permitido, morras de um modo que te
agrade, mas se não o for, do modo que puderes, e que usurpes qualquer coisa que sirva no
ataque contra ti”42.

Esta reflexão de Séneca sobre o suicídio pode ser um pouco chocante e frontal.
Contudo, considero que esta forma de pensar só é chocante pelo tabu ainda existente em
relação ao suicídio. Sempre existiu uma ideia de que o suicídio é um ato egoísta e de
fraqueza, quando essa não é a realidade aos meus olhos: tal como Séneca afirma, é preciso
uma enorme coragem para tirar a própria vida, mesmo que estejamos num estado de
plenitude espiritual. O ato em si é sempre difícil de realizar. E a questão do egoísta pode ser
uma faca de dois gumes: aqueles que o consideram, justificam que deixamos as nossas
responsabilidades, pessoas dependentes, destruímos emoções; mas até que ponto não é
egoísta da parte desses considerar que temos de aguentar o próprio sofrimento em prol de
tudo o resto? No fim, acabaremos todos por perecer, e tudo o resto não importa. O nosso fado
é a morte, tudo o resto possui inúmeras variáveis e, portanto, o importante é manter a
plenitude e harmonia do nosso espírito, compreendendo e aceitando que o nosso corpo é
apenas alojamento, que nada material serve aos reais prazeres. Assim, se acreditamos que a
morte é o melhor, que nada nos impeça de tal, ou se a morte já for iminente, que se opte por
uma menos dolorosa. A natureza não nos deu responsabilidades nem obrigações, portanto não
nos devemos restringir a tal. Devemos sempre seguir o caminho da plenitude de espírito e

40
Séneca, epístola 70
41
Ibid.
42
Ibid.
Silva 14

decidir por vontade própria se esperamos que a morte nos encontre, ou se vamos ao encontro
dela.

3. Reflexão sobre a Vida e a Morte

Acredito que a vida tem de ser analisada qualitativamente e não quantitativamente. A


vida de uma pessoa pertence-lhe apenas a ela própria, logo terá de ser ela a única avaliadora
do que é uma vida boa. Realizando uma introspeção após a leitura destas cartas, vou salientar
os pontos fulcrais que resultaram da análise efetuada, que acredito ajudarem aqueles que
desejam sentirem-se plenos e serenos.

O primeiro ponto é relativo ao tempo de vida e à sua qualidade. Levar uma vida a
pensar unicamente no presente, tentando abster-se ao máximo de pensamentos e expectativas
futuras, incluindo medos, tem diversos benefícios. O futuro é incerto, nada é garantido além
da morte, e eu encaro essa questão de forma muito prática: se nem sequer tenho controlo, não
tenho de pensar sobre o assunto e apenas esperar o pior cenário; se tiver controlo sobre uma
situação futura tenho apenas de me preocupar em realizar o necessário no presente e pensar
apenas nisso, pois o resultado futuro provirá do empenho nos vários presentes até lá. Além
disso, não devemos esperar nada de ninguém nem criar espectativas: isto engana-nos de
forma a considerarmos que nos irão proporcionar felicidade, quando é o contrário. Se formos
contabilizar a quantidade de expectativas realizadas comparadas às deixadas aquém,
rapidamente nos desiludiremos mais uma vez. A realidade acaba por ter uma tendência para a
deceção, mas isso só acontece se não quisermos compreender a realidade e a natureza. Esta
última proporciona-nos tudo aquilo que precisamos, do mais simples possível, o que tem um
motivo: somos seres simples que se perderam com superficialidades deslumbrantes, que
deram valor a metais e que se esqueceram da importância da simplicidade da vida. Adotando
estes comportamentos, retiramos os prazeres que nos foram propostos pela natureza: os
prazeres interiores. Através destes mecanismos é possível ir aprimorando o espírito, com base
na filosofia também, levando à compreensão e superação do medo da morte, o que me leva
para o segundo ponto.

O segundo ponto é relativo ao medo, especialmente o medo da morte. Do que nos


serve ter medo no geral? Segundo o senso comum o medo é uma resposta biológica do corpo
a situações de perigo, sendo uma espécie de sinal de que devemos evitar essas situações. Mas,
ao mesmo tempo, o medo apenas existe porque queremos. Ter medo de acontecimentos
futuros, como uma negativa num teste ou um amor não correspondido, nada mais é do que
Silva 15

uma expectativa no fundo: se eu tenho medo de que um amor não seja correspondido é
porque tenho a expectativa de que ele seja correspondido. Logo, devemos evitar pensar nos
medos futuros, que em nada nos acrescentam a não ser prejudicarem-nos. E acerca do medo
da morte, este apenas existe devido ao amor e incompreensão da vida. Primeiramente, não
consigo conceber ter medo da única coisa certa na vida, além de que pensar numa vida eterna
parece-me extremamente entediante e tortuosa. Depois, é preciso entender o que é realmente
a morte: sendo um crente ou não da vida após a morte, a verdade é que o nosso corpo irá
perecer a qualquer momento. Ao compreender esta questão, e não apenas aceitar, podemos
conceber que este corpo é apenas um meio, não somos nós essencialmente – é apenas a
“casa” do nosso espírito. E assim que compreendemos isso, viver torna-se ainda mais leve,
pois por que motivo haveríamos de ter medo do natural, do certo?

O terceiro ponto é relativo ao suicido, um tema muito controverso apenas pela falta de
incompreensão do ponto anterior. Se alguém quer terminar a vida, porque sente que viveu o
suficiente ou porque estar vivo é um fardo, por que motivo não poderia terminar a sua vida?
Remetendo também ao primeiro ponto, o importante é a qualidade da vida e não a sua
quantidade: de que me serve viver muito tempo se não estiver feliz e sereno? Prefiro viver
pouco, mas bem, do que muito e deixando a desejar, ou ficando com o pensamento de que
poderia ter aproveitado melhor. Se uma pessoa se contra em sofrimento, ou numa situação
que será pior que a morte, porque não haveria de poder terminar isso rapidamente matando-
se? Acredito que este tema tem de ser abordado mais vezes na sociedade, pois vivemos à base
da dependência que inúmeras coisas e pessoas, cujo comportamento não foi desenhado
segundo a natureza. Não digo que, por exemplo, os pais de uma criança muito nova devem
simplesmente ignorar o filho completamente e decidir o suicídio apenas com base na sua
disposição, mas o filho não terá de ser o peso que os mantém na vida, podendo levar a uma
vida infeliz para o três. Caso o filho ficasse órfão, e seguisse o estoicismo, simplesmente
continuaria a sua vida e se absteria de pensar sobre essa questão.

Com esta última afirmação, considero que se todos caminhássemos para uma vida
mais estoica, principalmente em relação à morte, poderíamos funcionar muito melhor
enquanto sociedade, deixando de ser tão dependentes e reavivando a simplicidade da vida do
ser humano, tornando-nos muito mais felizes. O estoicismo não é sinónimo de desprezo e
apatia pela vida, mas sim uma compreensão lógica dos seus eventos e aceitação do fado da
vida de cada um.
Silva 16

Para concluir, a análise das cartas promoveu uma exposição explicativa do seu
conteúdo, compreendendo o pensamento de Séneca relativamente à vida e à morte, algo
integrante da sua filosofia estoica. Além disso, permitiu uma reflexão mais densa sobre estas
temáticas, instigando a mais leituras futuras sobre esta corrente filosófica, tentando aprender
sempre mais para melhor compreender os fenómenos da nossa vida, destacando-se a morte e
o que a rodeia.
Silva 17

Bibliografia

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Reimpressão, Penguin Books, 1969.
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por Renata de Freitas, Editora Vozes, 2016.
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Zalta, 15 de jan. 2020, plato.stanford.edu/archives/spr2020/entries/Seneca.
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