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2º ano, Turma A

Patrícia Carneiro da Silva

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I


TOMO VIII, SEGUNDO SEMESTRE - Professor Doutor António Menezes Cordeiro

Capítulo 14 – A Responsabilidade Civil


Sistema geral e coordenadas históricas
A responsabilidade civil é, como resultado da disposição do Código Civil, fonte de
obrigações. A mesma divide-se em responsabilidade contractual ou obrigacional – art
798º CC – e em responsabilidade aquiliana ou extracontractual – art 483º CC. Neste
último caso não há, como há na responsabilidade obrigacional, uma situação de
incumprimento do devedor. Há, sim, um dano que afecta um terceiro e pelo qual
alguém tem de ser responsabilizado.
A responsabilidade civil decorre do Direito Romano, altura na qual se falava em pessoas
que não cumpriam obrigações e, diferentemente, em pessoas que geravam danos
perante terceiros com o seu comportamento. Apesar de já aqui estarem as bases para
os dois polos acima referidos, essa distinção não era ainda clara. Os pressupostos da
responsabilidade civil viriam a ser influenciados pelo Direito Romano e pelo Direito
Canónico, do qual decorre a noção de culpa – juízo individual de censura. Havia então
apenas um pressuposto – a culpa de quem gerou o dano.
Na Europa, a primeira tentativa de codificação foi tomada pela França, onde se
desenvolveu o conceito de faute – situação censurável de regras jurídicas. Até aqui,
então, apenas se fala em pressupostos unitários de responsabilidade civil. Tal muda na
Alemanha, onde Jhering determina que para haver lugar a responsabilidade civil têm
de se verificar dois pressupostos – a violação de uma norma jurídica (ilicitude) e a
existência de culpa. Há, então, um sistema dualista.
Em Portugal, começamos por adoptar a ideia de que, para que haja espaço para a
responsabilidade civil, tem de haver culpa. Guilherme Moreira, depois, vem aproximar-
nos do sistema alemão, dizendo que também tem de haver ilicitude (apenas se
referindo aqui ao sistema de responsabilidade aquiliana). Em sede de jurisprudência,
verifica-se que facilmente se declara a responsabilidade obrigacional – para esta existir
basta que haja a violação de uma obrigação – mas que, para se decidir pela
responsabilidade aquiliana, é necessário que sejam verificados todos os pressupostos.
Tal justifica-se desde logo pela ideia de que, na responsabilidade aquiliana, está em
causa a liberdade das pessoas.
Do art 799º CC resulta a presunção de culpa do devedor. O Professor Menezes Cordeiro
diz-nos que o nosso sistema é um sistema híbrido – junta a responsabilidade aquiliana
decorrente do sistema alemão (para a qual se exige culpa e ilicitude – sistema dualista)
e a responsabilidade contractual, decorrente do sistema de faute francês (conceito que
engloba em si as noções de culpa e ilicitude – sistema monista).
Como resultado da aplicação do instituto da responsabilidade civil, tem-se a obrigação
de indemnizar – obrigação de retirar o dano. Esta técnica de indemnização pode, no
entanto, ser usada para lá da responsabilidade civil (falamos de situações de
responsabilidade objectiva, p.e. acidentes de trabalho – a entidade empregadora é
responsável, mesmo que não tenha culpa. Neste caso, há lugar a indemnização, por

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razões distintas da culpa e da ilicitude. Através da responsabilidade civil, leva-se a cabo


uma função reparadora, uma vez que se pretende reparar o dano sofrido.

delitual/aquiliana - resulta de um delito


Responsabilidade obrigacional

pelo risco - tem base numa ocorrência à


responsabilidade extraobrigacional qual a lei associa responsabilidade

pelo sacrifício

Secção V – Dogmática geral


Responsabilidades aquiliana e obrigacional
A contraposição entre responsabilidade obrigacional e responsabilidade aquiliana
remonta à Lei das XII Tábuas, do Direito Romano.

OBRIGACIONAL AQUILIANA
Decorre da violação de um dever específico Decorre da violação de um dever genérico
Há presunção de culpa 1 Não há presunção de culpa
Há diferenças no plano do Direito processual civil e do Direito internacional privado
Prazo prescricional de 20 anos Prazo prescricional de 3 anos
Devedor é responsável pelos actos dos seus Vigora uma responsabilidade mais reduzida – a
representantes legais do comitente
Vigoram as regras comuns das obrigações
A regra básica é a da solidariedade
plurais (ou seja, a parciariedade)
É completada por deveres acessórios É complementada por deveres de tráfego
Há uma regra geral de imputabilidade, que
Funcionam as regras comuns da capacidade de apenas se extingue quando estamos perante
exercício e do suprimento das incapacidades crianças com menos de sete anos ou interditos
por anomalia psíquica
Havendo mera culpa (situações de negligência),
O devedor é sempre plenamente obrigado à a indemnização pode ser inferior ao suposto,
indemnização quando se verifiquem circunstâncias
justificativas disso mesmo
Protege o contracto Protege a riqueza já alcançada
A regra é a da proibição da renúncia antecipada
Há lugar a cláusula penal
aos direitos
A responsabilidade aquiliana é a matriz da responsabilidade civil.

Responsabilidades aquiliana, obrigacional e terceira via


Cabe saber: o que fazer quando temos um caso que parece caber nos dois regimes em
análise? O problema não se coloca no tocante à prestação principal - a responsabilidade

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A presunção de culpa engloba em si uma presunção de culpa e de ilicitude

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aquiliana não é feita para abranger as situações de incumprimento, sendo de resto


aplicável em todos os restantes casos. No entanto, o concurso é real na área dos
deveres acessórios. EXEMPLO: contracto uma pessoa para me limpar a casa, sendo esse o seu dever
principal. Se ela, por exemplo, parte uma jarra, está a violar o dever acessório de não estragar as coisas
que tenho em casa. Nesse caso, que regime se aplica?
A doutrina tradicional defendia que, num caso destes, urgia arranjar-se critérios para
que fosse possível a escolha de um ou de outro regime. A doutrina moderna – aquela
que sucede à tese de doutoramento do Professor Miguel Teixeira de Sousa e na qual o
Professor Menezes Cordeiro se insere – defende que devem as pessoas lesadas poder
escolher qual o tipo de responsabilidade que pretendem invocar. Devemos, assim,
conformarmo-nos com a possibilidade de serem aplicáveis mais do que um regime.
Em Portugal, não será possível ter um caso que não se enquadre em nenhum dos
sistemas em estudo – tudo cabe na previsão do art 483º CC. Na Alemanha, o mesmo
não acontece e, por isso, desenvolveu-se a ideia de que há um terceiro sistema – a
chamada terceira via. Esta ideia, desenvolvida essencialmente por Canaris, teria por
base um dever de protecção unitário, de base legal, fundado na confiança. Esta é, hoje
em dia, uma falsa questão – a reforma do BGB de 2001/2002 veio resolver o conflito
até aqui existente.
Há autores portugueses que defendem a existência de uma terceira via no nosso
sistema de responsabilidade civil. Falamos de Professores como Baptista Machado e
Menezes Leitão, sendo que este último aqui agrupa os institutos da culpa in
contrahendo, da culpa post factum finitum, do contracto com protecção de terceiro e
da relação corrente de negócios. O Professor Menezes Cordeiro nega a existência
desta terceira via – diz-nos que o art 483º CC é muito amplo, não sendo a terceira via
necessária. Para além disso, alguns dos outros problemas são, cá, regulados por lei (p.e.
alteração das circunstâncias).
O Professor Menezes Cordeiro aproveita o conceito de terceira via para se referir ao
conjunto de cassos que se incluem na responsabilidade aquiliana, mas nos quais há a
violação de um dever específico – há presunção de culpa. Falamos de casos como o das
responsabilidades dos pais perante os danos causados pelos filhos: o dever específico
é o do pi que tem obrigação de olhar pelo filho e, por isso, presume-se a culpa do pai.
Apesar disso, continua a não haver um contracto, pelo que não há uma obrigação de
outra fonte que não a lei. A terceira via tem assim vantagens no âmbito dos deveres de
tráfego, que não advêm da boa fé, mas sim da responsabilidade aquiliana. Os mesmos
visam reforçar os bens em jogo.

Figuras afins e extensão


o Responsabilidade criminal – a responsabilidade civil apenas pretende reparar
danos; a criminal pretende proteger bens jurídicos fundamentais da vivência em
sociedade;
o Enriquecimento sem causa – neste não se pretende reparar danos, mas sim
corrigir deslocações patrimoniais sem causa justificativa. Assim, se houver culpa,
não há enriquecimento sem causa, mas sim responsabilidade civil;

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o Responsabilidade patrimonial – desta deriva que, em Direito, pelo


incumprimento de obrigações responde apenas o património da pessoa. A
responsabilidade civil é unicamente patrimonial.
A responsabilidade civil tem sofrido, nos últimos anos, um grande alargamento – cada
vez se aplica a mais áreas. Esta pode usar-se com um objectivo preventivo (p.e. a
responsabilidade do empreiteiro pela obra e do empregador pelo empregado), tendo
isso levado a um melhoramento das técnicas usadas, para evitar as indemnizações. Há,
assim, uma efectiva prevenção de danos, assente na socialização do risco. Este é o real
significado dos seguros.

Pressupostos da responsabilidade civil aquiliana


O Professor Menezes Cordeiro identificou durante muitos anos, como pressupostos da
responsabilidade civil aquiliana, o dano e a imputação do dano ao agente. No entanto,
acabou por abandonar esta teoria, não porque a mesma esteja errada, mas antes por
ser diferente da adoptada pela restante doutrina e pelos tribunais. A isso junta-se,
ainda, o facto de esta ser mais complicada que a geralmente adoptada.
Referindo-se assim à teoria adoptada pela doutrina e pela jurisprudência, temos como
pressupostos da responsabilidade aquiliana:
o Facto
o Ilicitude
o Culpa
o Dano
o Nexo de causalidade
FACTO
O facto é uma acção humana dominada ou dominável pela vontade. Este representa
um comportamento final, dado que tem uma finalidade e se direcciona para ela. O facto
pode ser por acção ou por omissão, sendo que para que uma omissão seja relevante é
necessário que seja posto em causa um dever de praticar determinado facto (art 486º
CC). Assim, podem constituir facto por omissão os casos de negligência – há uma
violação de um direito subjectivo ou de uma norma de protecção – e os casos de deveres
de tráfego – a chamada terceira via.
Quanto a saber se o que releva verdadeiramente é a conduta ou o resultado, tal exige
olhar-se para a evolução histórica da questão:
o Tradicionalmente, relevava apenas o desvalor do resultado. Assim, uma acção
(ou omissão) que não atingisse o bem protegido, não provocaria danos, pelo que
de nada interessava. Esta teoria deparou-se com dois obstáculos: danos
indirectos e situações nas quais, apesar de haver uma conduta conforme os
deveres de tráfego, há danos.
o Optou-se depois pela teoria do desvalor da conduta. Nesta, a relevância estaria
sempre sita na conduta, pois apenas esta poderia ir contra os deveres de
comportamento resultantes do Direito.
o Actualmente, adopta-se uma posição intermédia: se estivermos perante uma
situação de violação imediata de bens jurídicos (dolo), então releva apenas o

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resultado. Se, no entanto, estiver em causa uma situação de negligência ou de


violação de deveres de cuidado, releva então a conduta.
Levanta-se ainda a questão da imputabilidade – para que um facto seja imputável exige-
se que o agente se tenha autodeterminado, ou seja, que tenha capacidade de entender
e de querer. Não está verificada a capacidade de entender se se verificar a deficiência
das capacidades cognitivas, naturais (menos de 7 anos ou deficiência mental) ou
artificiais (álcool ou drogas). Neste caso, o agente não estava em condições de
apreender o significado da sua actuação. Não se verificará a capacidade de querer se o
agente não dispunha de liberdade. Note-se que aqui apenas entram casos de coacção
física e não de coacção moral por meios físicos – nesta, apesar de moralmente coagido,
o agente tem liberdade de escolha.
No art 488º, nº 2 CC podemos encontrar uma presunção de inimputabilidade. Fora isso,
presume-se que todas as pessoas são imputáveis. Sendo presunções, estas são,
ilidíveis, até porque devemos ser restritivos ao atribuir a característica da
inimputabilidade a alguém. Importante é o facto de que são tidas como imputáveis as
pessoas que se forcem a um estado de inimputabilidade – p.e. pessoas que se
embebedem e depois provoquem danos a outrem.
ILICITUDE
Numa primeira análise poderia dizer-se que o art 483º, nº 1 CC é um exemplo de
pleonasmo – “violar ilicitamente o direito”. No entanto, de uma mais atenta
interpretação podemos retira que, desta expressão, se conseguem distinguir duas
vertentes da ilicitude:
o Vertente positiva – violação de uma norma jurídica;
o Vertente negativa – fazê-lo sem causa justificativa (são causas justificativas a
acção directa, a legítima defesa e o estado de necessidade, podendo ainda falar-
se do cumprimento de um dever e do consentimento do lesado).
Existem diferentes modalidades de ilicitude. Esta pode resultar da violação de um
direito de outrem ou da violação de uma norma de protecção.
Quanto a violação de um direito de outrem, fala-se essencialmente de direitos
subjectivos – permissão específica de aproveitamento de um bem. No entanto, esta
cláusula inclui todos os direitos subjectivos próprio sensu e, ainda, todos os direitos
subjectivos em sentido material, por isso independentemente do nome que lhes seja
atribuído. Excluídas ficam as situações de mera expectativa ou de uma simples
liberdade. Situações de danos patrimoniais puros estão excluídas desta cláusula,
podendo, dependendo das situações, encaixar-se na violação das normas de protecção.
Cabe, assim, falar da ilicitude como violação de uma norma de protecção. Estas normas
são normas destinadas a proteger interesses de outras pessoas (e não a conferir um
direito subjectivo). As mesmas resultam de um esforço interpretativo, dado que a sua
qualidade de norma de protecção não é expressa. Para que esta cláusula seja aplicável
é necessário que se verifiquem alguns requisitos:
o Que essa norma de protecção exista de facto;
o Que essa se destine a proteger determinados interesses alheios (“vantagens
juridicamente protegidas”) e cuja violação se consubstancie num dano;

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o Que a conduta do agente ponha em causa o objecto da norma de protecção, de


maneira a que sejam atingidos os precisos interesses protegidos pela norma.
Discute-se se há mais causas de ilicitude para além destas duas, sendo vulgar incluir-se
aqui a figura de abuso de direito. Tal não é correcto, dado que o abuso de direito per si
não implica responsabilidade civil.
Cabe falar da natureza da ilicitude. Começou por se entender que esta era
essencialmente objectiva. Hoje, porém, sabe-se que a ilicitude também comporta
elementos subjectivos – todos quantos forem necessários para compreender
plenamente o sentido de uma acção humana.
CULPA
Através da culpa é possível justificar a aplicação dos mecanismos de responsabilidade
civil. Esta, ao longo do Código Civil, adopta diferentes significados, sendo que o conceito
de culpa presente no art 483º, nº 1 CC equivale à negligência (“mera culpa”). Este
significado de culpa, tal como os restantes, é resultado da interpretação da norma, para
a qual relevam em especial os elementos sistemático e teleológico.
Em Jhering, a culpa era um elemento subjectivo, numa vertente meramente
psicológica. Hoje, no entanto, sabe-se que não é assim: a própria ilicitude tem
elementos subjectivos. A culpa é hoje normativa – equivale a um juízo de censura que
o Direito faz relativamente a uma conduta que lhe seja contrária.
Dentro da noção de culpa podemos ter:
o Dolo – actuação do agente é contrária à norma
• Directo – agente actua directamente contra a norma, simplesmente
porque assim quer. EXEMPLO: António quer destruir a jarra, e por isso parte-a.
• Necessário – agente actua de determinada maneira que, apesar de não
ter o objectivo de violar a norma, implica indubitavelmente, como
consequência, essa violação. EXEMPLO: Bento quer fazer o caminho em linha
recta. Apesar de não ter como objectivo destruir as coisas que se encontram nesse
caminho, vai ter de o fazer para poder cumprir o seu objectivo.
• Eventual – agente actua de determinada forma e, apesar de não ser
objectivo seu a violação da norma, sabe que tal pode acontecer e
conforma-se com essa possibilidade. EXEMPLO: Carlos entra em contramão na
autoestrada. Não tendo o objectivo de matar alguém, sabe que tal pode acontecer e
conforma-se com isso.
o Negligência – actuação do agente não respeita as normas de cuidado
• Consciente – o agente assume a ocorrência do dano como possível e não
se conforma com essa situação. EXEMPLO: António vai a 200km/h na
autoestrada. Pensando na possibilidade de matar alguém por causar um acidente,
conclui que tal não acontecerá porque tem muita experiência de condução e nunca terá
um acidente.
• Inconsciente – a agente não tem conhecimento dos deveres de cuidado.
A negligência é uma realidade difícil de apreciar, uma vez que implica analisar os tais
deveres de cuidado e que medidas podem ser exigíveis ao agente para que este não
os viole. Essa análise deve ser feita recorrendo à figura do bonus pater famílias e tendo
em conta as circunstâncias de cada caso (art 487º, nº 2 CC).

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O Direito Civil equipara as situações de dolo e de negligência, mas a nível de


indemnização podem haver diferenças. As mesmas estão presentes no art 494º CC – se
a responsabilidade se funda na mera culpa, a indemnização pode ser fixada em
montante inferior ao que equivaleria o dano causado. Tudo depende da culpabilidade
do agente.
A culpa está tratada no art 487º CC, deste resultando que é ao lesado que incumbe
provar a culpa do autor da lesão. Existem situações de presunção de culpa – situações
nas quais se presume que a atitude do agente é censurável. Estas são, em regra,
presunções de ilicitude, dado que a presunção tem por base a violação de uma norma
jurídica.
Quanto à consciência da ilicitude, a questão é a seguinte: para que se possa falar em
dolo, exige-se que o agente tivesse conhecimento da violação da norma jurídica? Para
responder a esta questão, desenvolveram-se duas teorias:
o Teoria do dolo – só se verifica um delito doloso quando o agente conhece não
só a sua actuação, mas também a ilicitude da mesma;
o Teoria da culpa – o delito seria, em princípio, sempre doloso,
independentemente da consciência da ilicitude.
O Professor Menezes Cordeiro defende, sem dúvidas, a teoria da culpa.
CAUSAS DE EXCUSA
As causas de excusa são todas as que, apesar de não integrarem propriamente a
impossibilidade de querer e entender (o que levaria à inimputabilidade), conduzem a
uma perturbação da vontade de tal maneira forte que é evitável o juízo de desvalor.
Havendo causa de excusa, não há culpa (não há juízo de censura), mas há ilicitude.
São causas de excusa:
o O erro desculpável – falso entendimento do agente perante os elementos
condicionantes que levaram à sua actuação contrária à norma.
o O medo invencível – exige-se que o medo recaia em aspectos verdadeiramente
condicionantes do comportamento do agente e que seja assim explicável o
desvio da vontade.
o A desculpabilidade – manifesta-se quando a exigência ao agente do acatamento
da conduta devida ofende de forma grosseira a boa-fé.
DANO
O dano é a supressão de uma vantagem granjeada por um direito. Podemos, desde
logo, distinguir entre dano real – prejuízo correspondente às efectivas vantagens – e
dano de cálculo – expressão monetária do dano real.
Os danos podem ser:
o Patrimoniais – aquilo que é afectado pelo dano pode ser trocado por dinheiro
(alicerçam-se no art 483º CC);
o Morais – vantagens que o Direito não admite que sejam trocadas por dinheiro.
Podem, no entanto, ser avaliáveis em dinheiro (resultam do art 70º CC, em
conjugação com o art 496º CC).
Um dos danos morais que mais tem levantado discussão na doutrina é o chamado dano
morte. Antigamente, dado que não eram aceites danos morais, esse dano era excluído

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à partida. Tal era desde logo justificado pelo facto de a personalidade jurídica se
extinguir com a morte, do que resultava a suposta impossibilidade de lhe serem
atribuídos direitos e, com isso, de o de cujus poder sofrer um dano. Na realidade, a
morte de uma pessoa constitui um dano, uma vez que a vida é um bem juridicamente
tutelado – é, inclusive, o mais importante de todos os bens. Este é um dano com
aspectos morais e patrimoniais, sendo também um dano infligido ao morto e que
afecta também aqueles que o rodeiam (quer moral, quer patrimonialmente). O
ressarcimento de que a vítima beneficia, por sua vez, transmite-se por morte aos seus
sucessores.

A mata B
Bens jurídicos afectados → distingue-se o dano de B, enquanto vítima, do dos que
consigo se relacionam.
Do art 495º CC resulta que são cobertos os danos derivados das tentativas de salvar o
morto, do funeral e as demais, bem como os danos provocados nas pessoas que
dependiam economicamente do falecido.
No art 496º CC está presente a questão dos danos não patrimoniais, também nas
pessoas mais próximas do de cujus. Aqui se define quem sofre os danos e como é que
esses são calculáveis.

O art 496º, nº 2 CC pode ser alvo de uma prudente interpretação extensiva uma vez
que, na perspectiva do Professor Menezes Cordeiro, se encontra um pouco
ultrapassado. Basta pensar no caso em que uma criança é abandonada pelos pais e
criada pelos avós – o desgosto com a morte dessa criança é totalmente dos avós, pelo
que não faz sentido que os pais recebam qualquer indemnização.
Quanto ao cálculo dos danos, este é difícil. A lei manda acautelar os danos não
patrimoniais sofridos pela vítima e os sofridos pelos próximos (referidos no nº
anterior). Esse cálculo atende, então, à maneira como ocorre a morte do de cujus,
concluindo-se que não será igual em caso de alguém que morre num tiroteio ou de
alguém que é queimado vivo.
Os arts 495º e 496º não tratam dos danos sofridos pelo próprio morto. Estes resultam
das cláusulas gerais dos arts 483º, nº 1 e 496º, nº 1 CC, derivando assim de normas que
garantem a sua propriedade e personalidade. A grande questão que se coloca é a de
saber se, entre os danos sentidos pelo morto que se transmitem aos sucessores, se
encontra – a nível indemnizatório - a própria morte. É claro que a morte dá lugar a um
dano imputável à própria vítima, sendo passível de originar responsabilidade civil. No
entanto, existem ainda dúvidas sobre a existência desse dano. Isto porque:
o A morte faz extinguir a personalidade da vítima, pelo que este já não poderia ser
centro de imputação de danos, para que pudesse sofrer o dano morte;
o O art 496º, nº 2 CC tem elenco taxativo.
Estes argumentos não colhem: nada no art 496º CC leva a pensar que a vítima de uma
lesão que lhe causa a morte não sofre danos ressarcíveis. Quanto ao primeiro
argumento, de nada interessa a existência do lesado, desde que ele tenha sofrido o
dano em causa. Se a indemnização é o resultado da valoração jurídica da imputação de
um dano e verificando-se aqui, inquestionavelmente, o dano e a imputação, então há

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lugar a responsabilidade civil. A morte de uma pessoa é, para esta, um dano que pode
dar lugar a imputação. O dano morte é um dano indemnizável por ele próprio e
dependente do tipo de morte sofrido.
A divergência que existe na doutrina quanto a esta matéria faz-nos poder elencar um
conjunto de argumentos contra e a favor do dano morte:
Oliveira Ascensão e Antunes Varela – contra o dano morte
ANTUNES VARELA E OLIVEIRA ASCENSÃO PROFESSOR MENEZES CORDEIRO
Com a morte cessa a personalidade, pelo Se a morte não é ressarcível, então a vida
que não se pode constituir o direito, sem o não é um direito subjectivo
qual não há dano
Os trabalhos preparatórios do Código Os trabalhos preparatórios mostram
mostram que a lei não consagra essa apenas a intenção subjectiva de quem os
solução fez
O art 496º CC esgota os danos O art 496º CC não esgota esse universo:
indemnizáveis e os seus beneficiários arts 70º/1, 483º/1 e 2024º CC
Não há ius cogens nesta matéria, sendo
irónica a comparação com o direito
O Direito europeu não é favorável ao dano
europeu, quando a média das nossas
morte
indemnizações ficam largamente aquém
das europeias

Galvão Telles, Almeida Costa, Menezes Leitão e Menezes Cordeiro – a favor do dano
morte
o Não faz sentido que a lei consagre direitos se depois lhes nega o regime. Se existe
um direito à vida, é necessário que exista uma tutela aquiliana sobre ele, a favor
do seu titular (sob pena de ser um direito de terceiros);
o A actual responsabilidade tem funções retributivas e preventivas, que deixam de
ser aplicáveis se se admitir que os direitos desaparecem logo que sejam violados;
o A aplicação do art 496º, nº 2 CC como ele se apresenta mostra-se inaceitável,
bastando para entender isso olhar para o exemplo já referido;
o As indemnizações arbitradas nos nossos tribunais mostram-se manifestamente
insuficientes, pelo que deve ser aceite qualquer mecanismo válido que incentive
à sua correcção.
A jurisprudência mantem-se largamente a favor da ressarcibilidade do dano morte. O
cálculo da indemnização, feito pelo art 496º, nº 4 CC, assenta num juízo de equidade.

Desd’o Direito Romano que é feita a distinção entre danos emergentes e lucros
cessantes:
o Dano emergente – resulta da frustração de uma vantagem já existente;
o Lucro cessante – resulta da não concretização de uma vantagem que, doutra
forma, se verificaria.
EXEMPLO:
o Dano emergente – é destruído o automóvel de António, avaliado em 5000€;
o Lucro cessante – por causa disso, António não o pode alugar, perdendo assim o valor do aluguer.

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Quanto à natureza do dano, desenvolveram-se duas teorias nucleares:


o Teoria do dano abstracto – o dano consiste na diferença entre o valor real do
património com a lesão e o seu valor hipotético se lesão alguma tivesse ocorrido;
o Teoria do dano concreto – o dano traduz-se na lesão de um determinado bem.
O Professor Castro Mendes, afastando-se desta dicotomia, desenvolve três teorias:
o Natureza subjectiva – dano teria por objecto a pessoa ou algo definido em
função dela;
o Natureza objectiva – dano implica a perda de valor de um património ou a lesão
de uma coisa ou interesse;
o Tese intermédia – na qual se integram a mistura de elementos subjectivos e
objectivos, a construção de dois conceitos de dano distintos (um subjectivo e um
objectivo) e ainda a apresentação do dano como algo de intermédio entre a
pessoa e o bem.
Seja como for, para o Professor Menezes Cordeiro, o dano é a diminuição de uma
vantagem tutelada pelo Direito.
NEXO DE CAUSALIDADE
Exige-se uma relação entre o acto ilícito e o dano, justificando-se assim que o agente
suporte o dano em questão.
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado
provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Artigo 563.º
Do art 563º CC apenas resulta que é afastada a causalidade virtual e que a lei se basta
com a probabilidade, não sendo exigida uma certeza total. Por tal ser insuficiente para
entender o nexo de causalidade, desenvolveram-se várias teorias:
Teoria da condição sine qua non
É causa de um dano todo o facto sem o qual o dano não teria acontecido.
EXEMPLO: António fere ligeiramente Bento e este é conduzido o hospital. No caminho, morre num
acidente. António será responsável pela sua morte, pois que se não tivesse ferido Bento, ele não iria a
caminho do hospital.
Esta teoria mostra-se excessiva – as causas não são todas equivalentes.
Teoria da última condição
A causa jurídica do dano é a última das condições.
EXEMPLO: Bento é transportado de urgência para o hospital depois de ter levado dois tiros de António.
Ao chegar, e a precisar de operação, o médico atrasa-se um minuto por ter de ir à casa de banho e, quando
chega, António já morreu. O cirurgião será responsável pela morte de Bento, ainda que apenas tenha ido
à casa de banho.
Esta é uma teoria cega.
Teoria da condição eficiente
A causa jurídica é a que, de todas, aparenta ser mais eficaz na produção desse mesmo
dano. Esta teoria é ineficaz, visto que se tivermos uma sucessão de condições todas elas
necessárias, não temos como graduar a eficácia de cada uma.

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Teoria da causalidade adequada


É causa de um dano aquele facto que for adequado à sua produção. Esse facto tem de
ser socialmente apto a produzir o dano. Esta é a tese adoptada pela generalidade da
doutrina.
EXEMPLO: se alguém é ligeiramente ferido numa agressão e acaba por morrer por um acidente a caminho
do hospital, a culpa não pode ser do agressor. No entanto, se alguém é baleado no peio ficando
gravemente ferido e morre, não poderemos culpar a falta de avanços científicos que permitissem um
transplante imediato. Em condições normais, um disparo no peito é causa adequada de morte.
A causa adequada pode ser qualquer uma, dependendo das circunstâncias. Para uma
pessoa que não possa de todo, por questões de saúde, beber álcool, a situação em que
alguém mistura vodka na sua bebida pode ser causa adequada, mesmo que talvez não
o fosse para a generalidade das pessoas.
Teoria do escopo da norma
Esta foi pensada para as normas de protecção. Delimitada a fronteira do âmbito da
norma de protecção, a causa será aquela cujo dano se insere dentro da esfera
delimitada:
DANO B
Âmbito da
norma de
protecção O dano A tem como facto a não verificação da norma de
protecção. O dano B não, uma vez que está fora do seu
DANO A
âmbito de actividade.

EXEMPLO: existe uma norma de protecção que exige que os elevadores tenham todos uma balança
incorporada, de maneira a não haver nunca excesso de peso. Essa norma de protecção é violada e uma
pessoa morre porque o elevador caiu com peso a mais. Nesta situação, o facto que leva ao dano é a
violação da norma de protecção. Diferente é o caso em que uma pessoa entala a mão no elevador e acaba
com ferimentos graves. Neste caso, o dano não é causado pela violação da norma de protecção, ainda
que esta continue a ser violada – a imposição de balanças nos elevadores não existe para evitar que as
pessoas se entalem.
Analisadas todas as teorias, cabe tomar posição. Uma vez que todas as teorias,
individualmente consideradas, se mostram insuficientes, é necessário combiná-las.
Assim, diz o Professor Menezes Cordeiro, a causalidade (enquanto pressuposto da
responsabilidade civil aquiliana), desenvolve-se em quatro tempos:
o Conditio sine qua non
o Adequada, em termos de normalidade social; ou
o Provocada pelo agente, para obter o seu fim;
o Consoante com os valores tutelados pela norma violada

Começa-se pela análise da conditio sine qua non, perguntando: o facto ocorrido
contribuiu para o dano? Se sim, então segue-se para a análise da causalidade
adequada, feita através de um juízo de prognose póstuma: seria expectável que o
agente que causou o dano, com os conhecimentos especiais do agente e os
conhecimentos gerais do tráfego, soubesse ou calculasse que o dano se poderia
verificar? Se sim, então está estabelecido o nexo de causalidade.
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Situações aquilianas em especial


OFENSA DO CRÉDITO E DO BOM NOME
É uma situação acautelada pelo art 484º CC. Neste, diz-se que “quem afirmar ou difundir
um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou
colectiva, responde pelos danos causado”. A palavra facto, nesta disposição, remete-nos
para uma qualquer afirmação ou insinuação, feita por palavra, imagem ou som, que
implique ou possa implicar desprimor para o visado. A concretização deste conceito
deve ser feita com recurso à figura do bonus pater famílias, perguntando-se: a pessoa
média normal sentir-se-ia bem consigo próprio e com o os outros se fosse vítima da
afirmação ou da insinuação em causa? Se sim, então há facto capaz de prejudicar o
crédito ou o bom nome do sujeito.
Pergunta-se também se, para que se fale em ofensa do crédito e do bom nome, as
informações em causa têm de ser falsas. A questão é saber se a ofensa ao bom nome é
justificada pela veracidade dos factos em causa ou se, até, se justifica pela prova por
parte do agente que difundiu os factos de que este tomou, na sua averiguação, todo o
cuidado necessário e exigível. Neste âmbito, a doutrina diverge:
• Parte da doutrina entende que a responsabilidade exige a falsidade dos factos,
estando a ofensa justificada pela veracidade dos mesmos;
• Outra parte, por contrário, defende que podem os factos ser verdadeiros e,
ainda assim, haver responsabilidade para efeitos do art 484º CC. Esta é a
posição sufragada pelo Professor Menezes Cordeiro, que afirma que nada no
artigo em análise exige a falsidade dos factos. Mesmo informações verdadeiras
podem, dependendo do contexto e da maneira como são difundidas, atentar
contra a honra das pessoas.
Não é rara a colisão do direito à honra com a liberdade de informação ou, em termos
subjectivos, com o direito que cada um de nós tem à informação. Há, no entanto, que
ter em conta que o direito à honra é um direito de personalidade e que estes se
sobrepõem aos demais, sob pena de não fazer sentido a figura dos direitos de
personalidade. A liberdade de informação é algo de socialmente útil ou relevante,
sendo esta distinta da livre iniciativa económica. Esta segunda é relevante e deve ser
tutelada, mas nunca se pode sobrepor ao direito à honra. Já a liberdade de informação
pode ir mais longe, mas sempre com limites.
A violação do direito ao crédito e ao bom nome pode determinar a exigência de
indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais. Nos primeiros, acrescem-
se ainda os danos emergentes e os lucros cessantes, sendo que estes devem ser
indemnizáveis até ser atingido o valor do prejuízo causado (p.e. situação do
profissional que, por violação deste direito à honra, vê a sua loja perder clientes). O
problema coloca-se em sede de danos não patrimoniais (art 496º CC). Deste resulta que
a indemnização deve ser suficientemente pesada para exprimir a reprovação do
Direito e ter efeitos no futuro. A jurisprudência mostra que é tido em causa o facto de
se tratar de uma pessoa singular, de uma empresa ou de uma grande empresa. É
também tido em conta o órgão através do qual se difundem os factos. O Professor
Menezes Cordeiro afirma aqui, mais uma vez, a insuficiência das indemnizações em
Portugal. Por achar a indemnização resultante do art 484º insuficiente, diz-nos que

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

também o art 70º, enquanto cláusula geral dos direitos de personalidade, se adequa às
circunstâncias.
CONSELHOS, RECOMENDAÇÕES OU INFORMAÇÕES
Do art 485º, nº 1 resulta uma clara desresponsabilização de quem dê conselhos,
recomendações ou informações2. A desresponsabilização é limitada pelo nº 2 do
mesmo artigo, que estabelece o dever de indemnizar quando:
o Se tenha assumido a responsabilidade pelos danos;
o Havia o dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação e se tenha
procedido com negligência ou intenção de prejudicar;
o O procedimento do agente constitua facto punível.
Diz-nos o Professor Regente que “quem não saiba do que fala ou está calado ou tem o
cuidado de dizer que não tem certezas: apenas palpites”. Assim sendo, não faz sentido
(como alguma doutrina defende) assumir que quem pede informações deve controlar
a veracidade do que ouve – se controla, é porque sabe; se sabe, não faz sentido ter
perguntado.
Tudo leva a que se deva fazer uma interpretação restritiva do art 485º, nº 1 CC. Esta
interpretação restritiva deve resultar, desde logo, de um alargamento das excepções
do nº 2. No entanto, também do nº 1 se retira responsabilização: o artigo em apreço
não desresponsabiliza todos os conselhos, recomendações ou informações, mas apenas
as indicações circunstanciais, sem consistência aparente e, por isso, insusceptíveis de
criar uma situação de confiança na pessoa normal. Há, então, responsabilização dos
verdadeiros conselhos, recomendações ou informações, que são capazes de suscitar
nas pessoas efectivas actuações por serem de facto credíveis.
Em qualquer das previsões presentes no nº2 e já referenciadas supra, deverá haver dolo
ou negligência. Se estamos perante a presença de deveres específicos, a culpa (faute)
presume-se – art 799º, nº 1 CC. Assim:
o Se foi assumida a responsabilidade pelos danos, temos um contracto, no qual o
informante assegura o resultado. A responsabilidade é, então, obrigacional;
o Se há um dever jurídico de dar conselho, recomendação ou informação, então
estamos no âmbito dos deveres acessórios (por deveres de informação), o que
implica ainda responsabilidade obrigacional;
o Se estamos perante um facto punível, é feita referência às normas de protecção.
PREVENÇÃO DO PERIGO (DEVERES DE TRÁFEGO)
Quando se começou a falar de responsabilidade aquiliana, esta visava apenas acções,
pelo que, quem nada fizesse, nunca poderia cair na previsão do art 483º, nº 1. Percebeu-
se, depois, que os danos poderiam também resultar de uma abstenção de agir, se
estivesse em causa a exigência de observar deveres destinados a prevenir
determinados perigos e, assim, a proteger terceiros – são os chamados deveres de
tráfego. Estes são, hoje, derivados no próprio art 483º, nº 1 CC, surgindo quando
alguém crie ou controle uma fonte de perigo – a esse cabe, nessas circunstâncias, tomar

2
Há doutrina que, inclusive, alarga esta desresponsabilização, alargando-a aos casos em que haja dolo
(ainda que, na perspectiva do Professor Menezes Cordeiro, tal vá contra a letra da lei

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

as medidas necessárias para prevenir ou evitar os danos. A inversão do ónus resulta da


impossibilidade, por parte do lesado, de provar a existência destes deveres – eles
variam, nascem e desaparecem ao sabor das mais variadas circunstâncias.
Os deveres de tráfego podem manifestar-se nas mais diversas situações:
o Criação do perigo – aquele que dê azo ao perigo deve tomar as medidas
adequadas;
o Responsabilidade pelo espaço – quem controla um espaço deve prevenir os
perigos que lá ocorram ou possam ocorrer;
o Abertura ao tráfego – quem tenha um local aberto ao tráfego deve garantir a
sua segurança;
o Assunção de uma tarefa – o arquiteto e o construtor respondem pela segurança
de qualquer terceiro na obra;
o Introdução de bens no tráfego – o seu autor responde pelos danos que daí
resultarem (daqui se retira a responsabilidade do produtor, autonomizada);
Estes deveres podem materializar-se em deveres de aviso e de proibição de acesso a
locais de perigo, de instrução das pessoas sujeitas à fonte de perigo, de deveres de
escolha criteriosa de colaboradores e de organização, (…)
Estão presentes no Código preceitos concretos de deveres de prevenção do perigo –
são os chamados artigos da terceira via, na visão do Professor Menezes Cordeiro. É,
desde, logo, o caso do art 491º CC. Do mesmo resulta que pessoas obrigadas, por lei ou
negócio jurídico, a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas são
responsáveis pelos danos que essas causem. Exige-se, então, uma relação jurídica entre
o vigilante e o vigiado. O vigilante pode evitar a responsabilidade se provar que cumpriu
o seu dever de vigilância ou que os danos teriam ocorrido mesmo que a vigia tivesse
sido correctamente efectuada (relevância negativa da causa virtual). Nestas situações,
perante os danos, presume-se que o vigilante não levou a cabo o seu dever. Estamos,
no entanto, perante uma presunção ilidível.
Outro caso é o do art 492º, associado aos danos causados por edifícios ou outras obras.
Este artigo, diz o Professor, tem especial relevância por causa do envelhecimento das
cidades. Para que o mesmo seja aplicável, exige-se que estejam verificados certos
requisitos:
o Um proprietário ou possuidor
o Cujo edifício ou obra a ruir, no todo ou em parte
o Por vício de construção ou defeito de conservação
Verificados os pressupostos, o proprietário ou possuidor responde pelos canos
causados, salvo se ele provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com
as diligências devidas, o dano teria ocorrido. A prova de que não houve culpa pode ser
feita mediante prova de que não houve incumprimento de deveres aplicáveis
(ilicitude) ou mediante prova de que, apesar desse incumprimento, não era exigível
outra conduta. Nesse segundo caso, há ilicitude, depois irrelevante por causa de excusa.
Note-se que o Professor Regente reconduz a culpa presente no art 492º CC a uma
situação de faute. O núcleo duro do art 492º CC é uma obrigação de prevenir o perigo
dos desmoronamentos, sendo o conteúdo de tal obrigação totalmente variável, em
função das circunstâncias. O art 492º, nº 2, por sua vez, transfere os deveres de tráfego

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2º ano, Turma A
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para a pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra, caso
os danos sejam devidos exclusivamente a defeito de conservação.
DANOS CAUSADOS POR COISAS, ANIMAIS OU ACTIVIDADES
O art 493º, nº 1 CC ocupa-se dos casos em que alguém tenha em seu poder coisa móvel
ou imóvel com o dever de a vigiar, bem como os casos em que alguém tenha assumido
o encargo da vigilância de quaisquer animais. Nessas situações, essa pessoa responde
pelos danos que as coisas ou os animais causarem. O dever de vigilância, inicialmente
inter partes, projecta-se para bem da protecção de terceiros. A responsabilidade
esmorece se o vigilante provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos
se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
A presunção de culpa presente neste artigo é também uma presunção de ilicitude, por
se presumir que houve inobservância do dever de vigiar. No caso dos animais, este
preceito é completado pela previsão do art 502º CC, analisado infra.
DANOS CAUSADOS POR ACTIVIDADES PERIGOSAS
Havendo uma actividade perigosa, a pessoa que dela se sirva ou que a desencadeie tem
deveres de prevenção e de cuidado a seu cargo – os deveres do tráfego, cujo objectivo
é prevenir danos, pessoais ou materiais. Se existem danos, é ao beneficiário que cabe
provar o efectivo cumprimento destes deveres – para isso serve a presunção de culpa.

Responsabilidade pelo risco


A responsabilidade pelo risco, situação de responsabilidade objectiva, verifica-se na
situação em que uma pessoa fica adstrita a ressarcir outra por um determinado dano,
independentemente de, ilicitamente e com culpa, o ter originado.

RESPONSABILIDADE DO COMITENTE
Um dos casos de responsabilidade pelo risco previsto no Código Civil é o do artigo 500º,
que trata da responsabilidade do comitente. Neste, responsabiliza-se aquele que
encarrega outrem de uma qualquer comissão, se da mesma resultarem danos. Para
que seja possível a aplicação do art 500º CC, exige-se a verificação de vários requisitos:
o Comissão – exige-se uma situação em que alguém tenha encarregue outrem de
uma determinada função. Exige-se que haja liberdade de escolha do comitente,
que esse tenha incumbido o comissário de determinada função e que o mesmo
tenha aceite essa incumbência. Exige-se, portanto, uma efectiva relação entre
comitente e comissário. A incumbência em causa pode ou não implicar poderes
de representação. Note-se que, se tivermos perante a presença de um contracto
de trabalho (art 1152º CC), a relação entre ambos está estabelecida e é possível
concluir pela existência de liberdade de escolha do comitente. No fundo, o
pressuposto é simples: a comissão existe quando alguém encarregue outrem de
agir por conta do primeiro;
o Danos, causalidade e imputação ao comissário – exige-se, aqui, que haja danos
causados pelo comissário e que sobre ele recaia também a obrigação de
indemnizar. Quanto aos danos, aqui se integram também os danos morais, mas
só serão relevantes os danos que ocorram no âmbito da comissão em jogo. Esses

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

danos têm de ser causados pelo próprio comissário, sendo que é exido que,
sobre esse recaia também a obrigação de indemnizar. Quanto a este último
elemento, foi já sustentado que o comissário deveria, ele próprio, incorrer em
responsabilidade delitual. Tal não é exigido pela lei. Basta, então, que o
comissário incorra em responsabilidade, no âmbito da sua comissão, podendo
tal suceder tanto pela responsabilidade delitual como pelo risco.
o No exercício da função – quanto a este requisito, são duas as orientações
possíveis:
• Orientação restritiva – Antunes Varela – exige-se um nexo funcional
entre os danos e a própria função do comissário;
• Orientação extensiva – Menezes Leitão – exige-se apenas que os danos
sejam causados no exercício da função e não por causa desse exercício.
O Professor Menezes Cordeiro opta por seguir a segunda orientação, dizendo
que a posição seguida pelo Professor Antunes Varela não tem sustentação na
letra da lei.
Verificados estes pressupostos, pode falar-se em responsabilidade do comitente. Dessa
resultará o direito de regresso do comitente perante o comissário se este primeiro
satisfizer a totalidade da indemnização – art 500º, nº 3, 1ª parte CC. Se se verificar que
há também culpa por parte do comitente, então o direito de regresso mantém-se, mas
é agora regulado com base no disposto no art 497º, nº 2 CC. Esta exigência de culpa
também por parte do comitente deve ser entendida no seu sentido amplo: exige-se
que o dano lhe seja também imputável, seja a que título for. Esta situação verifica-se,
por exemplo, se o dano for imputável a ambos a título de ilicitude e de culpa, ou se for
imputável ao comitente a título de culpa e ao comissário a título de risco. O direito de
regresso ficará diminuído.
Natureza da ilicitude
Elencando as várias teorias:
o Teoria da culpa in eligendo - o comitente vai ser responsabilizado por não ter
tido cuidado na escolha do comissário;
o Teoria da representação – há um vínculo de imputação derivado da própria
comissão, pelo que o comissário faz repercutir, na esfera do comitente,
determinados efeitos, sobretudo quando estiverem em causa terceiros;
o Teoria da garantia – defende que o legislador pretendeu garantir a
indemnização do lesado, pelo que além da responsabilidade do próprio agente
é responsável, também, o comitente. Este é devedor no plano externo e credor
no plano interno, por via do direito de regresso;
o Teoria do risco – diz-nos que, tendo o comitente a vantagem de poder exigir ao
comissário que atinja os seus objectivos, é justo que seja ele a assumir os riscos
envolvidos para terceiros. Assim, assume-se que o Direito desloca para o
comitente o risco que, de outro modo, caberia ao lesado;
o Teoria da ilicitude imperfeita (Professor Menezes Cordeiro) – estamos perante
um modo indirecto de orientar as condutas em sociedade. Segundo esta, o
legislador pretende que não haja danos suplementares para as pessoas, por via

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

da existência de vínculos de comissão. Esta teoria vem suprir as insuficiências da


teoria do risco, acrescentando-lhe a preocupação do legislador.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DE OUTRAS ENTIDADES PÚBLICAS
O art 501º CC limita-se a regular a responsabilidade do Estado perante danos causados
a terceiros no exercício de actividades de gestão privada. Quando entrou em vigor o
Código Civil português, o sistema de responsabilidade civil do Estado passou a ser
dualista:
o Vigorava o Código, se estivéssemos perante actos de gestão privada, sendo
competente o foro comum;
o Vigorava um Decreto-Lei, se estivéssemos perante actos de gestão pública,
sendo cometente o foro administrativo.
A distinção entre o que eram actos públicos e actos privados era essencial, pois que tal
condicionava o tribunal competente. Uma situação jurídica não é, por si, púbica ou
privada, sendo a distinção por vezes difícil. Analisada a jurisprudência sobre a questão
em apreço, conclui-se que a distinção não é materialmente possível. Hoje, o Estatuto
dos Tribunais Administrativos e Fiscais chama a si a responsabilidade civil
extracontractual do Estado e demais pessoas colectivas públicas e dos seus
funcionários e agentes, bem como o dos sujeitos privados aos quais se aplique o
mesmo regime. O problema ficou assim resolvido.
No tocante ao regime civil, o art 501º CC remete a responsabilidade do Estado e das
outras pessoas colectivas para o regime da responsabilidade do comitente. Em
conclusão: o Estado responde directamente pelos actos ilícitos e culposos dos seus
representantes, sendo então a ilicitude e a culpa imputadas ao próprio Estado; o
Estado responde objectivamente pelos actos dos seus representantes voluntários, dos
seus agentes e dos seus mandatários quando os constitua e desde que não haja
representação.
DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS
A responsabilidade por danos causados por animais encontra na lei dois pilares:
o Artigo 493º, nº 1 CC – alguém que tem em seu poder um animal com o encargo
de vigilância responde pelos danos que ele causar, salvo provando que agiu sem
culpa ou que os danos se teriam de qualquer forma produzido – estamos perante
uma presunção de culpa in vigilando;
o Artigo 502º CC – alguém que utilize no seu próprio interesse quaisquer animais
responde pelos danos que estes causarem, desde que tal resulte do especial
perigo (inclui animais assustados por terceiros e subitamente descontrolados)
que decorre da sua utilização – existe responsabilidade objectiva pelo risco.
Neste segundo caso, exige-se a utilização de animais por uma pessoa, feita no seu
próprio interesse (o que inclui a relação comitente/comissário), com a presença de
danos resultantes do perigo especial que envolva a sua utilização.
O art 502º pode concorrer com o art 493º, nº 1 CC – se o animal sob o dever de vigiar
causar danos, presume-se a culpa in vigilando; se essa presunção for ilidida, responde
o dono pelo risco, por via do art 502º CC. Os danos abrangidos por estas previsões
podem ser também danos morais.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

OS ACIDENTES DE VIAÇÃO – ESQUEMA DE RESOLUÇÃO


O primeiro passo é sempre analisar o condutor a título aquiliano3. Se houver tempo, deve excluir-se a aplicabilidade do artigo 493º, nº 2 CC, por a jurisprudência
já não considerar a condução como uma actividade perigosa, para efeitos do mesmo. Não é impossível, mas é muito improvável que haja responsabilidade
obrigacional4 do condutor perante o lesado, pelo que se pode sempre fazer referência a essa possibilidade. Assim:

1. CONDUTOR
• 483º? Se concluirmos que não há pressuposto culpa
• (798º?)

HÁ COMISSÃO? (EXIGE-SE A ANÁLISE DE


TODOS OS PRESSUPOSTOS)

SIM O comissário está no exercício das suas funções?


SIM → art 503º, nº 3: aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se
provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde
nos termos do nº 1
Está o art 503º preenchido?
SIM → art 500º
NÃO → art 503º, nº1
NÃO → art 503º, nº 3 in fine, que remete para o art 503º, nº 1
NÃO art 503º, nº 1: aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no
seu próprio interesse, ainda que por intermédio do comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos
próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.

3
As normas do Código da Estrada são normas de protecção. Em regra, os danos resultantes de acidentes de viação atingem direitos subjectivos, pelo que a hipótese das normas de protecção
é consumida por esses direitos.
4
Ocorre, por exemplo, se o condutor se tiver obrigado a transportar pessoas ou mercadorias e não o faça, por se ter envolvido num acidente.
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

O art 503º, nº 1 consagra em si um caso de responsabilidade pelo risco. Para que este
esteja preenchido, exigem-se dois requisitos:
o Direcção efectiva do veículo – reporta-se ao controlo material do veículo, a título
de posse ou detenção. Este critério não exige o acto de condução, mas antes o
domínio de facto sobre a viatura.
o Utilização no próprio interesse – trata-se de evitar a imputação ao comissário.
Sobre esse recairá a responsabilidade pelo acto ilício, que depois se repercutirá
na esfera do comitente. A responsabilidade pelo risco, não obstante, apenas
afecta este segundo.
Do art 505º CC resultam situações nas quais é excluída a responsabilidade:
o Aplicação do art 570º CC;
o Imputação do acidente ao lesado ou a terceiro – o tocante ao lesado, neste
preceito, acaba por ser consumido pela aplicação do art 570º;
o Caso de força maior, estranha ao funcionamento do veículo – fala-se, p.e., de um
desmoronamento da berma ou de um atentado terrorista que projecte a viatura
contra um prédio. Não releva qualquer causa de força maior, mas apenas o que
seja estranho ao funcionamento do veículo.
O art 504º fixa os beneficiários da responsabilidade pelos danos causados por veículos.
Note-se que, da letra da lei, se retira a exclusão do ressarcimento de lucros cessantes
em caso de existência de contracto, o que é uma solução duvidosa a nível
constitucional. Em caso de colisão de veículos – art 506º, nº 1 CC – geram-se duas
hipóteses: ou ambos os veículos contribuíram para os danos, ou apenas um deles o fez.
Na primeira hipótese, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de
cada um contribuiu para os danos. Na segunda, a responsabilidade corre por quem
responda pelo veículo causador.
O art 507º, nº 1 fixa a solidariedade para os devedores, quando a responsabilidade pelo
risco recaia sobre várias pessoas, mesmo que haja culpa de alguma(s). A fixação deste
regime tem como objectivo garantir que os danos resultados de acidentes de viação
são ressarcidos. Havendo solidariedade, o que paga a totalidade da indemnização tem
direito de regresso sobre os demais, não por via do art 524º, mas sim por via da regra
especial do art 507º, nº 2 CC. Se não se conseguir determinar a medida do interesse de
cada um, presumem-se iguais, tal como acontece no tocante à medida das culpas.
Nesse caso, aplicam-se os arts 497º, n º 2 in fine e o art 506º, nº 2 por analogia.
O art 508º CC fixa os limites máximos das indemnizações por acidentes de automóveis,
baseados no risco. Estas limitações, diz o Professor, são admissíveis – visam equilibrar
o funcionamento da responsabilidade e, ao mesmo tempo, facilitar a operacionalidade
dos seguros.
INSTALAÇÕES DE GÁS E ELECTRICIDADE
O art 509º, nº 1 faz um paralelismo claro com o art 503º, nº 1 CC. Neste exige-se:
o Direcção efectiva das instalações – exige-se a posse ou a detenção das
instalações

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Utilização no próprio interesse – afasta o regime da imputação ao comitente,


pois que de outro modo a responsabilidade cairia sobre os próprios
trabalhadores.
Os danos imputados são os que resultem da condução ou entrega de eletricidade ou
do gás, e ainda os derivados da própria instalação. A lei acaba por ser, depois,
demasiado restritiva acerca deste preceito, afastando a responsabilidade se:
o A instalação estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito
estado de funcionamento;
o Os danos derivarem de causas de força maior;
o Os danos sejam causados por utensílios de uso de energia.
A jurisprudência tem vindo a delimitar estas exclusões. A responsabilidade pelo risco
que se retira deste artigo é um claro exemplo de ilicitude imperfeita – há hoje meios
para prevenir acidentes com a produção e condução de energia eléctrica, pelo que todos
os que se verifiquem têm origem em insuficiências materiais ou humanas.
O art 510º CC vem limitar a responsabilidade em análise. O que hoje em dia se verifica
é a proliferação de contractos de seguro que abarquem estes acidentes, pelo que
facilmente as empresas se conseguem segurar e repercutir os custos pelos
consumidores.

Responsabilidade pelo sacrifício


Há responsabilidade pelo sacrifício, ou responsabilidade por actos lícitos, sempre que
o Direito admita como lícita a prática de determinados danos, mas, ainda assim,
confira ao lesado o direito a uma indemnização. Este regime resulta do direito público,
encontrando paralelo em alguns preceitos de direito privado.
No Código Civil, há diversas previsões de imputação pelo sacrifício, podendo as
mesmas ser agrupadas em três blocos:
o Estado de necessidade (art 339º CC);
o Lesão ao direito de propriedade;
o Incumprimento do contracto.

O dever de indemnizar
Indemnização é a causa ou o efeito de indemnizar, ou seja, de apagar o dano. O termo
indemnização pode dizer respeito:
o À obrigação de indemnizar;
o Ao objecto dessa obrigação;
o À situação jurídica que compreende um fenómeno de responsabilidade civil.
A obrigação de indemnizar é um vínculo creditício, regulado nos arts 562º e seguintes
do Código Civil. A mesma comporta várias modalidades, assentes em diferentes
critérios:
Quanto aos sujeitos, podemos ter indemnizações plurais ou singulares – plurais se
houver complexidade subjectiva, singulares se tal não se verificar. Em caso de
indemnização plural, esta pode ser solidária ou parciária, consoante o regime aplicável.
Quanto ao tipo de imputação, podemos ter indemnização delitual, pelo risco ou pelo
sacrifício. Podemos ainda distinguir as indemnizações quanto à espécie de danos a
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

ressarcir: podem ser morais, patrimoniais, danos emergentes, lucros cessantes, etc.
Quanto ao conteúdo, a indemnização pode ser pecuniária ou específica. A
indemnização específica implica a entrega ao lesado de um bem igual ao prejudicado;
é pecuniária quando é entregue o valor correspondente ao da lesão, normalmente
através da entrega de uma quantia em dinheiro. Finalmente, quanto ao escopo visado
pela indemnização, podemos ter um objectivo reconstitutivo – se se pretender colocar
o lesado na situação idêntica à da ausência da lesão – ou compensatório – se se
pretende conceder uma compensação.
Do art 566º CC resulta uma clara preferência pela indemnização em espécie,
considerada mais perfeita no que toca à reparação do dano. A indemnização não será
específica quando tal for impossível, não repare integralmente os danos ou quando
seja excessivamente oneroso para o devedor. Note-se que esta indemnização não é
possível quando estamos perante bens não fungíveis, como sucede com os danos
morais. Não deve concluir-se que, perante a impossibilidade de uma restituição em
espécie, se deve recorrer a uma indemnização em dinheiro. Nada o indica. Pode haver
uma indemnização específica e, nos danos remanescentes, uma entrega pecuniária.
Pode também acontecer que a indemnização em espécie exija um esforço para o
obrigado que não tenha qualquer equivalência com a vantagem do lesado, caso no
qual a indemnização pecuniária é aceitável. Uma indemnização específica é
excessivamente onerosa quando a sua exigência atente gravemente contra os
princípios da boa fé.
Do art 562º CC resulta que a obrigação de indemnizar visa remover o dano imputado.
A medida da indemnização deve então ser simplesmente a do dano imputado ao
sujeito. Se esse dano não tem expressão em dinheiro, deve ser feito um cálculo
equitativo. A determinação da indemnização pecuniária é feita com base no art 566º,
nº 2 CC, do qual se retira que a indemnização é a diferença entre a situação hipotética
actual, se não houvesse dano, e a situação actual, com o dano.
Cabe ainda falar das indemnizações provisórias e em renda: no primeiro caso, temos
uma situação na qual o dano vaia aumentando até ao momento em que seja totalmente
ressarcido; no segundo, temos um dano de natureza continuada.

DELIMITAÇÕES
A regra geral no que toca à determinação da indemnização é a regra da equivalência ao
montante do dano imputado. Desta, retiram-se diversas excepções.
Na imputação delitual, não há geralmente quaisquer limitações – a indemnização deve
cobrir integralmente todos os danos imputados. O único desvio a essa regra é o previsto
no art 494º CC. Diferentemente, na responsabilidade objectiva, há limites às
indemnizações, que podem assim ficar aquém dos danos. Dando-se a mera aplicação
dos esquemas de imputação delitual, aplicam-se os limites do art 508º CC; quando há
ilicitude, todos os danos devem ser ressarcidos.
Outra situação não qual a indemnização é limitada é a chamada culpa do lesado. Neste
caso, previsto nos arts 570º e 572º CC, se um facto culposo do lesado tiver contribuído
para a produção ou agravamento dos danos, pode o tribunal decidir se a indemnização
deve ser mantida, reduzida ou excluída. Se a responsabilidade derivar de simples

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

presunção de culpa, a culpa do lesado exclui a obrigação de indemnizar. Por fim, a


culpa do lesado deve ser provada por quem a alegue. O Professor Menezes Cordeiro,
no tocante a estas considerações, relembra: a expressão culpa deve aqui ser entendida
de forma muito ampla – a indemnização é reduzida ou anulada sempre que os danos
sejam provocados pelo lesado, mesmo que não voluntária ou ilicitamente. Para além
disso, não há na culpa do lesado uma verdadeira situação de limitação de
indemnização, mas sim uma delimitação dos danos que devem ser imputados.
São sujeitos da indemnização o lesado e a pessoa a quem os danos sejam imputados.
A nível delitual, pode acontecer que a imputação recaia sobre várias pessoas,
estabelecendo nesse caso o art 497º, nº 1 CC o regime da solidariedade. O nº2 manda
ter em conta os mecanismos de imputações que levam às várias situações de
responsabilidade. Também na responsabilidade pelo risco, em sede de colisão de
veículos, há solidariedade, por via do art 507º CC.
CONCURSO DE IMPUTAÇÕES
Há concurso de imputações quando há mais que um agente responsabilizado pelo
mesmo dano. Este pode ser um concurso homogéneo – o mesmo dano provoque
imputações diversas, mas todas do mesmo tipo – ou heterogéneo – o mesmo dano
implica imputações várias, de tipo diverso. Todas estas situações são concursos
subjectivos – situações em que o mesmo dano é imputado a várias pessoas.
Diferente desse é o concurso objectivo. Neste, podemos ter:
o Concurso necessário – dois ou mais eventos concorrem para a produção de um
dano, sendo essa concorrência condição essencial para a verificação do mesmo;
o Concurso cumulativo – dois ou mais eventos provocam um dano, sendo certo
que bastaria a ocorrência de qualquer um deles para o mesmo dano se verificar;
o Concurso alternativo – dois ou mais eventos incidem sobre uma situação de
dano, sendo impossível demonstrar qual deles o provocou.
Fala-se ainda do chamado concurso virtual. Neste, um dano é imputado a uma
eventualidade, sendo certo que, a esta não ter existido, o dano ocorreria na mesma,
sendo então imputado a eventualidade diferente.
EXEMPLO: António e Bento danificam uma jarra a Carlos – concurso efectivo;
António danifica a jarra de Carlos, mas se não fosse ele, Bento tê-lo-ia feito.
Normalmente, o concurso virtual é subjectivo. O mesmo pode ser homogéneo ou
heterogéneo, consoante os tipos de imputação em jogo.

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