MILITAR - REFORMA - CÁLCULO DE PROVENTOS

- Interpretação dos arts. 54, rt! 11, e 114 do Estatuto dos

Militares.
- A concessão de qualquer benefício deve estar especificada
em lei, entretanto quando se trata de atribuição de proventos exce-
dentes da remuneração percebida na ativa, que é uma resssalva do
princípio constitucional a ser portanto expressa e de aplicação estrita
e delimitada.

PRESID~NCIA DA REPÚBLICA

CONSULTORIA-GERAL DA REPÚBLICA

PARECER trinta anos de serviço, completados na se-

N9 L-163, de 4 de novembro de 1977.
"Aprovo. Em 17.12.77."
PARECER: L-163
Processo: 0371C177 - Av. n9 0010·
SCjM
Assunto: Proventos de Suboficial ou
Subtenente reformado por incapacidade
definitiva e total.
Ementa: O Suboficial ou Subtenente,
bem como o PrimeirO-Sargento, Segundo-
Sargento e Terceiro-Sargento, quando re·
formados nos termos do art. 114 do Esta·
tuto dos Militares, fazem jus aos proventos
correspondentes ao soldo de Segundo-Te.
nente. O Suboficial ou Subtenente, ao ser
transferido para a inatividade, com mais de
trinta anos de serviço, nos termos do art.
54, U, tem, do mesmo modo, direito a
proventos correspondentes àquele nível.
Entretanto não há fundamento legal nem
razão jurídica na pretensa cumulatividade
desses benefícios para efeito de cálculo ao
nível de Primeiro-Tenente, no caso em que
o Suboficial ou Subtenente reformado,
pela primeira hipótese, contasse, já então,
gunda.
O Senhor Ministro Chefe do Gabinete
Militar da Presidência da República en-
caminha a esta Consultoria-Geral a Expo-
sição de Motivos nQ 0053, de 10 de agos-
to de 1977, do Ministério da Marinha,
tendo em vista o despacho nela exarado
pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da
República, determinante da audiência des-
te Órgão.
Cuidase, nessa Exposição, de indagar da
viabilidade de assegurar-se às praças refor-
madas por invalidez definitiva e que fi-
quem impossibilitadas total e permanente-
mente para qualquer trabalho, os direitos
previstos no art. 54, item m, parágrafo
único, alíneas b e c, do Estatuto dos Mi-
litares, independentemente dos que auferi.
rem com a reforma.
A questão se colocou em face de reque-
rimento do Suboficial Aluizio Fernandes
da Silva, que fora reformado, por invali-
dez definitiva, na mesma graduação, per-
cebendo os proventos do posto de Segun-
do-Tenente, sob o amparo do art. 114, §§
19 e 29, alínea b, da Lei n 9 5774-71, e
que ora pretende, acrescidamente, os bene-
fícios do art. 54, item m, parágrafo úni-

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co, alínea b, da mesma Lei, haja vista
contar, quando de sua reforma, mais de
trinta anos de serviço, o que lhe valeria
assegurar, nos termos de sua postulação,
a percepção de proventos do posto de Pri-
meiro-Tenente.
Entendeu a Diretoria do Pessoal Militar
da Marinha que "o ar1. 54, parágrafo úni-
co, letra b, da Lei n 9 5774-71, prevê que
os Suboficiais terão direito aos proventos
do posto de Segundo-Tenente, desde que
contem mais de trinta anos de serviço ao
serem transferidos para a inatividade en-
quanto que o § 39, do já citado art. 114,
permite o acréscimo de outros benefícios
relativos à remuneração do militar refor-
mado"; e que, "no caso presente, o Sub-
oficial em questão por ter sido beneficia-
do com os proventos de Segundo-Tenente
(art. 114, §§ 19 e 29, letra b, do Estatuto
dos Militares), poderia também ser bene-
ficiado pelo contido no § 39 do mesmo
artigo, combinado com o art. 54, parágra-
fo único, letra b, do mesmo diploma legal,
por contar mais de trinta anos de serviço,
ao ser transferido para a inatividade (re-
forma), fazendo jus aos proventos calcula-
dos sobre o soldo do posto de Primeiro-
Tenente" (folhas).
A ilustrada Consultoria lurídica da Ma-
rinha, em longo e erudito parecer, deu in-
teira acolhida a esse entendimento, mesmo
porque, na sua argumentação, o contrário
seria discorde com a justiça, a eqüidade e
a razão, "porquanto viria a igualar os mi-
litares que, com o mesmo tempo de servi-
ço, viessem a se invalidar, àqueles em per-
feitas condições de saúde e, em conseqüên-
cia, tornaria nula a proteção concedida aos
que se tornassem definitivamente incapa-
zes" (folhas).
Em oportuna diligência promovida pelo
ilustrado Gabinete Militar, foram trazidas
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ao processo as manifestações das Consul-
torias lurídicas do Ministério do Exército
e do Ministério da Aeronáutica, atenden-
do-se que a matéria interessa às três áreas
militares. Nesses pareceres, enquanto o
primeiro dos órgãos jurídicos mencionados
acreditou perfeitamente viável, do ponto
de vista legal, a solução preconizada, o
segundo discrepou, por inteiro, do argu-
mento, resumindo a sua opinião com a
ementa de que o "Suboficial reformado
terá proventos referidos ao posto de Se-
gundo-Tenente qualquer que seja o tempo
de serviço; o transferido para a Reserva,
porém, somente terá esse benefício com
trinta anos de serviço" (folhas).
11
Conforme vem disposto no ar1. 54, item
lI, da Lei nl? 5774, de 23 de dezembro
de 1971, constitui direito fundamental do
militar, dentre outros legalmente configu-
rados, a percepção de remuneração corres-
pondente ao grau hierárquico superior ou
melhoria da mesma quando, ao ser trans-
ferido para a inatividade, contar mais de
35 (trinta e cinco) anos de serviço, se
oficial, e mais de trinta (30), se praça.
Esse direito à percepção de remuneração
superior, quando na inatividade, aí posto
de modo genérico e abrangente, apenas
condicionado à verificação de número de
anos de serviço se configura com especi-
ficações e precisões, no parágrafo único
do mesmo artigo, ao atribuir, aos subte-
nentes e suboficiais, nas condições estabe-
lecidas, isto é, na transferência para a ina-
tividade com mais de trinta anos de ser-
viço, os proventos calculados sobre o sal-
do correspondente ao posto de Segundo-
Tenente (art. 54, parágrafo único, b).
Aí se tem, sem dúvida, uma norma ge-
ral, um preceito comum que se aplica, or-
dinariamente, aos militares de~e que ve-
rificado o pressuposto normal do decurso
de determinado número de anos de ser-
viço, condição exclusiva que a lei contem-
pla para a concessão do benefício.
Há, entretanto, situação específica, co-
mo a de que se cogita, nos autos, em
que análogo benefício será obtido, na ina-
tividade, independente de tempo de servi-
ço. Com efeito, será reformado, a qual-
quer tempo, com remuneração calculada
com base no soldo correspondente ao grau
hierárquico imediato ao que possui na ati-
va, o militar que for julgado incapaz de-
finitivamente por um dos motivos constan-
tes do item I, do art_ 112, do Estatuto
dos Militares; e, por extensão, o militar
que, verificado incapaz definitivamente por
qualquer dos motivos previstos nos itens
lI, 111 e IV, do mesmo artigo, for consi-
derado inválido, isto é, impossibilitado to-
tal e permanentemente para qualquer tra-
balho (art. 114, § l Q ).
No entanto, é bem de ver que, no to-
cante ao cálculo dos proventos, se o mes-
mo é o resultado prático, em um e outro
caso, com relação a subtenentes e subofi-
ciais, que os terão correspondentes ao pos-
to de segundo-tenente, já no caso de refor-
ma por incapacidade, como acima mencio-
nado, também farão jus ao mesmo nível
o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Sar-
gentos (art. 114, § 2Q, c) os mesmos que,
na hipótese genérica de transferência para
a inatividade, por anos de serviço, terão
proventos calculados tão-somente sobre o
saldo correspondente à graduação imedia-
tamente superior (art. 54, parágrafo único,
c).
m dos que defendem a viabilidade da dupla
Como se vê, são duas preceituações bem
distintas, quer quanto aos seus pressupos-
tos de fato, quer quanto à razão e aos
objetivos de tutela legal.
o benefício atribuído pelo art. 54, item
lI, se aplica, genericamente nos casos de
transferência para a situação de inativida-
de, quer para a reserva remunerada, quer
mediante reforma sempre em função de
um limite mínimo de anos de serviços. Lo.
go se vê, que o objetivo da norma, à se-
melhança do que também ocorre na lei
estatutária civil, é o de retribuir e o de
premiar o largo período de dedicação ao
serviço militar, assegurando ao que dele
fez, praticamente, uma opção de vida, o
conforto econômico para um período de
inatividade, de reduzidas alternativas.
Entretanto, o benefício do art. 114 aco-
de ao militar, independente do tempo de
serviço, quando, vitimado pelo infortúnio
de uma incapacidade definitiva, se torna
completamente impossibilitado para qual-
quer trabalho. Também, aqui, a lei tem
por objetivo a segurança econômica de
quem não mais tem disponibilidades para
obtê-la, porém, em mais forte conotação
de justiça social, já não se trata de um
prêmio pela dedicação do tempo de servi-
ço, mas da assunção, pelo Estado, do ris-
co social do infortúnio.
Como ocorre, no caso, entrecruzaram-se
os distintos pressupostos de fato em uma
mesma situação individual, isto é, um Sub-
oficial que detém, concomitantemente, mais
de trinta anos de tempo de serviço, e do-
ença especificada em lei que o impossibi-
lite total e permanentemente para o tra-
balho, questiona-se, com razão, se ocorre
uma simultânea incidência das conseqüên-
cias legais distintamente atribuídas a cada
um dos pressupostos.
Em que pese a inspiração humanitária
incidência, não parece que assim decorra
dos propósitos e da sistemática da lei.
Poder-se-ia, talvez, argüir, ao sabor dos
teóricos do Direito, a ocorrência de um
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conflito aparente de normas, mas ainda
que ajustada a hipótese ao conceito, o que
se não dá, a cumulatividade dos resultados
teria de ser expressamente prevista, sob pe-
na de recair-se na alternatividade ou na
especificidade da incidência, a solução ju-
rídica que normalmente se impõe em caso
de coincidência de preceitos, de modo apa-
rente, sobre a mesma situação.
Ora, o benefício, geral ou ordinário, pre-
visto no art. 54, item lI, tem como des-
tinatário, em princípio, o militar que pas-
sa à situação de inatividade, mediante
transferência para a reserva remunerada,
enquanto o benefício, específico ou extra-
ordinário, instituído no art. 114, está ne-
cessariamente vinculado à passagem do mi-
litar à situação de inatividade, mediante
reforma.
Bastaria a consideração desses diferentes
contextos, em que se situam uma e outra
vantagem, para demonstrar a incompatibi-
lidade de sua concessão simultânea.
Mas não é só. A concessão de qualquer
benefício deve estar especificada em lei,
sobretudo quando se trata de atribuição
de proventos excedentes da remuneração
percebida na ativa, que é uma ressalva ao
princípio constitucional, a ser, portanto,
expressa e de aplicação estrita e delimitada
(cf. art. 93, § 8 9 , in fine, da Constitui-
ção).
A cumulatividade dos benefícios, pela
sua excepcionalidade, só poderia ser admi-
tida se instituída, de modo explícito. Por
outro lado, não se estabelece a hipótese
legal de que suboficiais ou subtenentes ina-
tivados, por qualquer dos pressupostos em
causa, possam vir a receber proventos cor-
respondentes ao soldo de Primeiro-Tenen-
te, senão de Segundo-Tenente. Aliás, como
na matéria, a lei é sempre definida e de-
terminativa, vale registrar que, para os
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efeitos do benefício da reforma (art. 114),
o soldo de Primeiro-Tenente somente cons-
titui parâmetro para a remuneração da
inatividade incapacitante, com relação a
Guarda-Marinha e Aspirante-a-Oficial.
Por mais engenhosa que seja a interpre-
tação, e por mais inspirados que rejam os
intentos, o aplicador da lei não pode so-
brepor-se ao legislador e criar uma nova
e reduplicada vantagem de que este não
cogitou.
Desserve, inclusive, ao propósito, a in-
vocação do § 39 do art. 114, que faculta
o acréscimo de outros benefícios, aos que
aí são conferidos, pois o dispositivo legal
remete exclusivamente aos que decorram
de leis especiais, o que é bem diverso da
situação em foco, em que tal se não con-
figura, pois em dispondo assim, não se te-
ria despercebido o legislador de facultar
o acréscimo ou cumulação daquela outra
vantagem estatutária sob a sua considera-
ção hic et nunc, que não apenas o decor-
rente de fortuita lei especial, acaso tivesse
sido a sua vontade real o de favorecer
com a superposição benéfica.
Por isso é juridicamente incomportável
atribuir-se ao Suboficial ou Subtenente re-
formado, por incapacidade definitiva e to-
tal, nos termos do art. 114, § 19 , item c,
fazendo portanto jus à remuneração cal-
culada com base no soldo de Segundo-Te-
nente, o parâmetro do soldo do Primeiro-
Tenente, sob o fundamento de que teria
simultaneamente o direito configurado no
art. 54, lI, parágrafo único, b, visto con-
tar trinta anos de serviço; pois em nenhu-
ma hipótese a lei prevê a aplicação desse
critério de cálculo de proventos, quanto a
sua referência e proporcionalidade, ou à
cumulatividade de tais benefícios.
Brasília, 4 de novembro de 1977.
Luiz Rafael Mayer. Consultor-Geral da
República.