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Os Membros da Igreja

Em íntima conexão com o assunto dos sinais e marcas da igreja está a pergunta:
Quais são as qualificações que dão direito de admissão no grupo cristão?

Em outras palavras: Quem tem o direito à posição e aos privilégios de membro da


igreja?

É a esse assunto que agora dirigiremos a nossa atenção.

Ao entrarmos na discussão dessa questão, faz-se necessário manter presente a


importante distinção a que tão frequentemente nos referimos, entre a igreja invisível
e a visível.

Aquilo que se faz necessário para tornar um indivíduo um membro da igreja invisível
é algo muito diferente daquilo que é necessário para constituir alguém como membro
da igreja visível de Cristo.

Vamos, em primeiro lugar, considerar a seguinte pergunta: O que é necessário para


que alguém se torne membro da igreja invisível?

I. Ora, ao respondermos a pergunta: Quem é e quem não é membro da igreja


invisível de Cristo? —

tudo o que se faz necessário é manter claramente em vista a verdadeira natureza e


a real característica dessa associação.

As Escrituras nos asseguram que há uma igreja que é a santa Noiva de Cristo, unida
a ele por um pacto eterno —

uma associação que ele chama de seu corpo espiritual, do qual ele é o Cabeça
exaltado —
uma comunidade descrita como “templo do Espírito Santo”, cujos membros são
“pedras vivas e espirituais” usadas na sua construção.

Marcas e privilégios como esses não pertencem a nenhum grupo visível ou exterior,
cujos traços podem ser descobertos e cujas características podem ser lidas pelos
homens.

Nessas declarações das Escrituras, reconhecemos a igreja invisível de Cristo,


conhecida unicamente por ele, e cujos membros estão incluídos nos laços da sua

graça eletiva.

A Confissão de Fé diz assim: “A igreja católica e universal, que é invisível, consiste


no número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão
reunidos em um só corpo, sob Cristo, seu Cabeça”.(70)

Ela não está restrita a uma época apenas, nem a um só lugar, mas envolve todos os
eleitos de todos os tempos e de todos os lugares, sem distinção e sem exceção.

Na história passada, ela abrangeu todos aqueles que desde o princípio foram
escolhidos para a salvação,

e foram efetivamente chamados pelo Espírito; e na história futura abrange todos


aqueles que, até que a dispensação da graça chegue ao final, sejam contados com
os que são adotados na casa e família de Cristo.

No céu está uma multidão que homem nenhum pode contar, daqueles que já foram
redimidos da terra; e neste mundo há outra multidão, unida à família no céu, tanto dos
que já são crentes como daqueles que ainda haverão de crer para a vida eterna.

Em suma, a igreja invisível consiste na totalidade dos eleitos;


e as condições para tornar-se membro da igreja invisível são possuir um lugar e um
nome dentro dos laços e privilégios do pacto eterno.

Quando definimos os membros da igreja invisível de Cristo como o grupo todo dos
eleitos em todos os lugares e em todos os tempos, deparamo-nos com as
contestações da igreja papista.

Há considerável diferença de opinião, pelo menos à primeira vista, entre romanistas


mais antigos e romanistas mais recentes, com respeito a esse assunto.

Em tempos mais antigos, os polemistas católicos costumavam negar totalmente a


existência de uma igreja invisível, e afirmavam que a associação cristã devia ser única
e exclusivamente considerada como um reino exterior e visível.(71)

E como consequência necessária dessa afirmação, seguia-se que as condições para


tornar-se membro não se concentravam no pacto da graça, mas na união exterior a
uma igreja visível.

Os romanistas de antigamente respondiam à pergunta: “O que é necessário para


admitir alguém na igreja cristã?” com esta resposta simples: “Uma declaração de
submissão à Santa Sé”.(72)

Mais recentemente, a negação de uma igreja invisível, de existência corporativa e


privilégios, tem sido deixada de lado como insustentável;

e as opiniões extremistas de Bossuet e outros polemistas católicos têm sido, em


grande parte, modificadas por seus sucessores.
Perrone, o atual Professor de Teologia da Faculdade Jesuíta em Roma, admite de
certo modo a dupla característica da igreja como invisível e visível, mas nega que a
igreja invisível seja composta pelos eleitos, e por eles somente.

Há uma dupla diferença a esse respeito entre a sua maneira de ver e os princípios
que já foram apresentados.

Em primeiro lugar, ele nega que a igreja invisível seja formada de todos os
eleitos, e afirma que alguns deles ainda não obedeceram ao chamamento exterior
da igreja, e não se encontram na sua comunhão visível,

embora sejam contados com os eleitos de Deus, não podem ser reconhecidos como
membros da igreja invisível;

e, em segundo lugar, ele nega que a igreja invisível seja constituída unicamente
pelos eleitos,

asseverando que mesmo aqueles que receberam graça por meio das ordenanças e
da comunhão da igreja, mesmo que depois tenham se desviado e se tornado
réprobos, devem ser, mesmo assim, contados como membros verdadeiros da igreja
invisível de Cristo.(73)

Em ambas as considerações em que os romanistas diferem da doutrina aceita pelos


protestantes com respeito aos membros da igreja invisível não é difícil rastrear a ideia
prevalente e predominante que dirige todo o sistema papista

— ou seja, a necessidade e virtude da graça exterior comunicada pela igreja, em


lugar do chamado e da eleição de Deus.
Vemos isso na sua negação do nome e direito de membros da igreja invisível àqueles
que foram eleitos e escolhidos por Deus,

mas que, não sendo ainda convertidos, ainda não se uniram à igreja visível na terra,
nem se tornaram ainda participantes de suas ordenanças exteriores.

Vemos isso, da mesma forma, na atribuição do título e direito de membros da igreja


invisível aos que não foram escolhidos e eleitos por Deus, mas que apenas se juntam
à igreja visível, e participam da sua graça exterior,

não importando se mais tarde se desviam, e provam que na verdade são réprobos.

Em ambos os casos é a graça sendo concedida ou negada pela igreja ao pecador


que lhe confere ou nega o título de membro da igreja invisível de Cristo,

em lugar do propósito e da eleição de Deus, chamando-o para a adoção e para os


privilégios de filho.

No primeiro caso, embora realmente escolhido e eleito por Deus para a salvação, o
indivíduo não é membro da igreja invisível porque ainda não participa da graça que a
igreja na terra confere.

No outro caso, embora reprovado e rejeitado por Deus,o indivíduo é membro da igreja
invisível, porque foi privilegiado em receber da igreja na terra a graça que ela concede
a todos os que com ela mantêm comunhão exterior.
Esses princípios, se não conduzem a uma clara negação total da existência de uma
igreja invisível, como acontecia no caso dos romanistas mais antigos, na prática a
substituem, ou a fazem inteiramente subordinada e dependente da igreja visível.

Pertencer à igreja invisível não é um direito que precisa ser concretizado nem
confirmado por meio da graça concedida por uma associação visível; as condições
para fazer parte da igreja invisível têm uma origem mais elevada.

Esse direito é conferido por Deus por meio da eleição. A igreja invisível é constituída
de todos os eleitos de todos os tempos, que foram escolhidos por Deus para a
salvação em Jesus Cristo.(74)

II. Mas vamos agora concentrar-nos na seguinte pergunta: O que é necessário


para fazer de um indivíduo um membro da igreja visível de Cristo?

Para responder a essa segunda pergunta, precisamos apenas manter em mente a


real natureza da igreja visível, contrastando-a com a invisível.

A igreja visível é formada de todo o grupo, não dos eleitos, mas dos cristãos
professos, espalhados pelo mundo todo.

A profissão da fé verdadeira é o que constitui a essência da igreja visível,


diferenciando-a de todos os outros grupos,

e fazendo dela a igreja de Cristo; e aquilo que constitui a marca da igreja visível,
considerada como um grupo separado,

também é a marca de cada membro da igreja, considerado individualmente.


A profissão da fé verdadeira, assim como constitui uma igreja cristã, também é o
elemento único que faz de um indivíduo um membro da igreja, dando-lhe direito aos
seus privilégios, e um lugar em sua comunhão.

Uma profissão visível de fé no Evangelho — compreendendo-se pela palavra


profissão não apenas a confissão dos lábios,

mas também uma vida e conduta correspondentes — é a única qualificação


necessária para fazer de um indivíduo um membro da igreja visível de Cristo.(75)

Agora, o princípio que acabamos de enunciar opõe-se à opinião dos romanistas, por
um lado, e à opinião dos independentes,

por outro; e contrastar esse princípio com as doutrinas desses dois partidos, em
sequência, talvez sirva para ilustrar tanto a sua importância quanto a sua veracidade.

Eu já disse que, para dar a um indivíduo o direito de pertencer à igreja visível, é


preciso que ele sustente uma profissão cristã visível, seguida e abonada por uma vida
e conduta correspondentes.

Agora, os independentes alegam que isso é insuficiente, ao passo que os romanistas


dizem que é algo desnecessário para fazer de um indivíduo um membro da igreja
visível.

Vamos, em primeiro lugar, concentrar-nos nos princípios que a Igreja Católica


apresenta a respeito desse assunto.

1.º) Já tive oportunidade de comentar que o princípio predominante do sistema


católico, em referência à igreja, é a colocação de uma autoridade exterior e da graça
das ordenanças exteriores em lugar de qualquer influência espiritual ou interior no
coração, e a subordinação da verdade de Cristo à igreja visível.
Com essa ideia dominante, não é de admirar que os católicos façam da conformidade
com a autoridade visível da igreja e das ordenanças o único critério para tornar-se
membro da comunidade cristã,

inteiramente à parte de uma profissão inteligente da verdade, e de uma conduta


exterior que esteja de acordo com essa profissão.

A virtude da submissão à autoridade da igreja visível, e a graça comunicada por suas


ordenanças externas são suficientes por si mesmas para tornar um indivíduo em
membro da comunidade cristã,

independentemente de uma profissão voluntária de fé e de uma conduta


correspondente.

Isso seria verdadeiro, se também fosse verdadeiro que a profissão da fé verdadeira


não é a marca essencial de uma igreja cristã; ou se a sua característica fosse
primariamente ser uma instituição exterior para a comunicação da graça sacramental.

Mas se, por outro lado, a essência de uma igreja cristã é professar a fé em Cristo,
também se torna um requisito necessário, da parte do membro da igreja, fazer a
mesma profissão de fé; e, além disso, que a sua conduta e caráter não tornem sem
valor nem anulem essa profissão.

A mera submissão intelectual aos preceitos da igreja nos assuntos de fé, e a sujeição
formal do homem exterior às suas ordenanças não são substitutos apropriados para
a consciente profissão de fé em Cristo,

e a conformidade voluntária da vida a essa profissão, as quais constituem as


verdadeiras qualificações para pertencer à comunidade cristã.
Receber da igreja a verdade em que se deve crer, e a profissão que se deve fazer é
o exato oposto de trazer à igreja o testemunho da verdade já anteriormente crida e
professada.

Submeter cega e mecanicamente nossa conduta exterior à autoridade da igreja é o

exato oposto da obediência voluntária e consciente que abona e confirma a fé ou


profissão declarada.

A teoria papista a respeito dos membros da igreja inverte a relação que a comunidade
cristã e os membros dessa comunidade mantêm entre si.

Um membro da comunidade cristã não deve receber da igreja a profissão da sua fé,
mas deve dar essa profissão à igreja, como testemunho voluntário da sua parte, da
sua característica como a verdadeira igreja de Cristo.

Ele não deve receber da igreja as regras a que deve obedecer, mas deve trazer à
igreja a sua obediência, como garantia e evidência de que é sincera a sua profissão
de fé.

Se julgarmos pelo padrão das Escrituras, uma mera conformidade exterior à


autoridade da igreja, e uma submissão cega a ordenanças não podem nunca conferir
a um indivíduo o lugar ou os privilégios de membro de uma comunidade cristã.

2.º) Mas vamos considerar agora os princípios dos independentes, tal como ensinam
a respeito dos membros da igreja cristã.

Eu já disse que os independentes consideram as qualificações já apresentadas como


insuficientes para permitir que um indivíduo seja chamado de membro da igreja visível
de Cristo.
Eles exigem algo mais do que isso.

Sustentam que o único fundamento para admitir um indivíduo na comunidade cristã


é uma evidência clara e confiável de que ele é um crente verdadeiro e que está
salvificamente unido a Cristo —

consideram que a única base ou condição para tornar-se membro da igreja é a obra
da graça operada em sua alma.(76)

A diferença entre os princípios dos independentes, por um lado, e os dos


presbiterianos, por outro, é ampla e fundamental.

Para os independentes, uma fé salvífica em Cristo é a única exigência para ser


admitido na comunidade cristã;

e o candidato à admissão é obrigado a apresentar evidência digna de confiança para


provar que esse direito lhe pertence,

e que foi efetivamente chamado à salvação por meio da fé que está em Cristo Jesus.

Já os presbiterianos, por outro lado, exigem uma profissão de fé consciente no


Evangelho para receber alguém como membro da igreja;

e do candidato à admissão se exige apenas que mostre que sua conduta e vida estão
de acordo com a sua profissão e que a abonam.

Vamos tentar, de forma breve, relacionar os princípios bíblicos a esses diferentes


sistemas.
Em primeiro lugar, o sistema independente de membresia de igreja se
fundamenta numa negação da diferença existente entre a igreja invisível e a
igreja visível de Cristo.

Reconhecemos que a exigência para ser admitido na igreja, quando considerada


como igreja invisível de Cristo, é uma fé verdadeira e salvífica nele; e que ninguém
pode tornar-se verdadeiro membro dessa comunidade se não possuir essa fé.

Com respeito a isso não pode haver dúvida alguma.

Uma simples profissão de fé exterior, por mais digna de confiança que seja em si
mesma, e por mais que seja fortemente confirmada por um proceder e uma conduta
exteriores,

não pode nunca, como profissão exterior e nada mais, conceder o direito aos
privilégios, ou um lugar entre os que são contados entre os eleitos de Deus.

E se não houvesse nenhum outro aspecto pelo qual a igreja fosse mencionada ou
reconhecida nas Escrituras, não teríamos permissão de dizer que os seus membros
são tão-somente os verdadeiros crentes.

Mas temos visto que há diversas declarações nas Escrituras que não se harmonizam
com a noção de que existe somente uma igreja invisível,

e que parecem requerer que admitamos a existência de outra igreja, ou melhor, a


mesma igreja sob um segundo aspecto, e que possui características e uma
membresia totalmente diferentes da primeira.

Não é apenas que a igreja invisível seja composta de uma quantidade de indivíduos
cuja profissão exterior como cristãos seja visível publicamente.
Parece haver boas bases nas Escrituras para afirmar que a igreja, como associação
visível, tem uma existência e características coletivas, e que nessas características
possui certos privilégios e certos membros, distintos daqueles que pertencem a ela
como comunidade invisível.

Ninguém pode negar que Cristo fez alguma provisão de ordenanças exteriores para
beneficiar a sua igreja;

e com não menos clareza vemos apresentado nas Escrituras que os homens são
convidados e autorizados a fazer uso dessa provisão exterior,

e que certos benefícios e privilégios, diferentes dos benefícios e privilégios do tipo


salvífico, são decorrentes da sua obediência a esse convite.

A igreja de Cristo encontra-se revelada diante dos olhos dos homens, expressa num
sistema visível de administração, ordenanças e disciplina;

e os homens são chamados a entrar nessa igreja e recebem a promessa de que, se


assim o fizerem, gozarão de certos benefícios exteriores, distintos de quaisquer
benefícios salvíficos nessa comunidade eclesiástica.

Na minha opinião, não é muito fácil negar que seja essa a conclusão a que chegamos
quando examinamos as Escrituras.

E se é assim, qual é a conclusão a que somos conduzidos?


Já entendemos claramente que existe uma associação visível, caracterizada como
um grupo coletivo por meio de privilégios e promessas, pertencentes aos seus
membros,

não como indivíduos, mas como membros da comunidade; e temos esses privilégios
e promessas completamente à parte das outras bênçãos salvíficas, conferidas à igreja
por Cristo, o seu Cabeça.

Em outras palavras, temos uma igreja visível, que se encontra num relacionamento

exterior com Cristo — distinto do relacionamento interior e espiritual em que se


encontra com ele a igreja invisível —

e que é formada de membros que obedecem ao seu chamado exterior, que fazem
parte de uma comunidade eclesiástica, e em troca recebem privilégios exteriores, e o
cumprimento de promessas exteriores da parte dele.

Qualquer que seja o nome que lhe demos, esse relacionamento exterior com Cristo
é, para todos os fins e intenções, um pacto federal.

Há duas características distintivas num pacto — ou seja, primeiro, a imposição de


certas condições exteriores; e, em segundo lugar, certas promessas exteriores que
se incorporam ao cumprimento dessas condições.(77)

Em segundo lugar, os princípios dos independentes parecem contrários à


analogia de todas as revelações de Deus aos homens.

Na história dos pactos anteriores firmados por Deus parece sempre existir o princípio
de uma vida exterior e uma vida interior.
É como se houvesse dois pactos, um dentro do outro — o exterior e, por assim dizer,
carnal, e o outro interior e espiritual; e o exterior é projetado e designado a conduzir
ao interior. Assim foi com o pacto estabelecido com Noé.

Esse pacto apresentava a sua forma exterior e a sua forma interior, a sua
característica ou aspecto mais carnal e a característica ou aspecto mais espiritual.

Havia o pacto exterior feito com Noé e com toda a sua posteridade, sem exceção, por
meio do qual Deus prometeu que o mundo criado nunca mais seria destruído,

e que haveria sempre sementeira e ceifa, verão e inverno, dia e noite;

e havia o pacto interior ou a promessa da graça dada ao povo peculiar de Deus,


concedido na base do sacrifício de suave cheiro, que ele aceitou como tipo e penhor
de um sacrifício melhor que estava para vir.

No âmago do pacto exterior, que prometia clemência e longanimidade a todos os


homens, jazia oculta a promessa da graça para a igreja de Deus;

e a clemência e a longanimidade asseguradas pelo pacto exterior haviam sido


determinadas para conduzir os homens à graça prometida pelo pacto interior.

Assim foi também no caso do pacto com Abraão.

Havia a promessa exterior da terra de Canaã, e o acesso aos benefícios dessa


promessa por meio do rito exterior da circuncisão;
e ali estava a promessa espiritual, inserida na outra, de um descanso mais alto, e
“uma pátria melhor, ou seja, uma pátria celestial”;

e o acesso a essa promessa se dava não pela circuncisão da carne, mas pela fé no
coração.

Nesse caso, também, o pacto exterior tinha como propósito conduzir aqueles que dele
participavam aos benefícios salvíficos do pacto interior e espiritual.

Assim aconteceu no caso do pacto com Israel no passado.

Aqui, igualmente, havia um pacto exterior e um pacto interior.

Havia um pacto exterior feito com Israel segundo a carne, envolvendo muitos
benefícios e privilégios temporais;

mas havia um pacto interior feito com Israel segundo o espírito, englobado e rodeado
pelo primeiro, e que continha a promessa de bênçãos espirituais para o verdadeiro
Israel de Deus.

E aqui, de igual forma, o pacto exterior foi feito inferior e subserviente ao interior, e
destinado a conduzir os homens do pacto exterior para o pacto interior.

Há um íntimo paralelismo com respeito a essas antigas revelações de Deus, e essa


sob a qual nos encontramos hoje.
Temos, hoje,assim como sempre aconteceu em tempos anteriores, um pacto exterior
e um pacto interior — um englobado e rodeado pelo outro.

Temos, agora, uma igreja exterior e visível, caracterizada, assim como antigamente,
por uma administração exterior, e contando entre os seus membros aqueles que
foram admitidos mediante uma profissão exterior.

Mas, envolta nessa igreja exterior, e rodeada por ela, encontramos a igreja invisível
e espiritual, caracterizada pela promessa, não de bênçãos exteriores,

mas de interiores, e que conta entre os seus membros apenas aqueles que estão
espiritualmente unidos ao Salvador.

E precisamente como nos casos anteriores, essa igreja exterior está subordinada e é
subserviente aos interesses da igreja interior,

E e destina a guiar e sugerir que os seus membros avancem até que cheguem às
bênçãos da igreja espiritual que está no meio dela.

À vista do que foi apresentado, não é razoável dizer que, se não existisse uma igreja
visível, como alegam os independentes, com todas as suas provisões e ordenanças
exteriores,

e seus membros englobando a igreja invisível e espiritual, não negaria isso a analogia
de todas as revelações anteriores de Deus para com os homens, e não inverteria os
princípios anteriormente estabelecidos na sua maneira de agir com eles?

Nas doutrinas de uma igreja visível e uma invisível simplesmente vemos a


concretização, no presente, dos princípios estabelecidos em toda a maneira de agir
anterior de Deus.(78)
Em terceiro lugar, parece-nos haver muito mais do que uma mera analogia para
extrairmos das Escrituras em favor de uma igreja visível, formada de cristãos
professos ou exteriores, e não exclusivamente de crentes verdadeiros.

A clara descrição da igreja visível que com frequência nos é fornecida nas Escrituras
parece ser totalmente inconsistente com a ideia de uma comunidade cujas condições
de membresia são uma fé verdadeira e uma associação salvífica com Cristo.

Não é necessário repassar minuciosamente as numerosas passagens bíblicas,


suficientemente familiares a todos, em que essa ideia parece ser claramente negada
e contestada.

O reino de Deus, ou a igreja visível, é comparado ora a um campo, onde tanto o joio
como o trigo crescem juntos; ora a uma rede lançada ao mar, que apanha e traz para
a praia tanto peixes bons como ruins; em outra ocasião,

é comparado a uma casa em que há vasos, uns para honra, e outros para desonra;
numa quarta comparação, o reino de Deus assemelha-se a uma ceia de casamento,
onde há convidados sem a vestimenta nupcial;

e noutra ocasião é comparado a um aprisco em que se encontra um rebanho misto


de ovelhas e cabritos.

Essa é, conforme as Escrituras descrevem, a condição da igreja visível de Cristo


neste mundo, constituída dos crentes verdadeiros e dos nominais, dos cristãos
verdadeiros e dos hipócritas, dos eleitos e dos réprobos.

De nada adianta alegar, como gostam de fazer os defensores dos pontos de vistas
dos independentes,

que essas descrições indicam meramente a presente situação da igreja na terra,


em consequência da debilidade ou da indulgência daqueles que são responsáveis
pelo recebimento ou pela exclusão dos candidatos à admissão, e que ela de forma
alguma representa aquilo que a igreja deveria ser ou que tem a obrigação de ser.(79)

Como que antecipando e conhecendo de antemão esse tipo de argumento, nosso


Senhor, na parábola do joio e do trigo, declara abertamente que é a sua vontade que
os seus servos não tentem fazer separação entre os justos e os ímpios, entre o joio
e o trigo,

mesmo que saibam fazer a distinção entre eles, mas que os deixem crescer juntos
até a colheita; ele expõe a razão dessa ordem explicando que há o perigo de, ao
arrancar joio, arrancar também com ele o trigo.

Acho que não há como apresentar uma resposta mais clara e explícita à objeção dos
independentes,

que essas descrições referentes à igreja como ela é, e não à igreja como ela deveria
ser; e parece não haver mais razão para duvidar de que,

com respeito à comunidade cristã na terra, não é nem possível, nem foi determinado
que ela fosse uma comunidade construída sobre o princípio da exclusão, de entre os
seus membros, de todos os indivíduos exceto os regenerados.

A igreja visível não pode jamais ser completamente, ou em todas as suas partes,
idêntica, neste mundo, à igreja invisível; nem podem os seus membros jamais ser
restritos apenas aos eleitos.

Em quarto lugar, os princípios dos independentes com respeito à membresia


da igreja parecem transferir para a igreja cristã a responsabilidade da admissão
ou da não admissão dos interessados, partindo de uma base em que ela seja
competente para exercer essa função, para uma base em que ela não tem
competência para exercê-la.
Se as condições para a membresia da igreja são uma profissão religiosa visível, e um
correspondente caráter e conduta que a comprovem,

não deve haver grande dificuldade de julgar a respeito desse tipo de evidência, não
sendo necessário mais do que uma inteligência normal e um desejo sincero pela
pureza da casa de Deus por parte daqueles que devem avaliar essas condições
exigidas.

Consequentemente, há uma regra específica à qual recorrer, como um conhecimento


adequado para capacitar os ministros da comunidade cristã a julgar nesse assunto.

Eles têm autoridade para julgar a profissão exterior e a conduta exterior do candidato
à membresia da igreja; e tendo autoridade, são responsáveis pelo correto exercício
dela.

Mas quando o julgamento se transfere da profissão exterior e do caráter do candidato


para a sua convicção interior e sua experiência —

quando, em vez de serem chamados para determinar a credibilidade daquilo que se


pode ver e que pode ser conhecido a respeito do homem exterior,

os ministros da igreja recebem ordem de decidir sobre a realidade daquilo que não
se pode ver e que não pode ser conhecido com certeza no homem interior —

torna-se claro que lhes foi atribuída uma tarefa para a execução da qual são
inteiramente incompetentes e desqualificados.
Eles não têm como ser testemunhas da obra secreta de Deus operada na alma de
um irmão; não têm conhecimento da realidade da misteriosa operação por meio da
qual pode ter-lhe sido manifesto,

a ele e a ninguém mais além dele, que passou das trevas para a luz; não têm como
conseguir evidências suficientes para guiá-los numa expressão séria de julgamento
a respeito do estado de graça, ou o contrário, de um candidato à membresia da igreja.

O conhecimento e a evidência de uma experiência de salvação dessas precisa situar-


se, pela própria natureza do caso, unicamente entre Deus e o indivíduo com quem
Deus graciosamente lidou; e são um conhecimento e evidência que ninguém mais
pode entender ou receber.

O próprio indivíduo, cuja experiência é que Deus operou em sua alma a obra de
convicção e conversão, pode possuir o conhecimento, e deve arcar com a
responsabilidade envolvida nessa obra.

Um estranho não pode ter participação nessa obra, nem tem condições de assumir a
responsabilidade do outro.

E se, na admissão à membresia da igreja, se requer uma clara evidência de um


estado de graça da parte da pessoa que se está admitindo, a decisão a respeito da
questão envolve uma responsabilidade que os ministros da igreja não podem assumir,

porque eles não têm o conhecimento necessário para isso, e porque isto envolve uma
responsabilidade que a pessoa mesma não pode transferir para eles, uma vez que
ela não pode passar adiante tal conhecimento.

A capacidade de enxergar o coração, e julgar seu estado espiritual, é uma capacidade


que Deus afirma pertencer somente a ele mesmo;
e o homem, embora queira transferir esse tipo de julgamento a outro membro da raça
humana, não tem autoridade para fazê-lo.

Quando julgam as evidências e tentam arvorar-se em juízes do estado espiritual dos


outros, como se vissem como Deus vê, os homens estão assumindo uma atribuição
que não lhes é permitida.

Ao estabelecer um inquérito espiritual para julgar esse tipo de assunto, estão


instalando um tribunal cujas investigações não têm conhecimento para dirigir, e cujas
decisões não receberam autoridade para pronunciar.

Não é o julgamento da caridade, por falta de conhecimento mais amplo, declarado a


respeito do estado espiritual de qualquer indivíduo, que deve constituir a razão da sua
admissão como membro da igreja;

mas é o julgamento da justiça, com conhecimento adequado, declarado com base na


sua profissão visível e na sua conduta exterior.

O julgamento da sua situação espiritual pertence unicamente a Deus, e pode


constituir a razão da sua admissão entre os membros da igreja invisível.

O julgamento da sua profissão exterior pertence ao homem, e deve constituir a única


base para a sua admissão ou exclusão como membro da igreja visível.(80)

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