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1º Encontro Nacional da ABRI

Política Externa
O papel do Poder Legislativo na Política Externa Brasileira: o caso dos acordos
referentes ao Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA)
Cristina Alexandre*

Introdução

Os temas de política externa, tradicionalmente insulados do debate público brasileiro,


ocupam espaço cada vez maior na agenda nacional. Essa ampliação do interesse por
questões internacionais vem ocorrendo paulatinamente, desde a redemocratização, em
decorrência, principalmente, da liberalização comercial brasileira e da intensificação do
processo de globalização. Nessa démarche, constata-se o envolvimento de maior
número de atores em assuntos internacionais, como entes políticos subnacionais,
sociedade civil e empresariado.

Já no que se refere ao Congresso, muitos estudos reafirmam a permanência de sua


apatia com relação à política externa, em que pesem as mudanças impressas nos
cenários externo e interno nas últimas duas décadas. Essa visão foi desenvolvida com
base na diminuta competência institucional do Legislativo – aprovação ex post de
acordos internacionais – frente ao amplo poder de formulação da política externa do
Executivo. Apesar dessa desigualdade, o papel do Legislativo ainda merece análise mais
profunda, pois, a partir de pequena atribuição direta e formal, os parlamentares podem
buscar aumentar sua influência.

Nesse sentido, o presente trabalho irá analisar o papel do Legislativo na política externa
brasileira com base em perspectiva institucionalista liberal, no período após a
redemocratização. Serão destacados os casos referentes ao uso comercial do Centro de
Lançamento de Alcântara (CLA): dois acordos de salvaguardas tecnológicas para o uso
do CLA, assinados com os EUA e a Ucrânia, em 18/04/2000 e 16/01/2002,
respectivamente, e o tratado celebrado com a Ucrânia em 21/10/2003 a respeito de
utilização do veículo de lançamento ucraniano Cyclone-4 a partir do CLA.
Os três atos internacionais sob análise tiveram diferentes recepções no nível doméstico:
o acordo com os EUA nunca saiu do Congresso e encontra-se, até hoje, “engavetado” na
Câmara dos Deputados; o acordo com a Ucrânia sobre salvaguardas foi aprovado com
cláusulas interpretativas; e o tratado referente ao Cyclone-4 foi ratificado pelo
Congresso sem restrições.

Premissas teóricas
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O presente estudo terá por base uma perspectiva institucionalista liberal de análise de
política externa, tendo em vista que as explicações para as políticas referentes ao CLA
passam necessariamente por uma análise do nível doméstico e do papel do Legislativo.
Com efeito, nos casos sob análise, as explicações sistêmicas realistas levariam a crer em
um maior sucesso do acordo de salvaguardas assinado com os EUA do que dos acordos
assinados com a Ucrânia. Isso porque não só o poder de influência sobre o Brasil da
potência hegemônica mundial – ou, ao menos, regional – é muito maior do que o da
Ucrânia, como também o seu poder econômico se mostra de especial relevância, visto
que as empresas norte-americanas dominam cerca de 80% do mercado mundial de
satélites (Silva Filho, 1999). Assim, segundo uma perspectiva realista sistêmica, o
acordo com os EUA teria sido mais provável do que com a Ucrânia e estaríamos frente
a uma anomalia empírica. Essa pode ser explicada de modo mais satisfatório por meio
de uma análise da interação complexa entre política doméstica e negociações
internacionais, para a qual o modelo de Putnam (1988) pode ser usado.
De acordo com a metáfora putnamiana, o processo de negociação internacional deve ser
analisado como um jogo que tem lugar em dois níveis ao mesmo tempo. Assim, o
negociador de um Estado atua simultaneamente em um nível internacional e um
nacional. Neste, os grupos domésticos buscam alcançar os seus interesses por meio de
pressões sobre o governo para que este adote as políticas que lhes são favoráveis,
enquanto os atores políticos buscam alcançar poder por meio de formação de coalizões
com esses grupos. Já no nível internacional, os governos nacionais tentam maximizar
suas capacidades de satisfazer as pressões domésticas e, ao mesmo tempo, minimizar as
conseqüências adversas no plano exterior.
Desse modo, o processo de política externa possui basicamente dois estágios: (i) nível I,
onde ocorre a barganha entre os negociadores para tentar alcançar um acordo; e (ii)
nível II, compreendido como o nível de discussões entre os diferentes grupos políticos
(eleitorado), dentro de cada Estado negociador no nível I, sobre a ratificação ou não do
acordo. Assim, analisa-se a formulação da política externa a partir da interação entre
fatores domésticos e internacionais, e para isso torna-se fundamental a definição do
win-set (ou “conjunto vencedor”) de uma determinada configuração do nível II, ou seja,
o conjunto de todos os possíveis acordos no nível I que poderão ser ratificados no nível

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II (Putnam, 1988, p. 437). Três conjuntos de fatores afetam a determinação do win-set:


(i) a distribuição de poder, preferências, e possíveis coalizões no nível II; (ii) as
instituições políticas do nível II, o seu arranjo institucional; e (iii) as estratégias dos
negociadores no nível I. A partir daí, o autor propõe que: (i) grandes win-sets tornam o
acordo do nível I mais provável; e (ii) os tamanhos relativos dos respectivos win-sets
dos negociadores afetarão a barganha internacional, no sentido em que quanto maior o
win-set percebido de um negociador, menor o seu poder, a sua posição de barganha
internacional (Putnam, 1988, p. 437-41).
Por fim, cumpre ressaltar que estes dois estágios não se sucedem de maneira
completamente rígida: formação de acordo e, em seguida, ratificação. Em verdade,
antes do início do processo de negociação do nível I e até mesmo durante, já existem
movimentos dos negociadores internacionais em seus respectivos níveis II.
In practice, expectational effects will be quite important. There are likely to be prior consultations
and bargaining at Level II to hammer out an initial position for the Level I negotiations.
Conversely, the need for Level II ratification is certain to affect the Level I bargaining. In fact,
expectations of rejection at Level II may abort negotiations at Level I without any formal action at
Level II (Putnam, 1988, p. 436).

Pode-se então perceber na análise de Putnam a aplicação da lei das reações antecipadas
desenvolvida por Carl Friedrich1, visto que muito do que o Executivo negocia
internacionalmente já leva em conta a existência do nível II, ou seja, da necessidade de
aprovação e implementação de seus atos. Assim, mesmo uma situação reiterada de
aprovação pelo Legislativo dos acordos internacionais assinados pelo Executivo não
implica necessariamente a falta de influência daquele Poder no processo decisório de
política externa. Ao contrário, ao longo desse processo, o Executivo leva em conta a
necessidade de aprovação pelo Legislativo e dele pode sofrer forte influência.
Tais estudos partem da premissa de que o Estado não é um ator unitário, daí a
importância da política doméstica, na qual não há propriamente uma situação de
“hierarquia pura”, com um decisor central unitário. Em seu lugar, tem-se uma estrutura
de poliarquia, composta por atores políticos com diferentes preferências e que
compartilham poderes no processo decisório de política externa (Milner, 1997, p. 11).

1
A lei de reações antecipadas determina que quando as ações de X são sujeitas à revisão de Y, o qual é
capaz de recompensar as boas ações e/ou punir as ruins, então X irá provavelmente se antecipar e levar
em consideração o que interessa a Y (Friedrich, 1963, apud Cox & Morgenstern, 2002, p. 447).

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Nesse sentido, a formulação da política externa, mesmo em campos cruciais aos


realistas, como o de defesa nacional, passa a ser vista como fruto de processos políticos
por meio dos quais diferentes atores manifestam as suas preferências e nos quais o papel
do Congresso não pode ser menosprezado.
Em Democratic Commitments, Martin (2000) articula a influência do Congresso com a
credibilidade do compromisso na esfera exterior e com o sucesso da cooperação
internacional. A autora, em reação ao modelo de predominância do Executivo, sustenta
que os Parlamentos possuem influência consistente na cooperação internacional e que
essa influência aumenta a habilidade de os Estados firmarem compromissos
internacionais dignos de credibilidade. Trabalhando em uma matriz liberal, Martin
considera que, em um ambiente internacional anárquico, tendo em vista a ausência de
uma autoridade política supra-estatal, o compromisso representa a base da política
internacional. A cooperação internacional depende então de compromissos que gozem
de credibilidade entre os Estados, credibilidade esta que tem a ver com a participação do
Legislativo no processo decisório de política externa.
Martin adapta os modelos de delegação desenvolvidos pela literatura da Ciência Política
à especificidade das questões de política externa, nas quais os atores nacionais levam
em conta, em sua ação, não apenas o cenário interno, mas também os demais atores da
esfera internacional. Desse modo, a primeira hipótese apresentada é a da delegação,
segundo a qual o Legislativo delega poderes ao Executivo em matéria de política
externa, de modo que, em havendo conflito de interesses entre os dois Poderes, o
Legislativo buscará aumentar a sua participação e, em se tratando de convergência de
interesses, o Legislativo manterá a sua delegação de poderes ao Executivo (Martin,
2000, p. 48).
A alternativa maior à hipótese da delegação é a da abdicação, que sustenta que o
Legislativo delega autoridade ao Executivo e fica sem mecanismos para influenciar os
resultados de política externa, mesmo quando surgem conflitos de interesses. Esta
hipótese da abdicação, a base dos modelos de predomínio do Executivo em política
externa, pode ser rechaçada ao se perceber que, de acordo com os estudos
desenvolvidos por Martin, mesmo quando há delegação, o Legislativo continuaria
interessado nos resultados da cooperação internacional (Martin, 2000, p. 49).

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Assim, pode-se reconhecer que por conta dos problemas de complexidade e alto grau de
especialização da política externa há uma delegação do Legislativo ao Executivo. Para
que tal relação não se transforme em abdicação, é o preciso que o mandante da
delegação (principal) guarde consigo mecanismos de controle sobre o mandatário
(agent). Este controle pode ser tanto centralizado, ativo e direto, do tipo “patrulha
policial” – extremamente custoso aos legisladores –, como também do tipo “alarme de
incêndio”2, o qual é menos centralizado, ativo e direto e requer menos tempo e
informação, sendo, portanto, também menos custoso do que o primeiro tipo
(McCubbins & Schwartz, 1993, p. 427-29). No caso do controle por alarme de incêndio,
há delegação dos congressistas ao Executivo, e os primeiros irão dirigir sua atenção
apenas aos temas que sejam “ativados” por esse mecanismo de alarme, ou seja, que
tenham repercussão junto à opinião pública. Nesse sentido:
Sometimes Congress appears to do little, leaving important policy decisions to the executive or
judicial branch. But appearances can deceive. A perfectly reasonable way for Congress to pursue
its objectives is by ensuring that fire alarms will be sounded enabling courts, administrative
agencies, and ultimately Congress itself to step in, whenever executive compliance with
congressional objectives is called in question (McCubbins & Schwartz, 1993, p. 437).

Desse modo, na falta de tempo, estrutura e informação para se dedicar a questões de


política externa, o Legislativo exerceria o controle do Executivo em tal matéria apenas
quando “despertado” por determinado setor social a respeito de determinado tema.
Diretamente vinculada à hipótese da delegação, surge a hipótese da influência, segundo
a qual o Executivo não consegue manipular as estruturas da participação legislativa para
evitar a influência do Congresso na cooperação internacional (Martin, 2000, p. 49).
Nesse ponto, cumpre destacar a relevância da distinção entre influência e ação para se
compreender tal hipótese (Martin, 2000, p. 7-9). Tendo em vista a impossibilidade de
observação de todas as práticas de influência propriamente ditas, a influência exercida
por um ator presume-se quando o resultado obtido é próximo às suas preferências
(Martin, 2000, p. 191). Assim, a influência de um ator não pode ser medida
simplesmente pelas suas ações, uma vez que os atores mais poderosos (com maior
influência sobre determinado resultado) podem ser os que menos agem. Em um

2
A expressão “alarme de incêndio” foi utilizada pela primeira vez por Mathew D. McCubbins e Thomas
Schwartz, no artigo “Congressional Oversight Overlooked: Police Patrol versus Fire Alarms”, publicado
no American Journal of Political Science, em 1984, e reimpresso em McCubbins & Sullivan, 1993, p.
426-440.

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processo decisório de política externa, não se pode medir a influência e o poder de um


ator somente na medida em que ele efetivamente agiu, tendo em vista que o resultado do
próprio processo de decisão já pode ter antecipado as preferências e interesses deste
ator. Assim, para o estudo da influência dos atores no processo político cabe, ao invés
de somente observar a sua atuação institucionalizada efetiva, perquirir e relacionar as
suas preferências com o resultado final obtido.
Como contraponto à hipótese da influência tem-se a hipótese da evasão, defendida nos
modelos de domínio do Executivo, de acordo com a qual o Executivo se vale de outros
meios formais em substituição a tratados internacionais, evitando a participação do
Legislativo3. Para Martin (2000, 2005), a evasão, no entanto, afeta a credibilidade
internacional, como será visto a seguir, e o comportamento racional do chefe do
Executivo será o de não evadir.
Com efeito, Martin (2005) contesta a visão tradicional dos acordos executivos como um
mecanismo pelo qual o presidente poderia evadir um Legislativo opositor. A autora
aponta não só o fato de que mesmo os acordos executivos necessitam de alguma medida
legislativa, como também a importância do nível internacional – da negociação com
outros Estados e dos sinais que lhes podem ser transmitidos. Com base em dados dos
EUA nas últimas duas décadas do século XX, a autora demonstra que a probabilidade
de o presidente usar a forma de um tratado é diretamente proporcional ao grau de
benefícios com ele obtido e inversamente proporcional à possibilidade de ele gozar de
confiabilidade.
Daí a necessidade de se levar em conta também a credibilidade dos compromissos
internacionais, a qual aumentaria com a participação institucionalizada do Legislativo
em acordos internacionais. Com efeito, a aprovação pelo Legislativo do acordo
internacional permite que os atores políticos domésticos se manifestem por meio de
uma discussão pública, resultando em um acordo mais representativo.

3
No Brasil, tem-se como exemplo histórico o caso dos Acordos de Roboré, firmados entre Brasil e
Bolívia, em 1958, sob a forma de notas reversais, para escapar da necessidade de aprovação pelo
Legislativo, prevista pela Constituição nos casos de tratados internacionais. Cf. Cervo & Bueno, 2002, p.
301-03. A tentativa, no entanto, corrobora a hipótese da influência e não da evasão, na medida em que
houve uma grande reação de parlamentares contra as notas assinadas por JK – sendo claro o uso político
da questão – e os acordos acabaram sendo submetidos ao Congresso em 1961, já no governo Goulart
(Conduru, 2001).

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Essa participação do Legislativo também aumenta a credibilidade na medida em que


permite que se anteveja a possibilidade de implementação dos acordos internacionais, a
qual, em geral, depende da edição de lei ou de modificação do ordenamento jurídico
interno. Ademais, o acordo internacional aprovado pelo Congresso precisa de sua
autorização também para qualquer eventual modificação, mostrando-se mais estável e
mais resistente a pressões do que políticas que dependem apenas do consentimento de
um número limitado de atores. Por fim, a exigência de aprovação do acordo no âmbito
doméstico concede ao negociador, no nível internacional, um poder de barganha maior
(Putnam, 1988).
A partir das hipóteses da delegação, influência e credibilidade, Martin defende que a
participação institucionalizada do Legislativo resulta em níveis maiores de cooperação
internacional. Assim, tem-se que, em um ambiente internacional anárquico, a
institucionalização da participação legislativa na cooperação internacional amplia a
credibilidade dos compromissos entre os Estados, gerando padrões de cooperação mais
estáveis e profundos.
Para que o modelo desenvolvido por Martin (2000) possa ser aplicado ao estudo do
sistema político brasileiro, algumas observações merecem ser feitas. Ainda que já tenha
sido aplicado ao presidencialismo norte-americano e aos sistemas parlamentares
europeus, acredita-se necessário que seu uso seja precedido de uma breve exposição do
presidencialismo brasileiro. Desse modo, na próxima seção serão apresentadas
brevemente as especificidades do regime presidencialista inaugurado pela CF/88 e
detalhados os mecanismos institucionais de participação do Congresso na política
externa.

O modelo presidencialista brasileiro e os mecanismos institucionais de participação


do Congresso na política externa
Na tentativa de compreender as crises e instabilidades dos governos brasileiros ao longo
do século passado, muitas críticas já foram encaminhadas ao modelo de
presidencialismo adotado, apontado por muitos como o grande responsável por todos os
males da vida política, não tendo sido menos numerosas as propostas para a sua
reforma.

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Após a redemocratização, o Brasil conjugou o sistema presidencialista com um


federalismo forte, um sistema Legislativo bicameral (com duas Casas de poderes
simétricos, com representação proporcional para a Câmara dos Deputados e por maioria
simples para o Senado) e multipartidário. Estudo pioneiro de Abranches (1988)
acrescentou um outro elemento ao modelo brasileiro – identificado no regime de 1946 e
ecoado na Nova República – que diz respeito ao recurso a coalizões interpartidárias na
composição dos gabinetes, denominando essa especificidade brasileira de
“presidencialismo de coalizão”.
No que diz respeito ao papel do Legislativo na política externa brasileira, a CF/88
previu a competência exclusiva do Congresso para “resolver definitivamente sobre
tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional” (art. 49, I). Já no art. 84, que trata da competência
exclusiva do presidente da República, foi estabelecido seu poder de “celebrar tratados,
convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.
A nova Carta, no tocante a tais dispositivos, foi recebida de forma muito negativa. Os
dois artigos citados usam termos distintos ao espelhar a relação entre Executivo e
Legislativo na celebração de tratados, o que gerou alguma confusão. Fala-se em
“tratados, convenções e atos internacionais” ao se tratar da competência do Executivo, e
em “tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional”, com relação ao Legislativo. A redação taxada de
inadequada por muitos juristas4 resultou de uma tentativa, durante a Constituinte, de
fortalecimento do papel institucional do Legislativo, em dois sentidos distintos.
Num primeiro sentido, o uso dos termos “tratados, acordos ou atos internacionais”
pretendeu deixar claro a impossibilidade de excluir-se de referendo do Congresso
qualquer acordo internacional assinado pelo Executivo. Entretanto, a tentativa de
listagem exaustiva dos atos que deverão ser submetidos ao Legislativo não representa
meio muito eficiente, na medida em que, só na prática convencional brasileira, pode-se
identificar pelo menos dezoito variantes terminológicas para “tratado”: acordo, ajuste,
arranjo, ata, ato, carta, código, compromisso, constituição, contrato, convenção,

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Medeiros (1995); Mazzuoli (2001); Rezek (2005); Rodas (1991), entre inúmeros outros.

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convênio, declaração, estatuto, memorando, pacto, protocolo e regulamento (Rezek,


2005, p. 16).
Em segundo lugar, tendo em vista a insatisfação dos parlamentares com sua não-
participação nas negociações brasileiras com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a
inclusão da expressão “atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional” pretendia incluir o Congresso no processo de
assinatura dos acordos com essa instituição.
Não tendo sido a Constituinte bem sucedida em esclarecer sobre a possibilidade de
acordos internacionais que prescindam da aprovação do Legislativo, mantiveram-se
duas correntes divergentes de interpretação. Alguns juristas entendem que há
obrigatoriedade da aprovação pelo Congresso acerca de todo e qualquer compromisso
internacional celebrado pelo Executivo, ao passo que outros teóricos e o Itamaraty
advogam pela existência de acordos internacionais concluídos pelo Executivo e válidos
independentemente da chancela do Legislativo, entendimento que prevalece na prática
política brasileira.
Assim, no regime constitucional de 1988, a participação fundamental do Legislativo em
questões de política externa continuou assentada em sua competência para a aprovação
ex post de acordos internacionais, admitidas, contudo, algumas reservas com relação a
atos meramente regulatórios ou de rotina diplomática. Outro mecanismo de participação
institucional do Congresso consiste na edição de leis contendo modificações ou
inovações na ordem jurídica interna previstas nos atos internacionais. Este item, porém,
merece ser relativizado na medida em que o atual regime confere ao presidente da
República significativo poder de agenda, ao reunir em suas mãos poderes de decreto e
de urgência5.
Além dessas duas atribuições legislativas, asseguraram-se ao Congresso alguns
mecanismos de fiscalização por suas Comissões: a realização de audiências públicas6, a

5
Cf. arts. 62 e 64, §1º, da CF/88.
6
É possível identificar um número crescente de audiências públicas referentes à política externa nas
Comissões de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados (CRE-CD) e do Senado (CRE-SF), desde
1985. Na CRE-CD, entre 1985 e 2005, foram realizados uma média anual de dez audiências públicas,
comparecimento de ministros, debates e seminários. Considerado apenas o período entre 1999 e 2005, a
média sobe para cerca de 19 eventos por ano.

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convocação de ministros de Estados e o requerimento de informação7. Some-se ainda a


necessidade de aprovação dos chefes de missão diplomática pelo Senado8, o qual passou
a ser consultado previamente em operações externas de natureza financeira9. Também
compete aos legisladores autorizar o presidente a declarar guerra, celebrar a paz e
permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente10.
Com base regimental, cabe destacar a possibilidade de aprovação de voto de louvor ou
de censura pelos parlamentares e a apresentação de indicações – proposições
direcionadas ao Poder Executivo para a adoção de determinada providência. Além
destes poderes, ainda pode-se incluir a possibilidade de criação de Comissões Temáticas
e Grupos Parlamentares11, sejam eles da Câmara dos Deputados, do Senado, ou mistos.
Outro meio de participação do Congresso seria com relação ao orçamento anual da
União. Este mecanismo, contudo, é extremamente limitado no Brasil, tendo em vista a
concentração do poder orçamentário nas mãos do chefe do Executivo, que, como visto,
possui iniciativa privativa em tal matéria, não sendo permitido aos parlamentares a
inserção de emendas que acarretem aumento de despesas12.
Por fim, cabe lembrar a crescente importância que vem desempenhando a “diplomacia
parlamentar”13. Conquanto a Constituição confira ao presidente da República a
competência privativa para manter relações com Estados estrangeiros, e na ausência de
qualquer base legal ou regimental, é crescente a atividade “diplomática” por parte dos
parlamentares. Tal atuação tem início, naturalmente, na relação do Congresso brasileiro
7
Cf. art. 58, da CF/88.
8
Para o procedimento de aprovação de embaixadores, cf. arts. 103, III, e 383, do Regimento Interno do
Senado Federal (RISF).
9
Cf. art. 52, V, da CF/88.
10
Cf. art. 49, II, da CF/88 e LC n. 90/1997.
11
Em 2005, o Congresso brasileiro contava com 22 Grupos Parlamentares, com objetivo de incentivar a
cooperação com dezenove Estados estrangeiros (Alemanha, Angola, Argentina, Bolívia, Canadá, Chile,
China, Coréia do Sul, Croácia, EUA, Espanha, França, Itália, Japão, México, Nova Zelândia, Paraguai,
Suíça e Ucrânia), além do Grupo Brasileiro da Associação Interparlamentar de Turismo, do Grupo
Brasileiro do Parlamento Latino-Americano (Parlatino), e do Grupo Brasileiro da União Interparlamentar.
Cf. Relatório da Presidência. Brasília: Senado Federal – Secretaria-Geral da Mesa, 2005. Disponível em
http://www.senado.gov.br/Relatorios%5FSGM/RelPresi/2005/, acessado em 30/06/2006.
12
Art. 61, §1º, II, b, c/c art. 166, §3º, da CF/88.
13
O termo “diplomacia parlamentar” foi cunhado para designar uma nova modalidade de atuação
diplomática dos Estados surgida com o nascimento das primeiras organizações internacionais inter-
governamentais. Mais recentemente, contudo, a expressão passou a se referir também à atividade dos
Parlamentos nacionais em matéria de política externa – sentido no qual está sendo aqui utilizada (Cf.
Maia & Cesar, 2004, p. 363-4).

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com outros Parlamentos nacionais, bem como com organizações internacionais


representativas desses. A atuação dos legisladores, porém, não se limita a tais
atividades, estando também presente no recebimento de visitas de autoridades de
Estados estrangeiros14. Adicione-se ainda a participação de delegação de parlamentares
brasileiros em encontros e cúpulas de toda ordem, na maioria dos casos, porém,
acompanhando a delegação do Executivo.

O processo de aprovação legislativa de tratados internacionais

Esta seção será dedicada à apresentação mais detida do mecanismo de atuação do


Congresso brasileiro mais significativo, qual seja, a aprovação ex post dos tratados
internacionais assinados pelo presidente da República. O Legislativo brasileiro possui,
desde o início da República (salvo o regime de exceção do Estado Novo), competência
exclusiva para resolver definitivamente sobre os tratados internacionais assinados pelo
presidente da República.

As idéias de “competência exclusiva” e de “resolver definitivamente” podem levar a


mal-entendidos e merecem, portanto, alguns esclarecimentos. Na ausência de uma
regulamentação específica para o tema – que, apesar de todas as controvérsias
existentes, até hoje não foi editada –, os procedimentos de internalização de tratados
internacionais aqui apresentados têm por base as regras constitucionais, regimentais, e
costumeiras.
Para isso, é preciso ter em mente as quatro etapas convencionais para a formulação de
um acordo internacional: (i) negociação, (ii) assinatura, (iii) aprovação legislativa, e (iv)
adesão ou ratificação15. A participação institucional do Legislativo brasileiro resume-se

14
Durante o ano de 2005, por exemplo, a CRE-CD recebeu a visita dos embaixadores da Coréia, Ucrânia,
Japão, Síria, Coréia do Norte, Israel, Itália, Hungria e Polônia; de delegações dos governos do Vietnã,
Líbano, China, Timor Leste, Kuwait e Ucrânia, e de integrantes do Congresso dos EUA, parlamentares do
Quênia e da Suíça, além do presidente do Parlamento Europeu. No mesmo ano, deputados brasileiros
visitaram o Congresso norte-americano em missão oficial, e também os Parlamentos da Rússia, Bielo-
Rússia e Ucrânia.
15
A aprovação legislativa não deve confundir-se com ratificação, ato próprio do chefe Estado, de
acordo com o Direito Internacional Público. A ratificação, como a adesão, representa a “forma de
expressão definitiva do consentimento do Estado em relação ao tratado internacional” (Rezek, 2005, p.
85). A adesão difere-se da ratificação na medida em que esta é o ato de confirmação do Estado que já
havia assinado determinado acordo internacional e então, normalmente após o procedimento interno de
aprovação legislativa, ratifica a sua intenção de participar de tal acordo. Já a adesão ocorre quando, em se
tratando de acordos multilaterais, o Estado manifesta seu propósito de aderir a determinado acordo já

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à terceira fase. Não há previsão institucional de competência do Legislativo para


iniciativa ou acompanhamento da política externa brasileira. A relação com os demais
Estados, e demais atores da política internacional, incluída a celebração de tratados,
encontra-se sob a esfera de poderes do chefe do Executivo16. Os atos internacionais são
resultados de negociação promovida pelo presidente da República ou outra autoridade
autorizada para tal17.
Encerradas as fases de negociação e assinatura, nada obriga que o Executivo dê
prosseguimento ao acordo, que, de todo modo, é enviado ao arquivo do MRE18.
Havendo interesse do Executivo em dar eficácia ao ato celebrado em âmbito
internacional, cabe ao MRE preparar os procedimentos formais necessários
internamente, sobre os quais deverá sempre opinar a Consultoria Jurídica19. No caso de
envio do acordo ao Legislativo, o documento é remetido por meio de Mensagem (MSC)
do presidente da República, acompanhada de Exposição de Motivos (EM) do ministro
das Relações Exteriores, ou interministerial, conforme o tema tratado20. A aprovação do
acordo pelo Congresso, como parte de sua competência exclusiva, deve revestir a forma
de um decreto legislativo (DLG).

negociado e ainda não previamente assinado. No Brasil, tanto a adesão como a ratificação de acordos
internacionais exigem a prévia aprovação legislativa.
16
Como lembrado anteriormente, por meio da diplomacia parlamentar, existe hoje alguma relativização
dessa competência exclusiva do chefe do Executivo em manter relações com os demais Estados.
17
De acordo com a prática diplomática brasileira, são autorizados para assinar tratados em nome do
Brasil, além do chefe do Executivo: o ministro de Estado das Relações Exteriores; os embaixadores
brasileiros, mediante instrução do MRE, em todos os domínios de interesse das relações do Brasil com o
Estado no qual se encontra acreditado; e qualquer outra pessoa dotada de carta de plenos poderes pelo
presidente da República. Trata-se de prática que não está regulamentada constitucionalmente. O texto
constitucional não avançou no tema na velocidade da dinâmica das relações externas do Brasil e segue
prevendo a competência privativa do presidente da República para celebrar tratados, sem dispor sobre a
possibilidade de delegação (art. 84, VIII, CF/88).
18
Exceção a essa discricionariedade do presidente da República é prevista com relação às Convenções
Internacionais do Trabalho, concluídas no âmbito da OIT, cujo tratado constitutivo (art. 19, V, b) obriga
sua submissão à aprovação parlamentar (Mazzuoli, 2003, p. 101).
19
O Aviso da Casa Civil da Presidência da República n. 1872, de 27/10/1999, determinou que todos os
atos internacionais celebrados pelo Brasil deveriam ser objeto de parecer da Consultoria Jurídica (CJ) do
MRE. Até então, submetia-se a parecer apenas os atos que suscitassem dúvidas ou controvérsias com
relação à sua incorporação ao direito interno. De acordo com o atual consultor jurídico, Antônio Paulo
Cachapuz de Medeiros, tal norma aumentou significativamente o volume de trabalho do órgão, que
atualmente prepara mais de mil pareceres por ano. Implicando ainda maior lentidão no trâmite, desde
2003, início da gestão de Samuel Pinheiro Guimarães como secretário-geral, todos os pedidos de parecer
à CJ necessitam passar pela Secretaria-Geral (Medeiros, 2006).
20
A preparação da MSC ao Congresso e da EM ocorre no MRE, passando pela divisão competente pela
matéria, pela Divisão de Atos Internacionais (DAI) e pela Secretaria-Geral.

12
1º Encontro Nacional da ABRI
Política Externa
O papel do Poder Legislativo na Política Externa Brasileira: o caso dos acordos
referentes ao Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA)
Cristina Alexandre*

A deliberação tem início na Câmara dos Deputados, de onde o acordo, se aprovado,


segue para o Senado, em conformidade com o previsto para todos os projetos de lei de
iniciativa do presidente da República21. Na Câmara dos Deputados, a Mensagem é
enviada à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE-CD)22, onde, se
aprovada, transforma-se em projeto de decreto legislativo23. Em seguida, o projeto é
distribuído para outras comissões permanentes em função da matéria do acordo sob
análise24. Ao final do trâmite, caberá à Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJC) examinar os aspectos jurídicos e de técnica legislativa do projeto25.
Este segue para votação, em turno único, no plenário, onde se requer quorum comum de
presenças – maioria absoluta do total de deputados – e aprovação por maioria dos
votos26, em processo nominal ou simbólico27.
Aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto segue para o Senado Federal28, onde é
despachado para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE-SF). Tem
início então a contagem de prazo de cinco dias úteis para o recebimento de emendas29,

21
Cf. art. 64, da CF/88.
22
A CRE-CD foi criada pela Resolução n. 15/1996 (art. 1º) que alterou o art. 32 do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados (RICD). A primeira comissão parlamentar permanente da Câmara dos Deputados
destinada a temas de política externa foi criada em 1829, com a denominação de Comissão de
Diplomacia; em 1891, passou a chamar-se Comissão de Tratados e Diplomacia e logo em seguida, em
1893, Comissão de Diplomacia e Tratados. Em 1947, sua designação voltou a ser simplesmente Comissão
de Diplomacia e, de 1957 a 1996, o órgão denominou-se Comissão de Relações Exteriores (Brusco, [s.d.],
p. 222). No Senado, a denominação Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional é usada desde
1989; antes disso, era apenas Comissão de Relações Exteriores.
23
Cf. art. 32, XV, c, do RICD. Quando em regime de tramitação ordinária, a proposição deverá ser
analisada pela Comissão no prazo máximo de 40 sessões (art. 52, III, do RICD). Se o regime for de
urgência, o prazo cai para cinco sessões. Independentemente de tais prazos, poderá a CRE-CD, “mediante
requerimento de um terço de seus membros, aprovado pela maioria absoluta da respectiva composição
plenária, incluir a matéria na Ordem do Dia para apreciação imediata” (art. 52, §5º, do RICD). Uma vez
transformada a mensagem em projeto de decreto legislativo, ela tramita em regime de urgência (art. 151,
I, j, do RICD).
24
Cf. art. 53, I, do RICD. No caso de o acordo tratar de matéria de competência de mais de três
comissões, pode-se, por iniciativa do presidente da Câmara dos Deputados, a requerimento de líder ou de
presidente de comissão interessada, criar uma Comissão especial para emitir o parecer (art. 34, II, do
RICD).
25
Cf. art. 32, IV, a, do RICD.
26
Art. 47, da CF/88, e art. 183, do RICD.
27
Cf. arts. 184 a 187, do RICD.
28
Interessante notar que o inciso primeiro art. 376 do RISF estabelece que o projeto de decreto legislativo
“só terá iniciado o seu curso se estiver acompanhado de cópia autenticada do texto, em português, do ato
internacional respectivo, bem como da mensagem de encaminhamento e da exposição de motivos”.
29
Interessante notar que, à falta de regulamentação legal do processo de aprovação de tratados
internacionais pelo Congresso, o RISF, no inciso III, do art. 376, prevê expressamente a possibilidade de
apresentação de emendas pelos senadores ao projeto de decreto legislativo aprovado na Câmara dos

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1º Encontro Nacional da ABRI
Política Externa
O papel do Poder Legislativo na Política Externa Brasileira: o caso dos acordos
referentes ao Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA)
Cristina Alexandre*

findo o qual a Comissão terá quinze dias úteis, prorrogáveis por igual período, para
opinar sobre a matéria, com base em parecer preparado por um de seus integrantes30.
Aprovado o parecer, a matéria é incluída na Ordem do Dia para votação, nos mesmos
termos em que ocorre na Câmara31. Depois de aprovado, o decreto legislativo é
promulgado pelo presidente do Senado e publicado no Diário Oficial da União (DOU) e
no Diário do Senado Federal (DSF). Enviam-se mensagem ao presidente da República e
ofícios ao primeiro-secretário da Câmara dos Deputados e ao ministro das Relações
Exteriores, comunicando a aprovação32.
Uma vez aprovado pelo Congresso, não existe obrigação do presidente da República em
ratificar o acordo internacional33. Desejando fazê-lo, o chefe do Executivo deverá
promover a ratificação do Estado brasileiro ao acordo, se já assinado, ou solicitar a sua
adesão, no caso de acordo multilateral já existente e não assinado pelo país. Concluído o
procedimento de confirmação do consentimento no plano externo, o Executivo necessita
promulgar o ato internacional e publicá-lo de modo a assegurar sua eficácia interna34.

Deputados, a despeito do entendimento do Executivo de que os parlamentares poderiam apenas aprovar


ou recusar os tratados internacionais por inteiro.
30
Cf. art. 376, do RISF. No caso de o relator não apresentar o parecer à CRE-SF no prazo previsto, a
matéria poderá ser incluída na Ordem do Dia por decisão do presidente do Senado, na hipótese de
faltarem dez dias ou menos para o término do prazo em que o Estado brasileiro deva manifestar-se sobre
o acordo internacional em tramitação (art. 172, II, c, c/c art. 376, V, do RISF). O projeto também pode ir
a plenário sem que esteja instruído pelo parecer da CRE-SF no caso de requerimento de urgência,
proposto por um quarto da composição do Senado, por líderes que representem esse número ou ainda
pela Comissão (art. 336, RISF).
31
Cumpre lembrar que os projetos de decreto legislativo não são arquivados automaticamente ao fim de
cada legislatura (cf. arts. 105, do RICD, e art. 332, V, do RISF). No Senado, caso a tramitação já perdure
há duas legislaturas, o arquivamento será automático, podendo o projeto ser desarquivado por
requerimento de 1/3 dos senadores (art. 332, §1º, do RISF).
32
Com relação ao processo de tramitação apresentado, cabe lembrar a excepcionalidade dos atos
referentes ao Mercosul, os quais, ao chegarem à Câmara, seguem primeiramente à análise da seção
brasileira da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul (CPCM), órgão de composição mista,
conforme previsto pela Resolução do Congresso Nacional n. 01/1996. Ainda cumpre destacar a
especificidade dos tratados internacionais que tratam de proteção a direitos fundamentais, após a
promulgação da Emenda Constitucional n. 45, de 2004 (Reforma do Judiciário). Acrescentou-se
parágrafo 3o ao art. 5o prevendo que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Ainda não houve caso de aplicação
do novo dispositivo, cuja interpretação está em discussão no Supremo Tribunal Federal.
33
Entendimento manifestado pelo ministro Lessa, chefe da DAI, e pelo consultor jurídico Cachapuz de
Medeiros, em entrevistas realizadas em junho de 2006, e confirmado em estudos jurídicos. Cf., por todos,
Rezek, 2005, p. 48-50.
34
Desde a independência, e por influência do Direto português, convencionou-se, no Brasil, a prática de
promulgação dos atos internacionais por meio de decreto presidencial. Até hoje, na ausência de
dispositivo legal que regulamente a matéria, a praxe de promulgação de tratados por meio de decretos foi
mantida (Mazzuoli, 2004; Rezek, 2005; Medeiros, 2006).

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Política Externa
O papel do Poder Legislativo na Política Externa Brasileira: o caso dos acordos
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Vistos os pormenores das fases de formação do acordo internacional, percebe-se a


inadequação do termo resolver definitivamente, pois só no caso de rejeitar o ato
enviado pelo Executivo, estaria o Congresso resolvendo definitivamente sobre o assunto
(Medeiros, 1995, p. 118). Com relação à competência exclusiva do Congresso, o
referendo a tratados constitui situação realmente sui generis, que parece não beneficiar
o Legislativo. Como ato privativo do Congresso, recusa-se ao chefe do Executivo o
poder de veto (parcial ou total) sobre o decreto legislativo que aprova o ato
internacional. Ocorre que, como ainda incumbe ao presidente o poder de ratificar ou não
tal ato, resta claro que, sob esse aspecto, ele permanece com um poder de veto (total)
sobre a decisão do Congresso. Este, por sua vez, ao contrário do que ocorre no processo
legislativo, não tem a possibilidade de derrubar o “veto” presidencial, uma vez que nada
pode fazer caso o Executivo decida não promover a ratificação ou adesão ao tratado
internacional.
Outro fator que deixa o Executivo em situação de vantagem diz respeito aos custos de
rejeição aos acordos internacionais por parte do Legislativo. Em uma analogia possível
com o processo de aprovação das MPs, a escolha dos parlamentares não se dá entre a
manutenção do status quo (rejeição) e a situação modificada pelo acordo internacional
(aprovação) – como ocorreria no processo legislativo ordinário –, mas sim entre a
aprovação do acordo e a rejeição de uma situação já modificada pela assinatura deste
mesmo acordo pelo Executivo no plano internacional (Lima & Santos, 2001). Ainda
que, ao contrário das MPs, os tratados internacionais não tenham vigência interna
imediata, eles já resultaram em uma alteração do status quo no nível externo, onde
houve o comprometimento do Estado brasileiro.
Com isso, reverte-se a lógica de interação entre o Executivo e o Legislativo. Enquanto
no processo legislativo ordinário o Executivo deve procurar mobilizar os parlamentares
para a aprovação de determinada proposição, no caso de MPs e tratados internacionais
os custos de organização para a sua rejeição cabem aos congressistas. Estes, então, são
colocados em situação na qual são induzidos a cooperar com o Executivo35. Esse padrão
só é alterado no caso de adesão brasileira a tratados multilaterais que já estão em vigor,

35
Outra possível comparação com as MPs diz respeito ao número também reduzido de rejeições. Entre
1992 e 1995, nenhuma MP foi rejeitada pelo Congresso brasileiro (Figueiredo & Limongi, 1999, p. 149).

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O papel do Poder Legislativo na Política Externa Brasileira: o caso dos acordos
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em que só poderá haver comprometimento externo (adesão) do Executivo com a


aprovação prévia do Legislativo.
Vistos os mecanismos institucionais de participação, serão analisados os casos
referentes ao uso comercial do CLA. Desse modo, reconhece-se que ainda que seja
limitada a competência do Legislativo brasileiro em política externa, cabe perquirir em
que medida esse ator pode, em divergindo do Executivo, buscar assegurar seu interesse
por meio de uma maior participação institucional. No presente estudo, será então
verificado em que medida o Congresso brasileiro buscou aumentar sua participação
institucional no processo de política externa em relação ao CLA. Ao desenvolver-se tal
análise, também será indagado se essa tentativa de aumento de participação ocorreu em
função de determinada matéria, ou em função de convergência ou divergência de
interesses com o Executivo.

O Congresso e a política brasileira para o uso comercial do CLA: três momentos


Nesta seção, o objetivo será buscar compreender o papel do Legislativo no processo de
formulação da política externa no caso específico da política de desenvolvimento do uso
comercial do CLA. Serão exploradas as diferenças de atuação do Congresso nos três
acordos internacionais já assinados pelo governo brasileiro com relação ao CLA: os
dois acordos de salvaguardas tecnológicas para o uso do CLA, assinados com os EUA e
a Ucrânia, e o tratado celebrado com a Ucrânia a respeito da utilização do Cyclone-4.

De princípio, pretende-se reexaminar o argumento desenvolvido por Cesar (2002: 67,


88, 109, 113) de que a busca do Legislativo em aumentar sua participação em política
externa com relação ao Acordo com os EUA se daria devido a uma maior sensibilidade
do Legislativo em matéria de segurança e defesa nacional. Nada obstante, os três
acordos internacionais sob análise dizem respeito a questões de defesa nacional e o
Legislativo somente buscou aumentar sua participação em dois deles, como será visto a
seguir.

O desenvolvimento da política espacial brasileira remonta a meados dos anos 1960,


tendo adquirido especial relevância na década de 1980. Em 1979, foi criada a Missão

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Política Externa
O papel do Poder Legislativo na Política Externa Brasileira: o caso dos acordos
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Espacial Completa Brasileira (MECB)36 cujo objetivo era desenvolver um programa


espacial completo, ou seja, levar ao espaço um satélite nacional em um foguete
brasileiro a partir de um centro de lançamento localizado em nosso território37. Nesse
sentido, o desenvolvimento do CLA foi iniciado nos anos 1980 em virtude do
esgotamento da primeira base de lançamentos do Brasil, o centro da Barreira do Inferno
(RN).

Desde 1997, o Departamento de Desenvolvimento Aeroespacial da Infraero vem


desenvolvendo um modelo para a utilização comercial do CLA de modo a aproveitar o
imenso potencial da base e inserir-se no lucrativo mercado de transporte espacial,
paralelamente ao desenvolvimento do projeto espacial autônomo brasileiro38. O uso
comercial do CLA requer a garantia, aos Estados e empresas que dele se servirão, de
uma proteção mínima de seus bens e equipamentos de tecnologia espacial. O
instrumento jurídico para tal proteção no sistema internacional consiste na promoção de
acordos de salvaguardas tecnológicas que impeçam a transferência não autorizada de
tecnologia. No Brasil, para promover o uso comercial do CLA, o Executivo assinou
acordos de salvaguarda com os EUA e a Ucrânia e um tratado de cooperação para o
lançamento do foguete Cyclone-4 a partir do CLA, também com a Ucrânia. Os dois
acordos foram assinados durante o governo Cardoso, enquanto o tratado foi celebrado
no primeiro ano do governo Lula, em seqüência a dois memorandos de entendimento
assinados entre o Brasil e a Ucrânia em 2002.

36
Em 1994, a MECB foi substituída pelo Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) com a
instituição da Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE), que estabeleceu
os novos objetivos e diretrizes dos programas e projetos nacionais relativos à área espacial. A partir da
aprovação da Lei n° 9.994, de 24/07/2000, o PNAE conta também com os recursos provenientes do
Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Setor Espacial (Fundo Espacial).
37
Até hoje, porém, o Brasil não desenvolveu essa missão e os únicos países capazes de construir e operar
veículos lançadores de satélite são: EUA, Rússia, China, França, Itália, Japão, Ucrânia, Índia, Israel e
Paquistão.
38
Pode-se destacar três fatores que colocavam, nesse momento, o CLA em posição vantajosa frente às
demais bases de uso comercial: (i) economia – a base se encontra a 2o18’ ao sul da Linha do Equador, o
que pode representar uma diminuição nos custos de lançamento de até 30%; (ii) segurança – o local
dispõe de condições climáticas favoráveis, estabilidade geológica e baixa densidade demográfica ao seu
redor, o que reduz os eventuais riscos do empreendimento; e (iii) disponibilidade – o CLA ainda era
subutilizado pelo Brasil e apresentava grande disponibilidade aos eventuais interessados em usá-lo. Desde
22/08/2003, entretanto, o centro está sem operar por conta de um acidente com o Veículo Lançador de
Satélites (VLS 1/V3).

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Política Externa
O papel do Poder Legislativo na Política Externa Brasileira: o caso dos acordos
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Assim, o passo inicial para a garantia da propriedade intelectual aos eventuais parceiros
comerciais do Brasil no CLA foi dado em 18 de abril 2000, com a assinatura, em
Brasília, do “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo
dos Estados Unidos da América sobre salvaguardas tecnológicas relacionadas à
participação dos EUA nos lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara”
(doravante, AST Brasil-EUA). O acordo foi encaminhado pelo presidente Cardoso para
a aprovação do Congresso quase um ano depois. Antes disto, porém, o assunto entrou
na agenda política e manifestações contrárias ao acordo, por conta de suposta ofensa à
soberania nacional, surgiram em diversos campos: mídia, comunidade científica, ONGs,
integrantes das Forças Armadas e partidos de esquerda.

No que diz respeito ao Legislativo em particular, os deputados Virgílio Guimarães (PT-


MG) e Walter Pinheiro (PT-BA) anteciparam-se ao procedimento normal de envio de
acordo internacional. Por meio de requerimentos de informação e de convocação de
ministro de Estado, os deputados adiantaram sua participação no processo decisório, em
exemplo claro de conflito de interesses com o Executivo39. Em recurso inédito, a
deputada Maria do Socorro Gomes Coelho (PCdoB-PA) e outros parlamentares de
esquerda impetraram, em março de 2001, um mandado de segurança (MS n. 23.914)
denunciando o não envio do acordo ao Congresso. O Supremo Tribunal Federal, porém,
não conheceu o recurso, alegando falta de legitimidade ativa (Rezek, 2005, p. 70).

O AST Brasil-EUA foi enviado ao Congresso em abril de 2001, sendo então


encaminhado para a CRE-CD, onde o relator, deputado Waldir Pires (PT-BA), elaborou
um parecer final pela aprovação do acordo com cinco ressalvas (emendas supressivas),
cinco emendas modificativas e a inclusão de um dispositivo ao texto. Os cinco
dispositivos suprimidos foram: (i) art. 3o, §1-A (proíbe o uso do CLA por qualquer
Estado sujeito a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança da ONU ou por país
que apóie atos de terrorismo internacional, segundo o entendimento do Brasil ou dos
EUA); (ii) art. 3o, § 1-B (proíbe o uso do CLA por países não-membros do Regime de
Controle de Tecnologia de Mísseis - MTCR); (iii) art. 3o, § 1-E (proíbe ao Brasil o uso
dos recursos obtidos em atividades do CLA no desenvolvimento de foguetes nacionais);

39
Os requerimentos datam de 20/03/2001 e 20/06/2000, respectivamente.

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(iv) art. 3o, § 1-F (prevê que o Brasil assinará acordos equivalentes ao então celebrado
com os outros Estados que venham usar o CLA ou cujas empresas participem de
atividades no CLA); e (v) art. 3o, § 3º (afirma a intenção do governo dos EUA em
aprovar as licenças de exportação necessárias para as atividades no CLA de acordo com
suas leis, regulamentos e políticas oficiais). Os cinco dispositivos que sofreram emendas
foram: (i) art. 4o, § 3; (ii) art. 6o, § 2o; (iii) art. 6o, § 5o; (iv) art. 7o, § 1-B; e (v) art. 8o, §
3-B, os quais passaram a possibilitar a presença de autoridades brasileiras, juntamente
às norte-americanas, para o controle das áreas restritas e a inspeção aduaneira, por
autoridades brasileiras, dos equipamentos a serem utilizados no CLA. Por fim, o
relatório sugeriu a inclusão de um §4o ao art. 5o, prevendo a divulgação pelos norte-
americanos de informações de eventuais substâncias danosas ao meio-ambiente ou à
saúde humana contidas nos seus equipamentos, bem como referentes ao objetivo do
lançamento e da rota a ser seguida. Este parecer foi aprovado na CRE-CD, com um
único voto contrário, apresentado pelo deputado Jair Bolsonaro (PTB-RJ).

Foi nesse contexto de aprovação parcial, com ressalvas e emendas, do AST Brasil-EUA
que o governo Cardoso negociou o “Acordo sobre salvaguardas tecnológicas
relacionadas à participação da Ucrânia em lançamentos a partir do Centro de
Lançamento de Alcântara” (AST Brasil-Ucrânia). Tal acordo foi celebrado no dia 16 de
janeiro de 2002, em Kiev, pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg,
e por seu homólogo ucraniano. O texto assinado, posto que tivesse o mesmo objetivo do
acordo firmado com os EUA, qual seja, evitar o acesso ou a transferência não
autorizados de tecnologias relacionadas a lançamentos efetuados a partir do CLA, não
continha nenhum dos dispositivos considerados abusivos e suprimidos do AST Brasil-
EUA pela CRE-CD, em um exemplo de antecipação do Executivo, antevendo a
necessidade de aprovação do documento pelo Congresso.

O AST Brasil-Ucrânia foi então endereçado ao Congresso Nacional, em menos de três


meses, ainda pelo governo Cardoso, e aprovado após 18 meses de tramitação. Na CRE-
CD, elogiou-se a supressão dos dispositivos de salvaguardas políticas, tão criticados no
acordo com os EUA, e, mantendo o que se considerava ser a coerência na apreciação da
matéria, foram acrescentadas ao acordo com a Ucrânia uma emenda inclusiva e cinco

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modificativas, tal como presentes no acordo com os EUA. Nesse sentido, vale destacar
os argumentos levantados pelo deputado Pires:

No caso do ato internacional em debate [AST Brasil-Ucrânia], as emendas seriam em número


menor, uma vez que, como já salientamos, ele não contém salvaguardas políticas e a redação dos
dispositivos referentes às suas salvaguardas tecnológicas é mais adequada ao princípio da
soberania nacional. [...] entretanto, é nosso entendimento que esta Comissão não pode usar dois
pesos e duas medidas para apreciar acordos de salvaguardas tecnológicas. A essência de nossa
posição é a dignidade nacional, a preservação do conceito da soberania, fundamento primeiro
da Constituição, o que há de ser intocável [...] [grifou-se].40
Em seguida, no parecer da Comissão da Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática (CCTCI), tal como ocorrido no acordo com os EUA, as seis emendas
modificativas sugeridas ao texto do AST Brasil-Ucrânia foram transformadas em seis
cláusulas interpretativas. O projeto de decreto legislativo deixou de contar com
modificações diretas ao acordo internacional e passou a conter um artigo próprio com o
“entendimento” do Congresso Nacional a respeito dos mesmos dispositivos antes
modificados41. A nova fórmula, que alterou apenas formalmente as emendas
formuladas pela CRE-CD, foi o resultado de acordo com o Executivo, como se
depreende da fala do deputado Jorge Bittar:

O que motivou a elaboração das emendas [pela CRE-CD] foi a constatação de que, embora o
acordo com a Ucrânia fosse consideravelmente mais adequado ao princípio da soberania
nacional do que o acordo firmado entre o Brasil e os Estados Unidos da América, ele ainda
continha algumas cláusulas que poderiam dar margem a práticas potencialmente ofensivas à
soberania nacional. Assim sendo, resolvemos apresentar, em nome da Comissão de Ciência e
Tecnologia, Comunicação e Informática, e com pleno aval do Ministério da Ciência e
Tecnologia e da Controladoria Geral da União, um substitutivo ao Projeto de Decreto
Legislativo n. 2.226, de 2003, no qual as emendas propostas na Comissão de Relações Exteriores
são transformadas em declarações que, se bem não alterem o próprio texto do Acordo,
consubstanciam na ordem jurídica interna e no processo legislativo o entendimento político
alcançado entre Brasil e Ucrânia na aplicação diferenciada dos poucos dispositivos potencialmente
ofensivos à soberania nacional do ato internacional em comento. Dessa maneira, a soberania
nacional ficaria inteiramente preservada, ao mesmo tempo em que as atividades de cooperação
42
poderiam prosseguir sem obstáculos e tratos desnecessários [grifou-se].

Além de resultar de acordo entre parlamentares e governo, as novas cláusulas


interpretativas também foram renegociadas com o governo ucraniano, durante a visita

40
Waldir Pires (PT-BA), voto em separado com relação ao AST Brasil-Ucrânia, apresentado em 12 de
junho de 2002, na CRE-CD.
41
Cf. redação do art. 2o do DLG n. 766, de 16/10/2003.
42
Jorge Bittar (PT-RJ), em parecer sobre o AST Brasil-Ucrânia, pela CCTCI, apresentado no plenário da
Câmara dos Deputados, em 22/07/2003.

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do ministro brasileiro de Ciência e Tecnologia àquele país, entre os dias 28/05/2003 e


01/06/200343. Neste sentido, afirmou a senadora Roseana Sarney (PFL-MA):

Por iniciativa do parecer ad hoc da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e


Informática, foram retiradas as emendas puras ao texto do acordo, adotando-se um dispositivo
interpretativo do mesmo. O mais importante, entretanto, é que tal dispositivo foi concebido com
base literal na “Declaração Conjunta sobre a Visita à Ucrânia do Ministro de Estado da Ciência e
Tecnologia do Brasil, Doutor Roberto Amaral”, que materializa os entendimentos constantes da
análise acima e tem o condão de evitar a reabertura de novas negociações entre os dois países e o
prejudicial atraso para os projetos de lançamentos. Este formato interpretativo representa um
44
marco na evolução do regime brasileiro de aprovação dos tratados estratégicos.
Com este artigo de entendimento, o Congresso aprovou o AST com a Ucrânia em
outubro de 2003. O decreto legislativo de aprovação fez menção expressa à Declaração
Conjunta dos governos ucraniano e brasileiro aceitando as cláusulas interpretativas
apresentadas pelo Congresso. Também no decreto do presidente da República que
promulgou o acordo fez-se referência ao entendimento do Legislativo brasileiro.

Por fim, o terceiro documento internacional referente ao CLA assinado pelo Brasil foi o
“Tratado entre Brasil e Ucrânia sobre Cooperação de Longo Prazo na Utilização de
Veículo de Lançamento Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara” (doravante,
Tratado Cyclone). O texto firmado em Brasília, em 21 de outubro de 2003, decorre do
Memorando de Entendimento assinado entre a AEB e a Agência Espacial Nacional da
Ucrânia em janeiro de 2002 e tem por objetivo a cooperação de longo prazo entre os
dois países no desenvolvimento da instalação e infra-estrutura necessárias para
lançamentos do foguete ucraniano Cyclone-4 a partir do CLA, seja a serviço de
programas nacionais dos dois Estados, seja para clientes comerciais. Assim, o Tratado
Cyclone prevê a criação da Alcântara Cyclone Space, uma joint venture binacional que
será responsável pelo desenvolvimento e operação das atividades de lançamento do
Cyclone-4 no CLA. Ainda que toque em questões tão relevantes para a soberania
nacional e para o programa espacial brasileiro quanto os dois acordos de salvaguarda
anteriores, o Tratado Cyclone foi aprovado, sem emendas nem cláusulas interpretativas,

43
Fizeram parte da comitiva os deputados Andre Zazharow – presidente do Grupo Parlamentar Brasil-
Ucrânia; Gonzaga Patriota – membro do Grupo Parlamentar Brasil-Ucrânia; e o senador Ney Suassuna –
membro do Grupo Parlamentar Brasil-Ucrânia.
44
Parecer da senadora Roseana Sarney sobre o AST Brasil-Ucrânia, apresentado em 17/09/2003, na
CRE-SF. O parecer foi favorável ao projeto de decreto legislativo e manteve as seis cláusulas
interpretativas tal como existentes no projeto vindo da Câmara dos Deputados.

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11 meses após sua assinatura, permanecendo por apenas quatro meses em tramitação no
Congresso.

Em 21 de maio de 2004, o Tratado Cyclone foi encaminhado pelo presidente Lula à


Câmara dos Deputados, onde se criou uma Comissão Especial para a sua análise45. O
parecer da Comissão defendeu a aprovação do tratado sem emendas nem ressalvas e foi
deliberado em plenário, sendo aprovado em votação simbólica (sem contagem nominal
de votos), em 11 de agosto de 2004. Recebido no Senado Federal, o texto passou sem
emendas pela CRE-SF e foi aprovado em plenário no dia 16 de setembro de 2004.

Conclusão

Foi possível perceber, ao longo do desenvolvimento da política brasileira com relação


ao uso comercial do CLA, três momentos distintos na interação entre Legislativo e
Executivo. Num primeiro momento, há patente divergência de interesses entre
Legislativo e Executivo em relação ao AST Brasil-EUA, resultando em uma tentativa
de maior participação direta do Congresso. Com efeito, diversos mecanismos foram
utilizados pelo Legislativo para tal fim. Desde a celebração do acordo, membros da
Câmara dos Deputados se valeram do mecanismo de requerimento para solicitar
informações ao Executivo referentes ao documento assinado com os EUA. Ao receber o
acordo, ficaram evidentes os pontos divergentes na CRE-CD. Com base no parecer do
relator, deputado Waldir Pires (PT-BA), os membros da CRE-CD ultrapassaram as suas
funções convencionais de rejeição ou aprovação total ao documento e propuseram uma
aprovação com ressalvas e emendas ao AST Brasil-EUA. Esta decisão implicou a
necessidade de uma renegociação do acordo bilateral com a outra parte pelo Executivo.
Mesmo se institucionalmente a participação do Legislativo se dá ao fim do processo de
negociação, para fins de aprovação ou rejeição do tratado firmado, essa nova posição do
Congresso brasileiro lhe permitiu uma atuação mais ativa na medida em que opinou

45
A Comissão Especial era composta pelas comissões de: Relações Exteriores e de Defesa Nacional;
Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática;
Finanças e Tributação e Constituição e Justiça e de Cidadania. A Comissão Especial é constituída sempre
que, como no caso do Tratado Cyclone, o projeto tenha que tramitar por mais de três Comissões para
análise de mérito, além da CCJC (cf. art. 34, do RICD).

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sobre a aceitabilidade individual de certos dispositivos, obrigando o Executivo a voltar


ao nível I para negociação46 ou, de modo mais radical, desistir do acordo.

No caso do AST Brasil-Ucrânia seguiu-se a mesma lógica de atuação, mas em menor


grau de divergência com o Executivo, tendo em vista a ausência de salvaguardas
políticas no acordo. Isso permitiu que as cláusulas do AST objetadas pelo Legislativo
fossem renegociadas pelo governo brasileiro, paralelamente à sua tramitação no
Congresso, de modo eficiente. Além disso, no DLG e no decreto de promulgação pelo
Executivo foram consagradas as cláusulas interpretativas apresentadas pelos
parlamentares, constituindo marco do aumento da competência do Congresso.

Já no que diz respeito ao Tratado Cyclone, o Legislativo esteve em convergência de


interesses com o Executivo e isso permite explicar a sua pouca participação efetiva e
sua suposta “aprovação automática” do Tratado. Mesmo na ausência de manifestação
institucional ex ante do Congresso, essa convergência pode ser analisada em função das
discussões já promovidas pelo Legislativo e Executivo na matéria do uso comercial do
CLA no âmbito dos ASTs Brasil-EUA e Brasil-Ucrânia.

Como visto, o Tratado Cyclone foi objeto de Memorando de Entendimentos ainda em


janeiro de 2002, no governo Cardoso. As intenções de futura cooperação tecnológica no
setor espacial entre os dois países corresponderam aos interesses demonstrados pelo
Legislativo desde as discussões do AST Brasil-EUA, quais sejam, a busca por
autonomia real e desenvolvimento no setor espacial. Os membros do Legislativo, nas
inúmeras deliberações que tiveram acerca da política aeroespacial brasileira ao longo do
período analisado, nunca se manifestaram contra a criação da joint venture binacional
que vinha sendo articulada desde 2002. Ao contrário, a referência feita ao futuro tratado
era no sentido da importância dessa cooperação para o programa espacial brasileiro. Por
isso, a aprovação em um curto período de tempo, sem longos debates, nem tentativa de
aumento de participação.

Nesse sentido, não se confirmou o argumento desenvolvido por Cesar (2002) que
sustenta a hipótese de delegação ou abdicação do Legislativo em função da matéria sob

46
Neste caso, poderíamos ver o acordo aprovado com ressalvas e emendas como uma forma de mandato
negociador (figura que não é institucionalmente prevista no Brasil).

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análise, defendendo que em temas de segurança e defesa nacional, o Legislativo sempre


teria interesse em aumentar sua participação. Primeiramente, a classificação em termos
de defesa nacional não engloba por completo todos os interesses em jogo. Assim, se é
certo que a soberania e a segurança nacionais estão presentes em tais acordos, pode-se
identificar ainda questões de natureza comercial. Em segundo lugar, e mais importante,
o argumento não se confirma no caso do Tratado Cyclone, quando, apesar da presença
de interesses de defesa e segurança nacionais, o Legislativo não buscou intensificar sua
participação.

É ainda importante ressaltar que a busca por maior participação – a partir da


apresentação de emendas, ressalvas e cláusulas interpretativas – ocorreu em caso de
acordos que tocaram em pontos que sensibilizaram a opinião pública a partir de um
entendimento de ofensa à soberania nacional, fundamento constitucional da República
brasileira47, compreendida não só pela integridade política do país, mas também pela
própria integridade territorial. Para que o controle do Congresso fosse exercido, contou-
se então com o acionamento do mecanismo de “alarme de incêndio” por parte da
opinião pública. A reação de alguns setores sociais ao que entenderam constituir uma
ofensa à soberania nacional fez com que o Congresso buscasse revisar tais ações do
Executivo. Diante das limitadas competências que possui no atual desenho institucional
brasileiro, o Legislativo buscou ir além desses poderes, por meio da elaboração de
reservas, emendas e cláusulas interpretativas aos tratados internacionais.

O estudo do caso da política brasileira com relação ao uso comercial do CLA demonstra
que, ainda que o Legislativo brasileiro não domine o processo de política externa, nem
tenha um histórico de intensa participação, o Executivo não pode ignorar, em sede de
assuntos internacionais, as restrições sofridas pela participação do Congresso Nacional.

Assim, no caso dos acordos referentes a Alcântara, o Legislativo manifestou seus


interesses no sentido de preservar a soberania e a integridade territorial brasileira e
promover uma política autônoma e de desenvolvimento, que implica, necessariamente,
a recusa a salvaguardas políticas (tais como as impostas pelos EUA) que possam tolher

47
Cf. art. 1º, da CF/88: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I – a soberania; [...]”.

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esse projeto nacional. Nessa démarche, o uso comercial do CLA, tal como defendido
pelo Legislativo, deve buscar primordialmente parcerias que tragam a possibilidade de
intercâmbios tecnológicos bem como atrair recursos que sejam aplicáveis ao programa
espacial brasileiro.

Percebe-se, logo, que o Congresso não possui interesse em manifestar-se sobre toda
questão de segurança e defesa nacional. A instituição segue uma lógica racional de
atuação que faz com que, ao menos com relação aos casos aqui apresentados, manifeste-
se apenas quando não concorda com o entendimento proposto pelo Executivo. É preciso
lembrar, porém, que diante do grande número de tratados que são submetidos aos
parlamentares todos os anos, seria impossível que estes dispusessem de um controle
total sobre tais atos internacionais, como na idéia de uma “patrulha policial”. Uma
atividade de controle desse nível lhes seria extremamente custosa no que diz respeito ao
tempo e ao conhecimento exigidos em questões de política externa.

Assim, os dados aqui apresentados e os casos analisados corroboram a idéia de que o


alto número de tratados e a especificidade dos temas internacionais levam os
congressistas a promover uma delegação natural ao Executivo. Para que seja qualificado
como tal – e não como simples abdicação – é preciso que ainda reste ao Congresso um
mecanismo eficiente de controle. Diante da impossibilidade do controle total (“patrulha
policial”), os casos ora trazidos parecem evidenciar a presença de um mecanismo
específico de controle por “alarme de incêndio”. Nesse sentido, o interesse do
Congresso em supervisionar certas questões de política externa se daria em função da
“ativação” desse alarme por determinados grupos sociais.

Isso permite compreender porque a reação do Legislativo ocorreu em certos casos de


segurança e defesa nacional, e não em outros. A explicação residiria justamente na
reverberação de alguns atos internacionais na opinião pública em geral. Nos dois casos
analisados em que os congressistas reagiram a determinadas cláusulas de acordos
internacionais (AST Brasil-Ucrânia e AST Brasil-EUA), a sua politização iniciou-se a
partir de um entendimento – difundido pela mídia, ONGs, acadêmicos, ou outros
setores sociais – de ofensa à soberania nacional, que foi então capitalizado por partidos
de esquerda em sua atuação no Congresso.

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É preciso, então, destacar o papel que os partidos de esquerda tiveram, principalmente


por meio da atuação de seus representantes na CRE-CD, de ecoar essa reação a tratados
internacionais que foram entendidos como contrários à soberania nacional. A atenção
dada a esses temas possui relação com a proposta nacionalista presente no programa de
tais partidos políticos e com o interesse que estes possuem de divulgar tais
posicionamentos em nível nacional.

Por último, é importante destacar que a participação do Legislativo em tais questões


ocorreu por meio da consolidação de um entendimento ampliado de seus poderes
institucionais, a partir da inclusão do poder de elaborar emendas, ressalvas e cláusulas
interpretativas a acordos internacionais. Assim, nos acordos analisados em que houve
maior participação do Congresso, essa participação foi promovida por meio da inserção
de emendas aos atos internacionais. Na visão de muitos juristas e do MRE, não seria da
competência do Legislativo promover tais modificações, sendo-lhe facultado apenas
aproveitar ou rejeitar in totum os acordos que lhe são submetidos. A única exceção a tal
regra, do ponto de vista do Executivo, seria a possibilidade de os parlamentares
inserirem reservas a tratados multilaterais, sempre que tais reservas estejam previstas e
permitidas pelo documento48. Já o Congresso, admite a prática de emendas, pelo menos
desde 1993, quando a CCJC apresentou parecer nesse sentido49.

Com efeito, a leitura ampliada de suas competências vem permitindo uma atuação
crescente do Legislativo na aprovação de tratados internacionais, pois vem sendo, na
maioria das vezes, respeitada pelo Executivo. Desde 2000, com base no Parecer da
Consultoria Jurídica do MRE n. 031, de 05/04/2000, elaborado por Cachapuz de
Medeiros, foi assegurada a necessidade de inclusão, no decreto de promulgação pelo
Executivo, dos dispositivos legais acrescidos pelo Congresso no decreto legislativo de
aprovação de tratados.

Nos casos dos referentes a Alcântara, a apresentação de emendas acabou funcionando


como uma espécie de “mandato re-negociador”, ao qual o Executivo pode ou não dar

48
Para o entendimento do MRE sobre tal questão cf. Medeiros (2006) e Lessa (2006).
49
Cf. Parecer do deputado José Thomaz Nonô à Consulta n. 07, de 1993, da Presidência da Câmara dos
Deputados solicitando o pronunciamento da CCJC “sobre a possibilidade de o Congresso Nacional, na
sua competência de referendar tratados internacionais celebrados pelo presidente da República, fazê-lo
parcialmente”. O parecer favorável à aprovação parcial foi aprovado por unanimidade.

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prosseguimento, suspendendo o processo ou voltando à mesa de negociações com a


outra parte. Ocorre que, em se tratando de acordos multilaterais já concluídos e
assinados pelo Brasil, a tarefa do Executivo em reabrir as negociações afigura-se muito
mais difícil, mesmo impossível. No caso de negociações comerciais em foros
multilaterais – como as negociações Mercosul-UE, a Rodada Doha no âmbito da OMC,
e a Alca –, isso levaria a admitir uma restrição severa à competência dos parlamentares.
Os acordos eventualmente concluídos em tais foros resultariam de longa e complexa
negociação e a existência do comprometimento prévio do Executivo, no plano
internacional, perante outros atores estatais, aumentaria os custos de rejeição por parte
do Legislativo.

Nesse sentido, desde a politização do tema do comércio exterior, principalmente com o


início das negociações para a Alca, foram muitas as tentativas de mudança dos atuais
mecanismos institucionais, buscando, basicamente, a participação prévia do Congresso
no processo de formulação e decisão de política externa. No que diz respeito à
participação institucional do Legislativo na política externa em geral, também houve a
apresentação de pelo menos doze projetos visando à sua regulamentação. Como foi
visto, o processo de aprovação de atos internacionais pelo Congresso encontra-se
pendente de regulamentação. Pode-se dizer que a ausência permitiu que os
parlamentares ampliassem seus poderes, indo além da aprovação ou rejeição dos
acordos, e incluindo a proposição de emendas e cláusulas interpretativas. Dentre os
projetos já apresentados pelos parlamentares desde a promulgação da CF/88, seis
visaram a consolidar esse entendimento do Congresso com relação à possibilidade de
inclusão de emendas aos acordos. Previam ainda a necessidade de consulta ao
Legislativo no caso de alteração de tratados internacionais e de eventual denúncia
(término), um entendimento também amplamente aceito. Outros projetos foram além da
prática atual prevendo: a realização de referendo popular para acordos internacionais
que possam comprometer a soberania nacional ou que transfiram atribuições do Estado
brasileiro a organismos supranacionais; a aprovação prévia em casos de “risco de
adoção de valores culturais e sociais diferenciados dos nacionais”; e o estabelecimento
de prazos para o processo de internacionalização dos tratados.

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É interessante notar ainda que quatro dos projetos que buscavam regulamentar a atuação
do Legislativo em matéria de aprovação de tratados admitiram a possibilidade dos
acordos executivos. Nesse sentido, eles apenas ilustram, como no caso dos projetos
referentes ao poder de emenda, a tentativa de consolidar a prática atual em matéria de
política externa, evidenciando a concordância dos parlamentares com o uso de acordos
executivos. Nas justificativas de tais propostas, foi reconhecida a impossibilidade de
submissão de todos os atos internacionais assinados pelo Executivo ao Congresso,
hipótese que prejudicaria tanto a rotina diplomática como a prática legislativa. Três
desses projetos ainda permitem aos legisladores o poder de, em discordando dos
critérios adotados para a dispensa de aprovação legislativa de determinado acordo,
declarar a necessidade de apreciação pelo Congresso. Nada obstante, tal como nos
projetos referentes a comércio exterior, nenhuma das propostas foi até hoje aprovada –
sete já se encontram arquivadas e as demais tramitam lentamente.

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