Você está na página 1de 13

I

um projeto por Muntadas


About Academia I
(as transcrições: um documento interno)

About Academia I (as transcrições: um documento nterno)

um projeto por Muntadas


Introdução
As entrevistas coletadas neste livro foram realizadas entre março de 2009 e outu-
bro de 2010, principalmente em Cambridge, Massachusetts – tanto em Harvard
como no campus do MIT –, e são parte integrante do projeto About Academia.
Este volume não foi concebido como uma publicação independente, mas como
uma ferramenta complementar para proporcionar ao espectador um contexto mais
amplo. A natureza fragmentada e incompleta do texto editado na tela encontra seu
complemento necessário: a projeção de vídeo e este livro formam uma unidade no
espaço expositivo. Mesmo sintetizado, foram feitos todos os esforços na transcrição
das conversações para manter sua qualidade original e preservar sua essência dialó-
gica. Agradeço a cada um dos entrevistados por seu tempo e interesse.

Muntadas

Cambridge, Massachusetts, fevereiro de 2011.


Índice
Carol Becker 9

Noam Chomsky 19

John Coatsworth 27

Fernando Coronil 41

Thomas B. F. Cummins 55

Diane E. Davis 65

Brad Epps 81

Flora González 97

David Guss 103

David Harvey 115

Ute Meta Bauer 127

Saul Slapikoff 133

Doris Sommer 141

Mark Wigley 149

Howard Zinn 161

Biografias 169
Carol Becker
Muntadas: Como você vê a academia e a universidade e quais são as similaridades
e as diferenças entre elas?

Carol Becker: Para mim, a universidade é uma instituição. A academia a concebo


mais como um conceito que representa todas as pessoas que pensam e trabalham
intelectualmente dentro de uma estrutura institucional, diferente dos intelectuais
que trabalham fora de uma estrutura organizacional. A academia representa essa or-
ganização e a universidade é quase a materialização física do trabalho intelectual que
é feito. A universidade nada mais é do que realmente o conjunto dos programas, dos
departamentos, das faculdades, dos estudantes, do corpo docente e dos funcioná-
rios, tudo estruturado dentro de um plano organizacional de edifícios que se unem,
representando essas disciplinas que se manifestam em concreto. A universidade é o
físico, e a academia, a ideia. É assim que eu faria a distinção.

M: Você poderia comentar acerca dos valores da universidade, sobre valores cultu-
rais e coletivos?

CB: Há uma diferença entre estar aqui em Columbia e em uma escola de arte inde-
pendente. Escolas de arte têm pouco poder, exceto dentro de um pequeno mundo,
chamado de “mundo da arte”. Mesmo dentro desse mundo, escolas de arte estão
na patente mais baixa dentro da hierarquia de museus, galerias, e assim por diante.
Agora, voltando às universidades, estou tentando entender como um lugar como
Columbia funciona. É muito diferente. Sempre fui para grandes universidades es-
taduais, que nunca vi como muito poderosas. Mas vejo Columbia como poderosa.
Eu a vejo tendo um poder enorme em relação a seu entorno imediato e também
globalmente, porque ela tem aproximadamente 285.000 ex-alunos espalhados pelo
mundo. Então o pensamento e a pedagogia praticados aqui, a maneira como as
pessoas aprendem a pensar, tudo isso é muito significativo. Em Columbia as pessoas
aprendem a debater ideias, e há uma constante ida e vinda. É uma universidade
muito urbana. Muito aguerrida. Combativa. As pessoas aqui gostam de ter discus-
sões reais – é Nova Iorque. Eu vejo os efeitos de se educar as pessoas assim quando
viajo pela Columbia. Estive recentemente em Atenas, onde encontrei um ex-aluno
europeu; estive em Paris pela Columbia; estive em Amã, onde encontrei ex-alunos
do Oriente Médio. Quando vejo como as pessoas pensam fora da universidade, eu
me dou conta da incrível influência do tempo que essas pessoas passaram em uma

9
instituição como Columbia nos primeiros anos de desenvolvimento, quando estão M: A universidade – como organização de ensino superior – evoluiu de instituição
apenas começando a pensar e reunir as ideias de forma analítica. Os conceitos e os para empresa. Você poderia comentar sobre isso?
constructos, as pessoas que encontraram, tudo teve grande impacto. Isso é verdade
para todos os estudantes de todas as faculdades e universidades. Mas agora que voltei CB: Para mim, é difícil ver a universidade como uma empresa. Certamente é uma
à estrutura universitária, revendo, observo e penso como isso é realmente fascinante. marca. Cada universidade é uma marca única, que as pessoas visitam, na qual com-
As pessoas têm uma memória forte de Columbia – o lugar físico, o lugar intelectual pram e se tornam o produto. O que vejo é uma enorme pressão para trazer dinheiro
de Columbia –, lembram do tempo que passaram aqui. É muito poderoso como isso para a instituição.
as ajuda a construir seu próprio sistema mental. Columbia é única, pois sempre foi um lugar radical e progressivo, um lugar de
embate. Como universidade, é um pouco diferente, e me sinto mais confortável
M: Como você percebe o fato de que a cultura pode ser produzida tanto dentro em sua orientação por causa disso. Não consigo vê-la como uma empresa, porque o
como fora da universidade? produto é efêmero. O produto é a transformação da consciência da próxima geração
de pessoas que passam por ela. Posso ser muito idealista, mas sou realmente uma
CB: Quando eu estava no Art Institute, por muitos anos, um dos meus objetivos educadora de corpo e alma, e acredito que esses são lugares incríveis onde esse tipo
era pegar uma escola com uma grande tradição em fazer coisas e ajudar essa institui- de pedagogia pode ocorrer. Falando sobre as faculdades específicas de Columbia,
ção a também se tornar um lugar intelectual. Esse era não só um dos meus objeti- talvez eu consiga discutir com mais inteligência o relacionamento entre essas escolas
vos, era um dos meus legados. Ajudei a escola a ser um lugar no qual se fazem coisas, e a estrutura corporativa. Historicamente, as escolas de administração têm um rela-
mas também um lugar para se pensar a produção, o lugar dos objetos no mundo e cionamento muito diferente com as universidades, mas também com as cidades e o
todas essas outras ideias que ela não abarcava tradicionalmente. Trouxemos novas e país, e desenvolveram teorias que são implementadas diretamente. A Universidade
maravilhosas faculdades e alcançamos esse equilíbrio. de Chicago expôs teorias econômicas que foram adotadas e utilizadas para moldar
Eu vim para Columbia muito ciente do fato de que, embora houvesse uma sociedades inteiras – incluindo a nossa. Com base nesse ponto de vista, minha
escola de artes muito singular – com escrita, cinema, artes visuais, teatro e algumas perspectiva, estando na Faculdade de Artes, é de que é difícil ver nossa relação em-
pessoas fantásticas lecionando –, ela não tinha poder dentro da estrutura universi- presarial nesse sentido.
tária, era quase desconhecida para as pessoas dentro da universidade. Um dos meus
objetivos era infiltrar uma instituição da Ivy League1 com uma produção de escola M: A universidade se baseia em uma rede de doadores e membros do conselho de
de arte. Poderia a escola de arte ter um lugar na universidade em que disciplinas administração que fornecem apoio institucional por razões sentimentais, mas tam-
muito poderosas estão alojadas nas faculdades de medicina, de administração de bém por razões políticas. O que você pensa sobre essa rede poder ser uma fonte de
empresas, de direito e de jornalismo? São faculdades “peso pesado”, com reputação conflito de interesses?
histórica. Poderíamos fazer parte disso?
Nossa ideia era ver se uma escola de artes poderia ter poder dentro dessa estru- CB: É definitivamente uma rede. Quando viajo com ex-alunos da Columbia para
tura; se a produção de arte e cultura poderia ressoar nessa universidade, para que mostrar a eles a arte contemporânea, como acabei de fazer na Grécia, vejo onde
não se enxergasse apenas como um lugar em que que estudam arte, história da arte, estão as conexões e o enorme acesso que a Columbia tem a pessoas poderosas no
críticas literárias, estudos de cinema, mas que também fosse um local de produção; mundo todo, porque elas vieram e fizeram a faculdade aqui. Isso é verdade para
para ver se a escola pode ser poderosa o suficiente para fazer as pessoas pensarem, Harvard. É verdade para Yale. Para Princeton, Stanford. Os ex-alunos voltam para
envolver-se e se orgulhar da produção de arte. seus países e se tornam líderes de negócios, pensamento e governo. Acho isso incrí-
vel, depois de passar tantos anos em uma escola de arte em que a rede não criava
chefes de Estado. As pessoas não frequentavam a escola do Art Institute e depois
1 N.T.: A Ivy League (Liga de hera) é uma conferência desportiva de oito universidades
se tornavam chefe de um governo em seu próprio país. Todos os administradores
particulares de grande prestígio e tradição do nordeste dos Estados Unidos (Yale, Brown, aqui foram para Columbia, então eles se alimentam dessa maneira. Em princípio,
Harvard, Princeton, Columbia, Dartmouth College, Cornell e Pennsylvania). os doadores são pessoas que foram para Columbia. É um sistema circular no qual

10 11
as pessoas participam, recebem algo que é valioso para elas e continuam a retribuir, M: Você tem algum comentário sobre a tendência dos professores de reservar suas
para se conectar à próxima geração de pessoas à medida que as encontram. Essas críticas para situações fora de sua própria universidade?
pessoas voltam ao mundo em outro nível porque tiveram essas experiências.
CB: Bem, também é sobre ação. É complicado por várias razões. Uma das razões
M: Tenho uma pergunta sobre a rede internacional que afeta politicamente os di- pelas quais os protestos de rua geralmente vêm dos estudantes é que, quando você
ferentes países. Se alguém pensa na Escola Kennedy de Governo da Universidade trabalha em uma instituição, está em um relacionamento complicado. A universi-
Harvard, vê-se que muitos líderes latino-americanos foram para lá e depois se tor- dade está fornecendo o que você precisa para sobreviver. Se você tem críticas em
naram presidentes. Você acredita que a mesma coisa acontece aqui, na Columbia? relação às políticas, precisa encontrar maneiras de abordá-las com as pessoas que
realmente podem fazer mudanças, mas fazer isso fora das ruas. Se eu tivesse uma
CB: As pessoas que conheci na Grécia eram a próxima geração de jovens líderes queixa séria a respeito de algo que estivesse acontecendo aqui e eu ficasse sabendo,
gregos, chefes de grandes hospitais, pessoas de finanças e negócios que foram para a provavelmente iria direto ao presidente ou aos administradores. Possivelmente, eu
Columbia. Eu vejo a influência do que eles aprenderam no que estão trazendo em não estaria me manifestando em frente à Alma Mater: no meu papel de reitora, isso
suas respectivas áreas. À medida que me movo nesses círculos de ex-alunos, começo seria muito comprometedor. Não é que alguém se torne imune às contradições de
a perceber isso. Vi a mesma coisa no Oriente Médio. Em Amã, de onde vieram uma instituição, mas é preciso separar estratégia e princípio. Se realmente deseja
pessoas da Arábia Saudita, de Dubai e de Abu Dhabi, muitos foram para a Colum- mudar alguma coisa, isso depende do seu papel na instituição. Se é estudante, pode
bia. É enorme o alcance dessas instituições. Se você considerar todas as principais seguir um caminho. Se é professor, pode seguir um caminho diferente. Se é um
instituições dos Estados Unidos e pensar no número de gerações educadas aqui e reitor, pode seguir outro caminho. Isso não significa que você não tentaria ter sua
na influência que elas tiveram globalmente, isso seria enorme. voz ouvida; você só precisa ser estratégico nesse sentido. Além disso, quanto mais
alto você estiver na hierarquia de uma instituição, mais entenderá como as coisas
M: As universidades mudaram desde a década de 1960. Qual é a conexão delas realmente funcionam e aonde precisa ir para fazer as mudanças acontecerem. Ser
agora com programas militares e tecnologia de guerra? reitora, na verdade, foi um processo de aprendizado muito bom. Por mais difícil
que seja para mim, como escritora e pessoa criativa, também é incrivelmente peda-
CB: Não conheço a pesquisa direta que estaria implicada, mas sei que há uma gógico. Eu tive que crescer muito e tive que aprender muito sobre como a estrutura
enorme quantidade de pesquisas em biologia e química sobre questões que afetam e o poder funcionam; como realmente mudar a instituição, a estratégia para fazer
diretamente a vida das pessoas, e no Earth Institute há pesquisas sobre aqueci- as coisas de forma diferente de verdade, como obter os recursos nos lugares certos.
mento global e sustentabilidade. Provavelmente existem muitas coisas que eu não Nem sempre é o que parece do lado de fora. Às vezes você tem que conhecer de fato
conheço que teriam implicações diretas. Certamente a tecnologia está voltada para o interior e saber como um lugar funciona. Muitas pessoas não querem assumir esse
a estratégia de guerra, mas, por outro lado, há todas essas outras pesquisas que não papel, porque querem ter uma relação de oposição à instituição, mas essa relação
estão relacionadas à guerra, mas ao câncer e ao desenvolvimento sustentável. Tudo nem sempre promove alterações. Minha pergunta é: como você toca essas institui-
isso está acontecendo simultaneamente. Como elas são usadas e levadas à socieda- ções enormes, com muitos recursos, poder e força, e descobre uma maneira de real-
de é outra questão. O MIT sempre foi o centro desse tipo de questão. Columbia mente transformá-las para o bem ético e moral? Às vezes você tem que doar muito
também era um lugar politicamente volátil na década de 1960, e parte da razão da sua vida para fazer isso. Não é evidente, e, ainda assim, quando você deixa seu
pela qual é uma instituição com um passado muito turbulento é porque, em 1960, cargo dez, quinze, vinte anos depois, sua parte da instituição é transformada. É uma
as pessoas tinham medo dela. Elas se assustaram com as manifestações, sempre pergunta complicada. Eu sempre dividia tudo em princípio e estratégia, porque não
havia esse tipo de protesto. A Columbia também sempre teve um relacionamento queria investir meu tempo em oposição, a menos que isso realmente mudasse algo.
muito complicado com sua comunidade física e com o Harlem. A universidade
está constantemente repensando suas ações, porque essa história, sob muitos as- M: Tínhamos uma universidade muito engajada politicamente na década de 1960.
pectos, foi muito prejudicial para a instituição. Esse tipo de engajamento político está voltando para a universidade?

12 13 13
CB: Quando você chega a um lugar como este, vê que todo o trabalho conceitual ou instalação. Marcaríamos um encontro, conversaríamos e as pessoas sairiam para
feito em torno de raça, classe, etnia e marginalização, todas essas coisas discutidas na produzir seu trabalho.
época foram, agora, transformadas em ideias e passaram de protestos sobre igualda-
de e gênero a formas concretas – centros, programas, livros e conhecimento. Todas M: A ideia de um cenário para o ensino acadêmico, em um espaço aberto como um
as ideias geradas são agora currículos acadêmicos, o que não era o caso há vinte anos. jardim, onde o ensino pode ser mais flexível.
O que acontece quando tudo isso é absorvido como discurso? Todos podem con-
versar. E também houve uma mudança de consciência sobre ideias. Vejo que muitas CB: Essa é a noção idealizada. As universidades gastam uma quantidade enorme de
pessoas, na tentativa de obter sucesso na profissão, transformaram o que eram críti- recursos para manter seus edifícios, mas são realmente incapazes de fazê-lo. Esses
cas sociais muito complicadas em seu trabalho e, portanto, em corpos esotéricos de lugares são antigos e estão desmoronando. Pedaços inteiros de teto caem sobre os
conhecimento e livros que não afetam mais diretamente a sociedade. Dessa forma, professores. De muitas maneiras, acho que estamos presos às estruturas físicas.
a universidade se tornou um repositório de novas ideias, mas não necessariamente
de mudanças ativas. Não vejo outra geração de jovens professores defendendo a M: Mas as universidades estão expandindo seus patrimônios, seus bens imobili-
mesma ideia – que o único motivo para estar aqui é mudar a sociedade. Vejo, com ários; Columbia no Harlem, Harvard em Allston e a expansão da NYU. Isso é
muita frequência, que a razão de estar aqui é ter sucesso nesse universo, da mesma importante, porque o poder de uma universidade é representado por seus bens, por
forma que tantos jovens querem ter sucesso no mundo da arte, e não no mundo seu patrimônio.
como um todo. Eles querem colocar ideias radicais no mundo da arte porque esse
mundo gostará disso e os recompensará, mas não porque essas ideias transformarão CB: Há todo um estudo a ser feito sobre a mudança da Columbia para Manhattan-
o cenário político. Esse não é o objetivo. O sucesso tem um foco muito estreito. Eu ville, porque é muito complexo. Acho que a Columbia realmente tentou compensar
acredito que isso também é parte do que aconteceu na universidade. parte de seu passado muito conturbado em relação às comunidades em seu entorno.
Se as pessoas percebem isso dessa maneira ou não é outra questão. O que acontecerá
M: Quando você considera os espaços da sala de aula, fica claro que temos dois quando esses edifícios estiverem lá? Essas acomodações farão o que todos esperam
tipos. As salas de aula em Harvard ou Columbia parecem espaços monásticos, en- que façam? Elas terão sucesso? Eu não sei as respostas. Só sei que o problema das
quanto as do MIT e de outras universidades mais jovens têm edifícios transparentes universidades estruturadas em torno do espaço, como o são, é que elas crescem ou
feitos de vidro e nova arquitetura. Como você acha que esses espaços diferentes morrem. Elas não podem se sustentar no mesmo modelo para sempre. Teria que ser
afetam a disseminação do conhecimento? um conceito muito diferente. O problema é que os corpos de conhecimento conti-
nuam mudando. Um dos edifícios que fica na 125th Street se chama Mente, Cére-
CB: Para uma faculdade de arte, o ideal seria um espaço grande, aberto e flexível, bro, Comportamento (Mind, Brain, Behavior). À medida que o pensamento evolui,
que pudéssemos reconfigurar constantemente como escolhêssemos, dependendo do essas disciplinas agora precisam estar juntas. Você precisa descobrir como continuar
que estivermos pensando, em um intervalo de cinco anos. Nós não temos isso. Nos evoluindo, em paralelo, arquitetura e pensamento. Como eu disse desde o início, a
meus sonhos, às vezes, começamos uma escola de arte com um grupo de pessoas, universidade é realmente a encarnação da evolução das ideias. Agora, cada vez mais,
sem ter instalações. A instalação física ocupa tanto tempo, tantos recursos, tanta as pessoas querem transpor as ilhas que outras gerações construíram. Elas não podem
energia, e então ficamos presos a ela. Mesmo se formos erguer um novo e peque- fazer isso nesses prédios antigos, então precisam imaginar novos ambientes – espero,
no prédio na 125th Street, a ideia concebida neste minuto será datada assim que mais flexíveis –, que podem ser transformados à medida que as ideias evoluem.
começarem a construir. Levará sete anos, e a ideia surgiu há dois, portanto, talvez Além disso, essas instituições não podem se sustentar economicamente sem
dez anos terão passado no momento em que realmente veremos o que imaginamos crescer, e esse problema é quase inevitável. Você vê pequenas faculdades de artes
agora. Já estaremos em outro lugar em nosso pensamento, mas ainda teremos que liberais, por exemplo, se esforçando e lutando para manter o mesmo modelo de
viver naquele prédio. Acho que todos somos muito limitados pelo mundo físico. estudantes, mas elas não conseguem fazer isso, passar para o século XXI e ainda ter
É por isso que precisamos imaginar espaços o mais flexíveis possível agora. Acho recursos suficientes, a menos que cobrem mais dinheiro das pessoas. Então, elas têm
também que seria muito divertido ter uma faculdade de artes sem nenhum prédio que crescer. Por sua vez, é muito difícil manter os edifícios do passado enquanto

14 1515
você está construindo os edifícios do futuro. Então você tem essa desigualdade: um vem, no Brooklyn, em Nova York, sempre foi em escolas públicas fantásticas. Recebi
campus antigo, que precisa de muitos recursos que não vai conseguir; enquanto tem uma educação ótima. Tudo se foi. Agora, se você quer uma boa educação para seus
que construir um novo campus para que a universidade possa ser vista evoluindo, a filhos em Nova York, precisa enviá-los para escolas particulares, que meus pais, por
fim de competir com todos os concorrentes que estão avançando. exemplo, nunca poderiam ter proporcionado. A dinâmica disso mudou muito nos
As universidades, a igreja e a cidade são os grandes proprietários de terras em últimos quarenta anos. Os sistemas da Universidade de Nova York e da Universidade
Nova York. Você tem Columbia em uma extremidade e a NYU na outra, e você da Califórnia são extraordinários. A Universidade de Michigan ainda é uma ótima
tem a igreja e a cidade em algum lugar no meio. Eu vejo isso como uma inevitabi- escola. No entanto, não sei o que vai acontecer. Essa recessão global está afetando a
lidade que ninguém pode descobrir como conter. O problema de mudar o local, o todos. Eu acabei de vir da Grécia, então estou ciente do que está acontecendo por lá,
pensamento e a pesquisa é grande. Como você se torna uma universidade global no mas não é só Grécia, Espanha, Itália e Irlanda; está acontecendo também neste país.
século XXI? Afinal, o que isso quer dizer? Você fala sobre “cidadãos globais”. O que Quando o orçamento do Estado de Nova York ficará completamente esvaziado
isso significa? E como isso reverbera em uma instituição que está aqui há séculos? para que não funcione mais? Eu nem sei se esses modelos alternativos ainda exis-
tirão no futuro. Se as universidades públicas forem dizimadas, os professores vão
M: A expansão deles afeta o bairro, e está acontecendo agora. pagar e irão querer entrar nas universidades privadas porque não vão confiar nas
públicas. Ao mesmo tempo, houve uma época em que trabalhar na Universidade
CB: Está acontecendo e ninguém pode parar isso. Não é necessariamente uma coisa da Califórnia era o melhor emprego que você poderia ter no país. Os professores
ruim, mas o modo como é feito é extremamente importante. Se você for para a 125th não precisavam dar muitas aulas. Eles tinham muito dinheiro para pesquisas. Eles
Street agora, não há muito lá. Houve uma grande briga sobre o espaço, mas isso está tinham e ainda têm bibliotecas e oportunidades de pesquisa fantásticas. Esses eram
resolvido. O primeiro estágio não é tirar as pessoas de suas casas. Mas a questão é: lugares incríveis. Os alunos podiam ir à faculdade por muito pouco, então realmen-
como isso afetará o bairro? Espero que seja positivo; todo mundo está tentando fazer te havia diversidade econômica. Se tudo isso muda, o que significa? É vasto. Eu não
dessa maneira. Só vamos saber quando for entrar em ação. sei a resposta.

M: Qual é a sua percepção das diferenças entre universidades públicas e privadas? M: Muito obrigado. Gostaria de adicionar mais alguma coisa, alguma preocupação
ou comentário sobre algo que não lhe perguntei?
CB: Frequentei apenas universidades públicas, mas trabalhei principalmente em uni-
versidades particulares por muito tempo. A escola do Art Institute of Chicago é uma CB: Você não perguntou: “Como você se move de maneira subversiva quando está
escola particular. O museu existe em parte nos terrenos de Park District2, o museu em uma posição de poder?” Penso nisso por causa dos papéis que assumi. Parece que
do Art Institute – mas essas são basicamente instituições privadas. Columbia é uma meu destino cármico termina nesses papéis, mesmo que eu nunca tenha decidido
instituição privada. Sempre acreditei muito em instituições públicas, porque essa foi ser uma reitora ou trabalhar dessa maneira. Tudo o que eu faria era ser professora
minha educação. Era tudo o que minha família podia pagar. Estou vendo o que está e escrever meus próprios livros. Mas está claro para mim que, se você trabalha em
acontecendo, Nova York está demitindo uma enorme quantidade de professores e a uma instituição educacional e deseja que as coisas aconteçam, acaba tendo de assu-
Universidade da Califórnia está sendo completamente dizimada. Foi aí que fiz meu mir papéis de liderança, ou então não pode mudar as coisas. Quanto mais alto você
doutorado, na Universidade da Califórnia. É trágico. Enquanto esses eram modelos estiver na estrutura, maior a capacidade de mudar a instituição. O truque é apren-
incríveis de possibilidade educacional igualitária, o que vai acontecer agora, quando der a fazer isso de maneira eficaz, e essa é uma conversa completamente diferente.
todos esses estudantes da Califórnia, que estavam contando com a possibilidade de Mas se eu fizesse mais uma pergunta, com base em todas as suas preocupações,
ir a essas instituições públicas, não conseguirão? Minha própria educação quando jo- perguntaria a todas as pessoas que você está entrevistando como elas sobrevivem
nessas instituições. Como fazemos a mudança acontecer? Por que estamos aqui e o
2 N. do T.: Os Park Districts são entidades administrativas que gerenciam os parques e as que esperamos alcançar?
áreas de lazer de uma cidade ou de um bairro. O Park District de Chicago é um dos maiores
e mais antigos dos Estados Unidos, responsável por 580 parques, 31 praias, vários portos,
dois jardins botânicos, um zoológico e 11 museus.

16 17
Noam Chomsky
Muntadas: Historicamente, o que a academia e a universidade representam?

Noam Chomsky: As universidades são uma forma específica na qual um sistema


acadêmico pode ser estabelecido; portanto, o sistema universitário moderno vem
basicamente de Wilhelm von Humboldt e se expande de maneiras diferentes em
um cenário acadêmico. Alguém poderia chamar a igreja de um ambiente acadêmi-
co, em algumas de suas capacidades. Universidade é um tipo específico. Você pode
ter um ambiente acadêmico sem alunos, por exemplo, como o Instituto de Estudos
Avançados de Princeton. Não chamamos isso de universidade; uma universidade
possui alunos, relacionamentos aluno-professor, mecanismos de certificação etc.,
algo que o Instituto de Estudos Avançados não possui.

M: Os valores que a universidade acumula para as pessoas a ela associadas – sejam


espirituais, culturais, econômicos ou relacionados ao ato do conhecimento – repre-
sentam um tipo de poder. Você poderia comentar sobre isso?

NC: A princípio, a universidade deve defender esses valores o máximo possível,


independentemente das estruturas externas de poder e de seus sistemas de valores.
Pode ser que o sistema de valores externo busque poder ou dominação, expan-
são, justificativas para suas ações, e assim por diante, e, a princípio, a universidade
tentará ser independente. Há casos, como o MIT, em que há uma surpreendente
contradição interna durante grande parte de sua história recente. Isso se tornou
muito explícito durante a Guerra do Vietnã. Essa universidade passou a ser um dos
principais centros acadêmicos de resistência à guerra, mas foi amplamente finan-
ciada pelo Pentágono. Parece haver algum tipo de conflito, mas de fato deu certo.
Apoiar a resistência fazia parte da função genuína e válida da universidade, embora
eu tenha certeza de que o Pentágono não viu dessa maneira.

M: Você vê uma grande diferença entre universidades privadas e universidades


públicas?

NC: É uma distinção difícil de fazer. Mais uma vez, considere o MIT. Teorica-
mente, é uma universidade particular, apesar de ter sido estabelecida pelo governo

19
como uma faculdade Land Grant3, mas na prática é financiada externamente. professores. Há também uma questão complexa sobre até que ponto a universidade
Muito disso é financiamento público. Até pouco tempo, era principalmente fi- deve ser administrada pelo corpo docente e o papel daqueles que às vezes são chama-
nanciamento estatal. É privado, pois tem seus próprios administradores e sistema dos de partes interessadas: estudantes, funcionários e outros. Qual o papel deles na
de gerenciamento interno, mas conta com o que se chama soft money, financia- administração da universidade?
mento externo, principalmente estatal, e algum financiamento corporativo. Por- Tem também havido esforços constantes para tentar lidar com isso, como comitês
tanto, as fronteiras entre universidades públicas e privadas ficam um pouco con- de estudantes e professores, esforços que, desde início, nunca chegaram muito longe.
fusas, dependendo da perspectiva pela qual você olha para elas. E, no entanto, existem outras coisas que são consideradas apenas questões do corpo
Mas a Universidade da Califórnia em Berkeley é uma universidade estadual que docente, como quem se forma e quem não. É impróprio que os alunos participem
também possui dinheiro privado, financiamento público e financiamento corpora- disso, porque eles teriam acesso a informações confidenciais que não deveriam ter.
tivo. Por um lado, existe a estrutura administrativa formal e, por outro, o apoio que
realmente a mantém no dia a dia. M: Os ex-alunos se tornam sócios ou amigos da faculdade institucional, como uma
Alma Mater. Como esse sistema opera em termos de tomada de decisão?
M: A universidade é definida como uma instituição organizada de ensino superior, mas
ultimamente evoluiu mais para uma corporação. Você pode comentar sobre essa evo- NC: Considere a Kennedy School of Government da Universidade de Harvard. Ela
lução e sua relação com a economia e as estruturas do que uma corporação significa? traz pessoas do Terceiro Mundo para educação, treinamento, participação e assim
por diante. Traz líderes políticos, oficiais militares e lideranças camponesas? Nós sa-
NC: Isso constantemente leva a vários tipos de tensões. Existem tensões entre a função bemos a resposta para isso. Ela não traz lideranças camponesas que estão tentando
interna da universidade e seu princípio como uma instituição independente de pesquisa iniciar um movimento revolucionário. Há um filtro que tem a ver com a estrutura
e esses desafios. Existe o fato de que ela não está em Marte, está em uma sociedade geral do poder. As pressões dos ex-alunos aparecem de várias maneiras, e muitas
em particular, com uma estrutura particular de poder e concentração de riqueza. Sua universidades privilegiam os filhos de ex-alunos na admissão, e você pode entender
sobrevivência depende da criação de tensões. Internamente, também existem tensões. o porquê. A universidade está tentando estabelecer uma base de financiamento e
A princípio, a universidade deve ser administrada pelos participantes: corpo docente, tenta manter ex-alunos fiéis que a financiarão. Isso ocorre porque as universidades
estudantes e funcionários. Na prática, existe uma estrutura de autoridade: reitores, pre- são essencialmente instituições parasitárias. Você não pode contornar isso. Eles não
sidentes, administradores e assim por diante. geram internamente seu próprio apoio econômico. Eles dependem do lado de fora
para obter apoio econômico e isso força um comprometimento muitas vezes desa-
M: Doadores, curadores e apoiadores institucionais estão ligados à universidade sen- gradável. Em locais bem administrados, como o MIT, eles tendem a não se curvar a
timentalmente, mas também politicamente. Quais são algumas das implicações aqui pressões externas. O caso que mencionei é dramático. Um laboratório com cem por
para criar uma rede de apoio econômico? cento de fundos militares é um dos principais centros de resistência à guerra. Refiro-
-me à resistência real, não apenas ao protesto, mas ao engajamento no que o governo
NC: É nebuloso. É como percorrer um terreno acidentado, cheio de buracos e ar- considera atividades ilegais.
madilhas, e precisar encontrar o caminho. Há casos em que muitos consideram isso
uma interferência imprópria no funcionamento da universidade por parte de forças M: Estamos falando do Lincoln Laboratory?
externas. Conheço casos, aqui e em outros lugares, em que gestores administrativos
simplesmente se concentraram em nomeações de professores, estruturas administra- NC: Não, não o Lincoln. O Lincoln é um laboratório militar fora do campus; este
tivas ou departamentos emergentes, ou eliminaram departamentos, sem consultar os é apenas o laboratório acadêmico, o Laboratório de Pesquisa em Eletrônica. Faz
parte da Universidade, mas na época era cem por cento financiado pelos militares. A
3 N. do T.: Land Grant universities ou Land Grant Colleges são universidades que foram cons-
maior parte do MIT foi financiada pelos militares. Isso é um pouco enganador e as
truídas sobre terrenos cedidos pelo governo federal para os estados, tendo estas como enfoque o pessoas não entendem o que isso significa. Uma parte da função das forças armadas
ensino da agricultura, ciência, ciência militar e engenharia, no âmbito da revolução industrial. nos Estados Unidos é, é claro, somente as forças armadas, mas outra parte de sua

20 21
21
função está ajudando a criar a economia do futuro; portanto, o Pentágono usou essa Nixon, os planejadores estavam preocupados com o Chile. Um alto funcionário dis-
função como um dispositivo para atrair o público, arcar com os custos e assumir ris- se: “Se não podemos controlar a América Latina, como esperamos controlar o resto
cos de desenvolvimentos econômicos com o lucro e o resultado destinados ao setor do mundo?”. Isso, pelo menos, temos de controlar. Está se tornando cada vez mais
privado. Pegue computadores que foram desenvolvidos substancialmente naquele difícil, pois, pela primeira vez em quinhentos anos, a América Latina está se movendo
laboratório. Eles foram desenvolvidos com financiamento público, principalmente em direção a um grau de independência, integração e diversificação de suas relações
por meio do Pentágono. Mas é claro que, quando algo sai comercializável, é entre- externas com a África do Sul, a China e outros países. Há uma modificação de polí-
gue às empresas. É assim que a economia funciona, não apenas nos Estados Unidos, ticas nos Estados Unidos no nível governamental, mas também das fundações, sobre
mas em países industrializados avançados em geral. O Pentágono desempenhou esse como tentar acomodar esses desenvolvimentos tão importantes na América Latina.
papel, desde que a vanguarda da economia fosse baseada em eletrônicos. Agora o Por exemplo, apenas alguns dias atrás, alguns documentos foram divulgados sob a
Instituto Nacional de Saúde desempenha o mesmo papel, porque a vanguarda da Lei da Liberdade de Informação, que finalmente começa a responder o que tem sido
economia está se tornando baseada em biologia. Existem vários papéis que as insti- uma pergunta oculta. No caso da Bolívia, há um movimento democrático popular
tuições públicas desempenham fora da universidade. Não é transparente; a maioria extremamente impressionante que deslocou as elites tradicionais, principalmente as
do público não sabe que, quando seus impostos vão para o serviço militar, eles estão brancas e ricas, e elas não gostaram, queriam, de alguma forma, reter seu poder e se
realmente ajudando a desenvolver a economia privada do futuro. separar dos desenvolvimentos democráticos das maiorias indígenas.

M: Era uma piada comum nos anos 1970 que se David Rockefeller se tornasse pre- M: Talvez essas elites tenham estudado por aqui.
sidente dos Estados Unidos, seria um rebaixamento. Seu homônimo, o Centro Ro-
ckefeller de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Harvard, pode ser visto NC: Esses documentos que acabam de ser divulgados indicam o que há muito se sus-
como tendo conexões indeléveis e inefáveis entre atividades acadêmicas e o impacto peitava, que os programas da USAID5 estão indo para a oposição e os quase secessionis-
global de instituições sociais e econômicas. Você tem algum comentário sobre isso? tas, para todos os movimentos de elite, em um esforço mais ou menos tradicional para
Existem implicações do status quo em relação à América Latina? Sinto que há certo derrubar o governo. Eu não ficaria surpreso se você também descobrir isso em pessoas
interesse em acadêmicos em todo o mundo que depende de interesses econômicos. que estiveram na Escola de Governo Kennedy da Universidade de Harvard.
A América Latina agora está se tornando um investimento econômico interessante.
Há muitas pessoas interessadas em apoiá-la em termos de educação. M: Parte do interesse deste projeto é tentar levar certa autocrítica às pessoas que ensinam
e fazem parte da universidade há muitos anos. Sei que você gosta de separar seu ensino
NC: A América Latina tem sido historicamente considerada o quintal de Washington. do seu envolvimento político, que é extracurricular e fora da instituição.
Isso remonta quase duzentos anos à Doutrina Monroe4. A América Latina deveria
ser nosso território e é por isso que houve intervenções tão maciças na região. Isso já NC: É até dentro da instituição, mas eu faço no meu próprio tempo. Eu sempre
aconteceu em outros lugares também, mas não na escala em que ocorreu na América tentei fazer uma separação extremamente nítida; por cerca de vinte e cinco anos eu
Latina, e é por isso que existe esse tipo de fervor, quase sempre histérico, se alguma estava ministrando cursos de graduação em questões sociais e políticas, mudança
parte da América Latina se move em direção à independência. Cuba é um exemplo social, assuntos internacionais e assim por diante, sempre no meu tempo. A uni-
impressionante. É simplesmente considerado ultrajante que Cuba não esteja fazendo versidade ajudou. Eles me deixaram arrumar uma sala e permitiram que os alunos
o que mandamos. Não importaria tanto se o Quênia não estivesse fazendo o que recebessem créditos por isso. Para mim, foi no meu próprio tempo. No entanto,
pedimos, porque não é nossa área de controle tradicional. De fato, durante o governo mantenho meu trabalho político longe do meu trabalho acadêmico formal. Eu não
mencionaria isso, exceto de forma casual.
4 N. do T.: Doutrina Monroe: Doutrina do quinto presidente dos Estados Unidos, James
Monroe (1758-1831), que defendia que qualquer interferência de potências europeias no
continente americano seria vista como um ato de agressão. A doutrina é definida pela frase 5N. do T.: United States Agency for International Development (USAID) – Agência dos
“A América para os americanos”. Estados Unidos para o desenvolvimento internacional.

22 23
M: Visto da perspectiva europeia que outros colegas e eu temos, às vezes pode pare- basicamente muito bom. O modo como a Universidade de Boston trabalhou foi
cer um paradoxo ético o envolvimento político em todo o mundo. escandaloso. A Universidade de Boston é uma instituição privada.

NC: Poderia ser. Há uma espécie de ambiguidade sobre isso. Quero dizer, supo- M: Você diz que, na década de 1960, o ativismo dos estudantes foi muito importante na
nha que você seja um cientista político, ensine assuntos internacionais ou seja um reformulação de uma parte da universidade. Você vê a situação muito diferente agora?
antropólogo. Tudo o que você está fazendo está dentro de uma estrutura política
e social e, predominantemente, está na estrutura do poder estatal e da cultura do- NC: É diferente. Por um lado, a universidade é totalmente diferente. O ativismo
minante. Isso não é considerado politizado. No entanto, qualquer coisa contra se- da década de 1960 mudou as universidades e a sociedade; portanto, se você andar
ria considerada politizada. O departamento de Ciência Política aqui na década de pelos corredores do MIT hoje, metade são mulheres, um terço minorias, o vestuário
1960 estava literalmente envolvido em contrainsurgência no Vietnã. Eles tinham e as relações são informais. Se você andasse pelos mesmos corredores quando cheguei
uma vila em Saigon, onde os estudantes estudavam a sociedade, mas isso é estu- aqui, em 1955 ou mesmo no início dos anos 1960, seriam homens brancos, vesti-
dá-la em um país ocupado e ligado à agressão. Isso não foi considerado politizado. dos formalmente e respeitosos. Todo o personagem é diferente. Ele mudou, mesmo
Agora, imagine que um grupo tivesse iniciado uma subseção do departamento de em relação ao trabalho; portanto, nas décadas de 1950 e 1960, havia pouca atenção
desenvolvimento de tecnologia para resistir, mas para os vietnamitas resistirem à às questões dos impactos sociais do desenvolvimento científico e tecnológico. Essas
ocupação estrangeira e estariam investigando o governo dos EUA para fornecer questões se tornaram significativas sob a pressão do movimento estudantil e, de fato,
informações à resistência em como resistir de forma mais eficaz. houve um dia famoso, 4 de março de 1969, em que as sessões foram encerradas, as
Bem, antes de tudo, todos eles seriam presos, mas, se não fossem, isso seria con- aulas foram suspensas e o instituto foi aberto à discussão. Houve discussões e debates
siderado politizado. O que é chamado trazer política para a sala de aula normalmen- sobre o que estávamos fazendo, as implicações sociais do que estávamos fazendo e se
te significa trazer dissidência para a sala de aula. A conformidade não é considerada deveríamos estar fazendo outra coisa. Isso estabeleceu um tom que, em grande parte,
política; é apenas a norma. tem sido seguido desde então. Como resultado, as universidades são diferentes, o tipo
de ativismo estudantil é bem diferente, então tendemos a pensar. A conversa comum
M: Você acha que devemos ser mais críticos com nossas próprias instituições? Estou é que toda a década de 1960 foi uma época de ativismo, mas o verdadeiro ativismo es-
pensando em pessoas com seguidores, alguém como Howard Zinn na Universidade tudantil em lugares como esse ocorreu por cerca de um ano ou dois no final da década
de Boston, alguma voz crítica em Harvard ou você aqui no MIT, que pode assumir de 1960, quando houve um pico intenso de ativismo: antes disso, não havia muito
esse papel. Acho que se isso acontecesse com um professor associado, um assistente e, depois, meio que desapareceu. Não desapareceu; saiu em outras direções. Hoje há
ou um aluno, não seria ouvido. uma diversidade de ativismo muito maior do que na década de 1960. Se você contou
os participantes, provavelmente não é muito diferente.
NC: Mas as instituições variam.
M: Gostaria de pedir que você resumisse algumas dessas questões. Você vê algum
M: E você? conflito entre a rede de poder administrativo e a universidade?

NC: Eu fui muito bem tratado. Quando estava indo e voltando da prisão, enfren- NC: Houve casos em que a administração, aqui e em outros lugares, impôs um
tando uma longa sentença, por me envolver em resistência e assim por diante, isso membro do corpo docente ao departamento. Há outros casos, felizmente raros, em
nunca afetou a maneira como fui tratado dentro do MIT. Mas vamos considerar que o corpo docente trabalha por meio de nomeações e apresenta à administração
Howard Zinn, da Universidade de Boston. Eles tinham um presidente extrema- essa pessoa promovida à titularidade e a administração se recusa, às vezes sob pressão
mente autocrático, que usou todos os recursos para expulsá-lo da universidade e, do administrador ou da comunidade. Felizmente, esses casos não são numerosos,
finalmente, o forçaram a sair dizendo ao departamento de Ciência Política que não mas existem, inclusive atualmente. Não aqui, até onde sei, mas em outros lugares,
seriam capazes de funcionar até que se livrassem dele. Estes são os dois extremos e essas são coisas pelas quais as universidades estão constantemente lutando. Recen-
de como as universidades podem funcionar. O modo como o MIT funcionava era temente, houve um grande caso na Universidade do Colorado, onde houve pressão

24 25 25
para demitir um professor titular. Eles criaram todo tipo de desculpas, mas o ver-
dadeiro motivo foram os comentários críticos que ele fez após o 11 de setembro.
É uma universidade estadual, então a legislatura estava envolvida, assim como os
ex-alunos e suas comunidades, e finalmente levou a um processo judicial.

M: Eu tenho uma pergunta sobre o espaço. Lembro-me de quando o conheci na


década de 1970, era no “quartel” [Edifício 20].

NC: Esse foi o melhor prédio que já tivemos. Era um belo edifício informal.

M: Quando falamos sobre a universidade, espaço e arquitetura são importantes.


Você tem algum comentário sobre arquitetura e universidade?

NC: É muito pessoal, mas eu gosto desse estilo. Eu até gosto do chamado corredor
infinito, a aparência monástica dele. Mas esse espaço em particular, que foi projetado
como um edifício temporário durante a Segunda Guerra Mundial, era um edifício
muito confortável para se trabalhar, se você não se importava com as janelas caindo
e os esquilos na parede. Era muito livre e aberto, havia muito intercâmbio e nenhum
tipo de segurança. Você podia entrar 24 horas por dia e ir para o seu escritório para
conversar com as pessoas, não precisava ter senhas de acesso. Era surpreendente por-
que havia muitos equipamentos de alta tecnologia, se fazia um trabalho quase con-
fidencial, mas era um ambiente aberto e livre. O próprio edifício propiciou relações
informais e intercâmbios, relações interdisciplinares. Isso ocorreu em parte porque era
muito simples e despretensioso, em parte porque era independente, e suspeito que os
alunos tenham gostado mais.

M: Talvez eles pensem que estão fora da universidade. Quando estão na cafeteria,
sentem que estão em uma cafeteria. Como você se sente com isso? Como é a tran-
sição do espaço, do uso do espaço?

NC: Minha preferência pessoal seria um escritório como uma caixa, um lugar onde
você pode ter estantes, um quadro-negro e conversar com os alunos. Devo dizer
que este escritório é muito melhor para coisas como entrevistas, porque é espaçoso.

M: É maior do que o que você tinha antes.

NC: É maior.

M: Muito obrigado. Obrigado pelo seu tempo, você foi muito gentil.

26 27

Você também pode gostar