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A importância do afeto na relação mãe-bebê e suas implicações no

adoecimento psíquico: Um estudo de caso sobre o filme “Precisamos


falar sobre Kevin”

Marta Priscila Schneider Dias (1), Denice Bortolin Bassegio (2)


(1) Estudante de Psicologia, pela Faculdade Meridional - IMED, Passo Fundo –RS- Brasil. E-mail:
martapriscilaschneider@gmail.com
(2) Psicóloga. Especialista em Psicologia Clínica e Mestre em Educação pela Universidade de Passo
Fundo- RS Brasil. Docente e Coordenadora Geral de Estágios do Curso de Psicologia da Faculdade
Meridional- IMED, Passo Fundo - RS – Brasil. E-mail:
denice.bassegio@imed.edu.br
A importância do afeto da relação mãe-bebê e suas implicações do
adoecimento psíquico: Um estudo de caso sobre o filme “Precisamos
falar sobre Kevin”

Resumo: O presente artigo é uma pesquisa qualitativa descritiva constituída por um referencial
bibliográfico que aborda o abandono afetivo, sob um olhar psicanalítico a partir de um estudo de caso
único. Busca-se compreender quais são os fatores essenciais para a constituição psíquica de um sujeito
saudável e se estes podem ocasionar falhas a partir do abandono afetivo, comprometendo o
desenvolvimento psíquico deste indivíduo, analisa-se também a inserção da prevenção como um meio de
anteceder a constituição psíquica com um funcionamento de tendência antissocial. Para isto, investigou-
se um caso clínico de um menino denominado Kevin. Esta história clínica foi construída a partir do filme
“Precisamos Falar Sobre Kevin”, da diretora Lynne Ramsey, onde ela retrata a história de vida do
menino desde sua gestação até a adolescência. Este filme, que narra à história de vida de Kevin foi
selecionado de forma intencional, por apresentar fatos de sua vida que se correlacionam ao tema de
interesse do presente estudo. Conclui-se que Kevin não se tornou capaz de amar por não ter sido amado,
e também não foi ele capaz de ser relacionar de maneira saudável com suas questões de vida, mostrando
uma incapacidade de estabelecer relações consigo próprio ou com os outros.

Palavras-chave: Psicologia; Psicanálise; Abandono Afetivo; Tendência Antissocial.

Abstract: This article is a qualitative study consisting of a bibliographic reference that addresses the
emotional distance under a psychoanalytical from a single case study. We seek to understand what
factors are essential for the constitution of an healthy subject psychic and if these faults can cause
affective abandonment from the compromising the psychic development of this individual, It also analyzes
the insertion as a way of prevention the constitution precede psychic function in trend with antisocial.
For this, we investigated a case of a boy termed from Kevin. This clinical history was constructed from
the film “We nedd to talk about kevin, the director Lynne Ramsey, where she portrays the life story of the
boy its gestation through adolescence. This film narrates the life story of Kevin was selected intentionally,
by present facts of his life that correlate to the topic of interest of this study.

Keywords: Psychology; Psychoanalysis; Affective Abandonment; Tendency uncompanionable.

1. INTRODUÇÃO
No atendimento clínico, pode- se verificar que o sofrimento psíquico trazido por pacientes adultos está
muito relacionado ao período inicial de suas vidas. Posterior ao nascimento biológico do bebê, haverá de
ter outro nascimento, o nascimento “psicológico”, que nos constitui como seres humanos, uma aversão ao
natural, é aquele que nos insere na cultura humanizada. A mãe, ao prestar o cuidado autoconservativo ao
seu bebê, supre suas necessidades básicas e, em apoio a estas, introduz a pulsão. Este processo é de
fundamental importância na constituição psíquica do sujeito e, se ocorrem falhas nesta relação, poderá
contribuir para o comprometimento de um constituição saudável deste sujeito.
O presente artigo pretende compartilhar os achados da pesquisa realizada com os leitores e estudiosos
interessados no tema: “abandono afetivo”, oportunizando uma reflexão e, conseqüentemente, aborda o
estabelecimento do vínculo como uma forma de prevenção contra constituições psíquicas com este tipo
de funcionamento, com uma tendência antissocial.
A partir da sustentação teórica que embasou o trabalho, buscou-se relacionar o abandono afetivo e as
origens do indivíduo com as falhas na construção da sua personalidade, compreendeu-se como se
desenlaçam as vivências e as percepções do sujeito que teve a mãe presente em sua vida, mas cuja
presença mostrou-se desvitalizada.
Através da história clínica apresentada, compreendeu-se como pode ser vivenciada e internalizada esta
relação de abandono afetivo, da mãe em relação ao seu filho, bem como as consequências deste abandono
na constituição das relações familiares e interpessoais do menino. Foi ele capaz de amar, de ser amado e
se relacionar de maneira saudável com as questões de sua vida? Como se estabeleceu a relação consigo
próprio e com os outros? Teve ele capacidade de lidar com a rejeição que ele sentia de sua mãe? E a
indiferença de seu pai? Como age frente aos seus sentimentos em relação a si, a sua família e sociedade.
Pode tentar construir algo que não foi construído em sua infância? Estas são questões que o presente
trabalho investigou, as quais serão demonstradas no decorrer deste.
As questões teóricas do estudo foram abordadas pelo viés da Teoria Psicanalítica articulado pelas Teorias
do Desenvolvimento Emocional Precoce, como as de Freud, Bolwby e Winnicott abordando a relação de
constituição através da relação com o objeto Mãe.
Definiu-se como problematização do estudo os fatores necessários para a constituição psíquica saudável e
se estes podem sofrer falhas a partir do abandono afetivo, ocasionando transtornos na constituição do
psiquismo.
A metodologia do estudo aqui utilizada foi uma pesquisa qualitativa descritiva de comportamento, através
de um estudo de caso desenvolvido a partir da história de vida de Kevin (Breakwell; Schaw; hammond e
smith, 2010) que foi selecionada de forma intencional, por apresentar fatos de sua vida que coincidiam
com os aspectos a serem estudados.
A história clínica foi descrita com base no filme de Lynne Ramsey “Precisamos Falar Sobre Kevin”, que
retrata a vida de um menino que não foi bem aceito por sua mãe desde sua concepção. A história de vida
é descrita a partir de três momentos: história pregressa, história atual e desfecho da história. Ao final do
estudo, elaborou-se uma análise e interpretação de sua história, à luz da teoria psicanalítica.

2. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

2.1. A importância do afeto para o bebê


Quando um bebê nasce pressupõe-se que a sua chegada ao mundo seja repleta de cuidado, amor, carinho
e das mais diferentes demonstrações de afeto, mas na realidade nem sempre é isto que ocorre, pois,
muitas vezes, logo ao nascer este bebê será privado por diversos motivos, de cuidados que passam desde
os básicos e fundamentais para sua existência, até qualquer tipo de cuidado afetivo.
Conforme Bowlby (2006), Freud sustentou que as raízes de nossa vida emocional estão diretamente
relacionadas com nossa infância,buscou ainda explorar de forma sistemática esta ligação entre os
acontecimentos da infância e a estrutura de funcionamento da personalidade na idade adulta.
Considerando que o principal vínculo afetivo no inicio da vida mais comum é o estabelecido entre o
contato mãe e bebê, surge ai o conceito de “A Mãe dedicada comum” ou a então, “A mãe
suficientemente boa” Winnicott (2006) , a concepção de ser mãe surge conforme determina a natureza,
do mesmo modo que os bebês não podem escolher suas mães, estas se adaptam a condição materna de
forma natural, tendo a gestação como o tempo necessário para se reorientar e descobrirem que seu oriente
passará então a se localizar neste bebê, aprendendo de forma inata a nutri-lo de cuidados e afeto de uma
forma natural.
Ainda dentro do conceito de “A Mãe dedicada comum” Winnicott (2006) se use utiliza do verbo segurar,
cujo significado abrange tudo que uma mãe é, ou faz, segurando seu bebê, a mãe consegue identificar as
necessidades deste ao tomá-lo nos braços, trata-se da mais simples de todas as experiências baseada no
contato, esta experiência cria as necessárias condições para a manifestação do sentimento de unidade
entre duas pessoas, oportunizando ao bebê a ser, e assim, podem surgir as coisas seguintes, que tem a ver
com a ação, o fazer e o deixar que façam por ele, é desta forma que se fundamenta a auto percepção deste
bebê.
Sobre este assunto Bowlby (2006), descreve que quando um bebê recebe amor na companhia de sua mãe
e também de seu pai, este, crescerá sem uma propensão irresistível ao sentimento de ódio, caso não
receba este amor seus anseios libidinais tendem a ser muito elevados, o que faz com que esteja
constantemente buscando por amor e afeição, dando a ele uma propensão continua de odiar aqueles que
não conseguem lhe dar o afeto que tanto deseja.
O não conseguir dar afeto que o bebê tanto deseja, pode parecer algo incomum ou inaceitável que os pais
errem com seus filhos desta forma. Segundo Bowlby (2006) alguns dos erros destes pais nascem da
ignorância, porém a maior parte destes, tratam-se de problemas emocionais inconscientes que têm origem
na infância, muitas das dificuldades encontradas por estes pais consiste na incapacidade de regular a
própria ambivalência.
Por outro lado, quando as condições ideais são disponibilizadas a este bebê através dos cuidados que lhe
são dedicados conforme Winnicott (2006) é o mais comum de acontecer, este bebê poderá desenvolver a
capacidade de ter sentimentos que, de alguma forma, correspondem aos sentimentos desta mãe que está
profundamente envolvida. Este bebê ao longo do seu desenvolvimento lá pelo terceiro ou quarto mês,
será capaz de mostrar que sabe o que caracteriza uma mãe, ou seja, uma mãe em estado de dedicação à
algo que não seja ela mesma.
Não se torna possível precisar que a psique do bebê irá se formar da mesma forma que o corpo e seu
funcionamento, embora, a tendência hereditária do desenvolvimento embase a existência psicossomática,
não se torna possível sem a existência de um ser humano que dispense cuidados a este bebê.(Winnicott,
2006)
Um colapso nesta área está correlacionado as dificuldades que afetam a saúde do corpo, e que se originam
na identificação da estrutura da personalidade, muito comum encontrarmos junto aos hospitais
psiquiatricos este tipo de sintomatologia diretamente relacionada ao processo de desenvolvimento inicial,
onde, a forma de prevenção a estes distúrbios mais comuns, dizem respeito inicialmente ao cuidados
iniciais destinados ao bebê. (Winnicott, 2006)
A definição acima ressalta a importância da interação na relação mãe e bebê , o que para Winicott (2006)
reforça ainda mais esta importância, é a origem das relações objetais do bebê, quando existe um
relacionamento satisfatório entre ele e sua mãe, este desenvolve uma maior capacidade de desenvolver
esta relação objetal, já quando existe um colapso resulta em uma insuficiência da capacidade destas
relações objetais.
O inicio da vida deste bebê está diretamente relaicondo com a sua evolução emocional, que irá influenciar
na construção de sua personalidade, na maneira que irá se relacionar com as outras pesssoas quando
adulto e como irá conduzir sua vida, para que esta criança desenvolva uma personaldiade rica e estável,
faze-se necessário que sua saúde mental esteja baseada em uma estabilidade, e isto só se torna possivel se
sua mãe logo ao nascer o veja com um ser humano que exige mais do que cuidados orientados apenas
para suas questões fisiológicas ou anatômicas, mas que também necessita de cuidados emocionais.
(Winnicott, 2012)

2.2. Os vínculos afetivos


A idéia inicial sobre a vínculo afetivo mãe e bebê foi primeiramente conceituada por Bowlby (2006)
como impulso primário, que estaria associada a alimentação, como a razão principal pela qual a criança
desenvolveria um vínculo tão forte com sua mãe e posteriormente este sentimento seria substituído pelo
sentimento de segurança atribuindo à ele, a noção de função biológica de proteção mas, conforme
Bolwby (2006 apud HARLOW,1958) através de alguns experimentos com macacos ficou provado que
os bebês macacos e mais tarde como os humanos, escolhiam ficar perto de suas mães pelo calor que estas
proporcionavam e não somente porque elas eram suas fontes de alimentos.
Em um desses estudos revelou que o bebê macaco que fora alimentado adequadamente, por uma mãe de
arame, e não por uma mãe felpuda que fornecia calor no contato corporal com o animal, desenvolvia uma
espécie de desorientação, perturbação emocional. Com isto ficou provado que os vínculos afetivos
ocorrem pelo contato corporal, afetivo da mãe com seu bebê e não pela questão do sustento biológico,
portanto caiu por terra a ideia do impulso primário. (Bolwby, 2006).
Ai então surge o conceito da teoria da ligação Bowlby (2006) onde define que a capacidade dos seres
humanos em desenvolver fortes vínculos afetivos uns com os outros, bem como, as diversas formas de
consternação emocional e perturbação da personalidade quando estes vínculos são rompidos, se dá
através de uma separação ou por uma perda involuntária.
Para Bowlby (2006) muitos dos autores defensores da teoria da ligação atribuem aos desvios no
desenvolvimento do comportamento de ligação ou raramente uma falha no desenvolvimento como sendo
os causadores de muitas das formas de distúrbios psiquiátricos. E para estes, esta teoria ilumina a origem
e o tratamento de tais distúrbios.
Ao que se refere a este conceito, Granã e Piva (2008) definem a teoria de vincularidade, trata-se, da
condição para a construção da subjetividade e o sentimento de pertença. Estes autores completam ainda
que esta construção trata-se de uma função para toda a vida, não se limitando somente à infância de cada
indivíduo.

2.3. As manifestações de afeto


A amamentação poderia ser citada como uma das principais formas onde a mãe pode manifestar afeto
pelo seu bebê, porém, não se limita apenas ao ato de amamentar o bebê de forma natural, o ato de segurar
e manipular o bebê é mais importante em termos vitais do que a própria experiência concreta da
amamentação, a amamanetação natural deverá ser realziada somente quando esta mãe mostrar condições
de assim fazê-la, pois, esta pode encontrar alguma dificuldadade pessoal, e também quando o bebê não se
mostrar incomodado, pois muitas vezes este poderá sentir até mesmo raiva e frustração ao ser
amamentado, não sendo recomendado insistir em nenhuma das duas situações.O primeiro aspecto a ser
obsrvado na amamentação é o envolvimento total da persosnalidade que ocorre entre mãe e bebê,
podendo também ser percebido através do uso de mamadeira, independendo do uso do seio materno.
(Winicott, 2006)
As formas de comunicação são também os principais meios de ligação e manifestação de afeto entre o
bebê e sua mãe, a voz, trata-se de uma descarga automática do corpo do bebê, ao reagir em um estado de
tensão, o grito, chama a atenção do adulto para que possa atendê-lo em seu estado de desprazer e
sofrimento, já a voz da materna lhe avisará sobre os cuidados e afetos, criando um ambiente agradável,
acalmando este bebê, que já passará a reconhecer e que saberá que irá ser atendido quando chamar por
ela, é o canal que estabelece os primeiros laços sociais entre a criança e o outro, neste caso, em geral a
mãe, esta mãe então passa a ser o objeto capaz de atender suas necessidades, satisfazendo-o. (Rudge,
2010)
Outra forma de perceber o cuidado afetivo é o toque, através de pesquisas realizadas após a segunda
guerra mundial ficou evidenciado que, a principal causa do marasmo estava diretamente relacionada à
falta de amor e do tocar nas crianças. Estas evidências foram comprovadas através de crianças que
conseguiram superar as dificuldades onde eram privadas de necessidades materiais, mas que, porém
recebiam amor abundantemente de suas mães, por outro lado, lares e instituições com condições materiais
“favoráveis” no que diz respeito a recursos materiais, mas que a mãe não era o suficientemente boa
apresentava marasmo. Este estudo revelou ainda que, para que as crianças se desenvolvessem bem, era
necessário serem tocadas, acariciadas, levadas ao colo, terem conversas carinhosas com estas. (Neto,
2004).
No caso dos bebês pequenos as sensações da pele e da sensibilidade aos movimentos são as mais
importantes, sendo possível serem acalmados pelo toque e pelo calor. Estes bebês reagem com choro
quando sentem algum estímulo doloroso ou frio em sua pele, um exemplo disto é quando estão molhados
e precisam ser trocados. Estes bebes emitem frequentemente comportamentos objetivando manter o
contato com suas mães, e quando é frustrado nesta busca de afeto, acaba encontrando outros recursos
como chupar os dedos, agarrar partes de si mesmo, balançar-se, trata-se de uma forma de regressão a
estimulação de movimento passivo experimentado por ele em sua vida intra-uterina. Os bebes que
receberam muitos cuidados em seus primeiros anos de vida tornam-se adultos ternos, amorosos e
carinhosos. (Neto,2004 apud MONTAGER, 1988).
3. HISTÓRIA CLÍNICA

3.1. História pregressa


Eva Khatchadourian uma mulher de 40 e poucos anos, dona de um notável espírito aventureiro-
mochileiro que vivia a rodar o mundo, sem muitos compromissos ou preocupações é extremamente
apaixonada pelo seu marido Franklin um fotografo com mais ou menos a mesma idade que ela,
repentinamente Eva descobre que ficou grávida.
Durante a gestação Eva se mostra desconfortável, apática e indiferente a maternidade, sempre com uma
aparência muito impaciente e cansada, não demonstra nem um pouco de afetividade com bebê que está
em seu ventre, nem se quer chega a tocar sua barriga, suas mãos estão quase que sempre apoiando as
costas evidenciando estar incomodada.
Reluta muito a chegada de seu filho, em um procedimento de parto normal, mesmo com as enfermeiras
lhe pedindo para que faça forças para o nascimento da criança, Eva parece rejeitá-lo na hora de nascer,
não colabora o que a faz sofrer mais ainda com as dores do parto, mesmo assim, acabou por dar à luz a
um menino, Kevin.

3.2. História atual


Logo após sua chegada Kevin, continua sendo rejeitado por sua mãe, que se nega a segurá-lo no colo ou
olhá-lo, logo que nascera Kevin ficara nos braços de seu pai Franklin, pois Eva apresenta-se incapaz de
segurar, olhar e principalmente acalmar seu filho. O choro do menino perturba Eva que não consegue
conter ou realizar as necessidades autoconcervativas de forma eficaz. Eva é despreparada e totalmente
impaciente ao seu choro, não dando conta e não conseguindo acalmá-lo por diversas vezes, passando
simplesmente a ignorá-lo mostra-se com a mesma aparência apática e cansada da gravidez.
Por vezes, quando Eva não conseguia acalmar seu filho, o levava a lugares extremamente barulhentos
para que o choro do bebê desaparecesse entre os barulhos de uma avenida movimentada, de um prédio
em construção ou ainda ruas sendo perfuradas.
O tempo vai passando Kevin vai crescendo, mas a relação entre ele e sua mãe se mostra sempre muito
distante e inafetiva, na fase que varia entre o primeiro e terceiro ano de vida, Kevin mostra um
comportamento oposto ao de quando bebê mostra-se uma criança apática, indiferente e provocativo à
presença da mãe, porém muito interessado em agradar e convencer seu pai sobre seu amor. Kevin mostra
atraso na linguagem que não parece ser uma dificuldade, mas sim um interesse em não se comunicar com
os outros e principalmente com Eva.
A relação entre Kevin e Eva no período aproximado entre os 3 e 7 anos é bastante conturbada, Kevin é
provocativo, a mãe revida suas provocações discutem de "igual para igual” em diversas ocasiões,
competem por atenção e poder, os conflitos entre eles só é pacificado através da presença do Pai. Franklin
mostra-se ao contrário da mãe bastante afetuoso ao filho, demonstra um papel conciliador entre as
discussões e brigas dos dois, mas, porém, ignora e se omite quanto às queixas da mãe em relação ao filho.
Um fato bastante importante nesta etapa é que Kevin, não tem controle dos esfíncteres, fazendo uso de
fraldas até os 6 anos, Kevin parece deter o controle e a atenção de sua mãe desta forma, mas também é a
forma que revida as provocações e desabafos de rejeição que a mãe constantemente faz. Kevin deixa de
usar fraldas somente após um episódio onde Kevin faz sua mãe trocar suas fraldas diversas vezes, uma
seguida da outra, de forma intencional. Eva percebe a intenção de Kevin e agride o menino em seu braço
esquerdo, tendo que levá-lo ao hospital.
Logo após mostra-se muito culpada pelo ocorrido, no retorno para casa Kevin mente para o pai
"defendendo" a atitude da mãe, dizendo ter caído do trocador enquanto a mãe lhe trocava, a mãe sustenta
a mentira e mostra um comportamento submisso as decisões do filho que a partir deste momento deixa de
usar fraldas.
Mais um tempo se passa e Eva engravida novamente de sua filha Célia, acontecimento este que conturba
ainda mais a relação entre mãe e filho, e que se estende durante toda a infância até Kevin atingir o ápice
da adolescência.
Durante a adolescência o comportamento de Kevin permanece arredio e provocativo à mãe e mostrando-
se exemplar e afetuoso com o pai, é também provocativo e agressivo à irmã. Kevin desenvolve como
hábito a prática de arco e flecha, por incentivo do pai durante a infância aproximadamente no período de
8 a 9 anos e que, permanece durante a adolescência.
Um hábito incomum que Kevin apresenta é o fato de usar muito freqüentemente durante toda a
adolescência as mesmas camisetas que usava quando criança. Eva faz algumas tentativas de se aproximar
do filho buscando um diálogo, demonstrações de afeto, mas que são repudiadas por Kevin e devolvidas
por sátiras, ofensas e constantes agressões.
Neste mesmo período Célia a filha mais nova de Eva, acaba por ficar cega de um dos olhos, devido a um
“acidente doméstico” provocado por Kevin, onde ele deixou o filtro da pia que continha ácidos aberto e a
menina acabou se ferindo no olho esquerdo.
Depois deste episódio a mãe insinua a Franklin sua desconfiança de que o filho havia tirado este filtro
propositalmente, o pai inicialmente revida e reluta defendendo o filho, mas após longas discussões optam
por buscar algum tipo de solução para esses comportamentos destrutivos de Kevin, no período das férias
escolares, durante esta conversa Kevin ouve tal decisão dos pais, o pai tenta se justificar dizendo que o
filho não sabia o contexto da conversa, pedindo para não tirar conclusões precipitadas, mas o filho revida,
dizendo saber que o contexto é sempre ele, demonstrando ter ficado com muita raiva dos planos de seus
pais de tirarem ele do convívio familiar por um tempo.
O comportamento de Kevin aponta muitos indícios de que existe algo errado com ele, mas os pais
parecem não perceber, a mãe revida seu comportamento, tratando-o freqüentemente como uma
implicância pessoal, e o pai parece se omitir querendo não acreditar nisto. Um exemplo deste
comportamento foi à compra de uma série de travas para a bicicletas que Kevin fez pela internet, mesmo
não tendo bicicleta, quando questionado por seus pais a respeito da compra, mente dizendo que iria
revendê-las na escola para obter algum lucro sobre estas.

3.3. Desfecho da história


Na data que completava 16 anos, Kevin, veste-se para sair e leva junto seu arco e flecha e as travas de
bicicleta que havia comprado seguindo para sua escola. Sua expressão facial e corporal expressavam certa
satisfação. Assim que chega a Escola, ao passar pelas portas as fechava com as travas, reúne colegas,
professores e funcionáris e começa atirar com seu arco e flecha contra os corpos das pessoas matando
(homicídio) algumas e ferindo gravemente outras.
Ao final, inclina seu corpo como se estivesse agradecendo aos aplausos que recebera por um ato
grandioso. Entregasse a polícia com uma expressão de que havia cumprido sua missão e que fora olhado
por sua mãe e toda cidade em que morava. Eva desesperada logo que avisada sobre ato de seu filho, segue
para casa para encontrar-se com seu esposo e filha e os encontra também mortos na grama de casa, cada
um deles com uma flecha em seu corpo, revelando que Kevin havia matado seu pai e sua irmã.
Kevin vai preso e sua mãe perde todo dinheiro que a família tinha, mora em uma casa sozinha em
condições precárias, é rechaçada e agredida verbal e fisicamente por ter um filho como Kevin. A mãe de
Eva parece ser uma pessoa bem distante da filha, se comunicando por telefone somente em datas festivas
como o Natal, mesmo assim, Eva evita o contato com sua mãe, preferindo ficar sozinha.
Eva era uma escritora renomada, mas que perdeu seu espaço de trabalho chegando a passar por
dificuldades em manter até mesmo sua alimentação, pois, a cidade recusava-se a dar emprego a ela.
Kevin foi preso e Eva o visitava freqüentemente na prisão. Nessas visitas os dois não trocavam uma
palavra se quer. Eva preparou, em sua casa, um quarto para quando Kevin saísse da prisão, que era igual
ao que ele tinha quando criança e assim o aguradava sair da prisão.

4. COMPREENSÃO PSICODINÂMICA DO CASO


No inicio de sua gestação Eva mostra-se totalmente indiferente e inafetiva a chegada de seu filho,
parecendo contrariada, este fato não condiz ao que se espera comumente de uma gestante, conforme o que
sustenta Winnicott (2006) ao conceito de Mãe suficientemente boa, onde esta se adaptaria naturalmente a
chegada de seu filho desde a gestação, pois, dispunha do tempo suficiente para adaptar-se a esta chegada
e estaria pronta para nutrir este bebê de afeto desde a sua gestação.
Eva não consegue identificar as necessidades básicas de Kevin, conforme Winnicott ( 1956, 2000) com
base no conceito Preocupação Materna Primária, não permitindo assim a Kevin fazer uma distinção entre
eu e não-eu e conseqüentemente não possibilitando a este se constituir como ser a partir de uma
identificação primária com sua mãe, por encontrar falhas na relação mãe-bebê.
Os motivos que fazem com que Eva haja desta forma são desconhecidos, a este respeito Bowlby (2006)
descreve que podem tratar-sede problemas emocionais inconscientes que Eva enfrentara em sua própria
infância, na sua relação de filha com sua própria mãe talvez, ou ainda,na incapacidade que tem de
controlar a sua própria ambivalência, esta incapacidade pode ser vista também durante o parto quando
Eva reluta a chegada de Kevin.
Após o nascimento de Kevin o descontentamento de Eva ficou mais evidente, sendo esta, totalmente
incapaz de prestar a ele até mesmo os cuidados básicos, tornando-se evitativa e falha ao seu filho o que
ainda se enquadra ao conceito de “Mãe dedicada comum” de Winnicott (2006) não sendo ela capaz nem
ao menos de “segurar” Kevin nos braços.
Eva foi totalmente incapaz de nutrir emocionalmente ou afetivamente Kevin, demonstrava extremo
desconforto ao amamentá-lo ou até mesmo em olhá-lo, Conforme referencia Winicott (2006) quando a
mãe sente um desconforto em alimentar seu filho de forma natural não deverá esta ser forçada a fazê-lo,
Franklin acabava forçando este contato entre Eva e Kevin, a pressionando até mesmo a amamentá-lo algo
que Eva se opunha a fazer.
Kevin não consegue experiênciar com sua mãe o sentimento de vinculação e afetividade, pois, a ele não
foi ofertada estas condições, uma mãe ausente, relapsa e indiferente ao filho e um pai omisso a esta
situação, o tempo vai passando e Kevin e Eva não estabelecem uma relação de amor e vinculação, Kevin
mostra um comportamento apático e distante de sua mãe, mostrando um sentimento de não pertença
conforme expõe Granã e Piva (2008).
Segundo Bowlby (2008), Kevin parece estar em uma constante busca por atenção e afeto que lhe é
negado, assim como também refere Winnicott (2000) sobre o sentimento de esperança que o sujeito tem
por um bom tempo em sua vida, espera que alguém lhe resgate dessa falta de vinculo amoroso e lhe dê
amor. Esta busca pode ser percebida durante toda a sua infância quando usa de um comportamento
desafiador e opositor, quando não faz o controle das esfíncteres, como forma de apreender a atenção da
mãe, deixando de usar fraldas somente no momento que recebe um olhar desta mãe, mesmo que um olhar
de punição ao repreendê-lo e castigá-lo por seu comportamento, mas quando é visto em sua
individualidade Kevin deixa de usar fraldas como um ato de autonomia e reconhecimento a si mesmo.
E este comportamento parece ao mesmo tempo estar “congelado” em Kevin, durante a sua adolescência o
uso de roupas que pertenciam a sua infância além de chamar a atenção, apontam sua busca por algo que
não conheceu que não teve quando bebê, ou seja, o afeto de sua mãe.
Ainda durante a infância Kevin apresenta dificuldades na fala, estas dificuldades podem ser tratadas como
a sintomatização da dor psíquica de Kevin na busca por algo que desconhece e que lhe é essencial para o
desenvolvimento físico e psíquico, a comunicação, a este respeito conforme trata Rudge (2010) quando
Eva não ouvia o choro de Kevin como forma de grito ao desconforto e a frustração, preferia por muitas
vezes ignorá-lo levando-o a lugares barulhentos onde não pudesse ouvi-lo, e assim Kevin também não
aprendeu a se comunicar, evidenciando esta falha quando se recusava a falar quando criança e também
remetendo sua ação a um comportamento de oposição ao que a mãe lhe solicitava idendependência X
dependência.
Na adolescência este comportamento calado e reservado prossegue, assim como o comportamento
desafiador e provocativo em relação à Eva, embora existam as diversas investidas de Eva em se
aproximar de seu filho, isto não se torna mais possível, pois neste momento Kevin experiência o ódio
àqueles que não conseguiram lhe nutrir de afeto que tanto desejava conforme discorre Bowlby (2006)
Também em conformidade como o que trata Winicott (2006), Kevin sofreu falhas em seu
desenvolvimento psíquico que resultam em seu comportamento e podem ser perceptíveis ao longo de toda
a história mostrada através do filme, mas parece que estas falhas se elucidam no momento em que Célia
sua irmã, nasce, ao ver o desejo e a espera de sua mãe em relação à chegada da filha, bem como os
cuidados que lhe são dado e que ele não tivera.
Nada exime Kevin do ato que cometeu ou justifica o mesmo, ato este que nos remete a uma tendência
antissocial, mas verifica-se que a construção de seu psiquismo de uma maneira tão inestruturada que
provocou tal ato, se deve a falta de cuidados afetivos que Kevin sofrera por parte de sua mãe, e também
de seu pai que acabaram provocando uma desestrutura emocional e falhas psíquicas.
A cena onde Kevin comete um crime cruel em sua escola assassinando várias pessoas, um crime
premeditado; e logo em seguida age como se esperasse algum tipo de reconhecimento como em um
teatro, espera ser aplaudido pelo seu ato, queria ele ser reconhecido chamando a atenção de sua mãe Eva,
tal cena contempla o que trata Bowlby (2006) quando define que falhas no desenvolvimento como sendo
causadores de muitas as formas de distúrbios psiquiátricos que nos remetem ao comportamento de Kevin.
Como naturalmente Kevin não consegue obter a atenção e afeto de sua mãe, planeja e executa um crime
que fora noticiado para a cidade inteira na busca desesperada, na esperança como Winnicott (2000)
define, que este sujeito com tendência antissocial sempre tem a esperança de que o meio ambiente possa
recompensar a deficiência que provocou o dano, mas Kevin mesmo após seu crime reconhece que nada
mudou, e não mudou porque Kevin não consegue estabelecer nenhum tipo de relação com ou outro,
Segundo Winnicott (2006), os colapsos como o que Kevin teve durante o processo de desenvolvimento
remetem as mesmas sintomatologias que são encontradas nos hospitais psiquiátricos, onde a prevenção de
tais distúrbios são feitas inicialmente através dos cuidados com os bebês e também o que ocorre com as
mães que tomam conta destes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A preocupação central no presente artigo foi compreender como o abandono afetivo por parte da mãe na
infância incide em falhas na constituição psíquica e, conseqüentemente, na vida do sujeito adulto. No
decorrer deste estudo, verificou-se a importância da relação da mãe psiquicamente saudável com seu filho
no momento da construção de seu psiquismo e conseqüentemente de sua personalidade, uma vez que a
modalidade de relação estabelecida deixará marcas por toda vida, influenciando no funcionamento total
deste filho.
Neste trabalho foram demarcados, a partir da concepção teórica formulada por diferentes autores onde foi
possível concluir que, quando um bebê recebe o cuidado afetivo adequado por parte de sua mãe, este,
tende a se constituir psiquicamente estruturado.
A partir da sustentação teórica que embasou o trabalho, buscou-se relacionar o abandono afetivo e as
origens psiquicas do indivíduo com as falhas na construção da sua personalidade, compreendeu-se como
se desenlaçam as vivências e as percepções do sujeito que teve a mãe presente em sua vida, mas cuja
presença mostrou-se desvitalizada.
Através da história clínica apresentada, compreendeu-se como pode ser vivenciada e internalizada esta
relação de abandono afetivo, da mãe em relação ao seu filho, bem como, as consequências deste
abandono na constituição das relações familiares e interpessoais do menino.
A história nos mostra que Kevin não se tornou capaz de amar por não ter sido amado, e também não foi
ele capaz de se relacionar de maneira saudável com suas questões de vida, mostrando uma incapacidade
de estabelecer relações consigo próprio ou com os outros, por não conseguir perceber os outros, não
conseguia distinguir o eu do não-eu.
A história de vida de Kevin nos mostra também que a indiferença de seu pai contribuiu para esta
estrutura, talvez uma das poucas percepções de afeto que Kevin conhecera, estava relacionada aos
cuidados prestados por sua mãe e seu pai à sua irmã Célia totalmente contrário aos cuidados que recebera.
Dificilmente Kevin conseguiria se reconstruir psiquicamente, diante de tantas falhas que ocorrera em sua
infância.
Este artigo contribui ainda enfatizando a importância de programas de suportes que prestem assistência
psicológica às mães que encontram dificuldades psíquicas para cuidar seus filhos, uma vez que
compreende-se que tal suporte serve como um método preventivo que antecede falhas na constituição
psíquica destes bebês.
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