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O Direito Econômico e o

Direito Empresarial

Peter Walter Ashton*

É propósito deste artigo analisar os Direito Empresarial, convém informar


princípios básicos que informam o o leitor que ao fazer essa análise nós
Direito Econômico bem como o Direito nos inclinamos a utilizar obras jurídicas
Empresarial nele contido. Muitas facul- de autores europeus, particularmente
dades de Direito rebatizaram o antigo alemães, cujas análises nos pareceram
Direito Comercial de Direito Empresa- especialmente claras, analíticas, siste-
rial, mudando e adaptando seus máticas e doutrinariamente muito bem
currículos, sem que tivesse havido uma embasadas. Essa nossa opção até sur-
informação mais detalhada a respeito preendeu a nós mesmos, pois nosso
das importantes diferenças que a nosso mestrado em Direito Empresarial (So-
ver existem, ou melhor, passaram a ciedades por Ações, Mercado de Capi-
existir entre o conteúdo do antigo Direi- tais e Mercado Financeiro, Associações
to Comercial, influenciado pela teoria em geral e Sociedades de Pessoas, além
objetiva (atos de comércio) do Código de instrumentos contratuais societários)
Napoleônico de 1807 e o novo Direito foi cursado e obtido, com defesa de tese,
Empresarial que é lecionado, não so- nos Estados Unidos, portanto num sis-
mente na graduação do curso de Direito, tema jurídico anglo-saxônico e não con-
mas também na pós-graduação de tinental como o alemão. No entanto tudo
Direito, geralmente sob o título Curso o que nós estudamos, há quarenta e
de Especialização de Direito Empresa- cinco anos atrás, por ocasião do nosso
rial, pós-graduação lato sensu. mestrado, era prática e exclusivamente
Antes de adentrarmos numa análise case law com pouquíssima doutrina,
do Direito Econômico, que abrange o predominando sempre a jurisprudência

*Professor titular aposentado, ex-diretor, docente do PPG de Direito da UFRGS.


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dos tribunais superiores americanos que ser I ido por ai unos da graduação e
tinha que ser exaustivamente estudada eventualmente da pós-graduação.
e interpretada. Não era adotado potian- Não são muitos os doutrinadores
to um manual ou curso de Direito Econó- alemães que se dedicaram ao tema do
mico. Ainda em fins da década dos anos Direito Económico. Dentre eles esco-
80 o direito anglo-americano mantinha, lhemos Fritz Rittner que a nosso ver é
doutrinariamente, um nítido distancia- o mais didático e menos abstruso na
mento relativamente à discussão a análise do tema que apresenta no seu
respeito da natureza jurídica do Direito Grande Manual de Ensino do Direito
Económico visto de um ponto-de-vista Econômico, 2 3 ed., publicado pela
sistemático, posição completamente di- Editora C.F. Muller de Heidelberg.
ferenciada relativamente ao direito con- Desde já deixamos claro que apenas
tinental europeu, particularmente o ale- pretendemos levar ao conhecimento dos
mão. É esta razão pela qual nos deci- nossos alunos do passado, presente e
dimos de abordar a temática a partir dos futuro o que é o Direito Económico,
escritos dos juristas alemães, já que como no seu contexto se situa o Direito
didaticamente é relativamente mais fácil Empresarial, disciplina mais vasta e mais
analisar a doutrina alemã a respeito do moderna do que o antigo Direito Co-
tema, do que adentrar, por exemplo, na mercial e já não mais tão privatística,
sistemática do case law americano. mas profundamente influenciada pelo
Outro motivo que nos levou a pes- Direito do Estado, tudo isso pela simples
quisar o direito económico alemão é a razão que tudo que diz respeito à
sua evolução, particularmente interes- Economia de um país interessa muito
sante, pois passou por vários estágios, de perto ao Estado pelos mais diversos
como veremos mais adiante no texto, motivos, como veremos mais adiante.
beirando no início do século 20, um Portanto, quando se estuda qualquer
talvez catastrófico mergulho, no comu- uma das disciplinas do Direito Empre-
nismo, com uma economia totalmente sarial, sempre deve se levar em conta,
planejada e com exclusão da proprie- mesmo que isso pareça um incómodo,
dade privada, para, a partir de 1949, a presença do Estado.
decolar com Ludwig Erhard para uma Por termos optado pela leitura da obra
economia de mercado com responsabi- de Rittner, é evidente que boa parte do
1idade social, situação que perdura até que passaremos a expor é daquele autor,
a atu ai idade. já que, declaradamente, passamos a
Isto posto, passamos a eleger, entre absorver e reproduzir os pensamentos e
os vários doutrinadores de Direito Eco- as afirmativas, daquele doutrinador ale-
nómico alemães, aquele que nos pare- mão. Por isso, não temos a pretensão de
ceu mais objetivo e mais indicado para sermos originais, mas apenas a transmitir
o propósito deste artigo, que afinal de ao leitor, de forma resumida, entre outras,
contas se destina, principalmente para as Iições do professor Rittner.
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SURGIMENTO E EVOLUÇÃO res. O abandono do "estado de apadri-


DO DIREITO ECONÔMICO NA nhamento social principesco" do século
ALEMANHA 18, que fora sugerido principalmente por
Kant foi definitivo, muito embora nem
Indagações a respeito de um "mo- todos os ensinamentos de Kant em
derno Direito Econômico" iniciam na matéria de "Prática do Estado" e "Teoria
Alemanha no albor do século 20. No do Estado" tivessem sido seguidos.
entanto, até hoje, inexiste uma resposta A indústria alemã que no decorrer
aceita pela generalidade da doutrina. da segunda metade do século 19 ga-
Daí, convém, primeiramente examinar nhou cada vez mais importância, criara
a evolução histórica do direito econô- problemas jurídicos para os quais o
mico, para, somente, após, formular a Direito da época, o legislador de então
pergunta jurídico-sistemática sobre a e os juízes não tinham nem respostas
configuração do mesmo. nem soluções.
O sistema jurídico alemão que Tal estado de coisas forçou o estado
provinha do século 19, desconhecia o alemão, nos anos oitenta do século 19 a
Direito Econômico. Todo direito estava voltar a interferir com mais força na
contido em duas grandes áreas: o Direi- economia, tanto do ponto de vista legis-
to Privado e o Direito Público. Ambos lativo quanto do ponto de vista de ati-
os ramos tinham-se desenvolvido enor- vidade empresarial própria, do estado.
memente e produzido institutos que até Estas interferências do estado alemão
hoje permanecem. No Direito Privado na economia, foram muitas e de natu-
as grandes codificações fundamentadas rezas diversas, mas ainda não baseadas
no direito das pandectas, e no Direito em uma idéia pré-concebida, que pu-
Público, partes significativas do Direito desse ou devesse tomar o lugar do libe-
Constitucional e Administrativo já per- ralismo econômico então vigente.
tencentes a um Estado de Direito. A vida A ciência jurídica alemã teve difi-
econômica, no século 19, mudara extra- culdades para enquadrar, sistematica-
ordinariamente, no entanto. estas modi- mente. as novas formulações econô-
ficações não se refletiram na sistemá- mico-juríd'icas. O sistema jurídico tra-
tica jurídica. Ocorre que o "labutar na dicional tinha alcançado, na mente dos
economia" (Das Wirtschaften) era prer- cidadãos do século 19, uma caracterís-
rogativa do indivíduo e portanto regulava- tica atemporal, algo perfeito e acabado.
se segundo normas do Direito Privado. Tudo que não se adaptasse à tradição
O Estado não se interessava muito '"pelo da ciência jurídica de então, era consi-
labutar na economia" e, desde que intro- derado de caráter apenas transitório,
duzira, em 1869, para a Liga Alemã do fenômeno de manifestação apenas
Norte a liberdade profissional, apenas momentânea e portanto passageiro.
tratava de assuntos econômicos em Que este posicionamento não era
decorrência de razões policiais e milita- sustentável e suficiente, foi reconhecido,
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como um dos primeiros doutrinadores administração estatal da economia


da área, por Heinrich Lehmann. Em alemã, abrangendo todos os bens, ins-
artigo comemorativo para Zitelman tituindo o controle dos preços. a criação
( 1913) lançou as "Linhas Básicas para de grande número de autoridades e
um Direito Industrial Alemão". Foco organizações tais como sociedades por
central da obra era a "empresa ações de guerra, sindicatos coativos,
industrial". Todavia o seu enfoque era etc., além de baixar normas penais que
mais sócio-econômico do que deveriam dar ao todo certa segurança.
considerar o fenômeno como uma A essa primeira tentativa de criar uma
grandeza jurídico-sistemática. Portanto direção central da economia alemã
o seu "Direito Industrial" ainda não é (dirigismo centralizado) faltava ainda
direito econômico e por isso ainda se uma conceituação, pois tudo era con-
situa fora dos contornos do sistema (de siderado- medida de emergência tran-
direito econômico) atual. A obra de sitória. Conseqüência disso foi o surgi-
Lehmann apenas sistematiza as novas mento de um labirinto de organizações
normas (matériajurídico-econômiça) e criadas e dirigidas pelo Estado. O mar-
os novos problemas jurídicos da empresa co final dessa situação, foi a adminis-
industrial, além de fornecer um conceito tração estatal total de uma penúria total
firme da nova área. de recursos. A propriedade privada e
com ela a ordem jurídica privada, foram
O DIREITO ECONÔMICO DE de tal forma sobrepostas por uma "or-
GUERRA- 1914-1918 dem coativa de distribuição", a ponto
de apenas restar o que pode ser cha-
O Direito Econômico que surgiu mado de propriedade comum.
durante a Primeira Guerra mundial Neste estágio de emergência em
passou a questionar o sistema jurídico decorrência da guerra, o Estado alemão
tradicional de um ponto de vista dife- tinha assumido a responsabilidade pela
rente. O estado passou a interferir pro- economia e ainda a obrigação de abas-
fundamente nos processos econômicos tecer suficientemente seus cidadãos
e nas empresas, com medidas mais ou com bens escassos. Ocorreu então na
menos planificadas, a ponto de passar população alemã uma mudança quanto
a administrar os recursos nacionais ale- à percepção da consciência jurídica.
mães praticamente sozinho. Outra conseqüência do direito econô-
''LeiAutorizadora'' (Ermachtigung5gesetz) mico de guerra, foi a constatação, a
de 04/08/1914 outorgou ao Conselho experiência, que uma direção central da
Federal um poder de legislar prati- economia coloca problemas extrema-
camente sem limites.Com base nesta mente difíceis senão insolúveis. Por isso
lei, passaram a ser outorgadas todas as o programa pós-guerra do desmonte
resoluções e regulamentos ou comuni- dos instrumentos coativos da economia
cados da época que criavam uma total foi apoiado praticamente por todos.
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Todavia a responsabilidade pela moeda básicos da Justiça com a finalidade de


ficou sendo definitivamente do Estado. garantir para todos uma existência digna
A economia livre mundial e a vali- para um ser humano. Dentro destes
dade internacional do ouro, tiveram que limites deve ser garantida a liberdade
ceder seu lugar às políticas cambiais e económica de cada cidadão."
económicas dos estados individuais sem Com este mandamento constitucio-
que houvesse qualquer perspectiva de nal, o Estado alemão tinha assumido
um sistema alternativo. uma responsabilidade abrangente para
Estas profundas mudanças na eco- um correto ordenamento da vida econó-
nomia mundial e de cada estado forç- mica. Algumas linhas básicas deste
aram definitivamente que a ciência do correto ordenamento encontravam-se
direito passasse a confrontar-se de lançadas na Constituição de Weimar,
uma vez por todas com a questão do embora -de caráter um tanto contradi-
direito económico. tório e certamente não como modelo fe-
A matéria jurídica nova que desde chado. A reintrodução da propriedade
o início da Guerra Mundial de 1914 fora privada e com isso a reafirmação da
ordem j us-privatística, como existiam
produzida, era tão vasta que pratica-
antes de 1914 era provavelmente pre-
mente não podia ser abrangida. Somen-
vista pela Constituição de Weimar lendo-
te a tarefa de sistematização já era uma
se a frase programática acima reprodu-
tarefa hercúlea. Alguns autores da épo-
zida. Mas havia dúvidas e discussões a
ca (Kahn, Nussbaum, Heymann) acei-
respeito do grau de importância que a
taram o desafio da sistematização des-
propriedade privada e a ordem jus-
sas novas normas, mas também nas
privatística deveriam ocupar. Ocorre
suas obras ficava patente que o novo
que tanto a socialização quanto a eco-
direito industrial ou empresarial alemão
nomia em comum e a democracia eco-
ou o novo direito económico alemão era nómica eram idéias que também apela-
um corpo estranho em relação ao siste- vam para a mesma constituição.
ma ou ordem jurídica tradicional. Os planos de socialização que após
a revoluçã<? de 1918 passavam a ter um
A REPÚBLICA DE WEIMAR forte peso político, sem dúvida enfra-
queceram e se retraíram cedendo lugar
Sobrevém a Constituição do Império a empreendimentos de natureza de eco-
de Weimar que na parte dos direitos nomia comum (Gemeinwirtschaftliche
fundamentais (2 3 parte principal, seção Vorhaben ). Mas também esses so-
5) contém o título "A vida económica" mente foram implantados na exploração
(Arts. 151-165). do carvão e do carbonato de potássio,
O título inicia com as seguintes sendo que ambos os ramos/atividades
frases programáticas: económicas passaram às mãos de
"O ordenamento da vida econó- sindicatos coativos (Constituição de
mica deve corresponder aos princípios Weimar art. 156, alínea 2).
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O Conselho Econômico do Império, do tinha assumido, exigiam enormes


da Constituição de Weimar, não teve recursos. A tudo isso acresciam as exi-
muito sucesso. Iniciou provisoriamente gências de reparações (dos países ven-
suas funções em 1920 e teve a sua cedores da 1a Guerra Mundial) e outras
última sessão plenária em 29.06.1923. conseqüências/compromissos monetá-
Efeitos muito maiores e mais dura- rios derivados da Guerra. O Reich criou
douros, derivaram do novo ordena- por isso para si uma "Administração das
mento do direito do trabalho. Em 1918 Finanças do Reich" e uma Lei Regu-
foi introduzida a regulamentação a ladora das Obrigações Fiscais ( 1919).
respeito do contrato tarifário, que fez Criou ainda, um sistema tributário pró-
surgir a introdução da sistemática dos prio que resultou definitivamente no ano
contratos tarifários no mesmo ano, bem de 1925 nas Leis Tributárias do Reich.
como a implantação dos Conselhos A conseqüência de direito econômico
empresariais, por força da lei de mesmo de tudo isso foi que a participação do
nome do ano de 1920. Estado no produto social aumentou
Estas medidas não apenas preser- significativamente causando ainda uma
varam as condições básicas de uma significativa influência do Estado sobre
economia Iivre, mas foram complemen- todos os processos econômicos.
tadas de forma especialmente im- Também para a empresa individual
portante do ponto de vista do direito o peso dos impostos, a carga tributária,
econômico, pela Lei "contra o mau uso passou a assumir uma importância
do poder econômico" ou "Abuso de respeitável, influenciando as possibili-
uma posição de dominação econômica", dades de comportamento da empresa,
lei essa de 02.11.1923. o que possibilitou a contrario sensu ao
O diploma legal foi promulgado pelo Estado, dirigir de certo modo a postura
governo do Reich, na fase final, cheia das empresas através do conjunto das
de crises, do processo inflacionário, leis tributárias. O ministro das Finanças
tendo sido considerado uma lei de emer- do Reich passou a ser conhecido como
gência destinada a afastar manifesta- o ministro da socialização.
ções econômicas doentias que entrava- O primeiro teste dos instrumentos
vam a livre concorrência. Os cartéis estatais de direção da economia aletnã,
todavia não foram proibidos, mas postos então existentes, ocorreu durante o
sob a supervisão do Ministro da Econo- desenrolar da crise econômica mundial
mia do Reich, bem como do Tribunal do ano de 1930. O direito emergencial
dos Cartéis. já existente, com base no artigo 48 da
Muito mais influentes sobre a eco- Constituição da República de Weimar
nomia alemã que as medidas legais (VWR) possibilitou uma expansão
mencionadas, foram as tremendas legal adicional com o fito de controlar o
exigências financeiras do Estado. As crédito. Surge então o controle de
grandes obrigações/tarefas que o Esta- crédito em 1931.
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Durante a curta duração da Repú- de mercado para determinados setores


blica de Weimar não se formou na Ale- da economia.
manha um direito econômico razoavel- A partir do ano de 1934 o ministro
mente autônomo. As "teorias de con- da Economia do Reich recebeu poderes
junto" formuladas por Kahn, Nussbaum de coação em relação às federações
e Heymann perderam importância. econômicas: tinha poderes para criá-las,
Novas interpretações do direito econô- dissolvê-las, preservá-las, alterar os seus
mico eram de cunho jurídico-teórico, estatutos, nomear e demitir os Führer
metodológico, ou jurídico-político, não (dirigentes) e outros poderes mais.
tão sistemáticas, que lhes rendem o Também para a agropecuária foram
rótulo "teorias de visão mundial". Re- baixados regulamentos similares às
sultou, que no fim da RW a questão de vezes mais abrangentes ainda.
uma definição global do Direito Eco- A economia alemã passou a ser
nômico continuava aberta, embora já dirigida com os pré-citados instrumentos
mais tempo existissem institutos e pro- e outros mais, além de ser introduzido
fessorados que tratassem da matéria, um duro controle de divisas (moedas
além do que o direito econômico já era estrangeiras) o que passou a criar
área de formulação de provas em muitos uma economia fechada, alheia aos mer-
estados alemães. Além disso a associa- cados estrangeiros. A economia como
ção de juristas alemães (Deutscher um todo, passou a ser programada para
Juristentag), fundada em 1921 ,já tinha o rearmamento.
um departamento dedicado ao Direito Para coibir aumentos de preço que
Econômico e ao Direito Tributário. surgiam apesar do dirigismo estatal,
introduziu-se em 1936 uma proibição
A ÉPOCA DO NACIONAL- geral de aumento de salários. As idéias
SOCIALISMO E A SEGUNDA de uma economia popular dirigida
GUERRA MUNDIAL conforme planos estabelecidos e con-
trolados pela sociedade, que já tinha sido
O regime nacional-socialista (nazis- cogitada na Constituição de Weimar
ta) subjugou com rapidez surpreendente, transform'aram-se em uma idéia da
bem como com atos conseqüentes o formação de uma economia em comum
direito econômico, submetendo-o à sua popular que se inspirava no programa
direção ditatorial. Já em data de 15 de de Fichte que falava de um "Estado
julho de 1933 foi publicada a Lei da Mercantil Fechado", idéia que datava
Cartelização Forçada, que outorgou de 1800.
ao ministro da Economia do Reich po- Com a eclosão da Guerra (1939)
deres amplíssimos de interferência na passou a ser ordenada uma administra-
economia. Em pouco tempo este minis- ção econômica dos bens necessários à
tério, fazendo uso dos poderes ou- vida do cidadão e dos bens importantes
torgados, formulou ordens regulatórias para o esforço de guerra que com o
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tempo todavia se espraiou qual vez as bases do sistema jurídico tra-


avalanche por todos os setores da dicional eram questionadas. Principal-
economia como já acontecera durante mente o direito privado, no que tange à
a 1a Guerra Mundial. Na medida em que sua substância, era ameaçado. Para
o Estado alemão, distribuidor de bens, defendê-lo e juntamente com estas
passou a dominar todos os setores da medidas de defesa, defender também
economia sempre utilizando os a liberdade do indivíduo de formatar a
instrumentos de dirigismo criados em sua autonomia privada, era necessário
1933 e cada vez mais aperfeiçoados, o conceituá-lo com muito mais precisão,
Estado se tornava cada vez mais do que até então fora feito, no contexto
incapaz de resolver o problema a de toda ordem jurídica. No entanto, da-
respeito dos padrões de distribuição a das as circunstâncias, as questões fun-
serem utilizados. Já que o "Princípio da damentais permaneciam controvertidas,
quota por cabeça", da abso Iuta o que teve como conseqüência que a
igualdade, não funcionara durante a I a sistematização não conseguiu passar de
Guerra Mundial e se mostrara injusto, uma mera composição jus-positiva.
passaram a ser uti Iizados padrões de
distribuição diversificados, tais como: OS PRIMEIROS ANOS PÓS-
fatores de necessidade pessoal, GUERRA
valoração com base em méritos por
serviços prestados para a comunidade Finda a guerra, o poder estatal da
ou então padrões de valoração política Alemanha foi dissolvido. No entanto as
e social, além de outros. Mas nenhum medidas (nazistas) de controle da
desses padrões e também nenhuma economia foram mantidas e até mesmo
combinação de padrões se revelava agravadas, em virtude do aumento da
satisfatório. Sobrecarregada a escassez de tudo, em decorrência do
distribuição direta, a burocracia estatal arbítrio das autoridades das forças de
passou a ser excessivamente solicitada, ocupação e dos chefes alemães locais
o que, como já acontecera antes, mantidos no poder.
também sobrecarregou o legislador eis O ordenamento estatal alemão
que este constatou ser incapaz de futuro era incerto quanto mais a ordem
encontrar princípios básicos corretos de econômica. Os aliados passaram adis-
distribuição de bens à população. solver e liquidar a organização nazista
Os ataques do nacional-socialismo da economia que ainda existia ao menos
ao sistema jurídico tradicional e às formalmente. Tais medidas correspon-
concepções até então elaboradas do diam ao que fora pactuado em Potsdam
direito econômico, avivaram na a 02 de agosto de 1945, acordo que na
Alemanha a discussão científica sobre sua parte II, art. 12 estabelecia:
o direito econômico, inclusive tornando- "No espaço de tempo mais curto
a mais precisa e focada. Pela primeira possível a vida econômica alemã deverá
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ser descentrai izada, com o objetivo de A virada de orientação, que trouxe


destruir a excessiva concentração do um ideário de princípios de direito eco-
poder econômico, representada especial- nômico completamente diferente, ocor-
mente por cartéis, sindicatos, trustes e re, quando na área econômica composta
outras formas de união monopolística". pelas zonas de ocupação inglesa e ame-
Com base neste programa, parte ricana, passou a ser possível desenvol-
substancial das instalações industriais ver uma política econômica própria,
alemãs foram desmontadas. Alguns alemã.Em 1948, Ludwig Erhard, como
ramos da economia: mineração, a in- diretor da administração alemã da
dústria do ferro e do aço, a Ig Farben, economia, resolveu adotar e introduzir
os grandes bancos e a UFA (cinema) uma política econômica de livre mer-
foram expropriados, para serem mais cado. No dia seguinte à reforma mone-
tarde segmentados ou liquidados. A li- tária (20 de junho de 1948), Erhard
berdade de exercer uma profissão foi anunciou, contra a vontade das forças
reintroduzida com ênfase especial na de ocupação, o levantamento paulatino
zona de ocupação americana. da economia forçada. A Lei sobre os
Uma regulamentação geral primeira, princípios norteadores do desempenho
que mais tarde se converteria no novo da economia alemã e da política de
direito alemão, em um dos normativos preços, passou a formular a futura po-
mais importantes, era a que proibia as
lítica econômica alemã, que pouco tem-
limitações da livre concorrência. Era a
po depois passou a ser chamada de
Lei no 78 e Regulamento n° 56 das
política livre de mercado e social. O
autoridades americanas e britânicas que
sucesso desta decisão, que perdura até
dispunham sobre: Prohibition of
hoje, baseia-se na vivência e expe-
Excessive Concentration of German
riência da população alemã do mau uso
Economic Power.
da força estatal e da necessidade de
A discussão a respeito da economia
impor limites a este poder estatal, bem
alemã, entre os alemães daquele tempo
como, do desejo de formular e moldar,
(1946/1947) vinculava-se aos tempos da
por iniciativa própria, a sua vida e a vida
Constitui,ção da República de Weimar
comunitária, sem olvidar, com certeza,
e a grande maioria dos cientistas, juristas
e economistas via nos programas as responsabilidades sociais.
daquela constituição, que nunca foram Por estes motivos a política econô-
aplicados, programas tais como: mica de Erhard teve uma influência
socialização, economia comunitária, indicadora de rumo no início da Repú-
democracia econômica, planejamento blica Federal Alemã, muito embora os
estatal e direcionamento central da partidos políticos daquela época, tives-
economia, marcos indicadores de cami- sem, em parte, dificuldade em abandonar
nhos futuros. A prova desta orientação as idéias de uma economia comunitária
encontra-se na redação de algumas ou de trilhar uma terceira via entre a
antigas constituições estaduais. economia de mercado e o socialismo.
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A EVOLUÇÃO DO DIREITO alemão. Esta lei se a pi ica apenas


ECONÔMICO NA ALEMANHA parcialmente a amplos setores da eco-
A PARTIR DE 1949 nomia alemã, no entanto, mesmo assim,
teve o efeito de encaminhar toda eco-
Após curto período de duração, a nomia para a livre concorrência. Muito
República Federal da Alemanha desen- embora a livre iniciativa voltasse a
volveu uma ordemjurídico-econômica desempenhar papel importante na
bastante estável e capaz de atuar, aceita economia alemã, a parcela da
pela maioria da população alemã. participação estatal no produto interno
A ordem não é nem estática nem bruto (PIB) continuou sendo signifi-
doutrinária, pois permite à formatação cativa e em virtude disso permaneceu
(Gestaltung) político-econômica amplo forte a influência do Estado e das
espaço, espaço esse que durante anos corporaÇões regionais sobre toda
não utilizou nem precisou utilizar. Embo- economia alemã, inclusive influenciando
ra a Constituição Alemã claramente o comportamento tanto dos empresários
deixou de fixar regras básicas para o quanto dos consumidores.
Direito Econômico, não há dúvida que Para regulamentar os efeitos da
fixou limites marcantes: através da pro- política financeira sobre todo desen-
teção do indivíduo e das suas possibi- volvimento econômico, e para imple-
lidades de desenvolvimento frente ao mentar, além disso, uma otimização
Estado, além da clara adoção de um deste desenvolvimento, promulgou-se
Estado de Direito com cunho social. em 08 de julho de 1967 a "Lei para a
A ordem econômica da República Incentivação da Estabilidade e do
Federal da Alemanha redescobriu a Crescimento da Economia", alterando-
propriedade privada e a autonomia se através de emendas a Constituição
privada sem descurar dos deveres de Alemã para assim criar as bases
um estado social. Uma expansão do constitucionais para estas medidas.
direito do trabalho e da legislação social, De acordo com estas novas regras,
nivelou fortemente as diferenças de tanto a federação quanto os Estados
classes, que já tinham diminuído no alemães, têrrt a obrigação de elaborar e
tempo do nacional-socialismo e durante enquadrar suas medidas/~eis de natu-
a Guerra. Sindicatos com lideranças reza econômica e político-financeira de
fortes e conscientes da sua responsabili- tal maneira que dentro do arcabouço
dade política contribuíram significativa- geral da "Ordem Econômica de
mente para a eliminação das diferenças Mercado" contribuem à (1) estabilidade
de classes. dos preços a uma (2) alta quota de
No ano de 19:r7, o Governo Alemão postos de trabalho (empregos) a um (3)
editou a "Lei contra Limitações da Livre equilíbrio da economia em relação ao
Concorrência", considerada uma legis- exterior sempre colaborando no sentido
lação nuclear do novo direito econômico de um ( 4) crescimento sustentável da
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economia alemã. Este quadrado mágico sociais nas organizações/agências fede-


determina, portanto, a política econô- rais, estaduais e regionais, igualmente
mica dos governos federais alemães, com representação paritária, conselhos
independentemente da sua composição estes que deveriam colaborar com a
político-partidária. elaboração de legislação, com o governo
Uma discussão jurídico-política propriamente dito e com a adminis-
sobre questões fundamentais do direito tração pública. Como estas propostas/
econômico alemão, apenas iniciou no exigências tocavam nos limites estabe-
fim da década dos anos 60, embora a lecidos pela constituição alemã, em
legislação existente fosse atualizada e parte até ultrapassando os mesmos,
expandida. Assim por exemplo: as refor- recomeçou a discussão a respeito das
mas dos anos 65, 73, 76 e 80 da Lei possibilidades de formatação do
contra restrições à livre concorrência, legislador comum (não constitucional)
e também da lei concernente ao estatuto em relação ao direito econômico.
das empresas (Betriebsverfassung),
reformada em 1972. Todavia o estatuto O DESENVOLVIMENTO DO
geral das empresas, até então existente
DIREITO ECONÔMICO
( Unternehmensverfassung), foi posto
INTERNACIONAL E SUPRA-
em dúvida, ao menos em relação às
NACIONAL
grandes empresas e às macro empre-
sas. Passou a exigir-se um estatuto
Para a Alemanha, a abertura das
diferenciado para estas empresas, um
fronteiras para o mundo, foi igualmente
estatuto pluralístico para os encarrega-
importante quanto à legislação interna
dos/responsáveis pela macroempresa:
de direito econômico. Há uma estreita
(Unternehmenstrager). Estes esforços
conexão com o desenvolvimento do
de reforma culminaram na lei da Co-
gestão (!vfitbestimmungsgesetz) de 04 direito econômico internacional, durante
de maio de 1974 aplicável a todas as os primeiros anos após a Segunda
empresas (exceto sociedade em coman- Guerra mundial. Os Estados Unidos da
dita. KG, sociedade aberta. OHG e América do Norte tinham tomado a
algumas poucas outras sociedades) com iniciativa' para a organização de uma
mais de 2000 empregados e que ordem econômica mundial, que deveria
determina uma composição paritária do incentivar e possibilitar, a nível mundial,
Conselho Fiscal, com representantes a livre concorrência na compra e venda
dos empregados e acionistas ou sócios de mercadorias, de serviços e de capi-
da empresa, mas que deixa a tais . As experiências negativas, então
responsabilidade final com os acionistas ainda recentes, com o fenômeno de es-
ou sócios dando ao presidente do tados nacionais, econômica e politica-
Conselho Fiscal um segundo voto. mente isolados, apoiavam os esforços
Além disso, passou a exigir-se a dos Estados Unidos, além, da sua
instalação de conselhos econômicos e política anti-trust tradicional. Os esfor-
168 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

ços americanos resultaram na Carta de pode se desenvolver sem limitações,


Havana de 1948, que estava destinada enfrenta naturais dificuldades pois tem
a ser a lei fundamental do comércio que lidar com valorações e regulamen-
mundial. No entanto, embora este docu- tações econômicas muito diferentes, em
mento jamais entrasse em vigor, o seu virtude das significativas diferenças e
conteúdo principal i. e. a obrigação dos peculiaridades existentes nos diversos
estados de não introduzir e obstar práti- países-membros. O processo de inte-
cas comerciais limitadoras, teve um gração das diferentes economias euro-
efeito duradouro para os países euro- péias progride portanto na medida em
peus que eram apoiados à época pelo que os direitos econômicos dos países-
Tratado do Plano Marshall (1948). O membros se fundamentam nos princí-
direito econômico antes limitado e pios e valorações de uma economta
concentrado numa visão acanhada da de mercàdo.
economia do próprio povo, expandiu-se,
no sentido de tornar-se um direito eco- A DISCUSSÃO CIENTÍFICA A
nômico mundial ou um direito econô- RESPEITO DA DEFINIÇÃO DO
mico internacional. Este processo· de
DIREITO ECONÔMICO NA
expansão passou a ser, inicialmente,
ALEMANHA
uma tarefa política.
Um caminho alternativo para supe-
Após a Segunda Guerra mundial
rar os limites de uma economia nacional,
houve durante um longo tempo um certo
foi também encontrado nos anos que
descaso quanto ao questionamento
se seguiram à Segunda Guerra mundial:
sistemático do direito econômico na
trata-se da formação e constituição de
Alemanha, muito embora a matéria
comunidades econômicas supra-nacio-
continuasse sendo objeto de provas,
nais. A Comunidade Européia do Carvão
testes e disciplina de ensino. Outros
e do Aço (denominada Montanunion)
ramos do direito passaram a ser foca-
que data do ano de 1951 fundada por
seis estados europeus, foi a primeira. lizados com mais intensidade. Assim o
Seguiram-se a Comunidade Econômica direito econômico administrativo e o
Européia e a Comunidade Européia direito ecollômico constitucional. O
Atomar. As três comunidades fusio- primeiro foi detidamente analisado por
naram em 1965 os seus órgãos execu- E. R. Huber em 1954 e o segundo em
tivos. Em 1972 ingressaram mais três 1958 por Ballerstedt e Hamann.
países (9) e em 1975 mais três ( 12), Apenas em 1963 apareceu a pri-
passando a contar com 12 países. Hoje meira análise sistemática do direito
já conta com 25_países. econômico alemão escrita por Gerd
A tarefa da Comunidade Européia Rinck (5 3 edição 1977). Rinck define o
de criar um espaço econômico de gran- direito econômico como:
de abrangência, no qual a livre "'O direito do direcionamento da
concorrência (economia de mercado) economia" ( Wirtschaftslenkung).
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 169

Ou então com mais detalhe: Até 1987 os países da área do direito


O sistema de leis e medidas anglo-arnericano foram reticentes
estatais destinado a dirigi!~ incentivar quanto à discussão do direito econômico
ou limitar a atividade pr~fissional de uma maneira sistemática.
empresarial. Enquanto os esforços dos países do
Outros autores também elaboraram ocidente se concentram em superar as
novos conceitos sistemáticos. Assim idéias jurídico-sistemáticas do século 19
por exemplo: e de se acoplar ao desenvolvimento do
direito dos dias atuais e do futuro, os
Schwark 1986 países da Europa Oriental, principal-
Rittner Fritz Staatslexikon 1965 mente a Rússia, ainda se debatem com
Walter Schmidt Rimpler a quest~o de dar ou não dar à empresa
liberdades de uma economia de merca-
HDSW 1965
do. Continua forte na Rússia a "Escola
Rauschenbach, Gerhard 1965 de Direito Econômico Administrativo"
Koppensteiner 1973 que vê as empresas como parte do
l\t1ertens, Hans Joachim 1976 aparelho administrativo do Estado. Esta
Rei c h 1977 problemática tem alto significado
político e a tendência do Presidente
Ch. J. l\1eier 1982
Russo Putin é de dar razão a esta escola
G. Erler 1956 diminuindo assim as chances de se
(Problemas básicos do direito eco- estabelecer na Rússia uma verdadeira
nômico internacional) economia de mercado.
Quanto à definição de direito eco-
A obra de Wolfgang Fikentscher nômico, especialmente seu relaciona-
( 1983) esforça-se a aglutinar o direito mento a outros ramos ou áreas do
econômico alemão com o direito direito, como já dito anteriormente, não
econômico internacional e europeu num há um consenso. Alguns pesquisadores
só sistema . Já o manual de Winfried se resignar:n e apenas aceitam como
Tilmann ( 1986) vê o direito econômico sendo possível uma interpretação aberta
menos como "direito" e mais como um do direito econômico, renunciando a
"ramo da ciência". uma delimitação normativa. Assim Chr.
Do ponto de vista internacional ou- 1. Meier, ( 1982). Contrário a este
tros autores têm contribuído à discussão. posicionamento, o prof. Fikentscher
Autores japoneses, sul-coreanos e propõe a seguinte definição que, no
países de vinculação românica (Itália, entanto, é muito complexa:
França, Espanha) têm contribuído
significativamente à pesquisa e análise direito económico é aquele conjunto
do direito econômico. Neste sentido de normas importantes do ponto de
consultar Schluep ( 1968). vista do direito, que regula a liberdade
170 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

do câmbio de acréscimos/poupança e O DIREITO ECONÔMICO


da inclusão/destinação de bens COMO UM CONCEITO
económicos, através de princípios SISTEMÁTICO.
gerais e fundamentais, bem como por O DESENVOLVIMENTO DO
meio de intervenções globais ou espe- CONCEITO. A TAREFA DA
ciais, afim de garantir aos "cidadãos
SISTEMÁTICA DO DIREITO
económicos" uma auto-determinação
equilibrada, bem como um abasteci-
mento satisfatório, segundo os padrões Sistematizar significa ordenar,
de justiça económica e dentro dos membrar, compor. Os princípios da siste-
parâmetros de uma constituição matização devem corresponder, objeti-
económica pré-estabelecida. vamente, ao material que se propõe
sistematizar. Considerando que o Di-
Esta definição tenta, sem dúvida, reito, segundo a sua natureza sui ge-
uma sistematização jurídica, mas alarga- neris se compõe de normas manda-
se para uma visão problemática com mentais (Sollenssatzen) ou impera-
acentos programáticos, pouco contri- tivas, as conexões entre as diversas
buindo, por isso, a uma fixação de normas e conseqüentemente também os
limites do direito econômico em relação princípios de sistematização devem ser
a outras áreas do direito. apenas de qualidade mandamental,
devem portanto situar-se no normativo.
Que esta tentativa de definição do
Isto vale, de qualquer forma, para
D.E., bem como outras, pouco satisfa-
a sistemática jurídico-científica. A
çam, tem a sua razão de ser em que
prática do direito, todavia, não fica
nenhuma delas caracteriza exatamente
impedida de procurar proposições
a tarefa e função da sistemática jurídica.
próprias, de natureza prática e de
As definições apresentadas olvi-
membrar, organizar o direito em áreas
dam de um lado que não existe uma
de vivência (Lebensgebieten) ou em
sistemática do direito supra-temporal,
sub-sistemas sociais como por exem-
quer dizer, toda categoria jurídico- plo "O direito do comerciante indivi-
sistemática é condicionada historica- dual", o "direito do odontólogo/dentis-
mente e é mutável, tanto quanto o ta" ou o "direito da agronomia".
direito que se procura sistematizar. Por O que estabelece a conexão entre
outro lado., não se dão conta os autores as normas individuais e os diversos
que é impossível dividir as normas institutos, são as valorações específicas,
jurídicas - mesmo as de uma única os princípios e os raciocínios de que
ordem jurídica - em um sistema bi- aquilo que se está fazendo está certo/
dimensional, quer dizer, segundo correto (Richtigke itsgedanken ).
os princípios básicos da divisio Assim por exemplo encontramos
(differentia specifica, genus proxi- como princípio global de conexão de
mum) mas sim que a tarefa exige um todo direito privado, o princípio da
pensar sistemático multi-dimensional. Autonomia Privada.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 171

Tudodecorre (no Direito Privado) da Constituição do Império de


do princípio básico que os indivíduos Weimar \VRV.
devem formatar, construir, as suas A I i encontramos a seguinte
relações jurídicas eles próprios. normatização:
Em uma ordem jurídica relativa-
mente complexa/complicada, existe um O Estado tem a responsabilidade de
grande número de tais valorações e garantir que a vida económica (na
princípios básicos que além disso tem Alemanha) corresponda aos prin-
cípios de justiça, especialmente à ga-
significados diferenciados e que com o
rantia de uma existência (humana)
passar do tempo se modificam nas suas digna para todos (os cidadãos).
relações e significados.
Por isso, não é possível representar Tal enunciado, segundo Rittner não
o sistema do direito de acordo com ou significa em absoluto que o estado tem
dentro de um sistema de mera a obrigação de implementar estes obje-
coordenação que se contenta com duas tivos e valorações ele próprio, direta-
ou três dimensões. mente, ou através de atos legislativos,
As múltiplas e importantes valo- leis, atos administrativos, isto é, sobera-
rações, princípios e raciocínios no sen- namente. Muito pelo contrário, a Consti-
tido do correto que se manifestam em tuição do Império de Weimar (WRV)
um moderno sistema jurídico, se relacio- já nos artigos seguintes ao 151, utiliza-
nam de forma tão complexa que não é se dos principais elementos da auto-
possível representá-los graficamente nomia privada-liberdade de contratar,
pois somente podem ser pensados. propriedade, direito de suceder, para
Para simplificar o raciocínio e a apre- integrá-los no processo de obtenção das
sentação limitamo-nos, no processo de citadas garantias estatais.
sistematização a algumas poucas valo- Tal posicionamento de um lado já
rações que são especialmente importan- previne a tentação do estado moderno
tes para as tarefas concretas de siste- de arrebanhar para si um excesso de
matização. Por isso o verdadeiro pro- competências soberanas. De outra par-
blema é a escolha dessas valorações, te os citados artigos da WRV integram
considerando que a ordem jurídica os mencionados institutos do direito
muda constantemente. privado no conjunto normativo relacio-
nado da ordem económica global.
O RACIOCÍNIO DE A liberdade de contratar e o direito
VALORAÇÃO DO DIREITO à propriedade e todos os demais institu-
ECONÔMICO tos caracterizadores do direito privado,
passam a ter uma dupla função; sua
O raciocínio de valoração do direito tarefa na órbita do direito privado de
económico jamais foi positivado melhor induzir e garantir uma ordem justa entre
no direito alemão do que pelo artigo 151 os indivíduos quer dizer (por exemplo,
172 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

entre o comprador e o vendedor, entre mente provado e demonstrado, ao longo


o locatário e o locador) passa a expan- dos anos, o Estado, ele próprio, não têm
dir-se, passa a ter um significado/senti- condições de assumir mesmo apenas
do adicional e uma tarefa adicional, isto quanto à aspectos substanciais, o de-
é, servir de instrumento para que uma sempenho da economia de um país.
ordem econômica global correta possa Portanto, o Estado não pode, assumir
concretizar-se com as inevitáveis exi- esta função de "laborar na economia",
gências de tolerância (como ocorrem nem do ponto de vista organizacional,
no direito privado). Tais institutos priva- nem tendo em vista a liberdade dos seus
dos, integrados, não mais têm funções cidadãos. Se então, o agir economi-
meramente privadas, mas também camente do Estado, deve manter-se,
públicas, quer dizer funções que se dentro de limites, mesmo se democra-
estendem à ordem econômica geral ticamente legitimado, resta a formata-
de um país. ção da economia, fundamentalmente
Este novo raciocínio/pensar valo- pela atuação do indivíduo, do cidadão,
rativo do direito econômico, em contras- nitidamente a cargo da atuação na
te com o raciocínio em voga antes das esfera autônoma e privada.
guerras mundiais, afeta igualmente as A formatação ( Gestaltung) da
regras e regulamentações, até então economia pela atuação do cidadão indi-
nitidamente privatísticas. O legislador e vidual, dentro da esfera autônoma e
os tribunais modificam e amplificam, privada baseia-se no princípio da igual-
em virtude dessa nova valoração, o dade. Por outro lado, o poder soberano
direito advindo de uma época anterior necessita e se fundamenta na legiti-
e diferente, o direito do século 19. mação democrática. O princípio da
A utilização de institutos importantes igualdade significa que toda pessoa
do direito privado para a correta e física como pessoa de direito e com
completa substanciação do direito direitos se iguala à outra pessoa física
econômico, não é um absoluto, um pro- com direitos. O indivíduo como cidadão
cedimento meramente técnico-jurídico, do Estado e o indivíduo como pessoa
comparável, por exemplo, com a mera de direito e com direitos são as duas
recepção de conceitos de direito privado figuras básicas, fundamentais, do direito
pelo direito administrativo. Não, ela econômico alemão. Delas decorrem
repousa acima de tudo no fato que o todas as demais funções, como por
Estado, também o Estado Social, deve exemplo a administração estatal da
deixar o "laborar na economia" economia decorre da legitimação demo-
(Wirtschaften) fundamentalmente a crática, como o agir como empresário
cargo do indivíduo, do cidadão individual, se origina na autonomia privada e na
se o Estado, como Estado de Direito, garantia da propriedade. Outros prin-
deseja garantir a liberdade e a igualdade cípios de ordenação não interessam a
dos seus cidadãos. Como foi ampla- um ordenamento jurídico-econômico de
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 173

uma sociedade que se baseia nos muito questionada, em virtude da sua


princípios que informam e garantem a tradicional inelasticidade, exige esta
igualdade de todas as pessoas. Assim complementação, antes mencionada,
por exemplo não interessa mais o pelo direito econômico, que em verdade
sistema feudal da Idade Média, nem opera uma simbiose parcial dos dois
sistemas similares (ao feudalismo) tradicionais ramos do direito.
como o sindicalismo. O direito econômico supera a
divisão tradicional do sistema jurídico
O DIREITO ECONÔMICO NO em direito privado e direito público, ao
DIREITO COMPARADO propiciar e viabilizar o concerto de
regras da autonomia privada com regras
O marco de direito positivo estabe- soberanas (estatais). Este concerto ou
lecido no direito constitucional alemão "mix" muda, de país para país. Os
v.g. pela Constituição do Império de direitos econômicos ocidentais deixam
Weimar (Weimarer Reichsverjassung) a organização e os processos eco-
no art. 151 é o caminho enveredado. pela nômicos, fundamentalmente à ação
maioria das ordens jurídicas de cunho dos e formatação pelos particulares
libertário das últimas décadas. Umas (Privatautonome Gestaltung) que
mais consciente e determinadamente, todavia passa a ser regulamentada de
outras menos assim. Muitas ordens maneira mais ou menos intensiva
jurídicas ainda não elaboraram uma por regras, elementos soberanos
categoria especial do direito econômico. (Hoheitliche E/emente) como por
Isto todavia não significa, necessaria- exemplo normas coativas, cooperação/
mente, que, objetivamente, o direito eco- ação conjunta dos tribunais/juízes ou das
nômico daquele país é menos desenvol- autoridades; exigências de licenças/
vido. Muito depende do tipo de racio- permissões/alvarás/certificações,
cínio de direito sistemático. Assim, por poderes de supervisão, etc, de maneira
exemplo, o sistema Qurídico) do século que possam ser corrigidas tendências
19, tem nos países europeus, principal- desenvolvimentistas grosseiramente
mente na Alemanha, uma força de tal erradas ou até mesmo situações
forma marcante e dominadora, que to- totalmente erradas.
das as valorações econômicas não Os direitos econômicos do leste
teriam, não encontrariam um local de europeu, ex-estados comunistas, ainda
fixação no sistema, se o sistema jurídico são regulamentados e organizados, via
tradicional do século 19 não fosse de regra, por normas estatais soberanas,
complementado pelo direito econômico. e deixam à formatação do labutar na
Assim, a milenar divisão do direito economia, pelo cidadão individual e
(desde o tempo dos romanos), em direi to pelas empresas, relativamente pouco
público e direito privado, que ainda é espaço e oportunidades. Enquanto nas
considerada fundamental, embora já economias socialistas/comunistas as
174 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

necessidades de recursos do Estado e A COMPOSIÇÃO/


o abastecimento da população são ARTICULAÇÃO DO DIREITO
sempre preocupação principal, nos paí- ECONÓMICO ALEMÃO ATUAL
ses do centro-oeste europeu, há priori-
dade para garantir o desenvolvimento A articulação e os limites de uma
profissional e pessoal dos cidadãos que área do direito resulta do relaciona-
satisfazem as suas necessidades de mento das diferentes valorações do
bens/serviços e recursos na base da direito positivo. O raciocínio valorativo
troca contratual, enquanto os estados específico do direito econômico, é a
do ocidente satisfazem as suas correção,justeza de toda economia, isto
necessidades de obtenção de recursos é: a ordem mais justa possível da vida
por meio da arrecadação de impostos. econômica de uma nação.
Em um sistema jurídico que não se
DEFINIÇÃO fundamenta exclusivamente sobre uma
constituição escrita mas que confia e
O direito econômico engloba e entrega a constituição a urna corte
abrange portanto aquelas normas e
especializada, todo ramo jurídico do
institutos que viabilizam, concretizam
direito deve ser compreendido, em
toda ordem econômica. O direito eco-
primeira linha, a partir das suas
nômico abrange ainda a organização e
bases constitucionais.
o comportamento das empresas nos
Esta deve ser, portanto, também a
mercados, bem como as funções corres-
base do direito econômico.
pondentes do estado.
Quase todas as normas e institutos
O DIREITO ECONÓMICO
do direito econômico desempenham
funções e produzem efeitos em outros
GERAL E O DIREITO
ramos do sistema jurídico, assim no ECONÓMICO ESPECIAL
direito administrativo, no direito
constitucional, no direito contratual, no Muitas normas jurídicas valem para
direito societário e no direito das minas. toda economia, outras valem apenas
O enfoque e a compreensão das para determinados ramos da economia.
normas é bifocal ou bipolar. Assim, no Assim por exemplo a GWB Lei Contra
seio do direito econômico, estas normas Limitações da Livre Concorrência, vale
funcionam e são compreendidas como para e é aplicável a todas as empresas,
parte integrante do correto e completo embora apenas parcialmente relativa-
sistema da ordem econôm ica, enquanto mente a empresas de determinados
nos demais ramos do direito, as ramos da economia.
valorações do direito administrativo, Já para os setores especializados,
constitucional, contratual, societário e do da economia tais como: seguros, crédi-
direito das minas se encontram to e energia, entre outros, há legisla-
ressaltadas e se sobrepõem. ção especial.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 175

Na área do direito económico geral, nomia privada do cidadão, não pode


as normas estatais soberanas têm pre- deixar de proteger o princípio da livre
valência, eis que determinam os limites concorrência dos conchavas e das
da formatação autónoma privada do combinações limitadoras e práticas se-
"labutar na economia". A legislação, o melhantes de empresários inescrupu-
governo e a Administração têm na área losos que tolhem a livre concorrência.
do direito económico geral tarefas e Destarte, o direito à livre concorrência
funções específicas que não são torna-se a peça nuclear de todo direito
alcançadas pelo direito do estado e pelo económico. Nesse contexto, a moderna
direito administrativo. legislação reguladora dos cartéis a
O contorno institucional mais impor- GWB e os regulamentos complemen-
tante do direito económico geral, é tares na legislação européia desempe-
traçado pelo direito empresarial. nham um papel determinante. A par
Toda ordem económica que deixa, disto, a inclusão neste esquema legal,
por questão de princípio, para o cidadão da legislação contra a concorrência
individual o agir, labutar na economia, desleal ( UWG = Gesetz Gegen den
excluindo o Estado e outras instituições Unlauterten Wettbewerb) é uma
estatais, é obrigada a elaborar regula- questão não tanto de cunho sistemático,
mentos que determinem como os res- mas sim de praticidade.
ponsáveis pelas empresas ( Unternehmens Ao fim e ao cabo o direito econó-
traeger) devem se organizar e decidir mico geral deve preocupar-se com o
a quem vai permitir ser empresário de tema/questão da direção da economia,
maneira geral ou especial. Deve ainda isto é, com o instrumental que é utilizado
decidir se, eventualmente, e sob quais para dirigir a economia.
condições o Estado e as corporações A direção da economia utiliza como
regionais de cidades podem agir de instrumental normas soberanas e outras
forma empresarial. Mais adiante medidas que se destinam a regula-
anal isaremos a importância dos bancos mentar e ordenar objetivos específicos
estaduais na Alemanha. pré-determinados pelo Estado. Este
Enquanto o direito empresarial e o conjunto de normas adquire sua prati-
direito das funções soberanas fixam os cidade e efetividade, principalmente, no
contornos institucionais do direito âmbito do direito económico especial.
económico geral, há que regulamentar Sua intensidade aumenta, na medida em
os processos que se desenvolvem entre que os regulamentos especiais setoriais
as empresas e seu comportamento se afastam dos instrumentos de direção
frente à legislação que proíbe quaisquer usuais e regulares utilizados no âmbito
limitações à livre concorrência. do direito concorrencial. O direito geral/
Uma ordem económica, que por comum de direção da economia engloba
questão de princípio deixa o agir na estes regramentos especiais, notada-
economia à iniciativa privada, à auto- mente as normas de supervisão, de
176 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

subvenção e de controle de preços. Decididamente não é a minha opinião e


Abrange ainda as normas do direito dos discordo deste posicionamento. Entendo
emergenciais, isto é: a administração que do lado dos advogados, dos juristas
geral vinculada diretamente à direção que lidam e atuam em posições políticas
estatal da economia em situações e administrativas governamentais, há
de emergência. um conhecimento seguro, no sentido que
Do todo até aqui examinado. emer- para obter resultados práticos na área
ge o seguinte esquema para todo direito económica, para dirigir, enfim, a econo-
económico: mia de um país ou de uma região, em
1- Bases/fundamentos constitucionais ou para determinado sentido, é preciso
2- Direito económico geral elaborar leis, regulamentos, diretivas que
a) as funções soberanas do determinem, legalmente, o rumo que as
direito económico operaçõe-s, negócios ou mesmo setores
b) o direito empresarial inteiros da economia devem tomar. Os
c) o direito contra as limitações exemplos disso estão em toda parte. No
da livre concorrência direito tributário, do trabalho, societário,
d) o direito geral da direção da falimentar, cambiário, na área do direito
economia bancário, financeiro, do mercado de ca-
3- O direito económico especial es- pitais, no direito imobiliário, securitário,
quematizado segundo as regula- etc. Sempre são propostas e elaboradas
mentações dos di versos setores leis, normas enfim, com o fim de fixar
da economia. determinados rumos nas áreas citadas
que serão importantes para o desenvol-
DO RELACIONAMENTO vimento da economia. Portanto os ad-
ENTRE O DIREITO E A vogados e juristas sabem usar a lei, as
ECONOMIA normas, para através do direito econó-
mico influenciar, dirigir a economia.
Li com atenção, os diversos artigos Também os economistas sabem que na
publicados na Revista Direito e Eco- maioria das vezes, precisam do instru-
nomia, 1a edição, junho de 2005, mentaljurídico para, na economia, con-
coordenador prof. Luciano Benetti seguir chegar onde desejam chegar. O
Timm, Editora Thomson I IOB. Vários mesmo vale para o administrador públi-
dos autores, de uma ou de outra forma, co, tenha ele inclinações democráticas
registram e lamentam, com maior ou ou não. Sempre precisará da lei para
menor intensidade, a falta de obter os resultados que deseja alcançar,
comunicação e entrosamento entre os sejam bons ou maus, democráticos ou
economistas e juristas. Afirmam os ditatoriais. Logo concluo que tanto o
articulistas que os cultores destas duas economista quanto o jurista, sabem
ciências, não se entendem e que existe. muito bem que necessitam da lei, da
por assim dizer, um diálogo de surdos. norma imperativa, para, de qualquer
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 177

forma, dirigir a economia. Sem dúvida segmento de mercado, dominando-o em


existe o mercado e a realidade das detrimento do cidadão consumidor. Não
ofertas e procuras, mas em pleno século é pois possível deixar rédeas totalmente
21, a mão invisível reguladora do I ivres aos atores no mercado, na econo-
mercado/economia, da qual falava em mia, sob pena de total destruição e extin-
1776 Adam Smith, esta já não é mais ção deste mesmo "I ivre mercado".
tão invisível assim, pois já não existe Conclusão: nenhum mercado é total-
mais mercado totalmente I ivre, sempre mente livre, sempre haverá e deverá
há ou haverá alguma lei, alguma norma, haver alguma norma regu !adora para
atuando ou pronta para atuar, a fim de exatamente assegurar que este mer-
corrigir as falhas (da mão invisível cado, ou segmento dele, continue livre
regulamentadora) do mercado. Então, e útil ao consumidor. Dito isto, parece-
vista a problemática do relacionamento me que- o jurista, ao menos aquele mais
entre a economia e o direito assim, deste ou menos versado em economia e
ponto de vista pragmático, não há dúvida administração pública, sabe muito bem
nenhuma para nós, que tanto os da importância da lei, da norma, para
economistas quanto os juristas sabem poder obter efeitos no desempenho da
muito bem, que para dominar, enquadrar, economia. Não há diálogo surdo,
regulamentar, dirigir, formatar a econo- inexistência de conhecimento~ muito
mia é preciso ter leis e normas que pelo contrário, existe um controle mais
viabilizem e possibilitem a dominação, ou menos intensivo da economia através
enquadramento, regulagem, formatação das normas, do direito econômico que
e direção da economia. são manejadas tanto pelos juristas,
Vamos dar um exemplo, a nosso ver quanto pelos economistas e políticos.
muito simples. Todos sabemos que o
princípio mestre da economia de mer- O DIREITO ECONÔl\'liCO E OS
cado livre é o princípio da livre concor- DEMAIS RAMOS DO DIREITO
rência. Onde inexiste livre concorrência
apenas existirão cartéis e monopólios. Por ser uma disciplina nova, o direito
Então, para assegurar a existência de econômico deve traçar com clareza os
um mercado "livre", para assegurar a limites em relação a outros ramos do
livre concorrência entre as empresas direito. Isto não significa todavia, que,
produtivas, no interesse dos consumido- o direito econômico deve entrar em
res, é necessário intervir com a lei no litígio com outro ramo do direito rela-
mercado e coibir, proibir os cartéis e os tivamente a essa ou aquela norma ou a
monopólios, dirigindo e formatando esse ou aquele instituto. Considerada a
assim a economia, já que a tendência diversidade de pontos de vista numa
natural do empresário produtor, livre de sistemática do direito, é perfeitamente
quaisquer controles legais é de eliminar possível que uma norma ou um instituto
a concorrência e adonar-se do seu apareça em vários ramos do direito.
178 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

Assim por exemplo a sociedade do BGB descentrai izada, o instrumental I normas


encontra-se tanto no direito obrigacional e institutos I privatístico passa a integrar
do direito civil alemão (BGB II Livro, o direito econômico. No caso dos con-
seção 8) quanto no direito societário tratos, por exemplo, o direito econômico
alemão. Similarmente a confissão de não se preocupa com a justeza do posi-
dívida nominativa e ao portador (lnhaber cionamento contratual de uma pat1e em
und Orderschuldverschreibung) apa- relação à outra, mas, sim se o contrato
rece tanto no direito obrigacional do está correto no contexto geral da econo-
direito civil alemão quanto no direito mia, se por exemplo ele influencia positi-
cambiário e, além disso, na legislação vamente as relações do mercado. Sem-
dos negócios bancários. pre deverá estar presente o princípio
Em relação ao direito privado em básico da livre concorrência, que, se
geral, o direito econômico se diferencia necessário, deverá ser reforçado por
pelo seu próprio princípio de valoração. elementos soberanos. Os exemplos ci-
Enquanto que no direito privado a carac- tados mostram, que o direito econômico
terística (valoração) marcante é o relacio- integrou, recepcionou, os principais ins-
namento de uma parte com a outra, no
titutos do direito privado na sua sistemá-
direito econômico sobressai a valoração
tica, fazendo deles instrumentos da for-
da justeza (Gesamtwirtschaftliche
matação - Gestaltung -jurídico-eco-
Richtigkeit) da totalidade da economia.
nômica da economia global de um país.
Do ponto de vista do direito econômico,
A complementação da ordem pri-
os institutos centrais do direito privado,
vatística autônoma por elementos regu-
contratos e propriedade, passam a ter
ladores soberanos desempenha aí um
um outro sentido e uma outra função.
papel importante.
Passam a caracterizar uma ordem
Seguidamente o direito econômico
econômica descentrai izada que se
entrega ou deixa tarefas de economia
fundamenta sobre a autonomia privada
global à ordem privatística autônoma,
e sobre a propriedade dos cidadãos,
por motivos constitucionais.
sendo que a ordem econômica lhes
Os elementos reguladores sobera-
concede, permite, basicamente a produ-
ção dos bens, e a sua distribuição. A nos utilizados pelo direito econômico na
outra opção, ou o outro caminho que a formatação global da economia são por
ordem econômica poderia percorrer, ao exemplo: autorizações governamentais,
formatar a economia globalmente, seria licenciamentos, controle por auditores
a sua formatação - Gestaltung- pelo externos, publicidade obrigatória, etc.
estado, soberanamente, por intermédio As normas e os institutos de direito
de órgãos estatais ou pára-estatais que privado cooptados pelo direito econô-
passam a produzir e a distribuir os bens mico passam a ser encarados exclusi-
dos cidadãos. vamente do ponto de vista do direito
Se a escolha do legislador for pela econômico e não mais do ponto de vista
instituição de uma ordem econômica de direito privado. Este mecanismo de
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 179

uti I ização de normas de um setor do da CF, quando atribui à União e aos


direito positivo por outro, já era co- Estados competência concorrente para
nhecido, por exemplo, em relação ao sobre ela (direito econômico) legislar
direito comercial e direito civil. Em (obra citada p. 205).
matéria de contratos e obrigações e "Trata-se, no entanto, de um ramo
modos por que se dissolvem e extinguem sui generis, ou seja, tem uma parti-
as obrigações comerciais, por exemplo, cularidade toda dele, que deriva do fato
o direito comercial (parte ora revogada de as suas normas, em grande número
pelo Novo Código Civil) utilizava normas de casos, estarem inseridas formal-
do direito civil e as especializava para mente em outros ramos jurídicos, mar-
as afeiçoar às suas necessidades. Era cando-os porém com o seu caráter es-
o caso dos artigos 121 e 428 da parte pecífico de normas instrumentais de
revogada do Código Comercial. política econômica. É o caso de normas
Esta simbiose parcial e pontual entre sobre reajuste de aluguéis, que incidem
o direito privado e o público é captada sobre uma relação típica de Direito
e analisada pelo prof. dr. Fábio Nusdeo Civil, como é a locação de prédios. Idem
em sua magistral obra Curso de quanto ao chamado dirigismo contra-
Economia - Introdução ao Direito tual, isto é, determinações cogentes
Econômico (2a ed. RT) Capítulo 1O. quanto a cláusulas que devam ou não
Ensina o prof. Nusdeo: constar de contratos privados de cará-
ter civil ou comercial - caso típico de
As limitações de mercado e a ação estatal por direção na classifi-
colocação de objetivos de política cação de Grau. O mesmo quanto ao
econômica levaram os sistemas
processo decisório para a construção
descentralizados ocidentais a
evoluírem no sentido de admitir, em de uma estrada para escoamento de
caráter permanente, um segundo produtos de exportação, como na
centro decisório a atuar ao lado do hipótese discutida ao fim do capítulo
mercado, descaracterizando-se como anterior. Aí, trata-se de uma medida de
modelos típicos de autonomia, longe, política econômica interferindo no
porém, do outro extremo, o da cen-
campo do Uireito Financeiro. É, ainda,
tralização pela autoridade politica.
Daí as expressões sistemas mistos ou o caso dos incentivos fiscais de toda a
de iniciativa dual, ambas felizes por ordem, a trair uma política econômica
retratarem a nova realidade. que, em princípio, contraria a vocação
natural do Direito Tributário: a de cobrar
Reconhece o prof. Nusdeo o direito impostos e não deixar de fazê-lo. Mais
econômico como o direito da política um exemplo: as legislações antitruste ou
econômica. Reconhece ainda o direito ambiental, inseparáveis das considera-
econômico como um ramo jurídico, ções ou opções de política econômica."
assinalando que no Brasil esta carac- "Tanto essa característica das nor-
terística é "consagrada pelo art. 24, I mas de Direito Econômico é importante
180 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

e saliente que um autor italiano, Finzi, o E mais adiante registra Fábio


vê sinteticamente como um taglio Nusdeo:
trasversale, isto é, um corte transversal
na árvore do Direito, como que seccio- Dentro dessa visão, é imprescindível
nando os seus vários ramos para matizá- tecer a distinção entre a norma de
Direito Económico e o mero conteúdo
los com um colorido diverso, uma marca
económico da norma jurídica. Como
especial que antes não ostentavam. Ele sabido, tal conteúdo encontra-se na
é, assim, um ramo intromissor com esmagadora maioria delas, mas o
relação aos demais, mas não estranho caráter de Direito Económico lhes é
à árvore, porque sai diretamente do imprimido pelo sentido de veto-
tronco constitucional, precisamente da rialização que assumem quando
voltadas à colimação de o~jetivos de
chamada constituição econômica, refe-
politica económica.
rida no capítulo anterior. Um outro autor,
este francês, Jeantet, usa uma imagem
Em relação ao direito comercial e
análoga, sendo as suas manifestações
ao direito societário, a diferenciação em
de permeio a todo ordenamento algo
relação ao direito econômico é similar
como as correntes marítimas no meio à que ocorre em relação ao direito civil.
dos oceanos. É, em suma, um direito Importam os princípios de valoração,
de sobreposição, por se sobrepor a prevalentes em cada ramo do direito.
outros ramos jurídicos na regulação de O direito comercial negocial, o direito
determinadas relações sociais." cambiário e também o direito do
"A dificuldade resulta do fato de a comerciante propriamente dito (HGB
árvore jurídica, tal como vista nos sis- Livro I, Seção 1-4 ), bem como o direito
temas ocidentais, estar baseada na societário, são regidos por valorações
chamada summa divisio de Ulpiano, a que se limitam a regular corretamente
qual, como ressaltado no Capítulo 6, os interesses individuais de que tratmn.
coube como uma luva para a edificação Assim temos por exemplo: a regula-
jurídica do sistema liberal, procurando mentação das relações entre o comer-
distinguir tão absolutamente quanto ciante e seus credores~ dos sócios entre
possível o publicum do privatum. A si, e em relação aos credores da socie-
simples idéia de um direcionamento do dade e de seus sócios. Até mesmo a
privatum em prol dos objetivos do regulamentação do registro mercantil,
publicum já discrepa da natureza e da das normas contábeis e dos balanços,
essência daquela visão de UI piano, com as suas obrigações de direito
origem, também, da imagem da árvore público, não fazem exceção.
jurídica, perfeitamente acomodada ao Quanto à lei das sociedades por
paradigma liberal mas não conforta- ações, regulamenta, via de regra, toda
velmente abrigada por uma mutação a sua área de incidência do ponto de
substancial do mesmo.'' vista das relações individuais/coletivas
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 181

dos sócios. Todavia, na lei das socie- blica. Nos termos dos seus estatutos,
dades por ações, surgem situações de estes bancos estaduais praticam todos
direito económico que são levadas em os negócios bancários permitidos e se
conta e por ele resolvidas. É de assina- apresentam no mercado bancário como
lar que questões nesta área que in- bancos universais ou multi bancos ( Univer-
teressam a toda a economia de um país, sal Bank, Allgemeine Geschaftsbank).
não são resolvidas dentro ou pelo direito Os bancos estaduais alemães, tradicio-
comercial ou societário, mas sim pelo nalmente são também bancos comu-
direito económico. Assim, por exemplo nitários e atuam em conjunto com as
as seguintes questões: a quem é lícito caixas económicas regionais. Os contro-
exercer esta ou aquela atividade profis- ladores responsáveis (Trager) são os
sional; grandes empresas obrigatoria- estados e as associações de caixas eco-
mente devem revestir a forma de S/ A?; nómicas. O banco estadual alemão é o
negócios bancários ou securitários so- instituto central das caixas económicas
mente podem ser realizados por deter- de um estado federado. São portanto
minadas sociedades?, o Estado e'as co- também a central de acerto de contas
munidades podem empreender? Podem (clearing house ), para os negócios não
formar e operar empresas/sociedades, a contado, além de administrarem as
competindo com as particulares? Se ao reservas de liquidez das caixas eco-
lado dos sócios/empresários e seus nómicas vinculadas/associadas; prati-
representantes outras pessoas podem cando ainda operações de refinancia-
ativamente participar na formação da mento emitindo títulos de penhor
vontade do(s) responsável(eis) pela (Pfandbriefe) e obrigações/debêntures
empresa. Por exemplo: representantes comunitárias. Prestam também serviços
dos empregados, representantes do bancários internacionais para os clientes
estado ou representantes do interesse das caixas económicas.
público. Na República Federal da Ale- Com poucas exceções (exemplo: a
manha, os Estados federados operam, HSH Nordbank AG) os bancos esta-
por exemplo, bancos estaduais, com- duais estão submetidos ao controle esta-
petindo com os bancos privados em dual dos respectivos estados federados.
todos os negócios bancários. Os bancos estaduais alemães partici-
Os bancos estaduais na Alemanha pam do capital de outros bancos estaduais.
(Landesbanken) são institutos de Assim a Westdeutsche Landesbank
crédito ou instituições financeiras que AG ( West LB AG) detém 26o/o do
atendem os negócios bancários de um capital da HSH Nordbank AG (antigos
ou mais estados federados e que bancos estaduais), Hamburgische
apóiam os governos estaduais na in- Landesbank e Landesbank Schleswig
centivação da economia estadual. Aten- - Holstein. A Norddeutsche Landesbank
dem, pois, um interesse ( Offentlichen - Nord!LB participa com 1Oo/o do capital
Auftrag) ou melhor, uma missão pú- da Landesbank Berlin LB Berlin e
182 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

com 97o/o do capital da Bremer - Bremer Landesbank Kreditanstalt


Landesbank Kreditanstalt Oldenburg. Oldenburg- Girozentrale (92,5o/o Halt
A Bayerische Landesbank Bayern LB die Nord/LB);
participa com 75o/o do capital da - HSHNordbankAQ Hervorgegangen
Landesbank Saar - Saar LB e finalmen- aus der Hamburgischen Landesbank
te a Landesbank Badenwürtemberg und der Landesbank Schleswig-Holstein
- LBBW controla 1OOo/o o capital da Girozentrale;
Landesbank Rheinland- Pfalz - LRP. - Landesbank Berlin (LBB);
Desde o início da década de 70, os - Landesbank Baden-Württemberg
bancos estaduais alemães concedem, (LBBW);
por conta própria, créditos aos seus - Helaba - Landesbank Hessen-
clientes. Tal prática passou a ser critica- Thüringe~l- Girozentrale;
da publicamente pela concorrência ban- -Nord/LB- Norddeutsche Landesbank
cária privada, que passou a alegar que - Girozentrale;
os bancos estaduais tinham forte in- - West LB AG - Westdeutsche
fluência política em virtude dos s~us Landesbank- Girozentrale;
controladores serem os governos esta- - Saar LB - Landesbank Saar -
duais. A defesa apresentada a tais Saarbrücken;
críticas foi no sentido que se desejava - Sachsen LB - Sachsische
alcançar e realizar fins e propósitos de Landesbank- Girozentrale;
estrutura econômica política, do in- - Bayem LB - Bayerische Landesbank
teresse do estado. - Girozentrale;
Além disso, a concorrência alegava - LRP -Landesbank Rheinland-
que, embora a concessão de créditos Pfalz ( 100% Halt di e Landesbank
dos bancos estaduais fosse submetida Baden-Württemberg).
às mesmas normas e exigências da lei A diferenciação entre o direito
federal do crédito (Kreditwesengesetz), econômico, o direito administrativo e o
válida tanto para as instituições direito constitucional é particularmente
financeiras privadas quanto públicas, os importante, pois existem o direito cons-
bancos estaduais gozavam da vantagem titucional econômico e o direito admi-
da capitalização através do orçamento nistrativo econômico.
público dos estados. A constituição normativa é a ordem
As reclamações dos bancos priva- jurídica fundamental da existência
dos foram encaminhadas a Bruxelas, comunitária, segundo cujos princípios
alegando distorções do regime de livre básicos se forma a unidade política e
concorrência. Firmou-se um acordo em se estabelecem as tarefas do Estado.
Bruxelas em julho de 2005, intitulado Portanto o direito constitucional econô-
"concordância de Bruxelas". mico é parte da constituição. Contudo
Existem onze bancos estaduais na é perfeitamente possível que seja tam-
Alemanha: bém considerado parte do direito
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 183

económico, mais do que isso, pode ser tarefas que lhe são próprias. Embora
considerado o fundamento constitucio- pareça que o direito do trabalho nada
nal do mesmo. Exemplo: o princípio da tenha a ver com o direito económico,
liberdade do exercício profissional é um eis que engloba, abrange todas as nor-
tema constitucional, um direito funda- mas que regulamentam a situação dos
mental ancorado no art. 12 da Consti- empregados/operários não autónomos,
tuição alemã. Mas é também tema e em relação aos empregadores, em rela-
assunto do direito económico, pois ção a outros empregadores e em rela-
decide o acesso à atividade empresarial ção à comunidade dentro da empresa
e o acesso aos mercados em geral. (Betriebsgemeinschaft), na verdade há
O direito administrativo engloba um relacionamento funcional entre os
todo o direito pertinente à administração dois ramos do direito. Assim o emprega-
pública, aí incluídas as suas compe- do desenvolve na empresa sua capacita-
tências soberanas. Uma parte da admi- ção e produção profissional colaborando
nistração pública diz respeito a regula- destarte com a produção econômica da
mentações que tem como destino toda empresa. Por outra, os salários pagos
economia de um país, exemplo: a au- pela empresa aos seus empregados são
toridade federal controladora dos cartéis uma das rubricas mais importantes no
(Bundeskartellamt); a autoridade cálculo do balanço de produtividade da
federal supervisionadora do sistema empresa. Todos sabemos que na meto-
securitário (Bundesaufsichtsamt für dologia da recuperação empresarial o
das Versicherungswesen); a autori- corte de salários e a total eliminação de
dade federal supervisionadora do cré- postos de trabalho são itens sempre
dito (Bundesaufsichtsamt für das adotados. Como exemplo podemos citar
Kreditwesen). Destarte estes segmen- a proposta da alta administração da
tos especiais do direito administrativo, Volkswagen de cortar 20 000 postos de
com características de direi to econó- trabalho nos próximos cinco anos para
mico, devem ser respeitados e inte- assim tornar a empresa mais competiti-
grados na sua totalidade pelo direito va perante os outros concorrentes.
administrativo, para garantir a unidade De outra banda, o direito laboral
do setor e a justeza da administração coletivo ou negociação coletiva imbri-
pública. Já o direito económico vê estes cou-se, ultimamente, cada vez mais com
órgãos e as suas normas reguladoras o direito empresarial, o qual, como
no contexto das suas próprias valo- vimos, é parte do direito económico.
rações específicas, que determinam os Tanto o Conselho Empresarial quanto
alvos e também os meios de que se o Comitê Económico (na Alemanha), de
serve o direito económico. acordo com a lei alemã - constituição
Em relação ao direito do trabalho e da empresa (Betriebsverfassungsgesetz)
ao direito tributário, o direito económico são órgãos dos empregados da empresa,
também se diferencia por força das mas, sem dúvida nenhuma, têm
184 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

influência direta nas funções diretivas do Em relação ao direito penal existe


responsável pela empresa. Ainda mais o direito penal econômico, com um con-
forte se manifesta a ingerência em junto de normas autônomas, contidas na
decorrência do instituto alemão empre- lei penal econômica (Wistg). O direito
sarial da co-gestão, que, presente nos penal econômico stricto sensu tem como
órgãos da empresa, às vezes até de forma objeto principal proteger a ordem eco-
paritária, modifica substancialmente nômica estatal no seu todo. Já o direito
normas do direito societário. O instituto penal econômico lato sensu, se preocupa
da co-gestão aparece portanto na esfera com a criminalidade econôm ica e engloba
do direito econômico como conjunto de todas as normas jurídicas setoriais que
normas integrantes do direito empresarial. regulamentam a produção, montagem e
Em relação ao direito tributário, hoje distribuição de bens econômicos.
um ramo jurídico muito importante, o le- Finalmente, em relação ao direito de
gislador tem utilizado normas e regula- proteção do consumidor, não é fácil
mentos tributários para alcançar e con- traçar limites precisos, pois assim como
cretizar propósitos nitidamente de dir~ito o direito de proteção do consumidor
econômico. Isto, nem sempre foi assim, propriamente dito, também o direito
pois enquanto o peso dos tributos era econôm ico visa proteger os direitos dos
relativamente pequeno (até a 1a Guerra consumidores. Uma possibilidade de
Mundial 1914-1918), o direito tributário diferenciação entre os dois ramos do
praticamente não tinha influência no ou direito é reconhecer que, tendo vindo o
implicações com o direito econômico.
conceito da proteção do consumidor dos .
O Tribunal Constitucional Alemão deci-
Estados Unidos é mais um programa
diu que em relação ao direito tributário
jurídico-político do que uma categoria
"a arrecadação de impostos pode ser
jurídico-sistemática. Assim, por
uma finalidade secundária" admitindo
exemplo, o programa de proteção conti-
assim o propósito de direito econômico
do nas normas do direito do consumidor
da norma/legislação tributária (BVerge
16, 147; 30,250,264 e BVerge 67,256 ultrapassa os limites do direito econô-
NJW 1985,37 lnvestitionshilfegesetz. mico, pois regulamenta e sanciona a
Consulta-se também a Abgabeordnung responsabilidade do produtor pelo pro-
(AO). Regulamento dos Impostos duto, as condições gerais dos negócios
Alemão §3° alínea 1 frase 1 de 1977. É e alguns contratos/negócios típicos para
certo porém, que a lei alemã diferencia o setor consumista, como por exemplo,
cuidadosamente a competência legisla- negócios a prazo/prestações, contratos
tiva de direito econômico (Constituição de viagem, etc. No âmbito do direito
Alemã art. 74 n° 11) da competência econômico, o direito de proteção do
tributária (Constituição Alemã GG art. consumido r desempenha funções no
105). Somente desta forma se admitem direito concorrencial, securitário e cre-
normas de direito econômico na roupa- ditício. O programa do direito de prote-
gem do direito tributário. ção do consumidor, não se preocupa no
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 185

entanto, com questões relativas ao todo Empresa para o direito econômico


da economia de um país, que lhe são é uma unidade produtiva, econômica e
estranhas. Por isso não pode também autônoma. Produz bens econômicos
substituir o direito econômico. Pelo lato sensu, quer dizer mercadorias e
contrário, é em verdade uma comple- serviços. Sua unidade é formada pelo
mentação, um eventual substitutivo do responsável da empresa, sujeito que tem
direito econômico, pois se os institutos responsabilidade jurídica e econômica
deste último (combate aos cartéis e por toda a empresa. Este sujeito pode
direito concorrencial) funcionassem ser uma pessoa física, jurídica ou uma
perfeitamente, não seria tão importante sociedade de tais pessoas. A empresa
ou tão necessário. é autônoma/independente, pois o seu
responsável tem fundamentalmente
A EMPRESA (Das Unternehmen) liberdade quanto às decisões a serem
tomadas e que vão afetar a empresa.
O conceito básico da empresa, Presumivelmente tomará e deverá
aparece no âmbito do direito como uma tomar tais decisões, antes de mais nada,
"configuração/aparição da vida": no sentido de atender as expectativas e
(Gebilde des Lebens) conforme desejos de seus clientes.
Gieseke, O significado jurídico da Este conceito de empresa, assim
empresa, p. 118. É uma aparição estruturado e formulado, está de acordo
econômica-sociológica, com a qual a com os dois elementos básicos do tnes-
ordem jurídica deve se preocupar a mo conceito de empresa, válido para a
partir de vários pontos de vista, tais ciência econômica: produção de bens
como: comercial, econômico, tributário. -para o mercado e para o atendimento
Por isso o termo empresa quando apa- de necessidades de terceiros, aliado à
rece nos textos jurídicos, nem sempre autonomia, isto é, liberdade para um
tem o mesmo significado. Conseqüência planejamento autônomo relativo, econô-
disso é que o significado do termo mico e de produção (autonomia
empresa deve ser construído caso a econômica).
caso, a partir da inteligência das normas No direito empresarial
individuais e/ou do sentido de uma área/ Unternehmensrecht - a liberdade de
setor jurídico. Esta a razão porque não empreender - Unternehmer Freiheit
é possível estabelecer um conceito - é uma das características básicas.
unitário, válido, para todo direito Assinala o reconhecimento desta liber-
econômico da empresa. No entanto, o dade a primazia do direito privado, no
direito econômico necessita de um sentido da formatação da empresa de
conceito básico funcional de empresa. maneira privada e autônoma. Trata-se
Este conceito resu Ita das funções da liberdade de cada indivíduo de,
globais econômicas que a empresa sozinho ou com outros (sócios, empre-
exercita no moderno direito econômico. gados), produzir mercadorias, bens,
186 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

coisas, ou prestar serviços, que outras é suportado pelo ou pelos proprietários


pessoas físicas ou jurídicas, estão da empresa que, não raras vezes, com-
dispostas a adquirir mediante uma paga. binam e entrelaçam o seu patrimônio
Além da liberdade de empreender, há pessoal e a sua capacidade técnica total
outros princípios importantes a consi- ou parcialmente com os destinos da
derar que inspiram o direito empresarial. empresa. Como o(s) titular(es) da em-
Assim por exemplo: o princípio da troca presa, seja companhia fechada, seja
- Austauschprinzip. Este princípio aberta, garantem patrimonial e adminis-
determina tanto o direito patrimonial trativamente a continuidade da em-
civil quanto o direito econômico. Vale presa, é possível planejar a médio e
ainda para o direito empresarial visto longo prazo o seu desempenho.
como um direito organizacional que O direito empresarial, parte inte-
possibilita à empresa de produzir bens, grante do âireito econômico, é portanto,
coisas, serviços como uma unidade primordialmente, um direito que orga-
econômica autônoma com base nos niza fatores da produção, um direito
contratos de troca com os seus clientes, organizacional- Organisationsrecht-
fornecedores, bancos e também com os que, além de princípios do direito priva-
seus empregados. As empresas neces- do, acima perfilados, também utiliza
sitam desta estrutura organizacional instrumentos vários de natureza não
para garantir a sua existência, a sua privatística mas soberana e que por isso
sobrevivência. Surge assim mais uma se diferencia do direito societário
característica da empresa e do direito simplesmente privatístico.
empresarial, o princípio da continui- Embora use normas e princípios do
dade e sobrevivência da empresa como direito privado, o direito empresarial
unidade individual, autônoma, economi- considera como de importância pri-
camente organizada. mordial os pontos de vista, os enfoques
Outro aspecto crucial é a caracte- que abrangem toda economia de um
rística ou princípio: da rentabilidade. país ou de uma região.
Os resultados negociais positivos, os Quanto às empresas organizadas
lucros devem superar os prejuízos e segundo determinadas fórmulas ou
despesas, sob pena de colocar em risco padrões jurídicos, o direito alemão
o princípio da continuidade, da sobre- reconhece: a) o empresário individual,
vivência da empresa. (Einzelunternehmer), b) as sociedades
Portanto, a atividade empresarial, de pessoas- (Personal Gesellschaften),
sem dúvida é uma atividade de risco. c) as sociedades de capital - (Kapital
Como unidade individual de ação Gesellschaften ), d) as cooperativas
(Individuelle Aktions Einheit), a empre- (Erwerbs und Wzrtschqftsgenossenschqften ),
sa tem que se afirmar no campo da livre e) as sociedades específicas para um
concorrência, sob pena de sossobrar, determinado objeto ( Gewerbespezifische
falir. O risco desta atividade empresarial Gesellschaften) e finalmente () duas
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006 187

empresas que somente podem ser orga- nerar o estado. Suas características
nizadas ou constituídas segundo o prin- relevantes contribuem, significativa-
cípio da concessão (Konzessionsprinzip ), mente, à possibilidade de sucesso do
isto é, as fundações e a associação empresário. As características que
econômica (Wirtschaftlicherverein ). podem ser arroladas, são as seguintes:
As sociedades de pessoas são 1) a liberdade/autonomia de organizar,
de três tipos: a OHG (Offene fundar, constituir uma sociedade/
Handelsgesellschaft) § § 105 e empresa. É uma característica deveras
seguintes do HGB~ a sociedade em importante, pois do ponto de vista da
comandita KG §§ 161 e seguintes do liberdade, possibilita ao cidadão, funda-
HGB e a sociedade de direito civil mentalmente atuar como empresário.
(Buergerlichrechtliche Gesellschaft) Do ponto de vista do direito econômico
§§705 e seguintes do BGB. é também uma característica funda-
As sociedades de capital apre- mental, pois assegura, legalmente, ao
sentam-se sob três formas jurídicas: a empreendedor o acesso ao mercado; 2)
sociedade por ações~ a sociedade em a característica da faculdade/liberdade
comandita por ações~ e, a sociedade de escolher o tipo, a espécie de socie-
limitada (GmbH). dade ou associação. Trata-se aqui, com
As sociedades organizadas especifi- poucas restrições, da livre escolha da
camente para um determinado objeto ou forma legal a ser adotada para em-
atividade são as associações de seguros preender algo. Do ponto de vista do
de interesse mútuo e as sociedades de direito econômico, esta característica da
mineração: (Versicherungsverein auf autonomia privada no direito empre-
Gegenseitigkeit e a Bergrechtliche sarial, garante uma certa capacidade de
Gewerkschaft). adaptação da empresa a situações
No Direito da Comunidade Euro- futuras ainda não previsíveis; 3) a
péia, há desde O1 de julho de 1989 a característica da liberdade de redigir,
Associaçiio Econômica Européia de dentro de certos limites legais, o teor
Interesses, que pode também ser consti- do contrato social ou os estatutos da
tuída como empresa na Alemanha. sociedade bu associação; 4) a liberdade
e autonomia de formação da vontade
AS CARACTERÍSTICAS DA do émpresário e dos sócios/associados,
AUTONOMIA PRIVADA, enquanto partícipes da vida da empresa;
LIBERDADE, NO DIREITO e finalmente 5) a liberdade/autonomia
EMPRESARIAL de dissoluções e liquidação da empresa,
a outra face da moeda em relação à
É função da autonomia privada liberdade/autonomia de constituir,
proporcionar e garantir ao empresário fundar, organizar empresas. 6) pode
o máximo de liberdade para exercer seu ainda ser arrolada a liberdade e auto-
empreendedorismo, bem como deso- nomia do empresário para se coligar,
188 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS- no 26, 2006

vincular com outras empresas - campo da nossa matéria. Basta lembrar


Verbindungen von Unternehmen. Tal toda legislação de direito econômico/
liberdade é assegurada e garantida por empresarial que combate as limitações
lei que no entanto também a limita à livre concorrência, monopólios, cartéis,
quando ocorrem excessos que possam dominação de mercado, controle de
ameaçar a garantia da livre concor- grupos, consórcios, holdings, enfim
rência. Estabelece-se então, legalmente concentrações de empresas, toda
uma limitação à liberdade organizacional legislação de controle e direção de uma
do empresário do ponto de vista do economia, preços, subvenções, seguros,
direito econômico. mercado de capitais, financeiro, crédito,
energia, transporte, mídia, etc.
CONCLUSÃO Apenas afloramos os conceitos e
temas irúrodutórios à disciplina e
A temática deste artigo: Direito esperamos que de alguma forma,
Econômico e Direito Empresarial não se contribuirmos ao acervo de estudos já
esgota com o que expusemos. Mui to pelo existente a respeito do direito
contrário. É extremamente vasto o empresarial e econômico.

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