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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

HISTÓRIA INDÍGENA

Docente: Luisa Tombini Wittmann


Discente: Luiz Gabriel Ribeiro Locks

Implicações e reflexões do ensino de história indígena como ferramenta de memória


social de não-indígenas

Introdução
A prática historiográfica antes que seja acadêmica de pesquisa, ou seja docente no
ensino, exige recortes - que nem em contextos “fáceis” - possibilitam habitar uma zona de
conforto ao profissional que a realiza. Seja pelas disputas narrativas em torno de quaisquer
temas que possam ser trabalhados, mas também, o exercício de recortar temáticas e que estas,
por fim, estejam interligadas com os objetivos da aula/pesquisa, tornem-a tarefa ainda mais
árdua ao indivíduo que irá fazê-la.
O professor/a de História encarna escolhas próprias e pessoais ao realizar tais recortes, e
é, por assim dizer, influenciado pelo chão que percorreu até ali. Bem como, sujeito/a a outras
distintas pressões hegemônicas presentes no contexto social. Seus objetivos devem ser
nítidos, para que assim a bibliografia e a historiografia “remem a seu favor”. Em vista disso, e
das escolhas preteridas pelo/a profissional de história, antes desse/a adentrar a sala de aula,
inúmeras outras escolhas o/a interpelaram em sua chegada até ali.
Portanto, mediante ao que foi dito, não é possível absolver um estudante graduando em
História, em atividade reflexiva acerca do tema de pensar uma aula de história e suas
implicações, que se faça abranger o todo.
Meu trabalho dirá a respeito sobre a aplicação da lei 11.645/2008 e de um particular
montante arquivístico-documental, adiante que o uso da legislação dispõe, agora, a
obrigatoriedade do ensino de cultura e história indígena, e sua peculiar participação no
processo de formação nacional brasileira.
Além disso, através de bibliografias sobre o tema e da utilização de um conjunto
documental que, com as idas-e-vindas da Comissão da Nacional da Verdade durante o ano de
2013, passou a ser ‘descoberta’ e conhecida como “Relatório Figueiredo”, refletiremos essa
intersecção.
Na medida em que, cada um dos temas às suas maneiras influem ao ambiente de sala
de aula e, em especial, da aula de História, em vista de propor-se, inicialmente, o caminho a
ser trilhado para identificar a narrativa indígena para além das violências referidas e gritantes
no acervo. Portanto, indo defronte ao refletir o contexto ditatorial e a sala de aula, por meio de
atividade procedimental/atitudinal acerca da memória presente na fonte - como um todo - e
nas referências, materializa-se, então de certa forma, uma reflexão que some esforços para a
compreensão das dificuldades de trabalhar-se com história indígena, a questão das temáticas
sensíveis e alertar para os preconceitos e formações no processo de ensino-aprendizagem da
aula de História que, ultimamente, faz-se urgente o presente trabalho.
Portanto, o objetivo principal em se propor a questionar a memória dos estudantes
acerca da Ditadura Militar e povos indígenas, que instigue-se a afixar uma ideia posterior de
‘longa-duração’ do projeto republicano sob os povos da floresta, uma guerra constante e
incessante, nas palavras de Ailton Krenak (Color, 2019). Ainda, também as suas
peculiaridades contextualizadas no tempo e no espaço. Trata-se então, da mobilização
procedimental-atitudinal da memória por detrás das fontes e discursos dos demais suportes
(jornais, bibliografias e etc), que realiza-se a profunda reflexão deste breve escrito.
Acerca do método para desenhar as seguintes reflexões, entende por Santos (2020, p.
03) que os conteúdos de ordem factuais e conceituais podem ser entendidos como “...seriam
os fatos e processos históricos ensinados” como também, “...seriam os conceitos, princípios e
noções históricas utilizadas na interpretação dos processos históricos”, respectivamente. Por
certo, é reputado que os conteúdos e habilidades sejam galgados de forma
procedimental-atitudinal, elaborado como “...seriam os procedimentos, técnicas e métodos do
fazer e do pensar histórico”, e respectivamente concomitante “...seriam os valores, atitudes e
normas sociais que são ensinados nas aulas de História”. O objetivo de não lançar-se mão do
imenso volume arquivístico e dos complexos processos históricos envoltos aqui, e sim,
caminhar sobre a memória e orientado pelos limites da produção e localização da fonte, bem
como das referências e bibliografias.
A pergunta pela qual baliza-se o trabalho tende a ser: é possível mobilizar os estudantes
em compreender a longa-duração de um “projeto” que violenta e viola os direitos
fundamentais dos seres indígenas? Quais eram e quais são os marcos que opõem
integralmente o ser e estar indigena perante o território nacional? E, perante a sociedade
nacional? Portanto, sintetizando a estas breves perguntas está posta, por detrás, um outro
questionamento ainda mais crucial, no caso, se há possibilidade de uma educação para os
direitos humanos que passe pela história indígena para não-indígenas?
Busca-se, pelo visto, contradizer diferentes visões - no tempo e espaço - que imbuem
determinado discurso acerca dos povos da floresta. Pois não somente haverá de
contextualizar-se o período de sua produção enquanto fonte, não pode ser perdida de vista
que, outrora, o país vivia sob uma Ditadura Civil-Militar que continha um protótipo de país a
ser executado - e, esse projeto, passou pela vida dos povos indígenas de uma específica
maneira - e, será nesta lida que busquemos estender laços com o presente trabalho. Pelas
vertentes da Memória, buscará dialogar diferentes atores na construção narrativa que recaiu
sob os povos indígenas, e de que maneira esta se deu.

Desenvolvimento
A lei, que edita a predecessora lei-inaugural 10.639/2003 acerca do tema , e a redefini
em outros termos, passando a vigorar, agora, não apenas com o texto de ensino de história e
cultura africana e afro-brasileira, mas como também, inclui os povos originários brasileiros,
os ditos povos indígenas, nesse entorno. Além, a lei de 2008 irá dizer em seu inciso 1º:
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil,
a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008)

Não obstante, a lei como instrumento de Estado deu caminho ao que a Constituição de
1988 já havia deslindado, sendo o respeito, a empatia e o direito fundamental ao ser/estar
indígena no território nacional, bem como assim delineado pelo artigo 231, parágrafo único da
Constituição Federal (BRASIL, 1988). Ilustrado a isso, Martins (2016) conclui que, a falta de
estudos e reflexão acerca do tema indigena no Brasil passa de mera consequência indo até
uma lacuna, e ora que mesmo o conhecimento realizado seja de tal maneira estereotipado, que
não congregue diversas produções didáticas que lutam a ‘contrapelo’ nessa narrativa. É,
portanto, que o livro didático é ferramenta indispensável no cotidiano não só educacional, mas
como familiar, em média, apenas 25% dos materiais didáticos e paradidáticos reproduzem
quaisquer conteúdos sobre povos indígenas, e não só, possua uma visão crítica acerca dos
processos. Não só, para Silva (2015, p. 18) estas informações falsas não param de ser geridas,
reproduzidas e repassadas pela imprensa e, mesmo entre o público escolar juntamente de
esforços colaborativos com pesquisadores, que em vias de retomar um discurso conciliador,
uma forma de reedição da “democracia racial”, contribuem para esteriótipos e
más-interpretações que unificam, tornam monolíticos e “aculturados” parte significativa dos
povos originários, hoje, no Brasil.
O artigo de Guiome Ioiô (2018) nos dá fôlego para recuperar na breve explanação o que
pode ser abordado acerca da fonte histórica na qual reflete-se este trabalho, o Relatório
Figueiredo, e não obstante, é confeccionado a partir das mãos de um estudante indígena de
mestrado, que relata sua tomada de conhecimento acerca de tal volume arquivístico e, em
outras palavras, reflete o que o mesmo já conhecia sobre o documentado ali. São divergentes
visões que se digladiam no texto, da história e memória oral que este tem conhecimento pelas
vivências do seu povo e sua inquirição acadêmica ali posta, frente a documentação oficial e de
Estado cujo descrevem crimes e mais crimes “contra a pessoa do índio” - grifo à passagem
repetitiva encontrada na fonte. (BRASIL, 1968)
A disputa narrativa que envolve o estabelecimento de uma hegemonia discursiva sobre
a Ditadura não reside no fato de ser um tema ‘espinhoso’, tampouco, que este esteja
proximamente relacionável com o nosso tempo presente. Trata-se, ademais, do dever a
memória (àquele que motivou o estudo de Ioiô), ou que embasa a presente reflexão,
sintetiza-se pela afirmação presente na dissertação de Genari (2018, p. 100), posta assim:
...o próprio ato de narrar é político, capaz de produzir significados para a
vida em sociedade e, nesse sentido, de orientar a ação concreta diante de
questões contemporâneas de difícil compreensão. Nesses termos, o ato de
narrar também envolve algum tipo de visão no presente que leva à
necessidade de narrar.

Joffily (2018), em expertise ao utilizar de substrato teórico mais que suficiente a


analisar a questão da narrativa presentista sobre o tema da Ditadura, estabelece, a partir do
trabalho de Napolitano (2015), que “os vencidos foram vitoriosos nas batalhas da memória
social sobre a ditadura, isso não se traduziu na construção de uma sociedade amplamente
democrática e receptiva aos direitos humanos.” (JOFFILY apud NAPOLITANO, 2018, p.
206-7). Pois, outrora, os elementos que constituíam as frentes que faziam sustentação da
Ditadura possibilitaram que, juridicamente ao menos, seus sujeitos não sofressem represálias
estatais como condenações no âmbito judicial, o que abriu caminho para que ‘revisionismos’,
ou até velhos preconceitos fossem e, mesmo, sejam repetidamente reproduzidos sobre “novas
formas”. Batalharam dilaceradamente com a oposição, e até certo ponto, conseguiram
estabelecer um revisionismo amparado na própria lacuna deixada pelas investidas estatais na
área, ocasionando um racha na ampla memória social sobre o tema.
Além do mais, o que via-se enquanto projeto político que a Ditadura pretendia em
estabelecer impactava amplamente setores diferentes da sociedade, dentre a 'modernização
autoritária’, os povos indígenas penaram intra-territorialmente as mais diversas injustiças em
curto período de tempo relatado antes na história do Brasil, desde Cabral. O Serviço de
Proteção ao Índio (SPI), que virou a marca dessa falange ditatorial que incidiu sobre os povos
originários, coaduna na narrativa oblíqua e dual que a Ditadura envolvia:, paternalizar e
modernizar, pela via repetidamente autoritária. Segundo Valente (2017, p. 26):
O SPI , porém, vivia uma contradição desde o nascimento. Foi criado com o
objetivo de proteger os índios, porém ao mesmo tempo prepará-los para se
tornarem parte da “comunhão nacional”, ou seja, virarem trabalhadores ou
produtores rurais. Ao agir assim, operava contra a cultura, a história e a
organização desses grupos. (...) Para não haver dúvidas sobre o espaço que
cabia ao índio nesse plano governamental, o órgão era vinculado ao
Ministério da Agricultura. Depois tida como burlesca e sem sentido, a visão
de que o índio poderia se tornar um agricultor “produtivo” por uma simples
decisão dos “civilizados” na época de criação do SPI representava, a rigor,
um avanço em relação a um passado próximo.

Não causa espanto, ao defrontar-se com a narrativa que Guiome produz que, é inerte e
necessário para que determinadas estruturas de narrativas reproduzam-se no tempo, a
valoração de determinadas instituições que as respaldem e atuem socialmente conjunto para -
nas palavras dele - existirem, é fundamental que seja um processo ambíguo e que se
retroalimente. Portanto, é tarefa primordial da educação (re)conhecer esses traços e visa-los
desconstruir, e talvez, abrindo caminho pela perspectiva que tem de mais crucial dentre as
preocupações docente no instante da elaboração de uma aula: o princípio da autodeterminação
e de sujeitos ativos de sua própria história. É devir irrefreável, segundo ele, que a lente
necessária não seja as já elaboradas e fraudulentas:
Instituições governamentais que foram inventadas, que teriam sido
inventadas como uma forma de proteger os povos originários, nunca
pretenderam realmente nos proteger; muito pelo contrário: na verdade, os
seus propósitos foram dominar, fraudar, tomar, vender e enriquecer com as
terras dos povos originários, além de exterminar os povos indígenas de modo
geral… (Guiome Ioiô, 2018, p. 464)

E, pela confecção e intenções do Relatório, vemos uma constante maior que apenas
durante um Governo. O uso, praticado pelos governos do regime militar dessa investigação,
além do supracitado projeto nacional e de limpeza, calha em dar nascença a Investigação no
modo que esta, a princípio, passasse a investigar delitos que vinham ocorrendo já a tempos,
desde o governo golpeado de João Goulart, e que também reuniu documentação desde a
década de 10 do século XX - esparsa e, tampouco, conclusiva - sobre a temática de prestação
de serviço público aos povos indígenas. Este é o ponto da Memória que procurou-se
estabelecer. Além do mais, o que se o resultado das investigações era acerca dos mandos e
desmandos do SPI, levantado mais de 30 volumes pela CNV, que estão disponíveis para
consulta e pesquisa1. Em termos de sala de aula, melhor, da aula de História, poderá ser
absorvido e trabalhado em inúmeras formas, como aqui exemplificado, em termos de
questionar a memória dos/das estudantes para o tema dos povos indígenas.
Como tal tema não foge do presente, as matérias de jornais citados até aqui e correlatos,
podem servir de ilustração ao estabelecer o fio inicial de quaisquer aulas sobre o tema, e que
venha a ser pensada. Objetiva-se, inquirindo a turma sobre a visão que tenhamos sobre os
povos indígenas, dando espaço para a contextualização histórica, portanto, tal metodologia
encaixe-se como forma de questionar as ideias prévias dos/das estudantes, e dar tom de como
funcionam as vossas memórias, podendo o/a docente guinar o trabalho com a fonte no
continuar da aula. Além disso, a fala da liderança academica-indigena no curta-metragem
“Guerras do Brasil" (Ibid) também pode vir a servir de introdução. Para uma interação ainda
mais envolvente para tratar com os/as estudantes, pode-se realizar a execução da música Tribo
dos Carajás (1974), do sambista e compositor Martinho da Vila, sirva-se de mesmo mérito
introdutório - mediante letra disponibilizada, quiçá com algumas passagens grifadas -, logo,
servindo também a fim de retomar as breves ideias e memória que os/as estudantes tenham no
tema.
O ideal que seja buscado transite pela exposição e, concomitantemente, inquirição do/da
docente a fim de retirar da memória breve que os estudantes tenham acerca do tema,
preconceitos e má interpretações, fruto dessa memória social violenta e hegemônica sobre o
assunto. Além disso, como a supramencionada canção, estabelecer um determinado paralelo
que distingue a vastidão e riquíssima composição que a categoria “povos originários” detém
no contexto nacional e/ou continental. Expor singularidades, como o povo Carajá retratado na
letra, outrora, analogamente a outros povos, suscitar aproximações e distanciamentos seja a
via de suma importância para fazer com que estudantes desconstruam noções estabelecidas,
bem como, caminhe a compreender dificuldades em trabalhar-se debruçado sobre uma fonte
histórica.

1
Para conferir na íntegra a digitalização desse acervo, ver: UFMG. Relatório Figueiredo. Disponível
em:
<https://www.ufmg.br/brasildoc/temas/5-ditadura-militar-e-populacoes-indigenas/5-1-ministerio-do-inte
rior-relatorio-figueiredo/>. Acesso em: 01 abr. 2021.
Logo, segundo Olivindo (2017, p. 02), o conceito e uso de memória irá dar-se na
medida em que:
A memória, portanto, é uma das mais importantes características humanas.
Está tanto na constituição do indivíduo quanto na base da civilização, de
maneira que é possível identificá-la nas lembranças pessoais, na oralidade,
nos lugares, nos símbolos, nas comemorações, nos calendários, nos
documentos, nos monumentos e etc. Assim, por constitui-se traços do
passado é para o historiador uma ferramenta importante para a análise das
experiências humanas ao longo do tempo e para o professor de história um
conceito fundamental para fazer pensar historicamente. É a memória a dupla
descoberta da História pois é tanto fonte histórica quanto fenômeno
histórico.

Pois, acrescenta-se que não só a História tem um devir público, como as leis que ditam
esta última são (re)formuladas e (re)criadas no contato com o cotidiano escolar. Logo então, a
dimensão almejada está mais conflitante quando transforma-se a ferramenta do ensino
docente entre mera transposição didática conteudista, e eleva, como dito por Circe Bittencourt
(2004, p. 19) no inaugural capítulo de obra organizada pela mesma que, “A inovação que
ocorre quanto aos objetivos é a ênfase atual ao papel do ensino de História para a
compreensão do "sentir-se sujeito histórico" e em sua contribuição para a "formação de um
cidadão crítico".
Propicia-se assim que, a operação que será feita e galgada nas referências - e,
principalmente, nas fontes - cujo contexto escolar transpasse o simples objetivo de manter-se
a história tão quanto a narrativa causalista, numa sintetização de
“causa-acontecimento-consequência” (SCHMIDT, p, 60). Em vista disso, quando
apresenta-se ao seu/sua estudante toda magnificência da construção e historicidade dos
conceitos, contextualização temporal dos fatos e fontes é que está-se evidenciando no
processo de ensino o procedimento histórico tendo o/a estudante centralidade nisso, e em
decorrência da ferramenta da memória como aqui apresentado, esse exercício é prolongado. É
nesta na chave que processos de transição violentíssimos, e que para Guiome Ioiô esteja tão
presentes até os dias de hoje, a mediação necessária feita pela/o docente de história esteja
mais voltado em entre desenvolver a criticidade como ultimato perante a história e não o faça
desmesurado em relação a realidade, mas como objeto de ação para assim representá-lo como
real a toda turma.
Não se diminui a responsabilidade acerca do conteúdo ensinado por mais referenciado
que ele esteja, o objetivo de desconstrução deve ser evidente e enfático ao trabalhar com o
amplo público da turma, pois, tampouco, foi mais fácil para Guiome Ioio que de antemão e,
por outra via da memória oral de seu povo, sabia o que se passava debaixo dos panos do SPI.
Diz o mestrando de antropologia do povo Palikur-Arukwayene (2018, p. 460-46):
O Relatório Figueiredo me auxiliou a refletir a respeito das histórias do meu
povo e sobre a invasão dos europeus. Quando li esse material pela primeira
vez, em casa, como discente indígena do mestrado, para discutir em sala de
aula, foi completamente difícil e doloroso. Na verdade, já ouvia esse tipo de
relato, mas não desse jeito. (...) As dores são grandes que eu trago no sangue
dos meus ancestrais dentro do meu coração todos os dias. A luta, a força, a
energia, a união e a resistência dos meus antepassados me trouxe até aqui, na
universidade, para dizer ao Outro que nós não somos aquilo o que eles
pensam, somos, tão somente, pessoas de culturas diferentes. E nós estamos
aqui para continuar a luta dos nossos ancestrais, para desconstruir
desentendimentos, preconceitos, discriminações e racismos, que nós, os
indígenas, sofremos desde a invasão dos europeus até os dias atuais. [grifo
próprio do autor]

Essa dificuldade incute ainda mais a sensibilidade que se deve ter no trabalho docente
pois tratamos de temas sensíveis, e mais que nunca, estão como cicatrizes abertas em nosso
país. Consiste em feridas mal resolvidas e tampouco debatidas, assim como foi o recebimento
da informação que o descobrimento do Relatório Figueiredo fosse “extraordinário”, como o
Jornal Estado de Minas seguiu repetidamente em diversos editoriais apregoando o valor
comprobatório e de categorização como “documento histórico” (GUIMARÃES apud Jornal
Estado de Minas, p.119). Entretanto que esse sempre existiu e por escolhas no passar do
tempo que o fez ficar perdido em sótãos ao longo de décadas, e as mesmas escolhas doutra
via, opostamente, o deslindaram em favor de hoje tomarmos luz acerca dos fatos que a fonte
retrata.
Talvez seja essa mais um dos caminhos pela qual o/a professor/a poderá guiar-se ao
confeccionar sua aula sobre ensino de História indígena, tratando pelas diversas
complexidades que o tema dos povos originários estejam sempre ao relés e com menos ênfase
nos conteúdos escolares, antes mesmo, até relegado socialmente sua importância - assim
como brevemente exposto por Martins. (2015)
O que cabe destacar das operações de aprendizagem, aqui, grifadas, que apesar de
representarem na aula de história, assim como os demais conteúdos, fator-chave constitutivo
do processo de ensino de história, podem ser por vezes mais proveitosas, se bem utilizadas -
ou, como comumente o é -, são desprestigiadas no momento da aprendizagem. Em
conformidade, a narrativa que aqui apresenta-se põe vista sobre desenvolver o trabalho
docente no sentido do exercício procedimental-atitudinal, pois, apesar de envolverem sim
conteúdos de outras matrizes, como um processo histórico concreto e, além, galgado em
fontes e referências (conteúdo de ordem factual; conceitual), diz mais respeito em partir
dessas mesmas para que apresente-se ao/a estudante na aula de história as ferramentas pela
qual o conhecimento histórico é interpretado profissionalmente. Na verdade, como ele é
construído.
Em outras palavras, antes mesmo de a fonte histórica se apresentar a ser questionada e
problematizada no entorno da pesquisa e da docência, a Memória está anteposta aos que
quiserem refleti-la as formas que essa, ultimamente, tenha. Por muitas vezes sangrentos,
sangue que não escorre de papéis amontoados, mas que secam a boca de quem os narra.

Considerações finais
Portanto, com o presente trabalho pode-se identificar e refletir um pouco mais acerca
dos problemas e dificuldades que envolvem o ensino de história indigena a partir da lei de
2008, no mais, com devidas contextualizações históricas do período ditatorial e enfoque para
o compêndio de elaborar a aula através de ferramentas que despertem os sentidos atitudinais e
procedimentais aos estudantes, mediante a atuação do/da professor de história. Apresentar a
margem dos/das estudantes tamanha vastidão documental não é trabalho inepto/inútil,
defendemos que, através do trabalho docente, recorte-se os paralelos propostos e supraescritos
a fim de não cometer ‘deslizes’ didáticos, ora com a temática de um contexto sensível, ora
com a complexidade de quaisquer trabalhada em plano/roteiro de aula.

Referências
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RCA Victor, 1974. A4. V1. (Disco de vinil).
Comissão Parlamentar de Inquérito. Relatório Figueiredo. 30 vol. Brasília. 1968
EL PAIS. Viveiros de Castro: “Estamos assistindo a uma ofensiva final contra os povos
indígenas”. 2019. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/11/politica/1570796332_223092.html?fbclid=IwAR
0hPT8APrspp8bHm2nHd03icTo7o0LAUuAlZSI7vyQ34tGGYh-fzgtUF3A>.

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