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DIREITO CIVIL III

autora
FERNANDA SCHAEFER RIVABEM

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  rafael iorio, roberto paes e paola gil de almeida

Autor do original  fernanda schaefer rivabem

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline


karina rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  cláudio roberto santos

Imagem de capa  asharkyu | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

R616d Rivabem, Fernanda Schaefer


Direito Civil III. / Fernanda Schaefer Rivabem.
Rio de Janeiro: SESES, 2016.
144 p: il.

isbn: 978-85-5548-324-0

1. Direito civil. 2. Direito civil, Brasil. I. SESES. II. Estácio.

cdd 347

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. Introdução à Teoria Contratual 9


1.1 Introdução 10
1.2  Importância dos contratos na sociedade contemporânea 11
1.3  Conceito e Natureza Jurídica do Contrato 13
1.4  Contratos na perspectiva Civil-Constitucional e o Código Civil
de 2002 18
1.5  Planos de existência, validade e eficácia dos contratos 19

2. Principiologia Contratual na Perspectiva Civil-


Constitucional 25

2.1  Valores, Princípios e Regras – recordar é preciso 27


2.2  Constitucionalização do Direito Privado e Princípios Contratuais 29
2.3  Princípios Contratuais Clássicos 30
2.3.1  Autonomia Privada e Autonomia da Vontade 30
2.3.2  Força obrigatória dos contratos (‘pacta sunt servanda’) 34
2.3.3  Intangibilidade dos contratos 36
2.3.4  Relatividade (subjetiva) dos efeitos dos contratos 37
2.4  Princípios Contratuais Contemporâneos ou Princípios Sociais
dos Contratos 38
2.4.1  Função social dos contratos (princípio da socialidade) 39
2.4.2  Boa-fé objetiva (princípio da eticidade) 43
2.4.3 Probidade 47
2.4.4  Dirigismo contratual 49
2.5  Outros Princípios Contratuais 51
2.5.1  Da equivalência material 51
2.5.2  Justiça contratual 52
3. Formação dos Contratos 57

3.1  Negociações Preliminares (Puntuação) 58


3.2  Da Oferta e da Aceitação dos Contratos 62
3.2.1  Da Proposta (oferta, policitação ou oblação) 62
3.2.2  Da Aceitação 65
3.3  Momento e Lugar de Formação dos Contratos 66
3.3.1  Tempo de formação dos contratos 66
3.3.2  3.1. Lugar de formação dos contratos 68

4. Classificação dos Contratos 71

4.1  Contratos considerados em si mesmos 73


4.1.1  Quanto aos direitos e deveres das partes (presença de
sinalagma) ou quanto à natureza da obrigação entabulada: unilateral;
bilateral (sinalagmático); plurilateral 73
4.1.2  Quanto ao sacrifício ou atribuição patrimonial das partes:
oneroso; gratuito (benéfico) 74
4.1.3  Quanto ao momento de aperfeiçoamento do contrato ou quanto
à constituição do contrato: consensual; real 76
4.1.4  Quanto aos riscos envolvidos: comutativo (pré-estimado);
aleatório 77
4.1.5  Quanto à previsão legal: típico; atípico 79
4.1.6  Quanto à designação: nominado; inominado 80
4.1.7  Quanto à negociação do conteúdo pelas partes ou quanto à
formação: paritário; por adesão; de adesão; coativo 81
4.1.8  Quanto às formalidades: formal; solene; não formal; não solene 82
4.1.9  Quanto ao momento de cumprimento: instantâneo; de
execução continuada (trato sucessivo); de execução diferida 83
4.1.10  Quanto à pessoalidade ou quanto ao agente: personalíssimo
(intuitu personae; pessoal); impessoal; individual; coletivo; autocontrato
(contrato consigo mesmo) 85
4.1.11  Quanto à sua função econômica: de troca; associativo; de pre-
venção de riscos; de crédito; de atividade 86
4.1.12  Quanto à definitividade: preliminar (pactum de contrahendo;
pré-contrato); definitivo 87
4.1.13  Quanto ao tempo de duração 87
4.2  Contratos reciprocamente considerados (quanto à independência
do contrato) 88
4.3  Cláusulas contratuais gerais 89

5. Efeitos e Extinção dos Contratos 93

5.1  Estipulação em favor de terceiro (ou contrato em favor de terceiro)


(arts. 436 a 438, CC) 94
5.2  Promessa de fato de terceiro (ou contrato por outrem, contrato
por terceiro) (arts. 439 e 440, CC) 99
5.3  Contrato com pessoa a declarar (ou contrato com pessoa a
nomear, reserva de nomeação, pro amico eligendo, pro amico electo,
electio amici, sibi aut amico vel eligendo) (arts. 467 a 471, CC) 102
5.4  Contrato Preliminar (promessa de contratar, compromisso,
pactum de contrahendo, antecontrato, contrato-promessa, contrato
preparatório ou pré-contrato) (arts. 462 a 466, CC) 106
5.5  Efeitos dos contratos 111
5.5.1  Vícios redibitórios (arts. 441 a 446, CC) 111
5.5.2  Evicção (arts. 447 a 457, CC) 117
5.6  Extinção dos contratos (arts. 472 a 480, CC) 125
5.6.1  Extinção por fato anterior ou contemporâneo à celebração do
contrato 127
5.6.2  Extinção por fato superveniente à celebração do contrato 129
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

Em Direito Civil III você estudará a Teoria Geral dos Contratos e algumas
das principais espécies contratuais previstas no Código Civil de 2002. Ao lado
do Direito das Obrigações (estudado em Direito Civil II) o Direito Contratual
está presente no cotidiano da maioria das pessoas, em especial, daquelas que
estão inseridas em sociedades de consumo.
A presente obra embora reconheça a importância do estudo das relações
contratuais de consumo, focará a análise apenas nas relações privadas, regidas
pelo Código Civil, uma vez que para aqueles vínculos haverá obra própria vincu-
lada à disciplina de Direito do Consumidor.
Veremos ao longo do nosso estudo qual é o conceito de contrato; como se
formam e se extinguem; qual é a sua classificação e a importância da taxiono-
mia na aplicação de normas práticas; compreenderemos o alcance dos princí-
pios contratuais e como se dá a interação entre os novos e clássicos princípios;
estudaremos os efeitos gerais dos contratos e, por fim, analisaremos o conceito
e os efeitos jurídicos de algumas das espécies mais utilizadas.
Embora o Código Civil de 2002 tenha previsto vinte e três espécies contratuais, a
presente obra se deterá à análise das dez mais comuns em relações privadas, o que
não significa que você não terá o conteúdo dos demais contratos. Terá! Mas eles são
abordados em outras disciplinas como Direito Empresarial (agência e distribui-
ção, corretagem e comissão) e Mediação de conflitos (transação e compromisso).
Neste livro você encontrará não apenas os conceitos e normas essenciais à
compreensão dos temas, mas, também, exemplos concretos e jurisprudenciais
que o(a) auxiliarão a entender a aplicação prática da matéria. Ao final de cada
capítulo você será desafiado a resolver atividades e a refletir sobre o conteúdo
aprendido, primando-se pela fixação do conteúdo por meio da aplicação dos
conceitos e normas a casos concretos e a situações cotidianas.
Lembre-se: o livro é o seu primeiro momento de aprendizagem, serve como
subsídio para acompanhar as aulas, dando-lhe o suporte mínimo indispensá-
vel à compreensão do tema. Estudar antes das aulas, ajuda não só a entender o
conteúdo trabalhado em sala pelo professor, mas também a esclarecer as dúvi-
das. Após as aulas, aprofunde suas leituras e pesquisas jurisprudenciais, colo-
cando em prática o que aprendeu.

Bons estudos!

7
1
Introdução à Teoria
Contratual
1.  Introdução à Teoria Contratual
Neste capítulo serão abordadas as noções preliminares da teoria contratual, es-
senciais à compreensão do tema.
Você já reparou na quantidade de relações contratuais que realiza no seu
dia a dia? Desde a hora em que se levanta da cama, até a hora de dormir, inúme-
ros são os contratos realizados: acender a luz (prestação de serviço/luz); escovar
os dentes (prestação de serviço/água); pegar um ônibus (transporte); tomar café
da manhã em uma panificadora (compra e venda); assistir uma aula (prestação
de serviços); e, não esquecendo, o ato de conferir mensagens e redes sociais
no celular (além do contrato de telefonia, destacam-se ainda os contratos de
software dos diversos aplicativos que utiliza).
Evidencia-se a presença de diversos tipos contratuais no cotidiano, sendo
dele indissociável. Daí a importância não só do estudo da teoria geral, que for-
necerá os conceitos e princípios gerais; mas também a análise das principais
espécies contratuais.

OBJETIVOS
•  Compreender a importância dos contratos na sociedade contemporânea;
•  Estudar o conceito de contrato e sua natureza jurídica;
•  Analisar os contratos sob a perspectiva Civil-Constitucional;
•  Identificar os planos de existência, validade e eficácia dos contratos.

1.1  Introdução

O estudo da teoria obrigacional evidenciou as profundas transformações jurí-


dicas ocorridas nos últimos anos, mudanças que também acabaram refletindo
diretamente no estudo da teoria contratual: as revisões impostas ao liberalis-
mo econômico em decorrência da repersonalização e funcionalização do Di-
reito Privado; as transformações das concepções voluntaristas dos negócios
jurídicos; as limitações ao exercício da autonomia privada; a nova concepção
de justiça contratual e a adoção de princípios intimamente ligados à solidarie-
dade e à dignidade; a massificação das relações contratuais e sua consequente

10 • capítulo 1
despersonalização. E daí, a importância do estudo da nova teoria contratual a
partir da visão civil-constitucional.

LEITURA
Para recordar o que é a constitucionalização do Direito Privado leia: LÔBO, P.L.N. A constitu-
cionalização do direito civil. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/
handle/id/453/r141-08.pdf?sequence=4.> Acesso: em 18 de mar. 2016.

1.2  Importância dos contratos na sociedade contemporânea

Para a maioria das pessoas se você pedir para definir contrato, possivelmente
descreverão um papel em branco, com letras (fonte) pretas pequenas, toma-
do de termos técnicos tantas vezes incompreensíveis. A imagem quase sempre
vem acompanhada da afirmação: ‘nunca leio’.
Essa imagem, no entanto, representa o instrumento contratual, forma que
nem sempre estará presente nas relações cotidianas, uma vez que o ordena-
mento brasileiro adotou o princípio do consensualismo como regra (art. 107,
CC), tendo os contratos, portanto, forma livre.

CONCEITO
Princípio do consensualismo: “no direito brasileiro a forma é, em regra, livre. As partes
podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos
casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita,
pública ou particular. O consensualismo, portanto, é a regra, e o formalismo, a exceção” (Gon-
çalves, 2015, p. 362).

O contrato é a "força motriz das engrenagens socioeconômicas do mundo”


(Gagliano; Pamplona Filho, 2013, p. 39); provoca mudanças sociais ou se adap-
ta a elas; impulsiona a circulação de bens, o oferecimento de serviços; incentiva
o desenvolvimento social e, até mesmo, cria identidades sociológicas.

capítulo 1 • 11
Portanto, em sociedades massificadas (aquelas que impõem comporta-
mentos generalizados) como a sociedade de consumo o contrato passa a ter
papel central no cotidiano das pessoas (que acabam se tornando meras ade-
rentes em boa parte de suas relações contratuais). E, é nesse contexto, que se
evidencia a utilidade, agilidade e facilidade dos contratos de adesão, caracte-
rísticas que, no entanto, vêm intimamente associadas ao abuso dessa técnica
de contratação.

CONCEITO
Contrato de adesão: é o contrato cujo conteúdo é determinado unilateralmente pela parte
economicamente mais forte. São contratos que não admitem a discussão de suas cláusulas,
que devem ser aceitas em bloco pelo aderente. São características dos contratos de adesão:
a pré-disposição das cláusulas contratuais; a unilateralidade e a rigidez do conteúdo.

É nesse contexto de relações que variam de efêmeras à cativas de longa du-


ração que estudo da teoria contratual deve ser realizado. Não sob o olhar indivi-
dualista e liberal, mas, agora, sob o olhar solidarístico e funcionalizado estabe-
lecido pela Constituição Federal.
Não se deve, portanto, falar-se em crise ou extinção do contrato, mas sim em
mudança de sua estrutura em virtude das necessidades impostas pelas novas
formas de contratação; em transformação dos seus elementos estruturantes e
pressupostos de validade em razão das exigências comerciais e das novas tec-
nologias; em modificação de seu paradigma patrimonialista, visando a realiza-
ção da pessoa (e não os interesses do mercado). “O contrato não está em deca-
dência, mas sim em seu apogeu como instituto emergente e central do Direito
Privado” (Tartuce, 2012, p. 07).

CURIOSIDADE
Você já leu os termos contratuais dos aplicativos que baixou em seu smartphone ou dos
programas que instalou no seu computador? Não? Você não está sozinho!
Pesquisas realizadas pela Universidade de Stanford indicam que 97% das pessoas não
lêem os termos e clicam quase que automaticamente no ‘concordo’, submetendo-se as mais
diversas práticas abusivas (desde a captação e venda de dados pessoais sem consentimento
do usuário, até mesmo renúncia a direitos básicos de personalidade).

12 • capítulo 1
Ler esses termos de adesão não é apenas difícil em virtude da enorme quantidade de
expressões técnicas utilizadas, mas também pela própria extensão dos contratos. Pesquisas
indicam que se fôssemos ler todos os contratos aos quais simplesmente aderimos clicando
em ‘concordo’ gastaríamos em torno de 20 a 30 minutos, considerados os instrumentos mais
simples e a vida social atual não nos permite mais ‘gastar’ tempo com isso.
Por isso, não só se fala em necessária revisão da teoria contratual, mas também da
própria teoria dos negócios jurídicos, uma vez que, em primeira análise, as pessoas estão
realizando negócios jurídicos, mas sem manifestar vontade (no sentido técnico do termo).
Sobre o assunto leia a reportagem disponível no link:
<http://super.abril.com.br/tecnologia/nao-li-e-concordo>.

1.3  Conceito e Natureza Jurídica do Contrato

Juridicamente, a primeira fonte histórica1 dos contratos é o Direito Romano


que, inicialmente, o tratou como fonte das obrigações (contractus2 ) e cujo con-
ceito estava intimamente ligado à tipicidade e formalidade contratual. Com o
desenvolvimento do sistema romano, introduziu-se o elemento vontade, como
característica dos acordos.
A partir dos séculos XVIII e XVIII, por influência do Jusracionalismo intro-
duziu-se a liberdade individual como essência do conceito de contrato, ago-
ra considerado como fruto do mútuo consenso. Com o desenvolvimento do
Estado Liberal os contratos passam a ter os contornos do que classicamente
se definiu como o acordo de duas ou mais vontades firmado com a intenção
de criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial.
Conceito que traduz um monismo valorativo que trata o contrato como espécie
do gênero negócio jurídico, fruto do exercício da autonomia privada em que a
vontade passa a ser supervalorizada (absoluta).
1  Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 41-42) esclarecem ser impossível fixar com precisão histórica a origem do
contrato. Afirmam que “cada sociedade, juridicamente producente, cada Escola doutrinária – desde os canonistas,
passando pelos positivistas e jusnaturalistas – contribuíram a seu modo, para o aperfeiçoamento do conceito jurídico
do contrato e de suas figuras típicas”.
2  “Não existe opinião unânime sobre o significado do termo ‘contractus’ para os primitivos juristas romanos. A tese
mais sedutora é de Bonfante. Pelo vocábulo ‘contrahere’ designou-se o estabelecimento de relações duradouras.
Este uso mantém-se vivaz nas modernas línguas latinas e assim é que se fala de ‘contrair casamento’, ‘contrair
uma doença’, ‘uma obrigação, ‘hábitos’ e ‘relações de amizade’. Nestes exemplos não há uma simples aproximação
passageira, mas uma relação que se trava e permanece. O ‘contrahere’ não supunha voluntariedade; a vontade podia
deixar de intervir; era indiferente que tomasse parte ou não do vínculo. Ou seja, nos primórdios de Roma, a ideia de
vontade, e mais ainda de acordo, era posta de lado, como atributos acidentais que não caracterizavam a noção” Farias
e Rosenvald (2015, p. 51).

capítulo 1 • 13
CONCEITO
Negócio jurídico: “declaração de vontade privada destinada a produzir efeitos que o agente
pretende e o direito reconhece” (Amaral, 2006, p. 359).

Foi essa a ideia de contrato contida no Código Civil de 1916. Lei de voca-
ção liberal que tinha na propriedade e nos contratos3 os pilares de um regime
excessivamente patrimonialista, fundado exclusivamente em uma liberdade
formal garantidora de uma autonomia sobre a qual o Estado intervinha mini-
mamente (a lei era praticamente impermeável às exigências sociais).
No entanto, o conceito clássico-liberal demonstrou-se inadequado quando,
ao final do século XIX e ao longo do século XX, desenvolveram-se os direitos so-
ciais, massificaram-se as relações contratuais e a utilização de contratos de ade-
são tomou conta do mercado. A visão clássica, dogmática, centrada na vontade
de cada um dos contratantes, ignora as subjetividades e a estrutura relacional
inerente a todas as espécies contratuais, revelando-se uma visão essencialmente
procedimental de justiça. “Sendo a liberdade contratual pensada isoladamente,
sem se considerar a igual liberdade do outro, o sistema despreza qualquer limite
à liberdade daquele que detém o poder contratual, sem que se atue qualquer va-
lor a ela contrastante. A única qualidade do sujeito que importa é a sua capacida-
de para a prática do negócio jurídico [...]” (Farias; Rosenvald, 2015, p. 42).
Porém, as transformações econômicas e sociais implicaram a modificação
do Direito Civil, transmutando-o em Direito das Coisas e dos Bens, em Direito
das Pessoas (repersonalização do Direito Civil), o que implicou necessariamen-
te modificação na maneira de se perceber as relações contratuais, afastando-se
aquela visão meramente racional, estrutual e individualista.

LEITURA
Sobre a repersonalização do Direito Civil leia: FACHIN, L.E.; PIANOVSKI, C.E. A dignidade
da pessoa humana no direito contemporâneo: uma contribuição à crítica da raiz dogmá-

3  Destacam Farias e Rosenvald (2015, p. 32) que “[...] o Estado liberal moldou o direito civil patrimonial centrado em
três protagonistas: proprietário/contratante/pai (marido). Este último, conduzindo a família como uma unidade produtiva
e reprodutiva, de forma que o patrimônio amealhado em vida seria transferido aos filhos oriundos do matrimônio”.

14 • capítulo 1
tica do neopositivismo constitucionalista. Disponível em: http://inanimada-opet.com.br/pdf/
anima5-Conselheiros/Luiz-Edson-Fachin.pdf. Acesso em 18 mar. 2016.

O conceito clássico4 de contrato impossibilitou não só o reconhecimento


de desigualdades materiais entre as partes contratantes, mas também, impe-
diu a sua utilização em relações jurídicas de natureza extrapatrimonial (como,
por exemplo, direitos de personalidade). Por isso, em virtude da funcionaliza-
ção do Direito Privado, obrigou-se a doutrina a buscar um novo conceito, ago-
ra um pouco mais distante dogma absoluto da vontade e do individualismo e
mais próximo do processo de solidarização social, da materialização dos sujei-
tos contratantes e do intervencionismo do Estado Social nas relações privadas.
Na visão Pós-Moderna (ou Contemporânea) o contrato deve ser pensado a
partir das noções de solidariedade, o que não exclui, frise-se, sua função eco-
nômica. Segundo Paulo Nalin (2002, p. 255) o contrato deve ser compreendido
como “uma relação jurídica subjetiva, nucleada pela solidariedade constitucio-
nal, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não
só entre os titulares da relação, como também perante terceiros”. O contrato,
passa a ser compreendido como complexo de atos econômicos e sociais que
geram efeitos não só entre as partes contratantes, mas também geram reflexos
no meio social.
Sob a perspectiva civil-constitucional o contrato passa a ser pensado a
partir das noções de função social e boa-fé; de dignidade da pessoa humana
(art. 1o., III, CF); de solidariedade (art. 3o., I, CF) o que exige não apenas a análi-
se da vontade exteriorizada, mas também dos impactos dessa manifestação no
meio social e com relação a terceiros. “Torna-se assim visível um duplo sentido
do contrato, como acordo e como relação” (José de O. Ascensão, 2008, p. 102). A
partir dessa visão deve-se levar em conta que o contrato no:

4  Atenção: o Código Civil de 2002 (assim como o fez o de 1916) optou por não conceituar o instituto, restando a
tarefa à doutrina e a jurisprudência.

capítulo 1 • 15
PLANO INTERNO PLANO EXTERNO

•  “O contrato cria um nexo (relação) en- •  Reconhecimento dos efeitos dos con-
tre os contratantes. Até nos contratos tratos no meio social.
de execução instantânea é importante •  Imposição da função social
tê-lo em conta, porque o contrato só se dos contratos.
extingue quando se extinguir o último •  Necessidade do dirigismo contratual.
dos seus efeitos” (José de O. Ascensão, •  "O contrato é autônomo, porque a auto-
2008, p. 103). nomia é essencial para haver vinculação
•  O contrato passa a exigir uma relação [...]. Mas é heterônomo, porque é integran-
de lealdade e solidariedade. te dum conjunto de que participa" (José
de O. Ascensão, 2008, p. 105).

Por isso, no século XXI o contrato amplia sua zona de incidência, agora apa-
recendo no Direito das Coisas, no Direito de Família e no Direito das Sucessões,
numa espécie de neocontratualismo que torna o contrato apto a também pro-
mover a justiça distributiva. Por isso, apontam-se como funções dos contratos:

Considerado o contrato com substrato na patrimonialidade/econo-


FUNÇÃO micidade, é ele instrumento de circulação de riquezas e transmis-
ECONÔMICA são de bens, portanto, propulsor da ordem econômica.

Instituto jurídico que se destina a disciplinar relações de natureza


econômica/patrimonial. Trata-se de materialização da autonomia
privada, resultando em direitos e obrigações que as partes recipro-
camente assumem. A função regulatória se realiza em duas ver-
FUNÇÃO tentes: “a) a de autorregulamentação do conteúdo contratual pelas
REGULATÓRIA partes; b) da conformação estatal da atuação dos contratantes na
estipulação do contrato por meio da fixação de normas legais e
da intervenção judicial visando a revisão dos efeitos do contrato”
(Lucas Barroso, 2012, p. 58).

16 • capítulo 1
Visa a harmonização de interesses individuais e coletivos, revelan-
do-se a função social por meio de sua eficácia interna (entre os
contratantes) e externa (meio social), o que implicará na mitigação
FUNÇÃO da vinculatividade dos contratos; na proteção da parte vulnerável;
SOCIAL na vedação da onerosidade excessiva e do venire contra factum
proprio; pelo incentivo à conservação contratual; pela nulidade de
cláusulas abusivas e pelo reconhecimento dos efeitos também no
meio social ou com relação a terceiros.

“Os fatores ambientais informam dispositivos legais cuja observân-


cia constitui causa justificativa do exercício da liberdade contratual,
FUNÇÃO pois contidos em normas de ordem pública (cogentes), não sendo
AMBIENTAL possível a autorregulamentação da vontade pelas partes derrogá
-los” (Lucas Barroso, 2012, p. 63).

O contrato é, portanto, negócio jurídico considerado aqui, pelo critério es-


trutural, como sendo “todo fato jurídico consistente em declaração de vonta-
de, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos,
respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia, impostos pela
norma jurídica que sobre ele incide” (Azevedo, 2002, p. 16). O contrato é espécie
de negócio jurídico em cuja formação exigirá a manifestação de duas ou mais
partes (bilaterais ou plurilaterais).

CURIOSIDADE
Contrato, convenção e pacto não se confundem, embora na prática sejam constantemente
utilizados como sinônimos.
Convenção – é o acordo de vontades de caráter patrimonial ou não. Trata-se de expres-
são genérica que designa qualquer tipo de acordo de vontades.
Contrato – relação jurídica subjetiva caracterizada por ser um complexo de atos econô-
micos e sociais que geram efeitos não só entre as partes contratantes, mas também geram
reflexos no meio social.
Pacto – expressão utilizada para designar negócios jurídicos acessórios (ex.: pacto de
retrovenda, pacto antenupcial...).

capítulo 1 • 17
LEITURA
ASCENSÃO, J.O. A nova teoria contratual. Disponível em: http://www.direito.ufmg.br/
revista/index.php/revista/article/viewFile/66/62. Acesso em 18 mar. 2016.
TEPEDINO, G. As relações de consumo e a nova teoria contratual. Disponível em:
<http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/66/62 >. Acesso
em: 18 de mar. 2016.

1.4  Contratos na perspectiva Civil-Constitucional e o Código Civil


de 2002

O conceito contemporâneo de contrato, como se viu, impõe seja ele pensado


como instrumento de conciliação de interesses das partes contratantes, de-
vendo, no entanto, ser utilizado não só como incentivador do desenvolvimento
econômico, mas também, como harmonizador social. Não deve, portanto, ser
utilizado “como um instrumento de opressão, mas sim de realização” (Gaglia-
no; Pamplona Filho, 2014, p. 50).
Assim, a partir da visão civil-constitucional não é possível pensar o contrato
dissociado de sua função social (art. 421, CC) – fruto da socialização do direi-
to de propriedade (art. 5º, e 170, III, CF), como também não é possível pensá
-lo dissociado da dignidade da pessoa humana. Segundo Galiano e Pamplona
Filho (2014, p. 51-52),

Em um Estado verdadeiramente democrático de direito, o contrato somente atenderá


à sua função social no momento em que, sem prejuízo ao livre exercício da autonomia
privada: 1) respeitar a dignidade da pessoa humana – traduzida sobretudo nos direitos
e garantias fundamentais; 2) admitir a relativização do princípio da igualdade das
partes contratantes – somente aplicável aos contratos verdadeiramente paritários, que
atualmente são minoria; 3) consagrar uma cláusula implícita de boa-fé objetiva – ínsita
em todos contrato bilateral e impositiva dos deveres anexos de lealdade, confiança,
assistência, confidencialidade e informação; 4) respeitar o meio ambiente; 5) respeitar
o valor social do trabalho.

18 • capítulo 1
Frise-se, no entanto, que reconhecer a função social do contrato não signi-
fica afastar suas demais funções, nem negar a autonomia privada como princí-
pio contratual; mas sim, significa redimensioná-lo a fim de promover a prote-
ção da pessoa em detrimento da proteção ao patrimônio (outrora prevalente no
Estado Liberal).

Localizando-se!
Os contratos estão previstos no Código Civil de 2002:
No Livro I da Parte Especial – Do Direito das Obrigações
Título V – Dos Contratos em Geral – arts. 421 a 480,CC
Título VI – Das Várias Espécies de Contratos – arts. 481 a 853, CC

1.5  Planos de existência, validade e eficácia dos contratos

Tratando-se o contrato de espécie do gênero negócio jurídico, os seus elemen-


tos constitutivos são os mesmos já estudados na Teoria Geral dos Negócios Ju-
rídicos. Por isso, vamos aqui só relembrar.
Para a compreensão do iter (caminho) dos negócios jurídicos Pontes de
Miranda dividiu o jurídico em três grandes planos: existência, validade e efi-
cácia (Escada Ponteana ou Pontiana); tricotomia que também se refletem no
estudo dos contratos. Segundo Farias e Rosenvald (2015, p. 64) a estrutura do
negócio jurídico pode ser organizada da seguinte forma:

I. plano da existência, relativo ao ser, isto é, à sua estruturação, de acordo


com a presença de elementos básicos, fundamentais, para que possa ser admi-
tido, considerado;
II. plano de validade, dizendo respeito à aptidão do negócio frente ao or-
denamento jurídico para produzir efeitos concretos;
III. plano de eficácia, tendo pertinência com a sua capacidade de produzir,
desde logo, efeitos jurídicos ou ficar submetido a determinados elementos aci-
dentais, que podem conter ou libertar tal eficácia.

Assim, quando se analisa existência do contrato busca-se verificar seus ele-


mentos estruturantes (ou essenciais); quando se analisa a validade visa-se a

capítulo 1 • 19
observação dos requisitos de conformidade com a esfera jurídica5 ; e quando se
examina a eficácia, evidencia-se a capacidade de produção de efeitos imediatos.
O exame desses elementos é progressivo, tendo início sempre a partir dos
pressupostos de existência, pois na ausência desse pressuposto, o negócio não
passará de mero fato social, incapaz de produzir os efeitos almejados pelas par-
tes – sendo dispensável, então, a análise dos demais elementos. No entanto,
verificada a existência do contrato, passa-se a análise dos pressupostos de vali-
dade e, em seguida, aos de eficácia.
Os pressupostos de existência não foram previstos expressamente no
Código Civil e se referem a elementos mínimos que garantem o suporte fático
dos negócios, faltando-lhe, portanto, pressuposto material de constituição. A
inexistência do contrato prescinde de reconhecimento judicial e não se sujeita
à prescrição ou à decadência.
Não havendo unanimidade entre os autores, trabalharemos com os seguin-
tes elementos de existência do contrato: a) vontade, sendo que de sua declara-
ção (exteriorização) surgem os efeitos; b) juridicidade (agente, idoneidade do
objeto e forma – sem adjetivos!); c) finalidade negocial ou jurídica (é o propósi-
to, o fim, buscado pela declaração de vontade).

• Modificar - muda-se um elemento da estrutura do direito sem


alterar sua substância, como, por exemplo, a sub-rogação e a
M moratória.

• Adquirir - visa incorporar um direito ao patrimônio do contratante


(ex.: toda espécie de transferência).
A
• Resguardar - visa proteger ou garantir um direito (ex.: constituição
de hipoteca).
R
• Transmitir - Provoca a mudança de titular do direito (ex.: toda forma
de alienação).
T

• Extinguir - visa extinguir um direito (ex.: desapropriação).


E

5  Recordando: as invalidades decorrem exclusivamente de causas descritas no ordenamento jurídico. “A nulidade


viola interesses públicos, cuja proteção interessa a todos, à própria pacificação social. A anulabilidade, por sua
vez, é vício menos grave, comprometendo interesses particulares, servindo esta distinção para fixar, desde logo,
a legitimidade para pleitear o reconhecimento da invalidade: em se tratando de nulidade, qualquer pessoa pode
suscitá-lo e o magistrado pode conhecê-lo de ofício (art. 168, CC); se, por outro turno, o caso é de anulabilidade,
somente o interessado poderá provocá-la (art. 177, CC)” (Farias; Rosenvald, 2015, p. 65). Acrescente-se ainda, que
os casos de nulidade são imprescritíveis; enquanto às causas de anulabilidade se aplicam prazo decadencial de
quatro anos.

20 • capítulo 1
Os pressupostos de validade são: a) agente capaz (trata-se de capacidade de
exercício ou de fato – vide sistema de incapacidades nos arts. 3º. e 4º., CC6 );
b) objeto lícito (que não contraria a lei, a moral ou os bons costumes), possível
(física e juridicamente) e determinado ou determinável; c) forma prescrita ou
não defesa em lei (princípio do consensualismo e do formalismo). Quanto à
validade dos contratos, conforme disposto no art. 2.035, CC, deve ser aplicada a
lei vigente no momento da sua celebração.

Art. 2.035, CC: A validade dos negócios jurídicos e demais atos jurídicos, constituídos
antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, refe-
ridas no art. 2.045, CC, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código,
aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determi-
nada forma de execução”.

Os pressupostos de eficácia relacionam-se às consequências desejadas pe-


las partes contratantes e variam de acordo com cada espécie contratual; com a
presença de elementos acidentais (termo, condição e encargo7 ) e com as conse-
quências do inadimplemento (juros, cláusula penal, perdas e danos...). Quanto
à análise da eficácia, em conformidade com o art. 2.035, CC, devem ser aplica-
das as normas vigentes no momento da produção dos efeitos.

6  Lembre-se: o sistema de incapacidades foi alterado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº. 13.146,
06 de jul. 2015), que dá ênfase à ideia de vulnerabilidade. Por isso, os artigos mencionados estão com a seguinte
redação:
Art. 3º., CC. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis
anos).
Art. 4º., CC. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I- os maiores de dezesseis e os
menores de dezoito anos; II- Os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III- aqueles que, por causa transitória ou
permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV- os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será
regulada por legislação especial.
7  Recordando: os elementos acidentais dos negócios jurídicos são o termo; a condição e o encargo. O termo
subordina os efeitos dos negócios jurídicos ao implemento de eventos futuros e certos; a condição subordina os
efeitos dos negócios jurídicos ao implemento de eventos futuros e incertos; o encargo é elemento acessório em
negócios jurídicos benéficos (gratuitos) que impõe ao beneficiário da liberalidade um ônus.

capítulo 1 • 21
Resumo:

Existência Validade Eficácia

• Manifestação de vontade • Art. 104, CC: • Efeitos (fatores de


• Juridicidade • Agente capaz eficácia
• Finalidade Negocial (MARTE)
• Objeto Lícito, possível, • Elementos acidentais
• A falta de qualquer um determinado ou determinável (termo, condição e
desses elementos encargo)
• Forma prescrita ou não
determina a INEXISTÊNCIA
defesa em lei
do contrato • A falta de qualquer um
• A falta de qualquer um desses desses elementos
elementos determina a determina a INEFICÁCIA
INVALIDADE do contrato: do contrato
nulidade relativa (art. 171,
CC) e nulidade absoluta
(arts. 166 e167, CC)

Exemplos:

Por isso, é possível termos:


1. Contrato inexistente: ex.: contrato firmado com a utilização de docu-
mentos furtados por terceiro. Em face daquele que teve os documentos furta-
dos, evidencia-se a ausência de vontade e, portanto, um contrato inexistente.
2. Contrato existente, inválido e eficaz: ex.: contrato de compra e venda
de um lanche na cantina, realizado por um menor de dezesseis anos, desacom-
panhado de sua mãe. Tecnicamente o negócio jurídico é nulo, mas gerou o efei-
to pretendido pelas partes que era a aquisição e o consumo do lanche.
3. Contrato existente, válido e ineficaz: ex.: contrato de compra e venda
de bem imóvel com valor superior a trinta salários mínimos, realizado por es-
critura pública firmada entre pessoas capazes, mas não levado a registro. O ne-
gócio jurídico só gerará o efeito de transmissão da propriedade se a escritura for
levada a registro; enquanto isso não for feito, a propriedade não se transmite.
4. Contrato existente, inválido e ineficaz: ex.: contrato de doação de bem
imóvel em que o devedor transmite ao seu irmão a propriedade, mas mantém-
se possuidor (como usufrutuário) do bem. O negócio além de ser anulável por
fraude contra credores, em face desses não produzirá nenhum efeito.
5. Contrato existente, válido e eficaz: ex.: contrato de compra e venda de
um carro, feito pelo pai (casado no regime de comunhão universal de bens), a
um dos seus filhos, com autorização do cônjuge e dos demais filhos.

22 • capítulo 1
ATIVIDADE
Os instrumentos contratuais são compostos por preâmbulo e contexto. Aquele contém a
parte introdutória (qualificação das partes; descrição do objeto e eventuais considerandos ou
justificativas); o contexto contém as disposições (cláusulas contratuais) do contrato.
Embora a maioria das relações contratuais sejam verbais, diversas são representadas
por instrumentos contratuais. Dentre os contratos que firmou (como por exemplo, o firmado
com a própria faculdade) escolha um instrumento e nele identifique as partes que compõem
o preâmbulo; as partes que compõem as disposições e o local e a data em que foi firmado.
Neste mesmo instrumento, identifique os pressupostos de validade: partes (analisando
sua capacidade); objeto e forma utilizada.

REFLEXÃO
Na obra Justiça – O que é fazer a coisa certa?, Michael J. Sandel, propõe a seguinte reflexão:
após grandes desastres (naturais, como furacões ou enchentes; ou provocados pelo homem,
como rompimentos de barragens) é comum termos notícias de aumento do preço de produ-
tos e serviços considerados essenciais à população atingida, o que gera revolta e acusações
de ganância e insensibilidade, bem como, de práticas abusivas que seriam caracterizadas
como formas de extorsão.
Fornecedores e prestadores de serviços defendem-se afirmando que também foram
atingidos pelo desastre e que para manter produtos e serviços no mercado precisam elevar
os preços. Afirmam que os preços não podem ser fixados pelo ideal de ‘preço justo’, mas sim
de acordo com a oferta e com a procura, refletindo o valor que compradores e vendedores
resolvem atribuir às coisas e aos serviços e que o mercado pode suportar.
No Brasil, o aumento excessivo de preços sem justo motivo é vedado pelo art. 39, X, do
Código de Defesa do Consumidor. Pensando a partir do conceito do contrato e dos princípios
contratuais (que serão analisados no próximo capítulo) nas situações de emergência é possí-
vel justificar o aumento de preço de produtos ou serviços com base na ideia de livre mercado
ou deve realmente o Estado intervir para garantir a razoabilidade dos preços?

capítulo 1 • 23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio jurídico – existência, validade e eficácia. 4a. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002.
ASCENSÃO, José de Oliveira. A nova teoria contratual. Disponível em: <http://www.direito.ufmg.br/
revista/index.php/revista/article/viewFile/66/62>. Acesso em: 18 mar. 2016.
BARROSO, Lucas Abreu. A realização do direito civil: entre normas jurídicas e práticas sociais.
Curitiba: Juruá, 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Salvador: JusPodivm. v. 4.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo:
Saraiva. v. 4 (Tomos I e II).
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva . v. 1.
______. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva . v. 3.
NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Em busca de sua formulação na perspectiva civil-
constitucional. Curitiba: Juruá, 2002.
TARTUCE, Flávio. Direito civil. São Paulo: Método. v. 3.
SANDEL, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

24 • capítulo 1
2
Principiologia
Contratual na
Perspectiva Civil-
Constitucional
2.  Principiologia Contratual na Perspectiva
Civil-Constitucional

Neste capítulo será abordada a principiologia contratual desde a concepção


clássica dos princípios até a sua construção contemporânea.
Os princípios representam valores socialmente amadurecidos e reconhecidos
pela ordem jurídica e, por isso, acabam por simbolizar o momento histórico em
que foram criados ou desenvolvidos. E não é diferente com os princípios con-
tratuais que, analisados em sua origem, representam claramente os valores do
Estado Liberal (princípios clássicos) e valores do Estado Social (princípios con-
temporâneos), não sendo, no entanto, necessariamente excludentes entre si.
Neste capítulo estudaremos os princípios contratuais clássicos e contemporâ-
neos, buscando não só identificá-los de acordo com sua origem, mas também,
como se dá a interação entre eles na atual doutrina e jurisprudência brasileiras.

Princípios Princípios
Clássicos Contemporâneos

Autonomia
Dirigismo
Privada

Relatividade dos
Função Social
efeitos

Intangibilidade Boa-fé Objetiva

‘Pacta sunt
Probidade
servanda’

26 • capítulo 2
OBJETIVOS
•  Compreender os princípios contratuais clássicos: autonomia privada; força obrigatória; in-
tangibilidade; relatividade dos efeitos dos contratos;
•  Estudar os princípios contratuais contemporâneos: função social; boa-fé objetiva; probida-
de; dirigismo contratual;
•  Analisar os princípios à luz da jurisprudência brasileira, compreendendo sua aplicabilidade
ao caso concreto.

2.1  Valores, Princípios e Regras – recordar é preciso

Princípios, regras e valores não se confundem.


Valores são absolutos, pois representam o fim ou uma ação possível, uma
realização humana para a qual se indica uma relação de preferência. Valores
descrevem aquilo que é (Axiologia); enquanto os princípios descrevem aqui-
lo que deve ser (o que se busca alcançar) (Deontologia). Dessa forma, regras e
princípios, portanto, são vetores necessários para a realização de um valor.
Princípios são mandados de otimização com força normativa, encontran-
do-se em um nível superior de abstração. “São ditames superiores, fundantes
e simultaneamente informadores do conjunto de regras do Direito Positivo”
(Gagliano; Pamplona Filho, 2015, p. 65). Regras são mandados de definição,
que se aplicam na forma do ‘tudo ou nada’ (subsunção direta dos fatos) delimi-
tando o comportamento humano. Segundo Humberto Ávila (2012, p. 85):

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com


pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avalia-
ção da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos
princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção concei-
tual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são
normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de
complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação
da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da
conduta havida como necessária à sua promoção.

capítulo 2 • 27
A distinção entre princípios e regras se faz tanto critério da generalidade
e da abstração; quanto pelo critério finalístico (modo final de aplicação e de
solução de antinomias). Ambos os critérios, embora ainda predominantes na
doutrina e nos tribunais brasileiros, não passam imunes a críticas8 . No entan-
to, como o enfoque do capítulo é a abordagem dos princípios contratuais, vale
lembrar que para aplicação desses é preciso:
a) Especificar o seu fim;
b) Pesquisar casos paradigmáticos cujos elementos constitutivos e con-
teúdo valorativo possam ser generalizados para servirem como ponto de
partida;
c) Pesquisar problemas jurídicos e os valores envolvidos;
d) Verificar os critérios capazes de delimitar quais são os bens jurídicos a
serem protegidos e os comportamentos necessários à sua efetivação.

Os princípios têm eficácia interna (dentro do sistema normativo) e externa


(sobre a compreensão dos fatos) e, por isso, seu estudo e domínio é necessário
para a compreensão do sistema contratual como um todo.

O princípio atua
Função
Eficácia interna Direta diretamente sobre
integrativa
outras normas

O princípio atua sobre Pode ter função


outras normas, sendo definitória;
Eficácia interna Indireta intermediado por outros interpretativa;
princípios ou regras bloqueadora

Compreensão Parâmetros para


Eficácia externa dos fatos e exame de pertinência
provas e adequação

8  Em relação ao modo final de aplicação (se ponderação ou subsunção), a distinção é inconsistente porque toda
norma jurídica é aplicada mediante um processo de ponderação. Até mesmo regras o são, sendo inadequado falar
em aplicação de regras de modo automático e sem necessidade de ponderação das razões que as informam. Quanto
ao modo de solução de antinomias, nem sempre conflitos entre regras geram a invalidação de uma delas. Diante
disso, pode-se dizer que o descumprimento de regras, porque elas têm pretensão de decidibilidade e prescrevem
comportamentos determinados, é mais grave que descumprimento de princípios (Ávila, 2012).

28 • capítulo 2
2.2  Constitucionalização do Direito Privado e Princípios Contratuais

O movimento de constitucionalização do Direito Privado também gerou pro-


fundos impactos nos princípios contratuais, subordinando-os e compatibili-
zando-os ao valor-fonte de todo ordenamento jurídico brasileiro: a dignidade
da pessoa humana (art. 1o, III, CF), princípio que traduz “um valor fundamental
de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas,
patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da fe-
licidade” (Gagliano; Pamplona Filho, 2015, p. 67).
O reconhecimento da dignidade da pessoa humana como valor-fonte de
todo o sistema traduz inegável solidarismo social, fundamento do Estado
Democrático de Direito. Solidarismo que colocará freios no individualismo
contratual, a fim de assegurar a plena realização dos interesses das partes, per-
mitindo-se afirmar que o contrato é, hoje, importante instrumento de tutela
da pessoa humana e de estímulo ao seu livre desenvolvimento. Neste sentido,
afirmam Farias e Rosenvald (2015, p. 136) que:

Neste percurso rumo a um direito privado humanizado e, por que não dizer, civilizado,
desaba a sacralidade da autonomia da vontade, substituída por uma noção renovada
de autonomia privada, atada aos Princípios da Dignidade Humana (art. 1, III, CF) e
da Ordem Econômica (art. 170, CF). A autonomia privada é forjada na liberdade do
ser humano de edificar a sua própria vida, exercendo o seu consentimento em suas
escolhas existenciais e no desenvolvimento das relações patrimoniais.

Dessa forma, a liberdade9 e a autonomia contratual passam a ser pensadas


a partir de valores e princípios constitucionais estabelecidos para proteger a
pessoa humana em seu mínimo existencial, impondo-se a revisão dos princí-
pios contratuais clássicos individualistas, outrora tidos como absolutos, e es-
tabelecendo-se novos princípios, agora com base solidarista e personalista10 .

9  Sobre os novos limites à liberdade dos contratantes Farias e Rosenvald (2015, p. 136) afirmam que “a liberdade
é consentida pelo sistema, pois a ordem econômica não é a corda que asfixia o ser humano, mas aquela que retira a
pessoa do pântano que movia o liberalismo”.
10  “A funcionalização das situações jurídicas patrimoniais a valores não patrimoniais, atinentes à pessoa humana
e à sua personalidade, torna-se postulado imperativo da ordem jurídica, introduzida pouco a pouco pela legislação
especial e consagrada, no caso brasileiro, pela Constituição da República de 5 de outubro de 1988” (TEPEDINO,,
2012, p. 15-21).

capítulo 2 • 29
CONCEITO
Mínimo existencial: ensina Luiz Edson Fachin (2006, p. 271-281) que “‘mínimo’ e ‘máximo’
podem não ser duas espécies do gênero ‘extremo’. São as barreiras que fixam a essência de
cada coisa e delimitam o seu poder e as propriedades. A sustentação do mínimo não quan-
tifica nem qualifica o objeto. [...]. É de equilíbrio que se vale este texto. De uma quantidade
suscetível de diferentes grandezas ou de uma grandeza suscetível de vários estados, em que
o mínimo não seja o valor menor, ou o menor possível, e o máximo não seja necessariamente
o valor maior, ou o maior possível. Próximos ou distintos, os conceitos jurídicos e as cate-
gorias não jurídicas podem dialogar. [...]. É um conceito apto à construção do razoável e do
justo ao caso concreto, aberto, plural e poroso ao mundo contemporâneo.” Por isso, quando
se fala do núcleo mínimo referente ao princípio da dignidade da pessoa humana, além da
saúde, também compõem o seu conteúdo: a educação, a assistência aos desamparados e o
acesso à Justiça.

2.3  Princípios Contratuais Clássicos

2.3.1  Autonomia Privada e Autonomia da Vontade

Embora muitos autores utilizem autonomia privada e autonomia da vontade


como expressões sinônimas, tecnicamente não se confundem.
Ensina Francisco Amaral (2006) que vontade psicológica e vontade jurídica
não são sempre coincidentes. A Psicologia estuda a vontade no campo do ser
e dos meios eficientes para realizá-la. O Direito aprecia a vontade no campo
do dever ser, reconhecendo-a como fatos de eficácia jurídica nos limites e na
forma por ele mesmo estabelecidos. Daí a diferenciação entre autonomia da
vontade e autonomia privada.
A autonomia da vontade decorre da manifestação de liberdade individual;
já a autonomia privada é o poder de criar, nos limites da lei, normas contra-
tuais. Dessa forma, a expressão autonomia da vontade tem conotação subje-
tiva, psicológica; enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no
Direito de um modo objetivo e concreto.
Autonomia privada “é o poder que os particulares têm de regular pelo exer-
cício de sua própria vontade, as relações de que participam, estabelecendo-lhes

30 • capítulo 2
o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica” (Francisco Amaral, 2006, p. 347).
É, portanto, fundamento para a realização de contratos atípicos (art. 425, CC:
“é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fi-
xadas neste Código”).

CONCEITO
Contrato atípico: são contratos que não possuem disciplina legal específica, como por
exemplo, os contratos de factoring e de hospedagem. Decorre exclusivamente da autonomia
privada e da livre-iniciativa não lhes sendo permitido contrariar a lei, a moral, os bons costu-
mes e os princípios gerais de Direito. Subordinam-se aos mesmos princípios contratuais e às
mesmas normas cogentes aplicáveis aos contratos típicos.
Contratos atípicos não se confundem com contratos inominados, que são contratos que
não possuem nomenclatura ou terminologia definida. Pode-se afirmar que todos os contratos
típicos são nominados; mas não se pode afirmar que todos os contratos atípicos são inomina-
dos, porque muitos desses possuem nomenclatura corrente, usualmente aceita.

Podemos resumir as diferenças entre autonomia da vontade e autonomia


privada da seguinte forma:

AUTONOMIA DA VONTADE AUTONOMIA PRIVADA


Ser Dever Ser

Conotação subjetiva Conotação objetiva

Manifestação da liberdade individual Poder de autorregulamentação

Liberdade de contratar Liberdade Contratual

Não exige capacidade de fato Exige capacidade de fato

A autonomia privada tem como fundamento ou pressuposto a liberdade


como valor jurídico (poder de praticar ou não, ao arbítrio do sujeito, todo ato
ordenado ou não proibido por lei; de modo positivo, é o poder que as pessoas
têm de optar entre o exercício e o não exercício de seus direitos subjetivos).

capítulo 2 • 31
Foi princípio supervalorizado pelo Estado Liberal (Estado da intervenção
mínima nas relações privadas) que reconhecendo-a como fruto do individua-
lismo tornou-a absolutamente vinculante, reconhecendo-a como verdadeiro
poder jurídico dos particulares que exercido nos limites da lei e dos bons cos-
tumes não poderia estar sujeito à intervenção estatal (o que fortaleceu o ‘pacta
sunt servanda’).
Trata-se de dogma muito útil ao Estado Liberal, mas que, à medida em que
se massificaram as relações sociais e jurídicas, a absolutização da autonomia
privada revelou situações de abusividade que exigiram intervenção direta do
Estado a fim de se garantir a harmonia dessas relações e proteger a dignidade
da pessoa humana; circunscrevendo-se a liberdade aos valores constitucionais.
Embora, atualmente, sua abrangência seja limitada pela função social dos
contratos, não fica a autonomia privada relegada ao segundo plano, uma vez que
o contrato, como já se viu, é eminentemente voluntarista (encontro de vontades
contrapostas para a realização de interesses comuns). A autonomia ainda exerce
papel fundamental nas relações contratuais, seja se manifestando como liber-
dade de contratar (autonomia da vontade), seja se apresentando como liberdade
contratual (autonomia privada11) , sendo esta última limitada por normas de or-
dem pública a fim de garantir a plena realização dos interesses das partes.
As partes contratantes delimitam a função econômica do contrato, sendo a
vontade o seu suporte fático e o ordenamento jurídico o seu suporte normativo.
“Tem-se o contrato como instrumento de realização das finalidades traçadas
pelo ordenamento jurídico, e não mais dos interesses dos contratantes isolada-
mente considerados. O poder jurígeno da vontade não é originário e autônomo,
mas derivado e funcionalizado em prol de finalidades heterônomas” (Farias;
Rosenvald, 2015, p. 140).

Exemplos:
Autonomia privada na jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS.
CONTRATO. CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA. AUTONOMIA PRIVADA.
1. Deve-se prestigiar a autonomia da vontade dos contratantes, que livre e ex-
pressamente pactuaram cláusula resolutiva, pela qual qualquer das partes
11  Segundo Wald (2014) “liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto
a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira se refere à possibilidade
de realizar ou não um negócio, enquanto a segunda importa na fixação das modalidades de sua realização”. Por isso,
a liberdade de contratar todos, independente de sua capacidade, têm; já a liberdade contratual exige capacidade de
exercício para a realização do ato.

32 • capítulo 2
pode resilir unilateralmente o contrato, mediante denúncia prévia. 2. A ocor-
rência de eventual hipótese de mitigação de tal princípio deve se encontrar
inequivocamente comprovada pela parte que a sustenta, sob pena de indefe-
rimento do pedido de tutela antecipada. (TJ-MG - AI: 10024122954159001 MG,
Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento: 23/01/2014, Câmaras Cíveis / 16ª
CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/02/2014)

RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR


DANOS MORAIS. NEGATIVA DE RECEBIMENTO DE CHEQUE. ÂMBITO DE
DISCRICIONARIEDADE E AUTONOMIA PRIVADA. DANOS MORAIS NÃO
CONFIGURADOS. SENTENÇA MANTIDA. A parte autora pede provimento ao
recurso para reformar a sentença que julgou improcedente a presente ação.
Ainda que incontroverso o fato do autor ter tido seu cheque negado no esta-
belecimento da ré, o recebimento de cheque como meio de pagamento é ato
que se encontra no âmbito de discricionariedade e autonomia das relações
privadas. Não obstante a existência de controvérsia acerca do cumprimento
pela ré de seu dever de informar acerca das restrições às formas de pagamen-
to aceitas, as Turmas Recursais já se manifestaram no sentido de que, a mera
negativa de recebimento de cheque como meio de pagamento de compras, por
si só, não enseja indenização por danos morais. Nesse sentido, cabia à parte
recorrente demonstrar que a recusa fundou-se em motivo discriminatório e foi
realizada de forma vexatória, ônus do qual não se desincumbiu tendo em vista
que a primeira testemunha do autor (fl. 27 verso) não presenciou o momento
dos fatos e a segunda testemunha do autor, que estava presente, afirmou que
a negativa do recebimento do cheque do autor ocorreu em razão da conta-cor-
rente do mesmo possuir menos de 01 ano e que presenciou o mesmo ocorrido
com outra cliente na semana posterior, o que afasta a possibilidade de recusa
por motivo discriminatório. Por fim, ressalta-se que,... ainda que inexistente
comprovação robusta acerca do cumprimento do dever de informar, sua inob-
servância não gera, por si só, o abalo moral. Assim, deve ser mantida, por seus
próprios fundamentos a sentença que julgou improcedente a ação. SENTENÇA
MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71005522677, Primeira
Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em
17/11/2015). (TJ-RS - Recurso Cível: 71005522677 RS, Relator: Fabiana Zilles,
Data de Julgamento: 17/11/2015, Primeira Turma Recursal Cível, Data de
Publicação: Diário da Justiça do dia 18/11/2015)

capítulo 2 • 33
2.3.2  Força obrigatória dos contratos (‘pacta sunt servanda’)

Conhecido pelo brocardo “o contrato faz lei entre as partes” por longo período
de tempo foi princípio cogente das relações contratuais, o que significava que
uma vez que as partes se vinculassem por meio de um contrato, a ele deveriam
dar cumprimento, independente de estarem suas prestações equilibradas ou
não. Tratava de dar amplo reconhecimento à liberdade contratual (autonomia
privada), tendo por fundamentos: a liberdade e a igualdade formal, a necessi-
dade de segurança jurídica e a intangibilidade dos contratos, a fim de dar ga-
rantia à sua utilidade econômica.
O ‘pacta sunt servanda’ à luz do modelo liberal se justificava em virtude do
reconhecimento da ampla liberdade contratual e a compreensão de que os
contratos só geravam efeitos entre as partes contratantes. Partia-se, do pressu-
posto, de que todos os contratos eram paritários, atuando as partes em plena
igualdade de condições, sendo, portanto, seu conteúdo obrigatório uma vez
preenchidos os requisitos de existência, validade e eficácia estabelecidos em
lei. Em resumo: tratava-se de atribuir ampla vinculatividade ao ajuste pela sim-
ples manifestação volitiva das partes contratantes, o que lhe garantia um certo
caráter absoluto.
É princípio que ainda se impõe às relações contratuais, pois, se assim não o
fosse, estaríamos autorizando o cumprimento voluntário (moral) das relações
obrigacionais. No entanto, em tempos em que os contratos paritários cedem
quase todo o seu espaço para os contratos de adesão, impossível seria conti-
nuar tratando a força obrigatória dos contratos como princípio absoluto. Por
isso, veremos adiante, que os novos princípios contratuais estabelecem certa
flexibilização à obrigatoriedade, ou seja, os contratos são vinculantes e devem
ser cumpridos, desde que observada função social, boa-fé, probidade e normas
de ordem pública, mecanismos de regulação do equilíbrio contratual.
Segundo Farias e Rosenvald (2015, p. 149) “em uma linguagem mais próxi-
ma possível do perfil civil-constitucional, sendo o contrato o mecanismo propí-
cio de concretização da ordem econômica edificada na lei maior (art. 170, CF),
a força obrigatória do contrato simboliza um ambiente social de confiança na
segura circulação de bens e serviços”. Por isso, não se pode afirmar a extinção
do princípio a partir da adoção da função social dos contratos, mas sim, seu
redimensionamento a fim de garantir a justiça contratual, preocupando-se na
conciliação do útil (interesse econômico das partes) e do justo (preocupação
com a repercussão social das relações contratuais).

34 • capítulo 2
Exemplos:
Força obrigatória dos contratos na jurisprudência:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM
SHOPPING CENTER. CLÁUSULA CONTRATUAL LIMITADORA DO VALOR DA
REVISÃO JUDICIAL DO ALUGUEL MENSAL MÍNIMO. RENÚNCIA PARCIAL.
VALIDADE. PRESERVAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. 1.
Ação declaratória de nulidade de cláusula contratual cumulada com pedido
revisional do valor do aluguel mensal mínimo. 2. Recurso especial que veicu-
la a pretensão de que seja reconhecida a validade de cláusula de contrato de
locação de imóvel situado em shopping center que estabelece critérios para a
revisão judicial do aluguel mensal mínimo. 3. O princípio do pacta sunt ser-
vanda, embora temperado pela necessidade de observância da função social
do contrato, da probidade e da boa-fé, especialmente no âmbito das relações
empresariais, deve prevalecer. 4. A cláusula que institui parâmetros para a re-
visão judicial do aluguel mínimo visa a estabelecer o equilíbrio econômico do
contrato e viabilizar a continuidade da relação negocial firmada, além de deri-
var da forma organizacional dos shoppings centers, que têm como uma de suas
características a intensa cooperação entre os empreendedores e os lojistas. 5.
A renúncia parcial ao direito de revisão é compatível com a legislação pertinen-
te, os princípios e as particularidades aplicáveis à complexa modalidade de lo-
cação de espaço em shopping center. 6. Recurso especial provido. (STJ - REsp:
1413818 DF 2013/0357088-7, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
Data de Julgamento: 14/10/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação:
DJe 21/10/2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO


CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ATO JURÍDICO PERFEITO.
MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA.
MITIGAÇÃO. TABELA PRICE. LEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO
PROVIDO. 1. A matéria do art. 6º, § 1º, da LICC, possui índole constitucional,
motivo pelo qual é vedada sua análise em sede de recurso especial. Precedentes.
2. É permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, diante do fato de
que o princípio do pacta sunt servanda vem sofrendo mitigações, mormente
ante os princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do diri-
gismo contratual. 3. Já tendo sido reconhecida pelo Tribunal de origem a lega-
lidade da utilização do sistema Price, não há que se falar em interesse de agir
quanto a este ponto. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg

capítulo 2 • 35
no AREsp: 649895 MS 2015/0005732-3, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data
de Julgamento: 05/05/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe
25/05/2015)

2.3.3  Intangibilidade dos contratos

Reconhecido que o contrato era mero instrumento de satisfação de interesses


particulares das partes contratantes, o princípio da intangibilidade (intima-
mente associado ao da obrigatoriedade) impedia qualquer intervenção (inclu-
sive estatal) sobre o conteúdo das avenças. Em sua concepção liberal era o que
tornava o conteúdo dos contratos obrigatório, independente do equilíbrio ou
da justiça de seus resultados.

Exemplos:
Intangibilidade dos contratos na jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL - LEASING - FURTO DO VEÍCULO ARRENDADO -
EXTINÇÃO DO CONTRATO - APURAÇÃO DE CRÉDITO DO ARRENDATÁRIO
- POSSIBILIDADE - VEDAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA - PERÍCIA
QUE VERIFICA CRÉDITO EM FAVOR DO CONSUMIDOR - INAPLICABILIDADE
DA TR - PACTA SUNT SERVANDA E INTANGIBILIDADE CONTRATUAL -
RELATIVIZAÇÃO - CONTRATO DE ADESÃO -RECURSO IMPROVIDO Furtado
o veículo objeto do contrato de arrendamento mercantil ou leasing, deve ser
restituído eventual crédito ao arrendatário em virtude do pagamento pela se-
guradora, ao arrendador, do prêmio pelo evento ocorrido, evitando-se, assim,
o enriquecimento sem causa deste. O contrato de arrendamento mercantil é
típico contrato de adesão, motivo pelo qual devem ser relativizados os princí-
pios da intangibilidade contratual e pacta sunt servanda. É ilegal a utilização
da TR como indexador da correção monetária, eis que ela não reflete a real
desvalorização da moeda, mas sim o custo da captação de dinheiro no mer-
cado financeiro e a variação das taxas de juros, respectivamente. (TJ-MS - AC:
767 MS 2001.000767-6, Relator: Desª. Tânia Garcia de Freitas Borges, Data de
Julgamento: 07/03/2006, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 11/04/2006)

AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. ABERTURA DE CRÉDITO


PARA FINANCIAMENTO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECLAMO
INTERPOSTO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ. ALEGADA OFENSA AO

36 • capítulo 2
PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. TESE NÃO ALBERGADA. REVISÃO
JUDICIAL AUTORIZADA PELO ART. 6º, INC. V, DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. INTANGIBILIDADE CONTRATUAL MITIGADA PELOS
PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E BOA-FÉ OBJETIVA.
RECLAMO PELA MANUTENÇÃO DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.
DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE EXPRESSA PACTUAÇÃO. IMPUGNAÇÃO
QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS
A MAIOR. PRESCINDIBILIDADE DA PROVA DO ERRO NA HIPÓTESE DE
REPETIÇÃO DE INDÉBITO DECORRENTE DE CONTRATO BANCÁRIO
(SÚMULA 322 DO STJ). DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES, ADEMAIS,
AUTORIZADA E QUE MELHOR SE COADUNA À HIPÓTESE, COMO FORMA DE
SE OBSTAR O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-
SC - AC: 20120066263 SC 2012.006626-3 (Acórdão), Relator: Tulio Pinheiro, Data
de Julgamento: 22/08/2012, Terceira Câmara de Direito Comercial Julgado)

2.3.4  Relatividade (subjetiva) dos efeitos dos contratos

Princípio de origem romana (em virtude do caráter personalíssimo das obriga-


ções) que reconhecia que os contratos apenas geravam efeitos entre as partes
contratantes (res inter alios acta aliis neque nocere neque prodesse potest - os
atos concluídos por uns não podem beneficiar ou prejudicar a outrem), não
atingindo terceiros e, tão pouco, operando efeitos no meio social. Por meio des-
se princípio reconhecia-se que o contrato era mero instrumento de realização
de interesses pessoais, não lhe conferindo nenhum valor social.
É princípio que se refere à eficácia ‘inter partes’ do contrato que afirma que
o contrato só é apto a produzir efeitos em relação às partes e ao objeto que fa-
zem diretamente parte do ajuste. Com base nesse princípio não se autorizava a
terceiro (estranho à relação contratual): exigir o conhecimento da existência ou
do conteúdo do contrato; exigir atuação (positiva ou negativa) das partes con-
tratantes em relação ao contrato.
No entanto, o próprio Código Civil reconhece duas figuras contratuais que
produzem efeitos com relação a terceiros: promessa de fato de terceiro (arts.
439 e 440, CC) e estipulação em favor de terceiro (arts. 436 a 438, CC). Como
também reconhece-se eficácia externa ao se estipular a função social dos con-
tratos como princípio orientador da prática contratual (art. 421, CC).

capítulo 2 • 37
Exemplos:
Relatividade dos efeitos dos contratos na jurisprudência:
APELAÇÃO – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO
– ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – A celebração de negócio jurídico entre a devedo-
ra fiduciária e terceira não é oponível à instituição financeira, uma vez que
não anuiu à avença – Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos –
Inadimplemento das parcelas que restou incontroverso nos autos – Manutenção
da sentença de procedência do pedido da autora – Negado provimento. (TJ-SP
- APL: 00098802220118260037 SP 0009880-22.2011.8.26.0037, Relator: Hugo
Crepaldi, Data de Julgamento: 14/05/2015, 25ª Câmara de Direito Privado, Data
de Publicação: 14/05/2015)

AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. PRELIMINAR DE


ILEGITIMIDADE PASSIVA. Constando cláusula expressa que prevê a responsa-
bilidade exclusiva dos vendedores de pagamento de qualquer débito trabalhis-
ta, devem os demandados arcar com o pagamento das despesas decorrentes
do débito trabalhista objeto da cobrança pelo autor, uma vez que era anterior
à contratação. Impossibilidade de imputar a empresa estranha à lide a respon-
sabilidade por eles assumida, por força do princípio da relatividade dos efeitos
dos contratos. Agravo retido e apelação improvidos. (TJ-RS - AC: 70038419446
RS, Relator: Guinther Spode, Data de Julgamento: 30/08/2011, Décima Nona
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/10/2011)

2.4  Princípios Contratuais Contemporâneos ou Princípios Sociais


dos Contratos

Os princípios contratuais clássicos foram tratados como (praticamente) abso-


lutos durante quase toda a existência do Estado Liberal12 . A igualdade apenas
formal acabou por impedir, por exemplo, o reconhecimento da possibilidade
de intervenção estatal nos contratos, de revisão contratual ou até mesmo da re-
solução por onerosidade excessiva, o que sem dúvida acabou gerando práticas

12  Estado Liberal é forma de Estado que sucedeu os Estados Absolutistas. Trata-se de forma de Estado
organizada de acordo com o princípios do liberalismo econômico (dissociação entre o Estado e a Economia) e, por
isso, reconhecido por sua intervenção mínima nas relações privadas. Mais sobre o Estado Liberal leia: MARTINEZ,
Vinício Carrilho. Estado liberal. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9335/estado-liberal.

38 • capítulo 2
abusivas que se perpetuavam nas mais diversas espécies contratuais, contratos
desequilibrados com efeitos econômicos e sociais bastante desastrosos.
A rigidez demasiada dos princípios clássicos e sua inflexibilidade decor-
riam da compreensão de que o contrato era fruto de ajustes de vontades de
partes que atuavam em condições de igualdade formal e substancial e, portan-
to, a vontade manifestada era suficiente para determinar o efeito vinculativo.
Inimaginável, portanto, qualquer forma de intervenção que se destinasse a cor-
rigir eventuais falhas dessas manifestações de vontade o que, sem dúvida, deu
origem a inúmeras injustiças escondidas sob o falso manto da denominada
segurança jurídica.
Por isso, diante das novas e dinâmicas relações contratuais do final do sé-
culo XX, início do século XXI, foi necessário remodelar as bases principioló-
gicas contratuais, somando-se aos princípios clássicos, princípios de natureza
solidarística. Os novos princípios buscam “conciliar o novo com o velho, refor-
mar sem destruir, compreendendo que à luz do fenômeno da funcionalização
da autonomia negocial às exigências constitucionais, o contrato será um pro-
jeto edificado por três atores: as partes, o legislador e o magistrado” (Farias;
Rosenvald, 2015, p. 150).
Reconhecido o contrato como uma relação dinâmica e complexa, capaz
de gerar efeitos também no meio social, necessário foi o desenvolvimento de
novos princípios que aos clássicos se somaram, não para por fim à autonomia
privada, mas para dimensioná-la e direcioná-la para a realização de interesses
privados e de interesses sociais.

2.4.1  Função social dos contratos (princípio da socialidade)

O Código Civil de 2002 manteve, no que foi possível, as disposições da codifi-


cação anterior, mas, agora, preocupando-se com os interesses sociais incorpo-
rando-se a socialidade como elemento norteador. Não se trata de tentar proibir
a liberdade contratual, mas sim, de legitimá-la em face de valores constitucio-
nalmente estabelecidos.
Então, embora não previsto expressamente na Constituição Federal, en-
tende-se ser princípio decorrente da função social da propriedade, essa sim,
prevista nos arts. 5o. e 170, CF. Tratando-se o patrimônio de uma pessoa de um
conjunto de relações jurídicas ativas e passivas com valor econômico, natural

capítulo 2 • 39
é concluir que o contrato faz parte desse patrimônio e, portanto, também deve
ter função social. A propriedade, diz-se, é a parte estática da atividade econômi-
ca, enquanto o contrato é a parte dinâmica. É por isso que o art. 421, CC, prevê
expressamente a função social como uma cláusula geral (de conteúdo aberto e
do tipo restritivo e regulativo) e princípio contratual, representando, assim, o
que a doutrina convencionou chamar de contrato constitucionalizado.
De acordo com o art. 421, CC, a função social apresenta-se como critério
limitativo e como critério finalístico. Como critério finalístico determina-se
que a autonomia privada encontra sua razão de ser na própria função social
dos contratos. Sob o critério limitativo afirma-se ser a função social do contrato
um limitador da liberdade contratual, limite que deve ser analisado a partir do
interesse social e da dignidade da pessoa humana.
Antes de tentarmos definir o que seria a função social dos contratos, é ne-
cessária uma advertência: a função social não exclui a função econômica dos
contratos, apenas a mitiga, passando-se a valorizar a ideia constitucional de
solidariedade social, reconhecedo-se também nos contratos uma função de de-
senvolvimento social.
A função social é princípio que se preocupa com os efeitos dos contratos
junto à ordem econômica e social, pois as preocupações com o comportamento
ético das partes contratantes é problema de outro princípio (o da eticidade ou
boa-fé objetiva).
Embora reconhecidamente de definição imprecisa, Caio Mário da Silva
Pereira (2013, p. 14) afirma ser a função social do contrato “um princípio mo-
derno que vem a se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da
autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteú-
do e da relatividade de seus efeitos. Como princípio novo ele não se limita a se
justapor aos demais, antes pelo contrário, vem desafiá-los e em certas situações
impedir que prevaleçam, diante do interesse social maior”.
“A função social dos contratos consiste em abordar a liberdade contratual
em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das re-
lações entre as partes que o estipulam (contratantes)” (Humberto Theodoro
Júnior, 2004), valorizando-se, dessa forma, não apenas o desenvolvimento eco-
nômico (como o fazia o Estado Liberal), mas impondo também a observação
do desenvolvimento social (Estado Social). Tem por finalidade, portanto, legiti-
mar a liberdade contratual e não extingui-la.

40 • capítulo 2
A partir da imposição da função social pela ordem jurídica, reconhece-se
que a liberdade negocial não pode ser absoluta, devendo ser exercida de acordo
com o bem-estar social e os valores éticos e jurídicos reconhecidos pela legisla-
ção. Trata-se, portanto, de limite externo (negativo - ampla oponibilidade a ter-
ceiros e ao meio social) e interno (positivo - finalidade da atividade contratual
em relação às partes contratantes) à autonomia privada, ou seja, a função social
do contrato serve não apenas de garantia individual aos contratantes, mas tam-
bém impõe o atendimento a interesses sociais.

CONCEITO
A função social manifesta-se em dois níveis:
a) intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondo-
se o respeito à lealdade negocial e à boa-fé objetiva, buscando-se uma equivalência material
entre os contratantes; [...] E nessa perspectiva temos que a relação contratual deverá com-
preender os deveres jurídicos gerais e de cunho patrimonial (de dar, fazer, ou não fazer), bem
como deverão ser levados em conta os deveres anexos ou colaterais que derivam desse
esforço socializante [informação, confidencialidade, cooperação, sigilo, transparência...].
b) extrínseco – o contrato em face da coletividade, ou seja, visto sob o aspecto de seu
impacto na sociedade em que fora celebrado. [o contrato também considerado como instru-
mento de desenvolvimento social].
Gagliano; Pamplona Filho, 2015, p. 84-85.

Humberto Theodoro Junior (2004) elenca como exemplos de função social


do contrato prejudicada pelo abuso da liberdade contratual:

– Induzir a massa de consumidores a contratar a prestação ou aquisição de certo


serviço ou produto sob influência de propaganda enganosa;
– Alugar imóvel em zona residencial para fins comerciais incompatíveis com o zonea-
mento da cidade;
– Ajustar contrato simulado para prejudicar terceiros;
– Qualquer negócio de disposição de bens em fraude de credores;
– Qualquer contrato que, no mercado, importe o exercício de concorrência desleal.

capítulo 2 • 41
– Desviar-se a empresa licitamente estabelecida em determinado empreendimento,
para a contratação de operações legalmente permitidas, como, por exemplo, uma
fatorizadora que passa a contratar depósitos, como se fosse uma instituição bancária;
– Agência de viagens que sob a aparência de serviço de seu ramo, contrata na reali-
dade o chamado turismo sexual, ou a mediação no contrabando ou em atividades de
penetração ilegal em outros países;
– Qualquer tipo de contrato que importe desvio ético ou econômico de finalidade, com
prejuízo para terceiros.

Assim, para se ter como cumprida a função social do contrato não basta se
restringir a observar os princípios do Direito Contratual – a autonomia priva-
da, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual – porque tais princípios têm emi-
nentemente uma relação com o conteúdo do contrato. Para que se conceba um
conceito adequado de função social do contrato é preciso que se busque tam-
bém um elemento externo ao contrato, ou seja, o elemento social denominado
bem comum, com vistas à garantia da dignidade da pessoa humana.

Exemplos:
Função social dos contratos na jurisprudência:
DIREITO DO CONSUMIDOR. BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE
FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. PURGA
DA MORA APENAS PELAS PARCENLAS VENCIDAS. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO
SOCIAL DO CONTRATO. 1. Afigura-se ajurídico a resolução direta do contrato
diante do adimplemento substancial do contrato, devendo ser admitido, nes-
tes casos, a purga da mora pelas parcelas vencidas, a fim de preservar, de um
lado, a função social do contrato e, de outro, o direito de crédito da instituição
financeira. (TJ-PE - AGR: 3757379 PE, Relator: Carlos Frederico Gonçalves de
Moraes, Data de Julgamento: 13/05/2015, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 1ª
Turma, Data de Publicação: 21/08/2015)

42 • capítulo 2
AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSO CIVIL - AÇÃO DECLARATÓRIA
- ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PLANO SAÚDE COLETIVO - RESILIÇÃO
UNILATERAL - POSSIBILIDADE - DOENÇA GRAVE - MANUNTENÇÃO DO
CONTRATO - PRINCIPIO DA BOA FÉ E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. A
concessão da antecipação de tutela pressupõe prova inequívoca da verossimi-
lhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação,
a teor do disposto no art. 273 do CPC. Por observância dos princípios constitu-
cionais da boa-fé, da função social do contrato e da razoabilidade, não se pode
permitir, neste juízo sumário, a rescisão de plano de saúde coletivo, ao funda-
mento de desequilíbrio financeiro, haja vista o tratamento já em andamento de
doença grave de beneficiaria do contrato. (TJ-MG - AI: 10000150631604001 MG,
Relator: Edison Feital Leite, Data de Julgamento: 08/12/0015, Câmaras Cíveis /
15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 21/01/2016)

2.4.2  Boa-fé objetiva (princípio da eticidade)

Intimamente ligada ao princípio da socialidade está o princípio da eticidade.


No entanto, antes de o analisarmos como princípio e cláusula geral, é preciso
lembrar que a boa-fé (bona fides) pode ser:
Subjetiva: é forma de conduta (psicológica) que diz respeito ao estado men-
tal subjetivo dos contratantes (estado de ânimo). Cria apenas deveres de con-
duta moral negativos (não prejudicar o outro) uma vez que de concepção ex-
clusivamente moral. Representa o estado de consciência e de convencimento
individual e subjetivo com relação ao ato que se está a praticar, ou seja, desti-
na-se a tutelar a confiança de quem acredita em uma situação fática aparente.
É, por exemplo, critério de classificação da posse (art. 1.201, CC) e de ressarci-
mento de benfeitorias úteis e necessárias (art. 1.219, CC).
Objetiva: é norma de conduta que determina relações de cooperação entre
as partes contratantes, que devem se conduzir de forma leal e honesta, agindo
com retidão. Cria, portanto, deveres de conduta positiva (cooperação) e nega-
tiva (não lesar a outra parte), ou seja, tutela a confiança de quem acreditou no
comportamento exteriorizado pela outra parte. Por ser norma de conduta de
conceito aberto e vago, o intérprete deverá se valer da análise da situação con-
creta para estabelecer se a conduta foi realizada conforme um padrão (médio)
e objetivo de conduta leal.

capítulo 2 • 43
Ensina Caio Mário da Silva Pereira (2013, p. 21) que,

A boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de


criação de deveres jurídicos (dever de correção, de cuidado e segurança, de informa-
ção, de cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação
e ruptura de direito (proibição do venire contra factum proprium, que veda que a
conduta da parte entre em contradição com conduta anterior, do inciviliter agere, que
proíbe comportamentos que violem o princípio da dignidade da pessoa humana, e da
tu quoque, que é a invocação de uma cláusula ou regra que a própria parte já tenha
violado).

Em resumo, a boa-fé tem por funções: interpretação e integração; criação de


deveres jurídicos e limitação a exercício de direitos subjetivos.

A boa-fé é, portanto, adaptável e proteiforme, uma vez que o seu conteúdo será infe-
rido por juízos valorativos animados pelo tempo, pelo espaço e pelas pessoas que fi-
guram na relação. Esse juízo parte da aferição do setor social a que correspondem os
participantes da relação, os seus usos e as suas concepções cristalizados no tráfego
jurídico. Com base nessas referências, será possível verificar a compatibilidade entre
a atuação humana concreta e as supremas exigências de justiça (Farias; Rosenvald,
2015, p. 163).

Por isso, a boa-fé objetiva enseja, também, a caracterização de inadimple-


mento mesmo quando não haja mora ou inadimplemento absoluto do contra-
to. É o que a doutrina chama de violação positiva da obrigação ou do contrato.
Ex.: deixar de cumprir um dos deveres anexos ou secundários: dever de esclare-
cimento, de proteção, de conservação, de lealdade, de cooperação..., bastante
comum em contratos que decorrem de relações de consumo.

CONCEITO
Violação positiva do contrato: forma de inadimplemento contratual, inadimplemento que
se revela não pela violação dos deveres principais (ou de prestação), mas sim, pela quebra
dos deveres secundários decorrentes da boa-fé objetiva e que se destinam a garantir a
consecução do fim do contrato (realização dos interesses de ambas as partes contratantes).

44 • capítulo 2
Segundo Farias e Rosenvald (2015, p. 177) “a violação positiva do contrato, como rompi-
mento da relação de confiança que conecta as partes, mesmo que não atrelada aos deveres
de prestação, deverá ser identificada em seus efeitos patrimoniais com o inadimplemento,
para que dela se possa extrair o direito da parte ofendida à resolução do vínculo obrigacional
ou, mesmo à oposição da exceptio non adimpleti, inclusive com todas as consequências da
responsabilidade civil, sobremaneira o dever de indenizar em prol do lesado”.

Aplicação na jurisprudência:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO.
REJEITADA. COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL. AUSÊNCIA DE REGISTRO DA TRANS-
FERÊNCIA. VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
1. Atendidos os requisitos do artigo 514 do Código Processual Civil, bem como os demais
pressupostos de admissibilidade, o recurso apelatório deve ser conhecido.
2. Em uma relação jurídica, os contratantes devem pautar-se em certo padrão ético de con-
fiança e lealdade, em atenção ao princípio da boa-fé, que orienta as atuais relações negociais
pela probidade, moralidade e honradez.
3. Comprovada a violação positiva do contrato, com patente desrespeito ao seu conteúdo
ético, cabível a responsabilização da parte ofensora.
4. Comprovado que a conduta omissiva perpetrada pelas Recorrentes resultou em vários
transtornos ao Autor, tanto de ordem material quanto na órbita de seus direitos da personali-
dade, notadamente, pela inclusão de seu nome em dívida ativa, além da emissão de diversas
multas de trânsito, sobre as quais não tinha mais responsabilidade, resta evidenciada a res-
ponsabilidade civil das Demandadas.
5. Atentando-se às peculiaridades do caso concreto, especialmente quanto à conduta da
parte ofensora, a repercussão dos fatos, a natureza do direito subjetivo fundamental violado,
entendeu-se razoável o importe fixado pelo ilustre Magistrado, a título de indenização por
danos morais. 6. Rejeitou-se a preliminar. Negou-se provimento ao recurso. (TJ-DF - APC:
20120111824517, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Data de Julgamento: 03/06/2015, 3ª
Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/06/2015 . Pág.: 159)

Lembre-se, a boa-fé, prevista no art. 422, CC, como princípio contratual é


a boa-fé objetiva, cláusula geral e princípio contratual que deve ser aplicada
a todas as fases: pré, contratual e pós-contratual, obrigando aos contratantes
agirem entre si com lealdade e transparência, garantindo segurança à relação
jurídica. Por isso, afirma-se: a boa-fé se presume, a má-fé se prova.

capítulo 2 • 45
A boa-fé objetiva realiza-se, por exemplo, no reconhecimento de que o sen-
tido literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifesta das
partes contratantes (art. 112, CC). Ou na vedação de valer-se da própria torpeza
(arts. 150 e 180, CC).
Humberto Theodoro Junior (2004) elenca como exemplos da quebra da boa-
fé objetiva: venda de aparelho elétrico que se queima em pouco prazo; ou de
mecanismo que se estraga por falta de instruções acerca de seu manuseio cor-
reto; a recusa de assistência e orientação quando o aparelho novo ainda apre-
senta falhas ou defeitos; o emprego, no conserto de automóvel de peças recon-
dicionadas sem esclarecimento ao proprietário etc.
A boa-fé objetiva também cria o que a doutrina chama de deveres anexos
(laterais, secundários, instrumentais ou acessórios) que nas palavras de Teresa
Negreiros (1998, p. 440) são “deveres que se referem ao exato processamento
da relação obrigacional, isto é, à satisfação dos interesses globais envolvidos,
em atenção a uma identidade finalística, constituindo o complexo conteúdo da
relação que se unifica funcionalmente”. São deveres diretamente decorrentes
do princípio da boa fé-objetiva que se destinam ao bom desempenho da rela-
ção contratual.
Assim, por exemplo, o princípio da confiança seria realizado juntamente
com os deveres instrumentais (anexos ou laterais) como o de cooperação mú-
tua, de informação e aviso, de colaboração recíproca, de esclarecimentos, de
cuidado, de previdência, de proteção e cuidado, de segurança, de sigilo, deveres
que atuam autonomamente em relação à obrigação principal, mas que devem
obrigatoriamente ser sempre observados pelas partes contratantes, como for-
ma de manter íntegro o contrato e os fins a que se destina.

Exemplos:
Boa-fé objetiva na jurisprudência:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SIGILO BANCÁRIO – BOA-
FÉ OBJETIVA - Os documentos dos autos demonstram que a secretária do autor
comumente enviava e-mails ao banco para movimentação bancária e solicitan-
do informações, demonstrando ter autorização para fazê-lo – Ajuizamento da
ação que ofende a boa-fé objetiva, pois a atitude do autor contraria compor-
tamento anterior – O ordenamento jurídico brasileiro veda o comportamen-
to contraditório (venire contra factum proprium) – Sentença reformada para
julgar improcedente a ação. Recurso do banco provido. Prejudicado o recurso
do autor. (TJ-SP - APL: 10983712220138260100 SP 1098371-22.2013.8.26.0100,

46 • capítulo 2
Relator: Marino Neto, Data de Julgamento: 30/07/2015, 11ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação: 04/08/2015)

DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE


MÚTUO. SERVIÇOS DE TERCEIROS. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
ILEGALIDADE. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipifica-
da em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente
pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a institui-
ção financeira. Os outros encargos pactuados a título de tarifa de avaliação do
bem, inserção do gravame e serviços de correspondentes prestados a financeira
ofendem a boa-fé objetiva prevista pelo art. 422 do Código Civil, pois, sem qual-
quer previsão em regulamento da autoridade monetária que regula a ativida-
de, transferem ao consumidor os custos e riscos que deveriam ser arcados pelo
lucro do exercício da atividade empresarial do fornecedor dos serviços de cré-
dito bancário. (TJ-MG - AC: 10045130027118001 MG, Relator: Cabral da Silva,
Data de Julgamento: 04/08/2015, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data
de Publicação: 14/08/2015)

2.4.3  Probidade

Também expresso no art. 422, CC, ao lado do princípio da boa-fé objetiva, com
ele não se confunde, sendo considerado um dos aspectos objetivos da boa-fé.
Pelo princípio da eticidade se avalia o comportamento das partes contratan-
tes entre si; já pelo princípio da probidade se analisa o comportamento das
partes contratantes em conformidade com o meio social em que o contrato
foi realizado.
A probidade traz consigo a noção de justiça, de equilíbrio e comutatividade
das prestações avençadas. Resulta, portanto, do confronto entre o comporta-
mento do contratante e o padrão de homem médio leal e honesto e, por isso, só
pode ser verificada na análise do caso concreto.

Exemplos:
Probidade na jurisprudência:
COBRANÇA. CONTRATO DE EMPREITADA. TERMOS ADITIVOS. NOVOS
PAGAMENTO ESPONTÂNEO DE VALORES. ACEITAÇÃO TÁCITA. PRINCÍPIOS

capítulo 2 • 47
DA PROBIDADE E DA BOA-FÉ. 1. Ainda que não conste o aceite do representan-
te legal da parte contratante em planilhas e propostas dos aditivos, se houve o
pagamento das parcelas ali previstas, sem qualquer ressalva, presume-se aceitos
os seus termos. 2. Não há como acolher a tese de excesso nos valores cobrados
pelos aditivos contratuais quando a parte não aponta erros nos cálculos, tendo
apenas alegado que outra empresa faria o mesmo serviço por menor valor. 3. "Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios da probidade e boa-fé" (artigo 422 do Código Civil).
4. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF - APC: 20120111489530, Relator:
SANDOVAL OLIVEIRA, Data de Julgamento: 29/07/2015, 5ª Turma Cível, Data de
Publicação: Publicado no DJE : 06/08/2015 . Pág.: 238)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA


DE DÉBITO. PAGAMENTO. ERRO. CÓDIGO DE BARRAS. PAGAMENTO EM
DUPLICIDADE. PRINCÍPIOS DA PROBIDADE E DA BOA-FÉ. ART. 422 CÓDIGO
CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 459/460 CPC. INOCORRÊNCIA. 1.Restando incon-
troverso que o credor bancário recebeu, no vencimento, o valor da parcela nº
28 objeto do pedido declaratório de inexistência de débito, ainda que para o tal
pagamento a devedora tenha se utilizado equivocadamente de boleto nº 40, no
mesmo valor nominal, porém, com vencimento futuro, válida é oblação para o
efeito da desoneração do devedor. A quitação feita por erro e que nenhum prejuí-
zo trouxe ao credor, se reafirma no fato de o mesmo boleto com vencimento em
data futura ter sido pago duas vezes, em ocasiões distintas. 1.1. Tratando-se de
mero erro material, que em nada mitigou o crédito do banco na medida em que
o seu capital foi integralmente restituído pela tomadora do empréstimo, cumpre
ao sentenciante reconhecer a quitação da dívida por inteiro, e assim o fez. 1.2.
Diante do princípio jura novit curia, o juiz não está adstrito aos fundamentos de
direito aduzidos pelas partes, podendo decidir a causa por motivação outra, nos
limites do subprincípio naha mihi factum dabo tibi jus. 2.“Os contratantes são
obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé”. (Art. 422 CC). 3. Ao cumprir o apelante/autor
a obrigação de fazer a ele imposta na decisão que antecipou os efeitos da tutela,
restou exaurido o seu objeto, no entanto, por se tratar de provimento de caráter
liminar e por isso de natureza provisória, necessária se faz a sua confirmação na
sentença. 4. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF - APC: 20130710066336,

48 • capítulo 2
Relator: CARLOS RODRIGUES, Data de Julgamento: 30/09/2015, 5ª Turma Cível,
Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/11/2015 . Pág.: 342)

2.4.4  Dirigismo contratual

A partir do momento em que se reconheceu que os contratos também podem


gerar efeitos para terceiros ou no meio social, determinou-se, também, a pos-
sibilidade de intervenção do Poder Público em relações contratuais, por meio
de normas de ordem pública, natureza cogente e interesse social e por meio do
Judiciário a fim de se controlar o individualismo contratual.

Normas de ordem pública: são as que disciplinam instituições jurídicas fundamen-


tais e tradicionais com o objetivo de garantir segurança das relações jurídicas

Normas cogentes: são as que estabelecem um único sistema de conduta para tutelar
interesse social

Normas de interesse social: são as que disciplinam relações sociais marcadas pela
desigualdade entre as partes que se relacionam

O dirigismo consiste, então, na regulação do conteúdo do contrato por dis-


posições imperativas e pode ocorrer das seguintes formas:
1. Dirigismo jurisprudencial - o juiz, respaldado pela lei, tem o poder de
rever acordos ou declarar sua extinção.
2. Dirigismo legislativo - ocorre na fase pré-contratual como as limita-
ções impostas pela Lei da Usura (Decreto no. 22.626/33), Lei dos Crimes con-
tra a Economia Popular (Lei no. 1.521/51), Lei de Luvas (Decreto no. 24.150/34),
Código de Defesa do Consumidor, Lei do Inquilinato (Lei no. 8.245/91) etc.

Esse conjunto de normas visa garantir a igualdade substancial entre as par-


tes contrantes, impedindo a estipulação de prestações desequilibradas, exces-
sivamente onerosas, contrárias à lei ou à moral.
São normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, limitan-
do-se, dessa forma, a liberdade contratual em virtude da necessidade de ma-
nutenção e proteção da ordem pública (ordem considerada indispensável à
organização estatal e à sociedade). O dirigismo contratual é, portanto, uma res-
posta do Estado às injustiças decorrentes de relações contratuais, limitando-se
a autonomia privada a partir dos preceitos de igualdade formal e justiça social.

capítulo 2 • 49
Exemplos:
Dirigismo contratual na jurisprudência:
EMBARGOS INFRINGENTES - REAJUSTE DE MENSALIDADES DE
PLANOS INDIVIDUIAIS DE SAÚDE - REAJUSTES AUTORIZADOS POR ÓRGÃO
COMPETENTE - INTERVENÇÃO NA AUTONOMIA PRIVADA - PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS - RAZOABILIDADE E PONDERAÇÃO - PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR. - Apesar de autorizados por órgão competente, os reajustes de
mensalidade de plano de saúde por faixa etária deverão atender aos princípios
da razoabilidade e proporcionalidade, além de todos os contidos no Código
de Defesa do Consumidor. Vv. O reajuste das mensalidades de plano de saúde
deve ser realizado em patamar razoável, pois se tratando de relação de consu-
mo consideram-se nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações
iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou
sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Embora seja possível e lícito
o reajuste anual do plano de saúde, mostra-se desarrazoado e excessivo aque-
le que onera em 72,80% o valor do contrato. (TJ-MG - EI: 10514130009319002
MG, Relator: Valdez Leite Machado, Data de Julgamento: 29/05/2014, Câmaras
Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/06/2014)

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – Funcionário Público do Estado de São


Paulo – Percentual máximo de desconto – Inaplicabilidade da limitação pre-
vista no Decreto Estadual nº 51.314/06 – Lei Federal nº 10.820/03 a qual já
dispunha sobre o assunto, limitando o desconto em 30% da remuneração do
devedor, que deve prevalecer, em respeito ao previsto no inc. VII, do art. 22,
da CR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – Contrato que está sujeito a determina-
das balizas legais – Inteligência e abrangência do art. 3º, inc. I, da CR – Caso
em que a verba, sobre a qual haveria de ocorrer o desconto da prestação con-
tratada, tem caráter alimentar – Incidência da teoria do dirigismo contratual
– Interferência estatal justificada por razões de ordem econômica e públi-
ca – Afetação da liberdade contratual das partes – Necessária observância ao
princípio da função social do contrato – Incidência da regra do art. 421, do
CC. Recurso provido, com julgamento de procedência do pedido inicial. (TJ-
SP - APL: 10937707020138260100 SP 1093770-70.2013.8.26.0100, Relator:
João Batista Vilhena, Data de Julgamento: 05/11/2015, 24ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação: 12/11/2015)

50 • capítulo 2
Os princípios contemporâneos: função social, boa-fé objetiva, probidade
e dirigismo contratual, portanto, não extinguem os princípios clássicos con-
tratuais e a compreensão não poderia ser diferente. Os princípios coexistem,
sendo os clássicos agora relativizados ou harmonizados pelos princípios con-
temporâneos, o que lhes confere maior flexibilidade a fim de atender às noções
de dignidade da pessoa humana, igualdade (formal e material) e justiça social.
Assim, por exemplo, reconhece o Enunciado no. 23, da I Jornada de Direito
Civil: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse in-
dividual relativo à dignidade da pessoa humana.
O que permite a Eroulths Cortiano Junior (2000, p. 33) concluir que “revol-
ta-se o direito contra as concepções que o colocavam como mero protetor de
interesses patrimoniais, para postar-se agora como protetor direto da pessoa
humana” e, por óbvio, o contrato como parte do tripé clássico do Direito Civil
não poderia passar incólume a esse movimento.

2.5  Outros Princípios Contratuais

2.5.1  Da equivalência material

Intimamente ligado à função social dos contratos, o princípio da equivalência


material “busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no
contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização de interes-
ses” (LÔBO, 2003).
Busca-se com este princípio o justo equilíbrio contratual. No entanto, fri-
se-se, não se visa proibir lucros, mas sim, de se estabelecer proporcionalidade
entre prestação e contraprestação, vedando-se vantagens excessivas. Sob “[...] o
aspecto subjetivo leva em conta a identificação do poder contratual dominan-
te das partes e a presunção legal de vulnerabilidade”. Sob “o aspecto objetivo
considera o real desequilíbrio de direitos e deveres contratuais que pode estar
presente na celebração do contrato ou na eventual mudança do equilíbrio em
virtude das circunstâncias supervenientes que levem à onerosidade excessiva
para uma das partes” (LÔBO, 2003).

capítulo 2 • 51
Exemplos:
Equivalência das prestações na jurisprudência:
JUIZADO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA
PLANTA OU EM CONSTRUÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE. INVERSÃO
DOS JUROS DE MORA E MULTA MORATÓRIA. SUJEIÇÃO RECÍPROCA DOS
CONTRATANTES. PRINCÍPIO DA BILATERALIDADE E EQUIVALÊNCIA DAS
PRESTAÇÕES (PRESTAÇÕES SINALAGMÁTICAS). RECURSO CONHECIDO E
PARCIALMENTE PROVIDO. 1.O contrato de compra e venda é bilateral e sinalag-
mático, ou seja, além de pressupor a declaração de vontade de duas partes pelo
menos, haverá equivalência entre a prestação e a contraprestação ajustadas. Por
conta disso, a Superior Corte de Justiça entende como extensível ao vendedor a
cláusula penal e os juros de mora aplicáveis no caso de mora ou inadimplência do
comprador, mesmo que não haja previsão contratual expressa dessa comutativi-
dade. Porém, juros de mora incidem apenas sobre obrigações líquidas ou nas ilí-
quidas, depois de fixado seu valor pecuniário (art. 407, CC). Por essa razão, incidi-
ria sobre as prestações em dinheiro pagas com atraso. Para guardar equivalência,
sua incidência incidiria sobre o valor apurado em sede de liquidação das perdas e
danos ou na melhor das hipóteses, após a citação, e não sobre valor atualizado do
imóvel e mensalmente (fl. 226). 2.Situação diversa ocorre com relação à cláusula
penal, que deverá recair uma única vez e sobre o valor do contrato atualizado até
a data da sua entrega. 3.RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJ-DF - ACJ: 20140110987055, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Data de
Julgamento: 28/07/2015, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito
Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 26/08/2015 . Pág.: 214)

2.5.2  Justiça contratual

A justiça contratual permite o exame mais atento do conteúdo do contrato. A


equivalência das prestações é o fim almejado pelo princípio do equilíbrio eco-
nômico. “O princípio da justiça contratual é revelado na composição harmo-
niosa quanto aos conteúdos jurídico e econômico do contrato, com base na
equânime proporção entre forças antagônicas e na interação entre elementos
contratuais de dimensões diferentes” (Farias; Rosenvald, 2015, p. 224).
A justiça contratual é expressão do solidarismo constitucional que visa a
realização da igualdade substancial entre as partes contratantes, realizando-se

52 • capítulo 2
no princípio da equivalência das prestações uma vez que busca a proporciona-
lidade quantitativa entre os contratantes.
Exemplos:

Justiça contratual na jurisprudência:

EMENTA: DIREITO CIVIL, DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO.


AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO.
TARIFAS DE CADASTRO E DE SERVIÇOS PRESTADOS. NULIDADE DE
PLENO DIREITO. OFENSA À BOA-FÉ OBJETIVA, AO EQUILÍBRIO E À
JUSTIÇA CONTRATUAIS. VIOLAÇÃO ÀS LEIS ORDINÁRIAS DO ESTADO DE
PERNAMBUCO DE NS. 14.689/2012 E 14.422/2011. DEVOLUÇÃO EM DOBRO.
ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNIDO DO CDC. ALTERAÇÃO EX OFFÍCIO DO
TERMO INICIAL DA INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO MONETÁRIA. DATA DO
EVENTO DANOSO. APLICABILIDADE DA SÚMULA 43 DO STL. APELO NÃO
PROVIDO. - Conquanto autorizada pela Resolução no. 3.919/2010 do BACEN,
as Tarifas de Cadastro e de Serviços de Terceiros são nulas de pleno direito,
nos termos do art. 51, IV e XV, do CDC. Práticas vedadas pelas Leis Ordinárias
Estaduais de ns. 14.689/2012 e 14.422/2011. Cobranças que afrontam a boa-fé
objetiva, o equilíbrio entre as partes e a justiça contratual. - Tratando-se de res-
ponsabilidade contratual, o termo a quo para incidência da correção monetária
deverá se calculada a partir da ocorrência do evento danoso e não da data do
ajuizamento da ação, como determinado pelo juízo singular, em conformidade
com o disposto na Súmula 43 do STJ. - Apelação não provida. Deslocamento
ex officio do termo inicial de incidência da correção monetária para a data
de ocorrência do evento danoso - data do efetivo pagamento das tarifas. A
C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, ACORDAM os
Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes deste órgão fracio-
nário em NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO e, ex officio, deslocar o termo
inicial de incidência da correção monetária para a data de ocorrência do even-
to danoso (efetivo pagamento das tarifas) conforme o Termo de Julgamento e
o voto do Relator que, revisto e rubricado, passa a integrar o julgado. Sala de
Sessões, Des. Cândido J. F. Saraiva de Moraes Relator (APL 38611592 PE; Julg.
15/12/2015, 2a. Câmara Cível; publicação 13/01/2016).

capítulo 2 • 53
LEITURA
LÔBO, Paulo. Princípios contratuais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25359/
principios-contratuais>.
PASQUALOTTO, Adalberto de Souza. Princípios básicos do direito contratual no novo
código civil. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/
anais_onovocodigocivil/anais_especial_1/Anais_Parte_I_revistaemerj_219.pdf>.

ATIVIDADE
Um usuário de plano de saúde, necessitando de cirurgia bariátrica, ingressou com pedido de
autorização para a realização do ato cirúrgico junto à sua operadora. No entanto, foi surpreendido
com a resposta da operadora que, sem examiná-lo e sem solicitar complementação de docu-
mentos, negou-lhe verbalmente o procedimento afirmando ser ele desnecessário. Consultando
um advogado, o usuário foi informado que a cirurgia é procedimento de cobertura obrigatória
segundo o Rol de Procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar); quem
deve definir o tratamento para o paciente é o médico que lhe acompanha e não o médico auditor
da operadora (Enunciado no. 24, I Jornada de Direito da Saúde do CNJ13 ); a negativa deve ser
oferecida por escrito, em no máximo 48hs. após solicitação do usuário e em linguagem direta e
acessível (cfe. Resolução no. 319/13, ANS) . Diante dessas explicações, que princípios poderiam
ser invocados para sustentar o pedido judicial de liberação do tratamento? Explique sua resposta.

REFLEXÃO
São comuns anúncios de compra e venda de veículos financiados. Nestes negócios o ‘com-
prador’ paga o preço estabelecido pelo ‘vendedor’ levando em conta o preço do bem e as
parcelas já quitadas, assumindo o adquirente as parcelas vincendas do financiamento. A
compra e venda de veículos financiados caracteriza, tecnicamente, cessão de débito que,
para ser válida, exige a anuência expressa da financiadora (cedida). Não raras as vezes, no

13  Enunciado nº. 24, I Jornada de Direito da Saúde, CNJ. Cabe ao médico assistente, a prescrição terapêutica a
ser adotada. Havendo divergência entre o plano de saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento
médico, odontológico e/ou cirúrgico, é garantida a definição do impasse através de junta constituída pelo profissional
solicitante ou nomeado pelo consumidor, por médico da operadora e por um terceiro, escolhido de comum acordo
pelos dois profissionais, cuja remuneração ficará a cargo da operadora.

54 • capítulo 2
entanto, comprador e vendedor firmam apenas um contrato de compra e venda entre si, não
informando a financiadora sobre a alteração da titularidade do bem e da dívida, sendo essa
avença considerada um contrato de gaveta.
Contrato de gaveta é um contrato particular firmado entre o mutuário e terceiro (‘gaveteiro’),
sem anuência do mutuante e, que por isso, só gera efeitos apenas entre as partes contratan-
tes e não em face de terceiros (como a financiadora), justamente por lhe faltar pressupostos
de validade e/ou de eficácia.
Sendo uma prática comercial bastante comum, em especial, quanto a veículos e imóveis
financiados, reflita: à luz dos princípios contratuais, é possível garantir eficácia (em face da
financiadora) aos contratos de gaveta?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13a. ed.
São Paulo: Malheiros, 2012.
CORTIANO JUNIOR, Eroulths; MEIRELLES, Jussara Maria Leal; FACHIN, Luiz Edson; NALIN, Paulo
(Coords.). Apontamentos críticos para o direito civil brasileiro contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2009. p.
211-238.
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Salvador: JusPodivm. v. 4.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo:
Saraiva. v. 4 (Tomos I e II).
LÔBO, Paulo. Direito civil. Contratos. São Paulo: Saraiva.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado liberal. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9335/estado-
liberal>.
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – contratos. Rio de Janeiro: Forense. v. III.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: Introdução ao direito civil constitucional. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar.
TEPEDINO, Gustavo. Marchas e contramarchas da constitucionalização do direito civil: a interpretação
do direito privado à luz da Constituição da República. [Syn] Thesis, Rio de Janeiro, vol.5, n. 1, 2012.
THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
SANDEL, Michael J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
WALD, Arnolodo. Direito civil – direito das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Saraiva. v. 2.

capítulo 2 • 55
56 • capítulo 2
3
Formação dos
Contratos
3.  Formação dos Contratos
Neste capítulo estudaremos o iter contractus (ou iter negocial), ou seja, o cami-
nho que o contrato percorre para se formar (formação progressiva do contrato).
O contrato é fruto da convergência de vontades que se manifestam visando
a realização de interesses comuns das partes contratantes. Mas apenas a decla-
ração de vontade não é suficiente.
A formação do contrato é um processo composto por uma série de atos e
comportamentos das partes contratantes tendentes à realização de um interes-
se comum. Na doutrina identificam-se quatro fases de formação do contrato:
negociações preliminares (ou puntuação); proposta (oblação ou policitação);
contrato preliminar; contrato definitivo ou conclusão do contrato.
É bem verdade que nem sempre a formação do contrato passará obriga-
toriamente por todas essas fases, bem como, nem sempre elas aparecerão de
forma tão visível. No entanto, é preciso conhecê-las para conhecer seus efeitos
jurídicos. É o que faremos neste capítulo.

OBJETIVOS
•  Compreender a abrangência e os efeitos das negociações preliminares;
•  Estudar os efeitos da oferta (policitação ou oblação) e da aceitação;
•  Determinar o momento de formação dos contratos e o lugar de sua formação.

3.1  Negociações Preliminares (Puntuação14)

O contrato se realiza na convergência de vontades para a realização de interes-


ses recíprocos15 . Sem vontade, o contrato não existe (conforme estudado no
capítulo anterior). O contrato resulta, portanto, de dois negócios jurídicos uni-
laterais: proposta (oferta, policitação, oblação) e aceitação.

14  “[...] a expressão puntuação foi difundida, na doutrina clássica, por Darcy Bessone, estando relacionada a
acordos parciais na fase pré-contratual. A origem está no francês pourparlers e no italiano puntuazione (antecontrato,
declaração) (Tartuce, 2012, p. 130).
15  Destacam Farias e Rosenvald (2015, p. 72) que “a formação do contrato requer a participação de vontades
lastreadas em posições econômicas antagônicas, objetivando uma composição de interesses, funcionalizada a uma
colaboração intersubjetiva com respeito à boa-fé objetiva e a função social do negócio jurídico”.

58 • capítulo 3
Tomando-se a concepção da obrigação como um processo, é possível afir-
mar a existência de três grandes fases do processo contratual: fase pré-contra-
tual; fase contratual e fase pós-contratual.
Nos contratos paritários a primeira fase pode ter início com as negociações
preliminares (tractatus, trattative, pourparlers, puntuação). É neste momento
que as partes se aproximam, estabelecendo os primeiros contatos, indicando
suas intenções, ordenando as primeiras tratativas e avaliando a conveniência
da futura contratação.

CONCEITO
Contrato paritário. É o contrato em que as partes se encontram em igualdade de condições,
tendo ampla liberdade para discutir as cláusulas contratuais e seu conteúdo, bem como, para
concluir ou não o contrato.

As tratativas podem ter início com a indagação de um preço, a solicitação de


um orçamento, a elaboração de uma minuta contratual ou projeto. São nesses
momentos que as partes investigam as vantagens (especialmente econômicas)
de celebrar ou não o contrato, podendo resultar em cartas de intenção e até
esboços do instrumento contratual (acordos parciais).

ATENÇÃO
As tratativas não se confundem com a proposta!
“As tratativas são atos tendentes à análise da viabilidade do contrato. A proposta, por sua
vez, é a exteriorização do projeto de contrato, a manifestação de uma vontade definida em
todos os seus termos, dependente apenas da concordância da parte contrária para o aper-
feiçoamento do contrato” (Farias; Rosenvald, 2015, p. 75).

As negociações preliminares apresentam-se como fase eventual (podem


ocorrer ou não) e, por isso, não estão previstas expressamente no Código Civil.
Via de regra esta fase de aproximação das partes contratantes (seja oral ou escri-
ta) não as vincula quanto à celebração do contrato definitivo, nem gera respon-
sabilidade. É fase que tem “por objeto o preparo do consentimento das partes

capítulo 3 • 59
para a conclusão do negócio jurídico contratual” (Diniz, 2013, p. 46). Alguns
pontos do negócio podem se tornar vinculantes, mas ainda não há um dever
jurídico de celebrar o contrato principal.
Excepcionalmente, porém, as negociações preliminares podem ensejar
responsabilidade civil pré-contratual16 (aquiliana) em virtude da violação dos
deveres anexos de conduta e da legítima expectativa criada em uma das partes
contratantes. O que significa afirmar que embora não haja um dever subjetivo
de contratar decorrente das puntuações, há dever de manter a boa-fé e a probi-
dade, intrínsecas a qualquer relação contratual. Ao faltar com a boa-fé na fase
pré-negocial o contratante comete abuso de direito (art. 187, CC – vedação do
venire contra factum proprium) surgindo daí o dever de indenizar (por perdas
e danos17 ) decorrente de responsabilidade objetiva (independente de culpa).

COMENTÁRIO
Lembre-se que nem toda expectativa é considerada legítima.
A proteção da legítima expectativa decorre da própria proteção dada à confiança aqui
considerada a crença de uma conduta correta das partes contratantes. “Daí porque a pro-
teção da confiança abrange as expectativas de cumprimento de determinados deveres de
comportamento. [...]. A proteção da confiança nos contratos, neste sentido, leva em conside-
ração tanto a projeção interna do contrato, quanto a regularidade das tratativas e dos termos
acordados” (Bruno Miragem, 2012, p. 150-151).

16  Atenção: ainda há controvérsia na doutrina sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil decorrente da
violação na fase de puntuação.
Alguns autores afirmam tratar-se de responsabilidade contratual: Flávio Tartuce,”Ihering, Luigi Mengoni, Salvatore
Romano, Francesco Benatti, Adriano De Cupis e Francesco Galgano” (Tartuce, 2012, p. 132).
Outros autores afirmam tratar-se de responsabilidade pré-contratual (extracontratual): Saleilles, Faggella, Mário Júlio
de Almeida Costa, Antonio Chaves, Antonio Junqueira de Azevedo, Carlos Alberto Bittar, Caio Mário da Silva Pereira,
Maria Helena Diniz” (Tartuce, 2012, p. 132). É esta a tendência da doutrina brasileira.
17  Compreendendo os danos emergentes que “consistem nas despesas efetuadas pelo lesado ao curso das
negociações preliminares”. E os lucros cessantes que “concernem às oportunidades de negócios que a parte perdeu
no período em que se envolveu nas tratativas” (Farias; Rosenvald, 2015, p. 78).

60 • capítulo 3
ATENÇÃO
Enunciado 24, I Jornada de Direito Civil – Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé,
positivado no art. 422 do novo CC, a violação dos deveres anexos constitui espécie de ina-
dimplemento, independentemente de culpa.

Enunciado 25, I Jornada de Direito Civil – Art. 422: o art. 422 do CC não inviabiliza
a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.

Enunciado 170, II Jornada de Direito Civil – Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser
observada pela partes na fase das negociações preliminares e após a execução do contrato,
quando tal exigência decorrer da natureza do contrato.

Pode-se então concluir que a culpa in contrahendo pelo abandono das ne-
gociações preliminares só gera responsabilidade quando o diálogo entre os
contratantes já se encaminhava para a conclusão do contrato, gerando entre
elas forte crença de que o negócio se realizaria, e uma das partes injustifica-
damente abandona as tratativas ou passa a fazer exigências desproporcionais.
Bem como, pode restar caracterizado o dever de indenizar por rompimento
das tratativas quando uma das partes atraiu a confiança da outra que realizou
gastos (levantamentos, sondagens, estudos técnicos...) crendo que o contrato
se realizaria e na iminência de concluir o acordo a outra parte abandona sem
justo motivo o negócio.

Exemplo:
Jurisprudência
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE
CIVIL PRÉ-CONTRATUAL. NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES. EXPECTATIVA
LEGÍTIMA DE CONTRATAÇÃO. RUPTURA DE TRATATIVAS. VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. JUROS DE MORA. TERMO 'A QUO'. DATA
DA CITAÇÃO. 1. Demanda indenizatória proposta por empresa de eventos
contra empresa varejista em face do rompimento abrupto das tratativas para
a realização de evento, que já estavam em fase avançada. 2. Inocorrência de
maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma
sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, não

capítulo 3 • 61
estando o magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos
pelas partes. 3. Inviabilidade de se contrastar, no âmbito desta Corte, a con-
clusão do Tribunal de origem acerca da expectativa de contratação criada pela
empresa varejista. Óbice da Súmula 7/STJ. 4. Aplicação do princípio da boa-fé
objetiva na fase pré- contratual. Doutrina sobre o tema. 5. Responsabilidade
civil por ruptura de tratativas verificada no caso concreto. 6. Inviabilidade de
se analisar, no âmbito desta Corte, estatutos ou contratos de trabalho, para se
aferir a alegada inexistência de poder de gestão dos prepostos participaram das
negociações preliminares. Óbice da Súmula 5/STJ. 7. Controvérsia doutrinária
sobre a natureza da responsabilidade civil pré-contratual. 8. Incidência de ju-
ros de mora desde a citação (art. 405 do CC). 9. Manutenção da decisão de pro-
cedência do pedido indenizatório, alterando-se apenas o termo inicial dos ju-
ros de mora. 10. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA
PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO. Acórdão Vistos e relatados estes autos
em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do
Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do (a)
Sr (a). Ministro (a) Relator (a). (REsp 1367955 SP 2011/0262391-7 Min. Paulo de
Tarso Sanseverino Terceira Turma STJ DJe 24/03/2014)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL
PRÉ-CONTRATUAL. NEGOCIAÇÃO PARA COMPRA DE IMÓVEL RESIDENCIAL.
Compete ao autor, nos termos do art. 333, I, Código de Processo Civil (CPC), o
ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito. No caso concreto, o acer-
vo probatório sequer indica a realização de eventuais tratativas entre as partes,
restando descaracterizado o alegado rompimento injustificado por parte da de-
mandada. Neste contexto, inexistindo ato ilícito, não há falar em prejuízo a ser
indenizado. Manutenção da sentença de improcedência que se impõe. Apelo
desprovido. (Apelação Cível Nº 70058567090, Vigésima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 26/03/2014)

3.2  Da Oferta e da Aceitação dos Contratos

3.2.1  Da Proposta (oferta, policitação ou oblação)

A fase de proposta é denominada oferta, policitação ou oblação. É nesta fase


que a vontade de contratar é manifestada já com a intenção de aderir às condi-

62 • capítulo 3
ções oferecidas pela outra parte contratante. A proposta é um negócio jurídico
unilateral que contém uma declaração receptícia18 de vontade dirigida à outra
parte contratante com a intenção manifesta de se vincular ao contrato, por isso,
gera o dever de celebrar o contrato definitivo.

CONCEITO
Policitante (ofertante, oferente, proponente, solicitante) – aquele que realiza a proposta.
Oblato (aceitante, policitado, solicitado) – aquele que recebe a proposta.

Diferente das negociações preliminares que não são vinculantes; a proposta


tem força obrigatória, vincula o policitante. Por isso, a proposta (escrita, oral ou
tácita19 ) deve conter todos os elementos essenciais do negócio que se preten-
de realizar (descrição do objeto, preço, prazo de entrega, formas de pagamento
etc.). Para ser vinculante precisa ser: séria, clara, completa, precisa e inequí-
voca (art. 427, CC). Presentes estes requisitos a proposta terá força vinculante.
Ausentes estes requisitos a declaração será tratada meramente como um convi-
te para apresentação de uma proposta ou para o início das tratativas.
A obrigatoriedade da oferta é um ônus que se impõe ao policitante, devendo
mantê-la sobre determinado tempo a partir de sua divulgação, assumindo, por-
tanto, o dever de realizar o negócio jurídico caso o oblato se manifeste favora-
velmente à conclusão do contrato. A regra, então, é a irrevogabilidade da oferta.

ATENÇÃO
Não sendo contrato personalíssimo a morte ou incapacidade superveniente do policitante
não afasta a força obrigatória da oferta, devendo os herdeiros ou representante legal dar
cumprimento ao que foi ofertado.

18  Trata-se de declaração receptícia porque só produz efeitos depois de recebida pelo oblato (mesmo quando se
trata de oferta aberta – dirigida ao público em geral/ oblato determinável – art. 429, CC).
19  Será escrita quando efetivada por qualquer meio escrito. Será oral quando verbalizada (feita de viva voz) e
será tácita quando exteriorizada por atos inequívocos dos quais se possa deduzir uma oferta (como por exemplo a
exposição de um objeto com preço nele afixado). No entanto, lembre-se: o silêncio não pode ser considerado uma
forma de realização da oferta.

capítulo 3 • 63
No entanto, a oferta não será considerada obrigatória (art. 427, CC):
1. Se o contrário resultar dos termos dela – são as hipóteses em que os termos
da oferta estabelecem a sua não vinculatividade em cláusulas expressas que decla-
rem não ser ela definitiva ou reservando o direito ao proponente de retirá-la. Ex.:
“proposta sujeita à confirmação”; “não vale como proposta”; “sem compromisso”.
2. Dependendo da natureza do negócio – ocorre em negócios jurídicos que
por sua própria natureza são considerados abertos. São hipóteses que podem
ocorrer, por exemplo, nas propostas abertas ao público (destinadas a pessoas in-
determinadas) que limitam a vinculação do anúncio à existência de estoque (art.
429, CC); ou nos contratos de seguro que exigem a adaptação a cada segurado.
3. Dependendo das circunstâncias do caso – hipóteses elencadas no art.
428, CC:
I. se, feita sem prazo a pessoa presente20 , não for imediatamente acei-
ta. É espécie de oferta caracterizada pelo “pegar ou largar”, identificada
na doutrina como contrato com declaração consecutiva
II. se, feita sem prazo a pessoa ausente21 , tiver decorrido tempo sufi-
ciente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente. O prazo
aqui estabelecido deve ser analisado no caso concreto de acordo com a
boa-fé, os usos e costumes (art. 113, CC), devendo corresponder ao que
seria razoável (prazo moral) para que a resposta chegue ao conhecimen-
to do proponente. É hipótese identificada na doutrina como contrato
com declarações intervaladas.
III. se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta den-
tro do prazo dado. Ex.: situação que pode acontecer quando a carta com
aceitação foi entregue aos Correios, no mesmo momento em que a em-
presa entrou em greve (art. 430, CC).
IV. Se, antes da apresentação da oferta, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente. Garante-se ao
proponente o direito de retratar-se da oferta, mesmo quando não haja
ressalva neste sentido. No entanto, para que a retratação não gere dever
de indenizar deverá chegar conhecimento do oblato antes ou simulta-
neamente com a proposta.

20  Considera-se feita a pessoa presente a oferta feita pessoalmente (inter praesentes), por telefone, chat online
ou qualquer outro tipo de comunicação semelhante cujo contato seja simultâneo. “Presente é aquele que conversa
diretamente com o policitante, mesmo que por algum meio mais moderno de comunicação a distância, e não só por
telefone, e ainda que os interlocutores estejam em cidades, Estados ou países diferentes” (Gonçalves, 2012, p. 78).
21  Considera-se feita a pessoa ausente (inter absentes) a oferta feita por catálogos, e-mail, cartas ou qualquer
outro tipo de comunicação semelhante em que não haja simultaneidade do contato.

64 • capítulo 3
MULTIMÍDIA
Neste item você estou os efeitos da oferta e da aceitação no Código Civil. Para conhe-
cer os efeitos da oferta e da aceitação nas relações de consumo (CDC) assista ao vídeo
disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/aula-em-video,direito-do-consumidor-
diogenes-carvalho-a-oferta-do-cdc-programa-saber-direito-aula-03,50922.html>.

3.2.2  Da Aceitação

A aceitação caracteriza-se como negócio jurídico unilateral pelo qual se apresenta


a concordância com os termos da oferta e, via de regra, não possui forma especial
(princípio do consensualismo). Exteriorizada a aceitação pura e simples reputa-se
concluído (formado) o contrato, com adesão integral à proposta recebida. Por isso,
a aceitação configura-se como um direito potestativo do oblato de constituir o ne-
gócio que lhe foi ofertado. O contrato, portanto, se constitui da vontade declarada
na proposta e da vontade declarada na aceitação (Couto e Silva, 1976, p. 35).
No entanto, a aceitação realizada “fora do prazo, com adições, restrições,
ou modificações, importará nova proposta” (contraproposta - art. 431, CC22 ).
A aceitação é a última declaração negocial antes da formação do contrato. Por
isso, para gerar o efeito vinculante precisa ser pura e simples e realizada em
conformidade com a forma e os prazos estabelecidos pela oferta; havendo dis-
senso do oblato, adições, restrições ou modificações os papeis se inverterão e o
proponente se tornará aceitante.
A aceitação pode ser expressa (escrita, gestual ou oral) ou tácita (por atos
que fazem presumir o consentimento – comportamento concludente). O silên-
cio eloquente ou circunstanciado excepcionalmente será considerado como
uma forma de manifestação de vontade e se revela: a) quando “o negócio for da-
queles em que não seja costume a aceitação expressa”; b) quando “o proponen-
te a tiver dispensado” (art. 432, CC). O silêncio, para configurar manifestação
de vontade, deve ser consciente, ou seja, o oblato deve ter pleno conhecimento
de que seu silêncio será considerado uma declaração de conformidade com a
oferta. São exemplos de aceitação tácita:

22  Atenção: a contraproposta se configura quando o oblato apresenta dissenso sobre uma ou algumas disposições
contratuais; introduz adições ou impõe restrições. No entanto, se o próprio proponente havia deixado o conteúdo
propositalmente aberto para ser completado pelo obleto, as modificações, neste caso, não serão caracterizadas
como contraproposta.

capítulo 3 • 65
Se, por exemplo, um fornecedor costuma remeter os seus produtos a determinado
comerciante, e este, sem confirmar os pedidos, efetua os pagamentos, instaura-se
uma praxe comercial. Se o último, em dado momento, quiser interrompê-la, terá de
avisar previamente o fornecedor, sob pena de ficar obrigado ao pagamento de nova
remessa, nas mesmas bases das anteriores.
Costuma-se mencionar, como exemplo da situação descrita na letra b, a hipótese do
turista que remete um fax [leia-se e-mail] a determinado hotel, reservando acomo-
dações, informando que a chegada se dará em tal data, se não recebe o aviso em
contrário. Não chegando a tempo a negativa, reputar-se-á concluído o contrato (Gon-
çalves, 2012, p. 81).

A manifestação de vontade, no entanto, não terá força vinculante quando:


a) “embora expedida a tempo, por motivos imprevistos, chegar tarde ao conhe-
cimento do proponente”, que pelo atraso involuntário já celebrou negócio com
outra pessoa. Nesses casos, o proponente para se isentar de responsabilidade
deve comunicar imediatamente ao aceitante as razões da não conclusão do
acordo (art. 430, CC); b) “se antes da aceitação, ou com ela, chegar ao propo-
nente a retratação do aceitante” (art. 433, CC); nesta hipótese fica caracterizada
a ineficácia superveniente da aceitação.

3.3  Momento e Lugar de Formação dos Contratos

A formação dos contratos decorre de um processo que resulta de atos e com-


portamentos das partes contratantes que visam à realização de um interesse
comum. Quando esse processo chega ao fim, havendo identidade de interes-
ses e propósitos e consenso com relação aos pontos essenciais do negócio, diz-
se que o contrato está formado ou concluído. A identificação do momento de
aperfeiçoamento do contrato é importante para que se possa estabelecer a sua
força obrigatória.

3.3.1  Tempo de formação dos contratos

O Código Civil utiliza a distinção de contrato entre pessoas presentes e entre


pessoas ausentes para fixar o tempo de formação contratual:
O contrato entre pessoas presentes reputa-se formado imediatamen-
te ao tempo da aceitação da oferta (art. 428, I, CC), se o policitante não tiver

66 • capítulo 3
estabelecido prazo para esta manifestação. Apresentada a aceitação imediata-
mente considera-se concluído o contrato.
Já para o contrato entre pessoas ausentes quatro são as teorias que visam
explicar o seu momento de formação:
a) Teoria da declaração propriamente dita (agnição) – estabelece que o
contrato reputa-se concluído quando o oblato escreve a resposta de aceitação.
O problema desta teoria é que o tempo de formação do contrato ficaria ao livre
arbítrio do oblato, além, é claro de ser evidente a dificuldade em se demonstrar
o momento que a resposta foi efetivamente redigida.
b) Teoria da expedição – estabelece que o contrato reputa-se concluído no
momento que o oblato envia sua resposta, independente de ter ela chegado ao
conhecimento do proponente ou não. É esta a teoria adotada como regra pelo
Código Civil no caput do art. 434, CC.

Segundo Farias e Rosenvald (2015, p. 93) a teoria da expedição é razoável, pois


propicia equânime balanceamento entre os interesses do proponente e do aceitante,
da confiança e da responsabilidade. O dever de cooperação deste se com dá com a
expedição da aceitação para que aquele possa conhecê-la. Seria despautado exagero
exigir que o aceitante ainda diligenciasse no sentido de que o proponente tivesse
conhecimento da aceitação.

c) Teoria da recepção – estabelece que o contrato reputa-se concluído no


momento em que a aceitação é entregue ao proponente, sendo indiferente se o
seu conteúdo chegou ao conhecimento do ofertante ou não.
d) Teoria da informação (cognição) – estabelece que o contrato se consi-
dera concluído quando o proponente é cientificado da aceitação. O inconve-
niente desta teoria é que o tempo de formação do contrato ficaria ao livre arbí-
trio do policitante que poderia escolher o momento em que tomaria ciência do
conteúdo da resposta.

No entanto, nas exceções contidas no art. 434, CC: “os contratos entre au-
sentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I- no caso
do artigo antecedente [retratação]; II- se o proponente se houver comprometi-
do a esperar resposta; III- se ela não chegar no prazo convencionado”. Diante
dessas exceções é possível afirmar que o Código Civil adotou como regra a teo-
ria da expedição e como exceção a teoria da recepção.

capítulo 3 • 67
3.3.2  3.1. Lugar de formação dos contratos

O local de formação do contrato é aquele em que se realiza a proposta, não sen-


do necessariamente coincidente com o local em que se realizará o cumprimen-
to das prestações.
Estabelece o art. 435, CC que “reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em
que for proposto”. Trata-se, no entanto, de norma dispositiva, o que significa
que as partes podem eleger outro local, como por exemplo, o local em que foi
emitida a aceitação.
Determinar o local de formação do contrato é importante para as situa-
ções em que este não coincide com o foro de eleição contratual. Mas, aten-
ção, não se deve confundir o local de expedição da aceitação com o domicílio
do proponente.

LEMBRETE
“O princípio da autonomia privada permite que as partes escolham o foro competente para
a execução das obrigações na dicção do art. 78, do Código Civil. A eleição de domicílio será
mitigada nos contratos de adesão que envolvam relações de consumo, à medida que se ve-
rifique a abusividade de cláusulas que possam impor excessiva onerosidade ao consumidor,
inserindo-o em situação de desvantagem (art. 51, IV, CDC)” (Farias; Rosenvald, 2015, p. 94).

LEITURA
Sobre a formação dos contratos eletrônicos leia:
LISBOA, Roberto Senise; BIONI, Bruno Ricardo. A formação e a conclusão dos contratos
eletrônicos.
Disponível em: <http://www.revistaseletronicas.fmu.br/index.php/FMUD/article/view/
86.>
SOUZA, Vinicius Roberto Prioli. Formação, pressupostos e a classificação dos contratos
eletrônicos.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_
artigos_leitura&artigo_id=6395>.

68 • capítulo 3
RESUMO
Fase Pré-Contratual Fase Pré-Contratual
Vontade subjetiva entre presentes
Oferta (proposta) entre ausentes
Vontade objetiva
Negociações jurídico unilareal
Negociações Preliminares Declaração de vontade receptícia (proponente/policitante)

Vinculação Não há vinculação Aceitação pelo oblato Não há aceitação

Ato Ilícito Não há manifestação Vinculação Não há vinculação


(art. 186, CC) de vontade
Obrigatoriedade
Deveres anexos
(art. 422, CC) Contrato - manifestação objetiva da vontade (Fase contratual)
Formação do vínculo
Inobservância Isenção de responsabilidade
- Responsabilidade Aquiliana Execução Inexecução involutária
(extracontratual) Indenização + perdas e danos
Obrigação Contraprestação

Extinção
Recisão
adimplemento inadimplemento Resolução
Resilição

ATIVIDADE
01. João, prestador de serviços em Florianópolis, após troca de e-mails com informações so-
bre o serviço (via e-mail) com Maria (residente em Curitiba) apresenta-lhe online (via Skype)
proposta para realizar os reparos na residência daquela indicando o preço que cobraria pela
empreitada e o material necessário. De acordo com o estudo da formação dos contratos:
a) Pode-se afirmar que entre João e Maria houve um contrato preliminar? Justifique
sua resposta.
b) A proposta feita por João é vinculante? Explique sua resposta.
c) Aceita a proposta por Maria a partir de que momento se considera formado este contrato?
d) Qual é o local de formação do contrato entre Maria e João? Explique sua resposta.
Como a proposta foi realizada entre presentes (online), O contrato reputa-se concluído
em Curitiba, local onde foi proposto (art. 435, CC).

REFLEXÃO
Nas entradas de supermercados é comum haver uma estante contendo encartes com as
ofertas da semana. Quando for ao supermercado, pegue um desses encartes e verifique se
nele há elementos suficientes para caracterizá-lo como uma oferta e, havendo, qual é a sua
força vinculativa.

capítulo 3 • 69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COUTO E SILVA, Clóvis. Obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Teoria geral dos contratos e contratos em
espécie. São Paulo: Saraiva. v. 3.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Salvador: JusPodivm. v. 4.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva. v. 3.
MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais.
NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de direito civil. Contratos. São
Paulo: Revista dos Tribunais. v. III.
TARTUCE, Flávio. Direito civil 3 – Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Rio de Janeiro: Gen.

70 • capítulo 3
4
Classificação dos
Contratos
4.  Classificação dos Contratos
Neste capítulo estudaremos as principais classificações (categorias contra-
tuais) dos contratos, buscando compreender seus efeitos.
O ato de classificar é um exercício exclusivamente analítico que decorre da
lógica da própria pessoa que realiza a taxinomia. Por isso, as classificações va-
riam de autor para autor, cada um tentando impor sua própria lógica conforme
variados modelos abstratos.

A classificação permite uma ‘arrumação exaustiva da realidade’, afinal as classes de


contratos resultam de repartições feitas com base em critérios que têm a ver com a
ocorrência ou a verificação de certas qualidades. A recondução de contrato a esta ou
àquela classe não significa mais do que a sua repartição do que o seu agrupamento,
consoante se tenha esta ou aquela característica. [...]. Esta necessidade de classifi-
cação se vincula ao domínio teórico da matéria, hábil em seu tratamento coerente e
coeso, atribuindo certeza e segurança jurídica aos critérios de decidibilidade (Farias;
Rosenvald, 2015, p. 246).

Não havendo uma classificação imposta por lei e não havendo unanimida-
de entre os autores quanto às diversas categorias procuramos estabelecer neste
capítulo as principais classificações (clássicas e contemporâneas), a fim de que
você possa ter o mais amplo conhecimento do tema a partir de critérios simples
de categorização dos quais resultam (em sua maioria) divisões dicotômicas ar-
tificiais, mas que possuem diversos efeitos práticos.

OBJETIVOS
•  Estudar as diversas classificações dos contratos;
•  Compreender os efeitos das classificações.

72 • capítulo 4
4.1  Contratos considerados em si mesmos

4.1.1  Quanto aos direitos e deveres das partes (presença de sinalagma) ou


quanto à natureza da obrigação entabulada: unilateral; bilateral (sinalagmático);
plurilateral

O fato dos contratos exigirem para a sua formação a coincidência de interesses


decorrentes da manifestação de duas ou mais vontades não significa que obri-
gatoriamente produzirá efeitos patrimoniais para ambas. Por isso, não se pode
confundir momento de formação com produção dos efeitos. Quanto à forma-
ção, não há dúvida, o contrato será sempre bilateral. Será quanto a eficácia que
os contratos dividem-se em unilaterais, bilaterais e plurilaterais.
Unilaterais: são os contratos que criam obrigações unicamente para uma
das partes, como a doação pura, o mútuo, o comodato, o depósito, a doação,
o mandato, a fiança. Apenas um dos contratantes assume obrigações face ao
outro. A relação jurídica resultante dos contratos unilaterais é simples, pois só
uma parte será considerada devedora.

ATENÇÃO
Parte da doutrina ainda vislumbra uma categoria intermediária (tertium genus) que denomi-
nam de bilateral imperfeito.
Assim é denominado o contrato unilateral que por circunstância acidental, ocorrida no
curso de sua execução, gera alguma obrigação para o contratante que anteriormente não a
tinha. Ex.: depósito – podem surgir para o depositante a obrigação de despesas realizadas
pelo comodatário.
Também será considerado bilateral imperfeito o contrato bilateral em que não há sinalag-
ma (correspectividade das prestações).
Ex.: a obrigação do comodante em promover o gozo da coisa pelo comodatário e a obri-
gação deste em devolver o bem ao término do uso ou do prazo avençado.
Subordina-se, no entanto, ao regime dos contratos unilaterais, porque as contrapresta-
ções não nascem da avença, mas de fato eventual, posterior à formação do contrato, não
sendo, assim, consequência necessária de sua celebração, mas de disposição legal.
Por isso, boa parte da doutrina repele a classificação, embora reconheça em sua existên-
cia certa utilidade prática.

capítulo 4 • 73
Bilaterais (sinalagmáticos ou de prestações correlatas): são os contratos
que geram obrigações (recíprocas) para ambos os contratantes, como a compra
e venda, a locação, o contrato de transporte. Cada um dos contratantes é simul-
tânea e reciprocamente credor e devedor do outro. Há dependência recíproca
das obrigações (sinalagma). Para que se caracterize a bilateralidade não é pre-
ciso que as prestações sejam equivalentes entre si, mas, sim, reciprocidade de
prestações. Por isso, a relação resultante dos contratos bilaterais é considerada
complexa porque as partes serão reciprocamente credoras e devedoras.
Plurilaterais ou plúrimos: são os contratos que contêm mais de duas partes
cuja prestação de cada uma se dirige à realização de um fim comum, como, por
exemplo, o contrato de sociedade e o contrato de consórcio, em que cada sócio
é uma parte. Caracterizam-se pela rotatividade de seus membros e pela buscava
de uma finalidade comum.

Vantagens práticas da distinção entre contratos unilaterais e bilaterais:


•  A exceptio non adimpleti contractus e a cláusula resolutiva tácita somen-
te se amoldam ao contrato bilateral, que requer prestações simultâneas, não
podendo um dos contratantes, antes de cumprir sua obrigação, exigir o imple-
mento da do outro (art. 476, CC).
•  A teoria dos riscos só é aplicável ao contrato bilateral, no qual se deverá
apurar qual dos contratantes sofrerá as consequências da perda da coisa devida
ou da impossibilidade da prestação.
•  No contrato bilateral pode uma das partes recusar-se à prestação que lhe
incumbir, se depois de concluído o contrato, sobrevier ao outro contratante di-
minuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a pres-
tação pela qual se obrigou (art. 477, CC).
•  Somente aos contratos bilaterais (e comutativos) pode ser aplicada a teo-
ria dos vícios redibitórios (art. 441, CC).

4.1.2  Quanto ao sacrifício ou atribuição patrimonial das partes: oneroso; gratuito


(benéfico)

Gratuitos ou benéficos: são aqueles em que apenas uma das partes aufere be-
nefício ou vantagem, onerando a outra parte, como sucede na doação pura e no
comodato. Outorgam-se vantagens a uma das partes sem exigir contrapresta-
ção da outra. Em geral, todo contrato unilateral é gratuito (exceção – ex.: mútuo

74 • capítulo 4
feneratício ou oneroso – que é aquele em que se convenciona o pagamento de
juros). A doutrina os divide os contratos benéficos em:
a) Gratuitos propriamente ditos: acarretam a diminuição patrimonial
a uma das partes como ocorre nas doações puras. Ex.: oferecer uma carona a
um amigo.
b) Desinteressados: não acarretam a diminuição patrimonial a uma das
partes, embora beneficiem uma delas. Ex.: comodato e mútuo.

Onerosos: são contratos em que ambos os contratantes obtêm proveito, ao


qual, porém, corresponde um sacrifício patrimonial. Ônus e proveito devem es-
tar em relação de equivalência, como por exemplo: doações com encargo, com-
pra e venda, locação e empreitada. Ambos os contratantes visam um proveito
ao qual corresponde um sacrifício de seu patrimônio. Em geral, todo contrato
bilateral é oneroso. Exceção – ex.: mandato (ex.: com pagamento a posteriori de
despesas necessárias à sua execução).

ATENÇÃO
“Não é simplesmente a denominação do contrato que fixa a sua natureza, pois é possível que
determinadas figuras contratuais sejam estabelecidas tanto na forma gratuita quanto onero-
sa, como, por exemplo, do mútuo (que pode ser celebrado sem pagamento de juros – gratuito
– ou o feneratício – oneroso), do depósito, do mandato ou mesmo da fiança [...].” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2012, p. 161).

Contratos unilaterais e onerosos; bilaterais e unilaterais não se confundem, embora sejam


muito semelhantes!
“Em geral, todo contrato oneroso é, também, bilateral. E todo unilateral é, ao mesmo tempo,
gratuito. Não, porém, necessariamente. O mútuo feneratício ou oneroso (em que é convencio-
nado o pagamento de juros) é contrato unilateral e oneroso. Unilateral porque de natureza real:
só se aperfeiçoa com a entrega do numerário ao mutuário, não bastando o acordo de vontades.
Feita a entrega (quando o contrato passa a produzir efeitos), nenhuma outra obrigação resta
ao mutuante. Por isso se diz que gera obrigação somente para o mutuário. Como exemplo de
contrato que pode ser bilateral e gratuito menciona-se o mandato, embora se trate de bilateral
imperfeito, visto que, para o mandante, a obrigação surge, em geral, a posteriori (a de pagar as
despesas necessárias à sua execução, p.ex.) (GONÇALVES, 2012, p. 27).

capítulo 4 • 75
Vantagens práticas da distinção entre contratos gratuitos e onerosos:
•  A responsabilidade do devedor pelo ilícito nos contratos gratuitos deverá
ser apreciada com benignidade, de tal forma que somente a determinará con-
duta dolosa nos termos do art. 392, CC;
•  O doador não responderá pela evicção nem por vícios redibitórios, exceto
nas doações com encargo;
•  O contrato gratuito poderá ser anulado pela ação pauliana independente
de má-fé (art. 158, CC) e só pode ser interpretado restritivamente (art. 114, CC).
•  O contrato oneroso exige a insolvência do devedor (art. 159, CC);
•  O erro sobre a pessoa será mais grave no contrato benéfico do que no onero-
so, salvo nas prestações de serviços materiais e encomendas de obras artísticas.

4.1.3  Quanto ao momento de aperfeiçoamento do contrato ou quanto à


constituição do contrato: consensual; real

Consensuais (solo consensu): são aqueles que se formam unicamente pelo


acordo de vontades, independente da entrega da coisa ou de determinada forma.
São exemplos a compra e venda de móveis pura (art. 482, CC); a locação e o mandato.

Reais: são os que exigem, para se aperfeiçoar, além do consentimento, a


entrega da coisa que lhe serve de objeto, como os contratos de depósito, como-
dato e mútuo. Em regra são contratos unilaterais uma vez que entregue a coisa
só resta a obrigação para o depositário, o comodatário e o mutuário. Mas nada
impede que sejam também contratos bilaterais.
Vários autores23 rejeitam a noção de contrato real sob o fundamento de que
a traditio é apenas pressuposto da exigibilidade da obrigação de restituição,
que caracteriza os principais contratos da espécie, como depósito, comodato e
mútuo. “Percebe-se o anacronismo da classificação em termos teóricos e práti-
cos. Não há coerência em se admitir o comodato como contrato real enquanto
a locação se perfilha dentre os contratos consensuais, sendo que ambos os ne-
gócios jurídicos objetivam o alcance de finalidades econômicas semelhantes”
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 263).
23  Para Pereira (2012, p. 64) a distinção decorre de “romanismo injustificável nos tempos autais. Seria mais
simples compreender os chamados contratos reais como simplesmente consensuais e bilaterais, em que para um
dos contratantes nasce a obrigação de entregar a coisa, e para outro a de restitui-la se ela for entregue. Com esta
concepção a ‘traditio’ deixa de ser elemento de constituição do negócio jurídico e passa a constituir a execução da
obrigação do mutuante, ou do comodante, ao mesmo passo que a restituição é obrigação condicional do mutuário,
do comodatário, do depositário”.

76 • capítulo 4
4.1.4  Quanto aos riscos envolvidos: comutativo (pré-estimado); aleatório

Os contratos onerosos podem ser comutativos ou aleatórios.


Comutativos: são os contratos de prestações certas e determinadas desde
o início. As partes podem antever as vantagens e os sacrifícios que terão, pois
não envolvem riscos. Subordinam-se à ideia de equivalência subjetiva (exata ou
aproximada) das prestações.
Aleatórios (ou de esperança): alea significa sorte, acaso, evento incerto. São
contratos em que o objeto é marcado pelo risco e cuja caracterização não exige
a existência da álea bilateral, basta que haja risco para um dos contratantes.
Uma das partes assume o risco do fato acontecer ou não, dando-lhe ou não o
retorno patrimonial desejado.
O risco de perder ou ganhar pode sujeitar um ou ambos os contratantes;
porém a incerteza do evento terá de ser dos dois, sob pena de não subsistir a
obrigação.
Se a álea ficar a cargo exclusivo de um dos contratantes, o negócio será tido
por nulo uma vez que é inadmissível a celebração desse contrato por uma das
partes na certeza de ganhar.
O risco pode ser:
a) Total ou absoluto: quando só uma das partes será beneficiada pela
prestação (não há contraprestação). Ex.: jogo ou aposta.
b) Relativo ou parcial: quando ambas as partes podem ser beneficiadas
pela álea, sabendo-se desde o início qual dos contratantes poderá ser beneficia-
do pela álea e qual poderá sofrer prejuízo.

Os contratos aleatórios estão previstos nos arts. 458 a 461 do Código Civil e
podem ser:
a) Aleatórios por natureza: é o contrato bilateral e oneroso em que pelo
menos um dos contraentes não pode antever a vantagem que receberá, em tro-
ca da prestação fornecida. Caracteriza-se pela incerteza para as duas partes,
pois a perda ou o lucro dependem de uma fato futuro e imprevisível. Ex.: jogo;
aposta autorizada; constituição vitalícia de renda e seguro.

capítulo 4 • 77
ATENÇÃO
Os contratos aleatórios não se confundem com os contratos condicionais:
•  No condicional a existência e a eficácia do contrato estão na dependência de evento futuro
e incerto;
•  No aleatório o contrato será considerado perfeito desde logo, embora surja o risco de a
prestação de uma das partes ser maior ou menor;
•  No condicional ambas as partes poderão ter lucros, sem que o ganho de um represente
necessariamente prejuízo de outro;
•  No aleatório, em regra, a vantagem de um acarretará a perda do outro;
•  No condicional o acontecimento é sempre incerto e futuro;
•  No aleatório a circunstância causal de que depende o lucro ou a perda não precisará
ser futura, bastando que seja ignorada ou desconhecida pelas partes, embora já tenha
sido realizada.

“[...] no contrato aleatório, a incerteza ocorre em relação às vantagens procuradas pela


parte, seja na sua própria ocorrência seja na sua extensão, duração ou individualização da
parte que vai supri-la; no contrato efetivamente submetido a condição, porém, é a eficácia da
avença que dependerá da ocorrência de um evento futuro e incerto” (GAGLIANO; PAMPLO-
NA FILHO, 2012, p. 165).

b) Acidentalmente aleatórios: são contratos tipicamente comutativos


que por certas circunstâncias tornam-se aleatórios. Espécies:
1. Venda de coisas futuras: o risco pode se referir:
i. À própria existência da coisa – art. 458, CC (com assunção de risco
pela existência). Trata-se de hipótese de emptio spei ou venda da espe-
rança, da probabilidade das coisas ou fatos existirem. Ocorre quando
um dos contratantes toma a si o risco relativo à existência da coisa, ajus-
tando o preço que será devido integralmente mesmo que nada produza.
Ex.: comprar de um pescador, por preço certo, os peixes que retirar de
sua rede; compra de safra futura.
ii. À quantidade – art. 459, CC (sem assunção de risco pela existência).
Emptio rei speratae ou venda de coisa esperada. O risco assumido con-
cerne à maior ou menor quantidade da coisa. Se nada existir o contrato
será nulo, por falta de objeto.

78 • capítulo 4
2. Venda de coisas existentes mas expostas a risco: - arts. 460 e 461, CC.
Ex.: mercadoria embarcada que é vendida assumindo o comprador a álea dela
chegar ou não ao destino. No entanto, a alienação aleatória poderá ser declara-
da nula se o contratante provar que a outra parte, agindo dolosamente, omitiu
a consumação dos risco a que estava exposta a coisa (p.ex.: o fato do navio já ter
naufragado antes da formação do contrato).
As diferenças entre contratos comutativos e aleatórios são muitas:
•  A evicção e a teoria dos vícios redibitórios só se aplica aos contra-
tos comutativos.
•  Os contratos aleatórios possuem regime especial (arts. 458 a 461, CC).
•  A teoria da imprevisão só se aplica aos contratos comutativos.
•  A rescisão por lesão só pode ser invocada nos contratos aleatórios quando
a vantagem que obtém uma das partes é excessiva, desproporcional em relação
à álea normal do contrato.

4.1.5  Quanto à previsão legal: típico; atípico

Típicos: são os contratos regulados pela lei, os que têm o seu perfil nela tra-
çado. Não se confunde com contrato nominado, embora se possa afirmar que
todo contrato nominado é típico e vice-versa. Os contratos típicos não reque-
rem muitas cláusulas, pois passam a integrá-los todas as normas regulamenta-
doras estabelecidas pelo legislador. São exemplo de contratos típicos as vinte e
três espécies previstas no Código Civil.
Atípicos: são os contratos que resultam de um acordo de vontades, não
tendo, porém, as características e requisitos definidos na lei. Para que sejam
válidos basta o consenso, que as partes sejam livres e capazes e o seu objeto
lícito, determinado ou determinável, possível e suscetível de aferição econômi-
ca (arts. 104 e 425, CC - princípio da liberdade e do consensualismo). Exigem
minuciosa especificação de direitos e obrigações uma vez que não possuem re-
gulamentação legal específica, mas limitam-se por normas de ordem pública
como a função social do contrato e a boa-fé objetiva. Exemplos: hospedagem;
factoring; engineering.
Os contratos atípicos podem ser:
a) atípicos propriamente ditos: são fruto da autonomia privada, consti-
tuindo negócio jurídico diferenciado, sem similar no ordenamento jurídico.

capítulo 4 • 79
b) mistos: são formados pela conjugação de contratos típicos com ele-
mentos de negócios não positivados, como é o caso do contrato de hospeda-
gem que conjuga: depósito + compra e venda + prestação de serviços e outros
elementos necessários ao desempenho da atividade.

Não havendo disciplina específica para os contratos atípicos que normas


deverão ser aplicadas? Três são as teorias:
a) Teoria da combinação: afirma que o contrato deve ser decomposto,
aplicando para cada uma de suas partes a disciplina legal respectiva. O proble-
ma dessa teoria é que ela desconsidera a unidade sistêmica do contrato, consi-
derando-o mera soma de figuras contratuais distintas.
b) Teoria da absorção: afirma que em todo contrato atípico existe uma fi-
gura que será preponderante. Por isso, essa figura absorveria as demais para
fins de aplicação das normas a ela pertinentes. O problema dessa teoria é o
mesmo da anterior: a desconsideração da unidade sistêmica do contrato.
c) Teoria da aplicação analógica: afirma que deverá ser aplicada por
analogia a norma do contrato típico mais semelhante ao que está sendo ana-
lisado. Mas como resolver a situação quando não se encontrar nenhuma figu-
ra semelhante?
Não sendo as teorias imunes a críticas, tem prevalecido o entendimento de
que na interpretação dos contratos atípicos deve-se levar mais em conta as dis-
posições contratuais (porque expressão da vontade negocial) do que propria-
mente as disposições legais.

4.1.6  Quanto à designação: nominado; inominado

Nominados (ou confeccionados): são aqueles que têm designação própria,


abrangendo as espécies contratuais que têm nomen iuris e servem de base à
fixação dos esquemas, modelos ou tipos de regulamentação específica da lei. O
Código Civil de 2002, por exemplo, regulamenta vinte e três espécies de contra-
tos, portanto, esses serão considerados nominados.
Os contratos nominados não se confundem com os típicos, estes são os que
se encontram regulados em lei, possuem disciplina própria; aqueles são os que
possuem nomenclatura própria. Por isso, é possível afirmar que todo contrato
típico é nominado, mas a recíproca não é verdadeira.

80 • capítulo 4
Inominados (ou sob medida): são contratos que devido à enorme diversifi-
cação dos negócios jurídicos não foram previstos de maneira precisa pela legis-
lação e, portanto, não possuem denominação própria.

4.1.7  Quanto à negociação do conteúdo pelas partes ou quanto à formação:


paritário; por adesão; de adesão; coativo

Paritários: são os contratos tradicionais, em que as partes discutem livremente


as condições, porque se encontram em situações de igualdade na fase de pun-
tuação. Decorrem diretamente do exercício da autonomia privada e da liberda-
de contratual.
De adesão24 : são os que não admitem a liberdade de discussão das cláusu-
las contratuais . A vontade de um dos contratantes prepondera sobre a outra.
Uma das partes (normalmente a economicamente mais forte) elabora todas as
cláusulas e a outra simplesmente adere ao modelo previamente confecciona-
do, não podendo modificá-las. São exemplos de contratos de adesão: seguro,
consórcio e transporte.
São contratos que não admitem alteração das cláusulas contratuais25, de-
vendo o aderente aderir ou rejeitar em bloco, limitando-se, assim, a autonomia
das partes. No Código Civil encontram-se seus limites nos arts. 423 e 424, CC.
São características dos contratos de adesão:
a) Uniformidade, predeterminação e rigidez da oferta.
b) Proposta permanente e geral, aberta a quem se interessar (número in-
determinado de pessoas).
c) Exige aceitação pura e simples do oblato.
d) Pressupõe superioridade (material) econômica de um dos contratantes.
e) Cláusulas do contrato predispostas e fixadas unilateralmente e em blo-
co pelo policitante.

24  Alguns autores negam aos contratos de adesão sua natureza contratual sob o fundamento de que a falta de
vontade de uma das partes evidencia o seu caráter institucional. Todavia ainda prevalece o entendimento de que sua
natureza é contratual.
25  “O surgimento da categoria do contrato de adesão é resultante do processo de fragmentação do conceito de
contrato. Abandona-se a concepção monolítica do contrato em prol de paradigmas diversos, voltando-se a teoria
contratual para o estabelecimento de critérios de diferenciação, de forma a compor adequadamente os princípios
constitucionais. Esta tarefa exige do operador jurídico capacidade para lidar com diferenciações formuladas a partir
de elementos externos à estrutura contratual, abstratamente considerada. Só assim se permitirá o ingresso da
igualdade substancial no seio da teoria dos contratos. Esta mutação valorativa é elemento imprescindível na leitura
dos contratos de adesão” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 291).

capítulo 4 • 81
Os contratos de adesão não se confundem com o contrato por adesão, em-
bora parte da doutrina os considere termos sinônimos. O contrato por adesão
seria aquele em que haveria outras opções para o contratante aderir, isto é, ape-
sar de não deliberar com ninguém previamente, o aderente possui diversas op-
ções no mercado, como por ex.: os cartões de crédito.
Contratos-tipo ou contratos de massa, em série ou por formulários: aproxi-
mam-se dos contratos de adesão, pois também são apresentados em fórmulas
pré-redigidas por uma das partes. Difere do contrato de adesão porque não lhe
é essencial a desigualdade econômica dos contratantes, bem como, porque ad-
mite discussão sobre o seu conteúdo e substituição de cláusulas. As cláusulas
não são impostas à outra parte, são apenas predispostas. Diferenciam-se tam-
bém dos contratos de adesão porque estes são endereçados a um número inde-
terminado e desconhecido de pessoas, enquanto os contratos-tipo destinam-se
a pessoas ou grupos identificáveis.
Coativo (ditado, imposto, forçado) é o contrato que se realiza sem o pressu-
posto do livre consentimento de uma das partes. A vontade, neste caso, decor-
re de simples ficção. “Há contrato coativo quando alguém, contra a vontade, é
compelido a participar de relação jurídica normalmente oriunda de um acordo
de vontades, e quando se envolve numa relação contratual sem ter emitido de-
claração de vontade” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 318), como por exemplo
o seguro obrigatório DPVAT; as taxas cobradas pelos serviços de água e esgoto.

4.1.8  Quanto às formalidades: formal; solene; não formal; não solene

Segundo Farias e Rosenvald (2015, p. 263) a “função da forma é assegurar a


idoneidade dos atos jurídicos de significado social mais relevantes, evitando
obscuridades e garantindo a fluência do tráfico jurídico”. Por isso, para alguns
contratos, a lei imporá forma específica, enquanto para outros permitirá que
sua forma seja livremente escolhida pelas partes, formalidades que poderão in-
clusive impactar na validade do negócio jurídico.
Solenes ou formais: são os contratos que devem obedecer à forma prescrita
em lei para se aperfeiçoar. Quando a forma é exigida como condição de valida-
de do negócio, este é considerado solene (art. 104, III e art. 166, VI, CC – princí-
pio do formalismo). A vontade das partes, nesses casos, não basta à formação
do contrato, uma vez que são negócios ad solemnitatem.

82 • capítulo 4
Neste sentido, podemos classificar como solenes: a) aqueles para os quais a lei exige
o instrumento público, como os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais
sobre imóveis de valor superior a 30 salários mínimos (art. 108, CC); b) aqueles para
os quais a lei demande o instrumento escrito como de sua essência, embora particu-
lar, como na doação (art. 541, CC) e na fiança (art. 819, CC). No caso da fiança, só
o fato de não se admitir a forma verbal impactará em sua invalidade caso assim seja
constituída, não obstante o contrato principal ser feito por escrito (FARIAS; ROSEN-
VALD, 2015, p. 263).

Alguns autores diferenciam os contratos solenes dos formais. Aqueles se-


riam os que exigem escritura pública para a sua validade. Formais seriam os
que exigem forma escrita, sem a solenidade do instrumento público. Portanto,
pode-se afirmar que todo contrato solene é formal, mas nem todo contrato for-
mal é solene.
Não solenes, não formais ou de forma livre: basta o consentimento das par-
tes para a sua formação, quando a lei não exige nenhuma formalidade para o
seu aperfeiçoamento (arts. 107 e 109, CC – princípio do consensualismo ou da
liberdade de forma). A forma, neste caso, é ad probationem tantum, ou seja,
apenas auxilia na prova do ato.
Vale lembrar que o art. 109, CC, confere às partes o poder de derrogar a li-
berdade de forma, determinando que seu negócio jurídico não terá validade se
realizado por outra forma que não a expressa em eventual cláusula contratual.

4.1.9  Quanto ao momento de cumprimento: instantâneo; de execução continuada


(trato sucessivo); de execução diferida

De execução instantânea ou imediata ou de execução única: são contratos que


se consumam num só ato, sendo cumpridos imediatamente após a sua celebra-
ção. Exemplo: compra e venda à vista.

De execução diferida ou retardada: são os que devem ser cumpridos tam-


bém em um só ato, mas em momento futuro, como por exemplo a entrega do
bem em determinada data. A prestação de uma das partes não se dá imediata-
mente após a formação do vínculo, mas a termo (em um único ato que se reali-
zará em momento futuro).

capítulo 4 • 83
De trato sucessivo (de execução periódica; em prestações; débito perma-
nente; ou de execução continuada: são os que se cumprem por meio de atos
reiterados, são contratos que se protraem no tempo. As prestações de um ou de
ambos os contratantes se dão a termo e, por isso, há soluções periódicas desses
contratos, até que pelo implemento de uma condição ou decurso de um prazo
cesse o próprio contrato. Exemplos: compra e venda parcelada; prestação per-
manente de serviços; locação; planos de saúde; consórcios.
Há autores que diferenciam os contratos de execução periódica dos con-
tratos de execução continuada. Estes seriam os contratos que se prolongam
no tempo, sem interrupção (como o contrato de trabalho); já aqueles são os
contratos que se efetivam em prestações em repetições periódicas com ou sem
regularidade exata (como o contrato de telefonia). “Portanto, no contrato de
duração o tempo se insere na causa do negócio, afinal o interesse do credor
pede a satisfação de uma necessidade contínua. [...]. No contrato de duração
o adimplemento é protraído no tempo, ele não é um ato singelo, mas um pro-
cesso retroalimentado enquanto preserva o interesse” (FARIAS; ROSENVALD,
2015, p. 267.)

Interesse prático da distinção:


•  A teoria da imprevisão só se aplica aos contratos de execução diferida
e continuada.
•  A rescisão unilateral do contrato de execução continuada apenas será admi-
tida em casos excepcionais, salvo se convencionado por tempo indeterminado.
•  O descumprimento de prestação vencida, no contrato de execução con-
tinuada de caráter bilateral, não anula as prestações já realizadas, desde que
sejam autônomas, operando, portanto, os seus efeitos ex nunc.
•  O princípio da simultaneidade das prestações só se aplica aos contratos
de execução instantânea.
•  Nos contratos de execução instantânea a nulidade ou resolução por ina-
dimplemento reconduz as partes ao estado anterior; enquanto nos de execução
continuada são respeitados os efeitos produzidos, não sendo possível restitui
as partes ao status quo ante.
•  A nulidade do contrato de execução contínua não afeta os efeitos
já produzidos.
•  A prescrição da ação para exigir o cumprimento das prestações venci-
das, nos contratos de trato sucessivo começa a fluir da data do vencimento de
cada prestação.

84 • capítulo 4
•  O cumprimento simultâneo das prestações só poderá ser exigido se o con-
trato for de execução imediata.
•  A impossibilidade de execução dos contratos sucessivos, liberando uma
das partes, importará a liberação da outra.

4.1.10  Quanto à pessoalidade ou quanto ao agente: personalíssimo (intuitu


personae; pessoal); impessoal; individual; coletivo; autocontrato (contrato consigo
mesmo)

Personalíssimo (intuitu personae, pessoal): é o contrato celebrado em aten-


ção às qualidades pessoais de um dos contraentes. Por essa razão o obrigado
não pode se fazer substituir por outrem. São contratos intransmissíveis aos
sucessores do devedor e não podem ser objeto de cessão. Havendo erro essen-
cial sobre a pessoa do outro contratante, são anuláveis. É exemplo de contrato
personalíssimo o contrato de emprego ou aquele que contém obrigação de fa-
zer infungível.
Impessoal: é o contrato cuja prestação pode ser cumprida indiferentemen-
te pelo obrigado ou por terceiro. O que importa é que a prestação seja realizada;
que o resultado seja alcançado. Exemplo: o contrato de empreitada, em regra,
é impessoal.
Vantagens práticas da distinção entre contratos pessoais e impessoais:
•  Os contratos pessoais não se transmitem causa mortis.
•  Não pode ser realizada cessão de posição contratual em contra-
tos personalíssimos.
•  Os contratos personalíssimos podem ser anulados por erro substancial
quanto à pessoa (art. 139, II, CC).

Individual26 : é contrato em que as vontades são individualmente conside-


radas, ainda que envolva várias pessoas. É o que se forma pelo consentimento
de pessoas, cujas vontades são individualmente consideradas. Cria direitos e
obrigações para as pessoas que deles participam.
Coletivo (normativo): trata-se de forma contratual que alcança grupos não
individualizados, unidos por uma relação de fato ou jurídica.
26  Trata-se de classificação mais utilizada pelo Direito do Trabalho e que segundo Orlando Gomes decorre de um
equívoco, pois o contrato coletivo não possui verdadeira natureza contratual, pois não cria obrigações para as partes,
mas estabelece normas que devem ser observadas na formação de contratos individuais, tratando-se, por isso, de
acordo normativo.

capítulo 4 • 85
O melhor exemplo é o do acordo de vontades entre duas pessoas jurídicas
de Direito Privado, representativas de categorias profissionais, sendo deno-
minada convenções coletivas. Não tem verdadeiramente natureza contratual,
visto que de sua celebração não nascem relações jurídicas que coloquem as
partes em posições de credor e devedor, mas sim, tem-se o que se denomina
transubjetivização da avença. Constitui um acordo normativo (art. 611, CLT)
cuja força normativa é abstrata. Quando regularmente homologado gera deli-
berações normativas que poderão estender-se a todas as pessoas pertencentes
a uma determinada categoria profissional, independente do fato de terem ou
não participado da assembleia.
Pode também haver contrato coletivo no âmbito do Direito de Empresa, ce-
lebrado por pessoas jurídicas representativas de determinadas indústrias ou
sociedades empresárias, destinado a inibir, por exemplo, a concorrência des-
leal, a incentivar a pesquisa, desenvolver a cooperação mútua.

Autocontrato (contrato consigo mesmo): é espécie incomum de contrato,


pois ocorre quando a pessoa realiza um contrato consigo mesma. O exemplo
clássico de autocontrato é o do mandatário com poderes especiais para alienar
o imóvel que decide adquiri-lo para si (art. 685, CC).

4.1.11  Quanto à sua função econômica: de troca; associativo; de prevenção de


riscos; de crédito; de atividade

De troca: são os que se caracterizam pela permuta de utilidades econômicas,


como por exemplo, o contrato de troca e o de compra e venda.
Associativos: são os que se caracterizam pela coincidência de seus fins,
como é o caso dos contratos de constituição de sociedade.
De prevenção de riscos: são os que se caracterizam pela assunção de riscos
por parte de um dos contratantes, como é o caso do contrato de seguro e de
constituição de renda.
De crédito: são os que se caracterizam pela obtenção de um bem com inten-
ção de restituição futura, como por exemplo, o mútuo oneroso.
De atividade: são os que se caracterizam pela prestação de uma conduta de
fato da qual decorre a utilidade econômica, como por exemplo a prestação de
serviços e a corretagem.
Frise-se, no entanto, que estas categorias não podem ser consideradas es-
tanques, uma vez que o mesmo contrato pode exercer dupla função.

86 • capítulo 4
4.1.12  Quanto à definitividade: preliminar (pactum de contrahendo; pré-contrato);
definitivo

Preliminar ou pré-contrato (pactum de contrahendo): tem sempre por objeto


a efetivação de um contrato definitivo. Ostenta, portanto, um único objeto. É o
contrato por via do qual ambas as partes ou uma delas se compromete a cele-
brar mais tarde outro contrato, que será o contrato principal, portanto, seu ob-
jeto imediato é caracterizado por uma obrigação de fazer e seu objeto mediato
será a confecção do contrato definitivo.
Quanto tem por objeto a compra e venda de um imóvel é denominado pro-
messa ou compromisso (se irretratável e irrevogável) de compra e venda.
Quando o contrato preliminar gera obrigações para apenas uma das partes,
constituindo promessa unilateral, chama-se opção. Na sua formação a opção é
negócio jurídico bilateral, mas em seus efeitos é unilateral. A parte que recebe
a oferta verificará a conveniência de aceitá-la ou não. A opção é considerada
uma espécie de negócio preliminar com características próprias. O seu exercí-
cio pode culminar em outro contrato preliminar ou em um contrato definitivo.
Definitivo: tem objetos diversos, de acordo com a natureza de cada avença,
sendo marcado pela definitividade.

4.1.13  Quanto ao tempo de duração

Por tempo determinado: vigora durante prazo certo e estipulado pelas par-
tes ou pela lei.
Por tempo indeterminado: não possui duração prevista, ou no qual se assi-
nala um termo ou uma condição que, ocorrendo, dá por finalizada a duração.

CURIOSIDADE
Contrato evolutivo. Trata-se de classificação feita por Arnoldo Wald para se referir a con-
tratos próprios do Direito Administrativo, “em que é estabelecida a equação financeira do
contrato, impondo-se a compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato,
pelo que o mesmo viria com cláusulas estáticas, propriamente contratuais, e outras dinâmi-
cas, impostas por lei” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 170).
Contratos relacionais: “são contratos que se desenvolvem numa relação complexa, na
qual elementos não promissórios do contrato, relacionados ao seu contexto, são levados em

capítulo 4 • 87
consideração significativamente para a sua constituição” (MACEDO JUNIOR, 2007, p. 05). É
comum em contratos cativos de longa duração como os contratos de planos de saúde, cartão
de crédito, previdência privada.
Mais sobre os contratos relacionais leia: GOMES, Rogério Zuel. A teoria dos contra-
tos relacionais e sua aplicação aos contratos de consumo.
Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/a-teoria-dos-contratos-relacionais-e-
sua-aplicacao-aos-contratos-de-consumo-por-rogerio-zuel-gomes/>.
Contrato eletrônico: é o contrato realizado a distância, intermediado por meios digitais.
É o contrato celebrado por meio de transmissão eletrônica de dados.
Mais sobre os contratos eletrônicos leia: GLITZ, Frederico Eduardo. A contemporaneida-
de contratual e a regulamentação do contrato eletrônico.
Disponível em: <http://www.fredericoglitz.adv.br/biblioteca_detalhe/56/a-
contemporaneidade-contratual-e-a-regulamentacao-do-contrato-eletronico>.
Contrato de direitos de personalidade: são negócios jurídicos bilaterais de disposição
de direitos de personalidade. São contratos que possuem como objeto o uso de direitos de
personalidade cujo conteúdo não abrange apenas o caráter existencial, mas também, patri-
monial, como é o caso dos direitos autorais, do direito à imagem e do direito à privacidade,
direitos de personalidade que possuem expressão econômica. “O conteúdo do contrato em
hipóteses tais é constituído por prestações de caráter existencial, razão pela qual terá reper-
cussão direta sobre a pessoa do contratante” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 353).

4.2  Contratos reciprocamente considerados (quanto à


independência do contrato)

Principal: é o contrato que tem existência própria, autônoma e não depende,


pois, de qualquer outro, como a compra e venda e a locação.
Acessório ou adjeto: é o contrato cuja existência depende da existência de
outros contratos. Tem sua existência subordinada a do contrato principal,
como por exemplo a fiança. Tem por principal função a garantia de cumpri-
mento de obrigações contraídas em contrato principal. Pode ser:
1. Preparatório: como o mandato;
2. Integrativo: como a aceitação do terceiro na estipulação em seu favor;
3. Complementar: como a adesão a um contrato aberto.

Lembre-se: em regra o acessório segue o principal, portanto, inválido o prin-


cipal, em regra, inválido será o acessório. Segundo Arnoldo Wald se é verdade

88 • capítulo 4
que a nulidade, a rescisão ou a caducidade do contrato principal importa em
ineficácia do acessório, não é menos certo que as partes podem convencionar
a extinção do contrato principal em virtude do desaparecimento do acessório.
Exemplo: extinta a fiança por falecimento do fiador, se em determinado prazo
não for indicado novo fiador, o contrato de locação ter-se-á por extinto.
Derivado ou subcontrato: é o contrato que tem por objeto direitos estabele-
cidos em outro contrato, denominado básico ou principal, como por exemplo a
sublocação, a subempreitada, a subconcessão.
Embora sejam contratos que tenham normas próprias, essas devem ser
compatíveis com as do contrato principal e a extinção deste enseja normalmen-
te a do contrato dele derivado. Mas lembre-se: os contratos personalíssimos e
os contratos de execução instantânea não admitem subcontratação.
Têm em comum com os acessórios o fato de que ambos são dependentes de
outros. Diferem, porém, pela circunstância de o derivado participar da própria
natureza do direito versado no contrato-base.
O subcontrato também se distingue da cessão da posição contratual na qual
o contrato básico persiste em sua integridade, mas com novo titular, o cessioná-
rio. No contrato derivado surge uma nova relação contratual, sem alteração da
primeira, havendo apenas um dos sujeitos que é titular em ambos os contratos.

4.3  Cláusulas contratuais gerais

As cláusulas contratuais gerais são fruto da sociedade de consumo e de massa


que exigem a racionalização dos contratos. As cláusulas contratuais gerais são
cláusulas que possuem alcance geral e abstrato, podendo alcançar um número
indeterminados de pessoas que queiram ao contrato aderir.

As cláusulas contratuais gerais devem-se às necessidades de rapidez e de normaliza-


ção ligadas à moderna sociedade técnica [...]. Não há que perder tempo em negocia-
ções relativas a actos correntes, enquanto as entidades que actuam com recurso às
cláusulas devem, por razões que se prendem com o seu funcionamento, conhecer
de antemão o tipo de vinculações a que vão ficar adstritas. Elas devem-se, ainda, à
procura de maiores lucros, generalizada pela concorrência (ASCENSÃO, p. 111).

Segundo Farias e Rosenvald (2015, p. 303) a relação entre as cláusulas


contratuais gerais e os contratos de adesão é de gênero e espécie, sendo esta

capítulo 4 • 89
categoria mais ampla do que aquela. As cláusulas contratuais gerais além de
possuírem as marcas dos contratos de adesão: pré-disposição; unilateralidade
e rigidez; também são marcadas pela generalidade e abstração.
A generalidade se refere à aplicação uniforme de seu conteúdo, porque des-
tinadas a diversos contratos sem prévia determinação da parte que dele fará
parte. São cláusulas que são inseridas nos instrumentos contratuais em bloco e
que devem também ser aderidas em bloco. “O dado qualificador do fenômeno
é a utilização reiterada das cláusulas em uma série de contratos que se projeta
concluir” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 304). A abstração refere-se à indeter-
minação de relações jurídicas em que as cláusulas serão utilizadas, não se indi-
vidualizando os sujeitos a quem se dirigem.
Nota-se, então, que embora figuras autônomas, cláusulas gerais e contratos
de adesão são interdependentes. Ao se elaborar as cláusulas gerais (fase que
antecede a oferta ao público) imagina-se que serão elas integrantes dos futuros
contratos de adesão, instrumentos nos quais os efeitos daquelas serão concre-
tizados. É comum encontrar esse tipo de cláusula em contratos de planos de
saúde; consórcio e seguro.
Da natureza contratual das cláusulas gerais é possível afirmar que sobre
elas poderá haver controle administrativo (no caso de contratos regulados) e
judicial, preventivo ou repressivo, que, inclusive, pode resultar na declaração
de sua abusividade.
Assim, por exemplo, tratando-se de uma relação de consumo o controle ju-
dicial será fundado nos arts. 51 e 53, do Código de Defesa do Consumidor que
enumeram exemplificativamente as cláusulas consideradas abusivas. Já nas re-
lações civis o controle será feito a partir da limitação estabelecida pelo art. 424,
CC, aos contratos de adesão. Mas lembre-se, tanto em uma, como em outra si-
tuação, a limitação maior será conferida a partir da função social dos contratos
e boa-fé objetiva.

LEITURA
Mais sobre as cláusulas contratuais gerais leia: ASCENSÃO, José de Oliveira. Cláusulas
contratuais gerais, cláusulas abusivas e o novo código civil.
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/viewFile/1744/1441>

90 • capítulo 4
ATIVIDADE
Imagine que no último Black Friday você adquiriu em um site um tênis de corrida, pelo qual
pagou R$ 400,00 (quatrocentos reais). Você realizou o pagamento à vista por meio de boleto
bancário que foi quitado eletronicamente (home banking) no ato seguinte à formação do
contrato. O tênis foi entregue em sua casa no prazo avençado de dez dias e exatamente no
tamanho e cor escolhidos. Como você classificaria esse contrato? Procure utilizar todos os
grupos de classificação estudados.

REFLEXÃO
Escolha dois contratos que estejam presentes no seu dia-a-dia e tente clas-
sificá-los de acordo com as categorias estudadas, buscando compreender cada
um dos efeitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Salvador: JusPodivm. v. 4.
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil. Contratos: teoria geral. São Paulo:
Saraiva. Tomo I, v. 4.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva. v. 3.
MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007.

capítulo 4 • 91
92 • capítulo 4
5
Efeitos e Extinção
dos Contratos
5.  Efeitos e Extinção dos Contratos
Agora que você já conhece a abrangência da expressão contrato, os princípios
aplicáveis, a classificação e o processo de formação do vínculo contratual, estu-
daremos neste capítulo a estipulação em favor de terceiros, a promessa de fato
de terceiro, o contrato preliminar e o contrato com pessoa a declarar.
Em seguida, partindo da premissa que as relações contratuais são proces-
sos complexos que visam a satisfação de interesses recíprocos, estudaremos as
principais garantias contratuais: vícios redibitórios e evicção, buscando com-
preender sua aplicabilidade e abrangência de seus efeitos em relações civis. As
garantias tutelam a legítima expectativa das partes contratantes, impondo não
só o dever de assegurar a outra parte contra defeitos das coisas transmitidas,
mas também, impõem o dever de cooperação, proteção e informação.
Compreendido todo o ciclo contratual, finalizaremos este capítulo ana-
lisando a extinção do contrato, seja pelo término do curso normal da relação
(cumprimento do que foi acordado); seja pelo inadimplemento (resolução),
pela vontade (resilição) ou por defeitos (rescisão). Estudaremos a abrangência
das formas de extinção contratual e seus principais reflexos. Vamos começar?

OBJETIVOS
– Estudar a estipulação em favor de terceiro, a promessa de fato de terceiro e o contrato com
pessoa a declarar;
- Conceituar contrato preliminar e estudar seus efeitos;
– Compreender a teoria dos vícios redibitórios e da evicção;
– Estudar as causas de extinção dos contratos e seus principais efeitos.

5.1  Estipulação em favor de terceiro (ou contrato em favor de


terceiro) (arts. 436 a 438, CC)

Já estudamos que em regra os contratos só geram efeitos entre as partes con-


tratantes, mas, excepcionalmente, a lei pode permitir que terceiros estranhos
à relação contratual possam por ela ser atingidos como é o caso da estipulação
em favor de terceiro.

94 • capítulo 5
A estipulação em favor de terceiros foi pela primeira vez prevista em lei no
Código Civil Alemão de 1896 que a admitiu nas situações em que houvesse inte-
resse econômico ou moral para o estipulante. No Direito brasileiro foi inserida
no ordenamento pelo Código Civil de 1916 (arts. 1.098 a 1.100) e atualmente
encontra-se prevista nos arts. 436 a 438, CC/02.
A estipulação em favor de terceiros, como exceção ao princípio da relativida-
de subjetiva dos efeitos dos contratos, ocorre “quando num contrato entre duas
pessoas, pactua-se que a vantagem resultante do ajuste reverterá em benefício
de terceiro, estranho à convenção e nela não representado” (Rodrigues, 2009,
p. 93), como ocorre, por exemplo no seguro de vida; nos acordos em divórcios
nos quais se inserem cláusulas em favor dos filhos do casal e nas convenções
coletivas de trabalho.
Na definição de Farias e Rosenvald (2015, p. 435) a estipulação em favor de
terceiro dá-se quando “duas pessoas celebram um negócio jurídico cujo desi-
derato é favorecer a situação jurídica patrimonial de um estranho ao ato de au-
tonomia privada; este acaba por adquirir um direito próprio a esta vantagem,
convertendo-se em credor do promitente”.
São partes na estipulação de terceiro: o estipulante ou promissário (aque-
le que estabelece a obrigação) e o promitente ou devedor (aquele que deverá
cumprir a obrigação). O direito do beneficiário surgirá assim que o negócio for
formado, consolidando-se com a sua anuência. Assim, no exemplo do seguro
de vida, estipulante será o segurado e promitente a seguradora. O beneficiário
(ou terceiro) que, frise-se, não é parte no contrato, será a pessoa que terá direito
ao seguro de vida estabelecido em caso de morte do estipulante.
Muito se discute sobre a natureza jurídica da estipulação em favor
de terceiros.

Muito se tem debatido na doutrina a propósito da caracterização jurídica deste ato


negocial, que por seu aspecto exterior, por sua estrutura e por seus efeitos, se diver-
sifica dos negócios jurídicos ordinários, pelo fato de ostentar algo diferente, como o
comparecimento das declarações de vontade de duas pessoas na celebração de um
ajuste, o qual beneficiará um estranho à relação jurídica. A extraneidade cresce, aten-
tando-se em que este terceiro, embora não participante da formação do ato, adquire
as qualidades de sujeito da relação obrigacional (PEREIRA, 2014, p. 107).

capítulo 5 • 95
Algumas teorias se destacam:
I. Teoria da oferta (à espera de aceitação): a estipulação não passa de
mera proposta ou oferta, dependente da aceitação do beneficiário. O contrato
só surge após a concordância do beneficiário. Crítica: o promitente não pode
ser considerado mero proponente, porque possui diversos deveres que o obri-
gam ao cumprimento.
II. Teoria da gestão de negócios: a estipulação seria uma espécie de ges-
tão de negócio, ato unilateral pelo qual alguém, sem autorização do interessa-
do, intervém na administração de negócio jurídico alheio, conforme a vonta-
de presumida do dono do negócio. Crítica: estipulante e promitente agem em
nome próprio e não em nome do beneficiário.
III. Teoria da declaração unilateral de vontade: a vontade unilateral do
promitente seria suficiente para vinculá-lo. Silvio Rodrigues afirma ser esta a
teoria adequada para explicar a natureza jurídica da estipulação. Crítica: a esti-
pulação difere da declaração unilateral de vontade porque esta é indeterminada
e autônoma, enquanto aquela é contraída em benefício de certa e determinada
pessoa, além de exigir a concorrência de duas vontades para a sua formação.
IV. Teoria do direito direto: reconhece a natureza contratual da estipula-
ção, sendo o benefício prometido ao terceiro uma espécie de contrato acessório.
V. Teoria do contrato sui generis (contratualista): é a mais aceita atual-
mente e considera a estipulação em favor de terceiro um contrato sui generis
porque a prestação não será realizada em favor do estipulante, mas sim, em
favor de um terceiro (beneficiário) que não é parte do contrato. A existência e
validade da estipulação não dependem da vontade do beneficiário, apenas os
seus efeitos se subordinam à sua aceitação.

Para a formação da estipulação em favor de terceiros são exigidos os mes-


mos pressupostos de validade27 dos contratos em geral, sendo sua forma li-
vre. O beneficiário não precisa ser conhecido desde logo, basta que seja apenas
determinável (como é o caso da prole eventual). A estipulação poderá “ter por
objeto a obtenção de um direito (real ou de crédito) ou a valorização de algo já
pertencente ao beneficiário. Outrossim, pode servir à eliminação de interesses

27  Lembre-se: como o beneficiário não é parte do contrato dele não será exigida a capacidade de fato e, por
isso, é possível estabelecer a prole eventual como beneficiária. No entanto, promitente e estipulante devem ser
plenamente capazes para firmar a estipulação.
A liberdade de escolha do beneficiário pode ser limitada por lei, ou seja, a legitimação para ser beneficiário pode
encontrar limites legais, como é o caso da concubina do homem casado que não poderá ser sua beneficiária no
contrato de seguro de vida (art. 793, CC).

96 • capítulo 5
negativos, tais como a estipulação em favor de terceiro para a remissão de dívi-
das ou cessão de créditos” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 437).
Estipulante e beneficiário28 terão legitimidade para exigir o cumprimento
da prestação (art. 436, CC), atendidas às condições previstas no contrato. No
entanto, se estipulado que o beneficiário pode reclamar a execução do contra-
to, o estipulante perde o direito à exonerar o promitente (art. 437, CC) e a esti-
pulação será considerada irrevogável após a aceitação pelo beneficiário.
O estipulante pode reservar para si o direito de substituir29 o beneficiário
(reserva de substituição) independente da anuência deste ou do promitente
(art. 438, CC) e, neste caso, a estipulação é considerada revogável. Se previsto
tal direito potestativo a substituição poderá ocorrer por ato inter vivos como
a comunicação direta ao promitente (aditivo contratual) ou causa mortis (por
testamento), desde que seja feita antes da aceitação pelo beneficiário.

Jurisprudência:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE
COLETIVO. AÇÃO REVISIONAL. VALIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL.
REAJUSTE DE MENSALIDADES. USUÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.
NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO CONTRATUAL COM A OPERADORA.
ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO. INTERESSE JURIDICAMENTE
PROTEGIDO. DEMONSTRAÇÃO. DESTINATÁRIO FINAL DOS SERVIÇOS DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE. 1. Discute-se a legitimidade ativa ad causam do usuá-
rio de plano de saúde coletivo para postular contra a operadora a revisão judi-
cial de cláusulas contratuais. 2. A legitimidade exigida para o exercício do di-
reito de ação depende, em regra, da relação jurídica de direito material havida
entre as partes; em outras palavras, a ação tem como condição a titularidade
de um direito ou interesse juridicamente protegido. 3. O plano de saúde cole-
tivo é aquele contratado por uma empresa ou por pessoas jurídicas de caráter
profissional, classista ou setorial, como conselhos, sindicatos e associações
28  “Mesmo não figurando como parte no contrato, o beneficiário se converte em titular de direito subjetivo, dotado
de plena coercibilidade. O estipulante que contrata em favor de terceiro vincula o promitente, fazendo do beneficiário
não apenas destinatário da prestação, posto lhe ter sido conferido o poder de constranger o promitente a efetuar a
prestação” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 439).
29  Silvio Rodrigues destaca que no tocante à possibilidade de revogação do benefício pelo estipulante mediante
exoneração do devedor, devem-se distinguir as estipulações feitas:
• A título gratuito: a revogação ou a inovação (substituição) poderá ser feita a qualquer tempo, contanto que
seja antes do cumprimento e ao menos que abra mão desse direito. Como por exemplo no seguro de vida.
• A título oneroso: a liberalidade do estipulante encontra barreira no interesse do beneficiário e, portanto, não
poderá ser inovada, nem o devedor exonerado, ao menos que possua concordância expressa do beneficiário. Nesses
casos a estipulação é ajustada para remunerar um serviço recebido ou em paga de um débito do estipulante com o
terceiro.

capítulo 5 • 97
profissionais, junto à operadora de planos de saúde para oferecer assistência
médica e/ou odontológica às pessoas vinculadas às mencionadas entidades
bem como a seus dependentes. 4. No plano de saúde coletivo, o vínculo jurídico
formado entre a operadora e o grupo de usuários caracteriza-se como uma esti-
pulação em favor de terceiro. Por seu turno, a relação havida entre a operadora e
o estipulante é similar a um contrato por conta de terceiro. Já para os usuários,
o estipulante é apenas um intermediário, um mandatário, não representando
a operadora de plano de saúde. 5. Na estipulação em favor de terceiro, tanto
o estipulante (promissário) quanto o beneficiário podem exigir do promiten-
te (ou prestador de serviço) o cumprimento da obrigação (art. 436, parágrafo
único, do CC). Assim, na fase de execução contratual, o terceiro (beneficiário)
passa a ser também credor do promitente. 6. Os princípios gerais do contrato
amparam tanto o beneficiário quanto o estipulante, de modo que havendo no
contrato cláusula abusiva ou ocorrendo fato que o onere excessivamente, não
é vedado a nenhum dos envolvidos pedir a revisão da avença, mesmo porque
as cláusulas contratuais devem obedecer a lei. 7. O usuário de plano de saúde
coletivo tem legitimidade ativa para ajuizar individualmente ação contra a ope-
radora pretendendo discutir a validade de cláusulas do contrato, a exemplo do
critério de reajuste das mensalidades, não sendo empecilho o fato de a contra-
tação ter sido intermediada por estipulante. 8. Recurso especial provido. (STJ
– Resp 1510697 SP 2011/0229492-2 – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – j.
09/06/15 Terceira Turma – p. 15/06/15)

RESPONSABILIDADE CIVIL ACIDENTE DE ÔNIBUS TRANSPORTANDO


TIME DE FUTEBOL DE SALÃO DE OSASCO PARA A CIDADE DE SERTÃOZINHO
RÉ TRANSPORTADORA QUE APRESENTOU DENUNCIAÇÃO DA LIDE À
SEGURADORA DANOS MATERIAIS E MORAIS PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE
FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO - ESTIPULAÇÃO A FAVOR DE TERCEIRO 1.
Acidente de veículo que causou deficiência e limitação do autor nas tarefas
mais rotineiras, como segurar um prato, escovar os dentes, higiene íntima,
colocar uma camisa etc. Sentença condenatória a favor da vítima por danos
materiais, pensão mensal vitalícia de R$ 750,00, retroativo à data do acidente
(13/09/2002), e danos morais de R$ 480.000,00. Indenização imposta também
a favor dos pais da vítima, por danos morais de R$ 120.000,00 para cada um.
2. Sentença que condenou a seguradora ao pagamento dos danos materiais e
morais a todos os autores, decisão que não extrapolou os limites da apólice. 3.

98 • capítulo 5
Inclusão do dano moral, como expressão e decorrência do dano corporal, sob
a perspectiva dos sentidos e sentimentos das partes. Além disso, não se pode
olvidar dos desdobramentos da parte neurológica e do retardo mental. E o trau-
ma psicológico, com sequelas irreversíveis e permanentes, está conectado à
debilidade motora, sensorial e neurológica, devendo, pois, ser indenizado. 4.
Possibilidade de condenação da seguradora, de modo solidário com a trans-
portadora segurada, pelos danos materiais e morais, até o limite da apólice. A
ré transportadora (denunciante) e a seguradora (denunciada) podem ser con-
denadas conjuntamente e de modo solidário. 5. Do ponto de vista processual, o
Código de Processo Civil coloca o denunciado, ao contestar a ação principal, na
posição de litisconsorte do denunciante (arts. 74 e 75, CPC). Da ótica de direito
material, a seguradora é de ser considerada responsável frente à vítima do sinis-
tro, seja em razão do contrato de seguro (arts. 757 e 787, CC), seja em virtude da
estipulação em favor de terceiro (art. 436, CC). 6. A vertente interpretativa cons-
titucional exige mudança de paradigmas na análise dos contratos, no sentido
de se extrair do comando normativo o conteúdo valorativo que evite ou atenue
as iniquidades, em prol de maior eficácia na pacificação e resolução dos con-
flitos sociais. Sentença de procedência mantida RECURSOS DESPROVIDOS.
(TJSP - APL 00013550920048260001 SP 0001355-09.2004.8.26.0001 – Rel. Sérgio
Shimura – j. 24/04/13 – 23a. Câmara de Direito Privado – p. 08/05/13).

5.2  Promessa de fato de terceiro (ou contrato por outrem, contrato


por terceiro) (arts. 439 e 440, CC)

A promessa de fato de terceiro foi prevista no Código Civil de 1916 na Parte Geral
do Direito das Obrigações. No Código Civil de 2002 (art. 439, CC) foi corretamen-
te deslocada para a Parte Geral dos Contratos designando o contrato que “produ-
zirá efeitos em relação a terceiro se uma pessoa se comprometer com outra a ob-
ter a prestação de fato de um terceiro não participante dele” (DINIZ, 2012, p. 118).
Nesta forma contratual o único vinculado é aquele que promete fato de ou-
trem, assumindo uma obrigação de fazer que consiste na obtenção de obter
a manifestação de vontade de terceiro. O promitente, portanto, age em nome
próprio, conforme seus próprios interesses. Assim, o promitente embora seja
garantidor de fato alheio, obriga-se pessoalmente. Por isso, caso a prestação
prometida não seja realizada se resolverá em perdas e danos, pois ninguém
pode vincular um terceiro sem sua anuência.

capítulo 5 • 99
Um exemplo clássico é o da pessoa que promete que determinado cantor
se apresentará, por exemplo, no baile de formatura. Se o cantor não anuir, o
promitente responderá por perdas e danos. Se o cantor anuir, exonera-se o pro-
mitente por cumprimento da obrigação.
A natureza jurídica da promessa de fato de terceiro é controversa:
I. Mandato: alguns afirmam ser ela uma forma de mandato. No entanto,
assim não pode ser considerada no ordenamento brasileiro porque falta à pro-
messa a representação, elemento essencial do mandato.
II. Gestão de negócios: para outros a promessa de fato de terceiro guarda-
ria semelhança com a gestão de negócios, no entanto, com esta não se confun-
de porque o promitente não age defesa de interesse de terceiro. O promitente
age visando tornar o terceiro devedor em uma prestação assumida no interesse
do estipulante.
III. Fiança: o promitente assemelharia-se ao fiador uma vez que assegura a
prestação prometida. No entanto, a promessa difere-se da fiança porque o con-
trato não é acessório, mas sim, principal.
IV. Contrato sui generis (contratualista): é a teoria que prevalece atual-
mente, tratando-se a promessa de fato de terceiro como um contrato autônomo.

A promessa de fato de terceiro possui duas fases distintas: na primeira fase


(de formação) os dois contratantes estabelecem um negócio jurídico no qual
o promitente se compromete a realizar uma prestação (obrigação de fazer) em
benefício do credor. Na segunda fase (de execução) surge a terceira pessoa que
depois de concordar com a avença, obrigar-se-á a uma prestação em favor do
credor, segundo o que foi convencionado na primeira fase. Portanto, o credor
será sempre o mesmo, mas os devedores serão sucessivos (primeiro o promi-
tente e em seguida, após a anuência, o terceiro).
A promessa de fato de terceiro caracteriza-se como uma obrigação de fazer
infungível e de resultado, não se limitando o seu objeto a mero esforço em ob-
ter o consentimento de terceiro, mas sim, em dever de obter o consentimento
de terceiro. Por isso, em caso de não obtenção da anuência de terceiro, a res-
ponsabilidade do promitente será objetiva (independente de culpa).
O promitente não se eximirá de responsabilidade em caso de incapacidade
de terceiro, “pois nada impede que se obrigue pelo fato de um menor ou de
um interdito, e até de pessoa futura, como é o caso, aliás frequente, de quem
assume o compromisso de obter o acordo de uma sociedade em vias de consti-
tuição” (PEREIRA, 2012, p. 117).

100 • capítulo 5
A responsabilidade do promitente não se configurará se o terceiro for o côn-
juge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde
que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair
sobre os seus bens (art. 439, parágrafo único, CC). É regra que visa proteger o
cônjuge contra os desatinos do outro.
Veja o exemplo dado por Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 152) “é a si-
tuação em que Caio promete a Tício que sua esposa (de Caio, não de Tício),
com quem é casado em comunhão universal de bens, irá transferir um imóvel
para si. Ora, a responsabilidade civil de Caio, pelo descumprimento da pres-
tação por sua esposa, acabará recaindo no patrimônio desta, o que seria uma
situação de responsabilização de terceiro que não fez parte da relação jurídi-
ca obrigacional”.
O promitente será exonerado da responsabilidade se o terceiro descumprir
a obrigação após ter dado a sua anuência (art. 440, CC), uma vez que a respon-
sabilidade, nestes casos, passa a ser do próprio terceiro que ratificou o ato pra-
ticado pelo promitente. No entanto, o promitente não estará exonerado da res-
ponsabilidade se houver cláusula expressa estabelecendo a solidariedade entre
ele e o terceiro.

Jurisprudência:
DIREITO CIVIL. RESOLUÇÃO PARCIAL DE CONTRATO. PROMESSA
DE FATO DE TERCEIRO QUE NÃO SE EXECUTOU. QUESTÃO QUE SE
RESOLVE COM O PAGAMENTO DE PERDAS E DANOS. AUSÊNCIA DE VÍCIO
POR POTESTATIVIDADE DA CLÁUSULA DE RESULTADO DA AUDITORIA.
DISPENSABILIDADE DA PROVA TÉCNICA. VERBA HONORÁRIA BEM
ARBITRADA. DESPROVIMENTO.1. Recurso contra sentença de procedência
parcial em ação de resolução contratual parcial cumulada com cumprimento
de cláusula penal e pedido de indenização por perdas e danos. 2. Inegável que
o objeto do contrato incluía a manutenção do fornecimento das máquinas e
equipamentos para as sociedades JTEKT e TRW, tendo as apelantes incorrido
em evidente promessa de fato de terceiro que não se executou, dando, assim,
ensejo ao pagamento de por perdas e danos. 4. Ausência de vício por potestati-
vidade da cláusula de resultado da auditoria sobre o estado dos equipamentos e
sua funcionalidade e das relações jurídicas e comerciais mantidas pela primei-
ra apelante, pois adequada à natureza do negócio. 5. Prova técnica que resultou
despicienda, demonstrando-se suficiente a fatura de serviços apresentada com

capítulo 5 • 101
o fim de comprovar a precariedade do maquinário, já que não foi satisfatoria-
mente refutada pelas apelantes. 6. Também não merece reparo o julgado no
que diz com a verba honorária, já que dez por cento do valor atribuído à causa,
seja quanto ao pedido inicial ou no que diz com o reconvencional, se afigura
adequada à complexidade das questões postas. 7. Apelo improvido. (TJRJ - APL
00906910920108190001 RJ 0090691-09.2010.8.19.0001 – Rel. Adolpho Correa
de Andrade Mello Junior – j. 05/11/13 – 9a. Câmara Cível – p. 15/04/14)
DIREITO CIVIL. SHOPPING CENTER. INSTALAÇÃO DE LOJA.
PROPAGANDA DOEMPREENDIMENTO QUE INDICAVA A PRESENÇA DE TRÊS
LOJAS-ÂNCORAS.DESCUMPRIMENTO DESSE COMPROMISSO. PEDIDO DE
RESCISÃO DO CONTRATO. 1. Conquanto a relação entre lojistas e adminis-
tradores de Shopping Center não seja regulada pelo CDC, é possível ao Poder
Judiciário reconhecer a abusividade em cláusula inserida no contrato de adesão
que regula a locação de espaço no estabelecimento, especialmente na hipóte-
se de cláusula que isente a administradora de responsabilidade pela indeniza-
ção de danos causados ao lojista. 2. A promessa, feita durante a construção do
Shopping Center a potenciais lojistas, de que algumas lojas-âncoras de grande
renome seriam instaladas no estabelecimento para incrementar a frequência
de público, consubstancia promessa de fato de terceiro cujo inadimplemento
pode justificar a rescisão do contrato de locação, notadamente se tal promessa
assumir a condição de causa determinante do contrato e se não estiver com-
provada a plena comunicação aos lojistas sobre a desistência de referidas lojas,
durante a construção do estabelecimento. 3. Recurso especial conhecido e im-
provido. (STJ – Resp 1259210 RJ 2011/0061964-0 – Min. Rel. Massami Uyeda – j.
26/06/12 – Terceira Turma – p. 07/08/12)

5.3  Contrato com pessoa a declarar (ou contrato com pessoa a


nomear, reserva de nomeação, pro amico eligendo, pro amico electo,
electio amici, sibi aut amico vel eligendo) (arts. 467 a 471, CC)

A origem desta figura contratual é italiana (período medieval) e se formou pe-


los costumes quando os nobres não querendo aparecer nas vendas judiciais
faziam-se presentes por outras pessoas. A cláusula permitia (à pessoa encarre-
gada de comparecer à venda) oferecer lances reservando-se o direito de indicar
posteriormente o verdadeiro adquirente (NADER, 2012, p. 142).

102 • capítulo 5
No Direito brasileiro, foi introduzida pelo art. 467, CC, que afirma que o
contrato com pessoa a declarar ocorre quando “no momento da conclusão do
contrato uma das parte reserva-se a faculdade de indicar a pessoa que deve ad-
quirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes”.

Partes:
Promitente (promittens): que assume o compromisso de reconhecer o
amicus ou electus;
Estipulante (designante, stipulans): que pactua em se favor a cláusula
de substituição;
Electus (amicus, indicado, designado): validamente nomeado, aceita a indi-
cação que é comunicada ao promitente.

A pessoa designada (electus) assumirá a posição contratual daquele que a


nomeou (estipulante), sendo por isso figura, em regra, incompatível com obri-
gações personalíssimas.
O negócio jurídico firmado entre estipulante e promitente (promittens) pro-
duzirá normalmente os seus efeitos até que o terceiro indicado manifeste sua
aceitação. Trata-se de figura próxima à estipulação em favor de terceiro30 em
que este titularizará direitos e obrigações decorrentes do negócio com efeitos
ex tunc à data da celebração (art. 469, CC). A faculdade de nomear um terceiro
que assumirá a posição contratual é um direito potestativo formativo31 que de-
corre de manifestação unilateral e expressa de vontade do estipulante.

30  Embora figuras próximas, estipulação em favor de terceiro e contrato com pessoa a declarar não se confundem.
“No contrato a favor de terceiro, o negócio jurídico bilateral é restrito às pessoas do estipulante e do promitente,
mantendo-se o beneficiário alheio à convenção, mesmo depois de sua adesão. Ele apenas adquire direito a um
crédito e a sua respectiva pretensão. Já no contrato com pessoa a declarar, a partir do momento de sua aceitação,
a pessoa nomeada adquire retroativamente a posição contratual de parte, em substituição a um dos contratantes
(direitos e obrigações), como se este nunca houvesse existido (art. 469, CC)” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 449).
31  Há divergência doutrinária quanto à natureza jurídica do contrato com pessoa a declarar, tendo a maioria dos
autores aderir à teoria da condição que vê no contrato com pessoa a declarar uma subordinação à uma condição
resolutiva.

capítulo 5 • 103
ATENÇÃO
O contrato com pessoa a declarar não se confunde com a cessão de posição contratual!
“No contrato com pessoa a declarar a faculdade de indicação já vem prevista originaria-
mente, podendo, inclusive, nunca ser exercida; na cessão de posição de contrato, por sua vez,
não ocorre necessariamente estipulação prévia da faculdade de substituição. Assim, o tercei-
ro, embora não vinculado originariamente à relação contratual, poderá experimentar os seus
efeitos, caso aceite a nomeação indicada” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 154).

É figura comum e muito prática nos contratos de compra e venda de imó-


veis em que ao promissário comprador é atribuída a faculdade de indicar ter-
ceiro para assumir o conjunto de direitos e deveres no momento de realização
da escritura definitiva. Comumente identificada pela cláusula “para si ou pes-
soa a nomear”.
A indicação de terceiro deve ser realizada em cinco dias (prazo supletivo e
decadencial) contados da conclusão do negócio, se outro prazo não foi estipula-
do no contrato pelas partes (art. 468, CC). Se, dentro do prazo, o electus não qui-
ser ou não puder aceitar a indicação, o estipulante poderá indicar outra pessoa.
A aceitação do designado deverá observar a forma32 utilizada para o contra-
to (art. 468, parágrafo único, CC) porque integra a essência do negócio jurídico.
Além das regras gerais de capacidade e de legitimação para os negócios jurídicos,
também são requisitos de validade e eficácia dos contratos com pessoa a declarar:

a) a electio será pura e simples, sem possibilidade de submissão a termo ou a con-


dição, de modo que o terceiro integre o contrato com igual situação jurídica à do con-
tratante primitivo; b) a reserva da faculdade de escolha deve constar expressamente
de cláusula contratual, sob pena de o negócio jurídico ser comum e restrito às partes,
o que só permitirá um futuro trespasse da posição contratual pelo instituto da cessão;
c) a escolha e a aceitação do terceiro serão efetivadas e comunicadas à outras parte
no prazo estipulado no contrato ou, na ausência de termo convencional, no decurso de
cinco dias (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 449-450).

32  O contrato com pessoa a declarar deve ser levado a registro para que terceiros que venham a realizar negócios
jurídicos com o estipulante (proprietário resolúvel do bem) tenham ciência da cláusula e de que a possibilidade de
indicação do amicus acarretará a desconstituição dos atos de alienação ou oneração praticados pelo estipulante.

104 • capítulo 5
No entanto, o contrato com pessoa a declarar não gerará seus efeitos com
relação ao terceiro, mantendo-se o vínculo entre os contratantes originários
(promitente e estipulante) quando a cláusula pro amico eligendo (arts. 470 e
471, CC): a) não seja exercida no prazo estabelecido; b) se o designado não as-
sumir o lugar do designante; c) se o designado for incapaz ou se for insolvente
(e tal condição era desconhecida no momento da indicação ou da nomeação)

Jurisprudência:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO
USADO. NEGÓCIO JURÍDICO CONFIRMADO PELOS DOCUMENTOS DE
AQUISIÇÃO DO BEM ACOSTADO À SEQ. 1.6, PRESUNÇÃO DE VERACIDADE
DAS ALEGAÇÕES AUTORA PELA REVELIA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DO
FATO PELA RECORRENTE A QUAL CINGIU-SE A OPOR VÍCIOS PROCESSUAIS E
FORMAIS EM RELAÇÃO AOS DOCUMENTOS ACOSTADOS AOS AUTOS. VENDA
INCONTROVERSA. INEXISTÊNCIA DE CONTRAPROVA. ILEGITIMIDADE
DA REQUERENTE AFASTADA. CONTRATO COM PESSOA A DECLARAR.
ACEITAÇÃO TÁCITA DO DEVEDOR. PAGAMENTO REALIZADO EM FAVOR DA
REQUERENTE NÃO IMPUGNADO. REQUERENTE ASSUMIU AS OBRIGAÇOES
E DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE ASSINATURA NO
TÍTULO. DEMANDA DE COBRANÇA CALÇADA EM DIVERSOS DOCUMENTOS.
A FALTA DE ASSINATURA DAS PROMISSÓRIAS IMPEDEM A EXECUÇÃO DO
TÍTULO, CONTUDO, SERVEM PARA ADERIR AO CONTEXTO PROBATÓRIO
CARREADO NOS PRESENTES AUTOS. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DO FATO.
PRESUNÇÃO DE DIREITO CONFIRMADA. VALORES DEVIDOS. SENTENÇA
MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso conhecido e des-
provido. 1. Conta o Autor que seu pai, Angelo Moreira de Oliveira era proprie-
tário do veículo FORD/ESCORT placa BGM- 7756, tendo vendido o bem à ora
recorrente, ALEXANDRA CORREIA DA SILVA. Conta que a recorrente se com-
prometeu a pagar a quantia de R$ 7.000,00 parceladamente, divididas em 14
parcelas de R$ 500,00, com início em 10 de junho de 2011. Afirma que o genitor
da requerente faleceu no curso do contrato, tendo avençado que sua filha se-
ria a beneficiária dos direitos dele decorrentes. Sustenta que recebeu parcial-
mente a primeira - 2 - BFL parcela, contudo, não mais recebeu qualquer valor
pelos requeridos. 2. A sentença proferida julgou procedente o pedido inicial
condenando os Reclamados ao pagamento de R$ 6.338,98. Inconformados, os
Requeridos recorrem alegando, em síntese: a) ilegitimidade da recorrida eis

capítulo 5 • 105
que a dívida era com seu genitor; b) a ausência de assinatura nas promissórias
constantes dos autos. 3. Sem razão. Em que pese a revelia decretada em desfa-
vor dos Recorrentes, estes quando se manifestaram nos autos não contestaram,
em momento algum, a existência da dívida, mas somente opuseram a prelimi-
nar de ilegitimidade da autora e, no mérito, a ausência de assinatura nas notas
promissórias. Neste passo, não há falar em ilegitimidade eis que o contrato,
ao que restou comprovado diante da negativa de contestação, fora realizado na
modalidade com pessoa a declarar, tendo a recorrente, inclusive, realizado o
pagamento da primeira parcela diretamente a autora, fato também incontro-
verso nos autos. Deste modo, entende-se, conforme disposto no artigo 467 e
seguintes do CC, que a recorrida fora indicada e aceita para adquirir os direi-
tos decorrentes do contrato ora posto à cobrança. No mérito, melhor sorte não
assiste o recorrente. Com efeito, o recorrente não nega a dívida mas, somente
alega a inexistência de suas assinaturas nas notas promissórias ora acostadas
na inicial. Contudo, bem é de ver que as promissórias não passam de documen-
tos que vieram para aderir ao conjunto probatório dos autos não sendo trata-
das como títulos de crédito, mas, sim, prova documental pura. Verifica-se que
a data da aquisição do veículo Escort, cuja venda é objeto da presente cobran-
ça, fora exatamente o período em que os documentos foram confeccionados
(15/06/2011). Deste modo, por não haver qualquer contestação em relação a
existência do negócio jurídico ora posto em cobrança, reputa-se correta a pre-
sunção de veracidade ora imposta pela sentença recorrida. 3. Isto posto, a ma-
nutenção da sentença é medida que se impõe. Recurso conhecido e desprovido ,
decidem os Juízes integrantes da Turma Recursal Única do Estado do Paraná,
por unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, nos exa-
tos termos deste vot (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0013988-96.2012.8.16.0018/0
- Maringá - Rel.: Leonardo Silva Machado - j. 02.03.2015)

5.4  Contrato Preliminar (promessa de contratar, compromisso,


pactum de contrahendo, antecontrato, contrato-promessa, contrato
preparatório ou pré-contrato) (arts. 462 a 466, CC)

O contrato preliminar é figura conhecida desde o Direito Romano (pactum de


contrahendo). Trata-se de uma alternativa conferida às partes contratantes que
ainda não dispondo do objeto da prestação desejam garantir a realização futu-
ra de um negócio jurídico. Como o próprio nome indica, o contrato preliminar

106 • capítulo 5
contém como objeto a obrigação de celebrar um contrato definitivo, conforme
o termo ou as condições ajustadas pelas partes.
Segundo Paulo Nader (2012, p. 242) o contrato preliminar é uma “avença
por meio da qual as partes criam em favor de uma ou mais delas a faculdade
de exigir o cumprimento de um contrato apenas projetado”. Consiste, portan-
to, na promessa não formal (art. 462, CC) de celebrar futuramente um contra-
to definitivo. Representa uma obrigação de fazer (prestar uma declaração de
vontade) que se constitui na realização do negócio definitivo (cfe. arts. 462 a
466, CC - novidade na codificação civil).

ATENÇÃO
“O contrato preliminar é aquele cujo objeto consiste na celebração de outro contrato (o defi-
nitivo)” (COELHO, 2016, p. 95). Assim, seu:
Objeto imediato: é a obrigação de fazer (manifestação de declaração de vontade)
Objeto mediato: é o contrato definitivo

O contrato preliminar no plano material pode ser unilateral (quando ape-


nas uma das partes promete) ou bilateral (quando ambas se obrigam a realizar
o contrato definitivo). Em qualquer dos casos sua natureza jurídica é contratual
(negócio jurídico bilateral33 ), sendo a promessa irrevogável e irretratável, em-
bora possa ser expressamente prevista cláusula de arrependimento.
O contrato preliminar deve indicar os elementos essenciais do negócio que
se pretende realizar (art. 462, CC): tipo contratual; modalidade contratual; defi-
nição do objeto; preço; forma de pagamento; cláusulas especiais etc., mas não
precisa observar os mesmos requisitos formais34 do contrato definitivo.

33  Alguns críticos afirmam não se tratar de negócio jurídico bilateral baseando-se no princípio nemo praecise
ad factum cogi potest (ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei). Se
a obrigação é de fazer e ninguém pode ser forçado a fazer algo a obrigação se transforma em responsabilidade,
sujeitando-se o promitente faltoso à indenização. O contrato definitivo ficaria, assim, na dependência da vontade do
promitente. É posição que perdeu a força diante do entendimento de que a obrigação de fazer pode ser executada
sempre que não implicar violência física ou perda da liberdade (como é o caso da obrigação de prestar declaração
de vontade).
34  O contrato preliminar, em regra, não precisa ter a mesma forma do contrato definitivo. No entanto, a promessa
de compra e venda prevista no art. 1.417, CC, deve ser realizada por escritura pública ou instrumento particular
(portanto, é solene).

capítulo 5 • 107
ATENÇÃO
“Mas se algum aspecto da essência do negócio não foi completamente negociado, não há
contrato preliminar ainda, mas simples protocolo de intenções, que não gera a obrigação de
contratar. Considere que a declaração convergente de vontade de dois sujeitos no sentido de
virem a contratar a compra por um deles de certo bem do outro, devidamente individuado. Se
a declaração não definir preço ou ao menos critério para a sua fixação (avaliação por perito de
escolha das partes, por exemplo), não há contrato preliminar porque não existe ainda acordo de
vontade sobre um elemento essencial da compra e venda” (COELHO, 2016, p. 96).

Os efeitos dos contratos preliminares com relação a terceiros (tutela erga


omnes) estão sujeitos ao seu registro35 ; já os efeitos entre os contratantes (efi-
cácia inter partes) não se subordinam à existência de registro.

Enunciado nº. 30, I Jornada de Direito Civil. Art. 463: a disposição do parágrafo
único do art. 463 do novo CC deve ser interpretada como fator de eficácia peran-
te terceiros.

Nota: “nos contratos de promessa de compra e venda, o registro não produz apenas eficácia
real, pois culmina por conceber um direito real de aquisição, inserido no rol do art. 1.225 do
Código Civil (inciso VII)” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 128).

Os contratos preliminares classificam-se:


•  Quanto à exigibilidade:
1. Unilateral: quando a faculdade de exigir o cumprimento é reservada a
apenas uma das partes. Como por exemplo: opção de compra e venda36 ; venda
a contento e promessa de doação; contratos em que uma das partes se obriga a
realizar o contrato definitivo e a outra tem faculdade de aceitá-lo ou não.
35  Lembre-se: a promessa de compra e venda de imóvel levada a registro produz eficácia real, facultando ao
promitente-comprador o direito ao exercício da adjudicação compulsória.
36  Na opção de compra, o titular de um bem outorga ao declaratário o direito de adquiri-lo em determinadas
condições. Nesse caso, já está exarada a declaração do vendedor no sentido de se obrigar a transferir o domínio
da coisa para o destinatário de sua promessa de contratar. Para a conclusão do contrato definitivo de compra e
venda é necessária e suficiente a declaração convergente do outorgado, no sentido de exercer sua opção no prazo
e condições estabelecidos pelo outorgante. Já na opção de venda, dá-se o inverso. O interessado em adquirir certo
bem outorga ao titular deste o direito de lhe vender por certo preço e em determinadas condições constantes na
promessa unilateral de contratar” (COELHO, 2016, p. 98)

108 • capítulo 5
2. Bilateral: quando ambas as partes se comprometem a celebrar o con-
trato definitivo. Como por exemplo a promessa de compra e venda (de imóveis
na planta).

•  Quanto à retratabilidade:
1. Com cláusula de arrependimento: pode constar nos contratos bilate-
rais o direito à resilição unilateral, o que afasta o direito à execução específica
da promessa. Trata-se de direito potestativo de retratação (art. 473, CC37) .
2. Sem cláusula de arrependimento: as promessas unilaterais não acei-
tam essa cláusula uma vez que apenas a vontade de um dos contratantes é rele-
vante para a realização ou não do pré-contrato.

•  Quanto à onerosidade:
1. Onerosa: ex.: pagamento de uma retribuição (ex.: um prêmio), como
contraprestação pelo exercício do direito potestativo de realização do contra-
to (nas promessas unilaterais) ou do direito subjetivo (nas promessas bilate-
rais), independente dos efeitos pecuniário do contrato definitivo (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2014, p. 193).
2. Gratuita: quando não se fixa uma contraprestação.

CURIOSIDADE
A doutrina muito debateu se a doação poderia ser objeto de contrato preliminar.
Caio Mário da Silva Pereira afirma que a doação com encargo (latere) se compatibiliza
com a figura do contrato preliminar, o que não ocorreria com a doação pura (porque o promi-
tente-donatário estaria constrangendo a outra parte – promitente-doador – ao cumprimento
de um ato de simples liberalidade, em face do qual inexistiu contrapartida prestacional).

Uma vez realizado o contrato preliminar havendo implemento do termo ou


da condição qualquer das partes poderá exigir a celebração do contrato defini-
tivo (tutela específica), desde que nele não conste cláusula de arrependimento.
O contrato definitivo deverá ser realizado em um prazo razoável (art. 463, CC),
uma vez que a lei nada dispôs sobre isso.
37  Atenção: a teoria do venire contra factum proprium veda o arrependimento quando a parte já deu início à
execução das prestações que lhe incumbiam no contrato preliminar. Se assim não o fosse estaria autorizada ofensa
direta à legítima expectativa (violação à boa-fé objetiva).

capítulo 5 • 109
Esgotado o prazo assinado ao promitente para que efetive o contrato defini-
tivo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadim-
plente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se
opuser a natureza da obrigação (art. 464, CC).
Súmula nº. 239, STF: o direito à adjudicação compulsória não se condiciona
ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.
Súmula nº. 413, STF: o compromisso de compra e venda de imóveis, ainda
que não loteados, dá direitos à execução compulsória, quando reunidos os re-
quisitos legais.
No entanto, caso a execução específica não seja de interesse do credor ou
se a isso se opuser a natureza da obrigação, o credor poderá pleitear perdas e
danos (art. 465, CC).

Jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PROMESSA DE
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CONTRATO PRELIMINAR. CELEBRAÇÃO
DE CONTRATO DEFINITIVO. EXIGIBILIDADE. BENEFÍCIO DA PRÓPRIA
TORPEZA. VEDAÇÃO. DESPESAS DE ESCRITURA E REGISTRO. ENCARGO DO
COMPRADOR. 1. Por meio da celebração de contrato preliminar, os contratan-
tes se comprometem a encetar uma avença definitiva em momento ulterior,
sendo assegurado a qualquer das partes o direito de exigir judicialmente da
outra o cumprimento forçado da obrigação, nos termos do art. 475 do Código
Civil. 2. O fato de a promissária compradora não ter cumprido com suas obri-
gações constantes do contrato preliminar não pode ser invocado para isentá-la
do dever de firmar o negócio principal, a ser materializado por escritura pública
de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária, sob pena de bene-
ficiar-se ela da própria torpeza. 3. Não é genérico o pedido voltado à condena-
ção da apelada para que seja providenciado o registro da escritura pública de
compra e venda do imóvel adquirido. Trata-se de pleito que decorre da expressa
dicção do art. 490 do Código Civil, que impõe ao comprador o encargo de ar-
car com as despesas de escritura e registro. 4. Apelação provida. (TJDF – APC
– 20120710128982 – Rel. J.J. Costa Carvalho – j. 03/06/15 – 2a. Turma Cível – p.
18/06/15)

PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AUSENCIA DE REGISTRO. REGISTRO


DE OUTRO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA POSTERIOR.

110 • capítulo 5
PREVALÊNCIA. Com o registro do contrato de promessa de compra e ven-
da, a parte que desse modo age, adquiri o direito real à aquisição do imóvel,
o qual é oponível erga omnes. Se o imóvel foi vendido a outra pessoa, mesmo
que anteriormente a aquisição encetada pela pessoa que promoveu o regis-
tro de sua promessa de compra e venda, e o a parte compradora não promo-
veu os atos necessários a tutela de seus interesses, a propriedade do imóvel
não pode lhe ser transferida, ante o registro da promessa posterior. (TJMG -
AC 10525120057431001 MG – Rel. Cabral da Silva – j. 14/07/15 – 10a. Câmara
Cível – p. 03/08/15)

5.5  Efeitos dos contratos

5.5.1  Vícios redibitórios (arts. 441 a 446, CC)

É garantia que tem origem no Direito Romano (Lei das XII Tábuas) que obriga-
va o vendedor a dar ao comprador o duplo do preço, quando anunciasse qua-
lidades inexistentes na coisa vendida. Diante do vício da coisa, ao adquirente
cabia o pedido de rescisão ou o abatimento no preço, isto é, ação redibitória ou
a quanti minoris (estimatória) (NADER, 2012, p. 95).
Trata-se de teoria que tem por fundamento o princípio de garantia da uti-
lidade natural da coisa adquirida e o princípio do equilíbrio contratual (equi-
valência material dos contratos), impondo ao alienante o dever de fazer boa a
coisa alienada (princípio da boa-fé objetiva).
Os vícios redibitórios38 são defeitos ocultos (recônditos ou não aparentes)
da coisa transferida em contratos comutativos39 (como a compra e venda e a
troca ou permuta). São defeitos que tornam a coisa imprópria ao uso a que se
destina ou que lhe diminuem o valor ou a utilização (art. 441, CC), quebrando,
assim, a sinalagma40 . Ressalte-se ainda que:
a) É teoria que comumente se verifica em contratos de compra e venda,
mas a esses não se restringe, abrangendo qualquer negócio jurídico bilateral
e comutativo.
38  Curiosidade: O adjetivo redibitório provém do latim redhibitor, is, ou seja, ato de restituir a coisa que se recebeu
com vício. Redibir (redhibeo, es, ui, itum, ere) consiste na ação de devolver o que se adquiriu com vício oculto
(NADER, 2012, p. 115).
39  “A existência do sinalagma, e, portanto, da justiça contratual, requer uma equivalência entre as trocas
contratuais. Haverá lesão a esse equilíbrio se o bem recebido por uma das partes for incapaz materialmente de
atender às suas finalidades naturais” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 456).
40  “O vício redibitório dispensa a aferição de lesão patrimonial ou extrapatrimonial da parte do adquirente,
sendo suficiente a quebra da comutatividade contratual pela inutilidade da coisa adquirida” (FARIAS; ROSENVALD,
2015, p. 459).

capítulo 5 • 111
b) A teoria dos vícios redibitórios também se estende aos contratos de
doação remuneratória e de doação onerosa, em virtude do encargo imposto ao
donatário (art. 441, parágrafo único, CC) e limitando-se ao valor do encargo.
c) A teoria dos vícios redibitórios não abrange os contratos aleatórios
em virtude da incerteza da exigibilidade da prestação, ou de sua quantidade
ou qualidade.

CURIOSIDADE
Discute-se a possibilidade de aplicação da teoria dos vícios redibitórios em bens alienados
em hasta pública.
O Código Civil não traz previsão específica quanto ao assunto.
Farias e Rosenvald (2015, p. 456) manifestam-se pela não aplicabilidade da teoria dos
vícios redibitórios aos bens vendidos em hasta pública e justificam: “a arrematação é ato de
natureza processual, consubstanciado na desapropriação forçada do direito do devedor so-
bre o bem expropriado. Não se confunde, pois, com o negócio jurídico de compra e venda, de
índole manifestamente consensual. Na hasta pública não há consenso, trata-se de imposição
estatal de cunho satisfativo. O ponto afim situa-se no fato de ambas as alienações (compra
e venda e arrematação) operaram-se mediante o pagamento de preço. Como consequência
dessa distinção, temos a inaplicação da garantia dos vícios redibitórios aos bens adquiridos
por expropriação judicial. É que tal garantia é inerente aos contratos onerosos em função dos
quais o alienante garante o comprador contra defeitos que tornem a coisa imprestável. En-
tretanto, pelo princípio que veda o enriquecimento sem causa, é lícito ao arrematante pleitear
em juízo, através de ação autônoma própria contra o executado, o reembolso de tudo quanto
pagou para adquirir a coisa, posto que este não poderia ter-se desvencilhado da dívida com
o bem portador do vício oculto”.

São requisitos para caracterização do vício redibitório (art. 441, CC):


a) Existência de um contrato comutativo com obrigação de dar coisa certa
(móvel ou imóvel).
b) Demonstração da efetiva inutilidade do objeto (gravidade do vício). Não
se trata aqui de demonstrar perda de eficiência do objeto, mas sim, de incapa-
cidade de realizar as funções para o qual foi adquirido. Trata-se, portanto, de
análise objetiva da destinação da coisa.

112 • capítulo 5
c) O vício deve ser oculto, ou seja, desconhecido do adquirente no mo-
mento da aquisição da coisa, que utilizando-se de cautela ordinária não o con-
seguiu detectar. Sendo o vício aparente ou de fácil detecção arcará o adquirente
com o prejuízo em razão de sua negligência41 , caracterizando-se o ato de aqui-
sição como uma forma de renúncia à garantia (é o que acontece, por exemplo,
com produtos comprados em lojas de ponta de estoque).
d) O vício deve ser preexistente à tradição e deve perdurar até o momen-
to da reclamação. Ou seja, o vício existe anteriormente à tradição, mas não foi
percebido ou só se manifestou após a entrega do bem. Determina o art. 444,
CC, que “a responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pere-
ça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo
da tradição”.
•  Se a causa do defeito é posterior à tradição o adquirente sofrerá o prejuízo.
•  Se o defeito cessa posteriormente à formação do contrato, desaparecerá
também a causa de pedir, restando apenas a possibilidade de se pleitear perdas
e danos.
e) A prova da existência do vício e de sua anterioridade à tradição compete
ao adquirente.

Poderão as partes, em relações civis, estabelecer cláusula excludente da ga-


rantia pelos vícios redibitórios ou cláusula aumentativa da garantia (art. 446,
CC). Frise-se, porém, que a existência de cláusula excludente não afasta a res-
ponsabilidade do alienante, quando conhecia o vício e deixou de indicá-lo ao
adquirente (violação do princípio da boa-fé). Neste caso, poderá o alienante re-
querer a anulação da cláusula excludente invocando o dolo por omissão (art.
147, CC).
O alienante, por ser o garante de pleno direito dos vícios redibitórios deve
assegurar a posse útil do bem alienado. Por isso, uma vez que o vício se mani-
feste poderá o adquirente do bem:
a) rejeitá-lo e restitui-lo ao alienante (rescisão contratual – ação redibitó-
ria – redibitio);
b) poderá mantê-lo consigo e requerer abatimento proporcional da pres-
tação (ação estimatória ou quanti minoris).

41  Cláusulas como “vende-se no estado em que se encontra” são válidas nos contratos civis e alertam ao
interessado que a coisa pode não estar em perfeito estado, afastando o direito à posterior reclamação.

capítulo 5 • 113
O exercício da garantia será realizado por meio das chamadas ações edilí-
cias42 (redibitória e estimatória), sendo a via escolhida faculdade exclusiva do
adquirente. O ato de escolha da ação é considerado irrevogável e dentre as alter-
nativas disponíveis estão: a ação redibitória e a ação estimatória.
A ação redibitória pode ser proposta pelo adquirente do bem que pretende
enjeitá-lo (devolvê-lo), reclamando a repetição (devolução) dos valores pagos e
restituição das despesas do contrato. Trata-se de direito potestativo43 à resci-
são contratual que pode ser cumulado com pedido de indenização das perdas
e danos se o adquirente demonstrar que o alienante conhecia o vício e sobre
ele nada informou (art. 443, CC). Havendo perecimento da coisa em razão do
defeito a ação a ser proposta será necessariamente a redibitória.
Não sendo o caso de devolução do bem, poderá o adquirente propor ação
estimatória (ou quanti minoris). Neste caso o adquirente permanecerá com o
bem e pleiteará o abatimento proporcional da prestação, levando-se em conta
a extensão do defeito.
Não será possível propor as ações edilícias quando: a) as coisas são vendi-
das conjuntamente (art. 503, CC), pois o defeito oculto de uma não autoriza a
devolução de todas. A enjeição ou o abatimento do preço só poderão incidir so-
bre a coisa defeituosa (ex.: uma coleção de livros, as ações só poderiam incidir
sobre o volume defeituoso); b) no caso de entrega de coisa diversa da devida,
pois essa hipótese é de inadimplemento contratual; c) no caso de erro quanto
às qualidades essenciais da coisa. Neste caso deve-se propor ação anulatória
por erro essencial.
Os prazos para reclamar sobre os vícios redibitórios são decadenciais e, se-
gundo o art. 445, CC, dividem-se em: a) 30 dias contados da tradição, tratando-
se de coisa móvel; b) 1 ano contados da tradição, tratando-se de coisa imóvel; c)
no caso da coisa já estar em poder do adquirente, esses prazos serão reduzidos
à metade, sendo contados a partir da alienação; d) tratando-se de bem semo-
ventes os prazos serão os previstos em lei especial e, não havendo, serão os dos
usos locais (art. 445, §2º., CC).

42  São denominadas edilícias em alusão aos edis curules que atuavam junto aos grandes mercados romanos
intervindo em situações de resolução de contratos ou abatimento de preço (GONÇALVES, 2014, p. 135).
43  “É possível ainda cogitar uma redibição parcial nos negócios jurídicos envolvendo pluralidade de prestações
autônomas. Caberá a redibição do bem viciado e a conservação do contrato quanto às demais prestações. Assim, se
alguém adquire uma geladeira e um armário, padecendo apenas aquela de vício redibitório, poderá a rescisão apenas
abarcar o eletrodoméstico, aplicando-se o princípio da conservação do negócio jurídico quanto à prestação restante”
(FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 465).

114 • capítulo 5
No entanto, se pela natureza do vício ele só foi conhecido mais tarde, o pra-
zo para o exercício das ações edilícias deverá ser contado a partir do momento
que dele se teve ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, sendo bem
móvel e de um ano para bens imóveis (art. 445, §1º., CC).

EXEMPLO
“Basta supor a situação daquele que adquire um imóvel de um particular (relação privada)
no inverso e apenas observa as infiltrações no verão, quando as chuvas evidenciam os ví-
cios ocultos. O vício foi reconhecido em prazo inferior a um ano e assim, conjugando-se o
caput do art. 445 com o seu §1º., terá mais um ano – a contar da data da constatação do
vício – para propor uma das ações edilícias. Inovando no exemplo, caso o adquirente apenas
percebesse os vazamentos 15 meses após a ocupação do imóvel, já teria transcorrido o pra-
zo decadencial, para ajuizar as referidas demandas” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 467).
Enunciado nº. 174, III Jornada de Direito Civil: em se tratando de vício oculto, o adquiren-
te tem os prazos do caput do art. 445 para obter a redibição ou abatimento de preço, desde
que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no parágrafo primeiro, fluindo, entretanto,
a partir do conhecimento do defeito.

A partir da leitura do Enunciado nº. 174 nota-se que o Código Civil adotou
a seguinte regra: será de 180 dias (bens móveis) e 1 ano (bens imóveis) o prazo
para que o vício se manifeste, contados a partir da tradição. Terminados esses
prazos, inicia-se a contagem do prazo decadencial previsto no caput do art. 445,
Código Civil, quais sejam: 30 dias (bens móveis) e 1 ano (bens imóveis).
Mas, atenção: os prazos para exercício da garantia contra os vícios não cor-
rem durante a vigência da cláusula de garantia (art. 446, CC). O adquirente de-
verá denunciar o defeito ao alienante no prazo de trintas dias contados da ma-
nifestação do vício, sob pena de decadência.
Assim, se o vício surgir no curso do prazo da garantia convencional o prazo
para reclamar se esgota em trinta dias contados do seu descobrimento (dever
de probidade e boa-fé). Exceções jurisprudenciais:
•  O prazo será contado a partir da tradição quando se trata de máquina su-
jeita à experimentação e ajustes técnicos. O prazo decadencial conta-se do per-
feito funcionamento e efetiva utilização.

capítulo 5 • 115
•  O prazo também será contado da tradição quando se trata de venda de
animais. O prazo decadencial, neste caso, conta-se da manifestação dos sinto-
mas da doença de que é portador até o prazo máximo de cento e oitenta dias.
•  Se um objeto é substituído por outro porque tinha defeito o prazo para
redibir o contrato conta-se da data da entrega do segundo bem.

Jurisprudência:
COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. VÍCIO REDIBITÓRIO. INDENIZAÇÃO
POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Pedido de restituição dos valores pagos
para aquisição de veículo automotor em razão da existência de vícios no pro-
duto. Prova pericial que atestou que os problemas ocorridos no automóvel
foram reparados e que, atualmente, não há irregularidade ou falha no veí-
culo. Ausência de vício do produto. Impossibilidade de restituição dos valo-
res pagos. Danos morais não configurados. Recurso desprovido. (TJSP APL
1822403120128260100 SP 0182240-31.2012.8.26.0100 – Rel. Milton Carvalho
– j. 17/09/2015 – 36a. Câmara de Direito Privado – p. 18/09/2015)

PERMUTA DE IMÓVEIS. VÍCIO REDIBITÓRIO.1. Normas aplicáveis.


Contrato celebrado em 20/8/2001. Direito potestativo de redibir o pacto exerci-
do em 26/2/2002, data da distribuição da demanda (artigo 263 do CPC). Tempus
regit actum. Aplicação do Código Beviláqua. 2. Decadência. Não consumada.
Direito exercido no prazo de seis meses (artigo 178, § 5º, inciso IV, do CC/1916).
3. Vício redibitório. Os réus-apelados sabiam que o imóvel estava sujeito a en-
chentes na época das chuvas, mas não alertaram os autores-apelantes. Vício
oculto que torna a casa imprestável para moradia, podendo ela ser enjeitada
(artigo 1.101, caput, do CC/1916). Contrato redibido, devendo as partes resti-
tuir, umas às outras, os imóveis permutados. 4. Indenização. Apesar de terem,
em tese, direito à indenização (artigo 1.103, primeira parte, do CC/1916), os
recorrentes não comprovaram a existência e a ocorrência dos supostos danos.
Fase de liquidação que só se presta a apurar valores, quando os danos foram
previamente demonstrados e reconhecidos judicialmente. Pleito indenizatório
rechaçado. Recurso parcialmente provido, com alteração do ônus da sucum-
bência. (TJSP – APL 00043937920028260007 SP 0004393-79.2002.8.26.0007 –
Rel. Roberto Maia – j. 15/04/2014 – 10a. Câmara de Direito Privado – p. 22/04/14).

116 • capítulo 5
LEITURA
Sobre o sistema dos vícios redibitórios no Código de Defesa do Consumidor leia:
CARVALHO, José Carlos Maldonado. Garantia legal e garantia contratual: vício ocul-
to e decadência no CDC. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_
file?uuid=1296b43c-e9fd-4905-9632-a6da3616d852>.
MORAES, Ana Lúcia Penhalbel. Vícios redibitórios e o código de defesa do con-
sumidor. Disponível em: <http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revcesumar/
article/view/157/521>.
BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcellos. Teoria da qualidade. Disponível em:
<http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/16339/Teoria_Qualidade.pdf>.

ATENÇÃO
“O vício redibitório e a evicção são dois mecanismos próximos de tutela do contratante. O pri-
meiro acautela-nos perante vícios materiais do objeto contratado. Já a evicção (art. 447, CC)
possibilita proteger o adquirente diante da perda jurídica do bem. Em comum, o alienante não
se libera de sua obrigação com a transmissão da coisa, devendo garantir a sua substância e
a sua idoneidade jurídica” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 458).
Portanto, os vícios redibitórios protegem o adquirente contra defeitos materiais do bem;
enquanto a evicção protege a incolumidade jurídica do bem.

5.5.2  Evicção (arts. 447 a 457, CC)

Trata-se de garantia contratual cuja origem também remonta ao Direito Roma-


no, quando foi incialmente prevista para todos os tipos de contratos onerosos em
que houvesse transmissão da posse ou da propriedade. Atualmente a evicção é
forma de garantia contratual que possui, por fundamento, a boa-fé e a equidade
contratual, sendo cláusula implícita em todo e qualquer contrato oneroso.
Evicção vem do latim evictione que significa o ato ou efeito de vencer; e de
envicere, ser vencido. Juridicamente a evicção é a perda da coisa, por sentença
judicial ou ato administrativo, que a atribui a outrem, por direito anterior ao
contrato, imputando-se ao alienante responsabilidade de natureza contratual
(defeito do direito transmitido) e não de natureza possessória.

capítulo 5 • 117
Personagens:
Alienante – quem transfere o bem
Evicto ou envencido – adquirente que perde o bem por direito atribuído
a terceiro
Evictor ou envencente – terceiro reivindicante

CURIOSIDADE
Casos que se assemelham à evicção, mas com ela não se confundem:
a) Abandono da coisa antes da sentença, quando o direito do terceiro-reivindicante é de
tal forma incontroverso que o prosseguimento do litígio implicaria injustificado dispêndio de
energia processual e financeira. Para o abandono possa equivaler à evicção não pode ser
arbitrário do adquirente, porém nele há de convir o alienante.
b) Remissão hipotecária (art. 1.481, CC). O adquirente de um bem hipotecado, ante a al-
ternativa de sofrer excussão da hipoteca ou pagar o débito garantido, opta pela segunda
alternativa. Não ocorre a perda da coisa porque esta foi evitada com o dispêndio realizado
pelo adquirente que, por isso, tem a faculdade de proceder contra o alienante como se fos-
se evicto.
c) Vias de fato de terceiro, confirmadas judicialmente, no caso do adquirente acorrer em
defesa da coisa arrebatada, e na ação que intentar, para reivindicá-la ou sustentar a sua in-
tegridade jurídica, ser vencido sob o fundamento do direito anterior do terceiro demandado.
O pronunciamento judicial confirmatório da situação fática criada pelo terceiro gera a mesma
consequência que produziria uma sentença condenando o adquirente a efetuar sua entrega
a outrem.
d) Conservação da coisa por título diverso do contrato aquisitivo, caso em que não ocorre
a perda do bem recebido, porque o adquirente vem a consolidar seu direito em virtude de
uma causa jurídica diversa, como por exemplo, no caso de ser herdeiro do terceiro evidente,
e tornar-se dono por sucessão causa mortis; não há perda do bem jurídico, mas fatalmente o
perderia se não ocorresse a interferência de outra causa jurídica para a sua retenção. Fonte:
PEREIRA, 2012.

A evicção importa o reconhecimento da existência de duas relações jurídi-


cas: a) uma de direito material, estabelecida entre o alienante e o adquirente;
b) outra de direito processual, estabelecida entre o terceiro reivindicante e o
adquirente do bem. Por isso, para caracterizar a evicção é necessário:

118 • capítulo 5
a) A aquisição de um direito de propriedade ou de posse sobre bem móvel
ou imóvel por meio de um contrato oneroso;
•  Não se aplica aos contratos benéficos porque nestes a eventual perda do
bem geraria apenas a perda de uma vantagem e não um prejuízo propriamente
dito. Vide, por exemplo, o que dispõe o art. 552, CC: “o doador não é obrigado
a pagar juros moratórios, nem é sujeito às consequências da evicção ou do ví-
cio redibitório”.
•  Lembre-se: nos contratos benéficos o alienante só responderá por perdas
e danos se dolosamente transferiu o bem, conhecendo a existência do vício (art.
392, CC).
•  No entanto, as doações condicionais (art. 546, CC), as doações remu-
neratórias (art. 540, CC) e as doações com encargo subordinam-se à garantia
da evicção.
b) A perda total ou parcial do direito sobre a coisa por uma causa jurídica
(direito de terceiro). A perda do direito pode se dar sobre o direito à proprieda-
de, como também sobre a posse ou a fruição do bem, ou a exclusão de um ônus
real que beneficiava economicamente o evicto (ex.: a perda da servidão de pas-
sagem), ou a inclusão de um gravame capaz de reduzir a serventia do bem (ex.:
a imposição da servidão de passagem).

EXEMPLO
“A adquire propriedade de B e passa a residir no imóvel. Meses depois C ingressa com ação
de reintegração de posse – em função de esbulho e invocando direito anterior à aquisição
da titularidade -, obtendo êxito na demanda, com o desapossamento de A. Apesar de A ain-
da ser proprietário do bem, haverá a evicção, pois foi privado da posse do bem, alijado das
faculdades dominiais de fruição e uso, que possuem inegável valor econômico” (FARIAS;
ROSENVALD, 2015, p. 484-485).

c) A anterioridade do vício em relação ao contrato (preexistência do direi-


to de terceiro).
•  A evicção não se funda na culpa do alienante, portanto, é indiferente para
fins de responsabilização demonstrar se ele estava de boa ou de má-fé.

capítulo 5 • 119
•  Sendo a preexistência do direito de terceiro requisito essencial para a ca-
racterização da evicção, necessário também será determinar o exato momento
em que esse direito foi adquirido pelo terceiro.
•  A responsabilização pela evicção também se apresenta nos casos de bem
imóvel arrematado em hasta pública (art. 447, CC44) .
d) Privação de direitos sobre a coisa determinada por ato judicial ou extra-
judicial45 .
•  O Código Civil não exige que a evicção tenha por fundamento exclusivo a
perda do direito por trânsito em julgado de sentença que a determine. Por isso,
possível que a privação do direito possa também decorrer de ato extrajudicial
como atos de apreensão por autoridade administrativa ou policial.
•  Tem prevalecido na jurisprudência a não essencialidade da sentença,
como acontece, por exemplo, no caso do veículo roubado apreendido em blitz
policial. O adquirente de boa-fé não poderia resistir ao ato policial e, com isso,
perde a coisa adquirida.
e) A ausência de causa ou de cláusula excludente de responsabilidade.
A garantia contra a evicção opera ex lege, sendo desnecessária a sua pre-
visão expressa no contrato, conforme afirma Rodrigues (2009, p. 114) “com
efeito, na compra e venda, bem como nos outros contratos onerosos donde
resulte a transferência do domínio ou posse, presume o legislador existir sem-
pre, expressa ou tácita, e a menos que o contrário estipule, cláusula pela qual o
alienante se compromete a assegurar a posse pacífica da coisa vendida e a ga-
rantir o adquirente contra os defeitos ocultos”. Não sendo garantia personalís-
sima, morrendo o alienante, a responsabilidade pela evicção se transmite aos
seus herdeiros.
A evicção pode ser reivindicatória quando resulta de uma sentença que
reconhece direito real de terceiro sobre a coisa, privando o adquirente de di-
reitos que acreditava ter adquirido sobre a coisa. A evicção também pode ser

44  No caso de evicção de bem imóvel arrematado em hasta pública grande dúvida há sobre quem deve indenizar:
o executado, pois seu patrimônio é garantia comum de todos os credores; o Estado solidariamente (porque este se
sub-roga na vontade do executado); o exequente, pois foi ele que levou o bem à hasta pública? Farias e Rosenvald
entendem que a indenização deve ser preferencialmente exigida em face do executado, seja “por ostentar a condição
de primitivo titular do direito, como por ter sido diretamente beneficiado pelo desfecho da execução, pela extinção
de sua obrigação. Subsidiariamente, será viável a responsabilização do exequente” (em virtude da vedação do
enriquecimento sem causa). Por fim, não havendo êxito da pretensão em face do executado e do exequente poderia
o evicto se voltar contra o Estado pelo princípio da vedação do abuso de direito (2015, p. 489).
45  A doutrina questiona se a sentença judicial é elemento essencial para a caracterização da evicção. No Direito
brasileiro o Código Civil não fez menção a este requisito, ficando a critério da doutrina e da jurisprudência. Há autores
que afirmam a essencialidade da sentença, inserindo-a inclusive no conceito de evicção.

120 • capítulo 5
expropriatória quando a coisa for constrita judicialmente por ação de terceiro,
como por exemplo, para garantir dívida do alienante; ou quando for objeto de
excussão judicial como arresto, penhora, hasta pública ou adjudicação, vindo a
ser transmitida a um novo dono.
A evicção pode ser total ou parcial. No caso da evicção parcial sendo a per-
da considerável46 poderá o evicto optar (direito potestativo) pela rescisão do
contrato (devendo o alienante ressarcir o montante da prestação e não o valor
da coisa ao tempo em que se perdeu); ou poderá optar em permanecer com o
bem e requerer o abatimento proporcional do preço. No entanto, se a perda não
for considerável o evicto apena poderá pleitear indenização proporcional com
a respectiva retenção do bem (art. 455, CC – aplicação da teoria do inadimple-
mento mínimo ou adimplemento substancial47 ).
Ensinam Farias e Rosenvald (2015, p. 496) que “a evicção parcial poderá con-
sistir na perda da fração de um direito sobre o bem adquirido (v.g. adquirente
é privado da propriedade de 50% da área do imóvel); pode também representar
a supressão de uma situação jurídica que acedeu ao negócio jurídico (v.g. evic-
ção quanto a uma servidão de passagem sobre o imóvel vizinho), ou mesmo a
submissão do direito a uma situação jurídica de terceiro (v.g. adquirente é der-
rotado em demanda que impõe ao seu prédio a condição de serviente perante
outro prédio)”.
Sendo a evicção total terá o evicto (art. 450, CC) direito: a restituição das
quantias pagas (valor da coisa na época em que se evenceu48 ), com juros e cor-
reção monetária; indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir; in-
denização das benfeitorias úteis e necessárias se não tiverem sido pagas pelo
reivindicante (arts. 453; 1.219 a 1.922, CC); indenização das despesas do contra-
to e prejuízos decorrentes da perda do direito; ressarcimento das despesas ju-
diciais e honorários advocatícios (contratuais). Os direitos do evicto persistem

46  Perda considerável é conceito jurídico indeterminado. A doutrina tem compreendido que a expressão deve ser
analisada concretamente com relação à finalidade da coisa (e não apenas à quantidade), permitindo presumir que o
contrato não teria sido realizado se o adquirente conhecesse a verdadeira situação.
47  Sobre a teoria do adimplemento substancial leia: TARTUCE, Flávio. Teoria do adimplemento substancial
na doutrina e na jurisprudência. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/teoria-do-
adimplemento-substancial-na-doutrina-e-na-jurisprudencia/15191
48  O alienante responde pela plus valia adquirida pela coisa, ou seja, o alienante responde também pela diferença
a maior entre o preço da aquisição e seu valor ao tempo em que se envenceu. Se houve menor valia, diminuição do
preço entre a data da aquisição e a evicção, esta correrá por conta da negligência do alienante, que ainda assim
deverá restituir integralmente o valor pago pelo adquirente (art. 451, CC). Todavia, se o adquirente tiver auferido
vantagem com a deterioração do bem (ex.: recebeu seguro), deverão estas ser reduzidas da verba a ser indenizada
(art. 452, CC).

capítulo 5 • 121
mesmo que a coisa se deteriore sem dolo (art. 451, CC), devendo o alienante
restituir integralmente o preço.
A garantia contra a evicção pode ser contratualmente reforçada, dimi-
nuída ou até excluída (art. 448, CC). O reforço será compreendido como uma
espécie de cláusula penal ou imposição de garantias reais ou fidejussórias.
A diminuição da garantia pode ser estabelecida por cláusulas que, por exem-
plo, excluam a indenização pelos frutos ou benfeitorias úteis.
A cláusula de exclusão (de não-garantia; non praestanda evictione) decorre da
autonomia privada, mas não tem eficácia plena, uma vez que a própria lei apon-
ta limitações. A cláusula de exclusão da garantia não impede o evicto de propor
ação de indenização por perdas e danos em que poderá demonstrar outros pre-
juízos que não os decorrentes diretamente da perda de direitos sobre a coisa.
Havendo cláusula limitativa ou excludente da responsabilidade pela evic-
ção, esta persistirá se: a) a renúncia aos direitos decorrentes da evicção não es-
tiver fundada em riscos concretos; cláusulas sobre riscos abstratos são conside-
radas abusivas; b) se o alienante conhecia do risco concreto da evicção e nada
informou ao adquirente.

RESUMO
Cláusula expressa de exclusão da garantia + conhecimento do risco da evicção pelo
evicto = isenção de toda e qualquer responsabilidade por parte do alienante
Cláusula expressa de exclusão de garantia – ciência específica desse risco por parte do
adquirente = responsabilidade do alienante apenas pelo preço pago pelo adquirente pela
coisa evicta
Cláusula expressa de exclusão da garantia, sem que o adquirente haja assumido o risco
da evicção de que foi informado = direito deste de reaver o preço que desembolsou (TAR-
TUCE, 2014, p. 202)

O adquirente não pode demandar pela evicção quando faltar algum dos
seus pressupostos essenciais, como por exemplo:
•  Se a perda não ocorrer em virtude de sentença, mas se resulta de caso for-
tuito, força maior, roubo, furto, provimento administrativo, mesmo que o pere-
cimento se dê na pendência da lide.

122 • capítulo 5
•  Se o adquirente sabia que a coisa era alheia, porque seria ele cúmplice da
apropriação indevida.
•  Se o adquirente sabia que a coisa era litigiosa, estando ciente de que a
prestação do outro contratante dependia de acerto judicial que lhe podia ser
desfavorável (art. 457, CC);
•  Se foi informado do risco da evicção e o assumiu expressamente, liberan-
do o alienante das respectivas consequências (art. 449, CC).

Tratando-se de evicção determinada por sentença judicial o alienante deve


ter integrado a lide que deu causa à perda do direito. Assim, em regra, se o ad-
quirente não o denunciar à lide, sendo evicto perderá o direito de pleitear pos-
teriormente a indenização, conforme dispõem os arts. 456, CC e 125, II, CPC.
A jurisprudência, no entanto, tem flexibilizado a obrigatoriedade da denuncia-
ção, afirmando ser possível reaver o preço por meio de ação própria.

Enunciado nº. 29, I Jornada de Direito Civil: Art. 456: a interpretação do art. 456
do novo Código Civil permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos respon-
sáveis pelo vício.

Enunciado nº. 433, V Jornada de Direito Civil: a ausência de denunciação da lide


ao alienante, na evicção, não impede o exercício de pretensão reparatória por meio de
via autônoma.

Enquanto pendente a ação de evicção, está suspenso o prazo de prescrição


do adquirente em face do alienante (art. 199, III, CC), que só voltará a correr
após o trânsito em julgado da sentença que determinar a perda do bem.

Jurisprudência:
AÇÃO INDENIZATÓRIA. EVICÇÃO. 1. PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE
PASSIVA. MATÉRIA RELATIVA AO MÉRITO DA AÇÃO. TEORIA DA ASSERÇÃO.
"Verificado nos autos que a parte autora atribui ato ilícito ao agravante, a ques-
tão relativa à (i) legitimidade passiva ad causam deixa de gravitar em torno das
condições da ação, mas passa a ser questão que deve ser discutida junto ao mé-
rito da demanda. Aplicação da teoria da asserção". Precedentes desta Corte.
2. RESPONSABILIDADE DO VENDEDOR. O vendedor responde pelo valor

capítulo 5 • 123
desembolsado pelo adquirente no negócio de compra e venda viciado indepen-
dentemente da sua boa-fé. "A evicção é uma forma de garantia, um elemento na-
tural dos contratos onerosos, que se apresenta onde haja obrigação de transferir
o domínio, posse ou uso de uma determinada coisa. Como consequência, ao alie-
nante cabe resguardar o adquirente dos riscos por ela produzidos, a não ser que
estipulem expressamente em sentido contrário, ou seja, pela dispensa da garan-
tia. Tal responsabilidade, independe da boa-fé ou não do vendedor, sendo, no si-
lêncio das partes, subentendida" - precedente do STJ. Inteligência do art. 447 do
CCB/2002. 3. Caso em que o autor sofreu evicção de veículo adquirido da ré quan-
do inexistente restrição anotada no DETRAN. Transferências na cadeia dominial
do bem iniciada por empresa que teve a falência decretada antes do negócio havi-
do entre os litigantes. Responsabilidade objetiva da alienante. Desnecessidade de
análise da culpa. 4. DANOS MATERIAIS. VALOR DO VEÍCULO. BENFEITORIAS.
Indenização pelo valor do caminhão fixada a partir de critério comumente utili-
zado para avaliação de veículos usados: Tabela FIPE, a qual considera a depre-
ciação pelo decurso do tempo e natural desgaste pelo uso. Benfeitorias realiza-
das no veículo que se tem como úteis ou necessárias: colocação de para-choque
e a instalação de carroceria de madeira. Melhoramentos que mesmo possíveis
serem removidos, tratam-se de elementos específicos para determinado veícu-
lo, restringindo. 5. DANO MORAIS. INEXISTÊNCIA. Dissabores resultantes da
destituição da titularidade do bem por evicção. Segundo a doutrina, não será
toda e qualquer situação de sofrimento, tristeza, transtorno ou aborrecimento
que ensejará a reparação, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para
afetar a dignidade humana em seus diversos substratos materiais: a igualdade, a
integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou social, no plano
extrapatrimonial em sentido estrito. Prejuízo extrapatrimonial não reconhecido.
NEGARAM PROVIMENTO A AMBAS AS APELAÇÕES. UNÂNIME. (Apelação Cível
Nº 70052053949, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge
Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 31/10/2013)

APELAÇÃO - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA


DE IMÓVEL - EVICÇÃO – PROVA - Comprovada a ocorrência da alegada evic-
ção, em razão da pré-existência de ação trabalhista sobre o bem alienado, que
não foi informada pelos alienantes, procedente se faz o pleito de desfazimen-
to do negócio jurídico com a restituição do valor pago, com a devida correção.

124 • capítulo 5
Apelo não provido. (TJMG – AC 10024096312228001 MG – Rel. Nilo Lacerda – j.
29/01/2014 – 12a. Câmara Cível – p. 06/02/2014)

5.6  Extinção dos contratos (arts. 472 a 480, CC)

Extinção é gênero cujas expressões sinônimas são dissolução ou desfazimento


do contrato. É fato jurídico que coloca fim à relação contratual.
O ciclo de existência dos contratos encerra-se, em regra, com o cumprimen-
to das prestações (adimplemento49 ) conforme o pactuado, caracterizando-se
o que denomina de forma normal ou natural de extinção da relação contratual
cujos efeitos são ex nunc. O ciclo contratual também pode se extinguir com
a verificação de fatores eficaciais como: implemento do termo ou da condi-
ção resolutiva.

COMENTÁRIO
Lembre-se, no entanto, que algumas obrigações decorrentes da boa-fé objetiva projetam-se
para depois da extinção do contrato e seu descumprimento pode dar causa à responsabilida-
de pós-contratual (post pactum finitum). É o caso, por exemplo, do sigilo profissional.

No entanto, há situações que escapam à regra e a extinção poderá ocorrer:


por fatos anteriores ou contemporâneos à celebração do contrato; e por fatos
posteriores à celebração do contrato (fatos supervenientes), conforme estuda-
remos adiante.

49  O adimplemento contratual segue os mesmos fundamentos do adimplemento das obrigações


(art. 304 e ss., CC).

capítulo 5 • 125
Cumprimento do
pactuado
Natural
Verificação de fato
eficacial

Nulidades
absolutas
Invalidades
Nulidades
relativas
Causa anterior ou Cláusula
contemporânea resolutiva

Cláusula de
arrependimento

Renúncia

Extinção
Revogação

Unilateral Denúncia
Resilição
Bilareal (distrato) Resgate

Inadimplemento
Retratação
voluntário

Inadimplemento
fortuito
Resolução
Onerosidade
Causa posterior excessiva

Frustração do fim
do contrato

Vícios

Rescisão Vícios redibitórios

Morte do
Evicção
contratante

126 • capítulo 5
5.6.1  Extinção por fato anterior ou contemporâneo à celebração do contrato

As causas de extinção por fato anterior ou contemporâneo à celebração do con-


trato são causas que encerram a relação contratual tal qual ela surgiu.
A primeira hipótese de extinção por fato anterior à celebração do contrato
são as invalidades (nulidades absolutas – arts. 166 e 167, CC, cujos efeitos são
ex tunc; nulidades relativas – art. 171, CC, cujos efeitos são ex nunc) e a inexis-
tência do negócio jurídico por falta de seus elementos essenciais (como por
exemplo a ausência de vontade). Lembre-se: não existe invalidade supervenien-
te. Toda invalidade se estabelece no momento de formação do contrato, ainda
que seja tardiamente identificada.

Código Civil
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I. celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II. for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III. o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV. não revestir a forma prescrita em lei;
V. for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a
sua validade;
VI. tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII. a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem comi-
nar sanção.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissi-
mulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I. aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daque-
las às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II. contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III. os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes
do negócio jurídico simulado.

capítulo 5 • 127
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o ne-
gócio jurídico:
I. por incapacidade relativa do agente;
II. por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou
fraude contra credores.

Além das invalidades são formas de extinção do contrato por fato ante-
rior ou contemporâneo à sua celebração: a cláusula resolutiva e a cláusula
de arrependimento.
A cláusula resolutiva (ou resolutória) está presente nos contratos bilaterais
tendo por fundamento a ideia de que uma parte não pode exigir o adimplemen-
to contratual da outra sem ter cumprido a própria prestação. A cláusula reso-
lutiva pode ser expressa (pacto comissório50 ) ou tácita (legal ou implícita) (art.
474, CC) e a parte lesada pelo inadimplemento pode, com base nesta cláusula,
requerer a resolução do contrato ou a execução específica da prestação, em am-
bos os casos cumulando seu pedido com perdas e danos (art. 461, CC).
Sendo expressa a extinção gerará efeitos ex tunc e se dará automaticamente
com o inadimplemento51 (eventual declaração judicial apenas terá natureza
declaratória). Por isso, é importante que a cláusula indique exatamente as hipó-
teses em que será possível requerer a resolução pelo inadimplemento, pois se
assim não o fizer será caracterizada como cláusula de estilo que apenas reforça
as hipóteses de resolução legal.
O art. 474, CC, determina que “a cláusula resolutiva expressa opera de
pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial52” . Assim, em regra,
havendo expressa previsão da cláusula resolutiva, não haverá necessidade de
notificação da outra parte para sua constituição em mora, exceto se tratando:
de compromisso de compra e venda de imóveis loteados (Decreto-lei nº. 58/37
e Lei nº. 6.766/79); leasing ou arrendamento mercantil (Súmula nº. 369, STJ).
Sendo a cláusula tácita haverá necessidade de constituição em mora do deve-
dor, para o exercício do direito à resolução cuja declaração judicial terá nature-
za desconstitutiva.

50  Lembre-se que normas de ordem pública podem limitar a utilização de cláusulas resolutórias expressas a fim
de garantir a igualdade substancial e o equilíbrio contratual.
51  O credor que, depois do vencimento, faz uma opção pelo cumprimento do contrato não pode mais invocar o art.
474, CC. Se concedeu novo prazo, com a mesma advertência de essencialidade quanto ao tempo do pagamento, a
persistência em descumprir restabelece o direito de resolver do credor.
52  Enunciado nº. 436, V Jornada de Direito Civil: “a cláusula resolutiva expressa produz efeitos extintivos
independenemente de pronunciamento judicial”.

128 • capítulo 5
Em todo contrato bilateral presume-se a existência de uma cláusula resolu-
tiva tácita, autorizando o lesado pelo inadimplemento a pleitear a resolução do
contrato com perdas e danos (art. 475, CC).

O direito de arrependimento é também forma de extinção do contrato.


Quando expressamente previsto no contrato autoriza a resilição unilateral do
contrato, sendo este um direito potestativo. É direito que deve ser exercido no
prazo convencionado pelas partes ou no prazo determinado pela lei, mas sem-
pre antes da execução do contrato.

5.6.2  Extinção por fato superveniente à celebração do contrato

A extinção por fato superveniente pode decorrer do perecimento do objeto; por


exigir esforço extraordinário e injustificável do contratante; em razão de bar-
reiras físicas ou jurídicas. Em qualquer das hipóteses, por ser superveniente,
caracterizará inadimplemento.
Embora na prática contratual e legislativa os termos resolução, resilição e
rescisão sejam comumente empregados como sinônimos, juridicamente são
expressões com significados próprios e distintos:

CAUSAS DE EXTINÇÃO DOS CONTRATOS


Resilição - decorre de
Resolução - decorre de Rescisão - decorre de
vontade unilateral (resili-
inadimplemento (des- vícios (defeitos) intrín-
ção unilateral) ou bilateral
cumprimento) fortuito ou secos ou extrínsecos do
(resilição bilateral ou
voluntário negócio jurídico
distrato)

Resilição
A resilição é forma de extinção dos contratos por simples declaração de von-
tade: a) unilateral (resilição unilateral); b) bilateral (resilição bilateral; distrato;
mútuo consenso; mútuo dissenso; retratação bilateral). Esclarecem Farias e
Rosenvald (2015, p. 496-497) que :

capítulo 5 • 129
A rescisão do contrato consiste na desconstituição do negócio jurídico por vício ine-
rente ao próprio objeto da relação obrigacional, contemporâneo à sua formação, em
relações jurídicas que portam em seu gérmen um vício material (vício redibitório) ou
jurídico (evicção). Assim como a invalidade do negócio jurídico, a rescisão se localiza
na gênese da relação obrigacional, sem que com aquela se confunda. Aparta-se a
rescisão, ainda, dos fenômenos da resolução, da resilição e do distrato, que acometem
uma relação contratual originariamente perfeita, pela perda de eficácia como produto
de um acontecimento superveniente. Justamente por não se traduzir em inadim-
plemento de obrigação, mas em defeito contemporâneo à formação do negócio, o
legislador excluiu o enfoque da rescisão quando do exame da extinção do contrato
(arts. 472/480, CC).

A resilição unilateral é espécie de negócio jurídico unilateral que pode de-


correr de cláusula expressa prevista no contrato ou pode ser autorizada expres-
sa ou implicitamente pela lei53 . A resilição é declaração receptícia de vontade
(por isso, deve ser comunicada à outra parte, art. 473, CC) e opera efeitos ex
nunc independente de homologação judicial. Pode ocorrer em contratos com
obrigações duradouras ou com prazo indeterminado; nos contratos com pra-
zo determinado mas cuja execução ainda não tenha começado e nos contra-
tos benéficos.
Em regra a resilição unilateral não exige a apresentação de justificativa, bas-
ta a manifesta intenção de uma das partes de extinguir o contrato. No entanto,
nos contratos que exigem o justo motivo, inexistindo esse, ficará a parte desis-
tente obrigada a pagar perdas e danos.
No entanto, se “dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito in-
vestimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produ-
zirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos
investimentos” (art. 473, parágrafo único, CC). Não sendo possível a concessão
de prazo ou com ela não concordando o denunciante, poderá o destinatário da
resilição exigir perdas e danos.

53  “No Código Civil, estão previstas algumas hipóteses expressas de resilição unilateral: a) o adquirente de coisa
locada pode denunciar a locação, a menor que do contrato registrado conste cláusula de vigência em caso de
alienação (art. 576); b) o mandato cessa pela revogação do mandante ou pela renúncia do mandatário (art. 682, I);
c) o passageiro pode desistir da viagem antes iniciada, desde que comunique o transportador a tempo de viabilizar a
renegociação da passagem (art. 740)” (COELHO, 2016, p. 118).

130 • capítulo 5
A resilição bilateral ou distrato decorre da manifestação de vontade de
ambos os contratantes (dissolução convencional do contrato). O distrato con-
figura-se como negócio jurídico bilateral, tendo por finalidade a extinção do
vínculo contratual, por isso pode ser realizado em qualquer tipo contratual des-
de que seus efeitos ainda não tenham se exaurido. O distrato deve ter a mes-
ma forma do contrato (condição de validade, art. 472, CC), mas isso, quando o
contrato é daqueles aos quais a lei impõe forma especial. Sendo de contrato de
forma livre, o distrato também terá forma livre. Os efeitos do mútuo consenso
operam-se ex nunc e independente de homologação judicial.

Rescisão:
É causa de extinção dos contratos por ineficácia, por isso, decorre sempre
de declaração judicial que retira a eficácia do negócio, gerando efeitos ex nunc.
A rescisão pode ter origem nos vícios objetivos anteriores à celebração do negó-
cio jurídico como a lesão e o estado de perigo; a evicção e os vícios redibitórios.

Resolução:
A resolução é a extinção do contrato bilateral provocada por inadimplemen-
to fortuito (ou involuntário) ou voluntário e tem por fundamento a necessidade
de equilíbrio das partes contratantes (art. 475, CC). “Cuida-se o inadimplemen-
to absoluto de hipótese em que a prestação não foi cumprida nem poderá sê-lo.
Três são as circunstâncias que conduzem a ele: a) a prestação que não é mais
capaz de realizar os interesses objetivos do credor (art. 475, CC); b) a prestação
que se tornou objetivamente impossível (arts. 234, 235, 238 e 256, CC); c) a pres-
tação que se tornou inexigível pela alteração superveniente das circunstâncias
(art. 478, CC)” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 528).
A resolução do contrato terá lugar, portanto, quando for caracterizada a ex-
tinção objetiva do interesse do credor na prestação (inadimplemento absolu-
to), facultando54 -se ao credor a resolução do contrato ou a sua manutenção,
conforme seus próprios interesses e em qualquer das escolhas cumulada com
perdas e danos.

54  Tratando-se de matéria de ordem dispositiva é facultada às partes a possibilidade de prever cláusulas
contratuais que afastem a alternatividade entre o direito a resolução do contrato ou ao cumprimento da prestação.
Será, no entanto, declarada nula em contratos de adesão e nas relações de consumo.

capítulo 5 • 131
A resolução por inexecução involuntária (fortuita) decorre da impossibilida-
de objetiva de cumprimento da prestação pelo advento de fatos não imputáveis
às partes, como caso fortuito e força maior. Em regra, o advento destes fatos
jurídicos causará a extinção do contrato com efeitos ex tunc e sem o direito a
perdas e danos. No entanto, não haverá exclusão de responsabilidade se:
a) A parte expressamente se responsabilizou por eventos fortuitos (art.
393, CC);
b) Se o perecimento do objeto ocorreu durante a mora e o devedor não
conseguir demonstrar que a perda ocorreria ainda que não tivesse havido o
atraso (art. 399, CC);
c) Se for o caso de obrigação de dar coisa incerta e ainda não tiver ocorrido
a concentração do objeto (art. 256, CC).

A resolução por inexecução voluntária decorre de impossibilidade da pres-


tação por culpa de uma ou de ambas as partes contratantes (arts. 389 e 390, CC).
O art. 475, CC, autoriza a parte prejudicada pelo inadimplemento a requerer a
resolução do contrato, mas faculta-lhe a escolha de outra forma de cumprimen-
to; em ambas as hipóteses caberá o pedido de perdas e danos (que depende da
prova de culpa do devedor55 ).
Vale ressaltar que pela teoria do adimplemento substancial (substancial
performance) quando o contrato tiver sido quase todo cumprido, ou a parte não
cumprida for insignificante face à parte já cumprida (cumprimento relevante),
não se poderá pleitear a resolução do contrato, mas sim a realização plena de
seu conteúdo. Por exemplo: em um contrato de financiamento de carro se o de-
vedor já quitou 34 das 36 parcelas contratadas, não poderá a financeira pleitear
a busca e apreensão do veículo com a consequente resolução do negócio em
face do adimplemento substancial. Poderá a credora utilizar outros meios para
exigir o cumprimento das parcelas não quitadas, uma vez que a busca e apreen-
são, neste caso, acarretaria sacrifício patrimonial desproporcional ao devedor.
É teoria que encontra seu fundamento na eficácia interna da função social
dos contratos, buscando a conservação do negócio jurídico e vedando-se o abu-
so de direito (art. 187, CC).

55  Enunciado 31, I Jornada de Direito Civil: Art. 475: as perdas e danos mencionados no art. 475 do novo CC
dependem da imputabilidade da causa da possível resolução.

132 • capítulo 5
Enunciado 361, IV Jornada de Direito Civil: o adimplemento substancial decorre
dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do
contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.

Exceção de contrato não cumprido (exceção de inexecução ou exceptio non


adimpleti constractus56 ), forma de condição resolutiva tácita prevista no art.
476, CC, que pode determinar a extinção de contrato bilateral nos casos em
que houver mútuo inadimplemento, uma vez que o contratante só pode exigir
o cumprimento do outro se tiver cumprindo a sua própria parte. Portanto, tem
por fundamento a equidade e a boa-fé objetiva.
A exceção de contrato não cumprido por muito tempo foi apresentada como
um meio de defesa. No entanto, sendo cláusula resolutiva tácita em contratos
bilaterais pode ser alegada na própria petição inicial, fazendo as vezes de inter-
pelação da outra parte.
Não se trata a exceptio de desconstituição da obrigação, mas sim, de uma
oposição temporária à exigibilidade do cumprimento da prestação. É forma de
retardamento da prestação (exceção substancial dilatória) que invoca um fato
impeditivo para o exercício do direito do autor, ou seja, enquanto este não cum-
pre sua parte, não pode requerer o cumprimento da parte do outro contratante.

A quebra antecipada do contrato ou inadimplemento antecipado do


contrato ocorre quando “as partes avençaram o momento para o adimplemen-
to de suas respectivas obrigações, porém, em instante anterior ao termo pac-
tuado, um dos contratantes já demonstra inequívoca intenção de não cumprir
a sua prestação, pois pratica uma conduta concludente no sentido do inadim-
plemento” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 542). Trata-se de violação ao princí-
pio da boa-fé objetiva, pois a conduta revela a falta de interesse da parte em dar
cumprimento ao avençado.
Embora não seja a resolução antecipada expressa na codificação civil, pa-
rece a teoria fundamentar o art. 477, CC, que dispõe que “se depois de con-
cluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu
patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se
56  Classicamente a doutrina admitia a utilização da cláusula solve et repete para afastar o benefício da exceptio
non adimpleti contractus. No entanto, à luz dos princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva é
cláusula que atualmente é considerada abusiva nos contratos de adesão e nos contratos de consumo uma vez que
autoriza a renúncia prévia a um direito.

capítulo 5 • 133
obrigou, pode a outra recursar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela
satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la” (exceptio
non rite adimpleti contractus – exceção de cumprimento parcial ou defeituoso).

Enunciado nº. 436, V Jornada de Direito Civil: a resolução da relação jurídica


contratual também pode decorrer de inadimplemento antecipado.

Enunciado nº. 436, V Jornada de Direito Civil: a exceção de inseguridade prevista


no art. 477, também pode ser oposta à parte cuja conduta põe manifestamente em
risco a execução do programa contratual.

Resolução por onerosidade excessiva prevista no Código Civil decorre do


princípio contemporâneo da justiça contratual, mitigando o pacta sunt servan-
da e reconhecendo que novos acontecimentos, qualquer que seja sua natureza,
podem influenciar no equilíbrio econômico de contratos comutativos57 e de
execução continuada ou diferida (contratos de duração).
A resolução por inexigibilidade da prestação decorrente da alteração de cir-
cunstância contratual pode decorrer do exercício da cláusula rebus sic stanti-
bus ou da aplicação da teoria da imprevisão (ou da base do negócio).
Determina o art. 478, CC, que “nos contratos de execução continuada ou di-
ferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com
extrema vantagem para outra, em virtude de acontecimentos extraordinários
e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
A resolução do contrato por onerosidade excessiva deve levar em conta a
conjuntura do mercado; as qualidades pessoais das partes contratantes (co-
nhecimento); a extensão das prestações no tempo e a frequência de ocorrência
do fato superveniente. Com isso, para requerer a resolução por onerosidade ex-
cessiva é necessário:
a) que o fato superveniente seja extraordinário (não coberto pelos riscos
do próprio negócio – vide Enunciado nº. 366, I Jornada de Direito Civil);

57  Embora o Código Civil tenha sido omisso quanto à aplicabilidade da onerosidade excessiva aos contratos
aleatórios, Farias e Rosenvald (2015, p. 547) afirmam ser possível a sua aplicação a essas formas contratuais
desde que a alteração das circunstâncias exceda consideravelmente todas as oscilações previstas ao tempo de
formação do contrato. Enunciado n. 439, V Jornada de Direito Civil: é possível a revisão ou a resolução por excessiva
onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento superveniente, extraordinário e imprevisível não se
relacione com a álea assumida no contrato.

134 • capítulo 5
b) que o fato superveniente seja imprevisível. Trata-se de imprevisibilida-
de objetiva, ou seja, fato anormal, conforme dispõe o Enunciado nº. 175, III
Jornada de Direito Civil;
c) que o fato superveniente gere extrema vantagem para uma das par-
tes. Não é necessário demonstrar o empobrecimento de uma das partes, mas
sim, alteração anormal da base do negócio, conforme determina o Enunciado
nº. 365, IV Jornada de Direito Civil.
A onerosidade excessiva, como causa de revisão ou resolução contratual
deve provocar alteração importante das circunstâncias contratuais, causando
injustificado desequilíbrio das prestações que rompe a base do negócio jurídi-
co. Diante deste desequilíbrio, poderá o prejudicado requerer judicialmente a
revisão ou a resolução do negócio jurídico.
O pedido judicial não autoriza à parte requerente cessar os pagamentos ou
recebimentos. Além disso, se o contratante estava em mora quando ocorreu o
evento imprevisível e extraordinário, deverá suportar todos os riscos (funda-
mento na tu quoque58 ).
A resolução por onerosidade excessiva poderá ser evitada se o outro contra-
tante se oferecer para modificar equitativamente as condições do contrato, bus-
cando-se reequilibrá-lo (art. 479, CC). O réu na ação, portanto, pode apresentar
uma espécie de pedido contraposto, requerendo a manutenção do vínculo e a
revisão equitativa da base contratual (vide Enunciado nº. 367, IV Jornada de
Direito Civil). Frise-se: o juiz não pode determinar a revisão ex officio, a revisão
deverá ser requerida pela parte demandada.
Por fim, o art. 480, CC, estende aos contratos unilaterais (gratuitos ou one-
rosos) a onerosidade excessiva. “Aqui, ao contrário do artigo 478, não quer re-
mediar o desequilíbrio superveniente entre duas prestações correspectivas,
mas relacionar a prestação efetuada na celebração do contrato com o sacrifício
que esta exige ao tempo da execução” (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 554). Por
isso, pode o contratante onerado valer-se da modificação contratual para evitar
ou excluir a onerosidade excessiva.

58  A tu quoque é forma de abuso de direito que impede que aquele que violou norma jurídica exercite a situação
jurídica que essa mesma norma lhe atribuiu.

capítulo 5 • 135
Enunciado nº. 365, IV Jornada de Direito Civil: a extrema vantagem do art. 478
deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que
comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva,
independentemente de sua demonstração plena.

Enunciado nº. 366, IV Jornada de Direito Civil: o fato extraordinário e imprevisível


causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente
pelos riscos próprios da contratação.

Enunciado nº. 367, IV Jornada de Direito Civil: em observância ao princípio da


conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por
excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a
parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório.

Enunciado nº. 438, V Jornada de Direito Civil: a revisão do contrato por onerosi-
dade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do
contrato. Nas relações empresariais, observar-se-á a sofisticação dos contratantes e a
alocação de riscos por eles assumidas com o contrato.

Enunciado nº. 175, III Jornada de Direito Civil: a menção à imprevisibilidade e à


extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não
somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às
consequências que ele produz.

Enunciado nº. 176, III Jornada de Direito Civil: em atenção ao princípio da con-
servação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir,
sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.

Resolução por frustração do fim do contrato é hipótese que também de-


corre do reconhecimento da função social dos contratos e que se caracterizará
quando a parte, por fatos alheios à sua esfera de atuação, teve sua pretensão
fática frustrada, não podendo ser lhe imposto o cumprimento do contrato pelo
inesperado desaparecimento da causa do negócio jurídico.
“Imagine-se o caso em que alguém aluga um imóvel para assistir à festa do
carnaval de Salvador, constando essa finalidade no instrumento contratual.
Entretanto, por decisão do governador do Estado, a festa não mais se realizará.

136 • capítulo 5
Nesse caso, o contrato perdeu a sua razão de ser, devendo ser reputado extinto”
(TARTUCE, 2014, p. 233).
É hipótese de impossibilidade relativa do contrato, mas que gera efeitos
resolutórios, não por caracterizar descumprimento do negócio, mas sim, por
resultar de alteração do suporte fático do negócio que acarreta frustração do
fim do contrato59 .

Enunciado nº. 166, III Jornada de Direito Civil: a frustração do fim do contrato, como
hipótese que não se confunde com a impossibilidade da prestação ou com a excessiva
onerosidade, tem guarida no Direito brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil.

Nota-se que de acordo com a nova principiologia contratual, em especial a


função social dos contratos, a extinção contratual deve ser a exceção, sendo a
regra a conservação dos negócios jurídicos. Portanto, ao se falar em revisão con-
tratual não podemos, atualmente, afastar como pressupostos: a) a dignidade
da pessoa humana; b) a razoabilidade (juízo de valor executado pelo intérprete,
na aplicação do princípio da igualdade); c) a proporcionalidade (adequação dos
meios, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Requisitos que
por si só exigem análise ‘in concreto’ e são justificadores da revisão, uma vez
que a comutatividade contratual não pode ser verificada objetivamente vez que
decorre de avaliação subjetiva da parte contratante.

LEITURA
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer; GLITZ, Frederico Eduardo Zenedin. Novo código civil e revi-
são dos contratos. Disponível em: <http://www.fredericoglitz.adv.br/biblioteca_detalhe/74/
novo-codigo-civil-e-revisao-dos-contratos>.
RODRIGUES, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos e seus problemas con-
temporâneos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-fev-02/direito-civil-atual
-revisao-judicial-contratos-problemas-contemporaneos>.

59  “Podemos diferenciá-la da hipótese de impossibilidade. Esta produz a extinção da obrigação por circunstâncias
fáticas (impedimentos materiais) ou legais (como uma expropriação do bem, evitando o cumprimento). A frustração
do fim do contrato, a seu turno, é impossibilidade relativa, pois não representa um impedimento absoluto, mas
uma dificuldade no cumprimento, ainda que ruidosa. Esta peculiar impossibilidade não recai sobre a prestação
propriamente dita, mas sobre o seu fim” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 556).

capítulo 5 • 137
VARGAS, Valmir Antonio; DESCHAMPS, Giovana Nascimento. Direito contratual: das
possibilidades de revisão contratual à dignidade da pessoa humana. Disponível em: < http://
proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/842/662>.

Morte de um dos contratantes


Em regra, o falecimento dos contratantes não extingue o vínculo contratual.
No entanto, tratando-se de contrato personalíssimo (intuitu personae) a morte
de um dos contratantes gera a extinção automática do contrato (cessação con-
tratual) com efeitos ex nunc. É o que ocorre, por exemplo, com a fiança (art. 836,
CC). Morto o fiador, extinta está a garantia, respondendo seus herdeiros pelas
dívidas vencidas até a data da morte e até o limite das forças da herança (prin-
cípio da irredutibilidade do patrimônio dos herdeiros por dívidas do sucedido
– art. 1.792, CC).

ATIVIDADE
Imagine que uma grande construtora de sua cidade está interessada em adquirir um terreno
de sua propriedade a fim de construir nele um grande shopping center. Precisando ainda
realizar estudo documental e estrutural do terreno, mas sabendo que há outros interessados
na área, a construtora lhe oferece a celebração de um contrato preliminar, a fim de que possa
terminar todos os estudos e garantir a futura compra e venda. Terminado o prazo de estudo
preliminarmente estabelecido, a construtora recusa-se a realizar o contrato definitivo, alegan-
do não ter nele mais interesse em virtude do péssimo momento de mercado não só para a
construção civil em geral, mas para o próprio empreendimento que faria. Em sua negativa a
construtora invoca direito de arrependimento previsto expressamente no contrato. Você não
acha justo o motivo da negativa, pois não foram encontrados problemas documentais, bem
como, não houve qualquer oposição de entes públicos com relação ao empreendimento; bem
como no período vigente da opção você deixou de aceitar outras propostas acreditando na
futura realização do contrato definitivo. Você poderia exigir a conclusão do contrato principal?

REFLEXÃO
Na prática contratual há constante e costumeira confusão entre os termos rescisão, resolu-
ção e resilição contratual, usando-se, muitas vezes, como sinônimos. Nesta aula você estu-

138 • capítulo 5
dou a diferença entre os termos, será que você agora é capaz de identificar o uso incorreto
na prática? Escolha um contrato do qual você seja parte (por exemplo, o seu contrato com a
faculdade), identifique as cláusulas de extinção e nelas verifique se os termos foram usados
corretamente ou não.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil. Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 3.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva. v. 3.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Salvador: JusPodivm. v. 4.
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil. Contratos: teoria geral. São Paulo:
Saraiva. Tomo I, v. 4.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva. v. 3.
NADER, Paulo. Curso de direito civil. Contratos. Rio de Janeiro: Gen. v. 3.
PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. Contratos. Rio de Janeiro: Gen. v. 3.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo:
Saraiva. v. 3.
TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. Rio de Janeiro: Gen. v. 3.

GABARITO
Capítulo 1

01. O aluno deve eleger um instrumento contratual, preferencialmente um contrato no qual


seja parte e realizar a análise indicada na atividade.

Capítulo 2

01. A resposta é ampla, mas devem aparecer, no mínimo, os seguintes princípios:


a) As negativas de cobertura injustificadas ferem os seguintes princípios constitucionais:
dignidade da pessoa humana e proteção da vida e da saúde;
b) Os princípios contratuais afrontados nessas situações são: da boa-fé objetiva, uma vez
que a operadora nega o procedimento, mesmo sendo ele de oferecimento obrigatório confor-
me determinado pela ANS; violação o princípio da confiança, uma vez que o usuário ao con-

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tratar o plano de saúde tem legítima expectativa de que quando precisar de procedimentos
cobertos estes lhe serão autorizados (violação da legítima expectativa); afronta ao princípio
da informação, uma vez que a negativa não lhe foi oferecida por escrito e seus motivos não
lhe foram explicados, limitando-se a operadora a informar que não concorda que o usuário
precise do tratamento solicitado pelo médico que lhe acompanha.

Capítulo 3

01. Pode-se afirmar que entre João e Maria houve negociações preliminares por meio de
informações sobre o serviço prestadas pela Internet. A proposta feita por João vincula, e
passará a ser obrigatória se após o aceite de Maria que deve ser imediato e puro e sim-
plesmente. Considera-se obrigatória a proposta após aceita por Maria porque João deverá
cumpri-la em toda sua integralidade (preço, forma de realização do serviço, prazo etc.). Como
a proposta foi realizada entre presentes (online), O contrato reputa-se concluído em Curitiba,
local onde foi proposto (art. 435, CC).

Capítulo 4

01. Trata-se de contrato eletrônico de compra e venda que pode ser classificado como: bila-
teral; oneroso; comutativo; consensual; típico; nominado; de adesão; não solene; não formal;
de execução diferida; impessoal; de troca; definitivo e principal.

Capítulo 5

01. Ajustada cláusula de arrependimento, não é possível exigir a execução específica do


contrato, mas é possível pleitear as respectivas perdas e danos.

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