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Esses poucos números demonstram que a Justiça brasileira se aproxima do caos, e não é
necessário ir longe para perceber, pois basta chegar em um foro e visitar qualquer
cartório judicial que se encontrará praticamente a mesma situação na maioria dos
tribunais brasileiros: montanhas de processos aguardando a prática de algum ato, um
número de servidores que não consegue atender o volume de trabalho, falta de juízes e
uma infraestrutura totalmente precária e arcaica.
Não há onde colocar tanto papel, e o gasto com transporte, segurança e armazenamento
desse papel é absurdo. O Processo Eletrônico não elimina, mas diminui em uma
proporção muito grande a necessidade de utilização do papel, reduzindo custos, a
necessidade de espaço físico e dando aquela impressão, que todos gostam de falar, de
que é ecologicamente correto e evita o corte de árvores.
Alia-se a esse fato a possibilidade de que, pela utilização do meio eletrônico, elimina-se
uma série de atos burocráticos que podem passar a ser automatizados e outros que se
tornam totalmente desnecessários, obtendo-se um ganho de produtividade de mais de
60% do tempo do processo. Isso, é óbvio, se for um sistema de Processo Eletrônico bem
desenhado, automatizado, caso contrário, o ganho não será tão satisfatório.
Mas o grande problema que se tem hoje é que, pensando nisso, cada tribunal buscou
criar o seu sistema de Processo Eletrônico, com investimentos próprios, cara própria e
DNA de alguém que levaria o nome de ser o criador de um sistema “melhor” que o do
vizinho, ao menos para ele.
Isso fez com que atualmente se tenha mais de 40 sistemas de Processo Eletrônico em
pouco mais de 90 tribunais. Alguns chegam a utilizar três ou quatro sistemas diferentes.
Nada mais do que tentativas frustradas de implementar sistemas totalmente falhos.
Para acabar de vez com esse problema, é que o CNJ buscou, durante anos, desenvolver
alguns sistemas para colocar à disposição dos tribunais e tentar fazer com que se tivesse
um sistema único no Brasil.
Com isso, a intenção do CNJ é de impor o PJe como um sistema único de Processo
Eletrônico, o que parece não estar dando muito certo, pois, ainda que a propaganda seja
toda nesse sentido, o PJe não é e nem nunca foi um sistema único, tendo em vista que o
utilizado pelo CNJ (PJE-CNJ) é diferente do PJe que o próprio CNJ repassa aos
tribunais estaduais (PJ-TJ), que por sua vez é diferente daquele utilizado na Justiça do
Trabalho (PJe-JT), que na realidade utiliza um para o 1º Grau de jurisdição, que não é o
mesmo do implementado no 2º Grau e nem com ele se comunica.
Não há, portanto, um PJe. Há diversos PJes com funcionalidades diferentes, mas que
têm uma cara semelhante e que não se comunicam em nada um com o outro. O próprio
CNJ reconhece isso e hoje busca uma solução para essa diversidade de PJes.[2]
1. Referencial teórico
É comum observar nas manchetes dos principais jornais do Brasil que o país está à beira
do caos energético, e, principalmente do setor de energia elétrica, caso não haja
investimentos públicos relevantes nos próximos anos.
O problema não decorre tão somente da falta de investimentos públicos, mas nos
últimos anos, principalmente pelas mudanças climáticas que o país vem passando, que
tem provocado a escassez de chuvas em determinadas regiões do país.
Não resta dúvida que o problema não se apresenta como um dos mais importantes para
fins de funcionamento de sistemas de processo eletrônico, sem embargo, pontualmente,
em algumas regiões do país, principalmente no Norte e Nordestes, o problema toma
certa relevância, pois a falta de energia é sistemática[3], e com isso há prejuízo no
acesso à Justiça.
Recente estudo feito pela OAB/RS, pela Coordenadoria das Subseções e de autoria do
Conselheiro Seccional Jorge Luiz Dias Fara, constatou que no Rio Grande do Sul, nas
110 subseções existentes, portanto nas 110 maiores cidades do Estado, apenas 18
contavam conexão de banda larga com relativa estabilidade, o que pode comprometer
de forma drástica o acesso à Justiça de forma eletrônica.
Inclusive grandes municípios, que contam com serviço de internet banda larga, a
cobertura do serviço é precária, e atende apenas uma pequena região central.
Segundo o IBOPE MEDIA, hoje somos cerca de 105 milhões de internautas[4], Já,
segundo a revista Olhar Digital[5], enquanto no Brasil a média de velocidade de
conexão no terceiro trimestre de 2013 era de 2,7Mbps (84ª lugar mundial), a média
mundial era de 3.6 Mbps. Alguns dados do ano de 2011, também deixam claro a
desigualdade social na utilização da Internet no Brasil[6]: entre os 10% mais pobres,
apenas 0,6% tem acesso à Internet; entre os 10% mais ricos esse número é de 56,3%.
Somente 13,3% dos negros usam a Internet, mais de duas vezes menos que os de raça
branca (28,3%). Os índices de acesso à Internet das Regiões Sul (25,6%) e Sudeste
(26,6%) contrastam com os das Regiões Norte (12%) e Nordeste (11,9%).
Fica claro que os problemas e a baixa velocidade conexão à internet é uma barreira de
acesso ao Judiciário na era eletrônica, assim como o é a expressiva representatividade
dos números que deixam claro a exclusão digital do jurisdicionado e do advogado.
Outro ponto relevante é a falta de infraestrutura básica dos tribunais e dos usuários para
trabalhar plenamente com sistemas de processo eletrônico.
A implementação de sistemas de processo eletrônico é feita de forma abrupta, sem o
devido planejamento, estudo de impacto e consequências jurídicas de sua
implementação. Prova está, nos próprios tribunais superiores do país, como o STJ,
Superior Tribunal de Justiça, que adotou seu sistema próprio de Processo Eletrônico, E-
STJ, determinou que todos os tribunais firmassem convênios para que os envios de
processos em grau de recurso para ele chegassem pelo meio eletrônico, sem embargo,
ao arrepio da Lei, continuou cobrando o porte do envio do recurso, como se ainda fosse
expedido pelo meio físico.
Estes são apenas alguns exemplos, fora outros, mais complexos, e que influenciam
diretamente na vida dos atores do sistema, como o agravamento de doenças decorrentes
da utilização dos sistemas de processo eletrônico por parte de servidores[8].
Para se ter uma ideia, um advogado no Estado do Rio Grande do Sul, que advogue no
âmbito dos 3 principais tribunais, TRT4, TRF4 e TJRS, tem de trabalhar no âmbito do
TRT4[9], no sistema PJe-JT (lembrando que ainda existem alguns processos
remanescentes no sistema PJ4 que o TRT4 tentou implementar antes que o CSJT
tornasse obrigatória a utilização do PJe-JT); no âmbito do TRF4[10], no sistema E-Proc
(que conta hoje com mais de 5 milhões de processos distribuídos); no âmbito do TJRS,
no sistema e-Themis de 1º grau e de 2º grau[11], que recentemente passou a ser
chamado de Portal do Processo Eletrônico (e em algumas cidades no PJe, para
executivos fiscais de alguns municípios).
No Espírito Santo, até meados de 2013, o advogado para ter acesso aos sistemas de
processo eletrônico que ali funcionavam necessitavam ou ter dois computadores, ou ter
conhecimento de informática suficiente para particionar um computador, como se duas
máquinas fossem, devido a necessidade de versões distintas do JAVA para acesso a
alguns sistemas, como o E-Jud e o PJe-JT.
Não resta dúvida que tal fato leva a exclusão digital e constitui uma barreira de acesso a
cidadania ao Judiciário.
e) não implantação de meios que garantam o acesso aos sistemas (e aos processos)
a idosos, portadores de deficiência visual, e outros
Os idosos são um grande exemplo disso. Eles não nasceram, como a atual geração de
advogados brasileiros, com um computador à disposição deles. O arranjo cerebral deles
ainda não alcançou a era digital, e obriga-los a trabalhar em sistemas complexos de
informática certamente provocará a exclusão digital.
Já quanto aos deficientes visuais. Hoje o Conselho Federal da OAB soma mais de 1700
advogados no Brasil que são cegos ou deficientes visuais, que necessitariam de algum
tipo de ajuda para utilizar os sistemas de processo eletrônico.
“O cenário futuro desejado para o PJe aponta para uma necessidade de revisão da sua
arquitetura, para que a mesma possa se tornar mais robusta e aderente aos padrões
tecnológicos atuais e também às diretrizes para a Gestão da Segurança da Informação
no âmbito do Poder Judiciário. Muitas das tecnologias utilizadas atualmente pelo
sistema (JBossAplication Server, JBossSeam, Motor de Fluxo, Postgresqletc) possuem
versões mais atuais, que corrigem problemas conhecidos e ampliam as suas
funcionalidades. É necessário também que sejam retirados do sistema os aspectos
transversais, tais como: controle de segurança, controle de transação, gestão documental
e auditoria do sistema, dentre outros.”
Logo comenta sobre a complexidade da aplicação, que contém mais de 3.600 classes,
23.000 métodos, 350.000 linhas de código e cerca de 25.000 pontos de função, o que
leva a contrariedade “as boas práticas da engenharia de software, tendo como principais
consequências: a dificuldade para a manutenção do software, degradação de
desempenho, aumento da probabilidade de erros de codificação, dificuldade para se
adequar a novos requisitos”, dentro outros problemas de segurança graves.
O projeto ainda reconhece um outro problema crucial, que diz respeito ao fato de que a
“tentativa de corrigir erros de versões anteriores do sistema leva a introdução de novos
erros”. Em um ano foram solicitadas mais de 7478 correções, sendo que apenas 5.401
foram atendidas e restaram pendentes 2077.
Por último, e não menos grave, os sistemas de processo eletrônico, na forma como estão
concebidos, vêm causando graves violações as prerrogativas profissionais dos
advogados.
Os sistemas não são concebidos como as páginas web comerciais, que permitem o
acesso com qualquer sistema operacional e a navegação por qualquer software. São
desenvolvidos em plataformas totalmente ultrapassadas e com requisitos dos mais
diversos, que normalmente não se atualizam e preveem a homologação pelos softwares
comercializados no momento. Prova está que o certificado digital, que é o instrumento
de acesso, identidade e autenticação, e assinatura de peças enviadas pelos sistemas,
ainda não está homologado, pela maior certificadora do país para o sistema operacional
Windows 8.1, que é comercializado.
Estes são os mais simples dos fatos que se pode mencionar, pois outros piores ainda
podem ser lembrados, como a impossibilidade de apresentação de documentos que
acompanham a contestação em audiência, no PJe-JT, mesmo garantido o direito de
apresentação de contestação oral, na forma do disposto no art. 29, § 2º, da Resolução
136, de 29 de abril de 2014, do CSJT; a impossibilidade de assinatura de atas de
audiências pelas partes e seus procuradores e a não entrega da mesma, a não ser quando
tenha sido firmado acordo em audiência, no âmbito do PJe-JT; o aviltamento dos
honorários profissionais, que em diversos acórdãos estão sendo diminuídos por
entenderem os magistrados de primeiro e segundo grau que com o profissional do
direito não mais necessitar se deslocar até o foro, gastar com papel, dentre outros, como
no caso do acórdão proferido na Apelação 5024927-93.2010.404.7000[20], do TRF4,
no sistema E-Proc; a não consideração do prazo em dobro do art. 191 do CPC[21], no
âmbito do processo eletrônico, devido ao fato de não haver necessidade de retirada
sucessiva do processo pelos advogados procuradores,[22] até um dos mais graves casos
que é a criação do “Código Varal” que dá na Justiça do Trabalho a discricionariedade
aos juízes de interpretarem e resolverem todas as questões relativas a utilização e
funcionamento do PJe-JT, em cada caso concreto[23]; e, dentre tantas outras, a
faculdade dada ao juiz de excluir e bloquear o acesso ao sistema, de forma
discricionária, sem do devido processo legal, e direito ao contraditório e ampla defesa,
prevista no art. 38 da Resolução 136, do CSJT[24].
Diversos outros fatos têm sido relatados às Seccionais da OAB e levados aos Tribunais
para um estudo acurado dos problemas e solução dos conflitos deles decorrentes. A
OAB tem se mostrado sempre disposta a buscar soluções de forma amigável e o diálogo
no sentido de resolvê-los, e os tribunais, ao menos do RS, tem dialogado abertamente
visando o entendimento. Sem embargo, em algumas regiões do país, essa não é a
realidade.
3. Prévia à conclusão
“Embora o acesso efetivo à Justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito
social básico nas modernas sociedades, o controle de ‘efetividade’ é, por si só, algo
vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser
expressa como a completa ‘igualdade de armas’ – a garantia de que a conclusão final
depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com
diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e
reivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente é utópica. As
diferenças entre as partes não podem ser completamente erradicadas. A questão é saber
até onde avançar na direção do objetivo utópico e a que custo. Em outras palavras,
quantos dos obstáculos ao acesso efetivo à justiça podem e devem ser atacados? A
identificação desses obstáculos, consequentemente, é a primeira tarefa a ser cumprida”.
(p. 15)
Ainda que faça alusão a desigualdade entre as partes, as palavras de Cappelletti são
perfeitamente apropriadas ao momento de transição pelo qual a Justiça brasileira passa.
É importante que Poder Judiciário trace objetivos claros, que conheça todos os
obstáculos que encontrará pela frente, saiba o custo econômico, humano e social da
implantação de sistemas de processo eletrônico e deixe de lado os objetivos utópicos.
O acesso à Justiça é “a ideia central a que converge toda a oferta constitucional e legal”
(Grinover, p. 40) dos princípios e garantias fundamentais. É representado pela
universalidade de jurisdição, de acordo com as regras e respeitando o devido processo
legal e o contraditório, de forma a proporcionar uma prestação jurisdicional justa.
É, portanto, ínsito ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que é por meio
dele que o indivíduo garante todos os demais direitos (busca a efetividade). Para
Barroso (p. 305) existe um núcleo material elementar composto do mínimo existencial,
locução que identifica o “conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física
e indispensável ao desfrute da própria liberdade”.
O princípio da dignidade, tem natureza de regra, o que significa dizer que mesmo
caracterizado por um “conjunto de prestações materiais mínimas, sem as quais se
poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade” (Barcellos,
2002, p. 305), onde há a mera sobrevivência não há dignidade”, já que ele deve ter uma
aplicação segundo o esquema do “tudo ou nada” (Barroso, 306).
Nesse sentido, as barreiras enumeradas, levam a sua não concretização de forma efetiva,
e por via de consequência a violação da dignidade humana, principalmente quando os
sistemas de processo eletrônico são impostos de forma açodada e obrigatória, como o
que está ocorrendo na atualidade.
CONCLUSÃO
Fonte:
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-139/o-processo-judicial-eletronico-politicas-
publicas-e-as-barreiras-tecnologicas-ao-principio-do-acesso-a-justica/