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cadernos temáticos CRP SP
Patologização e medicalização
das vidas: reconhecimento
e enfrentamento - parte 2
XV Plenário (2016-2019)
Diretoria
Presidenta | Luciana Stoppa dos Santos
Vice-presidenta | Larissa Gomes Ornelas Pedott
Secretária | Suely Castaldi Ortiz da Silva
Tesoureiro | Guilherme Rodrigues Raggi Pereira
Conselheiras/os
Aristeu Bertelli da Silva (Afastado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Beatriz Borges Brambilla
Beatriz Marques de Mattos
Bruna Lavinas Jardim Falleiros (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Clarice Pimentel Paulon (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Ed Otsuka
Edgar Rodrigues
Evelyn Sayeg (Licenciada desde 20/10/2018 - PL 2051ª de 20/10/18)
Ivana do Carmo Souza
Ivani Francisco de Oliveira
Magna Barboza Damasceno
Maria das Graças Mazarin de Araújo
Maria Mercedes Whitaker Kehl Vieira Bicudo Guarnieri
Maria Rozineti Gonçalves
Maurício Marinho Iwai (Licenciado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Mary Ueta
Monalisa Muniz Nascimento
Regiane Aparecida Piva
Reginaldo Branco da Silva
Rodrigo Fernando Presotto
Rodrigo Toledo
Vinicius Cesca de Lima (Licenciado desde 07/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Organização do caderno
Lucia Masini, Rosangela Villar, Maria Rozineti Gonçalves e Lilian Suzuki
Revisão ortográfica
Lucia Masini
___________________________________________________________________________
C755p Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Patologização e medicalização das vidas: reconhecimento e
enfrentamento - parte 2. Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. - São
Paulo: CRP SP, 2019.
144 p.; 21x28cm. (Cadernos Temáticos CRP SP /nº 34)
ISBN: 978-85-60405-61-9
07 Introdução
Núcleo de Educação e Medicalização do CRP SP
26 Debate
34 Pedro Tourinho
35 Adriana Watanabe
41 Francielly Damas
46 Debate
54 Jaqueline Kalmus
68 Angela Soligo
72 Debate
Infância em Risco! Debate sobre a Lei 13.438
de detecção de risco psíquico em bebês
Mesa de abertura
78 Maria Rozineti Gonçalves
Palestras
81 Carla Biancha Angelucci
100 Debate
122 Debate
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Temática fundamental que merece reflexão e tem como consequência a patologização, em
construção de ações de enfrentamento tanto especial de crianças e adolescentes nas esco-
nos aspectos ligados diretamente à Educação, las. Estes PLs são reeditadas sistematicamente
quanto à vida das pessoas. nas casas legislativas e merecem total atenção
e medicalização
e articulação do Sistema Conselhos, de profis-
O CRP SP tem essa diretriz fruto de deli-
sionais da categoria e outros – ligados ou não
Cadernos Temáticos
berações de nossos COREPs e CNPs, há várias
à Educação e representantes do Legislativo.
gestões e o presente Caderno Temático traz à
Estes PLs geralmente tem a temática ligada a
categoria e à sociedade debates, palestras e
supostos transtornos de aprendizagem, como
Patologização
conferências que o Conselho organizou, apoiou
a dislexia e o TDAH, mas podem também atin-
ou foi parceiro, na gestão 2016 a 2019.
gir outros temas, que medicalizam, patologizam
Entendendo a medicalização/patologiza- e judicializam – como a manicomialização, as
ção da educação e da vida como um processo/ questões étnico-raciais e de gênero, o abuso de
atitude que transforma, artificialmente, ques- cesáreas no Brasil, o parto desumanizado, a cri-
tões não médicas em médicas, com aspectos minalização de crianças e adolescente, via redu-
da vida - de diferentes ordens - sendo trans- ção da maioridade penal, dentre outras pautas.
as Recomendações do Ministério da
Saúde para a adoção de práticas não
medicalizantes, de 1 de outubro de 2015;
e a Recomendação nº 19 do Conselho
Nacional de Saúde, de 8 de outubro de
2015, que recomenda ao Ministério e
Secretarias de Saúde a promoção de
práticas não medicalizantes,
questionamentos e iniciativas em
favor da despatologização da vida
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
e desastres
e enfrentamento
Maria Rozineti Gonçalves
Psicologia em emergências
Conselheira do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo,
representando o Núcleo de Educação e Medicalização do CRP SP.
e medicalização
cleos do CRP SP, em que represento o Grupo
Interinstitucional Queixa Escolar – GIQE. E tam- Assistência Social, o da Infância
Cadernos Temáticos
bém agradecer a possibilidade de organização
desse evento que acontece junto com o Núcleo
e da Adolescência, entendemos,
Álcool e outras Drogas e Medicalização, que a por tanto, que é um tema de
Patologização
Helena está aqui representando, e também o muita relevância por estar na
Núcleo de Saúde, que, infelizmente, não pôde
ter representação hoje. Estes são os três nú-
interface de diversas áreas”
cleos que propuseram essa roda de conversa,
para que pudéssemos debater o tema Medica-
cessos de medicalização. Por isso, penso que
lização, Questionamentos e Iniciativas em Favor
o tema da medicalização também é caro para
da Despatologização da Vida.
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Boa noite. Agradeço a presença, bem-vindas to- drogas ilícitas e como as que são consideradas
das as pessoas que estão aqui, o pessoal que recreativas, mas são lícitas. Reconhecemos o
está assistindo em casa também. Eu faço parte peso que o proibicionismo tem sobre o impac-
do Núcleo de Álcool, Drogas e Medicalização do to do uso dessas drogas, como os usuários de
e medicalização
CRP. O tema da medicalização é sempre trans- drogas ilícitas que são criminalizados, e também
versal às nossas discussões. Mesmo quando as reconhecemos o perigo representado pelas dro-
Cadernos Temáticos
demandas que chegam nos convocam a falar gas que são lícitas, principalmente em função do
mais sobre as drogas ilícitas, sobre as que estão incentivo ao seu uso para que a pessoa se encai-
sendo mais faladas no momento ou o que mais xe em algum padrão desejado no contexto atual.
Patologização
enfrentamos nas políticas públicas, como a ques- Então, temos o cuidado de pautar todas essas
tão das políticas públicas para álcool e drogas, questões em nossas discussões. Ano passado o
a medicalização está sempre presente de forma núcleo participou de vários eventos sobre dife-
transversal. Essa é uma discussão que para nós rentes temas, como drogas, álcool, criança e ado-
pode ser um pouco comum, mas, conversando lescente, saúde, educação, assistência social,
com as pessoas na nossa vida ou no nosso tra- políticas públicas etc. Sempre alguma demanda
balho, sabemos que não é tão tranquilo assim fa- aparece para nós e buscamos participar de even-
- parte 2
texto. É o que eu tinha para disparar o debate
cartilha foi construída para
e desastres
nesse momento, estarei aqui para darmos con-
falar desse tema de um jeito tinuidade, obrigada.
e enfrentamento
menos estigmatizante, menos
Psicologia em emergências
preconceituoso” “Não existe um jeito único de se
Existem vários problemas em relação ao falar sobre drogas, de nenhuma
e medicalização
psicólogos também podem participar desse de-
bate para ampliarmos as visões, ampliarmos o
Cadernos Temáticos
debate, trocarmos informações e criarmos uma
prática profissional que atinja as pessoas de
Patologização
verdade.
Como a Rozi já adiantou, o meu encontro com o Nessa perspectiva, esses diagnósticos não se
tema da medicalização se deu a partir da inter- sustentam. Quando compreendemos a maneira
face da psicologia com a educação, já que coor- como eles são feitos, entendemos o porquê de
deno um serviço de atendimento psicológico à série de questões que não serem consideradas.
queixas escolares. Entre cinco e seis anos atrás Portanto, a minha prática corrobora as pesqui-
cada vez mais me chamou à atenção a quanti- sas científicas que dizem que esses transtornos
dade de crianças e adolescentes encaminhadas são inventados, aliás, como o próprio formulador
porque estavam com dificuldades na escola e do TDAH já assumiu. Certamente muitos devem
que, quando eu perguntava para os pais: “bom, ter visto isso, pois se tornou viral nas redes so-
mas por que vocês acham isso que está acon- ciais, que ele próprio, talvez em uma crise de
tecendo?”, chegava ao ponto de cem por cento consciência quando estava no seu leito de morte
dos responsáveis ter entre as hipóteses para a falou, “olha, eu inventei esse negócio, patrocina-
dificuldade dos filhos, a possibilidade de terem do, tudo, e eu sei o estrago que eu fiz”.
TDAH, transtorno do déficit de atenção, com ou
sem hiperatividade, e Dislexia, principalmente
esses dois supostos transtornos. “A indústria avança cada
vez mais sobre a formação,
“Nunca encontrei e nunca convencendo os médicos a
confirmei esses diagnósticos atuarem dentro de uma lógica
trabalhando na perspectiva em biologizante, sem pensar nas
que atuamos: buscando sentidos, relações, sem pensar nas
buscando história, entendendo histórias”
as relações, entendendo o
contexto. Nessa perspectiva, Retomando, entendo que ainda é importan-
esses diagnósticos não se te retomar o conceito de medicalização, porque
sustentam” dá muito mal-entendido e ainda há quem acredi-
te que somos contra médico. Não é isso! Somos
contra aqueles que estão capturados pela lógica
Já vou deixando bem claro que eu nunca medicalizante e atualmente são muitos, não é?
encontrei e nunca confirmei esses diagnósticos Essa é uma questão presente até mesmo em jor-
trabalhando na perspectiva em que atuamos: nais, o quanto que a indústria farmacêutica asse-
buscando sentidos, buscando história, enten- dia os médicos, os laboratórios. E não só o assé-
dendo as relações, entendendo o contexto. dio aos médicos já formados, a indústria avança
cada vez mais sobre a formação, convencendo
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os médicos a atuarem dentro de uma lógica bio- “Isso leva depois ao consumo
logizante, sem pensar nas relações, sem pensar
nas histórias, sem considerar que outros profis-
de drogas, porque se a
sionais podem ser importantes para discutir e pessoa aprende a lidar com as
fechar um diagnóstico. Então não se trata de ser dificuldades da vida tomando
- parte 2
contra médico e nem se trata de ser contra re-
uma droga legal, na hora em
e desastres
médio, contra medicação. Entender isto faz toda
a diferença. Não sou contra medicação, por vezes que retirar essa droga legal,
e enfrentamento
tomo remédio e dou remédio aos meus filhos. ela não desenvolveu outros
Psicologia em emergências
Falamos de medicalização quando perce- mecanismos lidar com situações
bemos que se deu uma aparência de problema
difíceis. Então a hora que surgir
de saúde, no sentido amplo, englobando tam-
uma situação difícil, o que que o
e medicalização
não tenho nenhuma palavra boa para definir, acho
tigarmos tudo isso e apenas resolvermos que
que os números falam por si. Olha o que aconte-
o problema é em função da questão familiar, e
Cadernos Temáticos
ceu com a venda do Cloridrato de Metilfenidato,
falar do édipo da criança, seguir por esse ca-
que é a substância da Ritalina e do Concerta, es-
minho de desconsiderar a realidade escolar caí
calou de 71mil caixas para 1,5 milhão em 2012.
no campo da medicalização, quando a realidade
Patologização
É uma escalada que me faltam palavras para
escolar tem sido um fator muito importante.
definir algo dessa dimensão. Isso só em relação
Então, as “psicologizações” entram no ao Metilfenidato, observem o que acontece com
campo da medicalização. Ou seja, a medicali- o Rivotril, que é o Clonazepam: em 2010 são 1,7
zação diz respeito às práticas em psicologia, milhão e salta, em 2013, para mais de 4,7 milhões.
fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisiotera- Parece que o décimo segundo medicamento mais
pia, medicina. Temos aqui uma ampla gama de vendido do Brasil. Isso para falar de psicotrópi-
No trabalhado, e essa é uma área que está Como já foi adiantado nas falas anterio-
super medicalizada, há muita gente trabalhando res, vemos que esse é um fenômeno que atinge
às custas de calmante e de antidepressivo, pro- diversas áreas, inclusive a área de direitos da
fessores inclusive. E o que que tem de potente criança e adolescente. Quem trabalha em Casa
aí? Eles estão dizendo, com isso tudo que eles Abrigo ou na Fundação Casa sabe bem como
estão contendo com medicação, que no modus é que é. Agora não precisa bater tanto porque
operandi do trabalho também tem algo que leva se dá um remedinho, fala que o problema é que
ao adoecimento. Com a medicação eles aguen- ele tem tal doença, tal transtorno, transtorno
tam o tranco por um tempo, porque está cada de conduta, TOD, que é o Transtorno Oposi-
vez mais cheio de professor se readaptando e tor Desafiador. É um transtorno curiosamente
se exonerando. Os índices de pedidos exone- dá muito em adolescente, não é? Enfim, essa
ração dos professores estão sendo cada vez área é uma área que é fértil para a medicaliza-
maiores. O que quero dizer com isso é que aí ção, assim como a do trabalho que já citei. A
você desqualifica, porque você diz: “o problema velhice também, muitos já devem ter observa-
é que ele sofre de depressão, o problema não é do o quanto que os velhinhos são alvo fácil da
o trabalho”. Você desqualifica a denúncia que a medicalização. Tem uma média de cinco remé-
pessoa faz, o que existe de potente naquele de- dios diários por velhinhos acima de 70 anos. Na
sajuste dela, e contém quimicamente: “eu tomo estética, também já citada anteriormente, que
um antidepressivo e eu consigo trabalhar”. afeta muito as mulheres, mas os homens tam-
bém já tão entrando nessa. Assim como o parto,
também citado pela Rozi.
“Há muita gente trabalhando
às custas de calmante e de
“Hoje, sem perceber, já não se
antidepressivo, professores
fala mais que estamos tristes, é
inclusive”
muito fácil falarmos assim ‘ai, tô
deprimido’, ‘ai, sou deprimido’”
Agora, como que se faz isso, esses diag-
nósticos? Se faz com abstrações, se fala do in-
divíduo como se ele vivesse numa bolha, como Outro aspecto que me chama muito a
se o comportamento dele não tivesse nada a atenção é como a nossa linguagem cotidiana já
ver com o contexto e não tivesse história. En- está sendo afetada. Hoje, sem perceber, já não
tão é isso é uma fragmentação e uma abstra- se fala mais que estamos tristes, é muito fácil
falarmos assim “ai, tô deprimido”, “ai, sou de-
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primido”, “ai, passei não sei o que, uma maior “Temos um sistema escolar
depressão”. No entanto, depressão é patologia,
é diferente de tristeza. Sobre a hiperatividade:
em que, quando olhamos os
“eu estou hiperativo, eu sou hiperativo”, “ah, fu- índices das grandes avaliações
lano é hiperativo”, que também é uma lingua- nacionais, não ir bem na escola,
- parte 2
gem patologizante, “é bipolar”, isso também já
não ter atingido os níveis
e desastres
está se tornando linguagem corriqueira, ou seja,
passamos a fazer diagnósticos. Isso tudo faz esperados de domínio em de
e enfrentamento
parte de um pensamento biologizante que es- língua portuguesa e matemática
Psicologia em emergências
tamos deixando nos afetar. Então, eu brigo com
essas palavras quando elas aparecem dessa
é o normal. Em matemática é
forma, eu acho que precisamos tematizar isso ainda pior, a minoria dos alunos
e não nos deixar capturar por esse tipo de pen- consegue atingir os índices
e medicalização
de professores em pleno ano letivo, algo que é
extremamente comum. Como psicólogos, sa-
Cadernos Temáticos
No campo da educação especificamente, bemos o que causa uma troca de professor em
a patologização das crianças, sem falar na dos pleno ano letivo. Sem falar de salários de pro-
professores, aparece muito com diagnóstico
Patologização
fessores e outras coisas nos funcionamentos
de TDAH e dislexia. Temos um sistema escolar das unidades escolares, como a hostilidade que
em que, quando olhamos os índices das gran- muitas vezes existe dentro da equipe, o isola-
des avaliações nacionais, não ir bem na escola, mento e a falta de apoio que cada professor
não ter atingido os níveis esperados de domínio sente. As relações entre escolas e pais, que são
em de língua portuguesa e matemática é o nor- muito marcadas por preconceitos com relação
mal. Em matemática é ainda pior, a minoria dos aos pais e acabam afastando os pais que de-
alunos consegue atingir os índices esperados.
- parte 2
não tem”, pra vermos em uma situação que a quando vamos na escola. É fundamental. É duro
e desastres
criança está à vontade, está bem, se confere ou ir escola, mas é um desafio que precisamos en-
não confere. E as que pegamos não tem confe- frentar e aprender a conversar com a escola de
e enfrentamento
rido. Claro que precisamos fazer isso com a as- um jeito que seja efetivo, que não seja de sal-
Psicologia em emergências
sessoria de uma fonoaudióloga porque não po- to alto e desrespeitando o professor. O fato é
demos pode se arvorar em ser expert em tudo. que precisamos repensar nossas práticas. Exis-
Mas somos críticos porque essa discussão está tem outras práticas possíveis sim. Eu tenho a
posta em várias áreas. Então, isso é para ver- pretensão de achar que encontramos procedi-
e medicalização
serão importantes para contemplar o estilo de
com a escola. Isso é um tipo de cada psicólogo e sua realidade específica. Mas
procedimento que tende a ser
Cadernos Temáticos
existe onde buscar inspiração, não é nenhuma
medicalizante” novidade total.
Patologização
mas propostas. Entendo que é importante que
Para termos uma ideia de como é que está o Sistema de Conselhos faça um esforço per-
a nossa categoria, a importância de ainda irmos manente de esclarecimento e discussão sobre
longe nessas discussões de como os psicólo- medicalização junto à categoria dos psicólogos
gos podem estar realizando práticas medicali- e junto aos estudantes de psicologia, é preciso
zantes, até quando nos pretendemos não me- que essa discussão esteja na formação. Porque
dicalizante. Vejamos a pesquisa que a Marilene somos convencidos na formação, somos treina-
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Boa noite novamente. Embora eu não estivesse indústria que permitem aquele aumento de 70 mil
organizada e me planejado para falar, vou aprovei- para mais de um milhão de caixas de metilfenidato,
tar algumas coisas a Bia, que gostei muito, para tornando algumas drogas serem as mais vendidas,
fazer aqui a ponte com a questão de álcool, drogas de forma lícita, não permitem que outras sejam le-
e medicalização
e redução de danos. São muitas coisas em comum, galizadas e colocadas no mercado como medica-
quando a Beatriz começou falando de não ser con- ção. Ao contrário disso, são colocadas como dro-
Cadernos Temáticos
tra a categoria da medicina, que a medicalização gas que fazem apenas mal.
não é ser contra o remédio, não é sobre ser con-
tra medicação, nós do grupo de álcool e drogas
Patologização
também, jamais seríamos contra medicação, nem “Muitas vezes, em uma consulta
contra nenhuma outra droga, mas sim, como elas
psiquiátrica de 10 minutos
são usadas, de que forma, se realmente elas estão
sendo usadas, ainda que de recreativa, com cui- a pessoa já sai com um
dado, de acordo com um contexto, se elas estão diagnóstico que a estigmatiza
sendo usadas ritualisticamente, se estão sendo
pelo resto da vida, e com
usadas como medicamento mesmo.
- parte 2
Retomando uma fala da Beatriz, sobre os aspec-
acompanhando dentro desse
e desastres
tos coletivo e institucional, na a questão das dro-
carro” gas, é a mesma coisa, porque é a individualização
e enfrentamento
das problemáticas que são de ordem coletiva e
Psicologia em emergências
e os seguranças ameaçaram dizendo: “se você institucional também. Nesse caso não na escola.
continuar assim a gente vai te medicar”, e ele ficou
mais nervoso, aí deram Haldol para ele, injetável.
Ele ficou internado durante seis meses, involunta-
e medicalização
porquê. Esse é um caminho de
havia pessoas com transtornos já patologizar um adolescente,
Cadernos Temáticos
mentais mais graves ou encaminhando para um ambiente
diferentes do específico de com pessoas que já estavam
Patologização
álcool e drogas, mas as pessoas usando há muito mais tempo, de
tomavam os mesmos remédios, uma forma muito mais agressiva,
porque era remédio para dormir, muito mais problemática”
remédio para acordar, remédio
para não causar. Esse retrato é
No município que eu trabalhei não tinha CAP-
Quero trazer um pouco para pensar e reto- “São drogas, mas é outro
mar alguma proposta, como a de sempre pensar
criticamente sobre os assuntos que se falam atu-
contexto e outra classe social”
almente, muitas coisas são simplesmente repeti-
das, ouve na TV, repete no Facebook, vice-versa.
Não se para pra pensar o porquê que algu-
Aí, na rua, ouvimos frases feitas sobre, por exem-
mas coisas incomodam tanto e outras não, o por-
plo, a conjuntura política atual e sobre a questão
quê de ser conveniente criminalizar certos tipos de
das drogas. No entanto, como eu falei no início,
população com uso de algumas drogas em locais
é mentira a epidemia do crack mas é convenien-
centrais, ao passo que outras pagam para usar em
te que os usuários sejam estigmatizados, porque
chácaras. Nesses casos, a sociedade finge que
acabam ficando mais visíveis os usuários que pos-
não vê ou, como a classe média faz, enxerga como
suem problemas associados ao uso. Por vezes,
problemas de ordem privada que podem ser omi-
quando vamos conhecer a pessoa de fato, vemos
tidos para não aparecer na sociedade e manter a
aparência comum da classe média ou classe alta.
25
Já para outras pessoas que não têm muito a per-
der, que ficam na rua e que não têm essa preocu-
pação social, acabam sofrendo formas muito mais
graves, com violência policial, e mesmo com a vio-
lência das próprias políticas públicas, por estarem
- parte 2
circulando na rua e fazendo usos que incomodam
e desastres
aquela vida privada, na verdade, hipócrita.
e enfrentamento
“Sabemos que se usa drogas,
Psicologia em emergências
sempre se usou e sempre vai
se usar, e se hoje se falamos
e medicalização
Sabemos que se usa drogas, sempre se
usou e sempre vai se usar, e se hoje se falamos
Cadernos Temáticos
do crack, há 30 anos atrás era cocaína injetável,
daqui 30 anos eu tenho certeza que serão outras.
Quem está inventando essas drogas são os pró-
Patologização
prios homens, não são outros seres diferentes que
estão inventando, então como é que vamos lidar
com isso? De uma forma estigmatizante e pato-
logização da vida? Porque que as pessoas usam
droga e porque que algumas vezes esse uso acaba
sendo problemático? E como que vamos abordar
essas questões como psicólogas e psicólogos, e
Maria Rozineti: Muito Obrigada, Annie, pelas vamos falando, esse cuidado de não individu-
suas colocações. Acho que deu para aprofun- alizar um problema social, ele também tem que
dar um pouco mais. Você falou coisas bastan- ter atenção para não generalizar um cuidado
te interessantes que nos ajudarão a pensar. E que deve ter um olhar individual também. Infe-
agora seria esse momento de podermos trazer lizmente aqui não tem nenhum psiquiatra para
as dúvidas, as coisas que foram brotando em corroborar o que eu falo, mas as pessoas po-
cada um que está ouvindo, as contribuições dem pesquisar também em outras fontes, não
pela sua própria experiência. E eu faço uma existe uma medicação específica inventada
proposta, que vocês, já quando colocar uma para diminuir a vontade de usar droga. Existem
questão, também vão colocando a questão da medicações que se observou com o passar de
psicologia, o que como psicólogos e psicólogas, um tempo que, em certos grupos, pareciam agir
devemos garantir, devemos propor em relação na inibição de vontade de usar, mas não eras as
a isso que vocês estão pensando? Para já pen- medicações que faziam isso.
sarmos. Eu vou aqui tentando fazer encaminha-
mentos a partir do que vocês falarem, mas que
vocês também façam. Enquanto vocês pensam “Vemos que conter é adaptar
um pouquinho eu vou falar uma que veio pela
os meninos para ficarem
web. É da Júlia, e aí ela colocou aqui, “boa noite.
Com relação aos jovens que cumprem medidas quietos para não precisar de
socioeducativas e são usuários de droga, você tanta violência física, porque a
é a favor do uso de medicação para diminuir a
violência física que acontece
vontade de usar, por estar também confinado
com mais outros muitos jovens?”. muito ainda”
Annie: Eu acredito que começaria por isso
mesmo, não existe um a favor ou contra o uso Por exemplo, vamos pensar aqui nessa situ-
de medicação para um grupo X. É como está- ação da pergunta, um jovem que cumpre medida
socioeducativa e que está confinado com outros
jovens, então eu entendi que é uma medida socio-
educativa de privação de liberdade. Já acompanhei
“Esse cuidado de não um garoto que ficou dois anos na Fundação Casa e
individualizar um problema social, a psicóloga dele falou para mim, “mas ele está cho-
rando, ele está muito mal, você precisa passar ele
ele também tem que ter atenção no psiquiatra. Ele chegou aqui, ele chora de sentir
para não generalizar um cuidado falta da mãe”, eu falei, “que bom que ele sente falta
que deve ter um olhar individual da mãe, que ele consegue chorar, que ele consegue
expressar isso chorando, inclusive, adequadamen-
também”
te, expressando uma tristeza”. Então, vemos que meçaram a usar substâncias, como a maconha,
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conter é adaptar os meninos para ficarem quietos a cocaína, e outras drogas ilícitas, como uma
para não precisar de tanta violência física, porque forma de automedicação, porque não tinham
a violência física que acontece muito ainda, mas um cuidado, não tinham uma atenção adequa-
que pode ser um pouco diminuída com o uso de da. Em algum momento, perceberam que o uso
medicação para os mais rebeldes, aqueles que têm dava uma relaxada e, por isso, ficava melhor
- parte 2
dificuldade de se adaptar ou que possuem algum durante o dia ou que dava uma acordada para
e desastres
tipo de comportamento que não é aceito dentro de trabalhar, estimulava. Às vezes até mesmo um
uma Fundação Casa, que é bem parecida com uma problema psicológico e que foi medicado ou au-
e enfrentamento
cadeia em alguns aspectos. tomedicado com uma droga e que depois isso
Psicologia em emergências
foi esquecido, nunca mais se falou sobre isso.
Só se fala sobre a droga, uso da droga, por isso
“Muitas vezes a medicação é bem que algumas vezes as medicações se adequam.
aceita, inclusive é incentivada
e medicalização
tem como colocar um monte Vejam, essa é uma questão para termos esse
de adolescente com vários olhar crítico sobre a medicação. Não somos mé-
Cadernos Temáticos
dicos, não podemos ser a favor ou contra o uso
problemas sociais, que foram de tal medicação, mas podemos ir atrás de in-
colocados lá de forma traumática, formações da forma mais ampla possível, que
Patologização
muitas vezes arrancados da medicação é essa aí que diminui a vontade de
usar? Se existisse, não teria problema nenhum,
família, e outras situações né? Seria só chegar no CAPS ad, distribuir essa
difíceis, e ainda exigir que eles medicação e as pessoas paravam de usar as-
fiquem bonzinhos e quietinhos sim. Mas não é isso, não é? Não é uma droga
que vai trocar pela outra, nem existe essa droga
e sem muito problema de milagrosa para diminuir a vontade de usar.
- parte 2
a questão de documentação, de produção de
e desastres
rou?” Por que você toma? Para que que serve?”,
documentação, de laudos, por exemplo, é ex-
e nunca, não se tem essas respostas, eles não
celente, fala exatamente disso, que você não
e enfrentamento
sabem o porquê que tomam, para que que serve,
pode dar um diagnóstico, você não pode fazer
e principalmente, quais são os efeitos colaterais
Psicologia em emergências
um laudo que não leve em conta contexto, his-
dessas medicações. O único jeito de enfrentar o
tórias, sentidos. Então já temos muito material
psiquiatra é sabendo isso, porque deve ter um
produzido. O documento do CREPOP, de dire-
entre dez psiquiatras que tem uma certa res-
trizes para o psicólogo que atua na educação
e medicalização
com TDAH ou carimbou com a esquizofrenia, ca- nova, lutar para que isso entre na legislação,
rimbou com bipolar, carimbou e acabou, aí você que vá além do Sistema Conselhos, porque são
Cadernos Temáticos
tem alguma coisa que acham que vai funcionar, diretrizes internas da profissão, dos nossos
mas que não funciona, porque a Ritalina tam- Conselhos, dos nossos órgãos de regulamen-
bém não cura. Parou de tomar, o problema está tação da profissão, mas que isso também es-
Patologização
lá, vai voltar de alguma forma. Agora, o pior é teja em outro âmbito, então, por exemplo, no
que a permanência do uso dessas medicações, âmbito legislativo geral, que regula o exercício
o efeito colateral é danoso demais, e aí temos da profissão para além do Sistema Conselhos.
que militar contra isso. Ou seja, que se torne uma exigência social, que
se torne uma lei que esteja para além do Siste-
Nós conversamos aqui sobre a preguiça
ma Conselhos. Estou falando para alguém que
que tem o psicólogo, no sentido de que o feti-
não seja interno à profissão. Mas, por exemplo,
Sueli: Estávamos conversando aqui, “ai, eu Beatriz: Tentei escrever aquilo que con-
vou propor algo no sentido de comunicação”, e versamos agora. Talvez não seja a melhor re-
aí a nossa colega falou sobre isso. Então, como dação, deu duas propostas: ampliar a divulga-
ção de produções do Sistema Conselhos com adaptação. Como é que nos posicionamos e
33
as orientações sobre laudos, só precisamos como é que sustentamos isso? Porque, até po-
buscar o nome certo do documento do Conse- sicionar, “ah, tá bom”, mas sustentar as diferen-
lho Federal, e as referências técnicas dos psi- ças através da profissão, ainda é um desafio.
cólogos na educação básica. Então é isso: uma
Maria Rozineti: Como não temos mais
proposta de divulgação das produções do Con-
nenhuma pergunta de pessoas que estão onli-
- parte 2
selho que já trabalham esse conceito. E outra é
e desastres
ne nem presencial, então vamos encerrar aqui,
que o Sistema Conselhos trabalhe para que as
agradecendo a todos e a todos que participa-
diretrizes de atuação do psicólogo, levando em
e enfrentamento
ram e agradeço a todas as trabalhadoras e tra-
conta questões de ordem coletiva, extrapole o
balhadores do CRP por este momento.
Psicologia em emergências
âmbito interno de regulamentação da profis-
são, e se torne legislação pública.
e medicalização
tão: isso está sendo capturado também pelas
forças do capitalismo, interessa o trabalhador
Cadernos Temáticos
mais qualificado, que o sistema atual, de escola,
não está dando conta de formar. Só que já vi que
tem uma diferença muito grande, eles não têm
Patologização
um olhar integral do ser humano, uma preocu-
pação com a formação integral, é apenas: como
produzir um trabalhador que sabe trabalhar em
equipe, que consegue pensar de uma manei-
ra mais sistêmica? Como é que pode melhorar
a mão de obra para dar conta, inclusive, das
transformações do modelo produtivo, que exige
É um prazer fazer mais um evento em parceria com tro dos espaços da Secretaria de Saúde, como
o Despatologiza na Câmara Municipal de Campi- para dentro dos espaços de formação, na Uni-
nas. Hoje o nosso debate é “Intervenções Despa- camp. Tem sido uma parceria que tem dado muito
tologizantes na Educação e na Saúde”. Esse deba- resultado e tem sido muito importante para que
te acontece porque, justamente no dia de amanhã, possamos continuar fazendo esse debate não só
comemoramos o Dia Municipal do Combate à Me- em Campinas, mas também no resto do Brasil.
dicalização da Vida e da Educação, que é uma lei
que aprovada aqui na cidade de Campinas, uma lei Hoje aqui, vamos conversar com duas con-
de minha autoria, mas que, na verdade, é de au- vidadas que têm experiência nesse debate, e que
toria do Movimento Despatologiza, que nos trou- vão trazer um pouco das suas experiências em
xe essa iniciativa e conseguimos aprová-la aqui. dois municípios bastante distintos, mas que, cer-
Desde então, em todos os anos, temos realizado tamente, estão no olho do furacão desse enfren-
atividades aqui na casa e também na cidade, que tamento. Então, eu gostaria de convidar Adriana
trazem ao conhecimento do público o que são as Watanabe, que é coordenadora do Naapa, Núcleo
políticas públicas que combatem esse fenômeno de Apoio e Acompanhamento Para Aprendizagem
da medicalização que acontece das mais diversas da Secretaria de Educação de São Paulo, e gos-
formas no nosso cotidiano. taria de convidar também Francielly Damas, que é
mestre em saúde coletiva pelo Departamento de
Aqui na Câmara de Campinas, nós realizamos Saúde Coletiva da Unicamp e farmacêutica da rede
esse enfrentamento de forma bastante frequente; municipal de saúde de de Campinas.
recebemos muitos projetos de lei de diversos ve-
readores de todos os espectros do campo político, Gostaria de mencionar e de agradecer a pre-
que basicamente são projetos confeccionados por sença também da Sônia Ferrarezi, que é assistente
grupo de interesses, por lobbys, por indústrias que administrativa do Conselho Regional de Psicologia.
criam aquelas políticas de gatilho automático: faz- O Conselho Regional de Psicologia é um importan-
se uma avaliação rápida de um possível problema te parceiro do Despatologiza, tem sempre dado um
e já imediatamente medica e patologiza aquele importante apoio às iniciativas desse movimento.
problema. O uso da Ritalina é o caso mais clássico E agradecer à Rosangela Villar que é integrante, re-
disso, mas temos diversas outras iniciativas tam- presentante do movimento Despatologiza e nos-
bém com a questão da dislexia. sa parceira maior nessa caminhada toda. Queria
evidenciar também a presença aqui da professora
Temos tido vários projetos aqui na casa que
Cecília Collares e da professora Cida Moisés que
tratam da dislexia, sempre nessa perspectiva pa-
são também figuras muito importantes do Despa-
tologizante. A questão do parto e do nascimento
tologiza e que estão nos enriquecendo com suas
também tem sido visto de forma medicalizante e
presenças. Então agradecendo já a todos os pre-
temos enfrentado dentro do debate da humaniza-
sentes, passo a palavra para Adriana Watanabe,
ção do processo do parto e do nascimento.
coordenadora do Naapa, Núcleo de Apoio e Acom-
Esses debates têm sido acompanhados por panhamento Pra Aprendizagem, da Secretaria Mu-
um movimento que se organiza também para den- nicipal de Educação de São Paulo.
Adriana Watanabe 35
Coordenadora do Naapa, Núcleo de Apoio e Acompanhamento
Para Aprendizagem da Secretaria de Educação de São Paulo.
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Boa tarde a todas e a todos que estão presen- Com base na identificação dessas equi-
tes aqui nessa tarde para que possamos come- pes que, na época, faziam somente esse servi-
morar mais um dia de enfrentamento à medica- ço de triagem, em 2013 passou na Câmara Mu-
lização da educação e da sociedade, um tema nicipal uma lei de assistência psicopedagógica
tão caro para todos nós e importante para que e em 2014 de assistência psicológica. Então,
e medicalização
cas públicas que possam fazer esse enfrenta- Fernando Haddad, foi pensada e elaborada uma
mento em dias tão difíceis como os que temos política pública com o objetivo de trabalhar com
Cadernos Temáticos
passado com políticas e políticos que têm feito a rede de proteção social, com todos os territó-
um combate às nossas ações que são da ga- rios da cidade articulando as políticas públicas
Patologização
rantia dos direitos, no nosso caso, das crianças, de saúde, assistência social, educação, com os
dos adolescentes e dos adultos também. Pen- setores do judiciário, da cultura, lazer, enfim, as
so que esses encontros são fundamentais para políticas públicas da cidade.
que a gente possa ter uma articulação e um
Então, a ideia era a de articular essa rede
fortalecimento dessa defesa de nenhum direito
de proteção junto às questões que as equipes
a menos. Bom, estou com a minha parceira de
escolares enfrentavam no seu cotidiano como
trabalho, a Renata Brandstater, psicóloga, que
dificuldade em garantir a permanência dos nos-
Com esses dados, fomos organizando Então, pudemos, a partir desse trabalho
essa política pública, em primeiro lugar pen- com essas equipes multiprofissionais, fazer
sando na nomeação do nosso público-alvo, essa ponte, e a formação das nossas equipes
qual seja, os educandos. E hoje já seria diferen- escolares em relação ao que já está no ECA -
te, nós até já elaboramos uma outra redação, comemorando 25 anos do ECA, mas que, infe-
mas a princípio na nossa portaria está assim: lizmente, na prática, como dizem, a história é
“educandos com questões relativas a dificulda- um pouco diferente, não é? Então, quanto de
des no processo de escolarização decorrentes de investimento se teve no trabalho das políticas
suas condições individuais, familiares ou sociais, públicas junto à rede de proteção efetivamente,
que impliquem prejuízo significativo no processo compreendendo a instituição educacional tam-
ensino/aprendizagem”. Ou seja, tirando o foco bém como uma unidade dessa rede protetiva;
exclusivo da culpabilização do sujeito, mas am- os profissionais da educação também como
pliando para as escolas, pensando o processo profissionais que atuam, claro, sem desvincular
ensino/aprendizagem, para questões relativas da função social da escola, mas também com
à saúde, à saúde mental, então articuladas com uma unidade protetiva na garantia do direito à
UBS, com CAPS, com Nasf; e questões relativas educação. Todos como profissionais de garan-
do campo social, moradia, violência sexual, vio- tia de direitos.
lência doméstica, questões relacionadas tam-
Para a atuação da equipe multiprofissio-
bém dos nossos adolescentes em cumprimento
nal, fomos identificando temáticas importantes
de medida socioeducativa; nossos bebês, crian-
que não eram do debate cotidiano das nossas
ças, adolescentes em situação de abrigamento
escolas. No município de São Paulo, temos 1.498
nos SAICAs, Serviço de Acolhimento Institucio-
escolas, quase um milhão de alunos, e 66 mil pro-
nal para Crianças e Adolescentes, temos muitos
fessores e gestores. São 100 mil servidores mu-
educandos nessa situação também.
nicipais. Então, é uma rede muito grande, é maior
Esta é a população que apresentava uma que a população de muitos países, enfim. Além
dificuldade na sua permanência nas nossas disso, com muitos desafios, sabendo da comple-
escolas e dificuldades de atuação efetiva das xidade que é a cidade de São Paulo, com territó-
equipes escolares também de modo articulado rios muito diferentes entre si, cada subprefeitura
com a nossa rede de proteção social. Então, an- com sua especificidade, sua particularidade. Ao
tes da existência do NAAPA, era uma ação que mesmo tempo que temos territórios com uma
nós percebíamos restrita às nossas equipes situação de serviços presentes e todas as ques-
escolares e à própria política da Secretaria de tões importantes garantidas para aquela popu-
Educação, relacionada só ao encaminhamento e lação; temos outros territórios de alta vulnerabi-
identificação, mas sem fazer uma investigação lidade, em condições extremas mesmo.
Quando olhamos no atlas social da SMA- a vida socialmente normatizada. Então, não dá
37
DS (Secretaria Municipal de Assistência e De- para fazermos um trabalho de inclusão com um
senvolvimento Social), vemos que o assinalado currículo tradicional, com um currículo tecnicista,
em vermelho são os índices de alta vulnerabili- com um currículo apostilado. É importante que o
dade, e conforme vai clareando vai diminuindo a currículo da escola, o Projeto Político Pedagógi-
vulnerabilidade. Então temos um centro de São co, tenha a potência de criar condições para que
- parte 2
Paulo, que tem vários equipamentos públicos, esses sujeitos possam se expressar e possam
e desastres
uma faixa de renda também razoável de um sa- aprender com estratégias diferenciadas, com
lário mínimo em diante, enquanto que, nas peri- metodologias diferenciadas e com acesso aos
e enfrentamento
ferias, isso vai se reduzindo de uma forma mui- diferentes conteúdos curriculares importantes
Psicologia em emergências
to significativa. Não é que, no centro, não haja para o desenvolvimento integral desses sujei-
questões difíceis e complexas para as equipes tos. Isso não é uma tarefa simples também. O
escolares lidarem ao articular com a rede de que nós temos de muito potente na política edu-
proteção e atuarem junto às famílias, junto ao cacional atual da nossa prefeitura é um currículo
e medicalização
vai sendo demonstrado é como o currículo das
telares, ou também dos promotores que vivem nossas escolas é pressionado pelas políticas
nos encaminhando os ofícios para que a gente
Cadernos Temáticos
de avaliação externa, de conteúdos de padrões
possa atuar junto a situações de extrema vul- educacionais nacionais e internacionais.
nerabilidade da criança e família. Cabe salientar
Pisa, Saeb, Ideb, são índices que têm a
Patologização
que, para nossa surpresa, vários promotores de
São Paulo, das Varas da Infância, têm feito uma sua importância na avaliação da política públi-
parceria com essa equipe muito interessante, ca educacional, mas também temos feito um
evitando judicializar os casos apresentados, esforço muito grande para garantir a singula-
num esforço de trabalhar em rede em muitas si- ridade desses Projetos Políticos Pedagógicos
tuações difíceis que se apresentam na vida dos que contemplem a demanda do território onde
sujeitos, das crianças, adolescentes. a escola está e o que é de direito de as crianças
aprenderem. São os direitos de aprendizagem
- parte 2
e participava. Então, começamos a fazer alguns da escola, para pensar em atividades enquan-
e desastres
ajustes na rotina da criança, nas atividades pe- to ela estivesse com uma atividade e a crian-
dagógicas dele também, e também oferecemos, ça necessitasse de atenção, por não conseguir
e enfrentamento
já que ele é estudante de um CEU, outras ativida- permanecer naquela atividade pelo tempo que
Psicologia em emergências
des. Ele escolheu o judô e começou a participar. a professora planejou. Assim, foi-se criando al-
Frequentava o CAPS, já fazendo um certo vínculo, gumas estratégias na escola para diferenciar
mas sendo sempre tudo muito difícil. as atividades para aquele menino.
e medicalização
com os diferentes modos de ser, de agir, e isso
feito para criar melhores condições de vida para
vai fazendo com que os próprios professores
o estudante e sua família. Tenho um outro caso,
Cadernos Temáticos
revejam as suas práticas e propostas de en-
de um estudante de quatro a cinco anos tam-
sino. Sem culpabilizar os professores, é muito
bém com queixsa da escola de agressividade.
mais fácil falar que o estudante não consegue
Ele chutou tanto o portão da Emei, que, tama-
Patologização
participar da atividade que o professor planeja
nha força da criança, ficou totalmente torcido.
do que rever a prática pedagógica. A questão é
A equipe do Naapa foi chamada e ao investigar
que nós somos pressionados para agir assim,
o caso, descobriu que a criança foi expulsa de
pela própria estrutura em que a escola está co-
dois CEI’s; uma expulsão velada, com a coorde-
locada. E o que nós trazemos é uma reflexão
nadora pedindo para a mãe ir buscá-lo todos os
crítica sobre o sistema educacional e o quanto
dias. A mãe se cansou disso, porque ela traba-
ele, muitas vezes, e infelizmente, tem impacta-
lhava e, enfim,tirou dos dois CEI’s, das creches,
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Boa noite a todas e a todos. Eu quero agradecer fornecer um medicamento, nós selecionamos
aqui a oportunidade aberta mais uma vez pelo quais são os medicamentos e onde serão for-
vereador Pedro Tourinho, para fazermos este necidos. A isso chamamos de padronização. O
tipo de discussão aqui na Câmara Municipal de Metilfenidato, que é a Ritalina, foi padronizado
e medicalização
Campinas; é um espaço bastante importante e primeiramente para o uso no CAPS Infantil, para
que cada vez nós precisamos ocupar mais, se atendimento de algumas questões próprias e
Cadernos Temáticos
nós queremos lutar pela democracia, cada vez específicas que eram atendidas no serviço de
mais nós precisamos ocupar as nossas insti- CAPS Infantil. Ele era usado então, num serviço
tuições políticas, esses espaços e nos articu- específico, para crianças que eram atendidas
Patologização
larmos pra, de fato, podermos extrair potência naquele local.
desses espaços. Então, Pedro, muito obrigada
Mas, quando você começa a fornecer um
aí pela oportunidade mais uma vez. Cumprimen-
medicamento, começa a surgir uma demanda
tar a Adriana, foi excelente a sua fala, acho que
por esse medicamento e uma certa pressão
vou retomar algumas coisas na minha também.
para que ele seja distribuído o mais ampla-
E agradecer aqui a Rosangela Villar pelo convi-
mente possível. Essa é uma luta que fazemos
te para que eu viesse aqui contar um pouco de
- parte 2
como poderíamos enfrentar a situação. E, en- essa avaliação, na época, eram os apoiadores
e desastres
tão, a proposta que foi elaborada por esse co- institucionais dos distritos, pois ficou definido
letivo foi o estabelecimento de um protocolo de que cada distrito faria a avaliação.
e enfrentamento
uso de Metilfenidato.
Cabe salientar que é uma avaliação bas-
Psicologia em emergências
Então decidimos continuar fornecendo Me- tante parcial também, porque não estamos ven-
tilfenidato, mas para crianças na faixa etária de do a criança, não estamos fazendo a avaliação
oito a 18 anos, desde que elas tivessem, de fato, da criança; nós estamos fazendo avaliação de
e medicalização
portantes. Então, toda essa situação, tudo isso buraco, a dimensão do problema que causamos
que está envolvido no uso do Metilfenidato, fez nessa rede de saúde, quando fomos promoven-
Cadernos Temáticos
com que vários critérios fossem estabelecidos do o acesso ao medicamento, sem antes pen-
para que essas crianças pudessem então rece- sar numa política de saúde para atender essas
crianças, ou articular essa rede para poder fa-
Patologização
ber o medicamento. Além disso, uma das coisas
que foram propostas é de que a solicitação do zer, de fato, um atendimento a essas crianças.
medicamento viesse acompanhada de um rela-
Eu me lembro de um caso de uma criança
tório da escola com dados sobre o que a escola
de nove anos que fazia uso do Metilfenidato,
estava fazendo para que a criança pudesse se
que já estava com baixa estatura e muito obe-
desenvolver, pudesse ter um processo de apren-
sa, fazendo uso de Ritalina há dois anos e essa
dizagem: quais as ofertas e adequações da es-
criança não era acompanhada pelo pediatra da
- parte 2
assim que a gente está.
e desastres
fantis para cinco distritos de saúde; o ideal seria
que nós tivéssemos pelo menos cinco, então a
Eu trabalho num distrito de saúde, numa
e enfrentamento
gente precisa de mais um CAPS infantil, no dis-
unidade de saúde que não tem contato com o
trito saúde Norte. Fortalecimento do Sada, que
Psicologia em emergências
CAPSi. Não pode ser desse jeito, isso está errado.
agora é Sabiá, na verdade. O que que significa
Precisamos ter um contato próximo, precisamos
Sabiá? O sabiá sabia e não sabe mais. Eu sabia
conhecer e discutir os casos. E a outra questão
que o sabiá sabia, mas... Acho que a garantia de
é a articulação intersetorial, a formação de rede
e medicalização
primeiro essa criança, é quem vai encaminhar de muita coisa para poder ajudar essa criança e
essa criança para um outro serviço se for ne- para cuidar dela, porque as vulnerabilidades são
Cadernos Temáticos
cessário e que vai articular essa rede para po- muito grandes. Muito obrigada.
Patologização
Cadernos Temáticos CRP SP
46 Debate
Rosangela: Eu trabalhei na rede de saúde du- bre o uso abusivo de medicações dessa nature-
rante 33 anos. Começo no Ambulatório de Saú- za. As nossas denúncias eram para a Secretaria
de Mental da Prefeitura, mas já trabalhando de Saúde; denúncias que a gente fazia nas es-
com criança e adolescente, com as queixas de colas porque havia uma cobrança muito gran-
aprendizagem, porque era assim que se falava de feita da escola para que a criança tomasse
naquela época sobre o tal do fracasso escolar. alguma coisa, porque se ela tomasse alguma
Depois, num dado momento, montamos o SADA, coisa, ela dava sossego e dava possibilidade de
que era o serviço que lidava com as dificulda- trabalho para a escola.
des de aprendizagem. E nos incomodava muito
Num dado momento que juntaram nossas
a forma com que as crianças chegavam para
denúncias e inquietações, e de outros profis-
nós. Não usávamos o termo “medicalização”
sionais da Rede, com o excesso de compra da
na década de 80, mas nos incomodava receber
prefeitura, porque não podemos ser ingênuos,
crianças em tremendo sofrimento, porque não
não é a troco de nada que a prefeitura resolve
se viam capazes de aprender, capazes de ser,
investir numa discussão sobre o Metilfenidato.
capazes de dar conta das coisas porque diziam
É que a compra passa dos limites e o trabalho
para elas, e “diziam” eram muitas pessoas que
começa a ter de ser dobrado, triplicado, e aí
diziam, a escola, a família, o mundo delas dizia
isso incomoda. Eu sempre que encontrava as
que elas não davam conta. E essas crianças
gestões, falava, “gente, tá difícil, a gente está
chegavam para nós que dizíamos “tá gente, tem
recebendo criança com muita medicação, X ser-
de desconstruir toda essa história”. Num dado
viço encaminha 200 prescrições e rótulos. Então
momento, além de elas chegarem assim, elas
a criança tem dislexia, a criança tem TDAH’, nós
começam a chegar com medicação de vários
precisamos trabalhar com isso”.
tipos: Imipramina, Metilfenidato, Risperidona,
Sertralina. E o SADA fazia um trabalho de en- Então, quando vem essa junção dos pro-
frentamento muito grande, porque o nosso ne- fissionais que começam a se incomodar mais o
gócio é “não queremos crianças medicadas/medi- excesso de compra, criamos um grupo que vai
calizadas; dentro do possível, nenhuma vai tomar discutir o Metilfenidato e a necessidade de um
remédio de forma indiscriminada”. Chegamos a protocolo. Desse grupo fazíamos parte três pro-
fazer o levantamento de crianças medicadas; fissionais do Despatologiza: Tácito, que não era
de 280 que acompanhávamos, nós tínhamos 10 da rede, era só Despatologiza, e ia por conta do
com alguma medicação desta natureza, porque Despatologiza; Fernando Chacra, que foi o pe-
ainda não tínhamos conseguido fazer o traba- diatra que escreveu os documentos que são a
lho de retirada. De verdade, todas aquelas com base do protocolo, e eu. Éramos três chatos bri-
quem trabalhávamos, conseguíamos proces- gando com essa coisa. Brigamos e brigamos, e
sualmente retirar a medicação ofertada “para essa coisa deu no volume que deu. Então assim,
aprender, focar e se comportar”. Desse trabalho ficamos muito feliz de saber que conseguimos
sempre fez parte a realização de denúncias so- naquele momento incomodar efetivamente e
ter uma política, que eu gostaria que estivesse rede ainda como professora de um aluno e che-
47
melhor, eu gostaria de dizer que eu gostaria que gou do Sabiá um questionário com campos para
fosse que nem São Paulo, que no mínimo já fos- eu escrever as respostas. Mas as perguntas já
se um decreto/portaria, porque não é, Campinas não davam muito espaço para gente dizer “olha,
é um protocolo. Quer dizer, se eu tiver um gestor não é bem assim que eu enxergo a coisa”. Antes
que resolve que isso não é a melhor saída, ele de responder, eu liguei, tentei contato com a
- parte 2
pode simplesmente chegar lá e tirar do site o profissional que tinha me enviado o questioná-
e desastres
protocolo e falar, “não precisa mais usar”. Tudo rio, e a gente até teve uma conversa breve pelo
bem que vai ter reação da rede, vamos ter de telefone, ela falou, “não, mesmo assim, responde
e enfrentamento
brigar, não vamos aceitar isso, mas é possível, e me encaminha, porque a criança está tentando
Psicologia em emergências
porque é um documento, é um protocolo. Então, vaga no serviço, tal”, ainda era uma coisa muito
já vimos fazendo uma discussão com a Secre- incipiente. E ela falou, “me responde e, a partir
taria de Saúde há pelo menos um ano e meio, disso, a gente continua conversando”. E eu fa-
de transformar esse protocolo num decreto, no lei, “venha na escola, por favor, ou me chame aí,
e medicalização
ela em si. Então, fui falando coisas que eu tinha
dido Ferreira, eu era a única funcionária pública
sobre ela; tinha um monte de coisa para rela-
do SADA. Quando a gente tem as questões do
Cadernos Temáticos
tar mas o questionário não me dava espaçosu-
Cândido, que todo mundo que é de Campinas
ficiente para fazer, mas eu fiz mesmo assim e
sabe que a gente precisou demitir muitos pro-
entreguei para ela. Nunca mais ouvi falar dela.
fissionais ou realocá-los em outros espaços,
Patologização
Então assim, é muito pontual, não é? Porque a
eu perdi três colegas de trabalho, e elas foram
gente sabe que o serviço é sufocante mesmo.
substituídas por profissionais do concurso. E
Então eu não sei nem dizer, “ah, ela leu meu re-
quando se recebe profissionais do concurso,
latório e não quis me responder”, não se trata
não se escolhe perfil, e recebemos profissio-
disso, mas o fato é que eu tentei esse contato
nais de formação biologizante/medicalizante.
nessa qualidade, nesse tipo de contato e não
E isso foi uma briga. Fiquei um ano no serviço
resultou em nada. Então, esse relato já é meio
tentando fazer essa discussão. Então, cansei
- parte 2
Fran, podia falar também, porque essa foi uma te: não usar nunca mais do que dois anos. Então,
e desastres
dúvida que a gente teve logo que o protocolo foi porque a gente sabe, isso é mais do que compro-
implantado, e você fez um levantamento, não foi? vado, que tem repercussões bastante importan-
e enfrentamento
Conseguimos um levantamento na vigilância far- tes. E uma repercussão nacional, graças ao Paulo
Psicologia em emergências
macêutica, assistência farmacêutica dos outros Bonilha que também é daqui, que estava lá na co-
medicamentos e não tinha aumentado. Então, ordenação da Saúde da Criança e do Adolescente
achamos que até tem de rever isso, pedir esses do Ministério da Saúde, e que teve esse documen-
dados de novo, mas, no geral, não teve isso, tá? to que foi encaminhado para todos os municípios
e medicalização
outros. E aumentar nos outros, as outras drogas
questões. Primeiro é externar a minha preocupa-
psicotrópicas, especialmente Risperidona, chama-
ção. Porque eu acho que nós estamos entrando
Cadernos Temáticos
ria atenção na vigilância, na assistência farmacêu-
num quadro político muito pior do que o que nos
tica, não é? Vamos refazer o levantamento; é algo
antecedeu. Acho que é importante falar, até nos
que precisa ser visto com um pouco mais de cuida-
Estados Unidos estão conseguindo eleger os
Patologização
do e de saber também que medicamento é esse, o
indivíduos mais fascistas possíveis. Elegeram o
que é que está acontecendo.
Dória em São Paulo, elegeram o Trump nos EUA,
E também, acho que é uma coisa importante enfim, faces das mesmas moedas. Eu estou ven-
de destacar: a gente espera que o NAAPA conti- do as manifestações do Doria e estou vendo um
nue, assim como Braços Abertos continue, a gente desejo muito grande de desconstruir, assim como
espera que o protocolo de Metilfenidato continue eu vi em Curitiba o Rafael Greca, que foi eleito fa-
em Campinas, que a portaria do Metilfenidato con- lando que vai fazer uma perseguição inclusive aos
- parte 2
ponto de vista do campo político, não tão pro- que têm esse período e que para revogá-los, não
e desastres
gressistas, mas também não tão conservadoras, é tão simples assim. A política do NAAPA é pauta-
para que a gente vá promovendo os nossos espa- da e está ancorada no Plano Municipal de Educa-
e enfrentamento
ços de multiplicação; não vou nem chamar de re- ção com as demandas que estão ali identificadas
Psicologia em emergências
sistência, de multiplicação dessa agenda. Eu acho como metas que a prefeitura precisa alcançar, no
que essa é uma tarefa que está no horizonte de caso da educação. Então, eu ontem fui na Câmara
curto prazo aí para essa equipe, para essa turma, Municipal de São Paulo que também teve uma co-
que é garantir que os frutos dessa experiência memoração lá em relação a esse dia municipal. Foi
e medicalização
Agradeço mais uma vez o convite de estar aqui e
acho que nós que assumimos temporariamente os
na mesma luta contra a medicalização da educa-
cargos de gestão público, que bom, a vida é pas-
Cadernos Temáticos
ção, da sociedade, da vida. É isso.
sageira, e os lugares que nós ocupamos também.
Agora, penso que, quando você está na gestão Francielly: Só para retomar a pergunta da
pública, acho que a responsabilidade e o compro- Helô. A gente pode solicitar esses dados, por-
Patologização
misso ético e político, e sem algum outro tipo de que atualmente, eu trabalho no Centro de Saú-
lobby e interesse, ele é importante para pensar de, sou farmacêutica de um Centro de Saúde.
naquilo que nós fazemos em relação aos direitos Eu não consigo ter acesso aos dados do muni-
que estamos defendendo. E acho que esses ins- cípio, só quem tá na gestão é que consegue ver
trumentos de resistência e de luta são instrumen- esses dados. Mas é possível a gente solicitar.
tos legais e que foram intencionalmente pensados Eu espero que não tenha aumentado o consu-
desde o primeiro dia que nós assumimos a gestão. mo dos outros medicamentos, é uma torcida
Bom dia a todas e todos. Quero agradecer a Movimento Despatologiza, mas também temos
todos que se interessaram a discutir conosco ações em Santos, Ribeirão Preto, São José do
essa temática da medicalização. Também agra- Rio Preto, Vale do Paraíba, Bauru, Sorocaba. São
decer aqueles que colaboraram e compuseram subsedes que estão promovendo debates, ro-
junto comigo esse evento, que são as conse- das de conversas, mesas como essa, enfim, no
lheiras e os colaboradores do NEM, os membros sentido de democratizar o diálogo acerca desse
da Comissão Gestora Metropolitana, Magna, o tema, desmistificando esses pretensos benefí-
Alexandre e o Rodrigo Toledo, que não está aqui cios da medicalização e alertando para os riscos
também, mas também foi um dos que colabo- dessa prática. Essa é a nossa intenção: poder
rou, e a Brisa. Então são as pessoas que estão propor momentos como esse.
na organização, além do pessoal de eventos, da
A medicalização e a patologização da vida
comunicação, da secretaria e os demais funcio-
formam um crescente movimento e sua potên-
nários que nos estão apoiando. Dito isso, queria
cia e proporção reposicionam a psicologia como
compor essa mesa de abertura chamando Ja-
um constante enfrentamento contra as tantas
queline Kalmus, representante do Fórum sobre
padronizações, homogeneizações e mercantili-
Medicalização da Educação e da Sociedade. É
zações da vida que, na realidade, sabemos que
também professora da Escola de Artes, Ciên-
visam silenciar e ocultar sofrimentos, conflitos e
cias e Humanidades da USP.
diferenças. Há duas semanas, eu ouvi uma frase
Esse momento é bastante importante para que me marcou bastante, dita pela Michele Oba-
nós, porque é comemorativo do dia estadual e ma: “não queremos gente que transforme nossas
municipal de luta contra a medicalização, dia 11 diferenças em problemas”. Infelizmente não foi o
de novembro. O dia municipal ocorre há cinco resultado que eles obtiveram, não é? Mas, repre-
anos, na cidade de São Paulo, e o CRP e o Fórum senta o nosso lema: não queremos gente que
vêm participando juntos promovendo eventos transforme nossas diferenças em problemas.
nesse dia. Temos também o primeiro ano do dia E reafirmo que este Conselho vem sustentan-
estadual, um ano de vida da lei estadual de luta do uma psicologia que valoriza uma concepção
contra a medicalização, o que é para nós uma de Homem como um ser crítico e social, plural e
grande conquista. E comprometidos com a cau- ao mesmo tempo singular, que pede um profis-
sa, o CRP em parceria com o Fórum realiza esse sional psicólogo, ético, político e que combata
evento num caráter transversal. O CRP vem unin- a discriminação e a desigualdade. E isso se faz
do esforços no sentido de potencializar essa fundamental, nos tempos atuais, haja visto tudo
comemoração. Assim, neste ano, fizemos uma o que estamos vivendo, pois além de estarmos
campanha mais regionalizada com as subsedes. imersos em uma cultura em que o fenômeno da
Teremos evento em Campinas, que é um lugar medicalização está disseminado por toda a so-
também bastante presente nessa questão da ciedade, estamos vivendo tempos sombrios de
medicalização e da patologização, porque tem o ameaça aos direitos sociais.
Quero dizer que o Conselho não se cala bre medicalização e outras. Essa é uma cartilha
53
diante de todas as situações que exigem posi- popular, que vai dialogar diretamente com qual-
cionamento político, combate ao desmonte de quer pessoa de qualquer serviço, mas também
políticas públicas que tem como alvo a perda de elabora outras referências técnicas que tam-
direitos e que luta incessantemente pelos prin- bém pautam o nosso trabalho como psicólogo.
cípios da democracia duramente conquistados O Conselho vai apoiando outros documentos
- parte 2
e atualmente ameaçados. Então ressalto que que foram produzidos, como as Recomenda-
e desastres
essa é uma das funções do Conselho Regional ções do Conanda, protocolos que foram criados
de Psicologia. E por conhecer a complexidade aqui na cidade de São Paulo sobre a dispensa-
e enfrentamento
do fenômeno da medicalização e por saber que ção do metilfenidato, no qual o Conselho atuou
Psicologia em emergências
essa temática tangencia diversas áreas nas no sentido de promover e favorecer a constru-
quais nos debruçamos cotidianamente, como ção desses documentos. O CRP também apoia
estudantes, como pesquisadores, como psi- eventos nessa temática, além de produzi-los,
cólogos, docentes, o Conselho vem atuando como aqui temos realizado. Então, a proposta
e medicalização
ção e da desmedicalização da vida. O Conselho te passando a fala para a Jaqueline poder fazer
vem elaborando referências como a cartilha so- as suas considerações.
Cadernos Temáticos
Patologização
Cadernos Temáticos CRP SP
54 Jaqueline Kalmus
Representante do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade
e professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Bom dia. Bom, eu falo na condição de represen- em instituições totais, como presídios e insti-
tante do Fórum sobre Medicalização da Edu- tuições para adolescentes em conflitos com a
cação e da Sociedade. Agradeço o convite do lei e, ainda, nos manicômios em sua velha ver-
CRP. Vimos, nesses seis anos de existência do são, os hospícios, ou na sua versão mais atual,
Fórum, estabelecendo uma parceria bastante como as comunidades terapêuticas. Também
frutífera, de perto, nos bons combates. Então aparecem em sua face de exclusão branda no
agradeço. E fiquei pensando no título do even- trabalho precarizado, na escola precária e sem
to, A Luta Contra a Medicalização em Tempos sentido, na contenção química dos loucos e dos
de Ameaças de Direitos. Vou fazer uma pe- dependentes químicos, dos estudantes indisci-
quena fala de mesa de abertura, deixar que os plinados aos meninos e meninas em situação
colegas, que vão compor efetivamente a mesa de rua, dos trabalhadores sobrecarregados aos
de debate depois, entrem mais especificamen- desempregados aflitos. Esses tempos, tempos
te nas questões da medicalização a partir das sombrios, nos fazem um alerta: direitos nunca
diversas áreas, mas queria colocar algumas são consolidados, são construções provisórias
palavras a partir do tema. Quando pensamos que se materializam nos anseios e ações huma-
em luta contra a medicalização em tempos de nas. Como diz a velha canção, “é preciso estar
ameaça de direitos, fico pensando nessa di- atento e forte”. Nesse contexto, o fenômeno da
mensão, o tempo em que vivemos. Tempos de medicalização ganha força.
crescente criminalização do protesto e dos
movimentos sociais. E, então, estou ressaltan- O que o fenômeno da medicalização reve-
do que não somente estou falando de repres- la sobre a sociedade atual em geral e sobre a
são policial, que aliás, não é contingencial, haja realidade escolar em particular? É essa pergun-
vista a repressão da população preta, pobre ta que eu me faço e acho que os meus colegas
e periférica, que não é recente, mas histórica, vão responder. E, então, eu faço um convite para
mas também da criação de uma lei antiterro- olharmos para o passado. Olhar para o passado
rismo que facilmente converte aqueles que cla- nos ajuda a compreender o presente. E vamos
mam por mudanças em terroristas. Tempos de pensar num primeiro momento em que tivemos
forte ataque a direitos sociais frutos de lutas uma grande onda medicalizante, entendendo a
empreendidas por aqueles que historicamente medicalização como um processo reducionista,
têm a sua condição de cidadania negada, mas que transforma questões sociais em questões
que teimam cotidianamente em conquistá-la. individuais biológicas. Nós tivemos um primeiro
Tempos de silenciamento em que, por exemplo, grande processo de medicalização na década
tenta-se implementar planos de educação sem de 1960 e na virada para a década de 1970. O
gênero e escola sem partido, que, na verdade, que acontecia no mundo nesse momento? Es-
são escolas de pensamento único. Tempos em távamos vivendo um momento de Guerra Fria,
que processos de exclusão em um país desi- Guerra do Vietnã, países do Cone Sul com di-
gual como o Brasil têm sua face mais visível taduras civis militares. Ao mesmo tempo em
que isso ocorria, tínhamos um grande nível de tomadas apenas a partir da perspectiva do indi-
55
contestação, Movimento Hippie, Movimento víduo isolado que passaria a ser o único respon-
Feminista, Movimento Negro, Maio de 68 na sável por sua inaptação às normas e padrões do-
França, luta contra ditaduras na América do Sul, minantes. A medicalização é terreno fértil para os
movimentos por independização da África. En- fenômenos da patologização, da psiquiatrização,
tão, vivemos um momento bastante repressivo, da psicologização e da criminalização, das dife-
- parte 2
com muito autoritarismo e contestação a isso. renças e da pobreza. Entre tantos segmentos so-
e desastres
E é interessante notar que é neste momento ciais estigmatizados os maiores alvos de violên-
em que temos uma primeira onda medicalizan- cia nesse país, não apenas de estado, figuram os
e enfrentamento
te com força, que ocorre a sugestão para que que mais sofrem os processos de medicalização,
Psicologia em emergências
a violência nos guetos estadunidenses fosse são estudantes que não se adaptam aos proces-
controlada através da psicocirurgia, vale dizer, sos de uma escola sucateada, visto como incapaz
lobotomia. Isso traz algum elemento para gente de aprender e obedecer regras sociais; são jovens
entender o processo de medicalização. Quais negros moradores de periferias urbanas tratados
e medicalização
alguns apontamentos muito rápidos. Em termos sindrômicos; são desempregados ou indigentes,
de continuidade, podemos pensar no aprofun- invisíveis ou supervisibilizados, jamais prontos ou
Cadernos Temáticos
damento da lógica individualizante do proces- já ultrapassados, em um mundo de desemprego
so de mercantilização e da conversão em mer- estrutural que insiste em afirmar a meritocracia.
cadoria para as distintas esferas da vida. Isso Bom, a lista é extensa e faz pensar que a medi-
Patologização
vem, inclusive, no aumento de poder da indús- calização tem muitas faces, todas elas guardan-
tria farmacêutica. Mas há uma outra dimensão, do relação com uma forma de organização social
que é começarmos a nos perguntar também eminentemente coisificadora que converte tudo e
sobre algumas esferas onde a medicalização é todos em mercadoria”.
muito forte, como a escola. Quais são os signi-
ficados que a escola passa a ter na atualidade? Nesse sentido, mais do que nunca, cabe
Acho que a Bia (Beatriz de Paula Souza) vai en- ocupar espaços, resistir e inventar formas de
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Bom dia. Quero compartilhar algumas ideias que térias serão entupidas e eu morrerei algum dia,
já venho discutindo sobre processos de medi- como se não fossemos morrer todos.
calização, não apenas na assistência social,
Pois bem, esse processo, então, de medi-
muito atravessado por algumas ideias bastante
e medicalização
potentes, tanto de autores internacionais, sou
de vidas mais produtivas, vidas mais lucrativas,
um foucaultiano apaixonado, mas também de
Cadernos Temáticos
lembrando aí, à luz de Deleuze e Guattari, que,
autores brasileiros que me inspiram naquilo que
no mundo capitalista, o que mais gera lucro é
eu vou dizer aqui. Assim, destaco Biancha Ange-
a subjetividade. É isso que interessa ao capital.
lucci, Cida Moisés, Cecília Collares como grandes
Patologização
Isso posto, queria entrar propriamente nas dis-
inspiradoras para o meu pensamento. Quero di-
cussões; nessa, talvez, instável articulação en-
zer que tomo o processo de medicalização como
tre medicalização e a Política de Assistência So-
um processo que faz com que encaremos a vida
cial. Só para dizer que fui trabalhador do SUAS,
sempre na chave saúde e doença, em que tudo
já há alguns anos, sou pesquisador do campo e
aquilo que nos passa, vamos querer entender a
venho trabalhando intensamente na formação
partir desse binômio. Um processo que vem indi-
de equipes e de trabalhadores também desta
vidualizar aquilo que nos acontece, um processo
- parte 2
mulher entende não querer ser mãe, não que- tas coisas, e a partir do momento que ela não
e desastres
rendo engravidar, querendo abortar ou aban- dá, porque é impossível de dar, ela é entendida
donando o seu filho. De tal forma, que se nos como uma família em vulnerabilidade, justifican-
e enfrentamento
lembrarmos do menino Ítalo, aquele menino com do diversas estratégias de gestão da vida des-
Psicologia em emergências
superpoderes: ele tinha nove anos, roubou um sas famílias. Famílias pobres, claro. Famílias que
carro na zona Sul de São Paulo, dirigiu o carro, são, de alguma forma, subsidiadas pelo Estado
mesmo sem alcançar os pedais, acelerava e ati- Brasileiro, por enquanto, porque isso vai acabar.
rava para fora, power o menino, não é? E foi exe-
e medicalização
homens abandonem seus filhos, não pergunta- Marcela Temer, a nossa primeira dama ilegítima.
mos onde estava a escola, o Conselho Tutelar, Marcela Temer surgiu, no seu primeiro discurso,
Cadernos Temáticos
a UBS e por aí vai, nem o CRAS, mas pergunta- falando de um programa, do programa social
mos onde estava a mãe. E me parece que essa Criança Feliz. O Programa Criança Feliz é anun-
ideia, então, vai ser absolutamente central na ciado como carro-chefe da Política de Assistên-
Patologização
organização da Política de Assistência Social, cia Social brasileira no atual governo golpista,
que passa a atender famílias visando a pro- em que se pretende a contratação de cerca de
dução de uma infância mais cuidada, mas que 80 mil visitadores domésticos que vão visitar as
também visa a produção de sujeitos adultos casas dos pobres, pobres esses que recebem
mais interessantes para o mundo em que vive- o Bolsa Família, para receberem instruções so-
mos. A Política de Assistência Social, apesar de bre como devem criar as suas crianças. Ela diz,
nos seus primórdios não ter uma atenção diri- “cada brasileiro”, e acho que ela fala, “cada bra-
- parte 2
da Educação e da Sociedade e da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional,
e desastres
ABRAPEE. Homenageada na Câmara Municipal de São Paulo com o Voto de Júbilo e
Congratulações por profissionalismo, dedicação, empenho e sensibilidade pela causa pública.
e enfrentamento
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento
Temos uma plateia bem diversificada. Bom, psicólogos, porque um psicólogo pode ter uma
vou falar a partir exatamente de uma interfa- atuação que seja medicalizante, ou seja, que
ce entre os dois campos que estão mais pre- também escamoteie funcionamentos institu-
sentes aqui, a saúde e a educação, porque já cionais, por exemplo, dizendo que a questão
e medicalização
há anos venho desenvolvendo um trabalho de é um problema do indivíduo ou, no máximo, de
atendimento psicológico a queixas escolares. sua família, que é uma coisa que, no âmbito das
Cadernos Temáticos
E lá, no Instituto de Psicologia, temos podido questões escolares, acontece muito.
desenvolver essa maneira de atender que tem
Sabemos o quanto escolas, que têm fun-
como princípio ir na contramão da medicaliza-
Patologização
cionamentos adoecidos e adoecedores, produ-
ção. Quer dizer, começamos a partir de uma sé-
tores de fracasso e de sofrimento em massa,
rie de pressupostos de que a psicologia que se
têm culpabilizado famílias e crianças por ques-
pratica nos atendimentos psicológicos a quei-
tões que estão nos funcionamentos escolares.
xas escolares, que não são poucos, respondem
E a partir da medicalização o que estamos ven-
por cerca de 70% da demanda infanto-juvenil.
do é que esse âmbito da família, inclusive, se
Isso é dado recorrente nas UBS. Não sei se isso
restringe porque corta-se a questão das rela-
não cresceu, porque os últimos dados que eu
Bom, fico aliviada que os que me precede- Estamos falando também de questões
ram já falaram bastante a respeito do concei- de psicologização e questões que vão para o
to de medicalização, porque acho que é muito âmbito dos profissionais de saúde em geral. Eu
importante estarmos de acordo com relação acho que os meus companheiros que me ante-
ao que estamos falando, certo? Só retomando, cederam falaram bastante a respeito de que a
uma individualização de questões que são de gente não está falando só de uma questão de
ordem coletiva, social, institucional e que, muito dinheiro, mas a questão de dinheiro não é pe-
importante, não se restringe ao âmbito da me- quena e desprezível. Temos dados conseguidos,
dicina, esse é um termo que tem uma tradição, via Fórum e via literatura, por exemplo, sobre as
foi cunhado pelo Ivan Illich, e é usado interna- vendas dessa substância que tem sido muito
cionalmente. Usamos esse termo, mas, na ver- receitada também nas escolas, que é o metilfe-
dade, estamos falando de um entendimento e nidato, as marcas comerciais mais conhecidas
um mecanismo que diz respeito também a nós, são a Ritalina, o Concerta e o Venvanse.
O nível de crescimento de vendas, de 2000, ou calmante para aguentar as condições de tra-
62
71 mil caixas no Brasil, vamos para 2012 com um balho e, assim, tudo fica como está; (c) a velhi-
milhão quinhentas e onze mil caixas. Então não ce; (d) a estética; (e) o parto; até a linguagem
estamos falando de pouco dinheiro. A questão cotidiana está patologizada, não falamos mais
da mercantilização não é desprezível. Eu não sei que estamos triste, falamos que estamos de-
se vocês sabem, mas a indústria bélica é a única primidos, que é uma categoria nosológica. Não
que supera a indústria farmacêutica em matéria falamos mais que somos agitados, falamos que
de poder e riqueza no mundo. Os donos das in- somos hiperativo. Temos de tomar cuidado com
dústrias farmacêuticas descobriram uma lógica a nossa linguagem, pois estamos alimentando
muito interessante: por que eles vão restringir o um pensamento medicalizante. Temos de fazer
mercado às pessoas doentes? Esse é um merca- uma autovigilância.
do pequeno, não é? “Então vamos convencer as
pessoas sadias de que elas são doentes. Vamos Orador não identificado: O Diazepam
inventar doenças, vamos ampliar o espectro dos agora é Compaz que chama.
diagnósticos para que caiba mais gente”, e temos
Beatriz: Ah, olha só! Eu nunca tinha pen-
um mercado muito maior, e estamos aqui as pes-
sado nisso, olha que bacana, no Concerta eu já
soas saudáveis sendo convencidas de que so-
tinha pensado. “Vamos vender felicidade”, “Com
mos doentes e precisamos, pelo menos, de um
paz”, “vamos consertar”.
complexo vitamínico preventivo.
Então, sutilezas no âmbito da educação.
Eu mesma percebi, por exemplo, que es-
Cada vez mais temos assistido essa individuali-
tava capturada por isso e pensei “mas eu não
zação das questões escolares que já vinha sen-
tenho deficiência vitamínica. Para que estou to-
do denunciado, estudado há muito tempo. Os tra-
mando vitamina cara?”. Este processo está nas
balhos da professora Maria Helena Souza Pato,
coisas mais sutis. E, como alguém que vem da
por exemplo, são da década de 70, 80. E está
educação, muito fortemente da educação, te-
havendo um recrudescimento imenso e mais gra-
mos nos preocupado muito com a questão do
ve, como mencionado, porque agora as questões
metilfenidato. Vejam o que acontece, quando o
nem são mais as famílias, são os indivíduos mes-
Fórum faz um levantamento de psicotrópicos,
mo, eles são doentes. Temos visto isso lá nos
a partir de informações que vieram da Anvisa:
atendimentos. Estou muito preocupada, porque
Rivotril, em 2007, 425 caixas. Vai para 4.769.000
há cinco anos estava assustador, mas consegui-
em 2013. Já é o sexto remédio mais vendido no
mos pautar com a organização de movimentos
Brasil, mais que Buscopan. Mas não é só a ques-
de denúncia da medicalização, e o Fórum teve um
tão mercantil que nos preocupa. A medicaliza-
papel fundamental nisso, denúncias de medicali-
ção tem muitas outras funções, que são mais
zação. O que eu pude perceber, nos contatos com
sutis. E, dentre elas, nitidamente a de paralisar
as famílias e com as crianças, é que o ponto de
e ajustar aquilo que questiona o status quo. Há
interrogação estava plantado, as pessoas esta-
vários mecanismos para isso; um deles, é a lei
vam começando a ficar com um pé atrás, não era
da mordaça, no âmbito da escola, a escola sem
mais aquela desconfiança quando falávamos da
partido. Outro mecanismo é a desqualificação
não existência do TDAH ou da dislexia, como se
daqueles que questionam, ou abertamente ou
estivéssemos questionando a existência da gri-
pelo comportamento. Sem nem mesmo ter cons-
pe. Foi possível perceber que isso tinha amaina-
ciência daquilo a que se está reagindo, você
do. E recentemente eu tenho percebido que está
desqualifica e cala com uma mordaça química
de novo tendo um crescimento das crianças que
ou psicológica, “ah, ele que é imaturo, é uma ima-
já chegam laudadas, de uma dificuldade maior de
turidade, é um problema de família”. Essa é uma
fazer com que as famílias se perguntem se pode
outra função não tão evidente. Nós, psicólogos,
haver alguma dúvida a respeito. Então eu estou
temos sido muito convocados a exercer essa
meio assustada com o que, nesse último ano es-
paralisação, essa desqualificação, essa manu-
pecialmente, tenho visto. Tenho impressão que
tenção do status quo pela via da medicalização.
isso se fortaleceu recentemente junto com toda
Existem vários campos medicalizados: (a) essa onda conservadora. Acho que não à toa que
direitos de crianças e adolescentes; (b) o âmbi- está coincidindo. Assim, para mim, é nítido que a
to do trabalho, muitos trabalhadores que para onda de pensamento conservador se tornando
trabalhar estão tendo de tomar antidepressivo, forte do jeito como ela se tornou esse ano, isso
tem reflexos imediatos na medicalização. Eu vou todos do campo progressista. E eu acho que é
63
direto para algumas questões que tenho visto de importante nós, como psicólogos, percebermos
como as perdas de direitos que estamos assis- como é que nós entramos nisso. Nós, psicólo-
tindo, porque temos ameaças de perdas e temos gos, estamos sendo pressionados, inclusive, a
perdas já efetivas de direitos. entrar nessa medicalização. Eu tenho percebido
o quanto nossa categoria tem sido pressiona-
Como é que estamos vendo isso acon-
- parte 2
da a fazer especialização em neuropsicologia.
e desastres
tecer no âmbito da educação e como que isso
Nada contra estudar neurologia. Mas o que é
abre frente para uma ampliação da medicali-
essa pressão? Eu tenho escutado, “olha, se a
e enfrentamento
zação? Estamos vendo, com a PEC, um desin-
gente não faz isso, fecha muito o mercado de
vestimento em educação, que mal começou.
Psicologia em emergências
trabalho, então amplia muito o mercado de tra-
Estamos vendo o comecinho, quero ver daqui a
balho você fazer especialização em neuropsicolo-
dois anos como é que isso estará. Esses con-
gia”. Agora, vamos ver como são os programas
servadores que venceram a eleição agora nem
desses cursos de neuropsicologia; são todos
e medicalização
governo, das bolsas, do Fies. O curso já não era desse jeito na escola, abandonado pedagogica-
bom e está virando um lixo. Então, o que já era mente, humilhado porque não sabe ler e escre-
Cadernos Temáticos
ruim, piorou sensivelmente, e sabemos que com ver direito em séries avançadas. Tem impactos
essa piora na qualidade de ensino, a tendên- dramáticos sobre a subjetividade, sobre a ima-
cia é a medicalização. Quer dizer, a loucura que gem de si próprio. Não estão vendo se essas
Patologização
abate sobre os professores é medicalizada e os pessoas estão sofrendo de racismo, de bullying
alunos, em massa. Estamos num governo que dentro da escola. Não tem nada disso nesses
claramente favorece o grande capital. E dentro testes e nessa maneira de diagnosticar. Preci-
disso, em especial, a indústria farmacêutica. Te- samos tomar muito cuidado com isso, pois afe-
mos tido grandes embates com a indústria far- ta diretamente a nossa categoria.
macêutica que, por exemplo, no legislativo, se
Esses padrões conservadores que estão
traduz na aprovação de leis medicalizantes. O
sendo propalados, como os excelentes exem-
Primeiramente bom dia. Queria agradecer o convite Desse modo, escolhi minha fala, pensando a
do CRP, do Fórum para participar aqui dessa mesa. luta contra a medicalização e pegando um gancho
Antes de começar só queria fazer um comentário da fala inicial da Jaqueline, a luta também se faz
que foi provocado pela palavra que o nosso colega na resistência, Assim, queria trazer um pouco da
trouxe sobre o Compaz. Temos também o Concer- experiência da Loucos Pela X como um processo
ta que parece ser menos sutil, só que não é menos da desmedicalização; como também vamos crian-
sutil e é muito perverso. Porque o “concerta”, do do linhas de fuga, como é que os coletivos vão res-
jeito que pensamos para resolver um problema é pondendo a esse processo mais individualizante. E
com S; o com C traz um pacto harmonioso, que são esse processo traz consigo as questões da medi-
os concertos, então tem uma sutileza nessa ques- calização na saúde. Mas antes de entrar na ques-
tão que é para que todo mundo funcione igual e tão da trajetória desse empreendimento, vou re-
a diversidade se exclua completamente. Tem, en- tomar só algumas coisas que a medicalização nos
tão, uma sutileza perversa nessa história, nesses aponta. Também na sua fala inicial, Jaqueline traz
processos da medicalização, que é: em nome de a ideia do conceito de saúde como esse completo
se consertar, se ensina errado o C com o S, faz um bem-estar, que é bem utópica, quase inalcançável,
desfavor, mas, ao mesmo tempo, propõe esse pac- e que, no primeiro momento, até pareceu que ia
to harmonioso, em que a diferença não pode caber ampliar o olhar do que é saúde para o binômio saú-
onde todos temos de tocar no mesmo tom sem de e doença. Vamos olhar para questão da saúde,
desandar, sem a diferença ou a diversidade caber. que hoje vemos que não ampliou e talvez tenha
Era só uma provocação assim, porque isso foi me retrocedido, porque quando identificamos saúde
provocando. como bem-estar, numa lógica simplista, todo o
mal-estar vira doença. Então todo mal-estar, todo
Os que me antecederam falaram bastante
incômodo fica proibido de ser vivido. Assim, o que
sobre esse conceito da medicalização, então não
é próprio da vida, os mal-estares, é impossibilitado
vou me ater a ele. Quero falar um pouquinho da mi-
de ser vivido, não é?
nha trajetória. Trabalhei em serviço de saúde men-
tal em Guarulhos, aqui em São Paulo; atualmente Mal-estar fica sinônimo de adoecimento,
estou como coordenador do Empreendimento como se pudéssemos viver o tempo todo em bem-
Econômico Cultural Solidário, que é a Loucos Pela estar, como se o mal-estar fosse algo não próprio
X, o qual vou retomar um pouco mais para o final; da vida. Acho que, como o Luis trouxe, ele optou
e também estou na educação permanente, tanto por ter insônia nessa noite, como se a insônia ou
aqui na cidade de São Paulo com profissionais da o mal-estar de não poder dormir fosse sinônimo
rede num programa do Rede Sampa, mas também de adoecimento e não próprio da vida, de incômo-
no interior. Lá tem um programa da DRS 10 de 26 dos ou de reflexões que ele queria trazer aqui hoje.
municípios para pensar também a capacitação dos Acho que isso é uma decorrência desse conceito
profissionais e supervisão dos serviços de saúde, que a saúde vai propondo, identificamos o mal-
no processo de formação de trabalhadores. estar como doença.
Uma outra decorrência desse processo valor, era comum entre as crianças, ao saírem
65
da medicalização, como foi sendo trazido é, ao da escola, apedrejarem a casa dessas senho-
mesmo tempo, em que individualizamos a ques- ras. Até foi feito um abaixo-assinado para que
tão e trazemos para o sujeito o problema da elas pudessem sair da cidade.
doença, também desapropriamos esse sujeito
A Jaqueline traz a questão dos direitos
de dar as próprias respostas para esses proble-
consolidados; no transtorno mental, mais es-
- parte 2
mas. Então, a culpa é do sujeito, mas não é o su-
e desastres
pecificamente, esses direitos nunca chegaram.
jeito que tem a resposta para resolver o que ele
Nunca conseguimos consolidar efetivamente
tem, quem resolve são os especialistas. Assim,
e enfrentamento
direitos e esse filme mostra que até o direito
ao mesmo tempo que falamos que o problema
básico de morar na sua própria casa é questio-
Psicologia em emergências
é da criança que não sabe aprender, a própria
nado. E como esse discurso é apropriado por
criança não pode fazer nada para aprender,
essa cidade para excluir esses sujeitos, vali-
quem vai fazer alguma coisa são os especia-
dando a exclusão dessas duas senhoras. É um
listas, e cada vez mais é a neurologia que vai
e medicalização
tão, para além da saúde e da doença, temos al-
Ao desapropriarmos esse sujeito, desa-
guém que tem o conhecimento, sendo médico,
propriamos qualquer outro tipo de conhecimen-
Cadernos Temáticos
psicólogo, qual categoria for, e um cliente a ser
to para se responder, a não ser o biomédico, ou
tratado. É isso que encontramos nas relações
das práticas afins da saúde, esse discurso do-
da saúde privada, mas também atualmente nas
minante da saúde.
Patologização
relações da saúde pública com os convênios de
O que o Luís trouxe em relação à impor- gestão das organizações sociais, onde o váli-
tância do conceito, como o discurso da saúde do é a produtividade, não tem mais sujeito ali, o
dominando a questão da assistência, a ques- que vale é um número e um procedimento a ser
tão da educação, tudo isso fica sendo respon- validado e a ser computado.
dido por essa questão da saúde. Então o que
Assim, temos clientes a serem cuidados,
era para ser um adjetivo vai se tornando um
em uma cidade, não é uma relação mais de su-
- parte 2
seu e não como algo em que você está de favor
e desastres
como o projeto de maior inclusão social, pelo
ou de passagem? Esse mundo é nosso e somos
carnaval, do país. Por mais que tenhamos esse
nós que temos o direito e a possibilidade de
e enfrentamento
reconhecimento, que tenhamos escolas que
transformá-lo via nossa alegria e felicidade. Era
contratam o nosso serviço, esses sujeitos só
Psicologia em emergências
essa a fala que eu queria trazer e abrir aqui.
começam a se ver em outro lugar como traba-
lhadores, como podendo ter o direito a traba-
lhar de alguns anos para cá. Isso porque quando
e medicalização
ença e não pela diferença da potência, não é?
Cadernos Temáticos
A Loucos pela X vem mostrar como é que
trabalhamos a diferença na potência e não a di-
ferença nesse sentido do consertar todo mundo
Patologização
harmonioso. É perigoso quando agimos no sen-
tido “vamos lá ver quem são os disléxicos para
poder fazer uma sala especial”. Esses sujeitos
serão reconhecidos a vida inteira como isso e
o que essa doença toda traz: não vai conseguir
ler; não vai conseguir fazer cálculo; vai ter de se
submeter a profissões ou cargos de menos valia
Gostaria, antes de começar a minha fala, lem- responde à inflação real, porque a medida des-
brar que amanhã, 20 de novembro, é o Dia Na- sa inflação oficial toma como referência alguns
cional da Consciência Negra. Quando nós fala- componentes da cesta básica, mas não toma o
mos em perdas de direitos e recrudescimento preço do combustível, o preço da luz, o preço
da violência de estado, precisamos lembrar que da água, certo? Coisas que são vitais. Não dá
o povo negro também nunca acessou plena- para você falar assim, “daqui para frente não vou
mente os seus direitos e é vítima privilegiada mais consumir água”. E isto não conta no cálculo
do Estado e do Estado policialista. da inflação. Então, isto é perverso exatamente
porque de fato estaremos gastando menos e
Sou da educação, sou da Faculdade de não mais, investindo menos e não mais.
Educação da Unicamp; minha ascensão é híbri-
da na psicologia escolar e na psicologia social, E o que são as despesas primárias?
e atualmente sou muito grata à psicologia so- Saúde, saúde pública, e aí está o SUS com
cial, que me ajuda a entender um pouco os nos- todo o seu âmbito de abrangência, estão as
sos tempos. Hoje a minha tarefa é, ouvindo um pesquisas na área de saúde, não é só o aten-
pouco as discussões sobre a medicalização em dimento no posto de saúde, nos serviços de
diferentes campos, pensar a medicalização a atendimento; estão as pesquisas na área, está
partir do momento em que vivemos. E eu fiquei o financiamento da Fiocruz, por exemplo. Está
pensando nas políticas para o Brasil, para esse a própria Anvisa. São investimentos que afe-
novo velho projeto de Brasil. tam diretamente os direitos da população em
Vou partir da PEC 241, agora no sena- geral. Até quem acha que não vai ser afetado
do PEC 55, porque ela, hoje, faz parte de uma porque paga o plano privado de saúde, vai ser
grande engrenagem, sendo a materialização de afetado. Todos nós vacinamos os nossos filhos,
alguns elementos dessa grande engrenagem. fomos vacinados. Os direitos mais elementares
Ela significa o congelamento de despesas pri- no campo da saúde estarão afetados, além da
márias por 20 anos para o Brasil. saúde pública, gratuita.
- parte 2
incidir em políticas públicas de família e trazer Quantos nós somos hoje? 206 milhões. Quantos
e desastres
uma perspectiva de assistência social modulan- seremos em 2036, daqui a 20 anos? 240 milhões.
te, que vai dizer para o sujeito como é que ele Isso significa que, para que a PEC não tivesse
e enfrentamento
tem que criar o seu filho, se aquilo é uma família. os efeitos nefastos que terá, o Brasil precisaria
Psicologia em emergências
Isso também afeta o Bolsa Família, obviamente, parar agora de nascer mais uma criança, nenhu-
e outras políticas sociais. ma criança poderia mais nascer. Segundo o IBGE,
nasce um novo brasileirinho ou uma nova brasi-
Afeta o funcionalismo público e a possi-
leirinha a cada 20 segundos. Entretanto, nós fun-
e medicalização
mas é preciso rever os gastos públicos, é preciso que voltaremos.
gastar com responsabilidade, o país está quebra-
Falando mais exclusivamente da educa-
Cadernos Temáticos
do, o estado de São Paulo está quebrado, a cidade
de Campinas está quebrada”, está tudo quebrado. ção, vemos aqui os contornos de uma educa-
“A universidade está quebrada.” Precisamos en- ção elitista, excludente e alienada, com as res-
Patologização
tender o que a PEC deixa de fora. Quando pen- trições às universidades públicas, restrição de
samos em “ah, vamos rever os gastos públicos”, expansão, restrição de quadro de pessoal. Uma
que gastos são esses? Com quem são esses flexibilização determinada pelo Governo Fede-
gastos? Precisamos entender com quem não es- ral agora para que as universidades reduzam as
tamos revendo, o que está fora da PEC. Os sub- suas vagas, restrição de financiamentos todos,
sídios às grandes empresas, com isenções, com Pibic, Pibid, bolsa produtividade, Capes, CNPq.
anistias; as grandes empresas deixam de pagar Restrição no novo ensino médio, que também é
- parte 2
É um projeto de subjetividades dóceis, felizes, os estudantes do ensino médio, dos institutos
e desastres
idiotizadas, conformistas, ignorantes políticos. federais e das universidades. Eles estão ocu-
pando, eles estão debatendo, eles estão fazen-
e enfrentamento
Por isso os projetos para a educação são do o que o mundo adulto não está fazendo. Os
tão importantes, por isso a mídia ganha tanto
Psicologia em emergências
estudantes cotistas estão nas universidades
dinheiro do poder público. Porque o que se es- para transformar e eles são uma força. E nós
pera é que sejamos felizes, estejamos confor- estamos aqui juntos. Eu acho que isso é hoje a
mados e sejamos bem ignorantes, como aquela nossa maior força, é o estar juntos para pensar.
e medicalização
ma, se você não está feliz, algo precisa ser feito perseguido pela ditadura, exilado e que criou
porque algo está errado em você, já que a feli- alguns personagens brasileiros importantes. E
Cadernos Temáticos
cidade tornou-se a palavra de ordem da nossa a Graúna, para mim, representa a juventude e a
vida novelizada. A medicalização torna-se uma irreverência. E a Graúna, um dia, numa charge,
estratégia, uma estratégia política perigosa. olhou para todos nós e viu uma esperança.
Patologização
Cadernos Temáticos CRP SP
72 Debate
Renato: Bom dia a todos e a todas, meu nome é Oradora não identificada: Infância.
Renato, sou psicólogo e atuo na atenção básica.
Renato: Ela tem infância, porque entra justa-
Quando chego na atenção básica, vou ver a mi-
mente no conflito com a concepção, por exemplo,
nha agenda e lá existem 110 crianças para serem
de criança, com a concepção estrutural, se eu pen-
atendidas. Eu olho aquilo, quase tenho um infarto
sar numa questão sócio-histórica da estrutura da
no momento e penso, “que tá acontecendo com a
sociedade com a concepção. Então, fico pensando
infância? O que tá acontecendo com a juventude?”,
o tanto que, na micropolítica, na relação ali com es-
é uma cena de horror. Dentro da atenção básica,
ses sujeitos há um limite e o limite é pelo diagnós-
faço parte do programa do PSE, que é o Programa
tico, o limite. Eu até brinco com eles, “ah, chegou o
Saúde do Escolar, e atuo com os professores. Che-
João”, o meu pensamento, o meu olhar, “chegou o
gando nas escolas eu ouço o discurso, “chegou o
João, então esse João... como vai ser a minha relação
psicólogo”, e eu fico questionando que tipo de psi-
com ele? Porque eu não consigo controlá-lo”, então
cólogo que eles querem ali na parceria. Com certe-
vai pela opressão. Só foi um desabafo, porque sou
za eles têm certo conflito no diálogo. Vou tentando
atravessado a todo momento na atenção básica
construir com os professores algo que eles pensa-
e acho que não tem um outro discurso a não ser:
ram, que talvez entre nesse discurso da medicali-
lutemos contra isso.
zação. Nas três escolas pelas quais sou respon-
sável, eles pediram o mesmo tema, que é “vamos Ariádine: Eu sou a Ariádine, de Unidade Bá-
falar sobre limite”. Vamos falar sobre limite então, e sica de Saúde, membro do fórum sobre medica-
eu falo sobre o limite da afetividade do professor lização da educação e da sociedade também e
com o aluno, do vínculo que não é formado. Para membro do GIQE. Infelizmente, o colega traz essa
ser breve e lançar nossa conversa, vou citar rapi- questão do horror do cotidiano. E vemos tantos
damente um trecho do Adauto Novaes. Então para profissionais como os usuários dentro dessa cul-
os gregos ele falava, “quem é bárbaro é quem não tura medicalizante, e de uma forma de ignorar toda
fala grego, quem está fora da minha cultura. Para o uma possibilidade de um outro modelo, um mode-
latino é bárbaro quem está fora da cultura romana. lo de relações, um modelo psicossocial. Eu tenho
Para o chinês é bárbaro todo mundo que não seja uma questão difícil. Eu acho que esse lugar de falar
chinês. Bem, o bárbaro é visto como não-civilizado”. da psicologia é um lugar que não é fácil. Quando
E ao trabalhar essa questão com os professores, colocamos para os usuários fazerem sua escolha,
eu penso que dentro de uma sala de aula existe serem protagonistas, é muito difícil ver que, na uni-
uma sociedade, existe um ser sócio histórico ali. E dade básica, eles chegam querendo agendamento
todo aquele que foge de um discurso, de um con- para a psiquiatria. E quando você conversa com o
trole que o professor não consegue ter sobre es- psiquiatra para fazer uma parceria, para fazer um
ses corpos, sobre essa primeira infância, é visto acolhimento integral, aí seu colega coloca, “não,
como bárbaro, é visto como aquele não civilizado. mas todos os casos são para a psiquiatria, todos
E o que eles pedem pra nós? O diagnóstico, “o que vão sair com o medicamento”. Então pensei essa
que essa criança tem?”. questão mais voltada para o Pedro, que ele tam-
bém está na saúde, eu queria saber o quem ele cuida daquilo”, não vejo uma união. E a gente tem
73
tem a dizer sobre isso. Obrigada. um problema claro que é a figura de autoridade.
Como estão sendo esses pais, esses responsáveis
Carlos: Bom dia a todos e a todas, eu sou
pela educação, mas também como que é a figura
usuário, eu esqueci de falar na hora que a doutora
de autoridade desse professor que está desespe-
Beatriz estava falando. Então assim, eu comecei
rado com esse sintoma que aparece na escola e,
a tomar remédio há 30 anos. Quando comecei, eu
- parte 2
também por despreparo, usa o autoritarismo e não
e desastres
falei, “ah, não quero tomar remédio”, mas fui agar-
é mais uma figura de autoridade? A gente tem uma
rado na força, tudo bem. Às vezes eu precisava;
crise toda no ambiente escolar. Mas eu queria que
e enfrentamento
depois de um tempo que eu descobri o que eu
vocês falassem um pouco dessa interface entre os
precisava. Não era de médico e nem de medicina,
Psicologia em emergências
profissionais.
era de um advogado. A gente vai contando as in-
justiças, vai se acumulando. Se eu fosse num ad- Daise: Bom dia, meu nome é Daise, sou psi-
vogado naquela época, não é? Ainda teria alguma cóloga. E eu tenho uma grande preocupação com
e medicalização
a medicação que eu quero tomar. Tem uns que é foi por um tempo. Passou o tempo, eu encontrei,
assim. Aí faz a receita, “tá bom, tchau”. É que nem coincidentemente, o garoto num pronto socorro
Cadernos Temáticos
aquilo que eu disse, falei para professora, que é o ortopédico, lá com o pezinho estendido. E ele esta-
Compaz. Na hora que ele fala, “vai lá na farmácia, va quietinho e eu falei, “oi! Você por aqui?”, aí a mãe
pega lá o comprimido”, aí eu olho lá, “é Compaz, vou dele olhou pra mim e falou, “você o conhece?”, eu
Patologização
dormir com paz”. Aí, obrigado. falei, “conheço”, e conversando com ela, ela falou
assim, “Ele só está quietinho porque está toman-
Cristiane: Bom dia a todos, é um prazer estar
do Ritalina”. Foi muito triste isso, por que ela ex-
aqui. Eu sou Cristiane. Na verdade, eu sou mulher,
pressou uma felicidade em ver o comportamento
sou um ser pensante, sou sonhadora. Nós defi-
calmo da criança ali parada numa cadeira de roda
nimos quem nós somos, a sociedade nos rotula,
com o pé engessado. Então para a mãe, essa situ-
como se fôssemos obrigados a dizer a nossa pro-
ação era normal. E é uma judiação porque era uma
Ângela: Eu não vou falar de tudo, a minha Orador não identificado: Na verdade, já
experiência é no campo da educação, então vou existe a varinha mágica, o medicamento.
deixar a atenção básica para o meu colega que
Ângela: Então, como nós da psicologia co-
falou tão bem. Mas eu queria partir dessa fala, “o
meçamos a nos recusar a oferecer a varinha má-
sintoma pula na escola”. A escola produz o sintoma,
gica e a receita de bolo, tem alguém que oferece,
não é? Eu acho que precisamos entender um pou-
e ela vem em cápsulas. Então temos também um
co melhor isso, o que a gente chama de sintoma
movimento, e não é de hoje, de afastamento des-
e de sintoma do indivíduo, aluno. É uma produção
sa psicologia que olha criticamente para escola e
no contexto da escola. Quem estuda na área da
propõe trabalho coletivo, que é o que você disse,
psicologia escolar aprendeu muito isso que esse
“vamos trabalhar em equipe, vamos trabalhar jun-
mesmo aluno é diferente em outros lugares. Aque-
tos”, e chamar o profissional da medicina. Leme é
le aluno que você diz que tem déficit de atenção,
uma cidade próxima daqui, teve uma experiência
ele fica horas jogando videogame, não é? E aí?
superbacana de trabalho de equipe multidisciplinar
Onde foi parar o déficit de atenção dele?
para a rede municipal de educação. E com a entra-
Beatriz: Na modalidade hiperfoco do TDAH... da de duas psicólogas para trabalhar com as equi-
pes. Começaram a problematizar com elas o fato
Ângela: Então, veja que o discurso produz
de que as equipes jamais iam para escola. Elas
novos sintomas, não é? Para não aceitar que tem
faziam o atendimento e começaram a propor um
um processo ensino-aprendizagem que não con-
outro trabalho, “vamos para a escola, vamos con-
templa a todas e todos, tem processo que exclui,
versar”, e as equipes foram pra escola; fizeram um
você fica dando nome e sobrenome e apelido para
trabalho com direção, com professor, e trabalho
tentar justificar no indivíduo, aquilo que é do cam-
bacana, emancipador, que esbarrou onde? Escola
po das relações. Eu vou dar um exemplo. Há dois
com professor, direção que começa a se repensar,
anos, um funcionário da Unicamp, conversando
começa a questionar. Dois anos, três anos depois,
comigo, disse sobre a uma escola privada do seu
as duas psicólogas foram substituídas por dois
filho, “a escola do meu filho chamou porque disse
neurologistas.
que ele está atrasado”, era uma criança de sete
anos, “porque ele é hiperativo. Me mandaram pro- Beatriz: Bom, eu vou complementar e en-
curar psiquiatra, neuro, psicopedagogo, não sei que, trar em alguns detalhes de coisas que a Ângela já
porque ele é hiperativo”, aí eu falei, “mas como que trouxe lindamente. E até pensei coisas que eu não
ele é em casa?”, “ah, eu achei que ele era normal. tinha pensado antes. Fiquei pensando muito na
Ele brinca, ele faz tarefa, ele dorme, acorda, come”. sua fala, Renato. Primeiro, eu fiquei muito contente
E aí escutando-o falar da escola, eu falei, “você foi em saber que você vai nas escolas, trabalha com
na escola? O que que você perguntou pra escola? os professores. Isso é uma busca de uma prática
Você cobrou da escola?”, e a escola, “não, tem que não-medicalizante. Claro que tem profissionais
levar”, aí eu olhei pra ele e falei, “muda de escola, que vão, afirmam e fortalecem a lógica medicali-
troque seu filho de escola”. Ele trocou. Há uns dois zante, mas eu estou entendendo que você está
meses, ele me encontrou e disse, “professora, que indo num outro caminho, problematizando essa
lógica. Então que bonito ouvir o seu depoimento é, quais são os nossos tempos, os nossos ritmos.
75
e ver que você conquistou também a possibilida- E essas crianças não têm com quem brincar. Não
de de fazer isso. Porque está cheio de profissional adianta a mãe e o pai quererem brincar um pouco,
que não pode sair da UBS porque a direção não que não é a mesma coisa. Eu só consigo ser mãe,
deixa. E isso também é uma conquista da nossa eu não consigo ser irmãzinha, nem amiguinha. Bom,
categoria. É uma conquista da nossa categoria. então o que acontece? Essas crianças, que nun-
- parte 2
Bom, eu queria dizer o seguinte, complementando ca couberam nesse modelo de escola de corpos
e desastres
que você tem trabalhado a questão da diferença, para lá de dóceis, corpos abduzidos, paralisados
da diferença cultural... e que não podem conversar, chegam na escola e
e enfrentamento
encontram o quê? Tudo o que elas sentem neces-
Jaqueline: Da afetividade.
Psicologia em emergências
sidade para poder se desenvolver saudavelmente:
Beatriz: Isso, da afetividade. E eu queria um monte de criança e espaço. E o que tem que
contar alguma coisa que eu tenho percebido mais fazer? Ficar parado e não pode conversar. Então,
recentemente. Estou assustada com a dimensão chega no intervalo. Porque não é mais recreio, não
e medicalização
dinha para passear um pouquinho lá fora, para dar doenças reais sejam tratadas, elas precisam ser
um tempo, depois voltam. Eu fiquei muito tocada vistas dentro de seus componentes institucionais
Cadernos Temáticos
uma vez com uma fala que é assim, de onde saiu e sociais. Medicalização é pegar esses professo-
a ideia de que pra aprender a gente tem que ficar res que adoeceram por conta desses determinan-
parado? Qual é a cientificidade dessa afirmação, tes institucionais e sociais e dizer que o problema
Patologização
que se mexendo a gente não aprende e que con- é dele, pessoal. Esse processo medicalizante nós,
versando, discutindo, se relacionando com o outro psicólogos, não podemos fazer. Agora, existem ou-
a gente não aprende também? Precisa ser parado tros modelos escolares que são embrionários, têm
e quieto? Ah, todos nós estamos, que a gente tá poucos no Brasil, mas consultem enquanto ainda
fazendo aqui? Nós estamos parados, mas nós não tem no site do MEC, porque isso está para sair a
estamos quietos, nós estamos aqui conversando, qualquer momento, o mapa de inovação e criati-
um monte de gente conversando, trocando ideia. vidade em educação. Se isso sair, tem o mapa da
- parte 2
que não quer se transformar ou é o sujeito que é
e desastres
defensivo, é o sujeito que não adere ao tratamen-
to, é o sujeito... construímos discursos ainda muito
e enfrentamento
bonitos dentro da reforma para dizer e perpetuar
Psicologia em emergências
esse modelo da medicalização. Acho que, como
resposta, é o tempo inteiro que temos de ser críti-
cos e estramos atentos às nossas ações, porque
é muito perigoso, cotidianamente, reproduzirmos,
e medicalização
medicalização ocupa no nosso cotidiano.
Cadernos Temáticos
horário previsto. Fui retomar aqui o objetivo que
havíamos pensado para esse encontro, e queria di-
zer que estamos de parabéns porque o atingimos
Patologização
plenamente. Pensamos em promover o debate, o
grupo foi muito participativo, poderíamos conti-
nuar conversando sobre mais coisas. Fizemos um
posicionamento ético-político, e também a possi-
bilidade de solidificar os enfrentamentos. Foram
as possibilidades trazidas que nos mostram os ca-
minhos de como fazer dentro do que é possível. É
Esta mesa se compõe na interdisciplinaridade, que saúde, em princípio, de todas as crianças nascidas.
é o que nos propomos sempre. Em abril de 2017, Quais riscos teremos com uma lei que se propõe a
foi sancionada a Lei 13.438, que altera o Artigo um rastreamento universal com padronização de
14 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Es- avaliação em larga escala na população de bebês?
tabelece em seu artigo que todas as crianças, de Certamente, muitos. O que uma lei baseada uni-
zero a 18 meses, uma faixa bastante precoce de camente na obrigatoriedade da detecção precoce
vida, sejam submetidas nas consultas pediátricas de risco psíquico em bebês poderá contribuir para
a protocolos ou outro instrumento para detecção superação desses desafios e garantir efetivamen-
de risco psíquico. Então, ao tomarmos conheci- te processos de cuidados aos mesmos, e apoio às
mento, e tomamos conhecimento com muita sur- suas famílias? Isso é objeto da nossa discussão
presa dessa lei, todos passamos a tentar, primei- e nosso debate aqui hoje. O que a lei quer licen-
ro, compreendê-la para depois podermos pensar ciar? Como a psicologia e a avaliação psicológica
quais caminhos teríamos para que pudéssemos, a compreendem este campo? A partir dessas e de
partir do momento que ela foi instituída como lei, outras indagações, é que a gente se propõe a pro-
na sua implementação, ter alguma mobilização em mover esse amplo debate.
torno dos atores que deveriam ter sido consulta-
Então, no primeiro momento, teremos uma
dos e não foram, que deveriam ter participado da
mesa com pessoas que convidamos com muito
sua proposição e não foram.
carinho para que fizessem essa conversa. Pesso-
Esta lei não foi objeto de audiências públicas, as que se apropriaram, que estão profundamente
e sequer de debates públicos ampliados, com par- envolvidas com esse tema, para que possamos
ticipação de grupos de interesses diversos. Não qualificar esse debate e pensar nos efeitos iatro-
houve representações plurais da sociedade civil gênicos que a lei poderá introduzir com os modos
organizada, atores-chaves do SUS e outros, como de sua execução. Também vamos pensar sobre a
caberia aos processos democráticos, frente a uma garantia de estrutura na extensão e acompanha-
temática de alcance nacional, estamos falando mento nos inúmeros territórios brasileiros. Enfim,
de todos os bebês nascidos, que não é objeto de pretendemos com esse debate dar visibilidade
consenso entre pesquisadores e especialistas. A àquilo que não foi feito na sua implementação.
lei vem numa seara que é de disputa, de pontos Então, vamos fazer, neste momento, para que
de conhecimento e de divergências dentro dessa ela própria, paradoxalmente, não produza danos
questão tanto científica como prática. E a partir à infância brasileira. assim, estamos reunidos
dela, algumas perguntas foram surgindo: qual ci- com esse tema, caro e importante a ser debatido.
dadão seria contra a detecção, em tempo hábil, de Agradecendo de novo a presença de vocês, passo
problemas que afetam as pequenas crianças bra- a palavra a Larissa para fazer as suas considera-
sileiras? Certamente nenhum de nós, pensamos na ções iniciais sobre o nosso tema hoje.
Larissa Gomes Ornellas Pedott 79
Conselheira do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, representando
o Núcleo Psicologia e Deficiência e o Núcleo de Justiça do CRP SP.
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Boa noite a todas e todos. Hoje, estou nal da Pessoa com Deficiência. Esse é um dia
como conselheira nessa gestão do Conselho. muito importante para a gente comemorar, mas
Atualmente componho o Núcleo da Justiça, o também para a gente relembrar o nosso papel
Núcleo da Pessoa com Deficiência e o Núcleo de enquanto psicologia na luta pela garantia de di-
e medicalização
Educação e Medicalização, além da comissão de reitos, e de uma vida digna pra essa população.
acompanhamento dos processos legislativos, e
Cadernos Temáticos
é desse lugar que eu falo: dessa interface des- No Facebook do CRP, eu convido todo
sa temática que permeia todas essas questões. mundo a ler uma nota que o núcleo produziu
Queria dizer da importância de podermos fazer sobre esse dia e também chamar a todos para
Patologização
e trazer esse debate dentro do CRP, porque pre- os debates, para os eventos e para a discussão
cisamos estar muito atentos aos riscos e aos que temos feito nesse campo, que eu acho que
processos que decorrem a partir dessa mudan- é essencial pensarmos sempre o nosso papel.
ça na lei e como se faz uma interface do papel Bom, e só para finalizar, eu queria agradecer
da psicologia atuando no campo da judicializa- muito a presença das três palestrantes que te-
ção, das questões da vida. Então acho que o que remos o privilégio de ouvir, são pessoas muito
significa é que temos uma sobreposição de lei apropriadas para trazer essa discussão e o que
Boa noite a todos e todas. Sou psicóloga do Tri- à criança, ao adolescente, ao jovem, com absoluta
bunal de Justiça, e aqui hoje eu estou como mem- prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
bro representante do Núcleo da Criança e do Ado- à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultu-
lescente. Eu transito no CRP como colaboradora ra, à dignidade, ao respeito, a liberdade e a convi-
há várias gestões, sempre no Núcleo da Criança vência familiar e comunitária, além de colocá-los a
e do Adolescente. E o núcleo, seguindo o ritmo salvo de toda forma de negligência, discriminação,
do próprio Sistema Conselhos, sempre procurou exploração, violência, crueldade e opressão”. Nes-
manter-se diligente com questões afetas à área, se sentido, nossos esforços como núcleo desse
principalmente alguns assuntos polêmicos, quan- Conselho, têm ido na direção da defesa intran-
do há entendimento de possíveis prejuízos às sigente de tal estatuto pois que, a sua premis-
crianças e adolescentes. Para tanto, o melhor a se sa principal é a proteção integral, e em tempos
fazer é a discussão ampla com vários segmentos tão sombrios de retrocessos, rompimentos de
envolvidos. Estatuto da Criança e o Adolescente garantias e direitos sociais já adquiridos, e, prin-
– o ECA -, lei promulgada em 90, existe para dar cipalmente, diante desse quadro assustador de
vida ao Artigo 227 da Constituição de 88, conheci- anestesia social, devemos imperiosamente nos
da como a Constituição Cidadã, que diz: “é o dever mantermos resistentes e despertos, sobretudo,
da família e da sociedade e do Estado assegurar unidos, para que nossa voz ressoe mais alto.
Palestras 81
- parte 2
de Educação da Universidade de São Paulo. Professora de graduação nas áreas de sociologia da
e desastres
educação e educação especial. Atua na pós-graduação orientando mestrados e doutorados na linha
de educação especial da área de coordenação de concentração, ciências sociais, desigualdades e
e enfrentamento
diferenças. Participa do grupo de pesquisa de política de educação especial coordenando a linha
Educação especial: táticas de resistência, produção de um não lugar para as diferenças na escola.
Psicologia em emergências
Possui graduação em psicologia pela Universidade de São Paulo, mestrado em Psicologia Escolar do
Desenvolvimento Humano pela USP e doutorado em psicologia social também pela USP. Exerceu por
16 anos a atividade de psicoterapia com formação Winnicottiana.
e medicalização
te debate, e às colegas e aos colegas que nos te a efetivação dessa lei. E desde já coloco a
assistem aqui via transmissão online. Queria pergunta que me orienta na produção desta
Cadernos Temáticos
dizer que é uma honra para mim participar des- fala que é: a serviço de quem está a lei? A quem
ta atividade junto a pessoas com quem milito se destina? E a quem interessa? A pergunta que
há bastante tempo, com quem desenvolvo tra- me orienta nesta fala é: a quem interessa a lei?
Patologização
balho, pesquisa, produzimos vida juntas, não é Vamos lá.
isso? Então, agradeço o convite do Conselho e a
oportunidade de partilhar uma mesa que diz do
nosso processo de discussão sobre os efeitos “E desde já coloco a pergunta
desta lei que hoje debatemos.
que me orienta na produção
A minha função nesta mesa de hoje é tra- desta fala que é: a serviço de
- parte 2
lo do desmonte do trabalho territorial de base bertura proporcional a esse acesso. Precisamos
e desastres
comunitária, reduzindo então a atenção básica ter outras faixas de planos de saúde para que a
em saúde ao atendimento ambulatorial, com a gente possa permitir que mais pessoas possam
e enfrentamento
característica de consulta uniprofissional. E o contribuir para o financiamento da saúde do Bra-
Psicologia em emergências
que trabalhamos na atenção básica em saúde sil”. Eu vou repetir. “Precisamos ter outras faixas
que é a perspectiva da equipe multiprofissional de plano de saúde para que a gente possa per-
atendendo comunidades, famílias, grupos, fica mitir que mais pessoas possam contribuir para
desmontado porque é reduzida a atenção bási- o financiamento da saúde no Brasil.” Um outro
e medicalização
soco na cabeça que tomamos, que é: o SUS en-
território, reconhecimento dos distintos modos
tão passa a ser complementar ao atendimento
de viver e cuidar das crianças. Estou enfatizan-
Cadernos Temáticos
privado, como os planos terão menor cobertura,
do as crianças aqui porque elas são o tema do
parte dos atendimentos continuará sendo feita
nosso debate de hoje. Precisa haver convivên-
pelo SUS. Inverte-se então a lógica da prepon-
cia e legitimidade do equipamento social e de
Patologização
derância do público sobre o privado e aqui en-
suas trabalhadoras pela comunidade, senão
tão é o privado que está no centro da discussão
não se faz vigilância. Por isso a existência da
e o público vem pra complementar aquilo que o
Estratégia de Saúde da Família é fundamental
privado não quer. Não é não pode, é não quer,
para um projeto de acompanhamento, monito-
porque é custoso. E como se organiza então a
ramento e intervenção processual criando li-
oferta da saúde privada? Nós sabemos qual é
nhas de cuidado.
a lógica da oferta privada de plano de saúde.
- parte 2
Ou seja, não está se comunicando com a even- passa com seis anos desse projeto de lei sendo,
e desastres
tual necessidade de aumento da infraestrutura de alguma forma, combatido, para ele em regi-
em saúde, certo? Acho isso importante também me de urgência ser aprovado, e como a Rozi já
e enfrentamento
para o debate da nossa lei, porque uma das bem disse aqui, sem processo devido de discus-
Psicologia em emergências
perguntas que precisamos fazer é onde seriam são pública por meio de audiências públicas.
atendidas as crianças, onde seriam atendidos
Bom, se alguém achar que eu estou to-
os bebês derivados do processo de detecção.
mada por teorias fantasiosas da conspiração,
e medicalização
para o debate da nossa lei, to dessa audiência. Nessa audiência, uma das
pessoas convidadas, foram vários os convida-
Cadernos Temáticos
porque uma das perguntas dos, tanto do Legislativo quanto pessoas espe-
que precisamos fazer é onde cialistas, tidas como especialistas no tema, eu
seriam atendidas as crianças, vou destacar as palavras de um dos convidados
Patologização
que participou da atividade, porque ele queria
onde seriam atendidos os apresentar então justificativas teóricas e técni-
bebês derivados do processo de cas, para mostrar que esta lei não teria efeitos
detecção” medicalizantes. Essa era a função da fala: de-
fender a Lei 13.438, “a detecção precoce”, como
ele chama reiteradamente ao longo da sua ex-
Preciso dizer o seguinte: Com a instituição planação: “Nós fizemos o cálculo de qual é o cus-
- parte 2
Movimento psicanálise, autismo e saúde pública, desde sua fundação. Colaboradora do
e desastres
Ministério da Saúde, área técnica da Coordenação Nacional de Saúde Mental.
e enfrentamento
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento
Boa noite. Eu queria começar agradecendo ao CRP
de São Paulo por abrir espaço para esse necessário “É nesse cenário, nesse contexto
debate, queria agradecer a comissão organizadora
do evento e as minhas ilustres colegas de mesa,
político atual que essa lei se
e medicalização
sobretudo, pelo percurso que temos conseguido
construir como um coletivo junto com alguns outros alguma, ser desconsiderado”
Cadernos Temáticos
colegas de diferentes lugares no Brasil que, além
de mim, da Maria Aparecida Moisés, da Biancha An-
gelucci, a gente conta também com o trabalho da crianças nascidas no Brasil, nos seus primeiros 18
Patologização
Cecília Collares que está aqui, da Cláudia Masca- meses de vida, de um protocolo ou outro instrumen-
renhas em Salvador, da Bárbara Costa, da Luciana to para facilitar a detecção em consulta pediátrica
Surjus, da Maria de Lurdes Zanolli, do Ricardo Lugon do acompanhamento da criança de risco para o seu
e da Cristina Ventura. A gente vai fazendo novos desenvolvimento psíquico. Nos surpreende a todos,
enlaces nada digitais e muito pensamentais, com e eu acho que vale a pena repetir, que essa lei tenha
outros coletivos e outros grupos e outras pessoas feito uso do regime de urgência e que tenha sus-
que têm ajudado e contribuído bastante para o en- pendido com isso o necessário debate entre os ato-
- parte 2
rio com essa possibilidade de ser regulamentada, instrumentos usados para o rastreamento nessa
e desastres
portanto, essa lei é o texto dela, ponto, acabou o faixa etária são muito sensíveis e pouco especí-
assunto. Então, bom, eu vou dizer novamente para ficos. Isso quer dizer que, nesse caso, são muito
e enfrentamento
evitar os maus entendidos. Sob a queixa dos cui- frequentes as situações falsamente reconhecidas
Psicologia em emergências
dadores, ou sob os sinais de que algo não vai bem como positivas, ou seja, crianças sem problemas
com o bebê, não há contraindicação para que os passam a ser consideradas como portando um
procedimentos de vigilância abarquem o uso de problema que não tem, gerando angústia desne-
instrumentos para a detecção de problemas que cessária nos familiares e gastos desnecessários
e medicalização
ta, não foram feitos estudos de replicação e nem
adaptação para os diversos contextos culturais
Cadernos Temáticos
“Eu enfatizo: não existe ainda do Brasil. Quer dizer, precisaríamos entender se a
ideia de risco para o desenvolvimento infantil se
no Brasil nenhum protocolo ou
qualifica da mesma maneira para as crianças que
instrumento que tenha validação
Patologização
estão aqui nessa cidade, para a população ribei-
epidemiológica para sustentar a rinha da Amazônia e para a população periférica
de centros urbanos, enfim. É um instrumento apli-
implementação de uma política
cável à faixa etária de zero a 18 meses e esse é o
pública deste porte, que seria período do desenvolvimento com maiores chances
uma política de rastreamento de produzir falsos positivos e falsos negativos.
Temos também o M-chat, que é traduzido para o
para esse fim, nessa faixa etária”
- parte 2
básica; ele faz a puericultura, sobretudo, através sência de instrumento capaz de fazer um rastre-
e desastres
da Estratégia Saúde da Família com médicos da amento eficaz, veja, não há indicação científica
família e agentes da saúde. Seria esse município de que esse instrumento exista, é a indicação de
e enfrentamento
alvo de ações que obrigassem a contratação de risco psíquico em todos os bebês e o seguro con-
Psicologia em emergências
pediatras para o cumprimento da aplicação de tra as ações judiciais. Daí ocorre um aumento dos
protocolos como esses? Estaríamos concordan- custos da saúde, como a gente tem o exemplo do
do com a fragmentação do acompanhamento do que acontece nos Estados Unidos. Imaginemos
desenvolvimento da criança escoando os (parcos) agora uma outra criança que recebe aos 12 meses
e medicalização
farão os seus pais? Eles processarão o Estado, o
na execução de uma política. E é essa nossa pre-
SUS, o convênio, pediatra. O que eu quero dizer com
ocupação. O nosso questionamento não é com a
Cadernos Temáticos
isso aqui, é que essa lei nos curva à obediência de
detecção precoce, é de que maneira que se está
uma determinada lógica, que eu vou chamar aqui
propondo e inserido em que lógica que isso ga-
de obediência à indústria do adoecimento. Porque
nha lugar. Imaginemos, por exemplo, que daqui a
Patologização
essa indústria ganha com a 13.438 um incremento
alguns anos, uma criança que nasceu no dia 26
legal muito potente e perigoso; a patologização da
de outubro de 2017, que é o dia em que a lei en-
experiência da infância fere os princípios da prote-
trou em vigor, receba um diagnóstico de qualquer
ção integral. E é importantíssimo que fique claro:
transtorno e que a esse possa se atribuir uma su-
o problema não está no ato diagnóstico em si, a
posta causalidade psíquica, que para as famílias,
questão que levanto aqui é outra.
muito provavelmente será assimilado a existên-
cia de algum transtorno, TDH, autismo, depres-
- parte 2
estudos sobre aprendizagem e desenvolvimento e direitos no Ciped, - Centro de Investigações de
e desastres
Pediatria - da Unicamp; publicou livros e vários artigos em periódicos científicos na área de medicina,
psicologia e educação; autora do livro A Institucionalização Invisível: Crianças que não aprendem
e enfrentamento
na escola; parceira do Despatologiza, Movimento pela Despatologização da Vida que tem articulado
as discussões, eventos e ações sobre a medicalização da vida educação; coordena o Repense,
grupo de estudos sobre despatologização, tolerância e discriminação do Fórum Penses da Unicamp.
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento
Bom, acho que Ilana e Biancha já falaram tudo, treinados. Nós dispensamos treinamentos, es-
podemos partir para o debate. Quero agradecer pecialmente treinamentos aligeirados que nos
o convite para estar aqui, agradecer os compa- treinem para aplicar um questionário em pou-
nheiros do CRP, que mais uma vez se lançam à cos minutos. Nós somos profissionais que têm
e medicalização
frente em algumas discussões extremamente um conhecimento e dispensamos isso. Eu quero
importantes para a sociedade brasileira e espe- pediatras bem formados que sejam capazes de
Cadernos Temáticos
cialmente pela possibilidade de estar aqui com avaliar não uma coisa, um aspecto específico
duas queridas companheiras e militantes nessa da criança, mas a criança como um ser integral.
batalha que a gente vem enfrentando. Isto inclui o desenvolvimento de todos os as-
Patologização
pectos do desenvolvimento. Aliás, eu só queria
lembrar que desenvolvimento não existe fora
“Quando falamos de criança, da criança ou fora do sujeito. Então, avaliar o
desenvolvimento fora do sujeito é uma coisa
estamos falando da vida dela, um tanto quanto esquisita. E tem também a pe-
dos modos dela se desenvolver, diatra, que sou eu, eu sou professora titular de
dos diferentes modos dela se pediatria na Unicamp e sou militante do Des-
- parte 2
do crescimento dela, uma medida isolada não Mariazinha de 12 meses, uma criancinha, um
e desastres
me diz nada, ela pode estar no percentil 50 da bebê com o crescimento adequado, que tinha
curva, e há três meses atrás, ela estava no per- ainda só lalação na linguagem, não ficava em
e enfrentamento
centil 60, ela desacelerou. Então, ou eu tenho pé e a mãe estava bastante preocupada, por-
que a mãe achava que a Mariazinha estava
Psicologia em emergências
o acompanhamento ou eu não posso avaliar
crescimento. E mesmo tendo o gráfico de cres- atrasada. Na consulta foi possível, conversan-
cimento de estatura, peso e perímetro cefálico, do com a mãe, identificar que ela trabalha fora
vamos lembrar disso que é extremamente im- e a Mariazinha fica com uma irmã adolescente,
e medicalização
tem o social, tem o neurológico, tem o senso-
rial. E isto é um pedacinho de mim. Fora de mim O Pedro, de 10 meses, vinha há dois me-
Cadernos Temáticos
não tem desenvolvimento, fora de mim não tem ses com uma grande dificuldade para ganhar
desenvolvimento psíquico, fora de mim não tem peso e com diarreia recorrente e a cuidadora
risco. Aliás, risco é interessante, é uma invenção estava muito preocupada porque ele tinha co-
Patologização
do DSM-5. meçado a recusar alimentação. No exame físico,
Pedro estava levemente desnutrido, e os exa-
mes laboratoriais dele e o exame físico eram to-
“Não há atenção à saúde de dos normais. Conduta: passou do meu limite de
qualidade de criança, de adulto, de possibilidades de atuação e eu peço uma inter-
consulta com o especialista; porque isso é uma
idoso, de adolescente, se não for questão que o profissional bem formado tem de
- parte 2
ções importantes sobre cuidados gerais, sinais que é sobre Síndrome de Down. Quer dizer, como
e desastres
de doenças graves, prevenção de acidentes, é que evolui uma criança com autismo? O que
tem cinco páginas de orientação sobre desen- faz com que eu suspeite? Tem alguns sinais aqui
e enfrentamento
volvimento infantil e 88% dos cuidadores, das que podem fazer com que eu pense que essa
Psicologia em emergências
cuidadoras afirmam que leem a Caderneta de criança pode ter um autismo ou uma síndrome
Saúde da Criança. Essa caderneta de saúde é de Down. E como é que eu lido com isso? Como
um instrumento extremamente importante e é que eu encaminho? Como é que eu investigo?
potente para vigilância do desenvolvimento
e medicalização
perado. Isso pode ser discutível, mas enfim, se
o gráfico for preenchido, tem-se a evolução do trar, pois são extremamente importantes.
Cadernos Temáticos
desenvolvimento da criança. Ele é muito visível, Vejam: a leitura da caderneta foi relatada
é muito fácil de perceber se alguma coisa não por 88% das mães entrevistadas. Aqui são os
está indo bem, não por um ponto isolado, mas planos de comunicação. As quatro partes mais
Patologização
se sistematicamente ela não está conseguindo lidas pelas mães: amamentação; “estimulando o
se desenvolver bem. Essa caderneta vem sen- desenvolvimento e percebendo alterações”, ali-
do revista em todas as suas partes a cada ano mentação saudável, os primeiros dias de vidas.
com o apoio e assessoria de especialistas na 300 mães disseram “todas”, gostaram de tudo.
área, inclusive da Sociedade Brasileira de Pe- A preferida foi “estimulando o desenvolvimento
diatria, de muita gente que trabalha com desen- e percebendo alterações”, as mães leem, elas
volvimento infantil. Tem muita gente ajudando acompanham aquilo. Porém, os profissionais de
- parte 2
psíquico, intelectual, e é o caminho para identi- mundo que a gente sonha, e ninguém mais pode
e desastres
ficação, inclusive, do autismo. Essas posições virar o mundo do que a criança. A criança tam-
são de uma nota pública do Despatologiza. bém está no olho do furacão, porque a criança
e enfrentamento
é irregular, é imprevisível, ela se descomporta e
A cada segundo, recebemos a notícia de
Psicologia em emergências
ela é quem, de fato, vira o mundo.
que mais um direito foi destruído. E as coisas são
destruídas muito rapidamente. Na verdade, es-
tamos no olho do furacão, mas Guimarães Rosa
e medicalização
contrário. No olho do furacão sempre estiveram, desconsiderados?”
Cadernos Temáticos
Patologização
Cadernos Temáticos CRP SP
100 Debate
Marta: Olá, boa noite. Meu nome é Marta, eu sou querendo dizer. Ele detecta, por exemplo, um
estudante de psicologia do oitavo semestre. E bebê que tem um problema chamado galacto-
quando eu vi o tema desse debate eu fui mui- semia. O que é a galactosemia? Ele tem um erro
to inocente, eu imaginei que esse risco psíqui- metabólico, ele não tem a enzima necessária
co estava relacionado ao ambiente que aquela para fazer a quebra da molécula de galactose. E
criança vive, igual a doutora Aparecida trouxe, o que acontece? Com galactosemia, a galactose
sobre aquela criança que tem crise de espas- aumenta no sangue e ela é “tóxica” para o sis-
mo, mais ou menos isso, eu pensei que era real- tema nervoso central. Então, uma criança que
mente isso, por que essa criança tem essa crise tem esse erro metabólico, terá uma vida abso-
recorrente? O que está acontecendo se, no exa- lutamente normal se ela não comer leites nem
me fisiológico, neurológico, tudo que está rela- derivados de leite, não comendo lactose, que é
cionado à patologia não existe nada? Eu pensei o que gera a galactose. Então, é algo que você
que era isso. Aí eu cheguei aqui era outra coisa. detecta e você impede que a doença apareça.
Aí eu pergunto assim: o exame do pezinho já A mesma coisa com fenilcetonúria, certo? Ba-
não contribui para o que essa lei está colocan- sicamente, o que é visto são erros metabólicos
do? Porque o exame do pezinho traz muitas coi- bem estabelecidos e que não estão falando de
sas, não traz? Porque como eu estou fazendo risco psíquico, a maior parte deles vai provocar
psicodiagnóstico interventivo, a gente vê muito algumas deficiências mentais bastante graves,
isso, e eu fui obrigada a ler bastante sobre o e você impede com uma mudança na alimenta-
exame do pezinho por causa de um caso que ção. Se você lembrar, toda latinha de Coca-Cola
nós tivemos lá. E eu questiono também, já que Zero, refrigerante zero tá escrito “fenilcetonúri-
nós temos aqui a presença do Conselho Federal cos, atenção, contem fenilalanina”. Quer dizer,
de Psicologia, se o Conselho já está preparan- fenilcetonúrico não tome tá? Você vai ter pro-
do, eu não sei, algum posicionamento em rela- blema, toma Coca-Cola normal. Então, eu acho
ção a essa lei, se pode fazer essa interferência que são coisas diferentes. Uma coisa é quan-
já que está relacionado a risco psíquico, apesar do você tem um problema bem definido, que é
que é um outro risco, não é o que eu imaginei no exclusivamente biológico e que você dosa uma
começo, mas se existe algum posicionamento, substância e vê o resultado. Outra coisa é to-
se a gente pode, sei lá, colocar algum parecer talmente diferente, quando você está falando
para eles. Essa é a minha questão. de desenvolvimento, desenvolvimento físico ou
desenvolvimento psíquico, que é algo amplo de-
Maria Aparecida: Então, Marta, o teste do
mais. Não sei se eu respondi. O teste da orelhi-
pezinho faz a dosagem de algumas substâncias
nha também.
químicas no sangue. E ele detecta alguns pro-
blemas de erros metabólicos que podem levar Carla Biancha: Então, só para trazer mais
a consequências mais pra frente. Vou dar um um aspecto para esse debate. Estava conver-
exemplo para ficar mais explícito o que eu estou sando semana passada com uma pessoa que
é fundamental na produção de cuidados e na que são marcadas desde muito inicialmente na
101
produção de políticas públicas para as pessoas sua vida pela ideia de incapacidade que precisa
com deficiência, que é a Ana Rita de Paula. E ser corrigida. A comunidade surda faz esse de-
ela estava contando da história da primeira dis- bate, que acho que é importante a gente referir
cussão sobre o teste do pezinho, e que à época à própria comunidade que vive estes efeitos.
era só fenilcetonúria, não tinha outros, e tinha
Maria Aparecida: Inclusive, porque o im-
- parte 2
já uma discussão, mesmo com algo tão defini-
e desastres
plante não é nenhuma maravilha, né?
do, tão cheio de evidências como traz a Cida,
tinha uma discussão sobre por que a discussão Rogério: Como tem uma pergunta direto
e enfrentamento
específica sobre apenas esses erros metabó- ao Conselho, só lembrando o seguinte: o Conse-
Psicologia em emergências
licos e não uma discussão ampliada, por que o lho assim que tomou conhecimento da lei, ime-
foco só nesses? E a questão não era que estas diatamente, com todos esses argumentos que
questões não eram importantes, mas tinha uma já foram produzidos, estranhou muito, princi-
pergunta sobre por que a gente está decidindo, palmente na questão dessa identidade ou des-
e medicalização
gatório o teste da orelhinha, que é para aferir inclusive no sentido de questionar o próprio
a possibilidade de existência de perda auditiva. Ministério da Saúde, e tivemos um papel que
Cadernos Temáticos
A comunidade surda tem feito um amplo deba- acho importante na criação daquela oficina que
te sobre os efeitos do teste da orelhinha por tirou como consenso, no Ministério da Saúde, a
conta do seguinte, dois aspectos principais só ideia de que o grande instrumento para pensar
Patologização
para levantar um pouco essa poeira. Porque é o risco psíquico ou para avaliar o risco psíquico
isso, a gente tem de se ver com a poeira que a não é um instrumento pontual, mas é a cader-
gente constrói. Ao fazer o teste, a gente tam- neta da criança, porque acompanha a criança e
bém acaba apresentando a deficiência antes acompanha, digamos, como já foi colocado bri-
do seu filho. Isso traz efeitos para a produção lhantemente aqui pelos antecessores, acompa-
dos laços, já que a gente está discutindo riscos nha essa possibilidade. E também levantamos
para o desenvolvimento psíquico. Ao apresen- outras hipóteses. Por exemplo, nessa questão
- parte 2
um acontecimento de corpo dos bebês, e que
e desastres
importante de deixar marcado, que a pergunta
disso... eu também acho que ninguém que tra-
me traz assim, a pergunta que você fez, Marta,
balha com bebês vai discordar, o psiquismo, a
e enfrentamento
que é assim: a ideia de que a detecção preco-
constituição psíquica, ela é um acontecimento
ce precisa ser feita não está em discussão. Eu
Psicologia em emergências
de corpo, e os sinais de alerta para o seu de-
acho que eu falei disso várias vezes, e nenhuma
senvolvimento acontecem no corpo da criança,
das entidades aqui representadas e nenhum de
que está contemplado nesse instrumento que a
nós como profissionais, discutiria isso. A nossa
gente sugere que seja usado para que a detec-
e medicalização
derneta de Saúde da Criança como um instru- Maria Aparecida: O que eu queria falar era
mento adequado para vigilância, nós seguimos em função do que o Rogério falou da questão
Cadernos Temáticos
discutindo os modos de implementação dessa de risco. E eu queria só lembrar que risco é um
lei, no sentido de que o seu texto sustenta pro- conceito do campo da saúde pública, ele não é
cedimentos de rastreamento, e a partir do seu um conceito individual, não sou eu que tenho um
Patologização
texto, o Ministério da Saúde solta uma porta- risco. Existe um risco nesta população de que
ria dizendo que a indicação do Governo Fede- tantos por centos vão ter, podem ter tuberculo-
ral é de que se faça vigilância através do uso se. Isso eu sei a partir da taxa de prevalência da
da Caderneta de Saúde da Criança. Do ponto tuberculose nessa população. Então tem o risco
de vista da discussão do psiquismo ou do de- de contaminação, mas eu não sei quem vai ter.
senvolvimento psíquico, para gente considerar Risco não é individual. Acontece que o DSM, o
o que aqui nos chama atenção, eu queria fazer DSM-4, ele ampliou com o espectro, e com es-
- parte 2
crianças na escola que estão expressando uma
e desastres
emitido a portaria. O Ministério emitiu o docu-
violência que poderão ser os futuros delinquen-
mento de consenso sobre a oficina do dia 28,
tes”, enfim. A gente precisa estar muito atentas
e enfrentamento
a portaria ainda é uma demanda. Como a gente
a isso para que a gente saiba o que fazer com a
está falando no contexto do SUS, nós sabemos
Psicologia em emergências
nossa profissão, como que a gente conduz por
que as esferas federativas, elas têm autonomia.
um caminho ético e realmente de compromisso
Então, uma portaria emitida pela esfera federal
com as pessoas, com os sujeitos, enfim, com os
não é uma imposição para o que acontece nos
direitos humanos. Então isso também eu acho
e medicalização
e as próximas ações que a gente tem de fazer,
municípios especificamente sobre autismo. Eu
porque, até onde eu sei, não há nada ainda de
gostaria de dizer que quando a gente denuncia
Cadernos Temáticos
concreto, só existe o compromisso do Ministério
que essa lei foi aprovada sem debate, a nossa
da Saúde com aquilo que foi discutido nas ofici-
posição é de que o debate seja feito, e é por
nas. Existe uma intenção. Soltou uma nota, tem
isso que cada um de nós está aqui. Então, de
Patologização
intenção, respondeu inclusive uma demanda do
verdade, acho que nesse momento o que a gen-
Fórum sobre Medicalização, mas assim, num
te precisa é fazer o debate, é chamar os atores-
conjunto de intenções, inclusive dizendo que
chaves, é conversar, é assim, não há consenso
houve o indicativo da anulação da lei, mas não
de fato entre os especialistas. Acho que de ju-
se posicionou. Então a gente precisa continuar
nho para cá, desde que a gente começou essa
para que a gente possa fazer essa demarcação
conversa, o nosso debate tem se qualificado,
do que faremos com isso. Essa é uma questão.
posições contrárias têm usado as proposições
- parte 2
nesse sentido que o uso da caderneta pode ser, fazer esse debate. O que é a nossa presença
e desastres
por exemplo, complementado por instrumentos na atenção básica, junto à primeira infância, o
seguintes de avaliação psicológica, por exem- que somos nós nas atividades privadas ou no
e enfrentamento
plo. Em caso do apontamento de sinais de risco. terceiro setor, como é que nos implicamos com
Psicologia em emergências
Então, acho que a nossa discussão, proposto o cuidado da primeira infância, que ações vínha-
o contexto em que ela se desenvolve, agora a mos realizando. E uma segunda sugestão que
gente pode afunilar, e pode se perguntar de fato eu tenho, e tenho conversado isso com algumas
assim. Onde trabalho, não temos instrumentos pessoas que discutem os direitos de crianças
e medicalização
Para a vigilância, e a caderneta é um deles, nós dificações que vem sendo realizadas no Esta-
temos instrumentos. Como eles podem compor tuto da Criança e do Adolescente. Porque esse
Cadernos Temáticos
um cenário interessante? Eu finalizo assim. artigo que hoje tratamos, em que a lei se aloca,
o Artigo 14, no seu Parágrafo 5º, o Parágrafo
Maria Aparecida: Eu acho que eu preciso
5º é a lei de que estamos tratando, nada mais
explicitar um pouquinho melhor minha fala. É
Patologização
que isso, me fez perceber que só nesse Artigo
que quando você pega um instrumento, veja, de
14 de que estamos falando aqui, todos os seus
avaliação psicológica, e treina um pediatra para
parágrafos foram mudados desde a elaboração
aplicar, ele vai fazer um checklist, certo? Aí ele é
do ECA pra cá, desde a promulgação do ECA pra
um protocolo rígido e burro e você está desqua-
cá. E isso me despertou então a vontade de co-
lificando, você está expropriando ele da própria
nhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente,
competência, até quando fala assim, “em poucos
que quando a gente coloca na internet, a gen-
minutos”. É desvalorizar totalmente. Então, não
- parte 2
muito parceiros. A gente tem discutido essa lei, os avós poderão mais estar próximos dos seus
e desastres
e outras, muito com essa metodologia, de pro- netos. E enfim, eu fiquei pensando que a gente
duzir debates, de produzir conhecimentos, de tem a infância nesse campo de risco, por isso
e enfrentamento
produzir massa crítica, a gente tem trabalhado que a gente inclusive nomeou o evento como
Psicologia em emergências
muito com essa ideia. Às vezes você publica lá, Infância em Risco porque é um campo de risco
“ah, a gente é contra a lei”, chove pancadaria. para além da lei, mas é óbvio que ela é o nos-
Quando a gente produz debates, quando a gen- so motivo aqui, mas se a gente puder também
te produz discussões assim, a gente incentiva pensar dessa maneira ampliada, a gente vai se
e medicalização
para o acompanhamento. Foi tão falado aqui a
Rozi: Bom, encerrando, eu queria só colo-
vigilância que a gente precisa ter no campo da
car uma questão, que fui pensando o quanto de
Cadernos Temáticos
infância. Então acho que as provocações para
alguma forma também a lei nos impele, nos traz
continuidade são super bem-vindas e a gente
provocações para a gente pensar um campo
contará com os parceiros, contará com a nossa
que a gente vem também esquecendo um pou-
Patologização
categoria e todos os interessados para darmos
co que é a primeiríssima infância, dos bebês. A
continuidade sim, em outros momentos. Então,
gente já trata como criança. E aí quando a gente
agradeço a vocês, Biancha, Cláudia, Larissa,
fala “criança” parece que é aquele que está an-
Rogério, Ilana, Cida. Agradeço os trabalhadores
dando, correndo e falando. Então, esse campo
que estão aqui, Jeferson, todos que estão ali
desses primeiros meses, primeiro ano de vida,
nos bastidores. Agradeço os nossos colegas in-
me parece que anda um pouco negligenciado. E
térpretes e a todos e todas que estão à distân-
o cenário não é nada bom, porque a gente tem
Boa noite, senhoras e senhores. Eu sou o Antes de passar a palavra para as duas,
vereador Pedro Tourinho, é um prazer fazer este quero comentar o quão importante é fazer esta
debate público na Câmara Municipal de Campinas discussão, num momento como o que estamos
mais uma vez. Esse é um debate público realizado vivendo hoje, em que há temáticas extremamente
em comemoração ao Dia Municipal do Combate à violentas contra a perspectiva do livre pensamen-
Medicalização da Vida e da Educação, uma lei que to; da livre expressão nas escolas; contra a possi-
foi proposta aqui nesta casa, por mim, construída bilidade da expressão da diversidade dos sujeitos
por um movimento de combate à medicalização, na sua totalidade; o reconhecimento dessa diver-
chamado Movimento Despatologiza. A cada ano, sidade, dessa pluralidade em todos os ambientes,
desde a promulgação da lei, temos realizado uma inclusive, no ambiente escolar; que se coloca de
agenda de atividades e discussões para abordar forma tão contundente. Vemos, infelizmente, que
uma temática de alta importância para pensar a debates absolutamente obtusos e desnecessá-
educação, o desenvolvimento, as práticas de saú- rios sobre qualquer ótica, como o debate do Escola
de, as diversas práticas do nosso cotidiano e que Sem Partido, têm sido conduzidos de forma muito
são atravessadas por uma formulação extrema- intensa e hipócrita, ao meu ver, em uma verdadeira
mente medicalizante, que tira a autonomia, muitas cortina de fumaça que acaba permitindo e dando
vezes, contribuindo para o adoecimento das pes- vazão a outros movimentos políticos que vão se
soas. Para fazer este debate, em 2018, temos duas instalando progressivamente e de forma a mercan-
convidadas: tilizar a vida das pessoas e diminuir nossa margem
de produzir políticas públicas mais universais e in-
Rosangela Villar: representa o Conselho Re-
tegrais. Assim, é importante termos sempre mui-
gional de Psicologia do Estado de São Paulo e o
to claramente demarcado que esse pensamento
Movimento Despatologiza.
definitivamente não é único, não é o pensamento
Bárbara Costa Andrade: psicóloga, mestre e sequer que prepondera efetivamente entre quem
doutora em saúde coletiva pelo Instituto de Medi- debate e se preocupa com educação, com saúde,
cina Social da UERJ, do Rio de Janeiro, participante com direitos humanos, e que estaremos sempre
também do Despatologiza e pesquisadora do Nú- usando de todos os instrumentos para dar voz às
cleo de Pesquisas em Políticas Públicas de Saúde perspectivas que tem muito mais respeito à vida e
Mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. às pessoas. Passo a palavra às palestrantes.
Rosangela Villar 111
Psicóloga, militante do movimento Despatologiza e colaboradora do CRP SP.
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Boa noite. Sempre bom estar nesse espaço para pectos muito importantes de nossa vida, como
e medicalização
críticas sociais e nossas possibilidades de inter- ver o mundo, todos os anos fazemos um recor-
venção de um jeito que acreditamos que precisa te, dentre questões ligadas à despatologiza-
Cadernos Temáticos
ser feito. Todo ano, no mês de novembro, estamos ção, para escolher o tema que traremos aqui
aqui para ocupar este espaço em função da lei que para debate. Tentamos ver o que aconteceu, no
Patologização
ajudamos a construir com Pedro Tourinho. Todos decorrer do ano, que consideramos mais perti-
os anos trazemos temáticas relacionadas à ques- nente e mais impactante. Este ano escolhemos
tão da despatologização. a Lei 13.438, popularmente conhecida como a
Lei de Detecção precoce de risco psíquico. Qual
A despatologização é um fenômeno que
será a intenção dessa lei?”. Como é um tema
atravessa todas as dimensões das nossas vi-
que circula desde o ano passado, mas ainda
das. Do momento em que ainda estamos na
pouco trabalhado, achamos que seria o deste
barriga das nossas mães, até a hora que en-
Boa tarde. Quero começar agradecendo ao Con- Trouxe uma apresentação que tem como
selho Regional de Psicologia e ao Despatologi- título “Cuidar colaborativamente para não ras-
za por estar aqui hoje, neste dia que é histórico. trear universalmente: articulação intersetorial
Agradecer também ao vereador Pedro Tourinho como operadora do cuidado integral à saúde
e cumprimentar as pessoas que vieram assistir mental infantil”. Vou falar de uma estratégia de
e participar dessa discussão. cuidado que passa justamente por caminhos
contrários ao que a lei propõe, que é o rastre-
Como a Rosangela bem falou, a Lei 13.438
amento universal. Estratégia que passa por um
foi um tema que nos causou bastante inquieta-
fortalecimento de ações intersetoriais na saúde
ção desde a sua promulgação. De lá para cá, ti-
e que visa justamente poder dar conta da inte-
vemos várias situações de enfrentamento ao que
gralidade do cuidado.
essa lei de fato representa. Eu trouxe uma apre-
sentação que fala da lei, mas também trago hoje Nossa crítica à lei está baseada na ques-
algo da ordem do “o que nós estamos propondo”. tão de que a criança precisa, na primeira infân-
E quando eu falo “nós”, não estou falando só eu, cia, aliás, não só na primeira infância, mas ao
como pesquisadora lá do Núcleo de Pesquisas em longo de todo o seu desenvolvimento, de um
Políticas Públicas de Saúde Mental, mas também olhar integral, de um acompanhamento que vai
eu como Despatologiza e também nós, as entida- passar por diferentes setores, não só pelos da
des que se posicionaram criticamente à essa lei. saúde ou educação.
Somos muitas entidades. Somos desse time de
A criança é um sujeito envolvido por di-
pessoas que viram na lei um problema e um vetor
ferentes saberes, olhares e, tão logo possa,
de medicalização e de patologização da primeira
ela é entendida como um sujeito participante.
infância. Somos, por exemplo, o sistema de Con-
No caso dos bebês, estamos dialogando com
selho de Psicologia, o Conselho de Fisioterapia,
crianças e suas famílias.
a Sociedade Brasileira de Pediatria, Associação
Brasileira de Saúde Mental, Associação Brasileira Vamos começar com o conceito ampliado
de Saúde Coletiva, outras entidades da socieda- de saúde, pensando saúde integral. A saúde é
de civil, pesquisadores de institutos de pesquisa entendida por nós, e da maneira como ela está
de universidades, aqui da Unicamp, da pediatria, colocada na nossa Constituição Federal, como
do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, a Rede Nacio- resultante de diferentes processos. De proces-
nal Primeira Infância, enfim, eu não vou conseguir sos ligados à alimentação, habitação, educação,
elencar aqui todo mundo que se posicionou e renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer,
que, de alguma maneira, contribuiu para o debate possibilidade de liberdade, condições sociopo-
e ações de enfrentamento e resistência que só líticas, enfim, milhões de vetores atravessam a
aconteceram depois da promulgação da lei. saúde. A saúde não está restrita ao corpo, ao
organismo biológico, também não está restrita caminhos que devem ser seguidos. Dessa for-
113
a práticas de cuidado dentro da estrutura mé- ma, autonomia e corresponsabilidade também
dica. Saúde é a potência da vida, é resultante são valores caros no paradigma de promoção
de um processo complexo e é produto de inte- de saúde. Um outro ponto importante de marcar
rações sociais. Assim, quando pensamos em antes de entrar na questão da lei, é a medicali-
saúde, não tem como descolar do contexto que zação. O que que é medicalizar? É transformar
- parte 2
seja individual, familiar, coletivo e, ampliando, algo que não é da esfera médica em um objeto
e desastres
até nacional. de intervenção da medicina. Aquilo que não é
médico, não é um objeto médico, se torna um
e enfrentamento
Dessa forma, nossas condições de saúde
objeto médico. E quando eu falo da medicina,
estão sempre sujeitas às condições do nosso
Psicologia em emergências
médico, não estou falando apenas de médicos.
entorno. Como são as condições do território
Estou falando de todo um sistema de pensa-
onde vivemos? Condições não apenas sanitá-
mento, de práticas e de discursos que constro-
rias, mas condições também econômicas, cultu-
em uma forma de controle social sobre corpos,
e medicalização
te ou patologizante das experiências que esse
Vou comentar também sobre um paradig-
bebê pode nos trazer é restringir as possibilida-
Cadernos Temáticos
ma que temos trabalhado no NUPPSAM (Núcleo
des de desenvolvimento dessa criança, é estrei-
de Pesquisas em Políticas Públicas de Saúde
tar e levá-la a uma espécie de trajetória muito
Mental) e que é muito caro para nossa pesqui-
limitada a terapias, intervenções, remédios;
Patologização
sa. Trata-se da promoção de saúde que, mui-
aquela criança que é sempre meio doentinha.
tas vezes, é equivocadamente entendida como
prevenção de doenças. Promoção de saúde não Essa criança vai se construir assim, vai ser
é prevenção de doenças. A ideia de promoção construída a partir desse discurso. Isso é muito
de saúde é que o foco recai sobre o conceito grave. Quando pensamos em primeira infância,
de saúde ampliada, como fazer com que saúde a abordagem medicalizada nunca é uma boa
seja sempre algo potente e positivo na vida de ideia. Um outro ponto a ser pensado é que os
- parte 2
aplicado em processos de vigilância, e não na
e desastres
anteriormente, a dificuldade ou uma demora em
forma de rastreio populacional.
identificar problemas de saúde mental em bebês
e enfrentamento
e pequenas crianças facilitou o surgimento da Lei Uma coisa precisa ser entendida: para
13.438. Ela tem algumas questões. Primeiro, alte- rastreio qualquer que seja o instrumento, tes-
Psicologia em emergências
ra o Estatuto da Criança e do Adolescente e in- te, exame a ser usado, ele precisa ser absolu-
clui um parágrafo que é o texto da lei mesmo, que tamente bem calibrado na sensibilidade e na
diz da obrigatoriedade de aplicação de protocolo especificidade do teste. A sensibilidade é a
e medicalização
mos que a maneira como isso foi proposto pela Sobre o cuidado colaborativo, também
lei, vai criar mais problemas do que resolvê-los. falado anteriormente, e que é a modalidade de
Cadernos Temáticos
cuidado que estamos tentando implantar, nos-
Antes de eu entrar, propriamente, na ques-
sa proposta ao que a lei está querendo fazer é
tão da lei, queria fazer uma distinção e falar de
uma contraproposta. É uma estratégia proces-
dois processos de detecção em nível populacio-
Patologização
sual, que visa fundamentalmente as barreiras
nal, porque quando estamos falando de popu-
de acesso ao sistema de saúde. A base da ideia
lações são milhares, milhões de pessoas. Isto
de colaboração é trabalhar intra e intersetorial-
pode ser feito basicamente por dois processos:
mente, visando as barreiras de acesso, porque
rastreamento ou vigilância.
uma vez que você elimina essas barreiras, o cui-
Rastreamento consiste em situações em dado se torna muito mais potente, continuado,
que algum tipo de teste, exame, protocolo ou longitudinal. Assim, não incorremos no erro de
“é uma parceria entre os setores públicos com O projeto começou como um estudo explo-
funções específicas, usuários, familiares, que re- ratório que foi a pesquisa de mestrado da Melis-
quer modos de operação baseados no reconhe- sa Teixeira, entre 2013 a 2015. Nele, ela investi-
cimento e legitimidade dos diferentes saberes gou a articulação entre um único CAPSi e a rede
envolvidos”. de Atenção Básica que estaria naquele território.
E, dito aqui muito resumidamente, ela descobriu:
Assim, não existe uma hierarquização dos
saberes: o saber do médico, do psiquiatra e da 1. Descontinuidade no cuidado entre os servi-
avó de determinado menino têm o mesmo va- ços, ou seja, os cuidados colocados por uma
lor para todo mundo. Tudo tem o mesmo valor. rede e por outra ficavam fragmentados.
“Especializados ou laicos, além da instauração de 2. Dispersão do cuidado; não tinha um direcio-
processos de trabalho inovadores que superem namento, dependendo de quem atendia,
formas tradicionais de articulação”. mandava para um lugar ou paro outro.
3. Pouco conhecimento das equipes sobre os Então, Pavão-Pavãozinho/Cantagalo é
117
recursos territoriais. uma comunidade que fica na fronteira entre o
bairro de Ipanema e Copacabana, está no morro
4. A questão da referência contra referência.
e lá tem uma Clínica da Família, onde é feito uma
Quando você dá um papel para o usuário,
parte do projeto. O outro é Santa Marta (SM).
dependendo de sua situação, se for uma
Também uma comunidade que fica no bairro de
pessoa em situação de muito sofrimento
- parte 2
Botafogo, que é vizinho à Copacabana. A comu-
e desastres
mental ou muita vulnerabilidade, aquilo não
nidade Santa Marta ficou muito famosa com a
vai ajudá-lo. Dizer para essa pessoa, “vai lá
visita de Michael Jackson e faz parte do projeto
e enfrentamento
no CRAS”, não resolve sua vida, às vezes o
desde 2015. É lá que tem a estátua do Michael
profissional tem de ir lá no CRAS com ela ou
Psicologia em emergências
Jackson. E o Centro Municipal de Saúde João de
trazer o CRAS para dentro das clínicas ou,
Barros Barreto (JBB), que fica no meio de Copa-
ainda, articular mais o trabalho, por exem-
cabana e atende a duas comunidades ali do lado
plo, com o CRAS e Atenção Básica.
e a todo bairro de Copacabana. Com diferença
e medicalização
Pavão-Pavãozinho/Cantagalo e no Santa Marta.
Cabe dizer que, quando aponto esses aspec-
tos, não estou de modo algum diminuindo o tra- O tempo zero do projeto foi o início de 2015;
Cadernos Temáticos
balho desses profissionais e desses serviços, até eu ainda não fazia parte, mas quando o projeto
porque sabemos das condições pouco favoráveis chegou nessas duas Clínicas da Família, havia 24
para a realização de um trabalho de cuidado, e por
Patologização
crianças e adolescentes no Pavão-Pavãozinho/
vezes em situações de precarização. No Rio, nes- Cantagalo, em situação de ser atendida pela saú-
te momento, vivemos um desmonte da Estratégia de mental, pela Rede de Atenção Psicossocial e
de Saúde da Família, pelo nosso prefeito, que vai pela Atenção Básica, e no Santa Marta eram 11.
demitir milhares de profissionais, de trabalhadores Ou seja, muito pouco para a quantidade de gente
da saúde da Atenção Básica. Estamos falando de atendida por essas Clínicas da Família.
mais de 200 equipes de Estratégia de Saúde da
Família sendo encerradas no município do Rio. Isso já chama atenção, 11 crianças no Santa
- parte 2
de toda a vida? Então, por que essa fixação em Como falei, não tem instrumentos valida-
e desastres
zero a 18 meses? dos. Além disso, é uma lei a ser executada pelo
SUS e fala de risco psíquico, certo? Risco psíqui-
e enfrentamento
Quais são os critérios para uma ação de co é um objeto da psicologia; então, fomos olhar
rastreamento? Listo aqui, retirado de um texto no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos
Psicologia em emergências
técnico do Ministério da Saúde, do caderno te- (SATEPSI) e não encontramos nenhum teste que
mático da Atenção Básica sobre o tema. dê conta do tal do risco psíquico cadastrado,
1. Um problema só pode ser pensado para não tem parecer favorável para teste psíquico.
e medicalização
natural bem conhecida ou cada um tem o uma lei dizendo que tem de aplicar.
seu? Temos um problema aí, critério não
Cadernos Temáticos
preenchido. Vamos falar agora dos descaminhos da lei.
3. O estágio pré-clínico tem de ser bem defi- O projeto de lei que gerou a 13.438 foi pro-
Patologização
nido, também cai na mesma questão an- posto no Senado, pela senadora Ângela Portela,
terior, critério não preenchido. em 2011, era o PLS 451 de 2011. Chegou lá em
agosto de 2011 e tramitou por todas as ins-
4. Benefício da detecção e do tratamento
tâncias necessárias no Senado. Depois de dois
precoces com o rastreamento tem de ser
anos, foi para Câmara e assim que chegou lá, em
maior que os malefícios. Lembrando: qual-
maio de 2013, ele foi apensado, isto é, colocado
quer ação em escala populacional, sempre
junto com outro projeto, porque a Câmara, na
envolve o risco de alguém ser falsamente
Há dois pareceres contrários emitidos Para ilustrar a realidade do uso das ca-
pela área técnica de saúde da primeira infância, dernetas, cito uma pesquisa desenvolvida pela
saúde da criança, a Área Técnica de Saúde da professora Virgínia Peixoto, do Instituto Fernan-
Criança do Ministério da Saúde. Um 2011, as- des Figueira na Fiocruz, no Rio. É uma pesquisa
sim que a senadora Ângela Portela apresentou de âmbito nacional, com uma metodologia mui-
o projeto de lei no Senado, e outro em 2017, tão to rigorosa, cujo nome é “Diagnóstico da utili-
logo o Ministério da Saúde soube da votação zação da Caderneta de Saúde da Criança para
em regime de urgência. E esses dois pareceres promoção e vigilância do crescimento e desen-
foram desconsiderados. volvimento infantil”. Dentre as muitas ações que
esse time de pesquisadores executou, estão: (a)
Não tivemos audiência pública, não tive- 2.034 entrevistas com mães de crianças peque-
mos debate ampliado e os pareceres da área nas, em todo o país, (b) observação participante,
técnica do próprio Ministério da Saúde foram método qualitativo de pesquisa, em 152 Unida-
ignorados. Além disso, não há assinatura do Mi- des Básicas de Saúde;(c) entrevistas com pro-
nistério da Saúde. A lei foi assinada pela então fissionais. Foi uma pesquisa muito abrangente.
ministra do Desenvolvimento Social, Luislinda
Valois, e pelo então ministro da Justiça, Osmar Dois dados importantes: (1) na dimensão
Serraglio. Não teve assinatura de nenhum re- da caderneta que fala sobre vacinação, todas as
presentante do Ministério da Saúde. cadernetas pesquisadas nessas 152 Unidades
Básicas de Saúde, estavam com a dimensão de
E qual é a nossa proposta? vacinação preenchidas, com pelo menos uma
Já falei do projeto colaborativo e da dife- anotação. Então, na dimensão de vacinação, a
rença entre rastreamento e vigilância. Vou, en- caderneta está cumprindo o seu papel. Os pro-
tão me repetir. fissionais de saúde, as famílias, todos enten-
dendo que aquilo ali é importante para acom-
Propomos vigilância do desenvolvimento panhar a cobertura vacinal; (2) no componente
infantil e apoio à Política Nacional de Atenção vigilância do desenvolvimento, eles encontra-
Integral à Saúde da Criança, voltada para um ram apenas 9.9% das cadernetas com ao menos
acompanhamento longitudinal, intersetor do uma marcação. Então, nem 10% dessas cader-
desenvolvimento infantil. netas estavam preenchidas. Isso não significa
que as crianças não estão sendo vistas em seu Finalizando, quero comentar sobre a ofi-
121
desenvolvimento; muitas vezes são informa- cina que aconteceu no final de setembro, de
ções colocadas em prontuários, impressos ou 2017, em Brasília. Entidades da sociedade civil,
eletrônicos da clínica ou do posto de saúde, mas estávamos lá o Despatologiza, o Fórum sobre
que não voltam para as famílias e, como a ca- Medicalização e a Rede Nacional Primeira Infân-
derneta é o que vai com a criança para qualquer cia; o Departamento de Pediatria da Unicamp,
- parte 2
serviço que ela vá, essas informações também Instituto de Psiquiatria da UFRJ, representantes
e desastres
não vão para os outros serviços. Então, se essa de departamentos e institutos de pesquisa e
criança se muda de uma comunidade ou de um áreas técnicas do Ministério da Saúde, área da
e enfrentamento
território para outro território que é coberto por pessoa com deficiência, saúde mental, saúde
Psicologia em emergências
outra equipe, pensando em Estratégia de Saú- da criança; do Ministério do Desenvolvimento
de da Família, essa informação, se não está na Social e do Ministério da Educação. A primeira
caderneta, se perde, porque os prontuários não demanda foi a revogação ou anulação da lei; a
são necessariamente integrados. segunda demanda mais importante foi a neces-
e medicalização
CAPSi e a rede de atenção à saúde da pessoa
de pessoas que foram participar da oficina, es-
com deficiência. Também potencializar esse
tavam membros de um grupo de pesquisa ligado
Cadernos Temáticos
acesso, mas fundamentalmente, potencializar a
a um protocolo que é o único que cabe na faixa
Atenção Básica e a ampliação urgente de edu-
etária de zero a 18 meses. E o que foi definido
cação permanente.
pelo Ministério da Saúde, dentre muitas ações,
Patologização
uma delas foi uma demanda praticamente con- Os proponentes dessa lei e seus partidá-
sensual que era pela revogação da lei. Nós con- rios advogam por capacitação em aplicação de
sideramos realisticamente que talvez seja difícil protocolo, e nós defendemos investimento em
de conseguir isso agora, já que para revogar uma educação permanente dos trabalhadores de
lei, é preciso outra lei, e não sei se nesse mo- saúde. É diferente você investir em uma educa-
mento há clima democrático para tanto, certo? ção em saúde, que seja ampliada, transversal,
intersetor e capacitar para aplicar um protocolo.
Pedro: Muito obrigado, Bárbara. Quero parabeni- acontecer algum tipo de regulamentação a depen-
zá-la e comentar que a lei 13.438, com o texto que der de quem estiver nos ministérios que virão aí,
tem, seu principal risco, do ponto de vista legisla- afinal de contas, sancionada a lei já foi.
tivo, é que algumas prefeituras ou governos, ou
Bárbara: Falando um pouco sobre os efeitos
mesmo o Governo Federal, queiram regulamentá-
que estão para além dos efeitos legislativos e po-
la, porque do jeito que está, efetivamente não tem
líticos diretos dessa lei, como toda ação de medi-
como ser executada. Entendo que, mesmo com de-
calização e essa lei é uma ação de medicalização,
cretos eventuais que venham a regulamentar em
certo? Na forma de lei federal, ela produz um mer-
âmbito municipal ou portarias que venham a fazer
cado. Então, tão logo essa lei foi aprovada, temos
isso em âmbito nacional, tem margem bastante
visto e acompanhado, especialmente em divulga-
ampla para questionamento, inclusive, do ponto de
ção de internet, a quantidade de curso de capa-
vista jurídico.
citação em protocolo para detecção de risco psí-
Bárbara: Já que falamos do nível mais local, a quico ou propostas de convênio para detecção de
Lei 13.438 já tem filhotes municipais. Já tem alguns risco psíquico. Vou citar especificamente os proto-
municípios com projetos de lei e com lei aprova- colos que são candidatos para caber nessa lei. Um
da, e isso é um pesadelo tornado realidade. Então, é o M-Chat, apesar de ser um instrumento norte-
isso já existe. americano, está parcialmente validado no Brasil.
Não se aplica à faixa etária de zero a 18 meses, só
Pedro: Vale dizer que em Campinas, já en-
a partir de 18 meses. Lembramos que ele vai fun-
frentamos também frequentemente iniciativas
cionar melhor em sistema de vigilância, do que em
dos mais diversos tipos, dentro de perspectivas
rastreamento. Há o problema de adaptação cultu-
medicalizantes, patologizantes. Uma dessas ini-
ral, já que não está totalmente validado, e não se
ciativas legislativas estabelecia os critérios para
aplica exatamente à essa faixa etária. Existem ou-
o diagnóstico do transtorno de déficit de atenção
tros dois protocolos, largamente anunciados para
e hiperatividade pelos professores e reforçava a
capacitação, que são o IRDI e o PREAUT. O IRDI é
obrigação do poder público municipal de garantir
um instrumento brasileiro, dentro da faixa etária
a Ritalina para a criança. Felizmente não vigorou.
de zero a 18 meses, desenvolvido por um grupo de
De qualquer maneira, vale a pena sabermos pesquisa que insiste em dizer que está validado,
que o melhor que pode acontecer com essa lei, mas eles têm um conceito muito particular de va-
caso não se consiga revogá-la, é realmente deixá- lidação. O PREAUT é um instrumento francês; seu
la ficar à deriva e trabalhar numa movimentação grupo de pesquisa, durante um tempo, trabalhou
mais pulverizada mesmo de combate às manifes- junto com o grupo do IRDI, hoje não mais, mas fize-
tações locais que acontecerem. Também acom- ram um acordo para não brigarem mais e dividirem
panhar de muito perto, porque efetivamente pode o mercado. Tem, inclusive, esse efeito de um mer-
cado emergente de protocolos para risco psíquico. lei, o profissional não faz o uso dela, ele pode ser
123
A lei pode não estar sendo executada, mas o que cobrado. Ou: ele pode fazer o uso dela com um dos
temos acompanhado é que há um festival de apli- instrumentos que não está validado.
cação de protocolo de risco psíquico em bebês em
creches particulares e públicas. Pedro: E pode ser cobrado.
Pedro: Maravilha, Bárbara. Vamos passar às Rosangela: E pode ser cobrado, porque o re-
- parte 2
sultado pode não ser o correto, porque o material
e desastres
perguntas.
não está validado. E se, por exemplo, ele disser que
Eliane: Sou Eliane, diretora pedagógica da
e enfrentamento
a criança não tem nada, assinando essa afirma-
APAE de Campinas. Nós enfrentamos muito em ção, e mais para frente se identificar alguma ques-
Psicologia em emergências
Campinas toda essa questão, inclusive da neces- tão na criança, essa família pode entrar na Justiça
sidade do matriciamento, de uma rede de serviço. contra esse profissional porque não identificou o
Senti falta da assistência social compondo essa risco corretamente. Ou se, ao contrário, tivermos
comissão com vocês, porque eu não estou vendo
e medicalização
medicina e pediatria, se posicionaram contrárias à
Bárbara: Não há necessidade... lei, porque é preciso trabalhar com o pediatra na
Cadernos Temáticos
Eliane: Rastreio independente de qualquer... formação de um olhar integral, e não no uso de um
instrumento que sabemos qual é o resultado e que
Bárbara: Sim. É aplicação do protocolo para não é o adequado. Então, acho que isso precisa fi-
Patologização
todas as crianças. A pergunta que a gente se fez: car muito claro quando pensamos nessa lei, e por
alguém está se beneficiando com isso e não são os isso que tem toda uma celeuma em cima dela. Mas
bebês brasileiros. Não são. Isso não é uma estra- quando a Bárbara fala de municípios já utilizando,
tégia de cuidado, isso não é uma estratégia pos- eu estive em Curitiba agora, em outubro, conver-
sível, inclusive. Ela é muito perigosa porque como sando com uma colega que está atuando lá, e ela
altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, estava me dizendo da epidemia de aplicação de
mexe nos direitos da criança. Uma das entidades protocolos em bebês e da quantidade de crianças
- parte 2
Psicologia em emergências e desastres
e desastres
e enfrentamento
Psicologia em emergências
Michel: Agora eu converso com a Bárbara, psicólo- pre lastreado por pesquisa, não fazemos isso tira-
ga e doutora em saúde coletiva, ela que ministrou do do nada e é algo que diz respeito a todos nós.
aqui o tema, o debate sobre medicalização. Douto- Então, acho que a gente pode pensar que proces-
Bárbara: Então, vamos lá. Medicalização, Michel: E quando a gente não tem essa con-
como eu coloquei anteriormente, é quando um versa, quais são as consequências?
fenômeno social, algo que é da ordem social, um
fenômeno, um comportamento, é tomado como Bárbara: Pegando, por exemplo, o caso da lei
um objeto da medicina, é tornado patológico, é o que discutimos hoje. Consideramos que ela produz
e medicalização
processo de patologização e é ofertado a ele um
tratamento médico. O que significa isso? Muitas o seguinte: vai pegar um comportamento de um
Cadernos Temáticos
vezes é uma abordagem muito simplista, individu- bebê muito pequenininho e vai, talvez, transformá-
alizada e biologizada de problemas mais comple- lo em algo da ordem de um risco que precisa de
xos. Então é pensar, por exemplo, que uma criança algum tipo de conduta ou intervenção médica, psi-
Patologização
que está agitada, vamos pensar aqui na questão quiátrica, pedagógica, que seja, não é? Assim, uma
que é muito comum no TDAH, necessariamente criança que tem um comportamento diferente é
vai ter um transtorno do déficit de atenção, é uma vista como uma criança doente ou potencialmente
leitura dessa agitação como um problema médico. doente. Então, quando fazemos um debate sobre
Às vezes essa agitação pode ser por outra razão, medicalização e desmedicalização, patologização
ela pode estar vivendo uma questão em casa, e despatologização, estamos informando às pes-
pode estar passando por algum tipo de sofrimen- soas, e as pessoas que participam, estão fazendo
Carlos Giannazi: Estamos aqui para comemorar a rá publicação de uma matéria no Diário Oficial do
Lei 16.081 de 2015, que foi fruto de um projeto de Estado, do Poder Legislativo. Então, vamos iniciar.
lei que nós apresentamos, mas esse projeto de lei Primeiro, vamos montar a mesa. Eu quero chamar,
foi construído coletivamente por vocês, por esse primeiramente, a Marilene Proença, que é uma das
grupo organizado que reivindicou essa data como organizadoras e faz parte do Fórum. Marilene vai
um momento de reflexão, de luta e, sobretudo, de ser a mediadora desse encontro de hoje. Eu quero
conscientização sobre a medicalização na educa- chamar também a Vera Regina Teixeira, a Fernan-
ção e na sociedade. O projeto de lei foi aprovado da Lou Sans Magno, o José Rubem de Alcântara
no ano passado, foi sancionado pelo governador, Bonfim, o Luiz Fernando Lopes, o professor San-
foi aprovado por todos os 94 deputados, o projeto doval Cavalcante e a Rozi Gonçalves. Nossa mesa
depois foi sancionado pelo governador, e ele faz agora está montada, acho que não esqueci de nin-
parte hoje do ordenamento jurídico do estado de guém, é uma mesa grande, e eu tenho certeza de
São Paulo. Essa data entra no calendário oficial, e que vocês darão uma grande contribuição aqui. A
para nós é importante porque ela serve como um Marilene vai fazer a mediação, me parece que cada
momento de reflexão. Nós estamos aqui hoje na componente da mesa fará uma intervenção de
Assembleia Legislativa realizando esse encontro, dez minutos e ao final a gente abre para que as
essa audiência pública, nós vamos ter aqui várias pessoas possam fazer as suas intervenções. Para
intervenções, vários especialistas, pessoas que nós, o nosso mandato que atua muito na área da
militam nessa área, que farão parte da mesa, que educação, constituído por 80% de pessoas ligadas
farão as suas intervenções, e vamos em seguida à educação, principalmente a educação pública,
franquiar a palavra para que todos vocês possam nós temos professores, professoras, servidores
também fazer intervenções, perguntas, coloca- da educação. É um tema para nós conhecido há
ções, críticas e até mesmo apresentação de pro- muitos anos, e até mesmo antes de estarmos aqui
postas para intensificar essa luta no estado de nessa Assembleia Legislativa, nós já estávamos
São Paulo, sobretudo, a luta que vem sendo tra- fazendo algum tipo de debate, e tínhamos conhe-
vada aqui pelo Fórum. Existe um Fórum contra a cimento dessa discussão, desse tema, já assistí-
medicalização que vem se organizando, que tem amos a esse processo de medicalização, que só
história, que tem trajetória, que tem acúmulo, e cresce numa sociedade como a nossa. Não só na
vocês vão falar um pouco sobre isso. A audiên- educação como nas outras áreas também, tanto
cia pública está sendo transmitida ao vivo agora é que vocês extrapolam o debate também para
pela TV Alesp, pelo Facebook, também do nosso outras áreas, não ficando só na educação. Mas
mandato, haverá uma matéria pela TV Alesp, a na educação é muito grave, porque qualquer tipo
TV Assembleia está fazendo uma matéria aqui, de dificuldade de aprendizagem hoje é taxada
já entrevistou algumas pessoas, e também have- como uma doença, e aí vem a medicalização. Nós
acompanhamos muito isso nas escolas públicas e práticas pedagógicas, as políticas públicas que es-
127
privadas, esse processo de medicalização que só tamos tendo ainda no estado de São Paulo e que
cumpriu um papel de beneficiar a indústria farma- não fazem com que essas crianças se beneficiem
cêutica e a indústria médica. É uma visão total- de fato da escola, tem feito com que a responsa-
mente positivista do processo educacional, e esse bilização por essas dificuldades escolares sejam
momento é importante porque é um momento de depositadas sobre essas crianças, buscando ne-
- parte 2
esclarecimento. Como eu disse, tem muita gente las patologias, buscando nelas problemas, botan-
e desastres
já entrando aqui no site da TV Alesp, já assistindo, do nelas dificuldades de atenção, dificuldades de
temos uma audiência, então tem muito mais gente comportamento, dificuldades de aprendizagem,
e enfrentamento
fora do que dentro da Alesp assistindo aqui às in- sem considerar as condições nas quais essas
Psicologia em emergências
tervenções de vocês. Como tem muita gente para crianças estão aprendendo, se desenvolvendo e
falar aqui, e é muito importante que nós possamos estão de fato a se apropriar do conhecimento acu-
ouvir as intervenções, principalmente de pessoas mulado pela humanidade, que é o grande objeti-
que militam nessa área, pessoas que têm histó- vo da escola. Então, eu acho que essa discussão
e medicalização
Marilene Proença: Boa noite para todos os que é a primeira nota técnica sobre esse consumo
presentes, especialmente o deputado Carlos Gian- de psicofármacos no Brasil, com dados da ANVISA,
Cadernos Temáticos
nazi que nos recebe aqui nesta casa, a Assembleia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é
Legislativa do Estado de São Paulo, agradecer por um instrumento importantíssimo porque mostra
essa possibilidade de estarmos pela primeira vez que São Paulo é o primeiro do ranking do Brasil a
Patologização
comemorando, celebrando o dia estadual de luta utilizar o metilfenidato, que é um dos psicofárma-
contra a medicalização na educação. Uma lei de cos mais utilizados para o tratamento do transtor-
autoria do deputado Carlos Giannazi de 2015, ela no de déficit de atenção e hiperatividade. Então,
foi aprovada no fim do ano passado, então nós es- acho que isso é um grande alerta para nós do es-
tamos pela primeira fez nesta casa como fórum e tado de São Paulo. O segundo ponto importante
como entidades que apoiam com esse movimento, é que este Fórum também construiu recomenda-
podendo fazer essa sessão pública, essa audiência ções não medicalizantes para profissionais da
- parte 2
fissionais são considerados os precursores dos curso não medicalizante. Nessa época, pudemos
e desastres
atuais fonoaudiólogos. Instaura-se aí a dicotomia encontrar vozes de outros estados brasileiros fa-
entre o normal e o patológico assim estabelecida. zendo coro nas práticas desmedicalizantes na in-
e enfrentamento
Foi a partir dessa dicotomia e da sistematização terface saúde e educação. Acredito que essa apro-
Psicologia em emergências
das práticas fonoaudiológicas existentes, que na ximação está se concretizando mais efetivamente
década de 1960, com a criação dos primeiros cur- neste mandato do Conselho Regional de Fonoau-
sos universitários, o caráter técnico-científico foi diologia, Segunda Região, São Paulo, na medida
se constituindo no espaço acadêmico, permeado em que nomeou um representante para participar
e medicalização
havido nessa trajetória variadas formas de inser- sobre medicalização, baseados em suas regiões,
ção do fazer fonoaudiológico no cotidiano escolar, a fim de discutir o crescente aumento de avalição
Cadernos Temáticos
inclusive o viés clínico-terapêutico, quando este de crianças e jovens em idade escolar diagnostica-
profissional realizava avaliações e atendimentos dos como disléxicos ou com TDAH, transtorno do
dentro da escola. Com o intuito de estabelecer déficit de atenção e hiperatividade, entre outros
Patologização
a especificidade da atuação fonoaudiológica no transtornos. Pretendemos, com essas iniciativas,
ambiente educacional, várias resoluções foram implementar na nossa área as discussões sobre
promulgadas pelo Conselho Federal de Fonoau- o tema da medicalização nas diversas comissões
diologia. Porém, somente em 2010, foi instituída a dos regionais, buscando disseminar a necessida-
especialidade de fonoaudiologia educacional, fato de de respeitar e acolher os diferentes modos de
que demonstra o reconhecimento e a importância aprender e ser das crianças e jovens brasileiros.
do fonoaudiólogo no cenário educacional brasilei- Em vez de imputar transtornos de aprendizagem
- parte 2
ver que havia direitos fundamentais da criança e de por sabermos que soluções coletivas fortalecem o
e desastres
sua família sendo negados, a partir de uma visita sujeito, a comunidade, a vizinhança, a rede de pes-
social que eles realizaram na casa. Constatou-se soas, é que a psicologia vem unindo todos os seus
e enfrentamento
moradia irregular, zona de risco de inundação, com esforços no enfrentamento dessa situação equivo-
Psicologia em emergências
relatos da família de que pouco dormiam, pois ratos cada, que leva muitos estudantes a situações de
rondavam a casa. Já haviam sido mordidos, mem- negligência ou perda de seus direitos e vulnerabili-
bros da família, por ratos. Assim, como podemos dades produzidas nesses contextos. Esse é o nos-
falar em déficit de atenção em uma criança que tem so objetivo, de estarmos aqui hoje e apoiarmos o
e medicalização
pode revelar o seu sofrimento, e não uma doença lar, para o conhecimento informativo e às pessoas
ou transtorno. Retomando também uma experiên- que vivem e sofrem com esse olhar medicalizante. E
Cadernos Temáticos
cia vivida em um evento que o CRP SP fez contra a também dizer que a gente por já considerar um dia
reforma do ensino médio sábado passado, um es- estadual, o Conselho de Psicologia de São Paulo
tudante de 16 anos, da União Paulista dos Estudan- acionou as suas diversas regiões e a gente está
Patologização
tes Secundaristas, que compunha a mesa nos dei- com ações comemorativas em subssedes de todo
xou um alerta sobre a questão da reforma do ensino o estado, desde Assis, Vale do Paraíba, São José do
médio. Um pouco na fala do deputado aqui sobre o Rio Preto, entre outras. A gente vem unindo esses
que vem acontecendo. Se for obrigatório ensino esforços enquanto conselho para levar a temática
médio em tempo integral, para os estudantes do da medicalização em muitos lugares do estado de
período noturno, teremos aumento da evasão es- São Paulo, já comemorando o primeiro ano dessa
colar nesse segmento, que já é alta, pois inviabiliza- lei, nessa tentativa de ampliar a democratização
- parte 2
uma utilização irracional e equivocada do medica- tação de mestrado, de uma mãe que foi
e desastres
mento. E as pessoas fizeram um alarido enorme desesperada na Unidade Básica de Saúde, porque
quando os antibióticos passaram a ser dispensa- a escola disse que ela deveria procurar um laudo
e enfrentamento
dos nas farmácias a partir de um receituário espe- com um médico, com a equipe de saúde da família,
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cífico, de retenção de receita. As pessoas não en- porque a criança dela não estava conseguindo
tenderam para quê. “Eu tomo desde que eu era aprender, e que se ela não desse esse laudo em x
criança”. É natural que o novo gere uma dificuldade dias na escola, a escola acionaria o Conselho Tute-
muito grande para ser absorvido, mas é necessário lar. Nós fomos a casa dessa mãe dialogar um pou-
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sabe exatamente em qual receptor, em qual grupo municipal de São Paulo. Ela nos recebeu com es-
de neurônios, em qual região do encéfalo, especifi- tranhamento, porque nunca tinha recebido uma
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camente todos os psicofármacos que estão no visita de profissionais de saúde na escola, como
mercado agem. Tanto do ponto de vista quantitati- se nós fôssemos autoridades máximas que iam
vo quanto do qualitativo isso não é verdade. Muito julgar a adequação ou a inadequação da solicita-
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daquilo que está no hall de produtos que são pres- ção que ela fez. Não era isso. Era um trabalho con-
critos na área da neurologia e da psiquiatria são junto de diálogo para ver o que a gente poderia
psicofármacos que não se sabe exatamente o me- fazer para fazer uma intervenção adequada para
canismo de ação. Existe um debate enorme em re- aquela família, para aquela criança e para aquela
lação ao próprio metilfenidato. O que seria? Dizem mãe. Ela nos recebeu, conversou, bastante. No fim,
alguns: “é um acelerador cognitivo”. Estava con- ela acabou soltando esta pérola: “Mas se eu não
versando em um congresso uma vez com o José obtiver um laudo para mostrar que essas crianças
- parte 2
mar todo o apoio às ocupações das escolas contra nário todo não é favorável, mas ainda assim temos
e desastres
as reformas do ensino médio, contra a PEC 55. Hoje parceiros, como Giannazi, para construir posições
teve uma reunião grande, importante, em Brasília, nessa assembleia legislativa que vão na contra-
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em que se tentou fazer algumas gestões com os mão do estado de coisas que esse Estado prega,
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líderes, para tentar segurar a votação agora em de- e que a gente pode unir força com trabalhadores e
zembro. Mas não será possível. O que se conseguiu trabalhadoras de diversas categorias profissionais
foi uma reunião na quarta-feira da semana próxima vinculadas à saúde e à educação para fazer a defe-
com os líderes de todas as bancadas e o presiden- sa das nossas crianças e adolescentes neste país.
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to é de que é algo positivo, porque diz sobre uma enfrentar as dificuldades e respeitar o que existe
contensão de gastos. E se diz isso de uma manei- de singular, de característico e de positivo em cada
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ra pueril, com um discurso sedutor. “Vamos fazer ser humano. É isso. É da importância de reconhecer
como na economia doméstica. A dona de casa vê e agradecer a vinda de cada um e cada uma aqui
que tem problemas, ela gerencia esses problemas”. hoje, para que a gente faça a luta por uma socieda-
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A gente costuma dizer que essa é uma armadilha. de mais justa. Obrigada.
Porque está discutindo o corte dos gastos nas po-
líticas públicas específicas que a grande população Marilene Proença: Obrigada, Fernanda, pelas
brasileira mais necessita. E, pior, coloca uma arma- suas palavras. Vou passar a palavra então ao pro-
dilha que vai fazer os orçamentos competirem entre fessor Sandoval Cavalcanti, que é pedagogo com
si. Vai colocar a saúde, a educação, as políticas de formação em história, especialista em gestão edu-
assistência social disputando uma mesma fatia de cacional e é dirigente regional de ensino da dire-
- parte 2
sas só acontecessem desse jeito, mas não. O pa- utilização dessa anfetamina. Ou seja, se o médico
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ciente, o que está afetado por aquilo que se chama que não tem essa formação prescrever metilfeni-
de hepatite, que é uma abstração, eu não estou dato, ele será de pronto denunciado pelos seus
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dizendo que isso não existe, eu estou dizendo que colegas e receberá uma sanção, não do governo,
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é uma abstração, a maneira como você percebe as do seu órgão de classe. Compreenderam? Porque
coisas. Como essa hepatite cursa naquela pessoa o metilfenidato já existe há muito tempo. Quando
é diferente de qualquer outra pessoa afetada. começaram a pesquisar as anfetaminas, rapida-
Além de não existirem doenças iguais, tampouco mente se sintetizou o metilfenidato. Isso passou
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grande de entendimento, que no caso não é da sabe como o metilfenidato age. Ademais, ele está
prática da médica, é estabelecido pela história da sendo prescrito. Na prefeitura do São Paulo, uma
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pessoa. Aliás, a prática médica atual desconsidera portaria regula que ele tem que ser prescrito por
completamente a história das pessoas. As pesso- psiquiatra vinculado a um Centro de Atenção Psi-
as não passam de números. As pessoas são seres cossocial. Não pode ser um psiquiatra que esteja
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fantasmagóricos, não seres concretos. Não tem fora de um contexto de equipe multiprofissional.
uma existência real. Os profissionais, não estou Porque o transtorno de déficit de atenção e hipe-
me referindo só aos médicos, não. Claro, a incidên- ratividade não é uma doença. Aliás, ninguém sabe
cia desse desvio é maior entre os médicos do que o que é, verdadeiramente. Fazendo um paralelo
entre psicólogos, fonoaudiólogos e profissões com a hepatite, você consegue definir o que é he-
chamadas relacionadas à medicina. Nós viemos de patite. Se é viral, se é isso, se é aquilo. Você pode
um tempo em que essas profissões eram chama- fazer uma caracterização e pode chamar isso de
- parte 2
de. As duas leis que foram criadas se estabelece-
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sou técnico em comunicação visual e em legisla-
ram como: o Dia Municipal Estadual da Educação.
ção. Estou no terceiro semestre do curso técnico
Mas sabemos que desde o início do Fórum, se dis-
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de serviços públicos pela Etec CEPAM. Eu sou au-
cutem essa educação, mas de um modo geral: na
tista asperger. Tive esse diagnóstico aos 14 anos.
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educação das pessoas fora da escola também, en-
Uma questão que eu gostaria de colocar à baila
tão a educação do sentido amplo. O objetivo é dar
aqui nesse encontro é com relação à medicaliza-
continuidade ao modo de como o Fórum foi criado,
ção do autismo. Eu, desde o fim do ano passado,
no sentido de unir as pessoas que estavam iso-
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como vamos debater essa questão da medicaliza- que também estavam em contato com os movi-
ção das pessoas autistas? Ainda há um estigma mentos, no caso, acho que é importante, pelo dia,
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da sociedade em encarar o autismo como doen- estar citando essas pessoas que não puderam es-
ça e a Neurodiversidade desde o final da década tar presentes hoje. Por exemplo: a Beatriz de Pau-
de 1990, está provando que não é bem assim, que la Souza, militante, a Marilda de Almeida, a Cecília
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na verdade não passa de uma desculpa da indús- Moises e a Cecília Collares. Foram essas pessoas e
tria farmacêutica para obter lucro e aumentar seu mais a Claudia Perrotta, que começaram a se unir.
mercado consumidor. Eu gostaria até de fazer um Disseram: “Oh, estamos lutando e encontrando os
convite e mais de que um convite; um apelo, para mesmos problemas.” Então o CRP foi chamado. Na
que organizemos um fórum sobre Neurodiversida- época eu estava participando no conselho gestor
de sobre a visão positiva do autismo. A Neurodi- da supervisão técnica do Butantã, no conselho do
versidade é um assunto novo no Brasil, e poucos gestor da unidade básica de saúde, onde eu esta-
- parte 2
movimento antimanicomial, porque eles vêm res- cas privadas, fazem acordos por exemplos: para
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gatando isso que estamos falando aqui,né? En- que a indústria farmacêutica renove a estrutura
tão o movimento da pessoa com deficiência do física da instituição do ensino superior: “O labo-
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próprio autismo tem que se aliar e se aproximar ratório tal renovou nossa biblioteca, o laborató-
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desse movimento, porque, assim, poderemos, rio tal apresenta o livro do professor fulano de
talvez, fazer um enfretamento mais ampliado do tal.” Como eu já vi. “Com todo respeito a quem
que com categorias isoladas: autista aqui, defi- assume essa postura, mas alguém que se colo-
ciente ali, enfim, estou dizendo: precisamos olhar ca nessa posição, vai ficar de certa forma refém:
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sionado a primeira vez em que participei de uma Então, é por isso que as pessoas do fórum têm
conferência de saúde, quando vi pessoas que que declarar que não têm ligação com a indús-
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eram usuárias dos serviços de saúde mental da tria. Porque “Seja, o teu falar: Sim, sim; Não, não.”
rede, fazendo proposições em relação ao fun- Para construir democracia, para solucionar essas
cionamento dos serviços de saúde, não é? Não questões graves que dizem respeito à medicali-
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estamos acostumados com isso, de uma forma zação e à biologização da vida, temos que assu-
muito ampla, nos últimos trinta, quarenta anos. É mir posições. Isso é realmente importante. E, por
uma coisa muito recente, se formos pensar den- fim, quando me coloco em eventos dessa nature-
tro de um espectro histórico mais amplo. Mas é za, cada vez mais vou alimentando a esperança
realmente importante que as pessoas que são de que podemos realmente transformar. Alguém
os usuários do serviço de saúde participem; re- pode dizer: “Ah, porque ele é muito jovem,” aque-
alizem o seu protagonismo; que contribuem para les que têm um pouco mais de cabelo branco do