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Londrina
2009
ELI BECK BRAGA
Londrina
2009
2
ELI BECK BRAGA
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Jeremias Klein - Orientador
UNIFIL – Centro Universitário Filadélfia
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
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Londrina
2009
3
Homenageio minha família,
dedicando este trabalho à minha
querida esposa e filhos.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus Pai, Filho e Espírito Santo, por sua maravilhosa revelação manifesta
em minha vida e por sua iluminadora direção neste trabalho.
Ao Prof. Dr. Carlos Jeremias Klein, meu orientador, pelas suas significativas
sugestões e acompanhamento constante e repleto de palavras de ânimo e
incentivo que foram determinantes para a conclusão desta tarefa.
Aos meus filhos Lucas, Lúcia e Mateus, que souberam conviver com minha
distância e constantemente me incentivaram a concluir o trabalho.
5
Eu acredito no cristianismo como
acredito que o sol nasce todo dia. Não
apenas porque o vejo, mas porque
através dele eu vejo tudo ao meu redor.
(C. S. Lewis)
6
RESUMO
7
ABSTRACT
8
SUMÁRIO
Introdução 10
1 – Revisão da Literatura 10
2 – Origem 11
2.1 – Conteúdo 11
2.2 – Definição 12
2.3 – Desenvolvimento 13
2.4 – Legitimidade 16
3 – Significado 18
3.1 – A fé 18
3.2 – Primeira Cláusula 20
3.2.1 – Creio em Deus 20
3.2.2 – Pai Todo-Poderoso 23
3.2.3 – Criador do Céu e da Terra 25
3.3 – Segunda Cláusula 27
3.3.1 – e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor 27
3.3.2 – o qual foi concebido por obra do Espírito Santo,
nasceu da virgem Maria 29
3.3.3 – padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi
foi crucificado, morto e sepultado 33
3.3.4 – desceu à mansão dos mortos 34
3.3.5 – e ressuscitou ao terceiro dia 35
3.3.6 – subiu ao céu e está à direita de Deus Pai
Todo-Poderoso 37
3.3.7 – de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos 38
3.4 – Terceira Cláusula 39
3.4.1 – Creio no Espírito Santo 40
3.4.2 – na santa Igreja católica, [na comunhão dos santos] 42
3.4.3 – na remissão de pecados 42
3.4.4 – na ressurreição do corpo e na vida eterna 43
4 – Relevância para a Igreja Contemporânea 45
Bibliografia 48
9
Introdução
Como o próprio título prediz o Credo, dito dos Apóstolos, será analisado
historicamente, no que diz respeito à sua origem, visto que ela guarda um
misto de lendas e verdades, que necessitam ser delineadas, separando, assim,
o mito da realidade. Essa abordagem inicial revelará que a Confissão
Apostólica vem para suprir necessidades da Igreja num momento em que esta
ainda dava os seus primeiros passos, em meio a pressões externas e internas
que recebia e não contando mais com a tutela direta dos doze apóstolos.
Parasse a pesquisa neste ponto, já teríamos alcançado um ganho
histórico precioso, pois poderíamos absorver a relevância do Credo na vida dos
primeiros crentes, porém esta pesquisa destina-se, também, a decifrar a
estrutura e doutrina do mesmo, à luz da compreensão quando de sua redação,
tendo em vista que, entre tantas funções que qualquer Confissão de Fé
possua, a finalidade última é apresentar; de forma ordenada, clara e concisa; a
essência da fé daquele que crê, como disse Karl Barth: “O homem crê. E,
portanto: o homem toma esta decisão, credo”.1
A partir daí, como não poderia deixar de ser, este trabalho buscará
descobrir nesses dados históricos e apontamentos doutrinários se a Confissão
Apostólica pode ou não, apesar de sua antiguidade, contribuir positivamente na
vida e prática da Igreja em nossos dias.
1 - Revisão da Literatura
Percebe-se, a presença do Credo Apostólico nos livros e composições
de catecismo e liturgia das igrejas cristãs, como no caso do Catecismo da
Igreja Católica Apostólica Romana em sua segunda seção. Até mesmo em
hinários musicais ele é encontrado com o objetivo de apoio à ordem de culto,
caso do Hinário Evangélico, usado pela Igreja Metodista do Brasil 2, em sua
primeira edição. Seu emprego nos cultos da igreja ocidental remete ao século
VI, conforme registros3. Foi utilizado no tratado de Zuínglio, de título “Ato ou
1
CREDO Comentários ao Credo Apostólico. São Paulo: Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. p. 18.
2
HINÁRIO EVANGÉLICO com Ritual. São Paulo: Imprensa Metodista, 1977. p. 77
3
Schaff, Creeds of Christendom, vol.1, 20. Citado por A. A. Hodge, Outlines of Theology (Edinburgh, & Pennsylvania:
The Banner of Truth Trust, 1991), 115. Citado por www.monergismo.com/textos/credos/credoapostolico.htm -
20/08/2009.
10
uso da Santa Ceia”, de 13 de abril de 1525, quando a certa altura da liturgia e
introduzido pelo primeiro diácono, o Credo Apostólico é recitado por todos,
homens e mulheres, alternadamente4. Ele apresentava-se, ainda, nas liturgias
de culto pertencentes a Farel e Calvino, associado à ministração do
sacramento da ceia5. Entre as Igrejas de Confissão Luterana sua presença
figura pelo menos desde 1822, quando foi instituída a liturgia da Igreja na
Prússia por Guilherme Frederico III6.
Nota-se, também, ao verificar livros existentes sobre o tema, uma boa
quantidade de trabalhos – sejam de origem Católica Romana, Protestante ou
Reformada - que procuram classificar e decifrar os aspectos doutrinários do
Credo dos Apóstolos. Isto, por si só, somado à observação anterior, já
demonstra a relevância da matéria proposta.
Este breve trabalho, porém, procura somar alguma reflexão sobre a
relevância do mesmo nos dias atuais, tendo em vista o seu desuso na vida
diária da Igreja, seja na liturgia ou nos aparelhos de ensino que esta possui.
Será que a ausência do Credo Apostólico na liturgia eclesiástica mostra que ele
não tem relevância contemporânea? Deve o Credo Apostólico ser tratado no
sistema de ensino eclesiástico apenas como um artigo histórico? Ou será que a
sua origem, formulação e uso, no início da história cristã, apresentam princípios
significativos que possam ser priorizados pela Igreja hoje? Esta é a questão.
É de conhecimento popular que o desenrolar dos acontecimentos do
passado têm lições a serem ensinadas à sociedade, certamente o mesmo
ocorre nesse caso particular da Igreja, que, através desta consulta bibliográfica,
pode valorizar a sua história e doutrina, absorver princípios e contextualizá-los
à práxis da Igreja atual.
2 – Origem
2.1 – Conteúdo
Credo Apostólico
4
OS SACRAMENTOS NA TRADIÇÃO REFORMADA. São Paulo: Fonte Editorial Ltda., 2005. p. 66 - 68.
5
OS SACRAMENTOS NA TRADIÇÃO REFORMADA. São Paulo: Fonte Editorial Ltda., 2005. p. 104 - 115
6
TRENTINI Marcio Arthur. A Liturgia Luterana – de Lutero até o Século XIX – p. 40 -
http://www3.est.edu.br/biblioteca/btd/Textos/Mest_Prof/Trentini_ma_tmp09.pdf. 20/08/2009
11
Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador dos Céus e da Terra.
E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
[desceu à mansão dos mortos], e ressuscitou ao terceiro dia;
subiu ao céu e está assentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso;
de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo;
na santa Igreja católica, [na comunhão dos santos];
na remissão dos pecados;
na ressurreição da carne
e na vida eterna. Amém.
2.2 – Definição
São diversas as denominações atribuídas ao mais popular de todos os
Credos da Igreja Cristã. É comum o uso da terminologia Credo Apostólico. Na
tradição eclesiástica utiliza-se o título Símbolo Apostólico, ou, ainda, Símbolo
da Fé. Podemos também incluir nesta lista a expressão Confissão de Fé.
O vocábulo português Credo vem do latim com o sentido de Creio. Na
realidade o Credo, no latim, começa declarando: “Credo in Deum Patrem”, no
português a mesma oração se repete: Creio em Deus Pai. Assim que o termo
Credo significa apenas Creio, ou seja, “eu creio”, eu confesso a minha fé de
forma pública (cfe. 2 Co 4:13). Daí, o credo não é outra coisa senão uma forma
de se confessar as nossas crenças básicas (Mt 10:32; Rm 10:8-10).
Recebeu ele, primeiramente, a denominação de “Símbolo Apostólico”. A
palavra Símbolo, primitivamente, na língua grega, Symbolon, significava um
objeto que se dividia em duas partes, como contra-senha para identificação
posterior, por exemplo, se dois generais iam separar-se, tomavam uma peça
de barro que era partida em duas e cada um levava consigo uma metade. Se
12
mais tarde precisassem se corresponder, bastava que um deles enviasse junto
com a mensagem o pedaço do objeto que se encaixaria perfeitamente com o
que tinha o outro general. Na tradição cristã, esta palavra aparece pela primeira
vez em Cipriano, ilustre bispo de Cartago, no século III, que admite que a
profissão batismal dos novos convertidos seja como verdadeiro símbolo, isto
porque na antiguidade cristã, o Credo era utilizado no preparo dos candidatos
ao batismo. Eles recebiam o ensino das verdades contidas no Símbolo da fé
(Traditio Symboli = entrega de símbolo) e posteriormente o recitavam diante do
Bispo (Reditio Symboli = devolução do símbolo). Na tradição da igreja a palavra
Símbolo passou a designar o resumo das verdades da fé que identificava o
cristianismo. Como começava pela palavra Credo, esta se tornou sinônimo de
Símbolo.
Ele é, ao mesmo tempo, Apostólico, qualificação esta recebida em
referência aos doze Apóstolos de Cristo (Lc. 6:13; Ef. 2:19, 20; Ap. 21:14), nem
tanto pela sua autoria, mas sim por expressar, em cada artigo, a fé dos
mesmos, algo que é tratado mais adiante.
Por fim, ele é também chamado Confissão de Fé. Tal expressão denota
a declaração verbal ou escrita daquilo que se crê, sendo esta realizada por um
indivíduo ou coletividade. Nos primeiros trezentos anos de história da Igreja
Cristã, quando a perseguição era severa, a confissão, do latim confessio,
indicava a afirmação do Senhorio de Jesus feita por um mártir que resistira ao
acossamento e não abandonara a sua fé em Cristo. Essa mesma palavra latina
tem sido encontrada nos túmulos de testemunhas cristãs da antiguidade. Vê-se
que tal título é corretamente empregado em relação ao Credo Apostólico,
embora não possa ser exclusivo desse, pois a mesma pode aludir a outros
credos da antiguidade e confissões modernas.
2.3 – Desenvolvimento
13
expressa na forma de perguntas. Hipólito, teólogo e líder da Igreja romana (ca.
170-235) as cita:
“Crês em Deus Pai Todo-poderoso?
Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus, que nasceu do Espírito Santo e da
Virgem Maria, e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e morreu e, vivo, ressurgiu
dos mortos ao terceiro dia, e subiu aos Céus, e sentou-se à direita do Pai, e há
de vir julgar os vivos e os mortos?
Crês no Espírito Santo, na Santa Igreja, e na ressurreição da carne?” 7
7
TRADIÇÃO apostólica de Hipólito de Roma. Petrópolis:Vozes, 1981. p. 52
8
DOCUMENTOS da Igreja Cristã. São Paulo:ASTE, 2001. p.60
14
totalmente omitida por este9. Temos, já, nesta última apresentação um teor
muito próximo do atual.
A expressão “Criador do céu e da terra” que conclui a primeira cláusula é
presente em escritos antigos do segundo século pertencentes a pais da Igreja,
apologistas e polemistas. Pode também ser uma interpolação, provavelmente
advinda do Credo Niceno, baixado por ocasião do Concílio de Nicéia (325).
As últimas afirmativas de fé a serem adicionadas foram:
1) o conceito e noção de vida eterna, que embora pertença
naturalmente ao Novo Testamento, foi acrescentada com base
em credos orientais, como, por exemplo, o de Marcelo, supra-
citado;
2) a descida de Cristo ao Hades, que figura num credo de
Sirmium (ca. 359), com a seguinte citação: “E Cristo desceu ao
inferno, e por lá regulou as coisas, a quem os porteiros do inferno
viram e estremeceram, e ele então ressuscitou”. J.N.D. Kelly
aponta que este Credo de Sirmium foi rascunhado por um Sírio,
Marcos de Arethusa, e que esse Descenso de Cristo já tinha um
lugar muito antigo no material dos credos Orientais10;
3) A expressão “comunhão dos santos”, que com essas palavras
surge pela primeira vez num sermão de Nicetas de Remesiana,
no fim do século IV, e essa noção sugere o acréscimo de
“Universal” para a cláusula da “Santa Igreja”, onde se manifesta
essa comunhão dos santos.
9
DOCUMENTOS da Igreja Cristã. São Paulo:ASTE, 2001. p.60
10
Kelly, Creeds, p. 379
15
Sendo assim, concluí-se que o Credo Apostólico já deveria estar definido
a partir do início do quinto século, sabendo-se, porém, que lá pelo século XII,
sua forma presente era usada por toda a parte na igreja do Ocidente, sendo
recitado no culto diário e por ocasião dos atos de batismo11. Podemos, ainda,
afirmar que se trata de um documento de fé da cristandade em geral, não
pertencendo a nenhuma Igreja legalmente constituída, seja ela Católica,
Protestante ou Reformada.
2.4 – Legitimidade
11
Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia, 1997. p.950
12
http://www.monergismo.com/textos/credos/introducao_credo_apostolico.htm - 11/05/2009
16
do Egito, da casa da servidão”. A partir daí produz-se uma série de declarações
de fé, das quais a mais importante e utilizada é a de Dt. 6:4 “Ouve, Israel, o
SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR”. Outras significativas são as de Dt.
4:35, 39; 1 Rs. 8:60; 2 Rs. 19:19; Is. 43:12 e Is. 45: 21, 22. Essa herança
histórica está presente nos apóstolos que ao crerem em Jesus Cristo como
Senhor e Salvador, formulam suas próprias declarações de fé, como por
exemplo, a de Pedro, em pelo menos duas oportunidades (Mt. 16:16 e Jo. 6:68,
69), a de Tomé (Jo. 20:28) e também a de Paulo que, escrevendo a primeira
carta aos Coríntios declara: “para nós há um só Deus, o Pai, de quem são
todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo
qual são todas as coisas, e nós também, por ele” (1 Co. 8:6) e, ainda, na
mesma epístola, expondo a respeito da ressurreição de Cristo, registra uma
afirmação de fé (1 Co.15:3-8).
Há de se levar em consideração ainda, que a linguagem empregada no
Credo Apostólico estava presente no fraseado da Igreja em tempos ainda mais
antigos que os já mencionados. A mais remota citação, talvez seja a de Inácio
de Antioquia (ca. 35 – ca. 107) que, opondo-se ao docetismo, expõe dessa
forma as regras de fé dos crentes:
De maneira que, sejam surdos quando alguém vos fale sem Jesus
Cristo,
o qual foi da linhagem de Davi,
de Maria,
quem verdadeiramente nasceu,
comeu como também bebeu,
foi verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos,
foi verdadeiramente crucificado e morreu tendo por testemunhas os
céus, a terra e o que há sob a terra;
quem também verdadeiramente ressuscitou dos mortos, quando o seu
Pai o levantou.
Seu Pai, a sua semelhança, a nós os que nele cremos, nos
ressuscitará da mesma forma em Cristo Jesus, sem o qual não temos
vida verdadeira.”13
Justino (ca. 100-165) outro mártir antigo, disse em sua Apologia (I.61.10
ss.) que entre os cristãos no batismo se pronuncia “... em nome do Pai do
universo e Deus soberano... em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob
Pôncio Pilatos, e em nome do Espírito Santo.” Também Irineu (bispo de Lyon,
ca. 175-195 d.C.) disse em sua obra Adversus haereses (I.x.1-2) que:
13
Carta aos Tralianos, ix.1-2
17
e em um Espírito Santo, o qual através dos profetas proclamou...
e no nascimento virginal,
a paixão,
e a ressurreição de entre os mortos,
e a ascensão em carne ao céu do amado Cristo Jesus, nosso Senhor,
e seu retorno do céu na glória do Pai, para recapitular toda as coisas
em um
e ressuscitar toda a carne de toda a raça humana.”
3. Significado
Como dito anteriormente, muitos teólogos de ramos diversos do
cristianismo, se esforçaram em produzir escritos onde abordam e analisam a
questão doutrinária de cada um dos artigos de fé do Credo Apostólico, alguns
desses são utilizados como base para este trabalho, que ao mesmo tempo,
trata do tema à luz da realidade histórica, quando de sua composição, levando
em consideração determinados pontos, entre eles, a manutenção dos
fundamentos da fé apostólica da Igreja numa era pós-apostólica; a divulgação
do evangelho de fé, bem como, preparo instrutivo de novos convertidos; as
pressões constrangedoras sofridas por parte do Império Romano, que via a
Igreja como inimiga do Estado instituído; e os embates internos no seio da
Igreja em virtude de ensinos heterodoxos que se propagavam então.
Para o presente exame doutrinário utiliza-se a estrutura usual do
Símbolo que se divide em três partes distintas, relativas, cada uma delas, às
três pessoas divinas: Pai, Filho e Espírito Santo. Note-se que esta distinção
deve ser considerada somente para efeito de estudo e, ainda assim, sem
perder-se a perspectiva da unidade do mesmo, pois suas cláusulas são
interligadas, assim como membros e órgãos de um corpo encontram-se
integrados.
Uma breve exposição a respeito de fé é juntamente importante, visto que
o Símbolo é da fé e este se inicia com o termo latino “credo”, ou seja, creio.
3.1 – A Fé
18
Confissão de fé é uma expressão comum para nós cristãos e o termo
crer faz parte de nosso linguajar cotidiano, mas o que é fé? O que significa
crer?
No Antigo Testamento encontra-se o termo ‘fé’ em apenas duas
ocasiões:
1. Dt.32:20 (RA) “...são raça de perversidade, filhos em quem não há
lealdade” (Nwma - ‘emuwn); e
2. Hc.2:4 (RA) “Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá
pela sua fé” (hnwma ‘emuwnah ou forma contrata hnma ‘emunah).
14
EXPOSIÇÃO SOBRE O CREDO. São Paulo. Edições Loyola, 2006. p. 17.
19
uma decisão – a rejeição da incredulidade, a superação da oposição a esta
realidade, a afirmação da sua existência e validade” 15.
Fique bem claro: o ‘crer’ é ação humana; dado que envolve seu próprio
anseio e aspiração, porém é completamente dependente da atuação divina,
como ressalta a segunda metade da resolução acima. É Deus quem se revela,
a iniciativa é d’Ele, que se direciona para junto do homem de várias formas
através do tempo e espaço, até ao ponto de sua maior expressão, a
encarnação de Cristo Jesus, que chama esse para junto de Si. Mais uma vez,
Barth auxilia, ao tratar dessa questão, quando diz:
“Mas o que dá a fé a sua seriedade e poder não é o fato de que o homem tome
uma decisão, nem mesmo a maneira como ele a toma, seus sentimentos, o movimento
da sua vontade, a emoção existencial gerada. Pelo contrário, a fé existe pelo seu
propósito. Ela existe em função do apelo ao qual ela responde. Ela existe por isso,
pois é até onde conseguimos depreender a chamada de Deus: credo in unum Deum...
” 16 (o grifo pertence a edição original).
15
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. p. 18
16
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. pp. 18 e 19
17
EU CREIO EM DEUS. São Paulo. Edições Loyola, 1990. p. 12
20
segundo sua própria convicção deturpada, como o apóstolo Paulo bem explana
no início de sua epístola aos Romanos, ao dizer: “Inculcando-se por sábios,
tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança
da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis...
pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a
criatura em lugar do Criador”. (Rm.1:22, 23, 25). Essa é, portanto, uma
afirmação libertadora do Símbolo, pois o crer em Deus dá cabo de todos os
‘ismos’ religiosos e filosóficos nascidos no interior do próprio ser humano. Sim,
quando o indivíduo declara ‘creio em Deus’ ele destrona de si o politeísmo,
com seus variados e enormes panteões; o dualismo, na essência de sua
proposição, é derribado diante da realidade de um único Deus; o materialismo
emudece diante do agir transcendente do Espírito Absoluto; não sobra opção
de subsistência para o equivocado panteísmo que insiste em confundir o
Criador com a criatura; juntamente, desmorona também o agnosticismo, pois
ao homem é dado conhecer a Deus; por fim, e resumindo a relação, ele faz cair
por terra a negação concreta da existência de Deus, típica do ateísmo.
É digno de nota que no contexto histórico vivido pelos primeiros cristãos
a unidade do império romano proporcionava o desenvolvimento de uma
proximidade entre os diferentes povos que o compunham, permitindo o
intercâmbio a nível comercial, cultural, tecnológico, filosófico e, inclusive
religioso. Os governantes romanos, em geral, permitiam aos povos subjugados
manterem suas próprias expressões de fé desde que estas não pusessem em
perigo a estabilidade de seu comando. Era comum que cultos a divindades
originadas em determinadas regiões do império fossem ‘importadas’ por outras
localidades e até ocorresse sincretismo religioso. Exemplos disso são Serápis,
divindade egípcia, que em sua origem já era fruto da união do Osíris grego e do
Ápis egípcio, cujo culto espalhou-se pelo mundo grego-romano; e Diana
originária de Éfeso, capital da província romana da Ásia, que era adorada em
todo o império romano, e que foi identificada como a Ártemis da mitologia
grega. Isso revela uma cultura religiosa politeísta num sistema aberto e,
portanto, agregador, visto que poderiam ser acrescentados deuses ao panteão
existente a qualquer tempo.
É dentro dessa realidade existente que surge o Cristianismo, nascido
dentro do Judaísmo palestínico. Não fosse o seu caráter exclusivista;
21
claramente percebido através das palavras de sua maior voz: “Eu sou o
caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo. 14:6);
e já teria sido, há muito, absorvido nessa realidade. No entanto ele consegue
manter sua identidade, ainda que perseguido. Pesaram sobre os cristãos várias
acusações, entre elas a de ateísmo, visto que não se prostravam diante dos
inúmeros ídolos que eram então reverenciados, atitude incompreendida pelos
pagãos, dada a cultura religiosa dominante. Alguns eminentes cristãos se
levantaram em defesa da fé, mostrando o absurdo de tal alegação, entre eles,
Justino Mártir (? – ca. 165), que em sua Primeira Apologia declarou: “não
somos ateus, visto que adoramos o Criador do Universo... nosso instrutor
dessas coisas é Jesus Cristo... Ele é o Filho do Deus verdadeiro” 18. Da mesma
forma o Bispo Atenágoras (? - ca. 160) de Atenas, que em sua argumentação
contra a acusação de ateísmo recorre a filósofos e poetas antigos, cujas
articulações sobre Deus eram semelhantes às do cristianismo. Ele censura a
incoerência do tratamento romano recordando-lhes que esses filósofos não
foram tachados de ateus. Em sua Petição em Favor dos Cristãos, resume:
18
www.geocities.com/marquesbrazil/apologia1.htm. 11/08/2009
19
www.veritatis.com.br/article/176. 11/08/2009
22
dessas denominações que revelam a tri-unidade divina, para o momento basta
inclinar-se diante desse mistério agora revelado.
É aqui que o Senhor Deus deixa evidenciada sua condição, ainda que
em etapas distintas, de ‘Pai Todo-Poderoso’. Percebe-se que a metáfora ‘Pai’
lhe é perfeita, pois Ele é o fato gerador da nação de Israel. É ele que promove
a geração desse povo ao enviá-los inicialmente para a Terra do Egito com
apenas 70 almas (Gn. 15:13, 14; 46:27), usando a nação egípcia como que um
23
útero gestacional para transformá-lo num grande povo (Dt. 10:22). Novamente
é ele que promove o nascimento dessa nação, agora em meio a fortes dores
de parto vividas pela nação egípcia que sofre com as dez pragas enviadas pela
Sua ‘poderosa mão’, a mão do ‘Deus Todo-Poderoso’. As supostas divindades
egípcias representadas pelo rio Nilo, pelos corpos celestes e animais se
mostram completamente impotentes diante d’Ele, pois não podem proteger
seus adoradores. As pragas divinas são sinais que demonstraram que o
Senhor é Deus onipotente, não havendo outro semelhante a Ele.
Semelhantemente ao primeiro, no Novo Testamento também se
encontra a alusão a Deus como Pai Todo-Poderoso. Ela está presente em 2
Coríntios 6:18, novamente em etapas distintas, porém contextualizadas como
na citação vetero-testamentária. Diz o trecho: “serei vosso Pai, e vós sereis
para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso”, em possível referência
aos textos de 2 Samuel 7:14 e Isaías 43:6. Similarmente a paternidade divina é
oferecida, nesta ocasião para a Igreja; uma vez que esta é justa e pura (vs.14)
pela fé em Cristo (vs.15); que deve manter-se neste estado de santidade, e
quem afirma isto é o Senhor Todo-Poderoso, pois na qualidade paterna
encontra-se implícita a condição de autoridade para ordenar e determinar
obediência ao que é exigido. Vale ressaltar que este é o sentido do termo
Todo-Poderoso no original grego pantokrator (), possuindo um
significado mais amplo que o termo Onipotente, do latim omnipotentem,
querendo dizer: Deus é aquele que tem o controle de todas as coisas e
governa sobre tudo.
Pode-se encontrar mais uma alusão direta a paternidade de Deus em
relação ao seu povo, quando Esse diz, em Jeremias 31:9: “Virão com choro, e
com súplicas os levarei; guiá-los-ei aos ribeiros de águas, por caminho reto em
que não tropeçarão; porque sou pai para Israel, e Efraim é o meu primogênito”.
Como não enxergar nessa afirmação o amor, o cuidado, o afeto e a proteção
características de um pai?
Mas está nas páginas do Novo Testamento a melhor contribuição para a
compreensão de Deus como Pai, não pelo tratamento que Jesus concedeu ao
assunto ensinando seus discípulos por meio da oração (Pai nosso - Mt. 6:9), ou
por meio de parábolas (Filho pródigo – Lc. 15:11ss), mas ao ser Ele mesmo o
Filho encarnado de Deus Pai, por meio de quem, o Pai se revela em sua
24
plenitude e, todo aquele que nele crê reconcilia-se com Deus Pai (Jo. 1:12-18;
2 Co. 5:19). Cristo clamava “Aba pai” (Mc. 14:36) e, por meio d’Ele, no Espírito,
podemos clamar da mesma forma (Rm. 8:15; Gl. 4:6). É através do Filho que
conhecemos o Pai, que ama, que se compadece, que possui autoridade, que
corrige, que salva.
Porém, de que forma o Filho revela a onipotência do Pai? A Bíblia
apresenta os sinais (gr. semeion - ) realizados por Cristo (Jo. 2:11) que
atestam o poder de Deus (Mc. 4:41; Lc. 5:17; 6:19; Jo. 2:1-11; At. 10:38), poder
inclusive para perdoar pecados (Mc. 2:1-12). A onipotência do Pai em Cristo se
mostra principalmente, na vitória de Cristo sobre a morte através da Sua
ressurreição. Pode-se afirmar que da morte ninguém escapa, pois,
naturalmente falando, ela é sempre vitoriosa, alcançando e retendo a todos
indiscriminadamente. Não no caso de Cristo vivificado que foi pelo Pai
Onipotente (At. 2: 24, 32; 3:15; Rm. 4:24; 1 Co. 6:14; Gl. 1:1; 1 Pe. 1:21).
25
Ao tempo da formulação e estabelecimento da Confissão Apostólica era
comum encontrarem-se sugestões filosóficas e religiosas para o assunto. O
panteísmo já se fazia presente em sua proposta de auto-emanação da
realidade suprema (seja esta quem for - divina ou não), tornando o Universo e
o homem parte do todo absoluto. A confissão apostólica apresenta o Deus que
cria e não o que emana. A criação aponta para a Sua supremacia uma vez que
tudo o que foi criado, sejam anjos, corpos celestes, animais, ou mesmo o
homem (feito a Sua imagem e semelhança recebendo diretamente Deste o
fôlego de vida - Gn. 1:26, 27; 2:7) encontram-se na qualidade de criatura, ou
seja, seres cuja existência é totalmente dependente da vontade soberana deste
Deus e que não se confundem com Ele. Veja o que diz Karl Bartth:
“o relacionamento de Deus com o mundo é fundamentalmente, e em todas as
suas implicações, não um relacionamento de equilíbrio ou de paridade, mas que neste
relacionamento Deus tem a absoluta primazia... que a existência deles (seres criados)
possa ser apenas uma que seja radicalmente dependente da Existência de Deus,
portanto, uma existência que seja radicalmente relativa e sem independência... isto nos
traz para o verdadeiro conceito da criação” 20.
20
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. pp. 54 e 55
21
Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia, 1997. Volume IV. p.57
26
Mas, neste assunto de cosmogonia e outros, a literatura pesquisada
mostra que o gnosticismo, sobretudo em sua expressão marcionista, foi o
pensamento que mais exigiu esforço por parte da Igreja. Justo L. González
afirma que Marcião (ca. 100-165) por mais de 200 anos se tornou na mais séria
ameaça à igreja ocidental, sendo traçados rastros de sua influência na igreja
oriental até a Idade Média22. Ele pregava que o mundo havia sido criado pelo
demiurgo – poder divino intermediário emanado do bom e perfeito Deus
Transcendente. Esse demiurgo, de temperamento iracundo, legalista e
déspota; ele o identificava como o Jeová do Antigo Testamento e ensinava que
todo o Mundo tem os seus problemas porque não foi criado pelo poder divino
maior. O Deus mais alto, segundo ele, é o apresentado no Novo Testamento,
Pai de Jesus Cristo, que o enviou para redimir a humanidade do poder tirano
de Jeová-demiurgo. Nisto podemos perceber a relevância de uma abordagem
conjunta das cláusulas do Credo Apostólico, numa observação panorâmica que
desfaz o sofisma de Marcião. O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo é o
Onipotente Criador dos céus e da terra, e portanto Deus do Antigo e Novo
Testamento.
Nota-se mais uma vez neste estudo o conteúdo do Credo como um todo,
visto que esta afirmação funciona como uma junta de ligação entre as duas
primeiras cláusulas, onde se percebe o vínculo existente entre as pessoas do
Pai e do Filho na divindade. O tanto quanto podemos conhecer de Deus Pai
através de Deus Filho, como se viu em item anterior, ocorre de certa maneira
também, em relação a Jesus Cristo, que deve ser conhecido como Filho
unigênito de Deus Pai.
Qual é a identidade de Jesus? Que título deve ser atribuído a Ele? Era
um doutor sábio? Um profeta? Rabino? Esta questão é importantíssima e o
próprio Jesus tratou disto entre seus discípulos ao perguntar-lhes: Quem dizem
as multidões que eu sou? Logo após a resposta dos apóstolos a pergunta foi
22
Dicionário Ilustrado dos Intérpretes da Fé. Santo André – SP. Edt. Academia Cristã Ltda. 2005. p. 449
27
repetida diretamente para eles: mas vós, quem dizeis que eu sou? Ao que
Pedro respondeu, dizendo: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt. 16:13-16;
Lc. 9:18-20). Possa Jesus possuir todos os títulos possíveis, antes de tudo,
Jesus é o Filho, assim afirmam as Escrituras e o Credo Apostólico.
É também ‘único’ Filho. O termo vem por empréstimo dos escritos
joaninos onde Jesus é descrito como o ‘unigênito’ (gr. Monogenhv,
monogenes) de Deus. A palavra no original denota os filhos únicos vistos em
relação a seus pais e, no caso de Cristo, significa o único Filho nascido de
Deus. João ao se utilizar desta palavra quer enfatizar a total participação de
Jesus na vida de Deus, o que lhe concede uma condição especial como Filho
de Deus: Jesus é Deus. João constantemente afirma isto em todos os seus
escritos (Jo. 4:34; 5:19; 10:15. 30; 14:9, 10; 1 Jo. 5:20; 2 Jo. 1:9; Ap. 1:5-8).
O Símbolo neste momento assevera, à semelhança de todo o Novo
Testamento, que Jesus Cristo é Senhor, ou melhor, nosso Senhor. O pronome
possessivo aqui é de importância vital, pois revela que a Confissão de Fé
Apostólica não possui apenas caráter individual, mas também coletivo. Isto
envolve, num primeiro momento, que a expressão de fé deve ser vivida e
confirmada dentro da comunidade cristã que declaradamente está sob o
domínio de Jesus. No entanto é correto afirmar que Cristo é Senhor somente
da Igreja? Analise as páginas neotestamentárias onde a palavra ‘Senhor’ é
utilizada em relação a Jesus. Paulo, por exemplo, afirma existir um só Senhor e
este é Jesus (Ef. 4:5 e 1Co. 8:6) e ainda sobre Cristo ele afirma: “Pelo que
também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de
todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na
terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor,
para glória de Deus Pai” (Fp. 2:9-11). Também João em seu Apocalipse
declara ser Cristo o Senhor dos Senhores (Ap. 17:14; 19:16), expressão
utilizada por Paulo em 1 Timóteo 6:15, e que no Antigo Testamento é
empregada para Deus (Dt. 10:17; Sl. 136:3). Somos forçados a admitir que o
senhorio de Jesus, conforme anunciado pela Palavra de Deus e Credo
Apostólico, é sobre tudo e sobre todos, não havendo neste mundo outro senhor
semelhante a Ele, ainda que em nossa realidade possam existir muitos e em
diversos níveis hierárquicos. Logo, esta é mais uma afirmativa do Credo que
aponta para a divindade de Jesus.
28
A história registra algumas discordâncias da revelação bíblico-simbólica,
uma delas na pessoa de Teodoto de Bizâncio (ca. ? – 190), que ensinava ser o
Cristo um mero homem que fora ‘adotado’ ou constituído como Filho de Deus,
visto que o poder divino viera repousar sobre ele no momento de seu batismo.
Esta heresia, repelida pelo bispo Vitor de Roma leva o nome de Adocianismo.
Outro erro foi o de Noeto de Esmirna (Séc. II) que ensinava doutrina, segundo
a qual o Pai e o Filho são somente formas em que a única pessoa divina se
manifesta. Tal erro foi ampliado e disseminado por Sabélio (ca. ? – 215) que dá
nome a doutrina como Sabelianismo, ou Modalismo pela diversidade de modos
que a pessoa divina se manifesta. A esta lista deve ser acrescentado o nome
de Ário (ca. 250 – 336). Para ele o Filho era a primeira das criaturas do Pai e,
portanto, não co-eterno com Ele; além do que o Filho não era de uma só
natureza com Pai, não sendo Cristo verdadeiro Deus.
Por aí se percebe a importância da declaração de fé: e em Jesus Cristo,
seu único Filho, nosso Senhor; embora a esta altura devamos admitir que a
contribuição do Símbolo Niceno de 325 d.C. na solução dos problemas
doutrinários acima citados foi decisiva pela sua clareza, pois ele acrescenta: “e
no Senhor Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, Luz de Luz, verdadeiro
Deus do verdadeiro Deus, gerado, não criado, feito de uma substância com o
Pai, por Quem todas as coisas foram feitas”.
3.3.2 – o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria
29
que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lc. 1:35). Sobre o seu
nascimento de mulher virgem também os evangelistas concordam (Mt. 1:22-25;
Lc. 1:34, 35), fazendo deste acontecimento um episódio único na história, pois
o nascimento de Jesus é algo que ocorre sem a intervenção de uma pai
humano, fugindo às regras da lei natural; e, portanto, um milagre.
A assertiva simbólica enfatiza primordialmente a origem e natureza
divina de Cristo já fundamentada em trechos anteriores da confissão e que,
neste momento, é revelada por meio da ação divina do Espírito Santo sobre
Maria. Mas ao mesmo tempo afirma-se com o término do enunciado a Sua
completa natureza humana, pois através de Maria, uma mulher, Jesus vincula-
se à humanidade. Paulo aponta para a encarnação de Cristo quando diz em
sua epístola aos Gálatas: “vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou
seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl. 4:4). Dessa forma o
Credo aponta tanto para divindade como para a humanidade de Cristo. Sobre
isto veja o comentário de Ricardo Willy Rieth, teólogo luterano:
“A formulação ‘Concebido pelo Espírito Santo’ faz pelo menos esta declaração
geral: que a existência humana de Jesus Cristo em sua personificação como da criatura
humana, como distinta de todas as outras criaturas, tem sua origem imediatamente em Deus. E
a formulação ‘Nascido da Virgem Maria’ faz pelo menos esta declaração geral: que a própria
existência de Deus em Jesus Cristo, sem prejuízo do fato de que aqui também Deus é o
Criador, tem também uma origem criaturalmente-humana e é, pois, também, uma existência
criaturalmente-humana”.24
23
ALTMANN, Walter (Org.). Nossa fé e suas razões. São Leopoldo (RS). Edt. Sinodal. 2003. pp. 82 e 83
24
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. p. 95
30
Algo importante a se destacar neste momento é que fica implícito no
texto do Símbolo que estas duas naturezas, divina e humana, encontram-se
distintamente presentes em sua plenitude na pessoa de Cristo. Não se trata
aqui da criação de uma nova natureza composta da união de ambas, ou
mesmo de uma co-existência parcial das duas em Jesus. O Credo afirma ser
Jesus verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Novamente requere-se o apoio do
Símbolo de Nicéia (325 d.C.) onde se lê: “E no Senhor Jesus Cristo, o filho
Unigênito de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, gerado,
não criado; feito de uma substância com o Pai, por Quem todas as coisas
foram feitas; que por nós homens e nossa salvação veio dos céus e foi
encarnado pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem...”. Porém,
mais elucidativo ainda é a Confissão de Calcedônia (451 d.C.) que declara:
“Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se
deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à
divindade, perfeito quanto à humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
constando de alma racional e de corpo; consubstancial, segundo a divindade, e
consubstancial a nós, segundo a humanidade; em todas as coisas semelhante a nós,
excetuando o pecado, gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo Pai e,
segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da virgem Maria, mãe
de Deus; Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em
duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, inseparáveis e indivisíveis; a distinção da
naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades
de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e
subsistência; não dividido ou separado em duas pessoas. Mas um só e mesmo Filho
Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor; conforme os profetas outrora a seu
respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos ensinou e o credo dos pais nos
transmitiu”.25
25
Citado por www.e-cristianismo.com.br – 25-08-2009
31
exposição a seguir contendo as posições relativas a cada um 26, bem como,
apresentando os seus defensores:
a) Docetismo – palavra derivada do grego dokeo <parecer>; aplica-se ao
conceito de que Cristo não foi um homem real e que sua vida humana
foi um papel teatral, tendo seu corpo apenas uma aparência humana,
não era ele um verdadeiro corpo humano. O verdadeiro Cristo seria
então uma personalidade espiritual. Este ensino negava a encarnação e
perfeita humanidade de Jesus e não existiu enquanto seita ou religião
específica, mas como uma corrente de pensamento que esteve presente
desde cedo em diferentes períodos da história eclesiástica;
b) Ebionismo – Seita judaico-cristã que condenou os ensinos do apóstolo
Paulo dizendo ser necessário que todo judeu e gentio cumprisse as
ordenanças da lei (mandamentos, circuncisão, guarda do sábado, etc)
para salvação. Quanto à pessoa de Cristo, afirmavam ser ele o Messias,
não que fosse divino, mas porque conquistou essa condição ao cumprir
toda a Lei com perfeição. Seu nascimento também não foi virginal,
porém fruto do relacionamento matrimonial de José e Maria. Este grupo
negou a divindade de Jesus apontada no Credo Apostólico;
c) Gnosticismo – Movimento filosófico com varias vertentes, rivalizou com o
Cristianismo por cerca de 150 anos, alcançando seu apogeu na segunda
metade do século II. Uma dessas correntes de pensamento gnóstica,
difundida por Cerinto (ca. 100), dizia ser Jesus de Nazaré um e o
Espírito-Cristo outro. Este segundo seria uma das muitas emanações
angelicais do ser divino que jamais poderia se encarnar tendo em vista a
malignidade da matéria. Sendo assim, este veio sobre Jesus e o possuiu
no momento de seu batismo por João, conferindo-lhe o poder com o
qual manifestou os seus milagres. Este pensamento nega a divindade e
humanidade de Cristo Jesus. Se somente isto já seria suficiente para
mostrar sua origem demoníaca (1 Jo. 4:1-3), complete-se que este
mesmo Espírito-Cristo abandonou Jesus de Nazaré sozinho no
momento de sua crucificação, retirando, dessa forma, qualquer caráter
expiatório da morte de Cristo;
26
Com exceção do Adocianismo e Arianismo, já mencionados anteriormente, e do Monofisismo e Nestorianismo por
serem originários do séc. V, época fora da abrangência desta pesquisa.
32
d) Marcionismo – Já citamos este grupo quanto tratamos de Deus como
Criador dos céus e da terra e aqui novamente ele é incluído devido ao
erro herético em relação a Jesus. Marcião (ca. 100-160) disse que Jesus
veio diretamente do Pai, não nascendo de uma virgem, mas aparecendo
neste mundo já adulto. Certamente seu ensino sofreu influências
gnósticas.
33
crucifixão de Jesus, que Paulo afirmou ser escândalo para os judeus e loucura
para os gentios (1 Co. 1:23) é para nós poder de Deus (1 Co. 1:18), pois sua
morte executada na cruz e confirmada em seu sepultamento trouxe-nos
expiação para os pecados. João Batista ao testemunhar sobre Jesus, disse:
“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo. 1:29). Em sua morte
fomos resgatados do cativeiro maligno em que nos encontrávamos (1 Co. 6:19,
20; 7:23; Cl. 1:13; 1 Pe. 1:18-20). Como é importante esta instrução simbólica
que era enfatizada na pregação do evangelho para salvação dos ouvintes e,
mais uma vez, compartilhada para a fundamentação da fé dos batizandos,
sobretudo tendo em vista a negação gnóstica corrente nos primórdios
históricos da fé. Possuindo uma Cristologia pluralizada pelas diversas correntes
de pensamento dentro do movimento, e sendo totalmente divorciados do
testemunho apostólico, não viam a morte de Jesus como um elemento
essencial de sua missão. Diziam eles que o Espírito-Cristo, um aeon de
elevada espiritualidade, havia repousado sobre Jesus de Nazaré no momento
de seu batismo para abandoná-lo no momento de sua crucificação, negando
dessa forma a morte expiatória. A estes então, que o Credo, baseado na Bíblia
responde com firmeza: “Crucificado, Morto e Sepultado”.
34
solucionar a questão, mas com objetivo de apresentá-las e estimular uma
pesquisa mais específica.
A opinião Católica Romana, presente em seu catecismo é de que Cristo
desceu de forma real aos infernos, reconhecido este lugar como Morada dos
Mortos, com a missão libertar os justos que ali estavam à espera do Redentor.
Calvino dizia que essa descida refere-se ao fato de ele não sofreu
apenas uma morte física, mas que na cruz passou por todo o tormento do
Inferno com uma indizível angústia que sua alma sofreu. Esta serviu de meio
pelo qual Ele ao mesmo tempo suportou a severidade da vingança de Deus,
aplacou sua ira e satisfez seu julgamento, livrando a alma do ser humano das
dores e temores angustiosos do Inferno.
Lutero, embora não tenha incluído esta afirmação simbólica na
Confissão de Fé de 1528 nem nos Catecismos de 1529, disse que ela
significava simplesmente que Cristo é o Senhor lá em cima, aqui e embaixo,
para que saibamos que Ele é o nosso Senhor, onde quer que estejamos, quer
vivamos, quer morramos.
Zuinglio defendeu a idéia de que Ele desceu e realizou uma pregação
destinada aos mortos justos elevando-os do hades para os céus. Assim
advogava Tertuliano. Há aqueles que; como Atanásio, Ambrósio e Erasmo;
afirmavam ser o objetivo uma pregação com caráter de duplo aspecto: consolo
e progresso para os mortos justos e de condenação para os perdidos. E por
último existem os que negam por completo tal descida, dos quais o mais
eminente é Agostinho.
Concluí-se com esta frase o núcleo central do Símbolo. Ela é, junto com
a afirmação da morte de Jesus Cristo, o foco principal de ensino dos
evangelistas e pregação dos apóstolos. Tudo o que vimos nas cláusulas
simbólicas anteriormente citadas preparam o terreno para o ‘lançar da
semente’ na morte e sepultamento de Cristo, que ressurge como ‘renovo’ em
Sua ressurreição. As cláusulas subseqüentes são ‘ramos’ derivados deste
renovo, que interliga todo o organismo vivo do Credo. Sim ele declara o
ressurgimento ao terceiro dia do Autor e Verbo da vida (At. 3:15; 1 Jo. 1:1).
35
Porém esta afirmativa sempre criou dificuldades tendo em vista ser um
acontecimento extraordinário e contrário à realidade humana. O princípio geral
estabelecido para todo homem é passar pela morte e permanecer neste
estado, portanto, desde logo os primeiros cristãos enfrentaram uma discussão
sobre a realidade da ressurreição de Cristo. A Bíblia afirma que a seita dos
saduceus não aceitava essa pregação apostólica (Mt. 22:23; At. 4:1, 2; At.
23:8) e, para citar mais um caso, Paulo, bem acolhido pelos atenienses num
primeiro momento, enfrentou dificuldades quando foi explanar sobre a
ressurreição de Cristo (At. 17:32). O ensino da ressurreição de Cristo era
ridicularizado nos primeiros séculos, exemplo disso é a citação de um filósofo
platônico conhecido como Celso, cujo teor se conhece pela citação da obra de
Orígenes, “Contra Celso”, onde diz: “essa fé (da ressurreição) se baseia
apenas no testemunho de algumas mulheres histéricas”27.
Ainda que ninguém tenha sido testemunha ocular do momento e
acontecimento da ressurreição, em si mesma ela é tida como fato histórico
apoiado na realidade do túmulo vazio e nas aparições do ressurrecto,
assistidas pelos seus discípulos, que inicialmente relutavam em aceitar a
realidade deste acontecimento. Conforme Lucas as provas de sua ressurreição
são incontestáveis (At. 1:3) e isto faz com que os discípulos de Jesus
arrisquem sua própria vida para divulgar a mensagem da ressurreição com
coragem. Assim recebemos e aceitamos essa boa nova, por meio da fé, e
damos continuidade na propagação deste milagre.
A importância do anúncio de Sua vitória sobre a morte é catalisada na
frase do apóstolo Paulo: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda
permaneceis nos vossos pecados” (1 Co.15:17) e, ainda, “o qual foi entregue
por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa
justificação” (Romanos 4:25). Percebemos pelo pensamento paulino o lugar
imprescindível da ressurreição na conclusão do plano divino para o homem:
Sem ela não há redenção. Mas os benefícios advindos aos crentes por meio da
ressurreição não param por aí. O caráter único da divindade de Cristo é
definitivamente confirmado; a sua doutrina é totalmente afiançada; a
continuidade de Sua presença entre nós; a viva esperança de seu retorno; e
27
Citado por http://www.comshalom.org/blog/carmadelio/367-ressurreicao-de-jesus-e-a-historia. 31/08/2009
36
nossa própria ressurreição e glorificação. Podemos como o apóstolo, por meio
de Cristo, declarar: “Onde está ó morte, a tua vitória? Onde está ó morte, o teu
aguilhão?... Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso
Senhor Jesus Cristo. (1 Coríntios 15:55, 57).
28
APOLOGIA I – citado por: http://www.monergismo.com/textos/apologetica/Justino_de_Roma_IApologia.pdf -0 -
09/09/09
29
De Principiis – Prólogo. Citado por: www.cristianismo.org.br/or-prin1.htm - 09/09/09
37
subira aos céus no Pentecoste30.
Como no texto bíblico, parece que o entendimento dos primeiros cristãos
com respeito à subida de Cristo aos céus, ainda que pouco esmiuçada por
estes, é de que o Senhor Jesus foi exaltado e entronizado assumindo o
governo sobre tudo e todos, juntamente com o Pai. Isto é possível de se
afirmar tendo em vista o comentário de Justino, ainda em De Principiis, quando
diz:
“As palavras do profeta são estas: "Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à
minha direita, até que eu ponha os teus inimigos como escabelo de teus pés. O Senhor
te enviará o cetro de poder de Jerusalém, e tu dominarás em meio aos esplendores de
teus inimigos. Contigo o império no dia de tua potência, em meio aos esplendores de
teus santos. Do meu seio, antes do astro da manhã, eu te gerei”. Portanto, o que ele
diz "Enviar-te-á de Jerusalém o cetro de poder" era anúncio antecipado da palavra
poderosa que, saindo de Jerusalém, os apóstolos pregaram por toda parte”31
30
O sacramento do Batismo – Teologia Pastoral do Batismo segundo Tertuliano. Petrópolis. Vozes. 1981, pág.71 –
citado por: http://books.google.com.br/books - 09/09/09
31
De Principiis – Prólogo. Citado por: www.cristianismo.org.br/or-prin1.htm - 09/09/09
38
Ap.1:7, 8; 19:11-21). Assim, o Símbolo anuncia o retorno de Cristo com o
objetivo de julgar tanto a vivos como a mortos. Duas coisas importantes podem
ser destacadas nesta segunda parte da afirmação: o papel de Juiz pertencente
a Cristo (e derivado disto seu poder de julgar) e a amplitude de alcance do Seu
julgamento. Usando-se linguagem jurídica, de onde procedem a autoridade e a
competência de Cristo? Vale recorrer à citação imediatamente anterior a esta,
onde se revela Cristo em sua ascensão ao Céu e entronização à destra de
Deus Pai, ambos, subida e governo são sobre tudo e todos. Poder-se-ia, ainda,
recorrer à pré-existência de Cristo sendo, este mesmo, Deus, mas visto que o
Credo Apostólico silencia sobre o tema, deixa-se este aspecto de lado.
Dessa forma pode-se, através do Credo, estabelecer uma linha de
tempo para a Igreja que no seu estado presente contempla, pela fé, a obra de
Cristo realizada no passado sem deixar de olhar à frente, aguardando a
conclusão final no cumprimento da promessa de sua segunda vinda.
32
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. p.172
39
Símbolo Niceno-Constantinopolitano (381 d.C.), que acrescenta elementos
significativos.
Ainda uma terceira observação: O Credo Apostólico não se omite em
relação à obra do Espírito Santo, pelo contrário a expõe de forma expressiva.
Lembra-se a presença da mesma na segunda cláusula, quando a ação do
Espírito é decisiva na geração virginal do Filho. E mesmo em cada declaração
subseqüente da terceira cláusula (na santa Igreja Católica,... na vida eterna)
que devem ser tidas como manifestação poderosa do Espírito Santo na vida
daquele que crê e da Igreja. Neste aspecto percebemos, mais uma vez, a
unidade do Símbolo Apostólico que apresenta um Deus Trino em plena e
uniforme ação em favor do ser humano.
Além disso, em tempo, necessita-se retornar à segunda declaração
simbólica, quando a abordagem da mesma, neste trabalho, restringiu-se a
pessoa de Cristo Jesus. Ali, como dito anteriormente, está presente a ação
geradora de vida que encobre a Virgem Maria. Mas esta atuação específica
não é um caso pontual nas Sagradas Escrituras. O Santo Espírito sempre se
encontra presente quando a vida é suscitada, sustentada ou regenerada, pois
Ele atuou na criação (Gn. 1:2), e no Salmo 104, onde a grande variedade de
seres criados exalta a sabedoria divina, o salmista diz: “Se ocultas o rosto, eles
se perturbam; se lhes cortas a respiração, morrem e voltam ao seu pó. Envias
o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da terra” (Sl. 104:29,
30). Jó reconhece a atuação do Espírito do Senhor em sua criação (Jó. 33:4). É
clássico o texto que revela a visão do vale de ossos secos por Ezequiel. Ao
profetizar a vinda do Espírito sobre os mesmos eles tornaram à vida,
simbolizando o renascimento da nação escolhida (Ez. 37:14). Assim também é
todo o crente, pois que este é nascido do Espírito (Jo. 3:3, 6, 8), que
ressuscitou a Cristo e vivificará os corpos dos crentes (Rm. 8:11). Além do já
exposto, pode-se afirmar, para conclusão, que esta ação direta do Santo
Espírito no nascimento de Cristo é indício no Credo de toda a participação,
acompanhamento e plenitude Daquele na vida e ministério de Jesus.
40
Aqui se proclama fé na Terceira Pessoa da Trindade que é citado no
Credo como Espírito Santo. Este é o Seu nome próprio e Sua denominação é
conhecida através do texto das Sagradas Escrituras onde encontramos a
expressão em 94 oportunidades do Antigo e Novo Testamento, em sua forma
normal ou invertida (Santo Espírito – esta menos comum, referida apenas em
Sl. 51:11 e Ef. 1:13). No hebraico o termo para espírito é ruwach (xwr) que
associado a qodesh (vdq) se faz presente em Isaías 63:10, 11 e Sl. 51:11. As
demais citações pertencem ao Novo Testamento, onde no grego a palavra
pneuma () se faz acompanhada por hagios ()
Nas passagens citadas e nas demais nota-se atividade, conhecimento e
caráter que necessariamente apontam para a personalidade e plena divindade
do Santo Espírito e, é isto que o Credo quer passar quando a Ele se refere.
Não estamos aqui diante de uma força impessoal, ou manifestação de um
impulso poderoso da parte de Deus, mas do próprio Deus Espírito Santo. O Dr.
James Strong, que analiza o termo pneuma (gr. ), em sua principal
obra, diz que a expressão Espírito Santo, como é mencionada, enfatiza a Sua
personalidade e caráter33.
Tal afirmação simbólica, aliada à clareza do texto Sagrado, não foi
suficiente para que surgissem aqueles que, mal compreendendo o ensino
sobre o Espírito Santo, afirmaram ser Ele criatura, subordinado e menor do que
o Pai e o Filho, exercendo uma função semelhante a dos anjos, como servo e
ministro de Deus, porém superior a estes. Assim ensinava Macedônio (? –
362), bispo de Constantinopla, que foi combatido por Atanásio (ca. 295-373)
através de suas quatro Cartas a Serapião, defendendo a divindade do Espírito.
O bispo de Constantinopla foi deposto em 360, mas deixou seguidores que
adotaram sua instrução e foram conhecidos como Macedônios e às vezes
como Pneumatômacos, vocábulo derivado do grego pneumatomachi
() cujo sentido é <lutadores contra o Espírito>. A heresia foi
condenada no Sínodo de Alexandria (362) e por fim, no Concílio de
Constantinopla (381), foi acrescentado ao Símbolo Niceno a seguinte afirmativa
em relação ao Espírito Santo: “E creio no Espírito Santo, o Senhor e Doador da
33
STRONG, James. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. Barueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 2002 - Bíblia
Online.
41
vida, que procede do Pai e do Filho, que com o Pai e o Filho é adorado e
glorificado, que falou pelos profetas”.
42
Jesus disse: “porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança,
derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt. 26:28) e os
apóstolos pregaram: “Dele todos os profetas dão testemunho de que, por meio
de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados” (At.
10:43). Assim também afirma o Símbolo que expressa a manifestação da fé no
poder remidor do sangue de Jesus.
Remissão, do latim remissionis, segundo o Grande Dicionário Larousse
Cultural da Língua Portuguesa, significa: Ato ou efeito de remir, de perdoar,
quitação34. Mas, remissão por quê? Por causa da realidade da existência e
permanência do pecado no ser humano. Temos através dessa declaração os
vestígios iniciais necessários ao desenvolvimento dos estudos em
Antropologia, Hamartiologia e Soteriologia. Pode-se através deste artigo falar
do homem em seu estado original e no estado de pecado, e também,
esclarecer-se sobre a origem, natureza e efeitos do pecado, passando assim a
uma compreensão nítida da necessidade e possibilidade, em Cristo Jesus, do
plano de redenção tão bem apresentado na segunda cláusula.
O gnosticismo, presente em alguns círculos cristãos dos primeiros
séculos, pela sua cosmogonia e alternativa de salvação através do
conhecimento, negava a validade da remissão de pecados pelo sangue de
Cristo. Foram, ainda em seu início, combatidos pelos Apóstolos e,
posteriormente pelos Pais da Igreja, como Irineu, Tertuliano, Clemente de
Alexandria, dentre outros. A fé expressa pelo Credo aponta para a
incapacidade do homem libertar-se sozinho de seu estado pecador, daí Creio...
na remissão de pecados.
34
Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo. Editora Nova Cultural Ltda. 1999. p.781
43
Outra vez tem-se que destacar neste estudo a unidade desta cláusula,
pois que a ressurreição da carne é fruto da poderosa obra do Santo Espírito.
Paulo declara que, na semelhança da ressurreição de Cristo, o Espírito
vivificará os nossos corpos que são seu templo (Rm. 8:11; 1 Co. 6:9). Daí a
presença garantida dessa afirmação de fé no conjunto da terceira fórmula.
A compreensão da ressurreição da carne como doutrina levantou
dificuldades desde o início de sua propagação. Sobre seu entendimento
complexo, Agostinho (354-430) pronunciou-se dizendo:
“Não sei como explicar brevemente o que se refere à ressurreição da carne (que não
se identifica com a de certas pessoas que ressuscitaram dentre os mortos, mas voltaram a
morrer, senão que é como a ressurreição de Cristo, ou seja, para uma vida eterna”. 35
35
Citado por WITT, Osmar Luis. Nossa Fé e suas Razões. São Leopoldo. Editora Sinodal. 2003. p.160.
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4 – Relevância para a Igreja Contemporânea
Caminha-se aqui para a conclusão deste breve trabalho, agora com a
finalidade de apresentar aplicações práticas do Credo Apostólico na vida atual
da Igreja, sem perder de perspectiva a proposta inicial de verificar o seu uso
nos primórdios da história eclesiástica.
Oferece-se aqui, ponto após ponto, tão somente, indicativos de
utilização, que merecerão, por parte daqueles que analisarem esta matéria, o
investimento de criatividade e engenhosidade para o emprego em cada Igreja
local ou denominação. Eis aí os possíveis usos:
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(assim chamados pelo uso que fazem do nome de Jesus e da Bíblia Sagrada
sem manter a ortodoxia doutrinária), talvez os mais perigosos entre todos os
demais, pois que, tais movimentos se passam por cristãos e possuem a marca
registrada de angariar novos adeptos entre nossas Igrejas. O Credo ainda pode
contribuir com o seu poder apologético, principalmente através do seu
conteúdo, intocável há séculos. Sua fórmula também é concisa e clara, o que
facilita a exposição de seu conteúdo e, somando-se a estas qualidades, ainda
aponta para o princípio da identidade, visto que, por meio dele, manifestamos
ao mundo quem somos e no que cremos.
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Conclui-se, portanto, que a utilização da Confissão de Fé Apostólica é
extremamente edificante para a Igreja. Certamente o seu uso contribuiu no
passado e sua atual utilização, sendo contínua e das variadas formas citadas
anteriormente, poderá contribuir no alcance de resultados positivos para a vida
e prática da Igreja Contemporânea. Salienta-se que este tema não se exauriu
por aqui, pois uma pesquisa histórica mais profunda, abrangendo outras etapas
da história da Igreja, poderá incluir mais usos estratégicos do Credo Apostólico
para a Igreja atual.
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Bibliografia
ALTMANN, Walter (Org.). Nossa fé e suas razões. 1ª Ed. São Leopolo RS:
Editora Sinodal, 2003.
AQUINO, Tomás de. Exposição sobre o Credo. 6ª Ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2006.
EYT, Pierre. Eu creio em Deus. 1ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 1990.
FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias. 2ª Ed. São Paulo: Paulos, 1995.
GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática. 1ª Ed. São Paulo: Edições Vida Nova,
1999.
KLEIN, Carlos Jeremias. Curso de História da Igreja. 1ª Ed. São Paulo: Fonte
Editorial Ltda, 2007.
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