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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

CAMPUS REALEZA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS

WELLEN PEREIRA AUGUSTO

ATIVIDADE AVALIATIVA:
MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

REALEZA
2021
WELLEN PEREIRA AUGUSTO

ATIVIDADE AVALIATIVA:
MEIO AMBIENTE E DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Trabalho apresentado ao Curso de Pós-Graduação lato


sensu em Direitos Humanos da Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFFS) como requisito parcial para
aprovação no componente curricular Meio Ambiente e
Direitos Humanos no Brasil.

Professor: Dr. Sidemar Presotto Nunes

REALEZA
2021
1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho é submetido à avaliação para o componente curricular “Meio


Ambiente e Direitos Humanos no Brasil” e tem como estrutura a introdução, onde há
exposição da metodologia e do tema; desenvolvimento, onde se situam as respostas às
perguntas apresentadas pelo professor; e, considerações finais, onde há um apanhado crítico
sobre a concepção de meio ambiente como direito humano.
Assim, a seção desenvolvimento abarca as questões proposta e separada em subseções
conforme a ordem estipulada no material enviado. Segue:

1. Quais são as diferenças entre as 3 perspectivas da economia ambiental


(neoclássica, ecológica e marxista).
2. Com base no capítulo “O Metabolismo entre Natureza e Sociedade” do livro A
Ecologia de Marx, de John Bellamy Foster, elabore um texto explicando e
articulando os conceitos e afirmações abaixo: a) Falha metabólica; b) Renda
diferencial (ou arrendamento diferencial); c) Separação/ antítese cidade-campo; d) a
reposição da fertilidade do solo; e) o latifúndio e a exaustão dos solos; f) a
irracionalidade da produção agrícola baseada no sistema de preços; g) a
irracionalidade dos atuais sistemas de transporte de alimentos; h) a irracionalidade
do atual sistema de esgotos; i) acumulação primitiva como pré-história e pré-
condição ao desenvolvimento do capital; j) o sentido da afirmativa de Hipollyte
Colins: “É graças à apropriação individual do solo que existem homens que só
possuem a força dos braços”. k) como uma sociedade de produtores associados
deveria superar a falha metabólica.
3. Com base no filme Terra Prometida, que trata sobre o uso do fracking para a
exploração de gás nos Estados Unidos, explicar: a) O contexto onde a empresa se
inseriu (realidade local); b) Os problemas que a empresa encontrou e as estratégias
que utilizou para contorná-los; c) como o Estado apoiou/contribuiu; d) como o
conceito de capital financeiro pode ajudar a explicar a ideia central do filme.
4. De acordo com Botelho: a) como o meio ambiente vai se definindo enquanto
direito humano? b) como este DH é introduzido na agenda das chamadas
organizações multilaterais, como a ONU?

Por fim, no espaço das considerações finais é feita a análise crítica proposta: “elabore
uma análise crítica sobre a possibilidade de o meio ambiente se afirmar como direito
humano”.

2 DESENVOLVIMENTO
2.1 AS CORRENTES DA ECONOMIA AMBIENTAL

Considera-se como economia ambiental o “estudo da interrelação entre o


desenvolvimento sócio-econômico e o meio ambiente” (MONTIBELLER-FILHO, 1999, p.
2). Dentro desta perspectiva há correntes que investigam tal interconexão, contudo, a
literatura não é pacífica na divisão entre as análises teóricas. Segundo Montibeller-Filho
(1999), podem ser divididas em três: neoclássica, ecológica e marxista.
A corrente neoclássica é caracterizada pela ascensão a partir dos anos 1980, alçada por
movimentos sociais que demandam maior proteção ambiental, até mesmo para permitir
demandas do mercado financeiro. Nesse sentido, ao abandonar a ideia clássica de que os
recursos ambientais são fontes inesgotáveis, realiza uma mediação entre os interesses
econômicos e ambientais, a fim de “internalizar as externalidades”, que nada mais é que
“computar os custos (ou benefícios, quando se trata de extemalidade positiva) ocultos e
imputá-los ao seu responsável econômico” (MONTIBELLER-FILHO, 1999, p. 61).
Nessa linha, no contexto internacional foi instalada a Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e dela
originou o Relatório Brundtland, também conhecido como “Nosso Futuro Comum”,
publicado em 1987, o marco inicial de proteção de direito ao meio ambiente no mundo.
Sem dúvidas a Política Nacional do Meio Ambiente, de 1983, também se insere no
marco teórico neoclássico e, sobretudo, o atual Código Florestal de 2012, uma vez que a ideia
básica que conjuga esses diplomas jurídicos é a lógica dada pela teoria neoclássica, composta
de alguns princípios: “proposição o poluidor paga; os direitos de propriedade; o valor
econômico total dos bens e serviços ambientais; o método da valoração contingencial; a
análise beneficio/custo (ambiental)” (MONTIBELLER-FILHO, 1999, p. 60).
Dito de outro modo, trata-se de uma visão imediatista que, no afã de regular e atribuir
valor aos bens ambientais, torna ineficaz a proteção e ineficiente a projeção de mercados no
futuro. Pode-se dizer, por fim, que na busca por paridade entre sustentabilidade ambiental,
justiça social e prosperidade econômica, a economia neoclássica é baseada na
“sustentabilidade fraca” (BOSSELMANN, 2008, p. 27).
Por sua vez, diante da falha em quantifica bens ambientais e atribuir-lhes valor
correto, a teoria neoclássica tem sido criticada e até mesmo excluída do pensamento pós-
moderno no estudo da relação entre desenvolvimento e meio ambiente.
Com isso, em contraponto, tem-se a economia ecológica, a qual parte de uma crítica à
teoria anterior e à ideia de crescimento, pois favorece a sustentabilidade (“sustentabilidade
forte”) (BOSSELMANN, 2008, p. 27). A mudança também privilegia a ideia de como o meio
ambiente é percebido ou valorado no aspecto ético, em detrimento do tratamento
antropocêntrico dado ao meio ambiente (BOSSELMANN, 2006) enquanto ilimitável fonte
para manutenção da vida humana.1

1 Para mais da relação entre antropocentrismo e cálculo econômico, ver Montibeller-Filho (1993).
A economia ecológica tem como cerne “princípios da ecologia (geral) transpostos,
com as devidas adaptações, à ecologia humana” (MONTIBELLER-FILHO, 1999, p. 85).
Conceito adaptado da ecologia geral (originadas na física e biologia), a ecologia ecológica se
situa dentro da categoria da ecologia humana2. Revisita uma compreensão biocêntrica de
interconexão entre todos os seres, uma visão sistêmica (CAPRA; LUISI, 2014).
O ponto fulcral da economia ecológica é a adaptação desses conceitos ao
desenvolvimento, em especial na noção de equilíbrio: “este equilíbrio é necessário que as
saídas (output) se igualem às entradas (input), significando uma relação de 1 : 1, um para um,
na troca de energia e materiais” (MONTIBELLER-FILHO, 1999, p. 94). Especificamente no
campo de processo econômico, “analisa a estrutura e o processo econômico de geossistemas
sob a ótica dos fluxos físicos de energia e de materiais”, noções importadas da física
(MONTIBELLER-FILHO, 1999, p. 95). Tais fluxos são notadamente o que se produz, como
se produz, a frequência que produz etc, que questiona “a dependência da economia à natureza,
vem questionar a idéia de urna economia emancipada da necessidade, o imaginário de um
crescimento econômico sem limites e a ilusão de que entrarmos em uma era de pós-escassez”
(LEFF, 2006, p. 177).
Enfim, encontra respaldo nas limitações biofísicas da natureza e demanda uma outra
percepção da relação homem-natureza, de preferência biocêntrica ou ecocêntrica
(GUDYNAS, 2019). Em suma: “para haver progresso em direção à sustentabilidade, nós
precisamos harmonizar economia humana com economia da natureza” (BOSSELMANN,
2006, tradução livre).
Pode-se colocar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU e seu
“desenvolvimento sustentável”, entendido como aquele desenvolvimento que atende as
necessidades das presentes gerações, sem comprometer as que as gerações futuras, nesse
patamar. O direito mundial tem avançado também nesta concepção, para considerar a
natureza como bem em si mesma, com uma visão kantiana de valor intrínseco.
Por fim, para a economia ecomarxista, reside as contradições do capital de que a
exploração da força de trabalho empobrece e que a apropriação ilimitada da natureza causa
sua destruição e, por consequência, tem limites biofísico. Eis que “os custos sociais (ou custos
externos) são inerentes ao processo produtivo capitalista: a produção de mercadorias requer
não-mercadorias”, ou seja, a natureza e sua degradação (MONTIBELLER-FILHO, 1999, p.
159).
2 “[…] uma ciência com característica interdisciplinar, voltada a compreender os dinâmicos processos
biológicos, físicos e sociais que se dão entre os homens e o ambiente em que vivem” (MONTIBELLER-FILHO,
1999, p. 88).
Alguns exemplos de que a contradição do capital é dada a partir da ilimitada
exploração e apropriação da natureza é o surgimento da covid-19, que tem fatores ambientais
e de zoonoses, demonstrando que o processo produtivo desencadeia externalidades e, depois,
sofre com as consequências advindas da degradação da natureza. O desemprego, a fome, a
inflação e o decrescimento da economia notórios no último ano são concausas do processo
produtivo capitalista.

2.2 A “ECOLOGIA DE MARX” E ASPECTOS DA SOCIOLOGIA RURAL

A vasta obra de Marx é ímpar na análise econômica, política e social das relações
sociais e produtivas constituídas pelo capitalismo de seu tempo. No plano da economia
política, Marx se preocupa da relação entre o homem e a natureza pelo exercício do trabalho.
O sociólogo rebate criticamente noções apropriadas por seus contemporâneos no tocante a
esta relação, à produção e manutenção da agricultura, bem como sobre a chamada Segunda
Revolução Agrícola. Diante disso, a relação homem-natureza foi chamada por ele de
“metabolismo [social]”. Sua visão crítica adere à ideia de que há uma falha nesse
metabolismo “em decorrência das relações capitalistas e da separação antagonista entre cidade
e campo”, isto é, de como o capital se apropria da natureza e transforma essa relação nada
racional (FOSTER, 2005, p. 201).
A origem desse debate é a discussão sobre a propriedade privada capitalista em
contraposição à propriedade comunal e a gestão comunitária da terra:

No entanto, o sistema da propriedade privada capitalista, distinto tanto da


propriedade comunal quanto da propriedade privada enraizada na propriedade da
terra pelo trabalhador-agricultor individual, surge através da ruptura de qualquer
conexão direta entre a massa da população e a terra - muitas vezes pela remoção
forçada. Daí um ‘pressuposto’ para o desenvolvimento do trabalho assalariado
capitalista ser ‘a separação entre o trabalho livre e as condições objetivas da sua
realização- entre os meios do trabalho e o material para o trabalho. Assim, acima de
tudo, a liberação do trabalhador do solo como sua oficina natural’. A própria
existência do capital, para Marx, pressupunha pois ‘um processo de história que
dissolve as várias formas em que o trabalhador é proprietário, ou em que o
proprietário trabalha. Assim, acima de tudo, (1) a dissolução da relação com a terra-
terra e solo- como condição natural de produção -com a qual ele se relaciona como
com o seu próprio ser orgânico ... (2) a dissolução das relações em que ele aparece
como proprietário’. Esta dissolução da relação orgânica entre o trabalho humano e a
terra tomou a forma do que os economistas clássicos, inclusive Marx, chamaram
acumulação ‘original’, ‘primária’ ou ‘primitiva’. Neste processo reside a gênese do
sistema capitalista. (FOSTER, 2005, p. 236).
A mediação do homem e meio ambiente a partir da agricultura, que no século XVIII
era avançada, fez com que surgissem teorias sociais sobre a produtividade agrícola, noções
sobre a fertilidade do solo e o cultivo de determinadas matérias-primas que guardam conexão
com o desenvolvimento agrícola da época e, por sua vez, com o desenvolvimento histórico do
trabalho. Em especial, ante a necessidade de se investigar a categoria de renda nessa relação
de apropriação da terra (renda da terra), denominada de arrendamento. Trata-se de discussão
sobre a renda angariada com o cultivo independente da fertilidade solo – eis que alguns
autores conectam a maior fertilidade com maior produção, o que Marx concorda
parcialmente. Marx nomeia, portanto, a diferença entre valor e preço e categoriza a “renda
diferencial” fruto da produtividade advinda do trabalho essencialmente humano e não
decorrente de causas estritamente naturais, como a fertilidade do solo (FOSTER, 2005, p.
205-209). O lucro advindo dessa relação de produção é intrínseco ao modelo capitalista de
propriedade privada.
Também em razão dessa busca por lucratividade exponencial e do comportamento
irracional na apropriação da terra é que se criou um antagonismo entre cidade e campo, uma
vez que “era evidente em nível mais global: colônias inteiras se viam roubadas da sua terra,
recursos e solo para sustentar a industrialização dos países colonizadores”, o que causava
poluição e devastação do solo (FOSTER, 2005, p. 230). De certo modo, via-se aí uma clara
antítese de esgotamento do solo para o lucro industrial e, sobretudo, a desigualdade entre as
populações rurais e citadinas.
Diante dessa devastação do solo e do esgotamento de seus nutrientes, é que Marx
pensa os limites do sistema capitalista na mediação da terra, que invoca seu desmedido e
irracional sistema produtivo e sua base em flutuação de preços, olvidando os limites e
condições próprias das gerações humanas (MARX apud FOSTER, 2005, p. 230). Já havia
afirmado em outro trabalho, escrito com Engels, que “os grandes proprietários fundiários
eram invariavelmente mais destrutivos na sua relação com a terra do que os agricultores
independentes” (FOSTER, 2005, p. 232), isto é, o latifúndio.
Por isso, Marx e Engels pensaram a “necessidade de transcender esta forma de
alienação da natureza sobre a qual o capitalismo repousava” e sugeriram, para a superação da
lógica predatória, “a abolição da relação antagônica entre cidade e campo através da
integração da agricultura e indústria, dispersão da população e o que Marx se referia como ‘a
restauração’ da relação metabólica entre os seres humanos e a terra” (FOSTER, 2005, p. 244).
Por isso, retira do trabalhador a função estrita de força de trabalho, usada para proporcionar a
apropriação individual da terra e da renda, e o coloca como centro da apropriação sustentável
e comunitária, coligada com a cidade e racionalmente manuseada, permitindo, assim, a
abolição do trabalho assalariado e da alienação dos seres humanos em relação à terra.

[…] só pode consistir nisto, que o homem socializado, os produtores associados,


governem o metabolismo humano com a natureza de modo racional, submetendo-o
ao seu próprio controle coletivo em vez de ser dominado por ele como um poder
cego; realizando-o com o mínimo gasto de energia e em condições mais dignas e
apropriadas à sua natureza humana (MARX apud FOSTER, 2005, p. 224).

Por isso que, desde o século XVIII, Marx (e Proudhon) alertaram para o “tratamento
cônscio e racional da terra como propriedade comunal permanente” como condição
“inalienável para a existência e reprodução da cadeia de gerações humanas” (MARX apud
FOSTER, 2005, p. 231).
Sem dúvidas, a racionalidade comunitária, distinta da racionalidade capitalista e
contemporaneamente neoliberal, tem se mostrado eficaz no tratamento adequado do solo,
permitindo um modelo sustentável e que se adéque às necessidades das futuras gerações, ao
compreender que os recursos são limitados. As comunidades tradicionais e os movimentos
sociais pela terra são exemplos de que a preservação ambiental é mais eficiente pela lógica de
comunidade, em detrimento da apropriação predatória e individual.

2.3 FILME PROMISED LAND (2012)

O filme Promised Land (2012), dirigido por Gus Van Sant, retrata uma ficção atual e
preocupante na relação entre capital financeiro e exploração da natureza. A película traz a
estória de dois representantes de uma megacorporação que pretende utilizar terras rurais para
exploração de gás natural de xisto. As comunidades escolhidas são afastadas dos grandes
centros e subsistem da agropecuária de pequeno impacto.
Na tentativa de convencê-los, os representantes Sue e Steven atraem os moradores
com diversas ilações e uma parte do dinheiro bilionário que ganhariam, como oferecimento de
boa escola e faculdade para os filhos, participação nos lucros e insinuação de que os locais
podem ficar milionários com o empreendimento etc.
Logo enfrentam a resistência de um professor doutor e especialista em externalidades
químicas que denuncia a contaminação da água e as doenças originadas do processo de
extração do gás de xisto, também conhecido como fracking. A ilusão também advém de que a
cidade, detidamente interiorana e nada industrialização, precisa de modernização para
alcançar o desenvolvimento.
Ocorre que, para afetar os planos dos representantes, aparece um ambientalista da
chamada organização “Athena” para convencer os munícipes de todo o desastre social,
econômico e ambiental causado pelo fracking, tais como a contaminação da água, do solo e a
morte do gado.
Ao final se descobre que o ambientalista Dustin era, na verdade, linha auxiliar na
manipulação para implementar a extração do gás natural na comunidade, pois seria
desmascarado como manipulador. Trata-se de estratégia da própria empresa Global para
formar uma ilusão de que havia um confronto e que a empresa tinha oposição, bem como para
evitar legítimos ambientalistas que impediriam as mentiras, de modo que falsificaram o
movimento e desmascararam para que cedessem aos contratos. Assim, garantiriam que a
votação popular fosse a favor do empreendimento.
O Estado, no filme, é representado pelo prefeito local que recusa a ideia de instalação
da empresa na cidade. Na verdade, o Estado se mostra omisso e sem regulação de uma
atividade com tantas contingências e externalidades, as quais a comunidade local não seria
capaz de suportar.
O capital financeiro que ganharia bilhões na atividade e produziria miséria no local
não seria responsabilizado pela atividade poluidora, o que, parece ter retornado à ideia da
economia ambiental clássica.

2.4 MEIO AMBIENTE COMO DIREITO HUMANO

A ideia de direitos humanos como é conhecida hoje é histórica e demanda incursão


nos sentidos do ser humano, principalmente no contexto pós II Guerra e formação de
organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas e a formação plurilateral
da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 (HUNT, 2009).
O marco inicial da preocupação ambiental do multilateralismo é a Conferência de
Estocolmo, na Suécia, em 1972. Trata-se da primeira conferência mundial, realizada pela
Organização das Nações Unidas (ONU), com a temática do meio ambiente, bem como sobre
sua importância e a necessidade de proteção e uso dos recursos naturais, seu elo com o
desenvolvimento econômico e a característica intergeracional de sua tutela global, o que
culminou na Declaração sobre o Meio Ambiente Humano (MAZZUOLI, 2019, p. 1368-
1369).
Para Tiago Fensterseifer, é com a Conferência que há reflexo na ordem jurídica e
especialmente no Direito Internacional, da ideia de um direito fundamental ao meio ambiente,
à qualidade e equilíbrio, enquanto essencial à promoção da dignidade humana e do bem-estar
(FENSTERSEIFER, 2008).
Ainda, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais adotado em 1976 deu
atenção ao meio ambiente no cenário mundial, por ser tratado de adesão voluntária e que foi
incorporado pelo Brasil somente em 1991 (BOTELHO, 2013).
A partir disso, a integração da proteção ambiental, tanto em âmbito nacional quanto
internacional, deu seus primeiros passos. No plano internacional, tem-se a Convenção sobre a
Diversidade Biológica, de 5 junho de 1992, adotada no Rio de Janeiro, a qual tem o intuito de
preservação e conversação da biosfera, contemplando diversidade biológica e recursos
naturais, de modo que tem caráter intergeracional e, por isso, opta pela “harmonia ambiental”
entre as presentes e futuras gerações (MAZZUOLI, 2019, p. 1381).
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro em 4 de junho de 1992 (Rio 92), foi produzida a Convenção-
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e em 1995 teve início as
negociações de seu Protocolo Adicional, o Protocolo de Quioto, o qual teve compromissos a
partir de 2008 (NAÇÕES UNIDAS, [s. d.]).
Percebeu-se, desde logo, a necessidade de mitigação e adaptação às emissões de gases
que causam o efeito estufa (GEE), criando um mercado de carbono, de compensação entre
países desenvolvidos.
Na mesma esteira, em 2015 iniciam-se as negociações do Acordo de Paris, durante a
21ª Sessão da ONU, também voltado às mudanças climáticas, o qual teve tamanha adesão por
partes dos Estados, com metas a serem cumpridas até 2030 (NAÇÕES UNIDAS, 2015).
Quanto aos temas interligados ao meio ambiente saudável, tem-se a Convenção de
Minamata, a qual trata dos riscos de uso de mercúrio e consequente exposição, a qual teve seu
texto final aprovado em 19 de janeiro de 2013, em Genebra (MERCURY CONVENTION,
2019).
No âmbito regional, o Acordo de Escazú, adotado na cidade homônima, na Costa
Rica, em 4 de março de 2018, vai tratar sobre o acesso à informação, à participação, à
decisões envolvendo o meio ambiente, bem como o fortalecimento da cooperação a fim de
proteger o direito de cada um a um ambiente sadio e um desenvolvimento sustentável
(NAÇÕES UNIDAS, 2018).
Por sua vez, no âmbito nacional, o direito ao meio ambiente equilibrado e ao
desenvolvimento sustentável teve início com a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA),
promulgada pela Lei nº 6.938/1981, além da Constituição Federal de 1988 em seu art. 225, o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), promulgado pela Lei nº
9.985/2000 e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), promulgada pela Lei nº
12.305/2010. Como apontado por Botelho:

A preocupação maior da Constituição Federal em definir o meio ambiente


equilibrado como direito fundamental vai muito além de uma mera nomenclatura
limitatória. Está, na verdade, na proteção alargada da vida, da igualdade, da
liberdade, da dignidade, da felicidade, uma vez que estes direitos dependem
indiscutivelmente do meio ambiente equilibrado, pois, este direito é o grande “palco
da vida”. Quando não equilibrado, todos os demais direitos fundamentais do homem
se desequilibram. (BOTELHO, 2013).

As normativas se inserem na “virada biocêntrica” que insere o meio ambiente como


problema fundamental em si mesmo, mas também demanda sua análise de viver em equilíbrio
(ecologia profunda, como apontado por Bosselmann, 2008) e garantir um meio ambiente
sadio às gerações futuras.
A perspectiva é da necessidade intergeracional, que perpassa também pelos Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável e pela Agenda 2030 da ONU para atender às necessidades
de uma economia ecológica e que perpassa por contradições próprias do sistema capitalista.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de toda a exposição sobre o tema, de forma aprofundada e crítica, cabe


prescrutar o meio ambiente na condição de direito humano no tempo moderno. Refletir sobre
a possibilidade de ente inanimado, como é o meio ambiente, ser sujeito de direitos (e direitos
humanos) é tema de parte de pesquisadores da filosofia e do direito.
O meio ambiente é, por sua vez, definido como uma amálgama de condições naturais,
para além da fauna e da flora e conceitos limitadamente biológicos. A pensar, por exemplo,
nos contextos de comunidades que possuem outra relação com os fenômenos naturais, pode
ser considerado sagrado, imaterial, ritualístico etc., dotado de características inteligíveis. Por
isso, a noção aqui abarcada é notadamente a noção ocidentalizada, advinda dos pensadores
que se apropriaram do conhecimento filosófico como epistemologia para torná-lo “científico”.
O que se tem visto nas últimas décadas é a cobrança por posições formais sobre o
meio ambiente, o que já foi mencionado anteriormente, no campo consensual da relação entre
Estados e no multilateralismo internacional. Ante a tradição romanística do direito ocidental –
com suas exceções –, observa-se a crescente dispositividade de normas que traduzem no
anseio multilateral de tratar o meio ambiente como um direito humano, não só a permitir a
continuidade da humanidade, mas como em si mesmo.
No entanto, muito embora a defesa desta posição no âmbito jurídico, quando alçada às
análises econômicas e sociais, bem como pelo descortinamento das relações da divisão
internacional do trabalho que envolvem a apropriação do meio ambiente, se mostra inócua tal
proteção, sobretudo na atual conjuntura do sistema capitalista, de neoliberalismo constituinte
de relações cada vez mais desiguais, com prevalência de grandes conglomerados no poder da
apropriação individual, o que já foi denunciado por Marx há muito tempo.
A relação entre homem e natureza perpassa pela reformulação ética, mas esta ética é –
ou falta de – é conjugada com as contradições do capital e, portanto, tende a se retroalimentar
para justificar preservação e conservacionismo seletivos, desigualdades entre centro/periferia,
a desconsiderar macrorelações de poder.
Por fim, ainda que pessoalmente acredite em modificações éticas e, portanto,
individuais, sobre a relação com a terra, no plano macro e moral ainda é necessário mudanças
estruturais, sem as quais a lógica predatória prevalecerá.
REFERÊNCIAS

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BOSSELMANN, Klaus. Strong and Weak Sustainable Development: Making the Difference
in the Design of Law. South African Journal of Environmental Law and Policy, 13, 14–
23. Disponível em: https://hdl.handle.net/10520/AJA10231765_45. Acesso em: 8 mai. 2021.

BOTELHO, Tiago Resende. O reconhecimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado


como direito humano e fundamental. In: Encontro Nacional do CONPEDI, Florianópolis, 22,
Anais… 2013. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?
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CAPRA, Fritjof; LUISI, Pier Luigi. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e
suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix, 2014.

FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos Fundamentais e proteção do ambiente. A dimensão


ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental
de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro.


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GUDYNAS, Eduardo. Direitos da Natureza: Ética biocêntrica e políticas ambientais. São


Paulo: Editora Elefante, 2019.

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das
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LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação da natureza. Trad. de Luís Carlos


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MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12 ed. Rio de


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