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PAULO CESAR CONRADO

Doutor em Direito Tributário pela PUCI SP


Mestre em Direito Tributário pela PUC / SP
Juiz Federal em São Paulo
Professor de Direito Tributário e Processual Tributário do IBET
Professor da PUC / SP
Professor da Fundação Getúlio Vargas - FGV-GVLaw

Editora Qu.artier Latiu do Brasil


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PROCESSO TRIBUTÁRIO

Empresa brasileira, fundada em 20 de novembro de 2001


3ª edição

Atualizada com base no Novo Acordo Ortográfico

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dos atos pertinentes ao ciclo de positivação do direito tributário


9.3. PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO não o caracterizaria112 . '

Ao final, tornamos, então, à afirmação já antes sugerida


(4.1.2): o processo tributário exacional é, sempre, judicial ser-
9. 3 .1. :PROCESSO JUDICIAL EXACIONAL
vindo unicamente à efetivação do conteúdo da obrigação ;ribu-
tária, que já se suporia desde antes constituída. E, por assim
A inclusão de um dado processo tributário na classe dos
ser (judicial), o instrumento que constitui o respectivo fato ju-
exacionais depende, segundo opção já firmada, da prévia
rídico conflito será, sempre, a petição inicial.
constatação de que o respectivo agente provocativo seria o
Estado-fisco.
Por exacional devemos entender, assim, o processo tributá- 9.3.1.1. EXECUÇÃO FISCAL
rio que, instaurado pelo Estado-fisco (sujeito ativo da obrigação
tributária), tende a efetivar, no plano fenomênico, o conteúdo
da relação jurídica de direito material já de antes constituída. 9. 3 .1.1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nesse conceito, ao que se percebe, não se identifica a pers-


A execução fiscal é, por essência, a mais expressiva manifesta-
pectiva de constituição da obrigação tributária, senão apenas sua
ção da categoria que estamos a explorar: parte da prévia constitui-
efetivação - assim é, com efeito, uma vez dotada a Administra-
1 ção da obrigação tributária, avança para a caracterização de pecu-
ção (Estado-fisco) do munus de, aplicando a lei de oficio 11 ,
liar forma de conflito (a omissão do contribuinte quanto à prática
manejar os instrumentos que o direito positivo lhe concede à
de qualquer ato que tenda à suspensão ou à extinção daquela
guisa de constituir os fatos e relações de direito tributário.
mesma obrigação), corporificando-se via petição inicial constitutiva
Poderíamos dizer, numa certa óptica, que a prática, pelo Es- do aludido fato (o inadimplemento do contribuinte).
tado-fisco, de atos tendentes à constituição do fato jurídico tri-
Sua missão: permitir a veiculação de norma individual e con-
butário e da correlata obrigação enfeixaria um certo nível de
creta que constitua o modo de efetivação, no plano fenomênico,
processualidade. De tal perspectiva, exsurgiria, então, a ideia
da obrigação tributária.
de que, administrativamente, haveria processo exacional -
Seu pressuposto: a constituição da obrigação tributária.
vale dizer: processo instaurado por atividade do Estado-fisco.
Nesse momento, duas advertências se interpõem, uma sobre
Recusamos, entrementes, tal possibilidade: se processo é rela-
a "missão" da execução fiscal, outra sobre seu "pressuposto".
ção que deflui do fato jurídico conflito, a prática, pelo Estado-fiscà,

112 Para ~ue se ve'.ifique, necessário seria mais do que a só atuação estatal: a
sugestivêJ de Benve11 utti" (Do lançamento: teoria geral do ato, do procedi-
atuaç~o do proprio _contribu_inte. Aí, reforce-se, o porquê de o processo
mento e do processo tributário, p. 278-9). tributaria_ adm1n1strat1vo ter sido desde o início definido como modalidade
Definição de Seabra Fagu ndes para a atividade administrativa (O controle
111 ant1exac1onal.
dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, p. 2-3).
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tária insatisfeita" é, convenhamos, muito mais do que dizer "o con-


9.3.1.1.2. 0 PROBLEMA DA "MISSÃO"
flito aparelhado na execução fiscal será resolvido mediante a produção de
Sugerimos, genericamente, que o propósito das manifesta- norma individual e concreta que constitua o modo de efetivação, no plano
ções processuais exacionais imbrica com a idéia de efetivação fenoménico, da obrigação tributária". E, justamente por ser "muito
(realização) do conteúdo de uma obrigação (tributária) insatis- mais", aquele primeiro modo de descrever o objetivo da execu-
feita. Avançando, fixamos que a missão do processo de execu- ção fiscal parece-nos, embora antes usado, o menos apropriado.
ção fiscal (forma exacional) diz com a veiculação de norma in- Esse "muito mais" a que nos referimos é forma despreten-
dividual e concreta que constitua o modo de efetivação, no pla- i siosa de falar que a primeira proposição, ao descrever o objeto
no fenomênico, da obrigação tributária. da decantada "ação", vai além, transcende, em rigor, o próprio
Note-se, aí, a sutil diferença existente nas palavras usadas: conceito de jurisdição. Lembre-se, com efeito, (i) que execu-
(i) efetivar o conteúdo de uma obrigação tributária insatisfeita; ção fiscal é processo, (ii) que processo é instrumento da jurisdi-
1
(ii) veicular norma individual e concreta que constitua o modo ção, e (iii) que, portanto, os atos judiciais de execução são ma-
de efetivação, no plano fenomênico, da obrigação tributária: nifestações jurisdicionais. Lembre-se, mais: que jurisdição é
aparentemente sinônimas, as orações aqui postas hqspedam, atividade estatal compositiva de conflitos que se perfaz via tu-
em rigor, significativa diferença, cumprindo-nos admitir que a tela jurisdicional, entidade de caráter normativo.
primeira ("efetivar o conteúdo de uma obrigação tributária in- Conclusão: se execução é forma processual que instru-
satisfeita") é muito menos apropriada que a segunda ("veicu- mentaliza a jurisdição, sua solução há de atrelar-se à noção de
lar norma individual e concreta que constitua o modo de tutela, ou, por outra, à noção de norma individual e concreta.
efetivação, no plano fenomênico, da obrigação tributária"). Tal perspectiva parece conter, ademais de tudo, uma adicio-
Execução fiscal, como forma processual exacional, é relação nal virtude: afasta a possibilidade (a nós, em princípio, quase
1
jurídica que decorre da constituição de um específico fato confli- irresistível) de se falar em processo de execução (fiscal) como
to (o inadimplemento do contribuinte); como todo processo, ten- instrumento que permite, mesmo excepcionalmente, que o pla-
de à produção de tutela jurisdicional apta a compô-lo. Mas, ao no jurídico se confunda com o plano dos fatos, nele tocando: o
final, como se compõe aquele tipo de conflito? Como se com- processo de execução fiscal visa à produção de norma individual e con-
põe, em suma, o inadimplemento do contribuinte? As duas ora- creta (tutela jurisdicional executiva) constitutiva do modo de realização,
ções parecem responder tais indagações: (i) compõe-se o confli- no plano da facticidade social, da obrigação tributária inadimplida.
to, efetivando-se (realizando-se) o conteúdo da obrigação tribu- Seguindo, assim, a regra segundo a qual o direito não entra
tária insatisfeita; (ii) compõe-se o conflito, veiculando-se norma no "social" 113 , assumimos, definitivamente, a erronia da primei-
individual e concreta constitutiva do modo de efetivação, _no
plano fenomênico, da obrigação tributária insatisfeita.
Começa a transparecer, ao que nos parece, a diferença que subjaz 113 "O Direito apenas fornece - elucida Rubens Gomes de Sousa - 'mecanismos
práticos de atuação a uma conclusão predeterminada e não atingida por ele 11
às duas proposições: dizer que "o conflito aparelhado na execução próprio, mas recebida de uma das outras ciências sociais, que são todas, por
_fiscal será resolvido mediante a efetivação do conteúdo da obrigação tribu- definição, pré-jurídicas; por exemplo, a Sociologia, a Finança, a Economia.

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ra das proposições que lançamos : execução fiscal não é meio Por opção genericamente firmada no direito positivo pro-
processual que tende a realizar a obrigação tributária 114 • cessual (art. 583 do Código de Processo Civil) 11 5 , toda execu-
ção (inclusive a fiscal) assentar-se-á em título executivo, assim
entendido o documento que espelha, por presunção, a existên-
9. 3 .1.1. 3. 0 PROBLEMA DO "PRESSUPOSTO"
cia de uma obrigação.
Alinhamos, pouco antes, que a execução fiscal, como figura Se é certo que lançamento e "autolançamento" realizam, em
processual exacional, guarda a constituição da obrigação tribu- princípio, o conceito adrede posto (à medida que se apresentam
tária como pressuposto. como documentos que retratam, por presunção, a existência da
Genérica, tal proposição também merece reparos. obrigação tributária), não é menos certo, porém, que o sistema
Já assentamos, quando descrevíamos o ciclo de positivação do do direito positivo opera com um adicional elemento de defini-
direito tributário (Capítulos 3 e 4), que a constituição da obrigação ção: título executivo é documento que espelha, por presunção, a
tributária se dá ou pela via do lançamento ou pela do "auto- existência de uma obrigação e que, como tal (como título execu-
lançamento" , expressões de normatividade individual e concreta. tivo), foi taxativamente previsto em lei. Donde tiramos: para que
seja considerado título executivo, um certo documento, ademais de
Cruzando tal afirmação com a precedente, teríamos: o pressu-
atestar a existência de uma relação jurídica (com o apontamento,
posto da execução fiscal é o lançamento ou o "autolançamento" - sinali-
via de consequência, de todos os seus elementos constitutivos),
za-se, já aí, a efetiva necessidade de reparos em nosso raciocínio.
'li deve ter sido pelo sistema do direito positivo como tal tratado 116 .
Pois é aí, como sugerido, que se aloja o problema da afirma-
Em primeiro lugar, é preciso determinar o que se quer fazer, definir o
resultado que se pretende obter. Este é o trabalho da própria Política, no ção de que o pressuposto da execução fiscal é a constituição da
seu sentido pleno de arte de governar, inspirada pela Economia, pela obrigação tributária: lançamento ou "autolançamento", pores-
Ciência das Finanças, pela Sociologia e pela observação dos fatos que
podem, ou que devem, influenciar a orientação governamental, até mes- tipulação legal (ou ausência dela), não são títulos executivos,
mo o aspecto ético. Só depois de definido o objetivo da ação é que se cumprindo tal papel , para os casos de execução fiscal, a deno-
procuram os meios para conseguir esse resultado. E a função do Direito é,
simplesmente, a de fornecer aqueles meios de atuação para obtenção de minada Certidão de Dívida Ativa, documento cuja produção por
um resultado predeterminado que não é, por si mesmo, jurídico',
Depois de investigar e analisar experiências sociais, o homem concebeu
certo supõe aqueloutros (lançamento ou "autolançamento"),
construir este instrumento de ação social: a regra jurídica . mas que com eles não se confunde.
A regra jurídica é a utilização da linguagem (oral ou escrita) como estimulante
(excitante) condicionador que provoca, na atitude mental do homem, um Nessa trilha, temos, ao final, que a constituição da obrigação
reflexo condicionado à incidência daquela regra jurídica sobre sua hipótese de tributária (e assim os respectivos veículos, lançamento e
incidência" (Teoria geral do direito tributário, Alfredo Augusto Becker, p. 64).
114 Analisando nossa própria ativi dade, a judicatu ra, passamos a compreender,
então, que a tutela jurisdicional que nos é requerida em nível de execução
fiscal enfeixa-se nas diversas normas (individuais e concretas) que produzi-
mos nos respectivos autos: ordem de penhora, alienação judicial do 115 "Art. 583. Toda e xec ução tem por ba se título e xecutivo judicial ou
patrimônio penhorado, etc., nada tendo com as eventuais repercussões extrajudicial. "
verificadas no domínio socia l - repercussões essas que, embora desejáveis 116 Documento que atesta a existência de uma relação jurídica, mas que não
(a bem da ideia de efetividade social do direito), não são determinantes da é pela lei tratado como título executivo perfaz, em tese, o conceito de
noção, dogmática, de jurisd ição. título monitório, habilitando a propositura de um'outra cl asse processual.
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"autolançamento") é, deveras, pressuposto da execução fiscal, não Regras: (i) para fins tributários, exigibilidade não se confunde
se apresentando, todavia, como uma sua elementar suficiente. com exequibilidade (executabilidade); (ii) nem toda obrigação
Conclusão: mais do que constituir a obrigação tributária (via tributária é exequível, embora todas sejam, em princípio,
lançamento) ou de vê-la constituída pelo contribuinte (via exigíveis 119 ; (iii) para fins tributários, a exigibilidade é condição
"autolançamento"), o Estado-fisco, para que possa se pretender necessária, embora não suficiente, ao aparelhamento de execu-
ção fiscal; (iv) para fins tributários, a executabilidade é condição
agente provocador do Judiciário em nível de execução, deve, 1
necessária e suficiente ao aparelhamento de execução fiscal' 2º.
precedentemente, constituir o correlato título executivo, fazen-
do-o mediante específico procedimento administrativo (falamos
aqui, repare-se, em procedimento, porque ausente a ideia de 9.3.1.2. MEDIDA CAUTELAR FISCAL
conflituosidade nessa fase) de inscrição do crédito tributário no
respectivo Livro de Dívida Ativa 117 • Genericamente considerado, o processo cautelar assim se de-
:
1 fine em razão de sua instrumentalidade em segundo grau: (i)
1
Com isso, a obrigação, desde antes exigível (tanto que o
todo processo é relação instrumental (1.1) (premissa a); (ii) o pro-
Estado-fisco, em sede de lançamento, notifica o contribuin-
cesso cautelar é, de ordinário, instrumento de outro processo
te, sem prejuízo da possibilidade de impugnação, para pa-
(7.11.1) (premissa b); (iii) o processo cautelar é instrumento do ins-
l gar), avança para o plano da exequibilidade (executabilidade),
trumento: é instrumental em segundo grau (conclusão).
essa sim condição necessária e suficiente para a instauração
Consoante assentado em 7.11.2., duas seriam as formas pro-
11
dos executivos fiscais 11 8 •
cessuais cautelares fundamentais: (i) de um lado, encontramos as
cautelares concebidas com foros de especificidade (as nominadas,
1 valendo, para elas, a ideia segundo a qual, tendo sido pré-concebi-
117 "A inscrição da dívida ativa pertence à ' fase íntegrativa da eficácia' por
1 revestir a função de um ato de controle preventivo, necessário para que o da a forma de atuação jurisdicional cautelar, específicos seriam,
ato de lançamento assuma plena força de útulo executivo. Como adiante também, os respectivos requisitos); (ii) de outro, as genéricas
1 melhor se verá, a inscrição da dívida ativa situa-se na fronteira entre o
procedimento administrativo de lançamento (a cuja fase integrativa da (inominadas, expressão do denominado poder geral de cautela, cuja
1

eficácia ainda pertence) e o processo judicial de execução (da qual é outorga depende da ausência de remédio cautelar específico, bem
pressuposto necessário)" (Alberto Xavier, Do lançamento: teoria geral do
ato, do procedimento e do processo tributário, p. 196). como do preenchimento dos requisitos gerais, famus boni juris e
118 Ensina Araken de Assis, a propósito do tema: "Cuida-se [a prévia exigibilidade periculum in mora).
da obrigação (tributária) estampada na Certidão de Dívida Ativa] de mais
uma característica peculiar ao título executivo exibido pelo Fisco. Nos de-
mais títulos extrajudiciais, recorda José Afonso da Silva, o crédito se constitui
e a exigibilidade ou é a ele coeva, ou dela se origina, mas jamais precede· o 119 Falamos, aqui, que toda obrigação tributária é exigível, partin do da premi ssa
próprio título, como sucede na hipótese da certidão da dívida ativa. de que só há obrigação quando produzida (e operativa) a respectiva norma
Por óbvio, a circunstância de a exigibilidade preceder à certidão da individual e concreta. Excepcionalmente, nas hipóteses do art . 151 do Código
dfvida ativa não a elim ina nes.ta classe ele riw lo, reafirmando, pois, o Tributário Nacional, é possível imaginar obrigação tributária co nstituída, mas 1

ar1. 586, caput. O contribuinte poderá cumprtr a obrigação depois da não operativa; por isso, inexigível.
in crição, extinguindo-a. De outra banda, nula se mostrará a inscrição de 120 Tais regras aplicar-se-ão, também, aos casos de "autolançamento", nota.damente
crédito tributário ou não-tributJrio antes do implemento do respectivo ter- porque o reconhecemos, desde antes, como norma individual e concreta
mo" (IV/a nual do processo de execução, p. 734). apta a constituir fato e relação jurídico-tributários.
--
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Falar de medida cautelar fiscal, frente a tal quadro de possibili- Assim é, com efeito, nem tanto pelo conteúdo de tais dis-
dades, significa explorar precisamente uma das variáveis espedfi- positivos, senão por obra do que prescreve o parágrafo único
cas do fenômeno da cautelaridade. Significa dizer: colocamo-nos do art. 1° da mesma lei:
diante de modalidade processual que (i) visa à emissão de especí-
fica providência acauteladora, (ii) sendo governada, portanto, por "O requerimento da medida cautelar, na hipótese dos incisos V,
condições também específicas. alínea b, e VII, do art. 2~ independe da prévia constituição do
crédito tribután·o."
Pois é fundamentalmente disso que se ocupa a Lei nº 8.397 /
92, diploma instituidor da referida categoria: fixa, de um lado, o
Referido preceito, ao que se vê, não apenas excepciona a regra
conceito específico de medida cautelar fiscal (art. 4º)121 , prescre-
do art. 1º, caput (" O procedimento cautelar fiscal poderá ser instaurado
vendo, de outro, os requisitos cuja presença impõem sua conces-
após a constituição do crédito, inclusive no curso da execução judicial
são (arts. 2º e 3º, inciso 1) 122 , dos quais dois, em particular, mere-
1 da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Muni-
cem análise detida - os inscritos nos incisos, V, alínea b, e VII.
1
cípios e respectivas autarquias"), chegando a criar ficção verdadei-
ramente autolítica: medida cautelar fiscal é providência de
121 "Art. 4º. A decretação da medida cautelar fiscal produzirá, de imediato, a indisponibilização patrimonial que, nos termos do art. 4°, ocor-
li indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação (...)."
122 "Art, 2°, A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo
rerá "até o limite da satisfação da obrigação" - se essa é a providên-
li de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor: cia e seu limite, como outorgá-la sem conhecer-se a obrigação
I, ! I - sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou
deixa de pagar a obrigação no prazo fixado; tributária? Mais: como conhecê-la (a obrigação tributária) sem
li - tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta ausentar-se, visando a elidir constituí-la? Impossível, assim nos parece, restando inviável,
o adimplemento da obrigação;
1/1 - caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens; por isso mesmo, a outorga do provimento específico do qual
IV - contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu tratamos na forma do retro-transcrito parágrafo único, ou seja,
patrimônio;
V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do à revelia de prévia constituição da obrigação tributária.
crédito fiscal:
a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade;
b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros;
VI - possui débitos inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapas-
sem trinta por cento do seu patrimônio conhecido;
9.3.1.3. EXECUÇÃO FISCAL E MEDIDA CAUTELAR FISCAL: O TEMPO
VII - aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão DA COBRANÇA TRIBUTÁRIA
da Fazenda Pública competente, quando exigível em virtude de lei;
VIII - tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo
órgão fazendário; Por ocasião do item 4.4., deixamos assentado que a pro-
IX - pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédifo." cessualidade exacional opera-se no particular campo da "juris-
"Art. 3º. Para a concessão da medida cautelar fiscal é essencial: ··
I - prova literal da constituição do crédito fiscal" . dição judicial", repelindo-se, nesse campo, a formação da cha-
Também na especial sede da medida cautelar fiscal, vê-se presente oposi- mada "jurisdição administrativa".
ção semelhante àquela que lançamos quando analisávamos o art. 156 do
Código Tributário Nacional: "causa" versus "veículo". Com efeito, o art. 2° E assim é não por outro motivo senão porque à Adminis-
da Lei nº 8.397/92 arrola, de sua parte, as "causas" que incitam a concessão
da medida em pauta (desde que associadas ao requ isito do inciso I do art. 3°), tração não é dado conduzir processo (administrativo) ·por ela
enquanto o art. 3°, inciso li, prescreve o veículo introdutor, no un iverso própria ativado: (i) o titular de pretensão, à guisa de realizá-la,
jurídico, daquelas mesmas causas.
1

11

206 ■ PAULO CESAR CONRADO


PROCESSO TRIBUTÁRIO• 207

derrubando resistência que reputa indevida (representada pela (prescrição), pena de se o "perder" (aquele direito). Mais: o
inatividade do contribuinte, reitere-se), ou a formula (a preten- sistema faz disponível o direito de ação, para assim realizar o valor
são) ao próprio órgão do qual a resistência emana (assim faz o da estabilidade (segurança jurídica).
contribuinte, em nível de processo administrativo), ou a terceiro Não obstante claras, reiteramos que tais proposições derivam
(caso do processo judicial); (ii) se a dirigisse a si mesmo, não de um "olhar processual", ao lado do qual repousa urn'outra
seria titular de "pretensão", não pelo menos juridicamente, eis visão: frente à inatividade do contribuinte, que não impugna o
que restaria ela (suposta "pretensão") insusceptível de controle; crédito tributário nem o quita, à Administração não sobra outra
(iii) "pretensão" é vocábulo que, quando extravasa as barreiras alternativa senão dar seguimento à cadeira de positivação do
da linguagem ordinária e invade o direito, supõe controlabilidade, direito tributário, provocando o Estado-juiz via petição inicial
o que, por sua vez, supõe oponibilidade a sujeito diverso daquele executiva fiscal.
que a possui (a pretensão). Por outra: sob a óptica do direito administrativo, a atividade
Pois bem, quer isso significar, reafirmando-se o que lá, naquela processual do Fisco é imperativa, já não mais dispositiva; "deve"
passagem, se consignou, que, conquanto "auto-suficiente" no que ocorrer, não se retendo ao campo das meras "possibilidades".
1
diz com a produção da norma individual e concreta constitutiva da Do cotejo dessas duas ordens, ter-se-ia, então, um aparente
li obrigação tributária, a Administração assim não se põe quando paradoxo, a ser resolvido pela interveniência da noção de res-
o terna é litigiosidade defluente da inércia do contribuinte. ponsabilidade funcional: se a cobrança do crédito tributário
1
Nesse sentido, as execuções fiscais não seriam representati- "deve" ocorrer e assim não se põe, sendo colhida, por exemplo,
vas de um modelo exacional de processualidade tributária, mas pela prescrição, em face dos agentes administrativos de cuja
sim a própria encarnação de tal categoria - por isso falamos, atividade dependia referida cobrança deve ser dirigida paralela
pouco antes, em univocidade. investigação tendente a apurar eventual responsabilidade, úni-
ca forma de fazer verdadeira a premissa segundo a qual a co-
Disso tiramos: tal categoria processual não pode ser avalia-
brança do crédito tributário deve, e não simplesmente pode, ocorrer.
da ao sabor, único, do direito processual, devendo sê-lo, tam-
bém (e principalmente), sob a óptica do direito administrativo. Pois é exatamente nesse contexto que intercede a figura da
medida cautelar fiscal, instrumento já de antes aventado e que
Explicamos: vista pelos olhos do direito processual, execu-
pode e deve ser visto nesse contexto que aqui abrimos.
1 ção fiscal seria representação, em última razão, do denomina-
do direito de ação, contraface do conceito de jurisdição; cómo Com efeito, corno variável do fenômeno da cautelaridade, a
tal, vinculada estaria aos vetores da inércia e da disponibilidade, espécie em questão visaria à emissão de providência protetiva
princípios textualizados pelos arts. 2° e 262 do Código de Pro- do resultado prático do processo de execução fiscal - a saber,
cesso Civil e cujos efeitos explicam, sob certa coloração, os reitere-se, a indisponibilização patrimonial. Agora, note-se: se o
conceitos de prescrição e de segurança jurídica. Nesse sentido, processo de execução fiscal, sob a óptica administrativa, não é
mera contingência, senão urna imposição, e, mais, se a cautelar
dir-se-ia: subsu?-1-ido que está ao conceito de direito de ação, o
processo executivo fiscal deve ser manejado no tempo próprio fiscal vem à luz para aquele (o processo de execução fiscal) prote-
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ger, o que se há de concluir não é outra coisa, senão que tal Cientes de que toda investigação pragmática é, em direito,
modelo processual acessório, firmados os respectivos requisi- das mais árduas, induzindo temerários (porque precoces) juízos
tos, é tão imperativo como o respectivo principal (execução de "verdade/falsidade", não desejamos, aqui, outra coisa, se-
fiscal), repudiando-se, aqui, a aplicação de expressões não reduzir em linguagem pelo menos um dado, justamente o
caracterizadoras de pretensa discricionariedade. Por outra: (i) à ,1 que, como a pergunta antes formulada, apresenta-se óbvio: a
Administração não seria dado nenhum juízo de conveniência cobrança tributária é cronologicamente descompassada, à me-
ou oportunidade sobre a efetiva cobrança do crédito tributário, dida que se refere a créditos remotamente constituídos. Não sem
1, 1
devendo promovê-la; (ii) de igual modo, à Administração não razão: olhada sob a óptica processual, a cobrança tributária é,
é dado nenhum juízo de conveniência ou oportunidade sobre o como já visto, corolário do direito de ação, exercitando-se se-
aparelhamento das providências acauteladoras necessárias à gundo as noções de "direito de ação" /"prescrição": tendo cin-
proteção do crédito em vias de cobrança. co anos para cobrar, o Fisco assim o faz - cobra no tempo do
1 Nessa linha de ideias, mais do que criar um modelo proces- direito, mas muitas vezes fora do tempo da viabilidade factual, cir-
l
sual, a Lei nº 8.397 /92 institui um dever (mais um!) para a cunstância que, ainda no campo da facticidade, amesquinha o
1
Administração: de permanente vigilância e apuração, junto a potencial prático da execução fiscal.
cada contribuinte, de eventual causa geradora de pedido cautelar
É bem certo, admitamos, que problemas jurídicos no direito
1
fiscal, pena de permitir o indesejável desencadeamento de tais
se resolvem. Destarte, se a cobrança no tempo do direito é cobran-
eventos e, com isso, a igualmente indesejável perturbação da
ça juridicamente viável, nada há a opor-se, em princípio, quan-
eficácia prática do processo de execução fiscal.
to à conduta do agente administrativo que nesses termos pro-
1
E assim ressurge, à evidência lógica, a mesma conclusão adre- cede. Sem prejuízo disso, desejável que o problema seja enca-
1 de lançada: se a cobrança do crédito tributário "deve" ocorrer e, rado sob o viés sistêmico: é elemento integrante do conceito
não obstante isso, a mesma se frustra pela verificação de evento geral com o qual vimos operando ("cobrança tributária") a
1
que poderia ter sido evitado à luz de uma medida cautelar fiscal,
1 decantada cautelar fiscal; dela, portanto, não podemos descurar
em face dos agentes administrativos de cuja atividade dependia
e, por isso, nela devemos nos concentrar à guisa de resolver o
referido processo deve ser dirigida paralela investigação tenden-
precitado confronto - direito (teoria) e prática.
te a apurar eventual responsabilidade, única forma, mais uma
vez, de fazer verdadeira a premissa segundo a qual a cobrança do Assim caminhando, devemos assentir que a cobrança efetua-
crédito tributário deve, e não simplesmente pode, ocorrer - daí porque da no tempo que o direito proclama só é juridicamente viável
1
afirmamos, linhas antes, que o tema da cautelar fiscal sobrele_va- acaso a hipótese com a qual se estiver operando não seja daque-
-se no exato momento em que olhamos o processo de execução las que enseje a formulação de pedido cautelar. Reitere-se: quan-
fiscal sob o prisma administrativo. do o sistema introduz, em seu ventre, a figura da cautelar fiscal,
cria para a Administração o encargo de apurar, junto a cada con-
A par de tudo isso, acorre, agora, o dado prático, no qual
penetramos por meio de uma singela indagação: a quantas anda tribuinte, eventual causa geradora de prejuízo para a eficácia prá-
a cobrança tributária? tica do processo de execução fiscal.
210 ■ PAULO CESAR CONRADO
PROCESSO TRIBUTÁRIO ■ 211

Se é certo, assim, que o Fisco dispõe de "tempo jurídico" ra- Não é esse, sabemos, o tratamento ordinariamente atribuí-
zoavelmente largo para exercitar o direito de ação de execução do ao tema: identifica-se na prescrição, de regra, uma causa de
fiscal, não é menos correto que a gestão de tal tempo é de ser extinção do direito de ação, incapaz de fulminar o direito de
criteriosa, orientando-se pelos mesmos vetores que, no direito fundo (material).
positivo, funcionam como requisitos para a concessão da medida Seja como for, reitere-se: a matéria, em nível tributário, é des-
cautelar fiscal. Virtuosa, tal providência, retira-nos do sempre tinatária de tratamento próprio, o que nos autoriza a concluir,
desquerido campo das subjetividades, permitindo que a cobrança ratificando a proposição inicial, que prescrição e decadência,
tributária oriente-se, cronologicamente, não apenas pelo tempo no específico setor em foco, constituem modalidades que ope-
absoluto da prescrição, mas também pelo tempo relativo do ris- ram num mesmo nível.
co de lesão à efetividade da pretensão executiva.
Por outra: prescrição e decadência - conceitos que, em ní-
Ao final, o que concluímos é que a medida cautelar fiscal, ins- vel teórico geral, são por sua eficácia diferençados - em direito
trumento de ínfima aplicação prática, deveria, no mínimo, balizar tributário têm o mesmo tônus.
a conduta do agente administrativo responsável pela cobrança tri-
Indevida, por isso, a tomada, sem qualquer reparo, do regi-
butária, servindo os respectivos requisitos como objetivo critério
me jurídico geral da prescrição se o que se quer é aplicá-la no
de definição do momento mais adequado para a deflagração da particular campo tributário.
cobrança tributária: conquanto juridicamente viável, a execução
Já daí impor-se-ia, assim temos, a negativa da tese-base se-
fiscal proposta no prazo prescricional pode, do ponto de vista prá-
gundo a qual prescrição (tributária) não se decreta ex officio 123 :
tico, quedar comprometida pelo descuido em relação à verifica-
recuperada a premissa de que, sob a óptica eficacial, análogas
ção das condições que habilitavam a paralela formulação de pedi-
apresentam-se prescrição (tributária) e decadência (igualmente
do de medida cautelar fiscal, reaflorando, assim e mesmo que no
tributária) - operando, ambas, como causas de extinção dos cré-
tempo do direito se esteja, a questão atinente à responsabilidade
ditos daquele jaez -, imperativo admitir o atingimento, nos dois
funcional dos que gerenciam a indigitada atividade de cobrança.
casos, do direito de fundo, circunstância que justifica sua de-
cretação ex officio, numa e noutra situação, pela autoridade para
9.3.1.4. DECRETABILIDADE EX OFFICIO DA PRESCRIÇÃO EM NÍVEL DE tanto competente 124 •
EXECUÇÃO FISCAL

Prescrição é tema que, em matéria tributária, refoge aos


parâmetros usualmente outorgados pelos demais setores do direito.
123 O tema desafia, na atualidade, novas perspectivas, estabelecidas pelo
Com efeito, prescreve o art. 156, inciso V, do Código Tribu- advento da Lei nº 11.280/2006, diploma que introduz, no art. 219 do Código
tário Nacional que o fenômeno em pauta é implicativo de resul- de Processo Civil, o novel parágrafo, assim vazado: "O juiz pronunciará, de
ofício, a prescrição."
tado análogo ao da decadência, qualificando-o, o fato jurídico 124 No conceito de a uto ridade. competente, entendemos incluídos o agente
da prescrição, como causa extintiva do crédito tributário. administrativo, bem assim Pode r Jud iciário, cada qual operando dentro
dos respectivos procedimento e/ou processos.
PROCESSO TRJBUTÁRIO ■ 213
212 ■ PAULO CESAR CONRADO

tutela (informações acerca do paradeiro do devedor e de seu


9. 3 .1. 5. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE EM EXECUÇÃO FISCAL
patrimônio) tem que ser oferecidas no tempo apropriado, pena
Não é de hoje que o tema da prescrição intercorrente nos de se frustrar sua conferência (da referida tutela), quedando o
processos de execução fiscal vem sendo suscitado: as preten- processo em aberto ad infinitum - resultado repudiado pelo va-
sões em tais processos de fato sempre comportaram o exame lor que por detrás da noção de prescrição atua (segurança jurí-
do fenômeno prescricional sob dúplice perspectiva - a pri- dica). Por outra: se a outorga das tutelas executivas não é atri-
meira, do mesmo timbre da que se vê para todos os demais buição estatal que dependa unicamente da provocação do inte-
tipos processuais, atua em relação ao momento de provoca- ressado - exigindo, mais ainda, o fornecimento dos elementos-
ção do Estado-juiz; a segunda (justamente a que é predicada -informações, por aquele mesmo interessado, que a viabilizem-,
i!
pela noção de intercorrência), atua em relação ao momento de imperativo que desdobrada reste, para tais processos (de execu-
outorga da tutela jurisdicional (no caso, a executiva). ção), a ideia de prescrição.
1

Natural que assim seja, com efeito. Execução é, em nosso ' Profligamos, com tudo isso, a tese de que a prescrição
sistema, a única forma processual cuja tutela não se constitui intercorrente é fenômeno inerente à natureza dos processos exe-
como fim (do ponto de vista cronológico) do processo, senão cutivos, funcionando como corolário inexorável da noção de
1
como ato intercorrente: confere-se-a no decorrer do processo, segurança jurídica para tais modalidades - assim como o é o
1 mediante uma série de atos, no mais das vezes canalizados à conceito de prescrição (propriamente dita) para todos os de-
expropriação do patrimônio do devedor. Como ato final do pro- mais tipos processuais.
j
cesso (de execução), o que se vê, portanto, não é a tutela exe- Conclusão disso: seu reconhecimento independe da exis-
cutiva propriamente dita, senão um ato (sentença) de conteú- tência de enunciado prescritivo que a preveja com foros de
do puramente homologatório, tendente a encerrar, e tão ape- especificidade, bastando, antes disso, que o correspondente fato
nas encerrar, a cadeia processual. implicador se verifique, a saber, a inércia do interessando
Ocorre que a tutela executiva (cuja outorga se dá, repita-se, (exequente), por tempo igual ou superior ao da prescrição (pro-
intercorrentemente) tem a sua concessão subordinada a duas priamente dita) , no que diz com a prestação, em favor do Esta-
condições inexoráveis: primeiro, a preliminar citação do deve- do-juiz, dos elementos-informações necessários à consecução dos
dor; segundo, a localização de patrimônio de possível expropria- atos executivos indispensáveis ao aperfeiçoamento da respectiva
1 ção. À falta de uma e/ ou outra de tais condições, frustrada res- tutela (citação/penhora).
tará a outorga da tutela executiva (intercorrente), ficando preju-
Outra conclusão: prescrição intercorrente é causa de
dicada, ademais, a produção do ato finalizador do processo (sen-
extinção da obrigação tributária cuja decretação se põe desde
tença chancelando a satisfação do credor). Aí está, precisamen-
sempre viável independentemente de provocação do interes-
te, a base lógica da ideia de prescrição intercorrente: no plano
sado. Submete-se, usando outro falar, ao mesmíssimo regime
das execuções, o Estado-juiz tem que ser provocado no prazo
aplicável à prescrição propriamente dita (do quê tratamos no
por lei estabelecido (prescrição propriamente dita); mas não só:
item imediatamente anterior, de número 9.3.1.4.).
em tal plano, as condições necessárias à outorga da correlata 1

214. PAULO CESAR CONRADO PROCESSO TRIBUTÁRIO • 215

Não obstante isso, em sua atual dicção, a Lei nº 6.830/80, 1


A tal objeção, outras duas, todavia, poderiam ser postas,
contempla específica solução para as situações de "travamento" consequência, em última razão, do quanto já exposto nos itens
do ciclo processual em virtude da não localização do devedor precedentes: em primeiro lugar, relembre-se, prescrição
e/ ou de bens susceptíveis de penhora. intercorrente é fenômeno que transcende a literalidade do di-
Nesse sentido, o seu art. 40 e parágrafos, inclusive o 4º, reito positivo; em segundo, sua decretação, quando o tema de
introduzido pela Lei nº 11.051/2004: fundo é de caráter tributário, é perfeitamente possível indepen-
dentemente de provocação.
1
':Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for l
Todavia, ainda que desprezadas fossem tais premissas, ne-
localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair
cessário convir que a norma trazida pela indigitada Lei nº i'1
a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
11.051/2004, por não disciplinar o fenômeno da prescrição,
§ J ~ Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao tampouco sua forma intercorrente, não se vê dotada de caráter
representante judicial da Fazenda Pública. material, senão de foros processuais: sua função vinculada esta-
ria, nesses termos, à explicitação do regime (processual) de de-
§ r Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja cretação a que se submete o referido fenômeno (da prescrição
localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz
intercorrente)- conclusão que ao mesmo tempo que repele qual-
1 ordenará o arquivamento dos autos.
quer discussão sobre a necessidade de veiculação do tema por lei
§3 ~ Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, complementar, autoriza a imediata aplicação da norma a todos
serãn desarquivados os autos para prosseguimento da execução. os casos que em seu arquétipo se encaixam.
1
§ 4~ Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o Não fosse assim, aliás, algo de "surreal" ocorreria. Tome-se,
1
prazo prescricional, ojuiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, deveras, as seguintes premissas:
poderá, de oficio, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-
-la de imediato." (i) não localizado o executado de um dado processo, dei-
xa-se de o citar, não se operando, por consequência,
Ao que se vê, o quadro normativo pertinente às execuções sua integração à relação processual;
fiscais só faz corroborar o quanto alhures se fixou: de um lado, (ii) paralisado, sem qualquer pronunciamento do res-
proclama a figura da prescrição intercorrente; de outro, reafirma pectivo exequente, fica tal processo de execução
a sua submissão ao regime de decretação ex officio. suspenso por tempo superior ao prazo de prescri-
A par disso, possível seria objetar, dizendo-se que a deàe- ção legalmente estipulado, operando-se, com isso
tabilidade ex officio da prescrição intercorrente só se mostra- e em tese, a noção de prescrição intercorrente.
ria viável a partir da vigência da lei que a introduziu no sis-
tema, pena de se atribuir, fazendo-se doutra forma , indese- Uma única inferência, vistas tais premissas, seria possível:
jável retro-operatividade a tal preceito (o novo parágrafo 4º entender a prescrição intercorrente como causa de extinção
do art. 40). "decretável", para casos anteriores à Lei nº 11.051/2004, ape-
1

216 ■ PAULO CESAR CONRADO PROCESSO TRIBUTÁRIO ■ 217

nas por provocação do interessado seria o mesmo que negar


9.3.2.1. PROCESSOS PREVENTIVOS
sua existência (da prescrição intercorrente) antes do advento
de tal lei - se, em situações que tais, o que implica a suspen-
são do processo (causa remota de geração da noção de pres-
9 ,3.2. 1.1. "AÇÃO" DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO
crição intercorrente) é a não localização do executado, exigir-
JURÍDICO-TRIBUTÁRIA
se a prática de ato provocação seria o mesmo que exigir o
factual-mente inexigível; seria, por outra, como que dizer: a
prescrição intercorrente só pode ser decretada se um certo
9.3.2.1.1.1. CONCEPÇÃO USUAL
sujeito que não está no processo a alegar, sendo inexorável
que, justamente por ali não estar referido sujeito, iniciado res- Por "ação" declaratória entende-se, via de regra, aquela em
tou o "processo" ensejador da prescrição intercorrente! que o pedido do autor gira em torno exclusivamente da elimina-
Talvez por isso mesmo tenha o indigitado diploma ção de afirmada ince1teza quanto à (in)existência de um vínculo
normativo estabelecido, quando da introdução do. novo pará- jurídico, buscando-se, por isso mesmo, a declaração (daí o nome
grafo 4 º, a necessidade, para fins de decretação ex officio da da própria categoria) de que ele (vínculo) existe ou não (tudo
l prescrição intercorrente, de prévia ouvida do exequente, nun- conforme o pedido do autor).
ca do próprio executado: toma em conta o legislador, nesse Especificamente as declaratórias de inexistência de relação
particular, a óbvia premissa de que, mesmo não sendo univer- jurídico-tributária não fugiriam, em tese, desse padrão razão
sais, casos há em que a origem última da prescrição intercor- pela qual poderíamos afirmar, fortes na óptica convencional, que
1
rente diz com a não-localização (e consequente não integração tais "ações" visariam à obtenção de provimento (sentença) que
1 ao processo) do executado. reconhecesse inexistente uma certa obrigação tributária 125 •
1
1

9.3.2. PROCESSO JUDICIAL ANTIEXACIONAL 9.3.2.1.1.2. RECONS1RUINDO O CONCEITO DE "AÇÃO" DECLARATÓRIA


DE INEXIS'ItNCIADE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA
Em raciocínio oposto ao que desenvolvemos na abertura do
item 9.3.1., registramos, aqui, que a categorização de um dado Tomada em consideração a circunstância de a obrigação tri-
processo como antiexacional depende da constatação de que o butária ser constituída mediante a edição de específica nor-
respectivo agente provocativo é o contribuinte: antiexadonal ma individual e concreta (lançamento ou "autolançamento"), cum-
é, pois, o processo tributário que, instaurado pelo contribuinte pre aceitar que a sentença a ser editada na decantada "ação"
(sujeito passivo da obrigação tributária), tende a obstar, de al-
gum modo, o desenvolvimento do ciclo de positivação do di-
reito tributário, ora preventiva, ora repressivamente. 125 "A ação requerendo provimento declaratório em matéria tributária tem cabi-
mento quando presente estado de incerteza em relação ao contribuinte por
força de exigência fiscal" (Cleide Previtalli Cais, O processo tributário, p. 372).

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