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EISSN 1676-5133 doi:10.3900/fpj.1.3.39.

Efeitos da prática regular de atividade


física sobre o estado cognitivo
e a prevenção de quedas em idosos

Artigo Original

Vernon Furtado da Silva Cristiane Matsuura


Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Motricidade Humana da Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Motricidade Humana da
Universidade Castelo Branco/RJ Universidade Castelo Branco/RJ
vfs@castelobranco.br vfs@castelobranco.br

Silva, V.F.; Matsuura, C. Efeitos da prática regular de atividade física sobre o estado cognitivo e a prevenção de quedas em idosos.
Fitness & Performance Journal, v.1, n.3, p.39-45, 2002.

RESUMO: Sessenta (N=60) indivíduos variando entre 65 e 75 anos de idade foram estudados em condições de pré e pós-pro-
grama de treinamento, para se verificar os efeitos da prática sistemática de exercícios físicos sobre índices de queda e tendência
às mesmas, bem como em minimização de efeitos deletérios do envelhecimento sobre a saúde mental. Estes indivíduos compu-
seram três grupos diferenciados, sendo dois deles associados a tipos de exercitação física: exercícios na praia (GEP) e exercícios
de força (GEF). O terceiro grupo cumpriu tarefas comuns inerentes à vida social (GPS). Parâmetros de mobilidade e marcha
foram examinados através da Escala de Tinetti. Para verificação da saúde mental dos idosos utilizou-se o Mini-mental State Test.
Os resultados mostraram que os idosos que realizaram treinamento de força de forma regular obtiveram índices de incidência de
quedas significativamente inferior aos índices dos outros dois grupos (p < 0,05 em ambas comparações). Também uma melhor
mobilidade e qualidade da marcha, bem como escore mais elevado no “Mini-mental State Test”, embora não estatisticamente
significativo (p > 0,05 em ambas comparações). Os grupos GEP e o GPS não apresentaram diferenças significativas entre si tanto
no item de queda e tendência à mesma quanto no teste de cognição. Estes resultados foram discutidos como suporte à noção da
necessidade de se introduzir o treinamento de força em programas de prevenção de quedas em pessoas idosas.

Palavras-chave: envelhecimento, quedas, atividade física, saúde mental.

Endereço para correspondência:

Data de Recebimento: março / 2002 Data de Aprovação: abril / 2002

Copyright© 2002 por Colégio Brasileiro de Atividade Física, Saúde e Esporte.

Fit Perf J Rio de Janeiro 1 3 39-45 mai/jun 2002


ABSTRACT RESUMEN

The effects of systematic physical activity practice upon the cognitive Los efectos de la práctica sistemática de ejercicios físicos en el ítem de
status and falls prevention of aged people cognición y prevención de caídas de individuos viejos
Sixty (N= 60) elderly individuals varying in age from 65 to 75 were studied in Sesenta (N=60) indivíduos entre los sesenta y cinco y los setenta y cinco anos
order to verify the effects of regular exercising programs on index of falls and/ han sido estudiados en condiciones de pre y de posprograma de entrenamiento,
or tendency for that. Also, whether the regular exercise program could minimize para verificar los efectos de la práctica sistemática de ejercicios físicos en los
the deleterious effects of aging on mental state condition. Those individuals were índices de caídas y de tendencia a caídas y también en la minimización de los
directed to one of three groups according to the nature of exercise practiced efectos deleterios del envejecimiento sobre la salud mental. Con estos individuos
at the beginning of the study. Accordingly, one group was composed by those se han formado tres grupos de lcuales han sido asociados a tipos de ejercitación
who exercised at the beach (BEG), others by the ones who practiced the strength física – ejercicios en la playa (GEP) e ejercicios de fuerza (GEF). El tercer grupo
training program (STG) and the remaining individuals comprised the control ha cumplido tareas comunes de la vida social (GPS). Parámetros de mobilidadad
group (ECG). Each group included 20 individuals. For evaluating the groups marcha han sido examinados a través de la escala de Tinetti. Y para la verificación
baseline and post exercise conditions the instruments used were the Tinetti Scale de la salud mental de los viejos fue utilizado el Mini-Mental State Test. Los resul-
for the falls and tendency to falling and the Mini Mental State test for the mental tados han mostrado que los viejos que han realizado entrenamiento de fuerza
state evaluation. The results indicated that the strength group was significantly con regularidad han obtenido índices de incidencia de caídas significativamente
better than the other two groups in terms of falls and tendency for falling preven- inferiores a los índices de los otros grupos (p< 0,05 en las dos comparaciones)
tion (p< 0.05 for both comparisons) and also, better in the Mental State Test y también en el ítem de cognición el grupo de fuerza ha obtenido mejor perfor-
(p< 0.05 for both comparisons). There were no significant differences between mance. Los grupos GEP y GPS no han presentado diferencias significativas en el
the control and beach exercise practice groups either, on the falls and tendency ítem de las caídas y la tendencia a caídas, ni en el test de cognición p> 0,05 en
for falling and on the Mental State Test (p> 0.05 for both comparisons). Those las dos comparaciones). Estos resultados han sido discutidos como soporte a la
results were taken as indicating strength training as an effective instrument for noción de la necesidad de introducir el entrenamiento de fuerza en programas
falls prevention in older people. de prevención de caídas de personas de edad avanzada.
Keywords: Aging, falls, physical activity, mental health, cognition Palabras clave: Envejecimiento y actividad física, caídas, salud mental

INTRODUÇÃO

Em função da alteração na distribuição da população mundial indicam que para eles não basta apenas viver mais anos, dar
no que diz respeito à idade, os problemas relacionados à saúde vida aos anos complementa uma grande parte na consideração
pública continuam evoluindo e dentre eles, os que correspondem e elevação da alta estima necessária à motivação para continuar
a doenças cardiovasculares, derrames e câncer são os mais des- a viver. O idoso precisa se sentir útil, capaz de realizar as pró-
tacáveis. Um outro problema que tem recebido pouca atenção, prias ações, não depender de terceiros para realizar as tarefas
mais que se constitui em uma quase epidemiologia é o que se componentes da sua vida diária.
refere especificamente a queda do idoso. Estas, em virtude, das
Além dos fatores acima mencionados como permeadores da
inúmeras consequências relacionadas, constitui, realmente, um
queda do idoso, substanciais evidências indicam que uma baixa
preocupante problema de saúde pública dado à sua freqüência,
função cognitiva pode também aumentar o risco de cair, visto
morbidade associada e aos elevados custos que o tratamento pós
que esta função tem efeitos diretos sobre o controle postural
queda demanda20. Ao se associar este problema a questão de
lesões não intencionais que representam um grande percentual devido principalmente a sua relação com a uma capacidade
dos fatores de risco e causas mortis da população idosa no país, de julgamento comprometida, desorientação visual-espacial e
o mesmo representa a sexta causa de morte entre indivíduos desta alterações comportamentais associadas2,10,13,18,19. Para Perracini11,
população idosos10. Dados estatísticos têm sistematicamente além do julgamento, as capacidades de atenção e memória
demonstrado que 30% das pessoas com mais de 65 anos, na também podem estar limitadas e predispor indivíduos dementes
maioria das comunidades, caem pelo menos uma vez por ano, (demência do envelhecimento) a quedas. A incidência de que-
sendo que esta incidência pode chegar a 50% quando idades das em pessoas com distúrbio cognitivo chega a ser duas vezes
mais avançadas são consideradas (acima de 85 anos) ou idosos mais elevada (40 a 60%) do que numa população idosa com
residentes em instituições asilares8. Os efeitos das quedas são funcionamento normal das funções cognitivas15.
múltiplos e normalmente incluem, além das lesões graves (in- Felizmente, a pesquisa orientada na direção da prevenção de
clusive fraturas), efeitos psicológicos negativos tais como medo quedas vem demonstrando que este problema, de etiologia mul-
de cair de novo e falta de confiança (relações de baixa estima) tifatorial10,11,20 , pode ser minimizado e, até certo ponto, norma-
que repercutem diretamente sobre a autonomia e independência lizado. Recuperação da força muscular compatível, restauração
funcional.
do equilíbrio e diminuição de medicamentos são, dentre outros
Tratando-se, portanto, de pessoas idosas, os fatores inerentes à vários benefícios, os mais mencionados na literatura correspon-
manutenção da autonomia e independência funcional são fun- dente. Considerando-se, como enfatiza Tinetti19 , que quanto
damentais para o dia-a-dia das mesmas. Pesquisas focalizadas maior for o número de fatores de risco presentes, maior será a
sobre a alta-percepção de indivíduos em idades bem avançadas probabilidade do indivíduo cair, qualquer fator do contingente

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de riscos presentes que possa ser eliminado, se traduz em uma se tornaria mais adequada, marcando assim uma possível dife-
menor probabilidade de queda nesta população ou em qualquer rença de função cognitiva dos indivíduos treinados sobre outros
outra que se possa destacar. Logo, um programa interventivo menos ativos.
vislumbrado neste sentido preventivo deve visar a redução do
Diante do que foi acima apresentado, duas questões poderiam
maior número possível de fatores de risco de quedas. Ao longo
ser expressas como de grande importância para pesquisas
do tempo e do desenvolvimento da concepção atrelada aos be-
conseqüentes: 1) Poderia este tipo de atividade física realmente
nefícios da atividade física como mediadora do envelhecimento
minimizar o índice de probabilidade de queda em pessoas ido-
orgânico do homem, algumas relações têm sido mostradas entre
sas? e 2) Esta mesma atividade poderia beneficiar as condições
esta atividade e a prevenção de quedas na população idosa de
cognitivas destas pessoas? A presente pesquisa se destina a
uma sociedade.
examinar estas duas questões.
Spirduso16, por exemplo, relata que o exercício contribui para
este tipo de prevenção mediante diferentes mecanismos os quais
MATERIAL E MÉTODO
incluem (1) o fortalecimento dos músculos das pernas e costas; (2)
melhora dos reflexos; (3) melhora da sinergia motora das reações
posturais; (4) melhora da velocidade da marcha; (5) incremento Amostra
na flexibilidade; (6) manutenção do peso corporal; (7) melhora da A amostra foi composta por 60 sujeitos, com idade entre 65 e 75
mobilidade; e (8) diminuição do risco de doença cardiovascular. anos de ambos os sexos, que se apresentaram como voluntários.
Uma outra concepção bastante aceita neste mesmo sentido é Os idosos foram divididos em três grupos. O grupo M foi formado
a de que o exercício regular pode minimizar a lentificação do por 15 indivíduos praticantes de caminhada e musculação (7 do
tempo de reação e movimento, condições que normalmente se sexo masculino e 8 do sexo feminino), freqüentadores de acade-
manifestam em decorrência do mal funcionamento do sistema mias de ginástica da cidade do Rio de Janeiro (RJ). O grupo GP
nervoso central, diminuindo a função dos reflexos do corpo e foi formado por praticantes de caminhadas e ginástica na praia
comprometendo a coordenação e o equilíbrio corporal. Spirdu- (6 do sexo masculino e 9 do sexo feminino). O grupo controle
so16 (e outros vários autores) tem destacado que a atividade física foi formado por 30 indivíduos sedentários (12 do sexo masculino
pode ser uma das mais poderosas intervenções, correntemente e 18 do sexo feminino). Todos os indivíduos eram considerados
disponível, para combater a deterioração destas capacidades saudáveis, isentos de qualquer patologia ortopédica e/ou neu-
que ocorre em função do processo de envelhecimento orgânico. rológica ou outro distúrbio que pudesse interferir na análise da
marcha e equilíbrio. Todos os sujeitos foram informados sobre a
Apesar da geralmente aceita concepção que a exercitação física
finalidade do estudo e não receberam gratificação alguma pela
pode exercer uma potencial prevenção de quedas em pessoas
participação.
idosas, poucos estudos têm sido feitos nesta área. Talvez, em
virtude do prolongado período de tempo necessário a investiga-
ções desta natureza e aos gastos que normalmente contrapõem INSTRUMENTOS E TESTES
tais investigações. Por estes e outros problemas associados, a
maioria dos estudos relacionados aos fatores causadores de Foram aplicados dois questionários (Q) compostos e validados
quedas não tem se detido os números reais de incidência das para esta pesquisa especificamente. Um deles, denominado Q1
mesmas. Todavia, uma linha de muitos estudos associados, tem foi composto por 11 itens formulados em formato aberto, que
evidenciado que tanto o treinamento de força quanto o aeróbio examinaram o histórico de quedas e a morbidade decorrente das
podem melhorar a função neuromuscular, a marcha, o equilíbrio mesmas. O segundo, ou Q2, foi composto por 6 itens também
e a saúde mental em indivíduos de idade avançada, bem como em formato aberto. Neste o interesse foi centrado em questões
uma conseqüente diminuição no risco de aparecimento de ou- relativas à prática de atividade física, envolvendo tipo, duração,
tras morbidades, associadas a outros fatores de risco de quedas intensidade percebida, freqüência e tempo de prática da atividade
dos mesmos7. Considerando, portanto, que o treinamento de desempenhada.
força tem se mostrado efetivo em termos de melhorar as funções
O Teste de Equilíbrio e Marcha de Tinetti como proposto por
neuromusculares e outras funções associadas de idosos, teori-
Tinetti17 é utilizado para avaliar a marcha e o equilíbrio em in-
camente parece ser possível que este tipo de exercitação física
divíduos idosos. Raiche et al14 testaram a validade da Escala de
possa também ter efeitos preventivos na tendência a quedas que
Tinetti para predizer indivíduos que sofreriam pelo menos uma
estes normalmente demonstram ou sofrem. Isto porque, além da
vez no ano subseqüente. Um escore igual ou inferior a 36 pontos
possibilidade que tais atividades possam implementar as condi-
identificou 7 de 10 caidores com 70% de sensibilidade e 52% de
ções dos membros de suporte e postura do corpo, a condição
especificidade. Essas características suportam o uso deste teste
destas também produzirem adaptações neurais compatíveis com
para identificar pessoas idosas com risco de cair para incluí-las
a necessidade de uma efetoração motriz eficiente é realmente
numa intervenção preventiva.
bem grande. Paralelamente, uma grande possibilidade também
existe de que em decorrência de adaptações neurais efetivas, a O estado cognitivo foi avaliado pelo “Mini-mental State Test”
condição de pensar o corpo em relação ao mundo circundante (MMS). O MMS é um instrumento validado, confiável e breve

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Tabela 1 - Idade, percentual de caidores e escores obtidos na Escala de Tinetti e no Mini Mental State Test (média ± desvio padrão) pelos
diferentes grupos. (NAF) não praticantes de atividade física; (M) musculação e (GP): ginástica na praia
NAF M GP
Idade 69,27±2,76 69,8±3,38 69,6±3,11
% de caidores 33,33 13,33 40
Escore na Escala de Tinetti 36,3±2,59 38,8±2,11 37,27±2,68
Escore no MMS 28±2,3 29,47±1,06 28,87±1,46

Figura 1 - Percentual de Incidência de quedas observado em


em formato de histograma. Para o trabalho referente ao teste
indivíduos sedentário (NAF), praticantes de musculação (M) e da hipótese principal do estudo, os grupos foram comparados
praticantes de ginástica na praia (AF) estatisticamente através da análise de variância (ANOVA) não
paramétrica (Kruskal Wallis Test). Os resultados significativos
foram então analisados pelo teste de Tukey de forma a identificar
M o ponto da diferença encontrada. Foi utilizada a correlação de
Pearson para estabelecer a relação entre o nível de função física
e o status cognitivo dos grupos. A significância estatística definida
NAF para o teste das hipóteses principais foi de α= ou < 0,05.

AF RESULTADOS E DISCUSSÃO

No presente estudo, os indivíduos foram submetidos a dois testes:


0 5 10 15 20 25 30 35 a Escala de Tinetti e o “Mini-mental State Test”. Os resultados
encontrados em específica relação com estes testes estão apre-
sentados Tabela 1 e, para uma melhor visualização, plotados
utilizado para avaliação do estado cognitivo, que tem uma alta
nas figuras 2 e 3, respectivamente.
confiabilidade interavaliador e fácil de administrar. O instrumento
tem instruções padronizadas e leva cerca de 10 minutos para O fato de maior importância decorrente das análises dos re-
ser administrado. Aspectos principalmente relacionados com sultados, é sem dúvida, a melhor performance do grupo prati-
a atenção e a memória são verificados (orientação, relembrar cante de musculação (exercícios para ganhos de força) sobre os
uma palavra, reconhecimento de frases e desenhos, iniciação e praticantes de ginástica na praia e não praticantes de atividade
manutenção de respostas verbais e motoras). Um escore máxi- física. Ou seja, a probabilidade significativamente menor de cair
mo de 30 pontos indica uma ótima performance. Os prejuízos e o número significativamente menor de ocorrência de queda
cognitivos são definidos de acordo com o ponto de corte, que é demonstrados por este grupo sugere que realmente o exercício
um escore igual ou abaixo de 24 pontos. com carga (sistemático) é de fato um efetivo “preventor” destes
tipos de acidentes.

TRATAMENTO ESTATÍSTICO O motivo contido na diferença significativa entre os escores ob-


tidos pelo grupo que praticava musculação e o não praticante
A estatística utilizada teve como organização inicial à descrição de atividade física (38,8±2,11 vs 36,3±2,59 pontos) é, como
dos dados resultantes da pesquisa, que foram reduzidos em ter- se esperava, relativo ao tipo de atividade praticada. Ou seja, os
mos de média e desvio padrão. Ainda, os mesmos foram pilotados comprovados benefícios do treinamento contra resistência, sobre

Figura 2 - Escore obtido na Escala de Mobilidade e Marcha de Figura 3 - Escore obtido no Mini Mental State Test pelos grupos
Tinett pelos grupos estudados estudados

30 40
29,5 39
29 38
28,5 37
28 36
27,5 35
27 34
26,5 33
26 32
25,5 31
25 30
NAF M GP NAF M GP

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o incremento da força e da qualidade da marcha e mobilidade. e sobre a condição psíquica do praticante. Todavia, como as ta-
Da mesma forma, a não diferença estatística obtida na compa- refas, na ginástica, são normalmente executadas sem sobrecarga
ração entre o grupo que praticou ginástica na praia e o grupo (senão a carga do próprio corpo), o nível de força que o indivíduo
não praticante de atividade física (37,27±2,68 vs 36,3±2,59) pode atingir é bem menor do que pode ser alcançado diante de
tem relação específica com as modalidades praticadas por eles. um treinamento com carga. E por não ser estimulado para isto,
Como citado por Matsudo et al9, tudo leva a crer que exercícios o resultado da ginástica passa a ser mais associado a funções
realizados com cargas muito leves não implicam em ganhos de ordem psíquica e, cardiovascular do que propriamente sobre
significativos na força, redução da sarcopenia e na mobilidade a gestão e controle do corpo em movimento.
de indivíduos idosos. Neste caso, a ginástica aparece como uma
Berg e Lapp (apud Matsudo et al9) avaliaram o efeito de 8 se-
atividade de poucos efeitos sobre os elementos constituintes da
manas de exercícios para membros inferiores com caneleiras e
força muscular.
encontraram um pequeno incremento na força (6,6% na flexão
A incidência de quedas foi também significativamente maior em de joelho) e nenhum efeito sobre a mobilidade, a velocidade de
indivíduos do gênero feminino em comparação ao masculino. marcha e o tempo de reação para dar um passo. Silva et. al.
Quarenta por cento (40%) das mulheres caíram, ao passo que (apud Matsudo et al9) mostraram que um programa de ginástica
somente 16% dos homens tinham sofrido uma queda, índice localizada realizado por 4 meses não foi suficiente para promover
que estabelece uma razão de 2,5:1. Proporção semelhante alterações na aptidão física em um grupo de mulheres com idade
foi encontrada por Blake et al1, que relataram uma razão de entre 59 e 68 anos. Nevitt10 coloca que o treinamento aeróbio
aproximadamente 2,7:1. Estes resultados estão representados e exercícios de baixa intensidade podem ter efeitos insuficientes
na tabela 1. sobre a força muscular, equilíbrio e outros fatores de risco para
De acordo com a maioria dos estudos, cerca de 30% dos in- quedas. Matsudo et al9 sugeriram que o exercício realizado com
divíduos com mais de 65 anos caem por ano 1,19. A incidência cargas muito leves não implica em incrementos significativos na
de quedas no grupo controle foi de 33,3%, percentual um força, redução da sarcopenia e/ou na mobilidade de indivíduos
pouco maior do que aquele da literatura na área. No entanto, idosos.
a incidência destas entre os idosos que praticavam musculação, Portanto, um programa de ginástica, pela sua natureza de baixa
foi significativamente menor do que a relativa ao PGP e NAF intensidade de esforço (na maioria dos programas com idosos)
conforme mostrado acima (Tabela 1). não oferece os meios que o organismo neuromuscular precisa
O medo de cair foi enfatizado por um número significativamente para se manter ou proceder em ganhos funcionais adequados.
maior dos sujeitos que praticavam ginástica na praia em contraste A Escala de Tinetti foi proposta por ele para avaliar a mobilidade
aos que realizavam treinamento de força (40% vs 20%). Este e a marcha dos indivíduos idosos. Ela vem sendo utilizada, por
fato era esperado, embora muitos possam pensar que a areia sua facilidade de aplicação, em triagens em idosos na tentativa
da praia possa prover feedback proprioceptivo mais efetivo para de identificar possíveis caidores; já que a mobilidade e a marcha
o desenvolvimento de uma postura corporal mais adequada à prejudicadas constituem os mais significativos fatores de risco para
manutenção do equilíbrio de um indivíduo. Na verdade, o que quedas3. Alguns aspectos da locomoção deficiente (iniciação da
se pode inferir diante deste, de certa forma conflitante, resultado caminhada, virar, parar) são altamente relacionados com quase
é que muito mais do que do desenvolvimento proprioceptivo, o todo tipo de queda3. Raiche et al14 reportaram que 7 de 10 ido-
equilíbrio do corpo depende também de condições articulares e sos que obtêm escore abaixo ou igual a 36 na Escala de Tinetti
musculares que possam garantir tal postura. Neste caso, parece sofreram, no período de um ano, pelo menos uma queda. Foi
ser correto se afirmar que o trabalho com carga pode ser mais encontrada, no presente estudo, uma razão diferente à relatada
efetivo para este tipo de condição. por aquele autor, quando consideramos o fato de que, em ambos
Surpreendentemente, a probabilidade de incidência de quedas os grupos, dos 10 idosos que obtiveram escore menor ou igual a
nos idosos que praticavam ginástica não foi menor do a dos 36, cinco deles relataram ter sofrido uma queda. No grupo dos
sedentários, como se esperava ocorrer conforme apresentado idosos que praticavam atividade física, 4 de 5 caíram e, dentre
na Figura 1. aqueles que não se exercitavam, 4,2 de 10 caíram. Essa diferença
pode ser explicada pelo tamanho da amostra, na qual somente
A prática regular de atividade física tem sido uma intervenção
5 dos sujeitos do grupo NAF obteve escore menor ou igual a 36
constantemente proposta para prevenção de quedas e lesões
pontos. Apesar disto, o escore médio obtido pelo caidores foi
decorrentes da mesma6, apesar da literatura conflitante a esse
35,5±2,83, significativamente menor que o alcançado pelos
respeito12. No presente estudo, contudo, não foi possível consta-
que não caíram, que foi 38,95±1,62. NAFMGP
tar esse efeito protetor para o grupo que praticava ginástica na
praia, ocorrência diferente do resultado do grupo de musculação No que tange ao “status” cognitivo dos grupos, não foram
(treinamento de força) no qual somente 13,3% dos indivíduos encontradas diferenças significativas entre todos os grupos par-
pertencentes a este grupo, nesta pesquisa, relataram ter sofrido ticipantes deste estudo (p> 0,05 em todas as comparações),
(uma) queda. A prática de ginástica na praia pode ser benéfica, embora o escore obtido pelo grupo praticante de musculação
conforme relatado pelos indivíduos, na socialização, motivação (29,47±1,06) tenha sido maior que os obtidos pelos grupos PGP

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(28,87±2,11) e NAF (28±2,3). Este fato pode ser explicado por CONCLUSÃO
terem sido excluídos do estudo os sujeitos que apresentavam gra-
ves distúrbios cognitivos, como demência, que pudessem afetar a Dada a etiologia multifatorial das quedas, um programa preven-
qualidade da marcha e equilíbrio. Indivíduos saudáveis e normais tivo deve tentar identificar todos os possíveis fatores de risco mo-
conseguem responder sem muita dificuldade às questões do Mini dificáveis e promover intervenções que possam minimizar ou fazer
Mental State Test. Segundo Folstein et al5, indivíduos normais cessar os riscos. Embora não possamos predizer, com certeza,
apresentam escore em torno de 27,6, um valor bem próximo do qual seria um programa ideal para esse fim, pelos benefícios com-
alcançado pelo grupo NAF (28±2,3). provados do treinamento de força sobre a função física do idoso,
A presença de déficits na função cognitiva constitui, segundo pelo alto escore na Escala de Tinetti e no MMS e, principalmente,
Nevitt10 em um estudo de revisão, um dos fatores de risco que sobre a baixa incidência de quedas revelados no presente estudo
mais se correlacionam com um evento queda. Esta tendência pelo grupo praticante de musculação, pode-se recomendar esse
mostrou-se presente em praticamente todos os estudos que ten- tipo de atividade como sendo altamente benéfica e adequada à
taram identificar fatores de risco correspondentes a este evento. minimização do risco de quedas. Todavia, esta informação deve
As deficiências cognitivas limitam o julgamento, a atenção e a ser vista com cautela e sabedoria. A carga utilizada em muitos
memória, podendo predispor os indivíduos à quedas11. Ainda, programas de musculação tem objetivos bastante diferenciados
prejuízos cognitivos podem aumentar o risco de quedas em função dos que foram propostos aqui. O idoso, diferentemente do adulto
de efeitos diretos sobre o controle postural, além de um julga- normal, tem um organismo bastante diferente em termos de ritmo
mento comprometido, desorientação visuo-espacial e alterações e função. A gradação da intensidade de carga e motivação para
comportamentais relacionadas (ficar vagueando, por exemplo). continuar deve ser bastante apreciada e manipulada com o rigor
Spirduso16 reportou que a taxa de risco para quedas é de 2,3 científico devido. Procedendo-se assim, e com outros cuidados
para indivíduos com déficits cognitivos, ao passo que para os de ordem médica, o trabalho com o idoso pode ser interessante
indivíduos que saem de casa todos os dias é de apenas 1,0. Os e motivante tanto para o profissional a ele atido quanto para
sujeitos que caíram no presente estudo apresentaram um escore o participante do programa. O tempo e as pesquisas tratando
no MMS de 27,62±2,27, valor significativamente menor que o sobre as capacidades de exercitação física desta população
apresentado pelos que não caíram (29,73± 0,55) sendo p<0,05. em especial, certamente vão mostrar serem estes muito mais
competentes do que antes se pensou. Esta possibilidade deve,
Há evidências, segundo Matsudo et al9 , de que indivíduos
portanto, representar uma perspectiva inerente ao trabalho de
envolvidos numa prática regular de atividade física apresentam
todo e qualquer profissional na área da saúde humana.
um melhor desempenho das funções cognitivas por ação de
mecanismos diretos (melhora na circulação cerebral e alteração
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hipotetizar que indivíduos idosos com uma melhor mobilidade e Brasileira de Atividade Física e Saúde 5(2): 60-76.
marcha adequada podem dispor de um melhor status cognitivo 10. Nevitt, M.C. (1997). Falls in the elderly: risk factors and prevention. In: Joseph C.
do que outros menos eficientes nestes fatores. Este foi o caso Masdeu, Lewis Sudarski & Leslie Wolfson (eds.). Gait disorders of aging. Falls and therapeutic
strategies. (p.13-36). Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers.
neste estudo uma vez que os indivíduos com níveis de habilida-
11. Perracini, M.R. (2000). Fatores associados a quedas em uma coorte de idosos residentes
des mais elevados, demonstrados pela melhor performance nos no município de São Paulo. Tese de Doutorado. Escola Paulista de Medicina, USP, São Paulo.
testes de mobilidade e marcha foram também os que mais se 12. Province, M.A., Hadley, E.C., Hornbrook, M.C. et al (1995). The effects of exercise on
falls in elderly patients. A preplanned meta-analysis of the FICSIT trials. JAMA 273(17):
destacaram no teste que avaliou o status cognitivo dos mesmos. 1341-1347.
Isto é, resultados que dão suporte aos de Spirduso16 , todos já 13. Prudham, D. & Evans, J.G. (1981). Factors associated with falls in the elderly; a com-
comentados acima. munity study. Age and Aging 10(3): 141-146.

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14. Raiche, M., Hébert, R., Prince, F.et al (2000). Screening older adults at risk of falling 18. Tinetti, M. E., Williams, F.T. & Mayewski, R. (1986). Fall risk index for elderly patients
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