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ELI BECK BRAGA

O CREDO APOSTÓLICO: ORIGEM, SIGNIFICADO E RELEVÂNCIA


PARA A IGREJA CONTEMPORÂNEA

Londrina
2009
ELI BECK BRAGA

O CREDO APOSTÓLICO: ORIGEM, SIGNIFICADO E RELEVÂNCIA


PARA A IGREJA CONTEMPORÂNEA

Trabalho de Conclusão do Curso


apresentado ao Curso de
Complementação de Estudos
Teológicos da UNIFIL – Centro
Universitário Filadélfia, para
obtenção do grau de Bacharel em
Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Jeremias Klein

Londrina
2009

2
ELI BECK BRAGA

O CREDO APOSTÓLICO: ORIGEM, SIGNIFICADO E RELEVÂNCIA


PARA A IGREJA CONTEMPORÂNEA

Trabalho de Conclusão do Curso


apresentado ao Curso de
Complementação de Estudos
Teológicos da UNIFIL – Centro
Universitário Filadélfia, para
obtenção do grau de Bacharel em
Teologia.

Aprovado em outubro de 2009.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Jeremias Klein - Orientador
UNIFIL – Centro Universitário Filadélfia

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

Londrina
2009

3
Homenageio minha família,
dedicando este trabalho à minha
querida esposa e filhos.

4
AGRADECIMENTOS

A Deus Pai, Filho e Espírito Santo, por sua maravilhosa revelação manifesta
em minha vida e por sua iluminadora direção neste trabalho.

Aos Apóstolos e Pais da Igreja, pelo seu legado de compromisso, coragem e fé


e por tornarem a pesquisa, em torno de sua história e escritos, prazerosa e
enriquecedora.

Ao Prof. Dr. Carlos Jeremias Klein, meu orientador, pelas suas significativas
sugestões e acompanhamento constante e repleto de palavras de ânimo e
incentivo que foram determinantes para a conclusão desta tarefa.

Ao Prof. José Martins Trigueiro Neto, Coordenador do Curso de


Complementação em Teologia, pelas dicas úteis em Metodologia da Pesquisa
Científica e por seu amigável apoio durante a continuidade do Curso.

À minha esposa Marta Solange Hollanders Braga, que sempre demonstrou


apoio para a conclusão desta pesquisa e nunca me deixou esmorecer,
contribuindo, ainda, com a revisão do texto.

Aos meus filhos Lucas, Lúcia e Mateus, que souberam conviver com minha
distância e constantemente me incentivaram a concluir o trabalho.

Às minhas ovelhas, membros da Igreja Batista Bíblica em Cidade Náutica, São


Vicente – SP, pela motivação recebida durante esta composição.

5
Eu acredito no cristianismo como
acredito que o sol nasce todo dia. Não
apenas porque o vejo, mas porque
através dele eu vejo tudo ao meu redor.

(C. S. Lewis)

6
RESUMO

Este trabalho foi idealizado como instrumento de compreensão do Credo


Apostólico de forma a fornecer reflexões sobre o seu possível uso pela Igreja
contemporânea. A origem e estabelecimento de seus termos são apresentados
através de um desenvolvimento histórico que estabelece o século IV como data
para sua conclusão final. Uma abordagem detalhada da doutrina expressa em
cada cláusula é apresentada à luz Bíblia Sagrada, e sempre levando em
consideração o entendimento e contexto de vida dos primeiros cristãos. Dessa
forma é construída uma ponte que leva à ponderação sobre a utilização atual
do Credo na Igreja. Conclui-se que o moderno emprego do Credo pelas Igrejas
e Denominações poderá se dar nas seguintes áreas: na preparação de
candidatos ao batismo, na defesa da fé, na educação cristã, na liturgia e no
favorecimento do ecumenismo cristão.

Palavras-chave: Credo Apostólico; Símbolo; Cláusula.

7
ABSTRACT

This work was idealized as a comprehension instrument of the Apostolic Creed


in order to supply reflections about its possible use by the contemporary church.
The origin and the establishments of its terms are presented through an historic
development that establishes the fourth century as its date of conclusion. A
detailed approach of the doctrine expressed in each clause is presented in light
of the Bible, always taking into consideration the understanding and the context
of life of the first Christians. In this way a bridge leading to the reflection about
the actual use of the creed in the Church is built. It is concluded that the modern
use of the creed by the Churches and denominations can happen in the
following areas: in the candidate’s preparation for the baptism, in the defense of
the faith, in the Christian education, in the liturgy and in the favor of the
Christian ecumenism.

Keywords: Apostolic Creed; Symbol; Clause.

8
SUMÁRIO

Introdução 10
1 – Revisão da Literatura 10
2 – Origem 11
2.1 – Conteúdo 11
2.2 – Definição 12
2.3 – Desenvolvimento 13
2.4 – Legitimidade 16
3 – Significado 18
3.1 – A fé 18
3.2 – Primeira Cláusula 20
3.2.1 – Creio em Deus 20
3.2.2 – Pai Todo-Poderoso 23
3.2.3 – Criador do Céu e da Terra 25
3.3 – Segunda Cláusula 27
3.3.1 – e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor 27
3.3.2 – o qual foi concebido por obra do Espírito Santo,
nasceu da virgem Maria 29
3.3.3 – padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi
foi crucificado, morto e sepultado 33
3.3.4 – desceu à mansão dos mortos 34
3.3.5 – e ressuscitou ao terceiro dia 35
3.3.6 – subiu ao céu e está à direita de Deus Pai
Todo-Poderoso 37
3.3.7 – de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos 38
3.4 – Terceira Cláusula 39
3.4.1 – Creio no Espírito Santo 40
3.4.2 – na santa Igreja católica, [na comunhão dos santos] 42
3.4.3 – na remissão de pecados 42
3.4.4 – na ressurreição do corpo e na vida eterna 43
4 – Relevância para a Igreja Contemporânea 45
Bibliografia 48

9
Introdução
Como o próprio título prediz o Credo, dito dos Apóstolos, será analisado
historicamente, no que diz respeito à sua origem, visto que ela guarda um
misto de lendas e verdades, que necessitam ser delineadas, separando, assim,
o mito da realidade. Essa abordagem inicial revelará que a Confissão
Apostólica vem para suprir necessidades da Igreja num momento em que esta
ainda dava os seus primeiros passos, em meio a pressões externas e internas
que recebia e não contando mais com a tutela direta dos doze apóstolos.
Parasse a pesquisa neste ponto, já teríamos alcançado um ganho
histórico precioso, pois poderíamos absorver a relevância do Credo na vida dos
primeiros crentes, porém esta pesquisa destina-se, também, a decifrar a
estrutura e doutrina do mesmo, à luz da compreensão quando de sua redação,
tendo em vista que, entre tantas funções que qualquer Confissão de Fé
possua, a finalidade última é apresentar; de forma ordenada, clara e concisa; a
essência da fé daquele que crê, como disse Karl Barth: “O homem crê. E,
portanto: o homem toma esta decisão, credo”.1
A partir daí, como não poderia deixar de ser, este trabalho buscará
descobrir nesses dados históricos e apontamentos doutrinários se a Confissão
Apostólica pode ou não, apesar de sua antiguidade, contribuir positivamente na
vida e prática da Igreja em nossos dias.

1 - Revisão da Literatura
Percebe-se, a presença do Credo Apostólico nos livros e composições
de catecismo e liturgia das igrejas cristãs, como no caso do Catecismo da
Igreja Católica Apostólica Romana em sua segunda seção. Até mesmo em
hinários musicais ele é encontrado com o objetivo de apoio à ordem de culto,
caso do Hinário Evangélico, usado pela Igreja Metodista do Brasil 2, em sua
primeira edição. Seu emprego nos cultos da igreja ocidental remete ao século
VI, conforme registros3. Foi utilizado no tratado de Zuínglio, de título “Ato ou

1
CREDO Comentários ao Credo Apostólico. São Paulo: Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. p. 18.
2
HINÁRIO EVANGÉLICO com Ritual. São Paulo: Imprensa Metodista, 1977. p. 77
3
Schaff, Creeds of Christendom, vol.1, 20. Citado por A. A. Hodge, Outlines of Theology (Edinburgh, & Pennsylvania:
The Banner of Truth Trust, 1991), 115. Citado por www.monergismo.com/textos/credos/credoapostolico.htm -
20/08/2009.

10
uso da Santa Ceia”, de 13 de abril de 1525, quando a certa altura da liturgia e
introduzido pelo primeiro diácono, o Credo Apostólico é recitado por todos,
homens e mulheres, alternadamente4. Ele apresentava-se, ainda, nas liturgias
de culto pertencentes a Farel e Calvino, associado à ministração do
sacramento da ceia5. Entre as Igrejas de Confissão Luterana sua presença
figura pelo menos desde 1822, quando foi instituída a liturgia da Igreja na
Prússia por Guilherme Frederico III6.
Nota-se, também, ao verificar livros existentes sobre o tema, uma boa
quantidade de trabalhos – sejam de origem Católica Romana, Protestante ou
Reformada - que procuram classificar e decifrar os aspectos doutrinários do
Credo dos Apóstolos. Isto, por si só, somado à observação anterior, já
demonstra a relevância da matéria proposta.
Este breve trabalho, porém, procura somar alguma reflexão sobre a
relevância do mesmo nos dias atuais, tendo em vista o seu desuso na vida
diária da Igreja, seja na liturgia ou nos aparelhos de ensino que esta possui.
Será que a ausência do Credo Apostólico na liturgia eclesiástica mostra que ele
não tem relevância contemporânea? Deve o Credo Apostólico ser tratado no
sistema de ensino eclesiástico apenas como um artigo histórico? Ou será que a
sua origem, formulação e uso, no início da história cristã, apresentam princípios
significativos que possam ser priorizados pela Igreja hoje? Esta é a questão.
É de conhecimento popular que o desenrolar dos acontecimentos do
passado têm lições a serem ensinadas à sociedade, certamente o mesmo
ocorre nesse caso particular da Igreja, que, através desta consulta bibliográfica,
pode valorizar a sua história e doutrina, absorver princípios e contextualizá-los
à práxis da Igreja atual.

2 – Origem
2.1 – Conteúdo

Credo Apostólico

4
OS SACRAMENTOS NA TRADIÇÃO REFORMADA. São Paulo: Fonte Editorial Ltda., 2005. p. 66 - 68.
5
OS SACRAMENTOS NA TRADIÇÃO REFORMADA. São Paulo: Fonte Editorial Ltda., 2005. p. 104 - 115
6
TRENTINI Marcio Arthur. A Liturgia Luterana – de Lutero até o Século XIX – p. 40 -
http://www3.est.edu.br/biblioteca/btd/Textos/Mest_Prof/Trentini_ma_tmp09.pdf. 20/08/2009

11
Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador dos Céus e da Terra.
E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
[desceu à mansão dos mortos], e ressuscitou ao terceiro dia;
subiu ao céu e está assentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso;
de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo;
na santa Igreja católica, [na comunhão dos santos];
na remissão dos pecados;
na ressurreição da carne
e na vida eterna. Amém.

Existem diferenças entre as versões oriental e ocidental do Credo; as


afirmações relacionadas entre colchetes não são encontradas em versões
orientais deste documento de fé.

2.2 – Definição
São diversas as denominações atribuídas ao mais popular de todos os
Credos da Igreja Cristã. É comum o uso da terminologia Credo Apostólico. Na
tradição eclesiástica utiliza-se o título Símbolo Apostólico, ou, ainda, Símbolo
da Fé. Podemos também incluir nesta lista a expressão Confissão de Fé.
O vocábulo português Credo vem do latim com o sentido de Creio. Na
realidade o Credo, no latim, começa declarando: “Credo in Deum Patrem”, no
português a mesma oração se repete: Creio em Deus Pai. Assim que o termo
Credo significa apenas Creio, ou seja, “eu creio”, eu confesso a minha fé de
forma pública (cfe. 2 Co 4:13). Daí, o credo não é outra coisa senão uma forma
de se confessar as nossas crenças básicas (Mt 10:32; Rm 10:8-10).
Recebeu ele, primeiramente, a denominação de “Símbolo Apostólico”. A
palavra Símbolo, primitivamente, na língua grega, Symbolon, significava um
objeto que se dividia em duas partes, como contra-senha para identificação
posterior, por exemplo, se dois generais iam separar-se, tomavam uma peça
de barro que era partida em duas e cada um levava consigo uma metade. Se

12
mais tarde precisassem se corresponder, bastava que um deles enviasse junto
com a mensagem o pedaço do objeto que se encaixaria perfeitamente com o
que tinha o outro general. Na tradição cristã, esta palavra aparece pela primeira
vez em Cipriano, ilustre bispo de Cartago, no século III, que admite que a
profissão batismal dos novos convertidos seja como verdadeiro símbolo, isto
porque na antiguidade cristã, o Credo era utilizado no preparo dos candidatos
ao batismo. Eles recebiam o ensino das verdades contidas no Símbolo da fé
(Traditio Symboli = entrega de símbolo) e posteriormente o recitavam diante do
Bispo (Reditio Symboli = devolução do símbolo). Na tradição da igreja a palavra
Símbolo passou a designar o resumo das verdades da fé que identificava o
cristianismo. Como começava pela palavra Credo, esta se tornou sinônimo de
Símbolo.
Ele é, ao mesmo tempo, Apostólico, qualificação esta recebida em
referência aos doze Apóstolos de Cristo (Lc. 6:13; Ef. 2:19, 20; Ap. 21:14), nem
tanto pela sua autoria, mas sim por expressar, em cada artigo, a fé dos
mesmos, algo que é tratado mais adiante.
Por fim, ele é também chamado Confissão de Fé. Tal expressão denota
a declaração verbal ou escrita daquilo que se crê, sendo esta realizada por um
indivíduo ou coletividade. Nos primeiros trezentos anos de história da Igreja
Cristã, quando a perseguição era severa, a confissão, do latim confessio,
indicava a afirmação do Senhorio de Jesus feita por um mártir que resistira ao
acossamento e não abandonara a sua fé em Cristo. Essa mesma palavra latina
tem sido encontrada nos túmulos de testemunhas cristãs da antiguidade. Vê-se
que tal título é corretamente empregado em relação ao Credo Apostólico,
embora não possa ser exclusivo desse, pois a mesma pode aludir a outros
credos da antiguidade e confissões modernas.

2.3 – Desenvolvimento

O Credo Apostólico acima citado, como é hoje conhecido, nem sempre


teve esta forma. Essa configuração é fruto de um desenvolvimento que se deu
no transcorrer dos séculos, em torno de uma fórmula antiga, que podemos
chamar de núcleo do Credo, utilizada pela Igreja no ritual de batismo e

13
expressa na forma de perguntas. Hipólito, teólogo e líder da Igreja romana (ca.
170-235) as cita:
“Crês em Deus Pai Todo-poderoso?
Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus, que nasceu do Espírito Santo e da
Virgem Maria, e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e morreu e, vivo, ressurgiu
dos mortos ao terceiro dia, e subiu aos Céus, e sentou-se à direita do Pai, e há
de vir julgar os vivos e os mortos?
Crês no Espírito Santo, na Santa Igreja, e na ressurreição da carne?” 7

Encontramos uma evolução dessa fórmula em Marcelo (?-ca.375), bispo


de Ancira, hoje Ancara na Turquia, quando desterrado em Roma por dois anos,
produziu a seguinte declaração de fé que chegou até nós através da citação
feita por Epifânio, sábio natural da Judéia, que faleceu na condição de bispo
em Chipre (ca.315-403).
“Creio em Deus onipotente
e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
que nasceu do Espírito Santo e da virgem Maria,
que foi crucificado sob o poder de Pôncio Pilatos e sepultado,
e ao terceiro dia ressurgiu da morte,
que subiu ao céu
e assentou à direita do Pai,
de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
E no Espírito Santo,
na santa Igreja,
na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne
na vida eterna”.8

A este acrescentamos Rufino, monge, tradutor e historiador, oriundo de


Aquiléia (ca. 345-411), que produziu a obra “Expositio in symbolum” (ca. 390),
onde realiza uma comparação entre o Credo de Aquiléia e o de Roma,
traçando comentários sobre o mesmo. Nela ele apresenta um conteúdo muito
similar à declaração de Marcelo, anteriormente citada, com exceção das
cláusulas primeira, onde ele acrescenta a palavra “Pai”, ficando ela na seguinte
forma: “Creio em Deus Pai onipotente” e última “na vida eterna” que é

7
TRADIÇÃO apostólica de Hipólito de Roma. Petrópolis:Vozes, 1981. p. 52
8
DOCUMENTOS da Igreja Cristã. São Paulo:ASTE, 2001. p.60

14
totalmente omitida por este9. Temos, já, nesta última apresentação um teor
muito próximo do atual.
A expressão “Criador do céu e da terra” que conclui a primeira cláusula é
presente em escritos antigos do segundo século pertencentes a pais da Igreja,
apologistas e polemistas. Pode também ser uma interpolação, provavelmente
advinda do Credo Niceno, baixado por ocasião do Concílio de Nicéia (325).
As últimas afirmativas de fé a serem adicionadas foram:
1) o conceito e noção de vida eterna, que embora pertença
naturalmente ao Novo Testamento, foi acrescentada com base
em credos orientais, como, por exemplo, o de Marcelo, supra-
citado;
2) a descida de Cristo ao Hades, que figura num credo de
Sirmium (ca. 359), com a seguinte citação: “E Cristo desceu ao
inferno, e por lá regulou as coisas, a quem os porteiros do inferno
viram e estremeceram, e ele então ressuscitou”. J.N.D. Kelly
aponta que este Credo de Sirmium foi rascunhado por um Sírio,
Marcos de Arethusa, e que esse Descenso de Cristo já tinha um
lugar muito antigo no material dos credos Orientais10;
3) A expressão “comunhão dos santos”, que com essas palavras
surge pela primeira vez num sermão de Nicetas de Remesiana,
no fim do século IV, e essa noção sugere o acréscimo de
“Universal” para a cláusula da “Santa Igreja”, onde se manifesta
essa comunhão dos santos.

Isto feito pode-se traçar as etapas de desenvolvimento da Confissão


Apostólica da seguinte maneira: a) a antiga expressão romana em meados do
segundo século; b) a formulação de Rufino (ca. 390); c) a contribuição dos
credos gregos com sua cláusula sobre a vida eterna em fins do século IV; e d)
os acréscimos dos termos finais com suas origens no final do quarto século;
podendo assim concluir-se que, em nenhum momento da história da Igreja,
Concílio algum promulgou ou oficializou o texto do Credo Apostólico, na forma
hoje utilizada.

9
DOCUMENTOS da Igreja Cristã. São Paulo:ASTE, 2001. p.60
10
Kelly, Creeds, p. 379

15
Sendo assim, concluí-se que o Credo Apostólico já deveria estar definido
a partir do início do quinto século, sabendo-se, porém, que lá pelo século XII,
sua forma presente era usada por toda a parte na igreja do Ocidente, sendo
recitado no culto diário e por ocasião dos atos de batismo11. Podemos, ainda,
afirmar que se trata de um documento de fé da cristandade em geral, não
pertencendo a nenhuma Igreja legalmente constituída, seja ela Católica,
Protestante ou Reformada.

2.4 – Legitimidade

Como se asseverou anteriormente, nem mesmo os doze apóstolos o


compuseram, sendo, este último pensamento, fruto de lendas que se
originaram no escrito “Expositio in symbolum” (ca. 390) de Rufino, onde este
afirma que o mesmo teria sido escrito pelos apóstolos, inspirados que foram
pelo Espírito Santo, logo após a ressurreição de Jesus Cristo, tendo sido a
declaração preservada por tradição e entregue de forma integral e sem erros à
igreja de Roma. Outras lendas foram sendo reunidas a esta, como a de
Ambrósio (bispo de Milão, 340-397 d.C.) afirmando que o número de 12 artigos
obedece ao número dos apóstolos. Somada a esta, finalmente, no século VI
um sermão de Pseudo-Agostinho termina asseverando que a cada apóstolo
correspondeu escrever um artigo12.
Esta conclusão não invalida a autenticidade do Credo, visto que esta
afirmação continua sendo apostólica, seja na continuidade histórica de formular
confissões de fé, legada pelo judaísmo aos doze (evidenciada na prática dos
mesmos) seja, inclusive, pelo conteúdo do Credo, pois preserva a fé dos
mesmos em seus pontos essenciais.
A formulação de enunciados de fé, bem como a sua confissão
testemunhal não é característica única do cristianismo, pois o Antigo
Testamento apresenta a mesma prática no judaísmo, do qual a fé cristã
descende diretamente; bastando verificarem-se textos como o do Decálogo (Dt.
5:6ss), aonde a exposição objetiva de instruções sobre uma conduta correta,
vêm precedidas de um fundamento teológico do judaísmo, onde consta uma
fórmula de auto-apresentação divina: “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei

11
Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia, 1997. p.950
12
http://www.monergismo.com/textos/credos/introducao_credo_apostolico.htm - 11/05/2009

16
do Egito, da casa da servidão”. A partir daí produz-se uma série de declarações
de fé, das quais a mais importante e utilizada é a de Dt. 6:4 “Ouve, Israel, o
SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR”. Outras significativas são as de Dt.
4:35, 39; 1 Rs. 8:60; 2 Rs. 19:19; Is. 43:12 e Is. 45: 21, 22. Essa herança
histórica está presente nos apóstolos que ao crerem em Jesus Cristo como
Senhor e Salvador, formulam suas próprias declarações de fé, como por
exemplo, a de Pedro, em pelo menos duas oportunidades (Mt. 16:16 e Jo. 6:68,
69), a de Tomé (Jo. 20:28) e também a de Paulo que, escrevendo a primeira
carta aos Coríntios declara: “para nós há um só Deus, o Pai, de quem são
todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo
qual são todas as coisas, e nós também, por ele” (1 Co. 8:6) e, ainda, na
mesma epístola, expondo a respeito da ressurreição de Cristo, registra uma
afirmação de fé (1 Co.15:3-8).
Há de se levar em consideração ainda, que a linguagem empregada no
Credo Apostólico estava presente no fraseado da Igreja em tempos ainda mais
antigos que os já mencionados. A mais remota citação, talvez seja a de Inácio
de Antioquia (ca. 35 – ca. 107) que, opondo-se ao docetismo, expõe dessa
forma as regras de fé dos crentes:

De maneira que, sejam surdos quando alguém vos fale sem Jesus
Cristo,
o qual foi da linhagem de Davi,
de Maria,
quem verdadeiramente nasceu,
comeu como também bebeu,
foi verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos,
foi verdadeiramente crucificado e morreu tendo por testemunhas os
céus, a terra e o que há sob a terra;
quem também verdadeiramente ressuscitou dos mortos, quando o seu
Pai o levantou.
Seu Pai, a sua semelhança, a nós os que nele cremos, nos
ressuscitará da mesma forma em Cristo Jesus, sem o qual não temos
vida verdadeira.”13

Justino (ca. 100-165) outro mártir antigo, disse em sua Apologia (I.61.10
ss.) que entre os cristãos no batismo se pronuncia “... em nome do Pai do
universo e Deus soberano... em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob
Pôncio Pilatos, e em nome do Espírito Santo.” Também Irineu (bispo de Lyon,
ca. 175-195 d.C.) disse em sua obra Adversus haereses (I.x.1-2) que:

“A Igreja... recebeu dos apóstolos e seus discípulos


a fé em um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra...

13
Carta aos Tralianos, ix.1-2

17
e em um Espírito Santo, o qual através dos profetas proclamou...
e no nascimento virginal,
a paixão,
e a ressurreição de entre os mortos,
e a ascensão em carne ao céu do amado Cristo Jesus, nosso Senhor,
e seu retorno do céu na glória do Pai, para recapitular toda as coisas
em um
e ressuscitar toda a carne de toda a raça humana.”

Aponta-se com esses argumentos a fidedignidade e legitimidade da


Confissão que é apostólica em sua forma de se expressar e em seu conteúdo
doutrinário.

3. Significado
Como dito anteriormente, muitos teólogos de ramos diversos do
cristianismo, se esforçaram em produzir escritos onde abordam e analisam a
questão doutrinária de cada um dos artigos de fé do Credo Apostólico, alguns
desses são utilizados como base para este trabalho, que ao mesmo tempo,
trata do tema à luz da realidade histórica, quando de sua composição, levando
em consideração determinados pontos, entre eles, a manutenção dos
fundamentos da fé apostólica da Igreja numa era pós-apostólica; a divulgação
do evangelho de fé, bem como, preparo instrutivo de novos convertidos; as
pressões constrangedoras sofridas por parte do Império Romano, que via a
Igreja como inimiga do Estado instituído; e os embates internos no seio da
Igreja em virtude de ensinos heterodoxos que se propagavam então.
Para o presente exame doutrinário utiliza-se a estrutura usual do
Símbolo que se divide em três partes distintas, relativas, cada uma delas, às
três pessoas divinas: Pai, Filho e Espírito Santo. Note-se que esta distinção
deve ser considerada somente para efeito de estudo e, ainda assim, sem
perder-se a perspectiva da unidade do mesmo, pois suas cláusulas são
interligadas, assim como membros e órgãos de um corpo encontram-se
integrados.
Uma breve exposição a respeito de fé é juntamente importante, visto que
o Símbolo é da fé e este se inicia com o termo latino “credo”, ou seja, creio.

3.1 – A Fé

18
Confissão de fé é uma expressão comum para nós cristãos e o termo
crer faz parte de nosso linguajar cotidiano, mas o que é fé? O que significa
crer?
No Antigo Testamento encontra-se o termo ‘fé’ em apenas duas
ocasiões:
1. Dt.32:20 (RA) “...são raça de perversidade, filhos em quem não há
lealdade” (Nwma - ‘emuwn); e
2. Hc.2:4 (RA) “Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá
pela sua fé” (hnwma ‘emuwnah ou forma contrata hnma ‘emunah).

Em ambos os casos a maioria dos estudiosos estão certos que os


vocábulos hebraicos expressam ‘fidelidade’ e não ‘fé’, apesar de que a
fidelidade se origine em uma atitude correta para com um Deus que se
manifesta fiel ao Seu povo Israel, por meio de uma aliança estabelecida com
este. Neste caso, pode-se dizer que ‘crer’ é experimentar a fidelidade desse
Deus.
Já no Novo Testamento a palavra ‘fé’ é acentuadamente encontrada.
São mais de 300 vezes em que o substantivo ‘pistis’ (do gr. pistir) e suas
formas verbal e adjetiva aparecem, o que denota a ênfase do Novo Testamento
em apresentar Deus e Sua obra salvadora ao homem, por meio da revelação
especial de Seu Filho Jesus, daí a fé ser elemento essencial, através do qual, o
ser humano abandona toda a confiança em seus próprios esforços para obter a
salvação, depositando esta mesma confiança na pessoa de Cristo para sua
salvação. Ótimo exemplo neotestamentário é aquele em que o carcereiro de
Filipos perguntou: “Senhores, que devo fazer para ser salvo?”, ao que Paulo e
Silas responderam: “Crê no Senhor Jesus, e serás salvo” (cfe. At. 16:30ss).
Acertadamente São Tomás de Aquino afirmou que: “o primeiro bem
necessário para o cristão é a fé. Sem a fé ninguém pode ser chamado de fiel
cristão” 14. Portanto, a fé é o elemento inicial de disposição humana que
responde afirmativamente ao apelo da comunhão com Deus, por meio de Seu
Filho. Karl Barth corrobora esta definição, quando discorre sobre a realidade de
Deus e de seu possível relacionamento com o ser humano: “A fé, portanto é

14
EXPOSIÇÃO SOBRE O CREDO. São Paulo. Edições Loyola, 2006. p. 17.

19
uma decisão – a rejeição da incredulidade, a superação da oposição a esta
realidade, a afirmação da sua existência e validade” 15.
Fique bem claro: o ‘crer’ é ação humana; dado que envolve seu próprio
anseio e aspiração, porém é completamente dependente da atuação divina,
como ressalta a segunda metade da resolução acima. É Deus quem se revela,
a iniciativa é d’Ele, que se direciona para junto do homem de várias formas
através do tempo e espaço, até ao ponto de sua maior expressão, a
encarnação de Cristo Jesus, que chama esse para junto de Si. Mais uma vez,
Barth auxilia, ao tratar dessa questão, quando diz:
“Mas o que dá a fé a sua seriedade e poder não é o fato de que o homem tome
uma decisão, nem mesmo a maneira como ele a toma, seus sentimentos, o movimento
da sua vontade, a emoção existencial gerada. Pelo contrário, a fé existe pelo seu
propósito. Ela existe em função do apelo ao qual ela responde. Ela existe por isso,
pois é até onde conseguimos depreender a chamada de Deus: credo in unum Deum...
” 16 (o grifo pertence a edição original).

Significativa é a afirmativa do teólogo católico, Pierre Eyt, pois diz:


“... o ato de crer nos ultrapassa,... ele chega a nós de um lugar que nos
transcende, do alto... A fé é um dom, uma graça que chega até nós pela a ação de
Deus... Nós não inventamos a fé. Nós não a encontramos ao final de um raciocínio ou
de uma experiência. A fé nos é dada, proposta, confiada a fim de que acreditemos...” 17

Dessa forma a fé não é um fim em si mesmo, pois transita em torno de


Deus, sendo por Ele inspirada, gerada, e d’Ele dependente. Isto nos transporta
diretamente para o conteúdo e essência do Credo Apostólico, suas cláusulas
que, entrelaçadas, apresentam o Deus diante do qual nossa fé se curva.

3.2 – Primeira Cláusula


3.2.1 – Creio em Deus

O cristão afirma que crê em Deus. Já vimos que essa experiência de fé


é fruto exclusivo da revelação divina. Não fosse a graça divina em favor do
homem e este estaria perdido em si mesmo, fabricando deus ou deuses falsos,

15
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. p. 18
16
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. pp. 18 e 19
17
EU CREIO EM DEUS. São Paulo. Edições Loyola, 1990. p. 12

20
segundo sua própria convicção deturpada, como o apóstolo Paulo bem explana
no início de sua epístola aos Romanos, ao dizer: “Inculcando-se por sábios,
tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança
da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis...
pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a
criatura em lugar do Criador”. (Rm.1:22, 23, 25). Essa é, portanto, uma
afirmação libertadora do Símbolo, pois o crer em Deus dá cabo de todos os
‘ismos’ religiosos e filosóficos nascidos no interior do próprio ser humano. Sim,
quando o indivíduo declara ‘creio em Deus’ ele destrona de si o politeísmo,
com seus variados e enormes panteões; o dualismo, na essência de sua
proposição, é derribado diante da realidade de um único Deus; o materialismo
emudece diante do agir transcendente do Espírito Absoluto; não sobra opção
de subsistência para o equivocado panteísmo que insiste em confundir o
Criador com a criatura; juntamente, desmorona também o agnosticismo, pois
ao homem é dado conhecer a Deus; por fim, e resumindo a relação, ele faz cair
por terra a negação concreta da existência de Deus, típica do ateísmo.
É digno de nota que no contexto histórico vivido pelos primeiros cristãos
a unidade do império romano proporcionava o desenvolvimento de uma
proximidade entre os diferentes povos que o compunham, permitindo o
intercâmbio a nível comercial, cultural, tecnológico, filosófico e, inclusive
religioso. Os governantes romanos, em geral, permitiam aos povos subjugados
manterem suas próprias expressões de fé desde que estas não pusessem em
perigo a estabilidade de seu comando. Era comum que cultos a divindades
originadas em determinadas regiões do império fossem ‘importadas’ por outras
localidades e até ocorresse sincretismo religioso. Exemplos disso são Serápis,
divindade egípcia, que em sua origem já era fruto da união do Osíris grego e do
Ápis egípcio, cujo culto espalhou-se pelo mundo grego-romano; e Diana
originária de Éfeso, capital da província romana da Ásia, que era adorada em
todo o império romano, e que foi identificada como a Ártemis da mitologia
grega. Isso revela uma cultura religiosa politeísta num sistema aberto e,
portanto, agregador, visto que poderiam ser acrescentados deuses ao panteão
existente a qualquer tempo.
É dentro dessa realidade existente que surge o Cristianismo, nascido
dentro do Judaísmo palestínico. Não fosse o seu caráter exclusivista;

21
claramente percebido através das palavras de sua maior voz: “Eu sou o
caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo. 14:6);
e já teria sido, há muito, absorvido nessa realidade. No entanto ele consegue
manter sua identidade, ainda que perseguido. Pesaram sobre os cristãos várias
acusações, entre elas a de ateísmo, visto que não se prostravam diante dos
inúmeros ídolos que eram então reverenciados, atitude incompreendida pelos
pagãos, dada a cultura religiosa dominante. Alguns eminentes cristãos se
levantaram em defesa da fé, mostrando o absurdo de tal alegação, entre eles,
Justino Mártir (? – ca. 165), que em sua Primeira Apologia declarou: “não
somos ateus, visto que adoramos o Criador do Universo... nosso instrutor
dessas coisas é Jesus Cristo... Ele é o Filho do Deus verdadeiro” 18. Da mesma
forma o Bispo Atenágoras (? - ca. 160) de Atenas, que em sua argumentação
contra a acusação de ateísmo recorre a filósofos e poetas antigos, cujas
articulações sobre Deus eram semelhantes às do cristianismo. Ele censura a
incoerência do tratamento romano recordando-lhes que esses filósofos não
foram tachados de ateus. Em sua Petição em Favor dos Cristãos, resume:

“Não é irracional chamar-nos de ateus? Com efeito, se pensássemos como


Diágoras, tendo tantos argumentos para a crença em Deus – a ordem, a harmonia
universal, a grandeza, a cor, a figura, a disposição do mundo -, então sim teríamos com
razão a fama de ímpios e haveria motivo para sermos perseguidos. Mas a nossa
doutrina admite um só Deus, criador de todo este mundo, e ele não foi criado – pois
não se cria o que existe, mas o que não existe -, e sim ele é criador de todas as coisas
por meio do Verbo que dele procede. Portanto, sofremos ambas as coisas sem motivo,
a má fama e a perseguição” 19

Uma outra qualidade da primeira cláusula é apresentar-nos Deus


segundo o testemunho apostólico, conforme fundamentado na Bíblia Sagrada.
Ele é Deus Pai, Filho e Espírito Santo, conforme oferecido na totalidade da
fórmula simbólica. Qualquer outra concepção acerca de Deus deve ser
descartada pelo homem. Somente nessa e dessa forma, que é a sua natureza,
Ele irá expor-se. Em seu tempo, neste tratado, estaremos enfocando cada uma

18
www.geocities.com/marquesbrazil/apologia1.htm. 11/08/2009
19
www.veritatis.com.br/article/176. 11/08/2009

22
dessas denominações que revelam a tri-unidade divina, para o momento basta
inclinar-se diante desse mistério agora revelado.

3.2.2 – Pai Todo-Poderoso

Temos aqui presente o primeiro título explicativo acerca da pessoa


divina. Tem-se que afirmar que esta expressão ‘Pai Todo-Poderoso’ não se
encontra na tradição bíblica, porém se os analisarmos separadamente, o texto
sagrado é rico em citações vetero e neo-testamentárias. Analisar-se-á apenas
algumas delas para obter-se um resultado satisfatório quanto ao conceito
expresso, dando ênfase em duas passagens, onde ambas as expressões
encontram-se muito próximas e contextualizadas uma à outra.
No Antigo Testamento, em relação ao povo de Israel, Moisés foi
comissionado pelo Senhor, ainda no deserto em Midiã, para que fosse diante
de Faraó e lhe dissesse, em Seu nome: “Assim diz o SENHOR: Israel é meu
filho, meu primogênito. Digo-te, pois: deixa ir meu filho, para que me sirva...”
(Dt. 4:22, 23). Com um discurso preparado e com a vara na mão, Moisés partiu
dali até encontrar-se com Arão que o auxiliou. Faraó não deu ouvidos à sua
voz e aumentou a aflição do povo, o que fez com que Moisés clamasse a Deus,
que lhe respondeu dizendo:
“Disse o SENHOR a Moisés: Agora, verás o que hei de fazer a Faraó; pois, por
mão poderosa, os deixará ir e, por mão poderosa, os lançará fora da sua terra. Falou
mais Deus a Moisés e lhe disse: Eu sou o SENHOR. Apareci a Abraão, a Isaque e a
Jacó como Deus Todo-Poderoso; mas pelo meu nome, O SENHOR, não lhes fui
conhecido. Também estabeleci a minha aliança com eles, para dar-lhes a terra de
Canaã, a terra em que habitaram como peregrinos. Ainda ouvi os gemidos dos filhos de
Israel, os quais os egípcios escravizam, e me lembrei da minha aliança. Portanto, dize
aos filhos de Israel: eu sou o SENHOR, e vos tirarei de debaixo das cargas do Egito, e
vos livrarei da sua servidão, e vos resgatarei com braço estendido e com grandes
manifestações de julgamento.” (Ex.6:1-6).

É aqui que o Senhor Deus deixa evidenciada sua condição, ainda que
em etapas distintas, de ‘Pai Todo-Poderoso’. Percebe-se que a metáfora ‘Pai’
lhe é perfeita, pois Ele é o fato gerador da nação de Israel. É ele que promove
a geração desse povo ao enviá-los inicialmente para a Terra do Egito com
apenas 70 almas (Gn. 15:13, 14; 46:27), usando a nação egípcia como que um

23
útero gestacional para transformá-lo num grande povo (Dt. 10:22). Novamente
é ele que promove o nascimento dessa nação, agora em meio a fortes dores
de parto vividas pela nação egípcia que sofre com as dez pragas enviadas pela
Sua ‘poderosa mão’, a mão do ‘Deus Todo-Poderoso’. As supostas divindades
egípcias representadas pelo rio Nilo, pelos corpos celestes e animais se
mostram completamente impotentes diante d’Ele, pois não podem proteger
seus adoradores. As pragas divinas são sinais que demonstraram que o
Senhor é Deus onipotente, não havendo outro semelhante a Ele.
Semelhantemente ao primeiro, no Novo Testamento também se
encontra a alusão a Deus como Pai Todo-Poderoso. Ela está presente em 2
Coríntios 6:18, novamente em etapas distintas, porém contextualizadas como
na citação vetero-testamentária. Diz o trecho: “serei vosso Pai, e vós sereis
para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso”, em possível referência
aos textos de 2 Samuel 7:14 e Isaías 43:6. Similarmente a paternidade divina é
oferecida, nesta ocasião para a Igreja; uma vez que esta é justa e pura (vs.14)
pela fé em Cristo (vs.15); que deve manter-se neste estado de santidade, e
quem afirma isto é o Senhor Todo-Poderoso, pois na qualidade paterna
encontra-se implícita a condição de autoridade para ordenar e determinar
obediência ao que é exigido. Vale ressaltar que este é o sentido do termo
Todo-Poderoso no original grego pantokrator (), possuindo um
significado mais amplo que o termo Onipotente, do latim omnipotentem,
querendo dizer: Deus é aquele que tem o controle de todas as coisas e
governa sobre tudo.
Pode-se encontrar mais uma alusão direta a paternidade de Deus em
relação ao seu povo, quando Esse diz, em Jeremias 31:9: “Virão com choro, e
com súplicas os levarei; guiá-los-ei aos ribeiros de águas, por caminho reto em
que não tropeçarão; porque sou pai para Israel, e Efraim é o meu primogênito”.
Como não enxergar nessa afirmação o amor, o cuidado, o afeto e a proteção
características de um pai?
Mas está nas páginas do Novo Testamento a melhor contribuição para a
compreensão de Deus como Pai, não pelo tratamento que Jesus concedeu ao
assunto ensinando seus discípulos por meio da oração (Pai nosso - Mt. 6:9), ou
por meio de parábolas (Filho pródigo – Lc. 15:11ss), mas ao ser Ele mesmo o
Filho encarnado de Deus Pai, por meio de quem, o Pai se revela em sua

24
plenitude e, todo aquele que nele crê reconcilia-se com Deus Pai (Jo. 1:12-18;
2 Co. 5:19). Cristo clamava “Aba pai” (Mc. 14:36) e, por meio d’Ele, no Espírito,
podemos clamar da mesma forma (Rm. 8:15; Gl. 4:6). É através do Filho que
conhecemos o Pai, que ama, que se compadece, que possui autoridade, que
corrige, que salva.
Porém, de que forma o Filho revela a onipotência do Pai? A Bíblia
apresenta os sinais (gr. semeion - ) realizados por Cristo (Jo. 2:11) que
atestam o poder de Deus (Mc. 4:41; Lc. 5:17; 6:19; Jo. 2:1-11; At. 10:38), poder
inclusive para perdoar pecados (Mc. 2:1-12). A onipotência do Pai em Cristo se
mostra principalmente, na vitória de Cristo sobre a morte através da Sua
ressurreição. Pode-se afirmar que da morte ninguém escapa, pois,
naturalmente falando, ela é sempre vitoriosa, alcançando e retendo a todos
indiscriminadamente. Não no caso de Cristo vivificado que foi pelo Pai
Onipotente (At. 2: 24, 32; 3:15; Rm. 4:24; 1 Co. 6:14; Gl. 1:1; 1 Pe. 1:21).

3.2.3 – Criador dos Céus e da Terra

Um novo título nos é revelado na pessoa divina e este vem somar-se ao


já definido Pai Todo-poderoso. Ao passo que se está avaliando as expressões
em tópicos separados, não podemos deixar de ressaltar a íntima ligação entre
elas, pois percebemos que Deus é Criador enquanto Pai Onipotente e,
portanto, todos os atributos de sua paternidade e excelso poder permeiam seu
ato criador.
Isto posto, pode-se adiantar para o fato de que a tradição bíblica
propaga e mantém a noção de Deus como Criador (Gn. 2:4; Sl. 124:8; Is. 42:5;
Ml. 2:10; Ef. 3:9; Ap. 10:6), aliás, a primeira citação das Escrituras Sagradas:
“No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn. 1:1), já O define assim e
através da declaração bíblico-simbólica temos proposta uma solução definitiva
para o grande tema das origens do homem e do universo, que se traduz em
perguntas cruciais que são feitas pelo ser humano: Qual é a origem do
universo? De onde venho? Para onde iremos? Esta busca é própria do homem.
Estes questionamentos tão atuais têm seu início na mais remota caminhada
humana. São conhecidas as proposições cosmogônicas dos egípcios,
babilônios e gregos.

25
Ao tempo da formulação e estabelecimento da Confissão Apostólica era
comum encontrarem-se sugestões filosóficas e religiosas para o assunto. O
panteísmo já se fazia presente em sua proposta de auto-emanação da
realidade suprema (seja esta quem for - divina ou não), tornando o Universo e
o homem parte do todo absoluto. A confissão apostólica apresenta o Deus que
cria e não o que emana. A criação aponta para a Sua supremacia uma vez que
tudo o que foi criado, sejam anjos, corpos celestes, animais, ou mesmo o
homem (feito a Sua imagem e semelhança recebendo diretamente Deste o
fôlego de vida - Gn. 1:26, 27; 2:7) encontram-se na qualidade de criatura, ou
seja, seres cuja existência é totalmente dependente da vontade soberana deste
Deus e que não se confundem com Ele. Veja o que diz Karl Bartth:
“o relacionamento de Deus com o mundo é fundamentalmente, e em todas as
suas implicações, não um relacionamento de equilíbrio ou de paridade, mas que neste
relacionamento Deus tem a absoluta primazia... que a existência deles (seres criados)
possa ser apenas uma que seja radicalmente dependente da Existência de Deus,
portanto, uma existência que seja radicalmente relativa e sem independência... isto nos
traz para o verdadeiro conceito da criação” 20.

O dualismo, outra proposição contemporânea, exercia sua influência


através do maniqueísmo, organizado no terceiro século da era cristã, mas com
raízes no antigo Zoroastrismo persa, esse afirmava que o começo de todas as
coisas esteve envolvido em uma espécie de conflito cósmico entre a Ordem e o
Caos, também chamados de Bem e Mal, respectivamente. Conforme
informação de Russel Norman Champlin, rivalizou seriamente com o
cristianismo e expandiu-se consideravelmente até o século XII21. É certo que
há disparidade entre a proposta maniqueísta e a cristã, talvez a cosmogonia
daquela seja uma tentativa de explicar a existência e influência do mal no
mundo, coisa que o cristianismo não nega, mas elucida com o advento do
pecado no mundo através do primeiro homem, contando para isto com a
participação ativa do tentador. É o Filho encarnado, morto, sepultado e
ressurrecto ao terceiro dia que põe fim ao mal, garantindo, segundo a confissão
apostólica, a vitória sobre o mal com a remissão dos pecados, a ressurreição
do corpo e a concessão da vida eterna.

20
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. pp. 54 e 55
21
Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia, 1997. Volume IV. p.57

26
Mas, neste assunto de cosmogonia e outros, a literatura pesquisada
mostra que o gnosticismo, sobretudo em sua expressão marcionista, foi o
pensamento que mais exigiu esforço por parte da Igreja. Justo L. González
afirma que Marcião (ca. 100-165) por mais de 200 anos se tornou na mais séria
ameaça à igreja ocidental, sendo traçados rastros de sua influência na igreja
oriental até a Idade Média22. Ele pregava que o mundo havia sido criado pelo
demiurgo – poder divino intermediário emanado do bom e perfeito Deus
Transcendente. Esse demiurgo, de temperamento iracundo, legalista e
déspota; ele o identificava como o Jeová do Antigo Testamento e ensinava que
todo o Mundo tem os seus problemas porque não foi criado pelo poder divino
maior. O Deus mais alto, segundo ele, é o apresentado no Novo Testamento,
Pai de Jesus Cristo, que o enviou para redimir a humanidade do poder tirano
de Jeová-demiurgo. Nisto podemos perceber a relevância de uma abordagem
conjunta das cláusulas do Credo Apostólico, numa observação panorâmica que
desfaz o sofisma de Marcião. O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo é o
Onipotente Criador dos céus e da terra, e portanto Deus do Antigo e Novo
Testamento.

3.3 – Segunda Cláusula

3.3.1 – e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor

Nota-se mais uma vez neste estudo o conteúdo do Credo como um todo,
visto que esta afirmação funciona como uma junta de ligação entre as duas
primeiras cláusulas, onde se percebe o vínculo existente entre as pessoas do
Pai e do Filho na divindade. O tanto quanto podemos conhecer de Deus Pai
através de Deus Filho, como se viu em item anterior, ocorre de certa maneira
também, em relação a Jesus Cristo, que deve ser conhecido como Filho
unigênito de Deus Pai.
Qual é a identidade de Jesus? Que título deve ser atribuído a Ele? Era
um doutor sábio? Um profeta? Rabino? Esta questão é importantíssima e o
próprio Jesus tratou disto entre seus discípulos ao perguntar-lhes: Quem dizem
as multidões que eu sou? Logo após a resposta dos apóstolos a pergunta foi

22
Dicionário Ilustrado dos Intérpretes da Fé. Santo André – SP. Edt. Academia Cristã Ltda. 2005. p. 449

27
repetida diretamente para eles: mas vós, quem dizeis que eu sou? Ao que
Pedro respondeu, dizendo: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt. 16:13-16;
Lc. 9:18-20). Possa Jesus possuir todos os títulos possíveis, antes de tudo,
Jesus é o Filho, assim afirmam as Escrituras e o Credo Apostólico.
É também ‘único’ Filho. O termo vem por empréstimo dos escritos
joaninos onde Jesus é descrito como o ‘unigênito’ (gr. Monogenhv,
monogenes) de Deus. A palavra no original denota os filhos únicos vistos em
relação a seus pais e, no caso de Cristo, significa o único Filho nascido de
Deus. João ao se utilizar desta palavra quer enfatizar a total participação de
Jesus na vida de Deus, o que lhe concede uma condição especial como Filho
de Deus: Jesus é Deus. João constantemente afirma isto em todos os seus
escritos (Jo. 4:34; 5:19; 10:15. 30; 14:9, 10; 1 Jo. 5:20; 2 Jo. 1:9; Ap. 1:5-8).
O Símbolo neste momento assevera, à semelhança de todo o Novo
Testamento, que Jesus Cristo é Senhor, ou melhor, nosso Senhor. O pronome
possessivo aqui é de importância vital, pois revela que a Confissão de Fé
Apostólica não possui apenas caráter individual, mas também coletivo. Isto
envolve, num primeiro momento, que a expressão de fé deve ser vivida e
confirmada dentro da comunidade cristã que declaradamente está sob o
domínio de Jesus. No entanto é correto afirmar que Cristo é Senhor somente
da Igreja? Analise as páginas neotestamentárias onde a palavra ‘Senhor’ é
utilizada em relação a Jesus. Paulo, por exemplo, afirma existir um só Senhor e
este é Jesus (Ef. 4:5 e 1Co. 8:6) e ainda sobre Cristo ele afirma: “Pelo que
também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de
todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na
terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor,
para glória de Deus Pai” (Fp. 2:9-11). Também João em seu Apocalipse
declara ser Cristo o Senhor dos Senhores (Ap. 17:14; 19:16), expressão
utilizada por Paulo em 1 Timóteo 6:15, e que no Antigo Testamento é
empregada para Deus (Dt. 10:17; Sl. 136:3). Somos forçados a admitir que o
senhorio de Jesus, conforme anunciado pela Palavra de Deus e Credo
Apostólico, é sobre tudo e sobre todos, não havendo neste mundo outro senhor
semelhante a Ele, ainda que em nossa realidade possam existir muitos e em
diversos níveis hierárquicos. Logo, esta é mais uma afirmativa do Credo que
aponta para a divindade de Jesus.

28
A história registra algumas discordâncias da revelação bíblico-simbólica,
uma delas na pessoa de Teodoto de Bizâncio (ca. ? – 190), que ensinava ser o
Cristo um mero homem que fora ‘adotado’ ou constituído como Filho de Deus,
visto que o poder divino viera repousar sobre ele no momento de seu batismo.
Esta heresia, repelida pelo bispo Vitor de Roma leva o nome de Adocianismo.
Outro erro foi o de Noeto de Esmirna (Séc. II) que ensinava doutrina, segundo
a qual o Pai e o Filho são somente formas em que a única pessoa divina se
manifesta. Tal erro foi ampliado e disseminado por Sabélio (ca. ? – 215) que dá
nome a doutrina como Sabelianismo, ou Modalismo pela diversidade de modos
que a pessoa divina se manifesta. A esta lista deve ser acrescentado o nome
de Ário (ca. 250 – 336). Para ele o Filho era a primeira das criaturas do Pai e,
portanto, não co-eterno com Ele; além do que o Filho não era de uma só
natureza com Pai, não sendo Cristo verdadeiro Deus.
Por aí se percebe a importância da declaração de fé: e em Jesus Cristo,
seu único Filho, nosso Senhor; embora a esta altura devamos admitir que a
contribuição do Símbolo Niceno de 325 d.C. na solução dos problemas
doutrinários acima citados foi decisiva pela sua clareza, pois ele acrescenta: “e
no Senhor Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, Luz de Luz, verdadeiro
Deus do verdadeiro Deus, gerado, não criado, feito de uma substância com o
Pai, por Quem todas as coisas foram feitas”.

3.3.2 – o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria

Continuemos a nos deter na pessoa de Jesus Cristo, agora com respeito


a sua concepção e nascimento. Aqui o Símbolo não faz nada além do que
corroborar o texto bíblico, como sempre. Os evangelhos de Mateus e Lucas
nos relatam sobre sua concepção dessa forma: “Ora, o nascimento de Jesus
Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que
tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt. 1:18); e
“Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo
do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher,
porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo” (Mt. 1:20) e, ainda
“Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do
Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo

29
que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lc. 1:35). Sobre o seu
nascimento de mulher virgem também os evangelistas concordam (Mt. 1:22-25;
Lc. 1:34, 35), fazendo deste acontecimento um episódio único na história, pois
o nascimento de Jesus é algo que ocorre sem a intervenção de uma pai
humano, fugindo às regras da lei natural; e, portanto, um milagre.
A assertiva simbólica enfatiza primordialmente a origem e natureza
divina de Cristo já fundamentada em trechos anteriores da confissão e que,
neste momento, é revelada por meio da ação divina do Espírito Santo sobre
Maria. Mas ao mesmo tempo afirma-se com o término do enunciado a Sua
completa natureza humana, pois através de Maria, uma mulher, Jesus vincula-
se à humanidade. Paulo aponta para a encarnação de Cristo quando diz em
sua epístola aos Gálatas: “vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou
seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl. 4:4). Dessa forma o
Credo aponta tanto para divindade como para a humanidade de Cristo. Sobre
isto veja o comentário de Ricardo Willy Rieth, teólogo luterano:

“Jesus é verdadeiramente humano. Ele vem de baixo... Jesus não vem de


baixo apenas. Ele também vem de cima. A confissão de fé o qual foi concebido pelo
Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria lembra tudo isso. Por isso é correta e
insubstituível. Não se pode reduzir tudo em Jesus ao humano, mas é necessário
lembrar sempre sua divindade. E vice-versa. Somente assim ele permanece o Jesus
Cristo do Credo Apostólico”. 23

Destaquem-se também as palavras de Karl Barth:

“A formulação ‘Concebido pelo Espírito Santo’ faz pelo menos esta declaração
geral: que a existência humana de Jesus Cristo em sua personificação como da criatura
humana, como distinta de todas as outras criaturas, tem sua origem imediatamente em Deus. E
a formulação ‘Nascido da Virgem Maria’ faz pelo menos esta declaração geral: que a própria
existência de Deus em Jesus Cristo, sem prejuízo do fato de que aqui também Deus é o
Criador, tem também uma origem criaturalmente-humana e é, pois, também, uma existência
criaturalmente-humana”.24

23
ALTMANN, Walter (Org.). Nossa fé e suas razões. São Leopoldo (RS). Edt. Sinodal. 2003. pp. 82 e 83
24
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. p. 95

30
Algo importante a se destacar neste momento é que fica implícito no
texto do Símbolo que estas duas naturezas, divina e humana, encontram-se
distintamente presentes em sua plenitude na pessoa de Cristo. Não se trata
aqui da criação de uma nova natureza composta da união de ambas, ou
mesmo de uma co-existência parcial das duas em Jesus. O Credo afirma ser
Jesus verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Novamente requere-se o apoio do
Símbolo de Nicéia (325 d.C.) onde se lê: “E no Senhor Jesus Cristo, o filho
Unigênito de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, gerado,
não criado; feito de uma substância com o Pai, por Quem todas as coisas
foram feitas; que por nós homens e nossa salvação veio dos céus e foi
encarnado pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem...”. Porém,
mais elucidativo ainda é a Confissão de Calcedônia (451 d.C.) que declara:

“Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se
deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à
divindade, perfeito quanto à humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
constando de alma racional e de corpo; consubstancial, segundo a divindade, e
consubstancial a nós, segundo a humanidade; em todas as coisas semelhante a nós,
excetuando o pecado, gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo Pai e,
segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da virgem Maria, mãe
de Deus; Um só e mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em
duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, inseparáveis e indivisíveis; a distinção da
naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades
de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e
subsistência; não dividido ou separado em duas pessoas. Mas um só e mesmo Filho
Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor; conforme os profetas outrora a seu
respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo nos ensinou e o credo dos pais nos
transmitiu”.25

Percebe-se nestas citações simbólicas um detalhado desenvolvimento


na explanação concernente à Segunda Pessoa da Trindade, não que houve
uma evolução na forma de crer, mas no sentido de se expressar a fé
originalmente apostólica, frente aos ensinos heterodoxos que foram surgindo
nos quatro primeiros séculos. E quais foram eles? Far-se-á uma breve

25
Citado por www.e-cristianismo.com.br – 25-08-2009

31
exposição a seguir contendo as posições relativas a cada um 26, bem como,
apresentando os seus defensores:
a) Docetismo – palavra derivada do grego dokeo <parecer>; aplica-se ao
conceito de que Cristo não foi um homem real e que sua vida humana
foi um papel teatral, tendo seu corpo apenas uma aparência humana,
não era ele um verdadeiro corpo humano. O verdadeiro Cristo seria
então uma personalidade espiritual. Este ensino negava a encarnação e
perfeita humanidade de Jesus e não existiu enquanto seita ou religião
específica, mas como uma corrente de pensamento que esteve presente
desde cedo em diferentes períodos da história eclesiástica;
b) Ebionismo – Seita judaico-cristã que condenou os ensinos do apóstolo
Paulo dizendo ser necessário que todo judeu e gentio cumprisse as
ordenanças da lei (mandamentos, circuncisão, guarda do sábado, etc)
para salvação. Quanto à pessoa de Cristo, afirmavam ser ele o Messias,
não que fosse divino, mas porque conquistou essa condição ao cumprir
toda a Lei com perfeição. Seu nascimento também não foi virginal,
porém fruto do relacionamento matrimonial de José e Maria. Este grupo
negou a divindade de Jesus apontada no Credo Apostólico;
c) Gnosticismo – Movimento filosófico com varias vertentes, rivalizou com o
Cristianismo por cerca de 150 anos, alcançando seu apogeu na segunda
metade do século II. Uma dessas correntes de pensamento gnóstica,
difundida por Cerinto (ca. 100), dizia ser Jesus de Nazaré um e o
Espírito-Cristo outro. Este segundo seria uma das muitas emanações
angelicais do ser divino que jamais poderia se encarnar tendo em vista a
malignidade da matéria. Sendo assim, este veio sobre Jesus e o possuiu
no momento de seu batismo por João, conferindo-lhe o poder com o
qual manifestou os seus milagres. Este pensamento nega a divindade e
humanidade de Cristo Jesus. Se somente isto já seria suficiente para
mostrar sua origem demoníaca (1 Jo. 4:1-3), complete-se que este
mesmo Espírito-Cristo abandonou Jesus de Nazaré sozinho no
momento de sua crucificação, retirando, dessa forma, qualquer caráter
expiatório da morte de Cristo;

26
Com exceção do Adocianismo e Arianismo, já mencionados anteriormente, e do Monofisismo e Nestorianismo por
serem originários do séc. V, época fora da abrangência desta pesquisa.

32
d) Marcionismo – Já citamos este grupo quanto tratamos de Deus como
Criador dos céus e da terra e aqui novamente ele é incluído devido ao
erro herético em relação a Jesus. Marcião (ca. 100-160) disse que Jesus
veio diretamente do Pai, não nascendo de uma virgem, mas aparecendo
neste mundo já adulto. Certamente seu ensino sofreu influências
gnósticas.

3.3.3 – padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado

Aqui o teor do Credo converge do nascimento de Cristo diretamente


para sua paixão, morte e sepultamento. Há uma total omissão do Credo com
respeito ao restante da narrativa de vida de Jesus. Calvino explica em seu
Catecismo de 1545 que isto se dá porque o Credo menciona apenas o que
pertence a real essência da redenção humana. De certa forma percebemos a
mesma ocorrência nas folhas evangélicas, visto que seus quatro escritores não
tiveram a intenção de oferecer uma biografia detalhada de Cristo, antes
apresentaram fatos de sua vida e ministério numa caminhada constante em
direção à cruz.
É possível também imaginar, sem prejuízo do exposto anteriormente,
que a expressão “passus” faz uma síntese da vida e ministério de Jesus, pois
Ele sofreu perseguição de morte desde o início de sua vida (Mt. 2:13; Lc. 4:29;
13:31; Jo. 5:18; 7:1; 11:53); e não estava isto profetizado (Lc. 17:25; 24:25-27)
a Seu respeito? Ele foi entregue aos gentios para ser escarnecido, açoitado e
crucificado (Mt. 20:19).
Interessante nesta fase da declaração que o nome de Pilatos é citado,
localizando o acontecimento da morte de Cristo como fato histórico e
demarcado no tempo e espaço. Sobre isto Karl Barth depõe: “Como Pôncio
Pilatos entra no Credo? Uma simples resposta pode ser dada de uma vez: é
uma questão de data. O nome do procurador Romano, em cujo mandato Jesus
Cristo foi crucificado evidencia a seguinte: num ponto tal do tempo histórico isto
aconteceu”.
Caminha-se agora para uma expressão central do Símbolo: “crucificado,
morto e sepultado”. Esta, juntamente com “ressuscitou ao terceiro dia”,
catalisam todo o foco de ensino dos evangelistas e pregação dos apóstolos. A

33
crucifixão de Jesus, que Paulo afirmou ser escândalo para os judeus e loucura
para os gentios (1 Co. 1:23) é para nós poder de Deus (1 Co. 1:18), pois sua
morte executada na cruz e confirmada em seu sepultamento trouxe-nos
expiação para os pecados. João Batista ao testemunhar sobre Jesus, disse:
“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo. 1:29). Em sua morte
fomos resgatados do cativeiro maligno em que nos encontrávamos (1 Co. 6:19,
20; 7:23; Cl. 1:13; 1 Pe. 1:18-20). Como é importante esta instrução simbólica
que era enfatizada na pregação do evangelho para salvação dos ouvintes e,
mais uma vez, compartilhada para a fundamentação da fé dos batizandos,
sobretudo tendo em vista a negação gnóstica corrente nos primórdios
históricos da fé. Possuindo uma Cristologia pluralizada pelas diversas correntes
de pensamento dentro do movimento, e sendo totalmente divorciados do
testemunho apostólico, não viam a morte de Jesus como um elemento
essencial de sua missão. Diziam eles que o Espírito-Cristo, um aeon de
elevada espiritualidade, havia repousado sobre Jesus de Nazaré no momento
de seu batismo para abandoná-lo no momento de sua crucificação, negando
dessa forma a morte expiatória. A estes então, que o Credo, baseado na Bíblia
responde com firmeza: “Crucificado, Morto e Sepultado”.

3.3.4 – desceu à mansão dos mortos

A descida de Cristo ao Hades, como parte integrante do Credo


Apostólico, é localizada primeiramente no credo de Sirmium (ca. 359). É
expressivo o número de proposições acerca do verdadeiro significado que tal
frase possui. Para os primeiros cristãos, doutrinariamente falando, parece, pelo
conteúdo original da declaração inicial de Marcos de Arethusa, que aponta para
um descenso literal de Cristo ao inferno, pelo que diz: “E Cristo desceu ao
inferno, e por lá regulou as coisas, a quem os porteiros do inferno viram e
estremeceram, e ele então ressuscitou”. Tal alegação seria baseada em alguns
textos bíblicos que referendariam esta possibilidade como, por exemplo, Atos
2:27; Romanos 10:6-10; Efésios 4:7-10; 1 Pedro 3:18-20; 4:6.
A questão que ainda causa divergência não se encontra apenas no fato
de uma descida literal ou não de Cristo ao inferno, mas ainda em qual teria sido
a sua finalidade. Seguem-se algumas posições, não com a intenção de

34
solucionar a questão, mas com objetivo de apresentá-las e estimular uma
pesquisa mais específica.
A opinião Católica Romana, presente em seu catecismo é de que Cristo
desceu de forma real aos infernos, reconhecido este lugar como Morada dos
Mortos, com a missão libertar os justos que ali estavam à espera do Redentor.
Calvino dizia que essa descida refere-se ao fato de ele não sofreu
apenas uma morte física, mas que na cruz passou por todo o tormento do
Inferno com uma indizível angústia que sua alma sofreu. Esta serviu de meio
pelo qual Ele ao mesmo tempo suportou a severidade da vingança de Deus,
aplacou sua ira e satisfez seu julgamento, livrando a alma do ser humano das
dores e temores angustiosos do Inferno.
Lutero, embora não tenha incluído esta afirmação simbólica na
Confissão de Fé de 1528 nem nos Catecismos de 1529, disse que ela
significava simplesmente que Cristo é o Senhor lá em cima, aqui e embaixo,
para que saibamos que Ele é o nosso Senhor, onde quer que estejamos, quer
vivamos, quer morramos.
Zuinglio defendeu a idéia de que Ele desceu e realizou uma pregação
destinada aos mortos justos elevando-os do hades para os céus. Assim
advogava Tertuliano. Há aqueles que; como Atanásio, Ambrósio e Erasmo;
afirmavam ser o objetivo uma pregação com caráter de duplo aspecto: consolo
e progresso para os mortos justos e de condenação para os perdidos. E por
último existem os que negam por completo tal descida, dos quais o mais
eminente é Agostinho.

3.3.5 – e ressuscitou ao terceiro dia

Concluí-se com esta frase o núcleo central do Símbolo. Ela é, junto com
a afirmação da morte de Jesus Cristo, o foco principal de ensino dos
evangelistas e pregação dos apóstolos. Tudo o que vimos nas cláusulas
simbólicas anteriormente citadas preparam o terreno para o ‘lançar da
semente’ na morte e sepultamento de Cristo, que ressurge como ‘renovo’ em
Sua ressurreição. As cláusulas subseqüentes são ‘ramos’ derivados deste
renovo, que interliga todo o organismo vivo do Credo. Sim ele declara o
ressurgimento ao terceiro dia do Autor e Verbo da vida (At. 3:15; 1 Jo. 1:1).

35
Porém esta afirmativa sempre criou dificuldades tendo em vista ser um
acontecimento extraordinário e contrário à realidade humana. O princípio geral
estabelecido para todo homem é passar pela morte e permanecer neste
estado, portanto, desde logo os primeiros cristãos enfrentaram uma discussão
sobre a realidade da ressurreição de Cristo. A Bíblia afirma que a seita dos
saduceus não aceitava essa pregação apostólica (Mt. 22:23; At. 4:1, 2; At.
23:8) e, para citar mais um caso, Paulo, bem acolhido pelos atenienses num
primeiro momento, enfrentou dificuldades quando foi explanar sobre a
ressurreição de Cristo (At. 17:32). O ensino da ressurreição de Cristo era
ridicularizado nos primeiros séculos, exemplo disso é a citação de um filósofo
platônico conhecido como Celso, cujo teor se conhece pela citação da obra de
Orígenes, “Contra Celso”, onde diz: “essa fé (da ressurreição) se baseia
apenas no testemunho de algumas mulheres histéricas”27.
Ainda que ninguém tenha sido testemunha ocular do momento e
acontecimento da ressurreição, em si mesma ela é tida como fato histórico
apoiado na realidade do túmulo vazio e nas aparições do ressurrecto,
assistidas pelos seus discípulos, que inicialmente relutavam em aceitar a
realidade deste acontecimento. Conforme Lucas as provas de sua ressurreição
são incontestáveis (At. 1:3) e isto faz com que os discípulos de Jesus
arrisquem sua própria vida para divulgar a mensagem da ressurreição com
coragem. Assim recebemos e aceitamos essa boa nova, por meio da fé, e
damos continuidade na propagação deste milagre.
A importância do anúncio de Sua vitória sobre a morte é catalisada na
frase do apóstolo Paulo: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda
permaneceis nos vossos pecados” (1 Co.15:17) e, ainda, “o qual foi entregue
por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa
justificação” (Romanos 4:25). Percebemos pelo pensamento paulino o lugar
imprescindível da ressurreição na conclusão do plano divino para o homem:
Sem ela não há redenção. Mas os benefícios advindos aos crentes por meio da
ressurreição não param por aí. O caráter único da divindade de Cristo é
definitivamente confirmado; a sua doutrina é totalmente afiançada; a
continuidade de Sua presença entre nós; a viva esperança de seu retorno; e

27
Citado por http://www.comshalom.org/blog/carmadelio/367-ressurreicao-de-jesus-e-a-historia. 31/08/2009

36
nossa própria ressurreição e glorificação. Podemos como o apóstolo, por meio
de Cristo, declarar: “Onde está ó morte, a tua vitória? Onde está ó morte, o teu
aguilhão?... Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso
Senhor Jesus Cristo. (1 Coríntios 15:55, 57).

3.3.6 – subiu ao céu e está assentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso

Após afirmar-se a fé na ressurreição de Cristo é necessário proclamar a


sua ascensão. Este acontecimento não tem muito destaque no texto bíblico e
apenas poucas citações a apresentam diretamente, é o caso de Lucas 24:50,
51; e Atos 1:2, 9-11. Os demais textos, como por exemplo, João 20:17; Efésios
4:8-10; 1 Timóteo 3:16; Hebreus 4:14; 9:24; 1 Pedro 3:22, servem de apoio
sem fazer referência a uma subida literal.
O mesmo já não acontece com o restante da cláusula que apresenta a
entronização de Jesus Cristo à destra de Deus Pai. Eis as várias passagens
que relatam tal acontecimento: Marcos 16:19; Atos 2:33, 34; 7:55, 56;
Romanos 8:34; Efésios 1:20; Colossenses 3:1; Hebreus 1:3, 13; 8:1; 10:12 e
12:2.
Percebe-se na ascensão um acontecimento transcendente, porém
histórico, que marca a passagem do Cristo ressurrecto que, após sua subida
aos céus, passa a ser também o Cristo exaltado.
Os Pais da Igreja deixaram registros da ascensão mostrando
credulidade em tal acontecimento. Justino mártir (? – 165) disse: “Agora escutai
o que disse o profeta Davi sobre o fato de que Deus, Pai do universo, levaria
Cristo ao céu, depois de sua ressurreição dos mortos” 28. Igualmente Orígenes
(185-254), em sua obra De Principiis, afirmou: “Paulo também nos indica que
Cristo, depois de sua ascensão aos céus, falou em seus apóstolos” e mais à
frente: “Jesus Cristo... Verdadeiramente também ressuscitou dos mortos e,
depois da ressurreição, tendo convivido com os seus discípulos, subiu aos
céus”29.
Tertuliano (155-220) corrobora o testemunho do Ascenso dizendo que Jesus

28
APOLOGIA I – citado por: http://www.monergismo.com/textos/apologetica/Justino_de_Roma_IApologia.pdf -0 -
09/09/09
29
De Principiis – Prólogo. Citado por: www.cristianismo.org.br/or-prin1.htm - 09/09/09

37
subira aos céus no Pentecoste30.
Como no texto bíblico, parece que o entendimento dos primeiros cristãos
com respeito à subida de Cristo aos céus, ainda que pouco esmiuçada por
estes, é de que o Senhor Jesus foi exaltado e entronizado assumindo o
governo sobre tudo e todos, juntamente com o Pai. Isto é possível de se
afirmar tendo em vista o comentário de Justino, ainda em De Principiis, quando
diz:

“As palavras do profeta são estas: "Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à
minha direita, até que eu ponha os teus inimigos como escabelo de teus pés. O Senhor
te enviará o cetro de poder de Jerusalém, e tu dominarás em meio aos esplendores de
teus inimigos. Contigo o império no dia de tua potência, em meio aos esplendores de
teus santos. Do meu seio, antes do astro da manhã, eu te gerei”. Portanto, o que ele
diz "Enviar-te-á de Jerusalém o cetro de poder" era anúncio antecipado da palavra
poderosa que, saindo de Jerusalém, os apóstolos pregaram por toda parte”31

3.3.7 – de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos

Estas são as palavras que encerram a segunda cláusula. O mesmo


Cristo que subiu e assentou-se a destra de Deus Pai é Aquele que há de vir. A
esta altura o Credo fala da venturosa esperança cristã tão bem fundamentada
nas Sagradas Escrituras. O Antigo Testamento apresenta uma profecia
composta, fornecendo elementos da primeira e da segunda vinda de Cristo,
assentando ambos os acontecimentos em um mesmo contexto (como por
exemplo, em Is. 61:1-3; 65:8-12), e sobre esta forma de exposição o apóstolo
Pedro se manifesta em sua primeira carta quando diz: “investigando,
atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas
pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre
os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam” (1 Pe.
1:11). No Novo Testamento encontramos cerca de 300 referências à segunda
vinda de Cristo. O Senhor mesmo mencionou o assunto, principalmente em
seu sermão profético (Mt. 24; Mc. 13; e Lc. 21) e os apóstolos crendo,
anunciaram essa esperança (1 Co. 11:26; 2 Ts. 1:7-10; 2 Pe. 3; Jd. 14, 15;

30
O sacramento do Batismo – Teologia Pastoral do Batismo segundo Tertuliano. Petrópolis. Vozes. 1981, pág.71 –
citado por: http://books.google.com.br/books - 09/09/09
31
De Principiis – Prólogo. Citado por: www.cristianismo.org.br/or-prin1.htm - 09/09/09

38
Ap.1:7, 8; 19:11-21). Assim, o Símbolo anuncia o retorno de Cristo com o
objetivo de julgar tanto a vivos como a mortos. Duas coisas importantes podem
ser destacadas nesta segunda parte da afirmação: o papel de Juiz pertencente
a Cristo (e derivado disto seu poder de julgar) e a amplitude de alcance do Seu
julgamento. Usando-se linguagem jurídica, de onde procedem a autoridade e a
competência de Cristo? Vale recorrer à citação imediatamente anterior a esta,
onde se revela Cristo em sua ascensão ao Céu e entronização à destra de
Deus Pai, ambos, subida e governo são sobre tudo e todos. Poder-se-ia, ainda,
recorrer à pré-existência de Cristo sendo, este mesmo, Deus, mas visto que o
Credo Apostólico silencia sobre o tema, deixa-se este aspecto de lado.
Dessa forma pode-se, através do Credo, estabelecer uma linha de
tempo para a Igreja que no seu estado presente contempla, pela fé, a obra de
Cristo realizada no passado sem deixar de olhar à frente, aguardando a
conclusão final no cumprimento da promessa de sua segunda vinda.

3.4 – Terceira Cláusula

Algumas considerações se fazem necessárias quando se inicia a


abordagem deste terceiro artigo de fé. Ele, à semelhança dos anteriores, deve
ser visto como parte integrante do todo, visto que a declaração de fé na pessoa
do Espírito Santo complementa a revelação especial da tri-unidade divina.
Conforme dito anteriormente, somente nessa e dessa forma, Deus Pai, Deus
Filho e Deus Espírito Santo, Ele irá revelar-se. Karl Barth, em sua análise do
Símbolo da Fé, quando alcança este ponto, realça esta aproximação das
cláusulas, dizendo a um leitor descuidado: “Teria sido melhor ter o conteúdo do
primeiro e segundo artigos claramente em nossas mentes, se vamos
considerar agora o terceiro artigo” 32.
Seguindo esta linha de análise integral o estudioso do Símbolo depara-
se com uma ausência de informações diretas sobre a terceira Pessoa da
Trindade. O Credo Apostólico tem muito a dizer sobre o Pai e o Filho, em
contrapartida pouco ou quase nada fala sobre a Pessoa do Espírito Santo.
Neste ponto faz-se necessário o auxílio da Bíblia Sagrada, bem como, do

32
CREDO. São Paulo. Editora Cristã Novo Século Ltda., 2005. p.172

39
Símbolo Niceno-Constantinopolitano (381 d.C.), que acrescenta elementos
significativos.
Ainda uma terceira observação: O Credo Apostólico não se omite em
relação à obra do Espírito Santo, pelo contrário a expõe de forma expressiva.
Lembra-se a presença da mesma na segunda cláusula, quando a ação do
Espírito é decisiva na geração virginal do Filho. E mesmo em cada declaração
subseqüente da terceira cláusula (na santa Igreja Católica,... na vida eterna)
que devem ser tidas como manifestação poderosa do Espírito Santo na vida
daquele que crê e da Igreja. Neste aspecto percebemos, mais uma vez, a
unidade do Símbolo Apostólico que apresenta um Deus Trino em plena e
uniforme ação em favor do ser humano.
Além disso, em tempo, necessita-se retornar à segunda declaração
simbólica, quando a abordagem da mesma, neste trabalho, restringiu-se a
pessoa de Cristo Jesus. Ali, como dito anteriormente, está presente a ação
geradora de vida que encobre a Virgem Maria. Mas esta atuação específica
não é um caso pontual nas Sagradas Escrituras. O Santo Espírito sempre se
encontra presente quando a vida é suscitada, sustentada ou regenerada, pois
Ele atuou na criação (Gn. 1:2), e no Salmo 104, onde a grande variedade de
seres criados exalta a sabedoria divina, o salmista diz: “Se ocultas o rosto, eles
se perturbam; se lhes cortas a respiração, morrem e voltam ao seu pó. Envias
o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da terra” (Sl. 104:29,
30). Jó reconhece a atuação do Espírito do Senhor em sua criação (Jó. 33:4). É
clássico o texto que revela a visão do vale de ossos secos por Ezequiel. Ao
profetizar a vinda do Espírito sobre os mesmos eles tornaram à vida,
simbolizando o renascimento da nação escolhida (Ez. 37:14). Assim também é
todo o crente, pois que este é nascido do Espírito (Jo. 3:3, 6, 8), que
ressuscitou a Cristo e vivificará os corpos dos crentes (Rm. 8:11). Além do já
exposto, pode-se afirmar, para conclusão, que esta ação direta do Santo
Espírito no nascimento de Cristo é indício no Credo de toda a participação,
acompanhamento e plenitude Daquele na vida e ministério de Jesus.

3.4.1 – Creio no Espírito Santo

40
Aqui se proclama fé na Terceira Pessoa da Trindade que é citado no
Credo como Espírito Santo. Este é o Seu nome próprio e Sua denominação é
conhecida através do texto das Sagradas Escrituras onde encontramos a
expressão em 94 oportunidades do Antigo e Novo Testamento, em sua forma
normal ou invertida (Santo Espírito – esta menos comum, referida apenas em
Sl. 51:11 e Ef. 1:13). No hebraico o termo para espírito é ruwach (xwr) que
associado a qodesh (vdq) se faz presente em Isaías 63:10, 11 e Sl. 51:11. As
demais citações pertencem ao Novo Testamento, onde no grego a palavra
pneuma () se faz acompanhada por hagios ()
Nas passagens citadas e nas demais nota-se atividade, conhecimento e
caráter que necessariamente apontam para a personalidade e plena divindade
do Santo Espírito e, é isto que o Credo quer passar quando a Ele se refere.
Não estamos aqui diante de uma força impessoal, ou manifestação de um
impulso poderoso da parte de Deus, mas do próprio Deus Espírito Santo. O Dr.
James Strong, que analiza o termo pneuma (gr. ), em sua principal
obra, diz que a expressão Espírito Santo, como é mencionada, enfatiza a Sua
personalidade e caráter33.
Tal afirmação simbólica, aliada à clareza do texto Sagrado, não foi
suficiente para que surgissem aqueles que, mal compreendendo o ensino
sobre o Espírito Santo, afirmaram ser Ele criatura, subordinado e menor do que
o Pai e o Filho, exercendo uma função semelhante a dos anjos, como servo e
ministro de Deus, porém superior a estes. Assim ensinava Macedônio (? –
362), bispo de Constantinopla, que foi combatido por Atanásio (ca. 295-373)
através de suas quatro Cartas a Serapião, defendendo a divindade do Espírito.
O bispo de Constantinopla foi deposto em 360, mas deixou seguidores que
adotaram sua instrução e foram conhecidos como Macedônios e às vezes
como Pneumatômacos, vocábulo derivado do grego pneumatomachi
() cujo sentido é <lutadores contra o Espírito>. A heresia foi
condenada no Sínodo de Alexandria (362) e por fim, no Concílio de
Constantinopla (381), foi acrescentado ao Símbolo Niceno a seguinte afirmativa
em relação ao Espírito Santo: “E creio no Espírito Santo, o Senhor e Doador da

33
STRONG, James. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. Barueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 2002 - Bíblia
Online.

41
vida, que procede do Pai e do Filho, que com o Pai e o Filho é adorado e
glorificado, que falou pelos profetas”.

3.4.2 – na santa Igreja católica, [na comunhão dos santos]

A partir daqui e dependente da ação regeneradora do Espírito


procedente do Pai e do Filho, nasce a Igreja, que é um ajuntamento santo de
uma santa comunhão. Esta seqüência em ordem no Credo pode nos conceder
a exata percepção de que a origem da Igreja não é, sob nenhuma hipótese,
humana e sim divina. O livro de Atos nos mostra, em mais de uma
oportunidade, que os apóstolos viam a Igreja – sendo eles mesmos parte
integrante dela – como fruto das predições proféticas do Antigo Testamento (Jl.
2:32 – At. 2:17 / Sl. 2:7-12 – At. 13:32, 33 / Is. 16:5; Am. 9:11 – At. 15:15-18),
ou seja, a Igreja nasce da vontade soberana do Pai Todo-Poderoso. A
participação do Filho não é menos importante, visto que se faz Mediador de
uma Nova Aliança, por meio de sua encarnação, paixão, morte, ressurreição e
glorificação. Agora é o Espírito que convence o pecador (Jo. 16:8), insuflando-
lhe nova vida através Sua permanência nele (1 Co. 6:19) e integrando-o à
Igreja (gr.  – ekklesia), uma assembléia da grande família de Deus
(Ef.2:13-22).
Deve-se destacar a presença dupla da santidade nessa expressão, que
pode significar tanto a importância e dignidade desta assembléia visto que é
santificada pela presença do divino no ser humano, pois o Espírito a sela (Ef.
1:13) e nela habita (Ef. 2:22); como sua distinção e separação das demais
comunidades existentes na realidade da organização da sociedade humana.
Em outras palavras nenhuma assembléia ou comunidade pode ser comparada
à Igreja.
Um último detalhe não menos importante é que a declaração de fé
aponta para uma Igreja Católica, ou seja, universal, pois abrange todos os
salvos de todas as nações, raças, cores e culturas, motivo pelo qual não
podemos confundi-la com uma unidade de organização denominacional ou
estrutural. Ela é universal.

3.4.3 – Na remissão dos pecados

42
Jesus disse: “porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança,
derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt. 26:28) e os
apóstolos pregaram: “Dele todos os profetas dão testemunho de que, por meio
de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados” (At.
10:43). Assim também afirma o Símbolo que expressa a manifestação da fé no
poder remidor do sangue de Jesus.
Remissão, do latim remissionis, segundo o Grande Dicionário Larousse
Cultural da Língua Portuguesa, significa: Ato ou efeito de remir, de perdoar,
quitação34. Mas, remissão por quê? Por causa da realidade da existência e
permanência do pecado no ser humano. Temos através dessa declaração os
vestígios iniciais necessários ao desenvolvimento dos estudos em
Antropologia, Hamartiologia e Soteriologia. Pode-se através deste artigo falar
do homem em seu estado original e no estado de pecado, e também,
esclarecer-se sobre a origem, natureza e efeitos do pecado, passando assim a
uma compreensão nítida da necessidade e possibilidade, em Cristo Jesus, do
plano de redenção tão bem apresentado na segunda cláusula.
O gnosticismo, presente em alguns círculos cristãos dos primeiros
séculos, pela sua cosmogonia e alternativa de salvação através do
conhecimento, negava a validade da remissão de pecados pelo sangue de
Cristo. Foram, ainda em seu início, combatidos pelos Apóstolos e,
posteriormente pelos Pais da Igreja, como Irineu, Tertuliano, Clemente de
Alexandria, dentre outros. A fé expressa pelo Credo aponta para a
incapacidade do homem libertar-se sozinho de seu estado pecador, daí Creio...
na remissão de pecados.

3.4.4 – Na ressurreição do corpo e na vida eterna

Assim como a segunda cláusula encerra-se com a promessa de retorno


futuro do Senhor Jesus, o Credo finaliza, em seu terceiro artigo, com a gloriosa
perspectiva reservada a todo aquele que crê – a ressurreição do corpo e a vida
eterna. Ao mesmo tempo, percebe-se que a efetiva ressurreição da carne e
concessão de vida eterna só poderá ocorrer na seqüência do retorno de Cristo
dos céus, sendo deste dependente e, em nenhuma condição, desatrelado dele.

34
Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo. Editora Nova Cultural Ltda. 1999. p.781

43
Outra vez tem-se que destacar neste estudo a unidade desta cláusula,
pois que a ressurreição da carne é fruto da poderosa obra do Santo Espírito.
Paulo declara que, na semelhança da ressurreição de Cristo, o Espírito
vivificará os nossos corpos que são seu templo (Rm. 8:11; 1 Co. 6:9). Daí a
presença garantida dessa afirmação de fé no conjunto da terceira fórmula.
A compreensão da ressurreição da carne como doutrina levantou
dificuldades desde o início de sua propagação. Sobre seu entendimento
complexo, Agostinho (354-430) pronunciou-se dizendo:

“Não sei como explicar brevemente o que se refere à ressurreição da carne (que não
se identifica com a de certas pessoas que ressuscitaram dentre os mortos, mas voltaram a
morrer, senão que é como a ressurreição de Cristo, ou seja, para uma vida eterna”. 35

A filosofia estóica e a epicurista sequer a cogitava em seu meio, como


fica bem claro na passagem em que Paulo prega no Areópago, em Atenas, e é
ridicularizado e posto de lado (At. 17:32). O grupo judaico dos saduceus,
fortemente influenciado pela filosofia helenista, também rejeitava a proposta
(Mt. 22:23; At. 23:8). Os gnósticos diziam ser impossível a possibilidade de
ressurreição de uma matéria decaída e má. No entanto, tal doutrina,
apresentada pelo Credo, se faz presente na trajetória de Jesus (este a pregou
e experimentou: Mt. 22:30, 31; 26:32; 27:53; 28:6; Lc. 14:14; Jo. 5:29) e no
ensino apostólico (At. 4:33; Fp. 3:11; Hb. 6:2; 1 Pe. 1:3; Ap. 20:5, 6) dos quais
a maior contribuição vem do texto sagrado de 1 Co. 15. Ali Paulo apresenta a
ressurreição de Jesus como fato que garante a ressurreição de todos aqueles
que crêem.
De igual modo, tão bem fundamentada escrituristicamente é a fé
simbólica da vida eterna (Mt. 19:29; 25:46; Jo.3:15, 16, 36; 5:24; Rm. 5:21;
6:23; Tt. 1:2; 1 Jo. 2:25; Jd. 21). Nela se cumpre todo o grande plano
estabelecido por Deus em sua Palavra, para a humanidade: compartilhar
plenamente de Sua vida por intermédio de Cristo: “Agora, porém, libertados do
pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a
santificação e, por fim, a vida eterna” (Rm. 6:22), Amém.

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Citado por WITT, Osmar Luis. Nossa Fé e suas Razões. São Leopoldo. Editora Sinodal. 2003. p.160.

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4 – Relevância para a Igreja Contemporânea
Caminha-se aqui para a conclusão deste breve trabalho, agora com a
finalidade de apresentar aplicações práticas do Credo Apostólico na vida atual
da Igreja, sem perder de perspectiva a proposta inicial de verificar o seu uso
nos primórdios da história eclesiástica.
Oferece-se aqui, ponto após ponto, tão somente, indicativos de
utilização, que merecerão, por parte daqueles que analisarem esta matéria, o
investimento de criatividade e engenhosidade para o emprego em cada Igreja
local ou denominação. Eis aí os possíveis usos:

1 – Na preparação de candidatos para o batismo – Esta utilização do Credo


merece estar no início desta série, em virtude do resultado da pesquisa
histórica deste trabalho. Nota-se que o uso do credo nos primórdios estava
principalmente ligado à formação dos novos discípulos que se encaminhavam
para o batismo. O núcleo do Credo, em suas três cláusulas, era formulado ao
batizando em forma de perguntas (Crês?) que deveriam receber a resposta
afirmativa: Creio. Portanto os primeiros cristãos eram orientados a respeito do
conteúdo da fé cristã, na forma expressa no Símbolo e, após o preparo
doutrinário, eram batizados numa cerimônia em que, na liturgia, constava, mais
uma vez, o Credo. Porque não se utilizar dele nos tempos atuais e nas
mesmas ocasiões? A maioria das Igrejas cristãs possui classes voltadas para a
instrução de novos convertidos. O uso do Credo no currículo destas classes
contribuiria para uma formação não somente doutrinária, mas também
histórica, além do que a liturgia dos cultos de batismo seria enriquecida.

2 – Na defesa da fé – Ainda priorizando os apontamentos deste trabalho,


justifica-se este segundo ponto à apologética, visto que a formação deste e dos
demais Credos sempre esteve ligada à manutenção da fidelidade doutrinária,
como expressa nas Escrituras e pregadas pelos apóstolos. O presente
momento é marcado por uma efervescência religiosa com a multiplicação de
grupos com as mais diversas doutrinas e práticas religiosas. Não bastasse o
enorme trabalho evangelístico que a Igreja tem pela frente, ela ainda tem de se
preocupar com o avanço dos grupos classificados como pseudo-cristãos

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(assim chamados pelo uso que fazem do nome de Jesus e da Bíblia Sagrada
sem manter a ortodoxia doutrinária), talvez os mais perigosos entre todos os
demais, pois que, tais movimentos se passam por cristãos e possuem a marca
registrada de angariar novos adeptos entre nossas Igrejas. O Credo ainda pode
contribuir com o seu poder apologético, principalmente através do seu
conteúdo, intocável há séculos. Sua fórmula também é concisa e clara, o que
facilita a exposição de seu conteúdo e, somando-se a estas qualidades, ainda
aponta para o princípio da identidade, visto que, por meio dele, manifestamos
ao mundo quem somos e no que cremos.

3 – Na educação cristã – Nele encontramos os fundamentos da fé cristã: Deus,


como princípio de tudo e todos, a Santíssima Trindade, a Cristologia bem
fundamentada, etc. Sendo assim, pode ser usado como parâmetro na grade
curricular da Escola Bíblica Dominical, ou como tema nos Cultos de Estudo
Bíblico, grupos de discipulado, células e, porque não dizer, até mesmo em
sermões dominicais.

4 – Na liturgia – Historicamente falando e, conforme breve apontamento desta


pesquisa se percebeu o uso antigo do Credo Apostólico na liturgia de diversas
igrejas cristãs, sobretudo na ministração da Ceia do Senhor, quando a
Confissão de Fé Apostólica era afirmada por toda a congregação reunida. Hoje,
pelo menos na Igreja brasileira, tal prática não é tão comum. É uma outra
possibilidade prática de uso do Credo Apostólico que pode ser resgatada.

5 – No favorecimento do ecumenismo cristão – Ainda considerando a base que


fundamenta o item anterior, ou seja, a antiguidade e uso comum do Credo,
pode-se afirmar que ele não é propriedade, nem de uso exclusivo, de nenhum
grupo específico, mas sim, herança de todos. Além disso, o conteúdo do Credo
aponta para a existência da Igreja Universal – uma comunhão de santos. Isto
deve indicar para uma aproximação e comunhão, ainda que não
organizacional, entre as diversas correntes cristãs. Se cada denominação
possui sua própria declaração de fé, que a identifica como ramo da grande
árvore cristã, todos os ramos possuem o Credo Apostólico.

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Conclui-se, portanto, que a utilização da Confissão de Fé Apostólica é
extremamente edificante para a Igreja. Certamente o seu uso contribuiu no
passado e sua atual utilização, sendo contínua e das variadas formas citadas
anteriormente, poderá contribuir no alcance de resultados positivos para a vida
e prática da Igreja Contemporânea. Salienta-se que este tema não se exauriu
por aqui, pois uma pesquisa histórica mais profunda, abrangendo outras etapas
da história da Igreja, poderá incluir mais usos estratégicos do Credo Apostólico
para a Igreja atual.

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Bibliografia
ALTMANN, Walter (Org.). Nossa fé e suas razões. 1ª Ed. São Leopolo RS:
Editora Sinodal, 2003.

AQUINO, Tomás de. Exposição sobre o Credo. 6ª Ed. São Paulo: Edições
Loyola, 2006.

BARTH, Karl. Credo – Comentários ao Credo Apostólico. 1ª Ed. São Paulo:


Editora Cristã Novo século Ltda, 2005.

BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã. 3ª Ed. São Paulo: ASTE


Associação de Seminários Teológicos Evangélicos, 2001.

EYT, Pierre. Eu creio em Deus. 1ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 1990.

FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias. 2ª Ed. São Paulo: Paulos, 1995.

GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática. 1ª Ed. São Paulo: Edições Vida Nova,
1999.

KLEIN, Carlos Jeremias. Curso de História da Igreja. 1ª Ed. São Paulo: Fonte
Editorial Ltda, 2007.

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Paulo: Fonte Editorial Ltda, 2005.

KÜNG, Hans. Credo. 1ª Ed. Lisboa: Sociedade Astória Ltda, 1992.

SCHNEIDER, Theodor. Lo que nosotros creemos. Salamanca: Ediciones


Sigueme, 1991.

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