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AÇÕES REGRESSIVAS ACIDENTÁRIAS E O CENÁRIO ECONÔMICO

ATUAL

REGRESSIVE LAWSUIT BY WORK ACCIDENT AND ACTUAL ECONOMICS


SCENARIOS

Ednelson Luiz Martins Minatti 1.

Sumário: 1. – Introdução; 2 – Contextualizando o tema – ações regressivas


acidentárias; 3 - Integração do estado, do direito e da economia; 4 – Função dos
preâmbulos constitucionais; 5 – Ações regressivas acidentárias, risco ambiental
do trabalho (rat) e o fator acidentário de prevenção (fap); 6 – efeitos metajurídicos
e solução adequada; 7. – Conclusão. Referências.

RESUMO

O conhecimento não nasce do consenso, para que se evolua, para que se


avance é preciso a irritação, é necessária a existência de diferenças. O presente
trabalho tem por objetivo fomentar o debate e nasce da percepção do alto grau
de risco para negócios no Brasil, trazendo neste estudo em especifico a
contribuição das ações regressivas acidentárias para o aumento deste cenário
não propicio para o desenvolvimento das atividades econômicas. Este trabalho
não tem a pretensão de estar certo, no entanto chama a atenção para questões
atuais e que necessitam de mais pesquisa e contraposição de ideias para que
se chegue a conclusões mais sólidas.
Palavra-chave: Capitalismo – Economia – Acidente de Trabalho – Ação
regressiva Acidentária - Empresa.

ABSTRACT

Knowledge isn´t born from consensus, in order to evolve, to move forward


irritation is necessary, the existence of differences is required. This paper aims
to stimulate debate and born of the perceived high degree of risk to business in
Brazil, bringing in this study the regressive lawsuit by work accident contribution
to the increase this risk that not conducive to the development of economic
activities. This work does not claim to be correct, but draws attention to current
issues and who require more research and contrast of ideas in order to reach
stronger conclusions.
Keywords: Capitalism - Economy – Work Accident – Regressive lawsuit by work
accident.

1Advogado. Especialista em direito tributário. Professor da graduação da UNISOCIESC e


Mestrando do programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial e Cidadania do Centro
Universitário Curitiba – UNICURITIBA - ednelson@cmmr.adv.br.
1 - Introdução

Para números não existem argumentos, o Banco Central do Brasil emitiu


nota para a imprensa 2 em 27.02.2015 informando que o Brasil registrou déficit
primário de 31,4 bilhões no acumulado em doze meses. Em termos simples
mesmo descontando as despesas financeiras da dívida pública o Brasil
arrecadou menos do que gastou.
Escolhas precisam ser feitas, ou se reduz o tamanho do Estado ou se
aumenta a capacidade de pagamento dos contribuintes, para em consequência
aumentar a arrecadação.
É muito difundido na celeuma tributária o conselho de Jean-Baptiste
Colbert, então ministro de finanças, ao Rei Luiz XIV da França segundo o qual
“A arte de depenar o ganso consiste em obter o maior número de penas com o
menor número de grasnidos”. Em terrae brasilis a questão não mais reside no
grasnido mas sim na morte do ganso. Se deve retirar o maior número de penas
sem matar o ganso.
No Brasil a economia gira sob o modo capitalista de produção, nucleado
no instituto da Empresa. Na realidade atual sem empresa não há economia.
Parafraseando Fábio Ulhoa Coelho em sua obra princípios de direito comercial,
enquanto o capitalismo for o modo de produção predominante é de se desejar
que funcione da melhor maneira possível.
Segurança Jurídica e proteção da propriedade privada são dois
sustentáculos do modo de produção capitalista e mais do que princípios
enunciativos são questões de ordem para o país ante uma economia
globalizada.
Sobre o assunto, Belluzo 3 no artigo “a internacionalização recente do
regime do capital” aponta que em regra a empresa transnacional mantém sua
base de controle no país de origem mas espalha suas plantas pelo planeta em
busca de menores custos de produção, menores salários, taxas de câmbio

2 SITE. Política Fiscal – Nota para Imprensa. Disponível em:


http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC. Acessado em 01.03.2015.
3 BELLUZO, Luiz Gonzada de Mello. A internacionalização recente do regime de capital in

Carta Social e do Trabalho nº 27 Jul. à Set. 2014 p.2-16.


desvalorizadas e proximidade com grandes mercados. Neste cenário Belluzo
destaca:
Nesse contexto, os efeitos sobre o emprego são devastadores. A
desregulamentação do mercado de trabalho vai ao encontro da busca das
grandes cadeias por menores custos de produção. Não é por outra razão
que os 1.125 corpos nos escombros de Bangladesh se misturavam a
peças de roupas das mais famosas e luxuosas marcas mundiais. A
globalização unificou os mercados de trabalho ao pressionar salários e
direitos para baixo. As legislações nacionais tornam-se reféns do
movimento transnacional da grande empresa que pode sempre ameaçar
deslocar-se para um país de custo mais baixo. (BELLUZO, 2014, p.15)
No caso brasileiro, nossa grande massa de consumo aliada a taxas de
importação proibitivas é o que tem mantido a atração do capital. No entanto não
raro se vê não só empresas estrangeiras como também empresas brasileiras
realizando estudos e migrando parte ou mesmo a totalidade de suas plantas
fabris para países da Ásia e África.
Neste cenário econômico, onde o capital não respeita mais fronteiras
nacionais e possui por característica exatamente a mobilidade de migrar a
procura de ambientes menos hostis com certa facilidade é que se isola e põe em
foco a questão das ações regressivas acidentárias para discussão.
2 – Contextualizando o tema – Ações Regressivas Acidentárias

Embora a lei federal nº 8.213 tenha sido publicada no ano de 1991, no


Brasil se tem o fenômeno “das leis que pegam e das que não pegam”. Das
normas jurídicas que embora em vigor e são observadas ou não.
Este era o caso do Art. 120 da referida lei que dispõe o seguinte: “Art. 120.
Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do
trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social
proporá ação regressiva contra os responsáveis.”
Até um passado recente tal dispositivo não era observado, desde 2009
começaram a florescer centenas de ações fundadas neste art. 120 da Lei n.
8.213/91 e também no art. 7º, XXII, da CF/88e que tem por objetivo viabilizar o
ressarcimento do erário público pelas verbas despendidas e por despender com
o pagamento de benefícios decorrentes de acidentes de trabalho gerados pelo
descumprimento das normas de higiene e de segurança do trabalho.
Conforme dados da Advocacia Geral da União 4 em notícia publicada no
ano de 2009, de 1991 à 2009 foram ajuizadas 602 ações, apenas no ano de
2009 foram ajuizadas 398 ações, o que demonstra o crescimento exponencial
da utilização deste recurso.
Ante e em resposta a este crescimento, de 2009 em diante não faltam
artigos 5, monografias 6 e dissertações 7 discutindo o tema tanto em defesa quanto
contra, questionando a própria constitucionalidade da medida.
Neste paper não se objetiva tomar partido de um ou outro lado, se entende
que há razões lógicas em ambos, o que se busca é fomentar o debate e alertar
para as consequências reflexas, em especial econômicas, advindas da escolha
de um ou outro caminho.

4 Disponível em: http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/100456 Acessado em


22.02.2015
5 Disponível em: http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12091&revista_caderno
=20 Acessado em: 22/02/2015
6 Disponível em : https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/77939
/000897718.pdf?sequence=1 Acessado em 22/02/2015
7 Disponível em:
https://repositorio.ucs.br/jspui/bitstream/11338/601/1/Dissertacao%20Cirlene%20Luiza%20Zim
mermann.pdf Acessado em 22/02/2015
3 - Integração do Estado, do direito e da economia

No ensino do direito no Brasil se divide o conteúdo em diversas cadeiras,


em diversas áreas, por fins didáticos e metodológicos. Em pesquisas, se
costuma fazer o mesmo.

Diante desta escolha epistemológica não é estranho, tampouco causa


espanto, se observar na seara profissional os aplicadores do direito também
agirem dentro de suas “caixas” sem se atentar para uma visão macro sistêmica
do direito.

Esta visão engessada pode tornar legítimos e justos atos que se


analisados de uma outra perspectiva se mostram contrários aos objetivos do
Estado.

Ações regressivas acidentárias estão costumeiramente na “caixa” do


direito do trabalho e no caso do Direito do Trabalho se parafraseia Michel Villey
que ao tratar dos direitos humanos falou “Os direitos humanos só tem amigos” 8,
o direito do trabalho também só tem amigos.

O que se apurou nesta pesquisa é que as ações regressivas acidentárias


vem sendo analisadas apenas pelo viés trabalhista, tanto pela “direita” quanto
pela “esquerda”, isoladas nesta “caixa”, sem se atentar para os efeitos
econômicos e sociais deste instituto.

Outro ponto importante antes de se prosseguir diz respeito a força das


decisões judiciais, é o conceito de realismo jurídico nos termos escritos por
Luciano de Oliveira 9, onde o direito não é o que está nas leis mas sim aquilo que

8 A “esquerda” é imbuída da linguagem dos direitos humanos – e triunfa intelectualmente. Os


homens de direita – à parte alguns extremistas – dão a aparência de desobedecer às mesmas
ideologias. Os direitos humanos só tem amigos. (VILLEY, ,2007. p. 11)
9 Ora, reza uma vertente da teoria jurídica, o chamado realismo jurídico, que o direito não é o

que está nas leis, mas aquilo que é efetivamente aplicado pelos juízes. Nesse caso, por que não
adotar essa perspectiva teórica e ir ver o que é efetivamente aplicado pelos juízes. Nesse caso,
porque não adotar essa perspectiva teórica e ir ver o que efetivamente acontece com as ações
judiciais – mas também com iniciativas extrajudiciais do parquet, entre outras possibilidades –
tendo por objeto essa proteção? Para começo de assunto: essas ações e iniciativas existem?
Quais são seus resultados? Positivos? Negativos? Nesse caso, por quê? São respostas cujas
respostas poderão estar em autos de processos que o jurista-autor sabe manusear e poderá
efetivamente é aplicado pelos juízes. Se nota que a legislação é antiga, apenas
com o impulso das Advocacias Gerais da União e com a atuação dos juízes é
que o instituto legal tomou relevância econômica e social.

Ordenando os pensamentos até este ponto se tem o seguinte, o Estado


brasileiro é regido por um sistema de produção eminentemente capitalista,
sistema capitalista se funda na segurança jurídica e na proteção da propriedade
privada, empresa é a manifestação da economia no mercado capitalista, uma
das característica do capital no mundo globalizado é sua grande mobilidade, os
efeitos dessa mobilidade são devastadores para o trabalho e emprego, se
reiteradas decisões com o cunho de proteção ao trabalhador criarem um
ambiente hostil para a empresa, o mercado móvel buscará outro território e sem
empresa não existe trabalho.

Se cria assim uma relação paradoxal, o Estado ao mesmo tempo deve


de proteger a empresa e o trabalhador, na atual configuração constitucional um
não existe sem o outro. Até que ponto o Estado deve defender um ou outro lado
é a questão, por óbvio seria caótico estudar efeito do bater de asas das
borboletas sobre o clima, não é o que se propõe. Mas se recorre ao preâmbulo
constitucional para traçar o caminho de uma resposta possível.

4 – Função dos preâmbulos constitucionais

Atentado para o tamanho do Brasil, se parte dos pressupostos que


soluções alienígenas ao nosso direito dificilmente se adequariam as nossas
muitas realidades e também de que é muito difícil se tomar qualquer decisão em
termos de Brasil que satisfaça as muitas realidades existentes. A realidade das
condições do trabalho no interior do Amapá, no sul do Rio grande do Sul, no ABC
Paulista ou na Zona Franca de Manaus são diferentes.

levantar sem maiores dificuldades. A verificação de pontos de estrangulamento poderá, inclusive,


fornecer ao mestrando ou doutorando subsídios para sugerir formas legislativas, administrativas,
etc. (OLIVEIRA, 2004 p. 165)
Não se pode deixar de observar também, dentre as várias opções
possíveis o modelo de Estado adotado no Brasil. Como bem escreve GABARDO:

Toda economia é um sistema ou um tipo, “no sentido de um conjunto


de elementos ordenados unitariamente e dotados de certa
estabilidade”, Por seguinte possui elementos pessoais (produtores,
consumidores), materiais (meio de produção, matéria prima) e
processos (produção, distribuição), podendo ser caracterizado
segundo dois critérios fundamentais: o modo-de-produção (foco de
Karl Marx) e o tipo-de-coordenação (foco de Max Weber). [...] Há várias
possibilidades entre estes modelos estruturantes e, ademais em uma
economia concreta nunca há um único sistema econômico puro.
(embora sempre haja um dominante). O Estado social, desse modo,
caracteriza-se por introduzir por meio da ordem constitucional um
específico modelo de forte intervenção cujo modo-de-produção é
pautado pela apropriação mista dos meios de produção e por um
esquema de planejamento parcial em um sistema econômico
predominantemente capitalista. [...] O avanço da indústria, as políticas
habitacionais, o incremento do consumo de base, o pleno emprego e a
melhoria geral das condições de vida no ocidente contribuíram para a
crença no Estado e na sua capacidade de normalização da realidade.
(GABARDO, 2009, p. 156-157).

Na atualidade em regra o povo brasileiro vive em uma relação paradoxal


e talvez até cínica, por um lado deseja os benefícios sociais do welfare state e a
distribuição de riquezas do socialismo, porém, pagando tributos nos modelos do
Estado Mínimo de uma economia liberal. Neste cenário se tornou comum no país
enxergar a Empresa como sendo fonte inesgotável de recursos, financiadora
direta e indireta de políticas públicas e o lucro como vilão.
Pertinente mencionar também que neste discurso não estão excluídos os
investidores e empresários, estes padecem da mesma relação paradoxal, neo-
liberal no momento do pagamento de tributos e encargos trabalhistas mas não
se recusam a buscar as atrativas linhas de financiamento de bancos públicos.
Com isto se deseja pontuar o discurso de modo que não pareça dirigido a
uma ou outra classe, não se trata de uma “briga de classes”, não existem madres
superioras em bordéis, não existem culpados ou inocentes, apenas se deixa
vincado a confusão e a falta de rumo ou planejamento que permeia a atual
sociedade brasileira.
Ante a esta falta de rumo é necessário se estabelecer uma âncora, é
necessário que se tenha um marco normativo que estabeleça amarras para
pautar a conduta do Estado manifestado por qualquer de seus poderes ou
mesmo por parte dos particulares.

Mesmo o pensamento científico tem de estar atrelado a este marco


normativo que é a constituição da república de 1988 com suas 83 (oitenta e três)
emendas até a data de outubro de 2014. Qualquer solução ou proposição que
se afaste do plano constitucional, uma proposição separatista, por exemplo,
pressupõe a inexistência da ordem constitucional. E sem uma ordem
constitucional, não se possui critérios, de modo que qualquer medida pode ser
tomada como legitima.

Assim, os fundamentos para qualquer estudo a respeito do Estado


brasileiro têm de ter por pano de fundo a norma constitucional. Dai a importância
em se conhecer tal marco normativo. Para entendimento da norma constitucional
não se poderia partir de outro lugar que não do seu preâmbulo, onde consta:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.(BRASIL, CRFB/1988)

Se recorre a Peter Haberle para entender o significado dos preâmbulos:

“En todo caso, los preâmbulos remiten a verdades básicas o de fe pre-


positivas de una comunidade política; em ocasiones reactualizan um
pedazo de la “religion civile”. Presumiblemente, las constituciones sin
preámbulo contienen tambéin dichas “verdades de fe”, que son previas
a sus disposiciones jurídicas, pues todo orden jurídico positivo penetra
em dichas camadas profundas. Los preâmbulos pretenden
racionalizarlas y darles expresión, a veces em forma secularizada,
otras en forma “todavia teológica”. Estos fundamentos de la
autocomprensión (em la entidade) de uma comunidade política, el
concetrado, es aquello que obliga a todos los ciudadanos, casi como
uma “profesión de fe”, es aquelo que es puesto “antes del parêntesis”
y que com frecuencia es formulado em términos similares a um
contrato (la Constitución como contrato). (HABERLE, 2003, p. 276)

Conforme exposto, para Häberle o preâmbulo “remete a verdades básicas


ou de fé pré positivas”.

Para Kelsen, O preâmbulo. Uma parte tradicional dos instrumentos


chamados "constituições" é uma introdução solene, um, assim chamado,
"preâmbulo", que expressa as ideias políticas, morais e religiosas que a
constituição pretende promover. Esse preâmbulo em geral não estipula
quaisquer normas definidas para a conduta humana e, assim, carece de
conteúdo juridicamente relevante. Ele tem antes um caráter ideológico do que
jurídico. Normalmente, se ele fosse suprimido, o teor real da constituição não
seria modificado nem um pouco. O preâmbulo serve para dar maior dignidade à
constituição e, desse modo, maior eficácia.” (KELSEN, 1998, p. 372)

Em sentido oposto aos dois autores, o brasileiro José Afonso da Silva


escreve:

“O Estado Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício


de determinados valores supremos. ‘Assegurar’, tem, no contexto,
função de garantia dogmático-constitucional; não, porém, de garantia
dos valores abstratamente considerados, mas do seu ‘exercício’. Este
signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o objetivo de
‘assegurar’, tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação
em favor da efetiva realização dos ditos valores em direção (função
diretiva) de destinatários das normas constitucionais que dão a esses
valores conteúdo específico” (SILVA, 2006. p. 22)

Na doutrina pátria também há quem concorde e quem discorde de José


Afonso Silva, existe divergência em relação ao conteúdo valorativo do preâmbulo
constitucional, tanto de ordem doutrinária como também jurisprudencial. De
qualquer sorte, sem entrar na polêmica, para este estudo, se escolhe o último
entendimento, o de que o preâmbulo possui “função pragmática” e dirige o
Estado a realização dos valores lá contidos.

Por este caminho o preâmbulo, ao guardar os valores supremos, serve de


bússola e deve reger os atos do Estado no cumprimento das demais normas
contidas por exemplo nos artigos 1º a 4º, 5º, 6º, 23, 25, 30, 37 (§ 6º), 170 a 175,
193 a 230 da Constituição Federal de 1988.

Ainda, do preambulo constitucional merecem ser recortado quatro


valores, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,
aparentemente contraditórios e excludentes. Na Obra Desenvolvimento como
Liberdade 10 Amartya Sen defende uma abordagem múltipla do desenvolvimento,
rejeitando soluções “compartimentadas” do processo de desenvolvimento. O
setor privado, regido pelas leis de mercado (competição e egoísmo 11), também
pode ser fomentado a desenvolver o bem estar, a questão que remanesce é as
ações regressivas acidentárias por meio da sanção estão fomentando o bem
estar do trabalhador ou criando um ambiente hostil e afugentando o capital?

5 – Ações Regressivas Acidentárias, Risco Ambiental do Trabalho (RAT) e


o Fator Acidentário de Prevenção (FAP)

Na relação trabalhista o judiciário, o legislativo, o executivo, os


trabalhadores, as demais empresas, etc., são jogadores e o empresário no papel
de um dos jogadores, decide seus movimentos a partir do conhecimento dos
movimentos dos demais jogadores. A título de exemplo, quando publicada a lei
que introduziu o instituto da “periculosidade” no ordenamento jurídico brasileiro,
foi um movimento até então desconhecido que causou um distúrbio na ordem do
jogo. Com o passar do tempo, hoje por exemplo, tal movimento já foi absorvido
e introduzido ao custo de produção de cada célula empresarial. No cálculo para
formação do preço dos produtos, embora invisível, está o custo do encargo, na
forma do ditado “não há almoços de graça”.

10 “As razões para adotar uma abordagem múltipla do desenvolvimento tornaram-se mais claras
em anos recentes, em parte como resultado das dificuldades enfrentadas e dos êxitos obtidos
por diferentes países ao longo das últimas décadas. Essas questões relacionam-se
estreitamente à necessidade de equilibrar o papel do governo – e de outras instituições políticas
e sociais – com o funcionamento dos mercados.” SEN, Amartya, 2000).
11 “A segunda condição em que se desdobra o princípio da livre-iniciativa é a do lucro como o

principal fator de motivação da iniciativa privada; o lucro obtido com a exploração regular e lícita
da empresa. Como afirmado, qualquer empresa nasce sempre do interesse individual e egoísta
do empresário, que busca auferir ganhos com a exploração de uma atividade econômica, que vá
ao encontro das necessidades e querenças dos consumidores. O lucro, assim, no sistema
capitalista, não pode ser jurídica ou moralmente condenado”. (COELHO, 2012. p. 32-33)
Os movimentos do judiciário até algumas décadas não tinham tanto relevo
econômico quanto o tem ante a jurisdicialização de condutas da atualidade. Hoje
ele é demandado a apresentar soluções para tantas e tantas questões que se
arrisca a dizer, suas decisões possuem mais valor do que a norma positivada,
voltando a teoria do realismo já citada anteriormente neste artigo, o direito não é
a lei positivada, o direito é o que os juízes ditam.
As ações regressivas acidentárias, são a mostra de um movimento atual
de mudança nas regras do jogo e que ainda não se tem exata noção de seus
efeitos para a atividade empresarial.
O fato é que excluindo empresas beneficiadas por algum incentivo
tributário, uma empresa hoje paga de 26,30% à 31,80% do valor de sua folha de
salários a título de encargos sociais. Deste percentual, de 0,5% à 6% dizem
respeito ao encargo social chamado “Risco Acidente Trabalho (RAT)” adicionado
do “Fator Acidentário de Prevenção (FAP)” que constituem um fundo para
custeio das pensões por morte e invalidez no ambiente do trabalho 12.
Não obstante o pagamento mensal deste valor expressivo por parte da
Empresa, os Advogados Gerais da União vêm promovendo com sucesso ações
de regresso cobrando o valor destas pensões custeadas por todas as empresas
e pagas pela União da pessoa jurídica responsável pelo acidente.
A regra é, ou até então era, recolher de 0,5% à 6% do valor total das folhas
de salário de todas as empresas do Brasil para custear um fundo destinado ao
pagamento de pensões por morte ou invalidez. A regra atual é a manutenção da
antiga norma, acrescendo o risco da empresa ser condenada a pagar ainda a
própria pensão do empregado que sofreu o acidente.
O importante aqui não é o mérito da questão mas sim a atenção para a
mudança da regra, ou melhor, a adição de uma nova regra sem se dar conta da
inteligência da anterior.
O RAT – Risco Acidente de Trabalho – constituí um fundo para o
pagamento de benefícios ao trabalhador acidentado ou a família do trabalhador
falecido, mas nem de longe pode ser considerado um benefício exclusivamente

12 Brasil. Lei 8.212/1991. Art. 22, II “para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57
e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de
incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre
o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados
e trabalhadores avulsos:
do trabalhador, na ordem constitucional vigente se pode entender também que
é uma forma de proteção da empresa, da atividade negocial, ante sua
importância estrutural para o país.
Para a manutenção de um ambiente de negócios que atraia o capital ao
invés de deixar o risco de acidentes de trabalho a encargo da empresa, o Estado
mensalmente recolhe de todas as empresas uma contribuição a título de uma
espécie de “seguro”.
Uma questão tão esdruxula quanto a cobrança dupla, a empresa
condenada em ação regressiva acidentária poderia requerer a repetição do
indébito do que foi recolhido a título de RAT ao longo dos anos? O fato concreto
é que a nova regra instituiu mais um custo para as empresas, se está cobrando
inicialmente na forma de tributo (wellfare state) e em um segundo momento em
espécie, mais próximo de um modelo liberal.
O efeito deste novo custo também é lógico, a partir do momento em que
a ação regressiva se mostre um risco, o movimento da empresa será o de criar
provisões para custear tal despesa. Caso o custo de tal provisão possa ser
repassada aos consumidores, se aumentará o valor dos produtos. Caso por força
da concorrência o preço não puder ser aumentado a empresa será obrigada a
sacrificar ao seu lucro.
O instituto da empresa gira em torno do lucro e segue uma lógica
matemática. Caso o efeito das ações regressivas seja relevante e impacte no
lucro, a empresa começará a fazer contas para cogitar a busca por um ambiente
mais propício.
Se observe e pontue, não se está discutindo os méritos das ações, por
óbvio, atrás de cada caso concreto existe uma história triste, questão irrelevante
para o que se propõe. Tampouco se quer defender a empresa como se tratasse
de instituto fraterno e filantrópico, muito pelo contrário, empresa para que
funcione bem (atinja o máximo de lucro) é e tem de ser fria e racional. No modelo
constitucional vigente o Estado tem de ao mesmo tempo atrair investimento e
controlar a Empresa para evitar a prática de abusos.
O aqui proposto é uma reflexão sobre os efeitos meta jurídicos trazidos
por tais ações judiciais e se tais efeitos se mostrarem relevantes, a proposta de
um modelo mais ou menos adequado.
Em curto prazo tais ações judiciais podem ou não levar a falência aquelas
empresas que não possuem recurso financeiro para custear o “novo encargo”
causando a demissão de outros funcionários. Porém o problema real não é o
fechamento de uma empresa, o problema para o qual se chama a atenção é a
falta de interesse, ou o medo, de abertura de outra no lugar.
Para a teoria macroeconômica não tem relevo a demissão de mil
empregados por meio da falência de uma empresa, desde que outras empresas
nas fronteiras nacionais empreguem mil pessoas para suprir a demanda do
mercado advinda da falta da produção daquela empresa falida.
O problema real é a alta mobilidade do capital ante a economia
globalizada e a falta de interesse do capital em fixar suas bases em solo
nacional. Se pense na dificuldade de se explicar para um investidor Americano
por exemplo (economia liberal) o funcionamento do jogo para uma empresa
estrangeira no caso de acidente de trabalho, ou mesmo para um empresário
brasileiro. Quando o empresário começar a questionar a viabilidade dos
negócios no Brasil e a possibilidade de mudança de planta fabril para outras
fronteiras é que deveríamos começar nos preocupar. Se atentarmos para o fato
de que muitas empresas nacionais já migraram ao menos parte de sua planta
fabril para outras nações se nota que talvez já estejamos atrasados em oferecer
uma resposta.
Entendido o funcionamento do jogo se começa a entender a importância
do “ambiente de negócios”. Se uma outra economia, China por exemplo, oferecer
maior garantia de lucro (segurança jurídica e proteção da propriedade privada)
por que o investidor arriscaria seu capital no Brasil? O fechamento de uma
empresa no Brasil causaria a contratação de empregados na China, e este é o
cenário que se precisa evitar.
Da mesma forma apontada na introdução, o Brasil apresenta déficit
primário indicador de que já se perdeu tempo na tomada de medidas para atrair
investimento e fortalecer as Empresas e com isso aumentar a produção de
riquezas e de arrecadação tributária para que se diminua a necessidade de
cortes orçamentários e consequente alteração forçada dos projetos sociais de
Estado em curso.

6 – Efeitos metajurídicos e solução adequada


Antes de se prosseguir para alguma conclusão é preciso notar alguns
fatos, o primeira é de que uma solução estrangeira não pode ser transplantada
para o Brasil e a segunda é de que não existe um Brasil, mas sim muitos Brasis,
no interior de uma mesma cidade inclusive. Um trabalhador de escritório em São
Paulo capital a priori não pode ser equiparado a um cortador de cana do interior
daquele Estado.
Esta sociedade multidimensional, ou plural, carrega consigo uma
característica marcante, todos lutam pelo reconhecimento de seus supostos
direitos, fato apontado por Mateus Bertoncini e Felippe Abu-Jamra Corrêa no
primeiro capítulo da obra “responsabilidade social da empresa e as ações
afirmativas onde os autores tratam da nova sociedade global e o reconhecimento
das minorias. Alasdair Macintyre, na obra Depois da Virtude, fala da ficção que
são os direitos do homem e da estridência e o caráter interminável que marcam
a linguagem moral contemporânea. Paul Ricoeur na obra O Justo – A Justiça
como regra moral e como instituição escreve no segundo capítulo sobre o
deslocamento do conceito de responsabilidade, e do perigo em se atribuir a
responsabilidade sobre tudo para todos.
A soma de todos os fatos e características apontados levam para um
arremate facilmente constatado por meio da observação do judiciário brasileiro,
um individualismo acentuado e uma grande judicialização das condutas, e talvez
um ainda mais perigoso, a imputação da responsabilidade de tudo para as
Empresas, por ser vista como sendo um fonte inesgotável de recursos.

Antes de prosseguir a contribuição do professor Mateus Bertoncini é


importante para melhor entendimento do tema, que escreveu o seguinte:

“[...] com o advento do Estado Social foram impostas mudanças não só


no plano da propriedade privada, mas também na esfera da atividade
empresarial. Preservando a ordem econômica capitalista, o Estado
social assumiu as demandas sociais, refletidas nos direitos
fundamentais de solidariedade e fraternidade.
Como cediço, indiscutível é a importância socioeconômica da atividade
empresarial. Essa é, desde a Revolução Industrial, o grande motor da
economia e, consequentemente, da própria sociedade.”
(BERTONCINI, 2014, p. 54)

Manutenção da empresa, da atividade empresarial e função social da


empresa são assuntos discutidos majoritariamente nas varas de falência e
recuperação judicial, quando em regra, já é tarde.
Quando se fala em “função social” o senso comum aponta para
“caridades”, maior erro não há. Função social diz respeito a algo para além, no
caso da função social da empresa o alerta é que a importância “deste algo além”
deve ser lembrado e respeitado sempre e não somente no caso de empresa em
crise.
O fato isolado “ações regressivas acidentárias” são apenas uma fagulha
dentre a enorme quantidade de fatos que tornam o Brasil um ambiente hostil
para o desenvolvimento do instituto da empresa. É importante se destacar que
empresa nenhuma se importa com o pagamento de tributos, são apenas custos
os quais serão levados em conta na formação do preço dos produtos ou serviços.
O que torna o ambiente hostil para negócios são as mudanças de regras, a
instabilidade e insegurança jurídica. O suposto caráter pedagógico no qual as
Advocacias Gerais da União embasam tais ações escondem por trás um efeito
nefasto para os negócios que é a incerteza de possíveis condenações
milionárias.
Apenas uma pesquisa empírica e muito mais longa é que poderia definir
se este fato isolado possui ou não efeitos relevantes para o lucro das empresas
condenadas. No entanto o mais importante e o que chama atenção é uma
característica que no judiciário foi chamada de “ativismo judiciário” está migrando
para as Advocacias Gerais da União. Na inércia do poder legislativo o judiciário
age, na inércia do Ministério do Trabalho e Emprego as Advocacias Gerais da
União agem.
Uma solução mais adequada talvez se desse com a substituição destas
Ações Regressivas por uma atuação mais forte e presente do Ministério do
Trabalho e Emprego. A este ministério cumpre a tarefa de fiscalizar e autuar
empresas as quais não seguem os parâmetros de segurança adequados e
possuem sua atividade fortemente vinculada a normas e regras de segurança e
salubridade do ambiente de trabalho possíveis de ser conhecidas e cumpridas
pelas Empresas.

7 – CONCLUSÃO

O fio condutor deste artigo e a tentativa de chamado para reflexão diz


respeito ao ambiente de risco para negócios no Brasil, ao impacto econômico
das ações regressivas acidentárias e a sua repercussão para além do processo,
sua repercussão na tomada de decisões pela empresa e pelos investidores. Mais
uma vez citando Fabio Ulhoa Coelho:

Uma vez assentado que a segurança jurídica resultante da redução da


imprevisibilidade das decisões judiciais aproveitaria a toda economia
brasileira (a todos os brasileiros, por conseguinte), impõe-se a
indagação: Como aumentar a previsibilidade das decisões judiciais
atinentes às relações entre os empresários?

A resposta aponta para o fio condutor da revitalização do direito


comercial brasileiro, isto é, a enunciação, estudo e divulgação dos seus
princípios. (COELHO, 2012. p. 18)

A resposta encontrada pelo supracitado autor é a constitucionalização e


retorno da autonomia do direito comercial. Para o autor deste artigo a conclusão
de Fábio Ulhoa é insuficiente, também é necessário um chamado à consciência
da magistratura e das Advocacias Gerais da União para que observe e entenda
o comportamento da Empresa e por via de consequência os efeitos de suas
decisões.
No afã de resolver os conflitos imediatos muitas das vezes pode se deixar
de perceber as consequências daquelas soluções e se pode estar receitando
remédios que talvez causem males maiores do que as doenças combatidas.
Em cada sentença há uma importância e uma responsabilidade muito
maior do que a aparente a resolução da lide e o que se busca é um chamado de
responsabilidade no momento de prolação das decisões por parte do judiciário.
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