Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Mesmo com os esforços intensivos para o controle do tabagismo nas últimas décadas, uma proporção substancial de
pessoas inicia a fumar ou mantém-se fumando apesar do pleno conhecimento dos malefícios do hábito. Os estudos têm
focado atualmente as bases genéticas da adição nicotínica. O tabagismo tem sido associado a vários polimorfismos
genéticos, mas os fatores ambientais também devem ser enfatizados. Esta revisão apresenta alguns dos principais dados
disponíveis dos estudos genéticos sobre o comportamento tabágico. Esta linha de pesquisa poderá, no futuro, ajudar os
clínicos a individualizar o tipo, a dosagem e a duração do tratamento da dependência tabágica, conforme o genótipo
de cada fumante, maximizando a eficácia do esquema proposto.
Descritores: Tabagismo; Abandono do uso do tabaco; Nicotina; Transtorno por uso de tabaco
ABSTRACT
Despite the considerable efforts made in the fight against smoking in the last decades, there are still substantial numbers
of people who, in full knowledge of the health hazards, begin smoking or continue smoking. Recent studies have focused
on the genetic bases of the nicotine addiction. Various genetic polymorphisms have been associated with smoking.
However, environmental factors have also been shown to play a role. In this review, we present some of the principal data
collected in genetic studies of smoking behavior. The results obtained through this line of research will eventually aid
clinicians in individualizing the type, dosage and duration of treatment for patients with nicotine dependence in
accordance with the genotype of each smoker, thereby maximizing the efficacy of the proposed treatment regimen.
Keywords: Smoking; Tobacco use cessation; Nicotine; Tobacco use disorder
INTRODUÇÃO
Os malefícios e as mortes ocasionados pelo ta- tiva dos fumantes, embora desejosa de cessar o
bagismo são, na atualidade, amplamente conheci- tabagismo, considera difícil consegui-lo e, na mai-
dos. Qualquer pessoa medianamente informada sabe oria das vezes, não consegue parar de fumar.(1)
que fumar traz inúmeros problemas à saúde. No Tradicionalmente, a experimentação e o iní-
entanto, um percentual grande da população, em cio do ato de fumar eram ligados a questões como
todo o mundo, não só ainda fuma, como inicia ou comportamento rebelde do adolescente, necessi-
experimenta fumar. Ademais, uma parcela significa- dade de afirmação de maturidade, desafio às au-
* Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre
(RS) Brasil.
1. Professor Titular de Medicina Interna - Pneumologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: José Miguel Chatkin. Secretaria de Pós-Graduação. Av. Ipiranga, 6.680, 3º andar
CEP: 90610-000, Porto Alegre, RS, Brasil. Email: jmchatkin@pucrs.br
Recebido para publicação em 6/2/06. Aprovado, após revisão, em 7/3/06.
toridades, imitação de ídolos, pressão de amigos res estimam esta contribuição em mais de 80%.(6)
ou familiares fumantes e associação do tabagismo A manutenção da dependência parece ter uma
com pessoas bem resolvidas do ponto de vista pro- contribuição da hereditariedade de cerca de 67%.(7)
fissional, financeiro e sexual. Mais recentemente, Os primeiros trabalhos vinculando genética e
outros pontos, como padrão específico de perso- tabagismo datam de 1958. Um estudo(8) registrou
nalidade de busca de desafios e características do a possibilidade de associação entre genoma, con-
desenvolvimento neuropsicológico, começaram sumo de tabaco e câncer de pulmão, e sugeriu a
também a ser considerados. Os motivos pelos quais existência de genes que, na juventude, predispo-
os fumantes têm tanta dificuldade em cessar o taba- riam os indivíduos a se tornarem fumantes e pos-
gismo são provavelmente semelhantes, acrescidos ao teriormente a apresentarem neoplasia pulmonar.
problema da dependência orgânica. A análise da contribuição genética no tabagismo
A dependência tabágica explica porque cerca de iniciou-se com estudos de indivíduos que com-
70% dos fumantes querem abandonar o fumo, mas partilham genes, isto é, pais e filhos, com especial
não o conseguem. Destes, cerca de um terço tem ênfase para os gêmeos e membros adotivos des-
êxito por apenas um dia e menos de 10% ficam sas famílias. Foi avaliado também o papel do ambi-
em abstinência por doze meses.(2) A cessação defi- ente na iniciação e na manutenção do tabagismo,
nitiva do tabagismo geralmente só ocorre após através da influência da criação de um dos gêmeos
várias tentativas e o número de recaídas é muito por pais biológicos e outro por pais adotivos, e
grande.(3) O percentual em que isso ocorre é se- também através das peculiaridades dos hábitos
melhante em quase todos os extratos sociais, in- tabágicos de filhos adotivos conforme o tabagismo
clusive no de mais informados sobre as doenças de seus pais. Essas idéias foram ampliadas e bas-
relacionadas ao tabaco, como os profissionais de tante estudadas no final dos anos 1990, mas a
saúde. A prevalência de médicos fumantes pode contribuição genética no tabagismo foi inicialmente
ser encarada como um marcador interessante da considerada modesta, possivelmente em função da
dimensão do problema. complexidade da análise do problema e das múltiplas
Por outro lado, é interessante observar que ape- inter-relações entre os genes e o meio ambiente.
nas uma parcela dos fumantes desenvolve tal de- O papel da hereditariedade na adição tabágica
pendência. Por que nem todos os fumantes apre- continua sendo estudado sob os aspectos fundamen-
sentam a mesma evolução? Uma das grandes ques- tais iniciação e manutenção do comportamento, com
tões no estudo do tabagismo e de outras depen- especial atenção para as dificuldade em cessar o
dências, na atualidade, é entender por que pessoas hábito tabágico.(9)
expostas a drogas se tornam ou não aditas a elas.(4) Existem inúmeros estudos com gêmeos indi-
Desse modo, o tabagismo é um comportamento cando o papel da herança genética na adição ao
complexo multifatorial, em que as contribuições tabagismo(10) que revelam maior taxa de concor-
genética e ambiental são determinantes significa- dância em relação ao tabagismo em irmãos mo-
tivos, tanto para a iniciação, como para a manu- nozigóticos do que em dizigóticos, independen-
tenção do hábito.(1) Alguns desses fatores genéti- temente de terem sido criados juntos ou separa-
cos serão aqui abordados. dos.(11-14) Publicações mais recentes, envolvendo
casuística maior, melhor caracterização dos fenótipos
BASES GENÉTICAS DO TABAGISMO e modelos estatísticos mais sofisticados, indicam peso
bastante significativo para o genoma na determi-
Estudos epidemiológicos, examinando as ques- nação do fenótipo tabágico.(15) Resultados similares
tões genética, ambiental, fatores individuais (como foram detectados nos EUA, Escandinávia, Austrália,
o desenvolvimento neurológico, concomitância Grã-Bretanha e Japão.(1, 9, 16) Na Escandinávia, foi
com eventuais doenças mentais), suas inter-relações encontrada associação entre os fumantes adota-
e as respostas a determinadas drogas apontam para dos e seus irmãos biológicos, e entre mulheres
o fato de que a contribuição genética pode ter fumantes e suas mães biológicas e não com as
papel significativo no hábito tabágico, sendo pos- adotivas, reforçando o papel da hereditariedade e
sivelmente responsável por 40% a 60% da variabi- diminuindo a importância relativa do meio ambien-
lidade do risco de início da adição.(5) Alguns auto- te nesse comportamento.(17)
3. Yudkin P, Hey K, Roberts S, Welch S, Murphy M, Walton addiction. Am J Med Genet B Neuropsychiatr Genet.
R. Abstinence from smoking eight years after 2004;128(1):90-3.
participation in randomised controlled trial of nicotine 21. Maes HH, Sullivan PF, Bulik CM, Neale MC, Prescott
patch. BMJ. 2003;327(7405):28-9. CA, Eaves LJ, et al. A twin study of genetic and
4. Neale BM, Sullivan PF, Kendler KS. A genome scan of environmental influences on tobacco initiation, regular
neuroticism in nicotine dependent smokers. Am J Med tobacco use and nicotine dependence. Psychol Med.
Genet B Neuropsychiatr Genet. 2005;132(1):65-9. 2004;34(7):1251-61.
5. Volkow ND. What do we know about drug addiction? 2 2 . Barrueco M, Alonso A, Gonzalez-Sarmiento R. [Genetic
Am J Psychiatry. 2005;162(8):1401-2. basis of tobacco dependence]. Med Clin (Barc).
6. Arinami T, Ishiguro H, Onaivi ES. Polymorphisms in genes 2005;124(6):223-8.
involved in neurotransmission in relation to smoking. 2 3 . Lerman C, Niaura R. Applying genetic approaches to
Eur J Pharmacol. 2000 27;410(2-3):215-26. the treatment of nicotine dependence. Oncogene.
7. Batra V, Patkar AA, Berrettini WH, Weinstein SP, Leone FT. 2002;21(48):7412-20.
The genetic determinants of smoking. Chest. 2003;123(5): 24. Lerman C, Shields PG, Wileyto EP, Audrain J, Hawk LH Jr,
1730-9. Pinto A, et al. Effects of dopamine transporter and receptor
8. Fisher RA. Cancer and smokoing. Nature. 1958;182(4635): polymorphisms on smoking cessation in a bupropion
596. clinical trial. Health Psychol. 2003;22(5):541-8.
9 . Munafo M, Clark T, Johnstone E, Murphy M, Walton R. 25. Shields PG, Lerman C, Audrain J, Bowman ED, Main D, Boyd
The genetic basis for smoking behavior: a systematic review NR, et al. Dopamine D4 receptors and the risk of cigarette
and meta-analysis. Nicotine Tob Res. 2004;6(4):583-97. smoking in African-Americans and Caucasians. Cancer
10. Swan GE, Benowitz NL, Jacob P 3rd, Lessov CN, Tyndale RF, Epidemiol Biomarkers Prev. 1998;7(6):453-8.
Wilhelmsen K, Krasnow RE, McElroy MR, Moore SE, Wambach 26. Lerman C, Shields PG, Audrain J, Main D, Cobb B, Boyd NR,
M. Pharmacogenetics of nicotine metabolism in twins: et al. The role of the serotonin transporter gene in cigarette
methods and procedures. Twin Res. 2004;7(5):435-48. smoking. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 1998;7(3):253-
11. Kendler KS, Neale MC, Sullivan P, Corey LA, Gardner CO, 5.
Prescott CA. A population-based twin study in women of 27. Kremer I, Bachner-Melman R, Reshef A, Broude L, Nemanov
smoking initiation and nicotine dependence. Psychol Med. L, Gritsenko I, et al. Association of the serotonin
1999;29(2):299-308. transporter gene with smoking behavior. Am J Psychiatry.
12. Sullivan PF, Kendler KS. The genetic epidemiology of 2005;162(5):924-30.
smoking. Nicotine Tob Res. 1999;1 Suppl 2:S51-7; 28. Fowler JS, Volkow ND, Wang GJ, Pappas N, Logan J, Shea
discussion S69-70. C, et al . Brain monoamine oxidase. A inhibition in cigarette
13. True WR, Xian H, Scherrer JF, Madden PA, Bucholz KK, smokers. Proc Natl Acad Sci U S A. 1996;93(24):14065-9.
Heath AC, Eisen SA, Lyons MJ, Goldberg J, Tsuang M. 29. Fowler JS, Volkow ND, Wang GJ, Pappas N, Logan J,
Common genetic vulnerability for nicotine and alcohol MacGregor R, et al. Inhibition of monoamine oxidase B
dependence in men. Arch Gen Psychiatry. 1999;56(7):655- in the brains of smokers. Nature. 1996;379(6567):733-6.
61. 30. McKinney EF, Walton RT, Yudkin P, Fuller A, Haldar NA,
1 4 . True WR, Heath AC, Scherrer JF, Waterman B, Goldberg Mant D, et al. Association between polymorphisms in
J, Lin N, Eisen SA, Lyons MJ, Tsuang MT. Genetic and dopamine metabolic enzymes and tobacco consumption
environmental contributions to smoking. Addiction. in smokers. Pharmacogenetics. 2000;10(6):483-91.
1997;92(10):1277-87. 31. Pianezza ML, Sellers EM, Tyndale RF. Nicotine metabolism
15. Carmelli D, Swan GE, Robinette D, Fabsitz R. Genetic defect reduces smoking. Nature. 1998;393(6687):750.
influence on smoking - a study of male twins. N Engl J 3 2 . Tyndale RF. Genetics of alcohol and tobacco use in
Med. 1992;327(12):829-33. humans. Ann Med. 2003;35(2):94-121.
16. Lerman C, Caporaso NE, Audrain J, Main D, Bowman ED, 33. Malaiyandi V, Sellers EM, Tyndale RF. Implications of CYP2A6
Lockshin B, Boyd NR, Shields PG. Evidence suggesting the genetic variation for smoking behaviors and nicotine
role of specific genetic factors in cigarette smoking. Health dependence. Clin Pharmacol Ther. 2005;77(3):145-58.
Psychol. 1999;18(1):14-20. 34. O'Loughlin J, Paradis G, Kim W, DiFranza J, Meshefedjian
17. Osler M, Holst C, Prescott E, Sorensen TI. Influence of G, McMillan-Davey E, et al. Genetically decreased CYP2A6
genes and family environment on adult smoking behavior and the risk of tobacco dependence: a prospective study
assessed in an adoption study. Genet Epidemiol. of novice smokers. Tob Control. 2004;13(4):422-8.
2001;21(3):193-200. 35. Lerman C, Patterson F, Berrettini W. Treating tobacco
1 8 . Heath AC, Kirk KM, Meyer JM, Martin NG. Genetic and dependence: state of the science and new directions. J
social determinants of initiation and age at onset of Clin Oncol. 2005;23(2):311-23.
smoking in Australian twins. Behav Genet. 36. Schinka JA, Town T, Abdullah L, Crawford FC, Ordorica PI,
1999;29(6):395-407. Francis E, et al. A functional polymorphism within the
19. Madden PA, Heath AC, Pedersen NL, Kaprio J, mu-opioid receptor gene and risk for abuse of alcohol and
Koskenvuo MJ, Martin NG. The genetics of smoking other substances. Mol Psychiatry. 2002;7(2):224-8.
persistence in men and women: a multicultural study. 37. Markou A, Paterson NE, Semenova S. Role of gamma-
Behav Genet. 1999;29(6):423-31. aminobutyric acid (GABA) and metabotropic glutamate
20. do Prado-Lima PA, Chatkin JM, Taufer M, Oliveira G, receptors in nicotine reinforcement: potential
Silveira E, Neto CA, et al. Polymorphism of 5HT2A pharmacotherapies for smoking cessation. Ann N Y Acad
serotonin receptor gene is implicated in smoking Sci. 2004;1025:491-503.
38. Sullivan MA, Covey LS. Nicotine dependence: the role for 45. Yudkin P, Munafo M, Hey K, Roberts S, Welch S,
antidepressants and anxiolytics. Curr Opin Investig Drugs. Johnstone E, et al. Effectiveness of nicotine patches in
2002;3(2):262-71. relation to genotype in women versus men: randomised
3 9 . Roses AD. Pharmacogenetics and the practice of controlled trial. BMJ. 2004;328(7446):989-90.
medicine. Nature. 2000;405(6788):857-65. 46. Lerman C, Jepson C, Wileyto EP, Epstein LH, Rukstalis M,
4 0 . Berrettini WH, Lerman CE. Pharmacotherapy and Patterson F, et al. Role of functional genetic variation in
pharmacogenetics of nicotine dependence. Am J the dopamine D2 receptor (DRD2) in response to
Psychiatry. 2005;162(8):1441-51. bupropion and nicotine replacement therapy for tobacco
41. Kirchheiner J, Klein C, Meineke I, Sasse J, Zanger UM, dependence: results of two randomized clinical trials.
Murdter TE, et al. Bupropion and 4-OH-bupropion Neuropsychopharmacology. 2006;31(1):231-42.
pharmacokinetics in relation to genetic polymorphisms 4 7 . Lerman C, Wileyto EP, Patterson F, Rukstalis M, Audrain-
in CYP2B6. Pharmacogenetics. 2003;13(10):619-26. McGovern J, Restine S, et al. The functional mu opioid
42. Miksys S, Lerman C, Shields PG, Mash DC, Tyndale RF. receptor (OPRM1) Asn40Asp variant predicts short-term
Smoking, alcoholism and genetic polymorphisms alter response to nicotine replacement therapy in a clinical
CYP2B6 levels in human brain. Neuropharmacology. trial. Pharmacogenomics J. 2004;4(3):184-92.
2003;45(1):122-32. 48. Haggstram FM, Chatkin JM, Sussenbach-Vaz E, Cesari DH,
43. Lerman C, Barrettini W, Pinto A, Patterson F, Crystal-Mansour Fam CF, Fritscher CC. A controlled trial of nortriptyline,
S, Wileyto EP, et al. Changes in food reward following sustained-release bupropion and placebo for smoking
smoking cessation: a pharmacogenetic investigation. cessation: preliminary results. Pulm Pharmacol Ther.
Psychopharmacology (Berl). 2004;174(4):571-7. 2006;19(3):205-9.
44. Johnstone EC, Yudkin PL, Hey K, Roberts SJ, Welch SJ, 49. Perkins KA, Stitzer M, Lerman C. Medication screening for
Murphy MF, et al. Genetic variation in dopaminergic smoking cessation: a proposal for new methodologies.
pathways and short-term effectiveness of the nicotine Psychopharmacology (Berl). 2006;184(3-4):628-36.
patch. Pharmacogenetics. 2004;14(2):83-90.