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35
cadernos temáticos CRP SP
Patologização e medicalização
das vidas: reconhecimento
e enfrentamento - parte 3
XV Plenário (2016-2019)
Diretoria
Presidenta | Luciana Stoppa dos Santos
Vice-presidenta | Larissa Gomes Ornelas Pedott
Secretária | Suely Castaldi Ortiz da Silva
Tesoureiro | Guilherme Rodrigues Raggi Pereira
Conselheiras/os
Aristeu Bertelli da Silva (Afastado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Beatriz Borges Brambilla
Beatriz Marques de Mattos
Bruna Lavinas Jardim Falleiros (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Clarice Pimentel Paulon (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Ed Otsuka
Edgar Rodrigues
Evelyn Sayeg (Licenciada desde 20/10/2018 - PL 2051ª de 20/10/18)
Ivana do Carmo Souza
Ivani Francisco de Oliveira
Magna Barboza Damasceno
Maria das Graças Mazarin de Araújo
Maria Mercedes Whitaker Kehl Vieira Bicudo Guarnieri
Maria Rozineti Gonçalves
Maurício Marinho Iwai (Licenciado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Mary Ueta
Monalisa Muniz Nascimento
Regiane Aparecida Piva
Reginaldo Branco da Silva
Rodrigo Fernando Presotto
Rodrigo Toledo
Vinicius Cesca de Lima (Licenciado desde 07/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Organização do caderno
Lucia Masini, Rosangela Villar, Maria Rozineti Gonçalves e Lilian Suzuki
Revisão ortográfica
Lucia Masini
___________________________________________________________________________
C755p Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Patologização e medicalização das vidas: reconhecimento e
enfrentamento - parte 3. Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. - São
Paulo: CRP SP, 2019.
80 p.; 21x28cm. (Cadernos Temáticos CRP SP /nº 35)
ISBN: 978-85-60405-62-6
07 Introdução
Núcleo de Educação e Medicalização do CRP SP
09 Mesa de Abertura
Palestras
20 Lucia Silva
23 Debate
A patologização da Educação
29 Pedro Tourinho
29 Rosangela Villar
30 Ângela Soligo
35 Debate
Eu digo não à medicalização
e à patologização da educação
46 Lilian Suzuki
48 Rosangela Villar
49 Claudia Lofrano
50 Ione Xavier
51 Elisabeth Gelli
52 Beatriz Mattos
53 Marília Alves
65 A Pedagogia/Educação e a Medicalização
Cecília Collares
75 Debate
Introdução 7
- parte 3
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Temática fundamental que merece reflexão e tem como consequência a patologização, em
construção de ações de enfrentamento tanto especial de crianças e adolescentes nas esco-
nos aspectos ligados diretamente à Educação, las. Estes PLs são reeditadas sistematicamente
quanto à vida das pessoas. nas casas legislativas e merecem total atenção
e medicalização
e articulação do Sistema Conselhos, de profis-
O CRP SP tem essa diretriz fruto de deli-
sionais da categoria e outros – ligados ou não
Cadernos Temáticos
berações de nossos COREPs e CNPs, há várias
à Educação e representantes do Legislativo.
gestões e o presente Caderno Temático traz à
Estes PLs geralmente tem a temática ligada a
categoria e à sociedade debates, palestras e
supostos transtornos de aprendizagem, como
Patologização
conferências que o Conselho organizou, apoiou
a dislexia e o TDAH, mas podem também atin-
ou foi parceiro, na gestão 2016 a 2019.
gir outros temas, que medicalizam, patologizam
Entendendo a medicalização/patologiza- e judicializam – como a manicomialização, as
ção da educação e da vida como um processo/ questões étnico-raciais e de gênero, o abuso de
atitude que transforma, artificialmente, ques- cesáreas no Brasil, o parto desumanizado, a cri-
tões não médicas em médicas, com aspectos minalização de crianças e adolescente, via redu-
da vida - de diferentes ordens - sendo trans- ção da maioridade penal, dentre outras pautas.
a Recomendação Mercosul/XXVI
RAADH/P nº 1/2015, de 6 de julho de
2015, que afirma a importância de ga-
rantir o direito de crianças e adoles-
centes a não serem excessivamente
medicados e recomenda o estabeleci-
mento de diretrizes e protocolos clíni-
cos sobre o tema;
as Recomendações do Ministério da
Saúde para a adoção de práticas não
medicalizantes, de 1 de outubro de 2015;
e a Recomendação nº 19 do Conselho
Nacional de Saúde, de 8 de outubro de
2015, que recomenda ao Ministério e
Secretarias de Saúde a promoção de
práticas não medicalizantes,
- parte 3
Psicologia em emergências e desastres
e desastres
e enfrentamento
Mesa de Abertura
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento
Eliseu Gabriel: Boa noite. Vamos começar o nosso logia, é uma imensa satisfação estar aqui, nesses
evento que comemora, pelo sexto ano consecuti- anos todos compondo esses eventos junto com o
vo, o Dia Municipal de Luta Contra a Medicalização Fórum sobre Medicalização. E dizer que a psicolo-
da Educação, instituído pela lei municipal 15.554 de gia sempre tem como pauta contribuir para a de-
e medicalização
30 de março de 2012. Foi de minha autoria, vere- fesa dos direitos humanos, para a defesa das po-
ador Eliseu Gabriel, e, hoje, vamos trazer uma re- líticas públicas, especialmente, num momento que
Cadernos Temáticos
flexão sobre o tema “Medicalização da vida, uma vemos cada vez mais o avanço de direitos sendo
questão de saúde, educação ou política”. Mas, an- aviltados. Posso citar alguns deles: recentemen-
tes, temos nossa mesa de abertura. te, tivemos um olhar para a homossexualidade de
Patologização
novo como um desvio, como uma doença. Algo que
Vera Regina Vitagliano Teixeira: Boa noite
a psicologia havia superado, está sendo retomado.
a todas e todos. Primeiramente, eu gostaria de
Tivemos recentemente também, uma lei, conheci-
cumprimentar os membros que compõem a mesa
da como Lei do Risco Psíquico para identificação
de abertura deste evento. Em nome da diretoria
precoce em bebês e crianças, com aplicação de
e do colegiado do Conselho Regional de Fono-
protocolos em larga escala, cujos princípios e mé-
audiologia, agradeço o convite para participar
todos são questionáveis, principalmente por não
- parte 3
ressante de Santos, em que uma lei tinha sido mente fundamental. Tem muito a ser feito ainda e
e desastres
aprovada, já estava até começando a entrar em nós temos de ganhar ideologicamente a socieda-
prática, foi convencido o vereado a refazer a lei de. E, para isso, a gente tem de estar o tempo intei-
e enfrentamento
contrária, anulando aquela lei, quer dizer, foi vo- ro combatendo, o tempo inteiro lutando, o tempo
Psicologia em emergências
tado de novo, extinguindo aquela lei. Mas isso inteiro buscando alternativas. Hoje, aqui, somos
continua pipocando no Brasil inteiro, temos de um grupo absolutamente fundamental “ah, mas
estar sempre atentos, aqui, na Câmara, volta e não tem tanta gente”, mas é essa gente mesmo
meia alguém mais desavisado faz e vamos para que vai fazer a diferença. Existem as publicações,
e medicalização
a institucionalidade, por onde as instituições de- Dar os parabéns para todas que estão nessa luta
cidem as coisas. Então, o Congresso Nacional e me comprometer a continuar junto com vocês.
Cadernos Temáticos
aprovou uma lei que eu nem fiquei sabendo, mas Muito obrigado.
se tivéssemos tido uma atuação no Congresso
Nacional, tivesse alguém lá, se alguém tivesse Jason Gomes: Vou fazer a mediação da pró-
Patologização
descoberto, teria um jeito de barrar, certo? xima mesa. Antes de chamar os componentes,
queria reforçar uma fala do Eliseu Gabriel, que acho
Então é uma luta constante, muito o que é
que é muito importante nesse contexto. A luta é
o nosso dia hoje, porque aqui a tendência da nos-
em defesa da diversidade e eu queria lembrar que
sa sociedade é individualizar o problema, é focar
o Fórum tem feito, nesses últimos sete anos, um
o consumo individual, é cada um ter seu aparta-
esforço muito grande para que essas lutas sejam
mento, é cada um ter seu carro, é cada um con-
em respeito à diversidade nos diferentes modos
sumir individualmente. Isso, de certo modo, vai se
- parte 3
tiu o filme Divertida Mente tem uma ideia do que é sentidos e outras organizações para a existên-
e desastres
a personificação de um complexo, nessas figuras cia. É fundamental a atitude da consciência. Se
que o filme apresenta. a atitude for de exclusão e combate, o efeito é
e enfrentamento
de um tipo. Se ao contrário, é uma atitude de
O complexo, então, teria uma posição rela-
Psicologia em emergências
escuta, escuta a sério, de inclusão, uma escuta
tivamente autônoma diante do complexo do eu,
que não é só literal, mas é uma escuta também
ou seja, seriam outros para o complexo do eu. Na
poética, simbólica, metafórica, os efeitos são
perspectiva junguiana, o complexo do eu é um en-
muito diversos. Do ponto de vista junguiano,
e medicalização
do mesmo ser, por que não se cansar? Minha alma que todas as sequências associativas possam
procura-me, mas eu ando a monte, oxalá que ela querer dar sentido, ela produz novos sentidos. E
Cadernos Temáticos
nunca me encontre. Ser um é cadeia, ser eu, não é é importante que também haja lugar para o des-
ser. Viverei fugindo, mas vivo a valer”. O que essa conhecido, para o mistério, para o inconsciente,
poesia nos coloca é a possibilidade de uma mul- não só para aquilo que cabe nas sequências
Patologização
tiplicidade que se estabelece tanto no mundo associativas que nos faz pensar que sabemos,
quanto em cada um de nós. com certeza, o que é uma coisa ou outra.
- parte 3
a partir do tratamento. Isso é explícito em al-
que os valores vão nos levando
e desastres
guns textos psiquiátricos. Foi, por exemplo, o
a achar que a maneira de viver tratamento do transtorno de pânico que deu ao
e enfrentamento
é jogo de tênis e não jogo de transtorno de pânico a sua solidez diagnóstica.
Psicologia em emergências
frescobol” Mas, em 1980, quando o DSM-3 é lança-
do, também é uma década onde temos uma
Assim, nós temos um mundo de relações impulsão do neoliberalismo como política de
e medicalização
muito interessante que cronologicamente, tive- te o que isto produziu: a expansão criativa do
mos umas circunstâncias que se casaram. número de diagnósticos. Se mais ou menos até
Cadernos Temáticos
1840, tínhamos duas categorias diagnósticas,
Em 1980, a Associação Psiquiátrica Ame- em 1880 tínhamos, mais ou menos, sete cate-
ricana lança o DSM-3, que foi um marco na psi- gorias diagnósticas. Pinel, Esquirol, no final do
Patologização
quiatria no mundo, por fazer uma mudança im- século 18, tinham por volta de oito categorias
portante na maneira de fazer diagnóstico. Os diagnósticas, todo esse período pré-século 18,
diagnósticos passam a ser feitos de forma ob- nunca teve muito mais do que isso de diagnós-
jetiva, equivalente. Então, eu vou fazer um diag- tico. Quando chegamos na metade do século 20
nóstico vendo se a pessoa tem tristeza, desâ- tínhamos 22 diagnósticos; quando chegamos
nimo. Veja: uma tristeza por acaso é vivida por em 68, 182 diagnósticos; com o DSM-3 vamos
cada um de nós sempre do mesmo jeito, com para 265 diagnósticos e, hoje, no DSM-5, nós
- parte 3
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Medicalização da vida, uma questão de saúde, sentidos, uma lógica completamente questionável
educação ou política? cujo motor, como disse o doutor Ajax, é o consumo.
Começo minha fala apontando um número ex- Essa lógica vem afetando o modo de vida
e medicalização
cia cujo nome comercial é Ritalina e Concerta, e acho principalmente a escola, como um microssistema
Cadernos Temáticos
extremamente importante trazer esse número para que acaba reproduzindo em seu interior os grandes
nós termos ideia do quão isso está crescendo a cada problemas sociais. Quer dizer, a escola é um reflexo
dia. Em 2000, foram vendidas 70 mil caixas de Metil- da sociedade. E por trás dessa lógica, que é ape-
Patologização
fenidato; em 2012, esse número aumentou para dois nas a ponta do iceberg, e em que ficamos presos,
milhões e 400 mil caixas de Metilfenidato. Acho um tem dinâmica, tem movimento, tem valores huma-
número bastante expressivo e bastante preocupante. nísticos, diversidade humana, diversidade cultural,
coletividade, singularidade, complexidade, contra-
Embora eu não seja do campo da saúde, en-
dições. Portanto, há um espaço bastante conside-
tendo que, tanto a saúde quanto à educação, a so-
rável para nós conseguirmos superar essa lógica
ciologia e a política, estão imbricadas nessa temática.
tão predatória e que tanto mal está nos fazendo.
Trago aqui Alvin Toffler, escritor e doutor em letras,
- parte 3
considere o direito à sua singularidade. Fui buscar al-
e desastres
fio pode ser, além de questionarmos o óbvio, mudar-
gumas alternativas e algumas propostas de escolas
mos as perguntas. Retomo uma questão que achei
diferentes para tentar superar, para tentar entender
e enfrentamento
bastante interessante trazida pela professora Mari-
quem vem tentando superar essa escola hegemô-
lene Proença Rebello de Souza, em que ela desloca a
Psicologia em emergências
nica que temos hoje, e encontrei o Projeto Âncora,
pergunta do “por que a criança não está aprenden-
onde estou fazendo a minha pesquisa e tenho tido
do?”, para “que escola estamos oferecendo?”
resultados bastante interessantes. A escola tradi-
cional parte das disciplinas em direção à criança, e
e medicalização
cimento, dos conteúdos, das disciplinas, e ganha au-
para aprender, tem sede de
tonomia, ganha cidadania. Essa escola parte de três
saber, ela só precisa de uma
Cadernos Temáticos
pilares, e o pilar que acho um dos mais importantes é
escola que fale a sua linguagem, o dos valores. Os valores vitais, os valores estéticos,
os valores políticos, os valores éticos como: solida-
uma escola que considere o
Patologização
riedade, honestidade, verdade, lealdade, altruísmo. A
direito à sua singularidade” ética vai para além da moral, procura os principais
fundamentos do comportamento (ou) da atitude; a
saúde, lidar com o corpo, entender o corpo, a harmo-
A psicologia escolar tem contribuído muito nia; a questão estética, como definir feio e bonito.
para pensar, estudar. A psicologia escolar lá no Ins-
tituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Acho que temos de ampliar um pouco mais o
- parte 3
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Jason Gomes: A gente que agradece novamen- tinua sendo vista como mercadoria, e você tem
te, Eliseu, sua parceria de sempre. Obrigado. Pri- um produto federal que é muito parecido com
meiro lembrar todo mundo, eu acho que a pro- os manuais dos grandes grupos educacionais
fessora Lúcia falou muito bem da BNCC, não sei privados. E, enfim, eu anotei aqui uma coisa que
e medicalização
se todo mundo sabe, mas ela mudou a lógica o Ajax falou no começo, que não se trata de ser
completamente na terceira versão, de uma ló- contra diagnósticos, não se trata de ser con-
Cadernos Temáticos
gica de garantia de direitos para aprendizagem, tra procedimentos, mas que é contra uma do-
ela entrou numa lógica de habilidades e compe- minação unilateral e fundamentalista. Acho que
tências que as crianças precisam ter. O governo tivemos isso na fala de todos. De certa forma,
Patologização
atual, inclusive, fez um documento que é sobre é contra uma dominação na forma de aprender,
a mudança, para todo mundo entender como que foi o que a Lucy trouxe na fala dela, e tam-
essas mudanças foram feitas. E o documento é bém contra essa forma escolar, que vem lá des-
muito curioso, porque tem uma parte em que o de, basicamente, a Revolução Francesa, com a
que estava como direito entrou como questões industrialização e com a Revolução Francesa,
transversais, e aí ele aparece com um tracejado que trata a escola como um espaço de docili-
e mais apagadinho assim para você entender zação dos corpos. Enfim, acho que temos esse
- parte 3
pelo número de exames feitos, porque isso é pela indústria farmacêutica, porque a escola
e desastres
transformar a saúde em mercadoria. A mes- tem uma lógica que reflete a lógica social de
ma coisa para habitação. O primeiro imóvel, o mercantilização e a indústria farmacêutica ocu-
e enfrentamento
imóvel que a pessoa mora, não pode ser mer- pa esse espaço que está ali suscetível.
Psicologia em emergências
cadoria, não pode ser tratado como mercado-
ria, para ser quantificado, ter imposto, tudo do Segundo o que eu li, de cada 10 médicos,
mesmo jeito que os outros. Isto não quer dizer oito prescrevem tarja preta para adolescente.
que tenhamos de acabar com a forma de mer- Esses comportamentos são encontrados na
e medicalização
de que eu tenho mais intimidade. Não se trata e a medicalização. A Associação Americana de
de você culpabilizar o médico, o psicólogo ou o Psiquiatria é quem convenciona o DSM de que
Cadernos Temáticos
profissional que trabalha na estrutura, ele tra- falou, aqui, o Ajax. E existem alguns membros
balha funcionando dentro dessa lógica, a hora da Associação Americana de Psiquiatria que
de trabalho dele é por consulta, a produção é tem conflito de interesses com a indústria far-
Patologização
feita de determinada maneira. E aí assim, não macêutica. E isso é muito sério, porque esbarra
interessa se o sujeito morreu de diabetes ou na questão ética. Então vemos que o problema
se ele perdeu um dedo, eu quero saber “olha, é muito maior do que se imagina. É uma ques-
quantas consultas ele teve, se ele fez os exames tão mesmo de poder, é uma questão ética, uma
que fez”. Há uma lógica que é a da mercadoria, questão de mercantilização da vida. Vou falar
e isso funciona muito. Então, eu acho que tem de duas questões que eu acho que são muito
de tomar um cuidado nesse sentido de não cul- importantes que tem acontecido e que nós nos
- parte 3
não consigo conceber a separação entre ensi- no espaço escolar possa abordar outras di-
e desastres
no e aprendizagem. Ensino/aprendizagem, um mensões. O indivíduo precisa ter uma possibi-
pressupõe o outro, não existe aprendizagem lidade de pensar seu mundo, seu entorno, suas
e enfrentamento
sem ensino e não existe ensino sem aprendi- relações com o seu meio. É lógico que temos,
Psicologia em emergências
zagem. Então assim, quem são os responsá- na disciplina de sociologia, a discussão da so-
veis? É o professor? É o aluno? Eu acho que a ciedade de classes, e para eles, é bem difícil
questão é muito mais ampla. Ao meu ver, penso quando começo a falar disso, no primeiro ano,
que a proposta pedagógica que continua nas porque existe toda uma concepção da merito-
e medicalização
Participante: Boa noite, trabalho em uni- ridos. E também trazer a possibilidade de eles
dade básica de saúde do SUS, colega do Ajax poderem expressar os anseios, os conflitos que
Cadernos Temáticos
há décadas. A mesa apontou a questão do ca- eles têm em cada fase, em cada momento da
pitalismo selvagem no neoliberalismo, influindo sua vida. Sentimos muita falta de ter espaços
na formação das pessoas e na relação da es- dinâmicos, também ter a tecnologia, mas ter
Patologização
cola com o educando. Então, a causa, a gente possibilidade de fazer essas interações com os
já consegue identificar. Agora, como será que nossos alunos que pudessem abarcar esse tipo
poderíamos solucionar essa dificuldade da es- de discussão, de vivência, de troca com eles, e
cola de falar sobre as diferenças de classes? eu acho que seria profundamente proveitoso
Não vejo essa entrada. Somos uma frente que para eles.
incentiva o reconhecimento das subjetividades,
Lucy Duró: Quando você fala em espiri-
as diferenças, e quando chegamos na escola
tualidade, imediatamente já me remete a essa
Pedro Tourinho
- parte 3
Médico sanitarista, docente da PUC Campinas e vereador na cidade de Campinas.
e desastres
e enfrentamento
Boa noite a todas. É um prazer receber vocês simplificadoras, que, de certa forma, oprimem as
Psicologia em emergências
aqui na Câmara, eu sou o vereador Pedro Tou- pluralidades das manifestações dos indivíduos,
rinho e no mês de novembro sempre realizamos cada vez mais são apresentadas por gestores
atividades que celebram o dia que nós aprova- públicos, por formuladores de políticas públicas,
e medicalização
cipal devem ser debatidos com a importância que do CRP; uma pessoa central nessa história; e Ân-
eles merecem. E particularmente um tema como gela Soligo, docente da Faculdade de Educação
Cadernos Temáticos
esse, a medicalização e patologização, cada vez da Unicamp e presidente da Associação Brasilei-
mais se torna necessário, dado que as soluções ra de Ensino de Psicologia.
Patologização
Rosangela Villar
Mais uma vez, como diz Pedro, estamos aqui para em todas as nossas ações, em todas as nossas
esse tipo de debate e reflexão. Desde 2013, es- formas de relacionamento na sociedade. Desde
tamos junto. Esse ano é, para nós, um pouquinho quando ficamos grávidas, desde quando a gen-
diferente porque ele está encampado também te nasce, desde tipo de alimentação que a gente
pelo Conselho Regional de Psicologia, que, embo- come; o fenômeno da medicalização passa por
ra nos anos anteriores tenha sido nosso parceiro tudo, é um fenômeno transversal.
nessa reflexão, esse ano entra mais forte: o dia
foi aprovado no Estado de São Paulo. Então, ele Hoje vamos falar da patologização da edu-
passa a ser também um dia estadual de enfren- cação, origem do nosso movimento, com a ques-
tamento, ou contra a medicalização da educação tão dos transtornos, da dificuldade da criança,
e da sociedade. Assim, o estado de São Paulo sua culpabilização e também da escola, ou do
todo, no mês de novembro, todas as subsedes professor e a dificuldade em ver isso como um
estão com eventos fazendo a marcação dessa fenômeno que é socialmente construído e que tá
data. Eu digo que isso é só simbólico, porque a lastreado em políticas públicas bastante inten-
gente tem de fazer a demarcação dessa data cionadas. É importante fazermos essa conversa.
e desse enfrentamento o ano inteiro, em cada Mas eu não vou falar mais, eu vou deixar a Ângela
uma das nossas ações, porque a medicalização fazer sua fala e depois ficamos à disposição para
e a patologização da vida, elas estão arraigadas participar da conversa.
30 Ângela Soligo
Psicóloga, docente da Faculdade de Educação da Unicamp e
presidente da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia.
Bom, boa noite a todas e a todos. É sempre um pra- cupado, ou você tem um problema sério a resolver,
zer participar desse debate sobre a questão da me- bom, a solução está num remédio líquido, que o dei-
dicalização, da despatologização; é necessário. E eu xa calminho ou calminha. Se você tem gripe, você
queria começar dizendo que hoje é um dia bastante não pode parar de trabalhar, você tem umas pílu-
emocionante para mim que sou uma pesquisadora las milagrosas que vão deixar você em pé. Se você
do racismo, porque hoje nós conseguimos aprovar quer emagrecer, você vai ter acesso a cápsulas que
finalmente a política de cotas na Unicamp, e parece vão queimar as suas gorduras. Se você está triste,
que não tem relação uma coisa com a outra, mas na desanimado, seja por qual motivo for, você tem re-
verdade, essas frentes todas, as políticas de inclu- médios que vão dar energia, sem falar nos florais
são social, de cotas, a luta contra a patologização, que são tiro e queda. Se você quer o seu cabelo
são lutas por uma vida cidadã plena, que nós não mais brilhante, mais sedoso, você pode tratá-los
temos, não é? Nós não teremos enquanto tivermos de dentro para fora com cápsulas, com remédios.
racismo, enquanto tivermos homofobia, enquanto Se você é mulher e fica irritada por alguma razão,
tivermos misoginia, enquanto tivermos pobrefobia, existem os remédios para TPM. Se você é homem
enquanto considerarmos que a vida social se resolve e anda desanimado, sexualmente meio lento, tam-
com remédios. Então é um dia para mim importan- bém tem remédio pra isso. Não é? Se você vai enve-
te e foi importante vir aqui hoje. Eu faço parte des- lhecer, nem pensa nisso, existem vitaminas que vão
se debate já há algum tempo, participo sempre que retardar o seu envelhecimento. Então, acabamos
possível, mas mesmo que não presencialmente eu brincando muito, as duas, e isto não é brincadeira,
participo da discussão, da produção de conteúdos e é sério. Parece que para viver, na nossa sociedade,
de ideias para esse debate. você precisar tomar, por dia, entre 10 e 12 medica-
mentos, no mínimo. Isso faz parecer que estar vivo
Queria começar minha fala contando uma
é estar doente, e que os problemas cotidianos, os
história. Há uns dias, eu estava sentada com a
problemas da vida em sociedade são problemas
minha filha mais nova, assistindo televisão, o que
do indivíduo, são seus problemas individuais e isso
é raro, mas tivemos aí uns feriados e assistindo a
não tem nada a ver com a sociedade.
TV, pude notar que, num período de mais ou menos
uma hora, de aproximadamente 10 propagandas de
televisão, cinco eram sobre medicamentos. Minha
filha e eu começamos a brincar com isso, porque
“Criamos rótulos e nós os vemos
fomos constatando que, se você trabalhar demais crescer, serem ampliados”
e esse trabalho te produz dores, dor de cabeça, dor
nas costas, dor nas pernas, tem analgésico, anti-
inflamatório e parece que isso resolve seus pro- Eu recebo muitas queixas de pessoas que
blemas trabalhistas. Se você não pode tomar leite, procuram atendimento psicológico, pessoas ne-
tem intolerância, já tem remédio para isso, você gras e, quando relatam situações de sofrimento
toma o remédio e toma leite. Se você está preo- por causa do racismo, elas escutam “racismo não
existe, esse problema é seu”. Então, vamos con- logias. Isso é patologizar. É focar essas questões
31
centrando todas as nossas questões, nossos no indivíduo e deslocar das condições de produ-
dilemas no sujeito individual; e concentrando no ção. Quando dizemos que uma pessoa, que está
sujeito individual, vamos identificando ou criando há mais de uma semana triste, está com depres-
doenças, criando patologias. Porque se é do su- são, não nos perguntamos por que essa pessoa
jeito individual, ele tem um problema que se mani- está triste e o que podemos fazer por ela. Temos,
- parte 3
festa com algum tipo de sintoma e, então, damos portanto, uma compreensão estreita dos proble-
e desastres
nome para eles. Eu diria que criamos rótulos e nós mas, limitada, unilateral. Qual é a consequência
os vemos crescer, serem ampliados. Há patologias imediata da patologização? É a medicalização. Se
e enfrentamento
para as quais nós não tínhamos nomes, não ha- dizemos que o sujeito está doente, se situamos
Psicologia em emergências
víamos criado ainda, mas nós vamos modulando os dilemas sociais nele e ele adoece, precisamos
os rótulos. Por exemplo: existem classificações de apontar ou apresentar um remédio. E hoje o que
depressão que vão dizer que mais de um mês de percebemos é que existe medicamento para tudo,
tristeza já é depressão, não importa qual a razão, existe remédio para tudo. E, junto com isso, vem
e medicalização
exercício, comia pulando. Na escola, também não
escola é maravilhosa, a sociedade é maravilhosa,
parava quieta, mas, ao mesmo tempo, prestava
ninguém passa fome, ninguém está preocupado
Cadernos Temáticos
atenção em tudo, só que pulando. Felizmente, ela
com o desemprego, ninguém está desempregado,
estudava numa escola que não rotulava, porque
ninguém está preocupado com a reforma da previ-
numa escola comum ela seria certamente consi-
dência, com a venda do Pré-sal ou das riquezas da
Patologização
derada hiperativa. Então, as crianças que querem
Amazônia. Então, nos perguntamos: a quem isso
correr, que querer pular, que querem brincar, hoje
interessa? Por que temos funcionado desta ma-
são chamadas de hiperativas.
neira? Selecionei alguns setores.
Quando nos deparamos com crise entre
casais, rapidamente, alguém situa a razão da
crise na mulher e diz que ela tem TPM. Quando “É alarmante a quantidade de
temos crianças questionadoras, adolescentes
- parte 3
aqueles medicamentos que não são psicoativos, por que eu conto isso?
e desastres
não são tarja preta, ao tomá-los regularmente,
vamos sim habituando o organismo, habituando-
e enfrentamento
nos e nos tornando dependente deles, mesmo que “E as queixas são das crianças
Psicologia em emergências
não fisicamente dependente, não é? Mas parece
que não conseguimos tocar a vida se aquele me- que ‘não para quieta’; ‘Ah, é
dicamento não estiver presente, como se fosse um pouco mais lenta do que
ele a prevenir qualquer possiblidade de risco. Tem os colegas pra ler’ ou ‘é rápido
e medicalização
eficácia. Então, ele é uma droga. A gente poderia que será transformado numa
trocar o nome Metilfenidato por qualquer droga e patologia que necessita de
Cadernos Temáticos
poderia fazer essa mesma descrição. Ele produz
efeitos colaterais já constatados: efeitos no fun-
remédios”
cionamento cardíaco, no funcionamento do sistema
Patologização
gastrointestinal e efeitos psicológicos, inclusive, de
Porque todos os dias, pais e mães de crian-
longo prazo. Já existem estudos internacionais que
ças nas escolas são chamados e são aconselha-
associam o consumo por período muito longo da
dos a levar os seus filhos ou no neurologista, ou no
Ritalina com tendências a suicídio e tendências psi-
pediatra, ou quando, é na escola pública, ao posto
cóticas. Então, ela produz consequências de longo
de saúde, e são aconselhados a pedir a prescri-
prazo e consequências bastante sérias. Mesmo as-
ção de Ritalina. As pessoas vão já com esta fala
sim, esses medicamentos são utilizados, tem sido
- parte 3
Psicologia em emergências e desastres
Psicologia em emergências
CRP SPdas vidas: reconhecimento e desastres
e enfrentamento
Pedro Tourinho: Ângela, muito obrigado. Foram vá- deixar uma receita pronta para o paciente poder pe-
rias provocações. Queria complementar e falar um gar de volta e continuar usando sua medicação sem
pouco da minha experiência de médico. Trabalho prejuízo. Não é possível fazer consulta todo mês para
na saúde da família, na atenção básica, e, em tan- avaliar se o paciente está ou não melhorando com a
e medicalização
tas vezes, me senti e senti colegas meus como se medicação. Fazer um plano de desmame, um plano
fôssemos traficantes que operam dentro da lei. Por- para melhorar, ou para diminuir também não existe. O
Cadernos Temáticos
que vemos situações, por exemplo, de renovação de que tem, na verdade, são casos de pessoas com 25,
medicamentos psicotrópicos, especificamente dos 20, 15 anos de uso dessas medicações. E se faltar,
benzodiazepínicos. Benzodiazepínicos são medica- no centro de saúde, especialmente o Rivotril, ou por
Patologização
mentos ansiolíticos. Para quem não sabe é o famoso algum motivo a receita não estiver lá, a briga é feia. Já
Rivotril, o famosíssimo Diazepam, Lexotan. Existem vi barraco na recepção, com todas as características
vários e promovem muita situação de dependência de substância de abuso, de ter uma ansiedade asso-
e de um uso abusivo. Existem milhões e milhões de ciada à eminência da não utilização do remédio.
brasileiros consumindo, na verdade, o Rivotril; ele
Hoje, 18% do PIB norte-americano está no se-
está sempre no top 2 ou 3. Na verdade, ao longo dos
tor saúde, isso é mais do que todo o PIB brasileiro; e
anos 90, houve uma transição, entre o primeiro cam-
- parte 3
podemos manifestar contrariedade, temos de sor- aqui falar com vocês”. Então um pouco é isso que
e desastres
rir o tempo todo, temos de estar felizes apesar de precisamos aprender também. Quer dizer, quando
qualquer coisa. Essa imposição também é patologi- dizemos que deve caber todo mundo na escola, é
e enfrentamento
zação, porque se você não é feliz, algum problema mais do que espaço. Deve caber no sentido de que
Psicologia em emergências
você tem, não é? E se você não é feliz você tem de deve haver formas diversas, estratégias para ensi-
achar um mecanismo de resolver a sua infelicidade, nar, para aprender. Aprendemos que ensinar de um
mesmo que ela seja momentânea, seja com remé- jeito só não funciona para todo mundo. Isso inde-
dio, seja com exercícios, porque você aumenta a pende do estudante ter algum rótulo do que quer
e medicalização
diversas se quisermos atingir de fato aquela pes-
aprendemos? Não é através de conflitos? Quando
soa que está ali para aprender. Então, precisamos
estamos muito fechados num determinado pro-
Cadernos Temáticos
também superar essa ideia de que há pessoas que
cesso de criação, de construção, não avançamos.
não podem aprender. Todas as pessoas que estão,
Precisamos ser conflitados, precisamos ter dúvida,
na escola ou em qualquer lugar, podem aprender.
precisamos de curiosidade para avançar. Então,
Patologização
processos de conflitos são processos de cresci- Juliana Garrido: Sou Juliana Garrido, sou
mento. Claro que, com isso, não estamos fazendo pedagoga, professora da educação básica e pro-
apologia ao sofrimento, certo? Não é isso, mas é fessora alfabetizadora, e estou passando pesso-
preciso desestabilizar para dar o próximo passo no almente por um momento interessante, porque mi-
seu processo de desenvolvimento. Só que isso não nha segunda filha está aprendendo a engatinhar
está sendo permitido. Quando desestabilizamos e a forma que ela está aprendendo engatinhar é
para dar o próximo passo, já corremos o risco de completamente diferente da forma que meu filho
Ângela Soligo: Queria falar mais uma coisa. Quando a Rosangela fala da escola e da
Mesmo quando estamos diante de uma criança ou alfabetização, e acho que vem ao encontro da
adolescente, que tem uma dificuldade ou certa ca- última fala da Ângela, tem a ver com isso, com
racterística, não significa que ela não seja capaz acreditarmos que não há capacidade naquela
de aprender. Nós recebemos, na Unicamp, há um criança de aprender, e é isso que preocupa. E do
tempo, uma professora da Universidad Complu- jeito como vocês estavam falando, a mesa toda,
tense de Madrid, María del Pilar, que trabalha com a o Pedro contribuiu também bastante para essa
questão da hiperatividade, do TDH. Ela apresentou análise de como, no fundo, estamos mergulha-
na Faculdade de Educação uma proposta de estra- dos numa sociedade que é de consumo, e por
tégias de ensino/aprendizagem para crianças que isso consumimos tudo, inclusive o medicamen-
são consideradas hiperativas e foi descrevendo to, o rótulo e as respostas rápidas, consumimos
as estratégias. No final, foi bem legal porque ela também essa impressão de que diferenças são
incapacidades e, portanto, se o aluno faz qual- sados em vender essas respostas e tudo mais.
38
quer coisa que foge do meu esquema esperado, E, no fundo, é contra isso que lutamos. Enfrentar
eu já penso em interpretar essa diferença como essa avalanche é um trabalho árduo, de formi-
uma incapacidade. Quando, na verdade, não só ga. Queria aproveitar, Ângela, e pedir para você
cada um tem o seu processo como nós mesmo falar sobre como você enxerga, na sua experiên-
passamos por processos diferentes, ao longo cia enquanto professora da universidade, essa
da vida, dependendo do momento, do estudo, do construção da despatologização do ambiente
assunto ou do envolvimento que temos com o escolar no sentido da formação de uma visão
tema em questão. E, no caso da alfabetização, mais ampla, tanto do desenvolvimento quanto
acho que estamos ainda aprendendo, não só da aprendizagem. Como você vê esse momen-
na escola, mas socialmente. E as professoras to, e que passos estamos dando em direção a
não podem sair desse universo. Socialmente, esse entendimento mais múltiplo da infância, da
estamos aprendendo ainda que as diferenças criança e da aprendizagem?
são constitutivas das pessoas e não marcas
Ângela Soligo: A impressão que eu tenho,
de melhor ou pior. Então, você comentar sobre
às vezes, é que damos passos para muitos lados
falhas no processo, acho muito marcante e re-
e andamos pouco. Acho que é um pouco dife-
levante não entender que a alfabetização é um
rente você pensar a formação na Faculdade de
processo, e que o processo se desenha de infi-
Educação na Unicamp, em que vários de nós tem
nitas formas, porque, de verdade, não podemos
uma inserção nessa discussão da questão da
prever como cada criança vai passar. Eu, como
patologização, da medicalização, da questão da
professora, vou vendo como cada criança expe-
diferença. Estou num grupo de pesquisa que se
rimenta aquele conhecimento e vou oferecen-
chama “Diferenças e Subjetividades em Educa-
do estímulos e ferramentas que possam ajudar
ção”. Temos vários grupos olhando para a ques-
no seu processo. Claro que há semelhanças, há
tão da diferença como aquilo que nos constitui e
também crianças que um mesmo estímulo pode
como nosso ponto de partida e chegada. Então
atender aquele momento do desenvolvimento da
conseguimos promover essa reflexão, na sala de
leitura e da escrita; outro grupo de criança, ou-
aula na formação. Do que eu conheço e escuto
tro estímulo pode atender. Mas enfim, o que está
das professoras e dos professores, na formação
posto em jogo é que a diferença é premissa e
continuada, ainda circula na formação na educa-
não o similar. A premissa é que cada um vai pas-
ção, de maneira geral, a ideia da homogeneidade
sar por aquele processo de maneira diferente,
como princípio; e então temos sempre um en-
como uma criança aprende a engatinhar de um
frentamento com esta ideia, com este conceito,
jeito e outra de outro e ninguém está assusta-
de que é bom aquilo que pode ser homogenei-
do com isso. Diante desse processo, os adultos
zado. Assim, acho que ainda esse é um universo
em volta, os professores, os responsáveis vão
diverso, mas eu diria que na Faculdade de Educa-
oferecendo estímulo que pareça mais adequado
ção, se pensarmos no país todo, nós não somos
àquele momento do desenvolvimento.
a regra. Então, é preocupante. Também precisa-
mos reconhecer que muitas das estudantes e
É interessante pensar como, no fundo, de-
dos estudantes que vêm para fazer um curso de
pois de tanta discussão construída, de tanto co-
pedagogia, vêm com a ideia da homogeneidade.
nhecimento agregado a esse debate, queríamos
Então, temos uma tarefa de desconstruir isto.
ver serviços mais avançado, mas ainda não é
isso que acontece. Ainda estamos engatinhan- Uma coisa muito comum, principalmente
do nessa concepção de que a diferença é que é para os estudantes mais inexperientes em rela-
o natural, não é? Portanto, ninguém tem de ter ção à escola real, é a idealização da escola em
medo da diferença. Pelo contrário, eu não preci- que estudaram. “A minha escola era maravilhosa
so correr para classificar aquela diferença por- para mim, então o meu ideal de escola é aquele”.
que, na verdade, ela é só parte de um todo que Então é a primeira coisa que temos de descons-
é comum. O normal, o comum, devia ser muito truir é que o mundo não é tão pequeno assim. A
diverso, mas alguém, que eu não sei quem, re- segunda coisa é a ideia de que encontrarão um
solveu classificar que o normal é muito estrito e, conjunto de saberes e de estratégias que se-
portanto, tudo que foge deste desenho muito es- rão a solução para tudo. “Eu vou aprender a ser
trito, passa a ser classificado como o problema. a melhor professora ou o melhor professor que há
E, então, existem mil respostas e muitos interes- porque eu estou nesta grande universidade”. Isso
vale para todo mundo o tempo todo. Então essa em que ela está, mas o quanto menos ela ficar, o
39
é uma outra ideia que você tem que desconstruir, quanto mais depressa ela voltar para o rumo de
porque ela também é homogeneizante. E aí o que desenvolvimento da vida dela, melhor”. E tem pro-
acontece no estágio é que quando essas pesso- fessor que fala, “mas espera um pouquinho, como
as caem na escola é um desespero. Por quê? Por- assim?”. Eu falo “ela não é doente, ela foi tornada,
que a escola não é do jeito que está na cabeça ela foi construída com essa crença e a gente vai
- parte 3
das pessoas; aquelas crianças, aqueles jovens ajudá-la a lembrar que ela é uma pessoa que tem
e desastres
são a diversidade. E aí, muitas vezes a primeira todas as capacidades para aquilo que ela quiser
reação das pessoas é “então eu não gosto da es- fazer”. Porque isso é o que nós somos. Na nossa
e enfrentamento
cola, não é dessa escola que eu gosto”. diversidade, na nossa potencialidade avança-
Psicologia em emergências
mos para onde quisermos, o problema é que a
O tempo todo temos de trabalhar na des-
sociedade em que vivemos diz que a gente não
construção, mesmo na Unicamp. Na desconstru-
pode, ela nos limita. Então, essa desconstrução
ção dessa ideia de que a homogeneidade deve
é o convite que eu deixo hoje para que a gente
e medicalização
desconstrução. Nos despedimos daqui da região como está o seu trabalho. Talvez você precise
de Campinas, nesta campanha, mas não da nos- mudar de trabalho. Obrigada.
Cadernos Temáticos
sa luta, que é contínua, de todo dia. O convite é
Ângela Soligo: Temos sim um desafio de am-
para desconstruir conceitos, pré-conceitos, ex-
pliar esse debate para onde vocês estiverem e de
pectativas e tentar trabalhar na contramão dis-
conhecer o movimento melhor, conhecer os conte-
Patologização
so que estão cobrando de nós, de que temos de
údos que já existem sobre o tema. Como eu sou
nos comportarmos, de que temos de nos contro-
da psicologia escolar, vou me dirigir aos psicólogos
larmos, de que temos de ser o melhor, o melhor
também, porque a psicologia está sendo convoca-
em tudo que fazemos; de que falhas são ruins,
da a patologizar. Toda vez que convocarem vocês
de que erros são negativos. Desconstruir esses
para fazer atendimento individual na escola, digam
conceitos é um enfrentamento árduo, mas contí-
não, porque fazer atendimento individual na escola
nuo. E extremamente gratificante.
é atuar na dimensão da patologização. Olhem para
Atualmente dou aula na Famat, uma faculdade par- Então, com a produção desses eventos,
ticular em Niterói e tenho tido um enorme prazer não foi difícil identificar os nexos que ligam a in-
em conviver com os jovens. Eu dou a mão para Ma- dústria farmacêutica ao advento do medicamen-
ria Helena Souza Patto e vou, porque trabalho com to e a emergência da psiquiátrica biológica. Vou
textos dela. Trabalho com a produção do fracasso voltar a isso mais adiante. É uma engrenagem
escolar. Trabalho com o clássico dentro da Psico- que se formou e se consolidou para produzir o
logia Educacional. Tenho participado do fórum so- que, lá em 2004, eu ficava “ai meu Deus, e es-
bre Medicalização da Educação e da Sociedade, sas crianças tomando Ritalina”. Foi a produção de
desde 2010. Já fizemos muitas coisas: produções, uma engrenagem. Também não foi difícil mostrar,
eventos, parcerias firmadas, mas fica a pergunta: ao longo desses anos, a função da mídia como
a desmedicalização da vida é uma pauta consoli- produtora do sistema: mercado, mercadoria,
dada, já conseguimos pautar isso na sociedade, é consumidor. O quanto esse mercado é produ-
uma pauta que percorre todos os espaços? zido, ao mesmo tempo, em que se inventa uma
mercadoria. As matérias de jornal, as novelas,
Esses espaços coletivos que criamos têm o Fantástico, o Globo Repórter. O quanto, em
trazido essa discussão. Vejo meus alunos que já tempo real, eles estão produzindo mercadoria,
chegam pautando essa discussão, já sabem que mercado e consumidor. Quantificamos o aumen-
existe essa discussão. Acho que já consegui- to exponencial da dispensação dos psicofárma-
mos, desde de 2010 e até de outras produções cos ao longo das últimas décadas. Conseguimos
já mais anteriores, com Cida Moysés, que é a avançar nisso, mostrar, dar visibilidade. Nós
nossa precursora maior. Quando conheci a Cida, não tínhamos esses dados mas conseguimos
em 2003, no evento que participamos juntas, ela produzi-los, que é a nota técnica que mostra o
já pesquisava, já produzia material sobre esse aumento do consumo do Metilfenidato, e tam-
tema. É muito acúmulo que nós temos. Conse- bém do Rivotril. Falamos bastante do Metilfeni-
guimos pautar a medicalização na infância, na dato, porque nos afeta no sentido da educação,
educação, no parto, na menopausa, na velhice. da escola, do TDH, é essa parte da engrenagem.
Tenho a impressão que hoje é bem mais fácil do Mas o Rivotril também é muito sério. Consegui-
que era. Eu me lembro que, em 2003/2004, tinha mos mostrar isso e foi um avanço muito grande.
um amigo jornalista, ele era diretor de jornal, e Em nossos encontros, também alertamos para
eu falei “Dácio, eu tenho uma matéria bombás- os projetos de lei que visam proliferar diagnós-
tica, a gente tem que fazer uma matéria sobre ticos, aumentando o consumo de determinados
essa questão do TDH. Isso é um absurdo e tal...”. psicofármacos. Lutamos contra a judicialização
Ele ficou olhando para mim, como quem diz “tá da vida, que foi outro movimento que começou a
maluca? O que é isso? Teoria da Conspiração?”. acontecer de 2009 para cá. Foi a interferência do
Eu falei, “mas você não está entendendo, o que Judiciário, na judicialização da vida, que começou
está acontecendo?”. Hoje, conseguimos pautar a criar um binômio: medicalização-judicialização.
bastante também na mídia. Essas duas forças agindo no quê? No controle e
no aprisionamento da vida. São duas forças que tinha tido consciência disso. A medicalização não
41
tem caminhado de mãos dadas. E os efeitos da é uma coisa nova, não está acontecendo agora,
judicialização, também temos visto aí em outras mas porque falar a esse respeito, forçar a rede de
áreas, ela realmente tem aprisionado a nossa informação institucional, nomear, dizer quem fez,
vida de forma bem real. O início do fórum, veio o que fez, designar o alvo, é uma primeira inversão
por conta do PL da dislexia em São Paulo. Teve do poder”. Então é uma primeira inversão do po-
- parte 3
a lei lá; no Rio de Janeiro, foi em 2012. Aprovada. der. Mas não podemos ficar só na denúncia, não
e desastres
Cochilamos e aprovaram numa sessão, sem mui- é? Ela produz efeitos, produzimos evento em
to alarde, rapidamente, uma lei que estimula a que queremos denunciar, mas temos de produ-
e enfrentamento
capacitação dos professores para identificar as zir também outros eventos para problematizar
Psicologia em emergências
crianças portadoras de TDH. Eles até fizeram, no e pensar alternativas. Eu participei, na Fiocruz,
Rio, uma pegadinha, escreveram TDA, eles vão com Paulo Amarante de um evento que ele já
fazendo de jeito para que fiquemos mais desa- queria trazer alternativas. Então, dessa forma,
tentos e, então, eles emplacam. Fui na audiência designar o alvo constituiu-se como primeiro
e medicalização
teresses. Sabem o que é conflito de interesses?
namento da vida? São perguntas que temos de
Hoje mais do que nunca, sabemos, ninguém nos
fazer. Muitas vezes, para denunciar a invenção
Cadernos Temáticos
engana mais com relação a isso. E ele estava lá;
desse transtorno, ficamos na afirmação de que
na hora em que eu fui falar, ele saiu da sala e eu,
“TDH não existe, TDH não existe, TDH não existe,
que na época era mais brava, falei “vai sair da
remédio não faz bem, tem efeito colateral”. Mas,
Patologização
sala?”. Tínhamos uma força, ainda temos, porque
o que mais podemos fazer? Como agir no pensa-
nosso grupo renova. Temos pessoas mais jovens
mento viciado em paradigma problema/solução?
para mobilizar forças para coisas seríssimas que
Essa é uma questão importante para pensarmos.
estão tramitando, como PL da luta pela criminali-
Se vivemos nesse paradigma em que tem uma li-
zação da psicofobia, que é colocar, por exemplo,
nha reta entre problema e solução, não criamos,
o movimento do Fórum, o Despatologiza, como
não agimos, não problematizamos, porque não é
crime. Podemos ser tipificados como crimino-
linha reta. Então se pensamos nessa questão da
- parte 3
vernantes e suas respectivas políticas públicas
e desastres
isentos de qualquer responsabilidade. Quando Então, o que é essa tal de medicalização, se
começamos a classificar, segregar, o que esta- não é um conceito novo, se é uma lógica que acon-
e enfrentamento
mos fazendo? Ou a educação é um direito à edu- tece há bastante tempo? É a construção de uma
verdade sobre o outro, a partir de um ponto de vis-
Psicologia em emergências
cação para todos, ou instituímos uma política de
segregação a partir de um esquadrinhamento da ta, é a produção do uno e das totalizações.
população infantil. Nessa época, o que resultou?
Uma caçada aos anormais. Então, a partir de
e medicalização
sarmos é que o que está na base da nossa dis-
cussão não é novo, é segregação para uma nova as variações das experiências
Cadernos Temáticos
categoria psiquiátrica. Podemos dizer que, das sejam totalizadas, que deixemos
crianças anormais, avançamos para os portadores
de viver as variações das
de transtorno de TDH. A lógica se mantém a mes-
Patologização
ma, construímos um outro regime de verdades, experiências”
para sustentar a mesma lógica, que é segregação
e esquadrinhamento.
Eu digo não à medicalização e à patologi-
No início do século XX, o Pavilhão Bourneville,
zação da vida, é o nosso tema. Dizer não, nesse
no Rio de Janeiro, foi construído para abrigar crian-
sentido, passa a ser lutar contra a dominação de
ças anormais. Minha orientadora de doutorado fez
um certo regime de verdade que produz uma for-
- parte 3
tico chamado TDH e pronto. Os antidepressivos,
e desastres
desmedicalização do olhar, envolve a recusa do
o laboratório até hesitava, “será que vai ter algum
destinado olhar para a criação de um olhar calei-
deprimido que vai consumir esse remédio?”. Então,
e enfrentamento
doscópico. No caleidoscópio, a cada giro tudo se
a gente, divulga, divulga, depressão, depressão,
altera, as possíveis combinações entre as par-
Psicologia em emergências
tristeza não, depressão, depressão, depressão é o
tes geram totalidades sempre provisórias que
carro-chefe de todos os laboratórios.
mudam a cada golpe de mão. Com ele, ousamos
Como agir na desmedicalização? Como mu- pensar a vida na complexidade. Escapamos do
e medicalização
“É preciso transver o mundo. Tirar da natu-
desconstruir, desmontar, transformar.
reza as naturalidades, a expressão reta, aquela
Cadernos Temáticos
É preciso construir micropolíticas, construir coisa do paradigma, problema, solução, uma reta.
rede, agenciar coletivos, que é isso que estamos A expressão reta não sonha.”.
Patologização
Cadernos Temáticos CRP SP
Helena muito obrigada. Nossa, você fez um resgate ter uma série de pequenas conversas, nas quais as
histórico para nos trazer para realidade e para as pessoas possam contar como isso está se dando
múltiplas verdades, acho que foi bastante impor- na prática no estado de São Paulo. A Lilian vai co-
tante para o nosso começo de entendimento do meçar, com a voz do território pensando aqui na
dia. Queremos engatar um pouco como isso tem cidade de São Paulo, especialmente na Comissão
circulado nos territórios aqui em São Paulo. Vamos Gestora Metropolitana.
46 Estado da Arte - Voz dos Territórios: desafios e
proposições da Psicologia no Estado de São Paulo
Lilian Suzuki
A Rozi falou do nosso trabalho, da Nossa luta • Campanha em comemoração ao Dia Nacional
cria, e do Núcleo de Educação e Medicalização. da Luta Pela Educação Inclusiva;
Temos uma campanha bastante intensa que já
• Campanha do Dia Estadual de Luta Contra a
começou na gestão anterior que fala sobre o
Medicalização da Educação e da Sociedade;
“Resistir para reexistir”, que também fala sobre
os processos de medicalização e patologização • Evento A infância em risco;
da educação e da vida.
• Campanha sobre a psicologia e as demandas
Vou aqui muito rapidamente pensar porque, escolares na rede de assistência social, saúde
nesse momento, estamos fazendo esse diálogo e e educação, foi um trabalho bastante interes-
fazendo esse link com o COREP. Vou muito rapida- sante que conseguimos apresentar agora no
mente, retomar aqui as diretrizes e objetivos para Congresso Brasileiro de Psicologia.
o nosso COREP, e acho que é muito importante já
• A reforma do ensino médio, a psicologia e as
ir destacando algumas coisas para esse encontro.
conferências nacionais de educação;
A ideia é discutir e analisar o papel da psicologia
na educação e as ações do profissional nos con- • Educação inclusiva e pessoas com TEA;
textos educacionais com base numa psicologia
• Mudar a escola ou mudar as crianças;
crítica, que permita a sua inserção prioritária nas
políticas públicas da educação. • Emancipação e transformação, o que compõe
as metodologias participativas;
Vou apontar como diretrizes e objetivos,
nesse momento, alguns mais direcionados: • Organização da etapa estadual da revisão
das diretrizes curriculares nacionais da gradu-
(1) Destacar a contribuição da psicologia na
ação em psicologia;
luta pela consolidação de uma educação
para todos, combatendo as exclusões so- • Representações em universidades; encontro
ciais, a medicalização, a patologização e a com estudantes de psicologia, encontro com
judicialização da vida; coordenadores de cursos de psicologia e su-
pervisores de serviço-escola.
(2) Dar visibilidade às práticas psicológicas em
educação;
E apoio e participações em eventos parcei-
(3) Aproximar, dialogar e debater os conheci- ros: no GT de formação, no GT de educação, mos-
mentos científicos e as práticas das e com tras de práticas desmedicalizantes, encontros do
as psicólogas, que atuam ou defendem a Despatologiza, encontro natureza e desmedicali-
temática da educação: zação, Congresso Encontro Regional na Abrapee,
Congresso Brasileiro de Psicologia, o Conpe; no
(4) contribuir para combater o preconceito,
Conape, essa também foi uma ação bastante in-
promovendo a diversidade e enfrentando
teressante, em que pudemos marcar, dentro da
práticas patologizantes, medicalizantes e
educação e dentro das conferências, o lugar da
judicializantes.
Psicologia que era um lugar que éramos pouco
Acho que esse é o nosso maior foco, quando convocados; Seminário internacional da Educação
pensamos no nosso núcleo temático. A ideia foi de Medicalizada; Encontros de Psicologia e Educação,
aproveitar este espaço para ampliar e dar transpa- que é o EPE; Encontros Estadual de Serviço-Esco-
rência para as ações que nós fizemos nessa ges- la, junto com os coordenadores; o Seminário Esta-
tão, nesse período também. Vou começar falando dual de Educação em Direitos Humanos, e o Se-
da Metropolitana. Fizemos: minário sobre o Ensino religioso na Escola Pública.
Isso é uma coisa muito legal que a gente pôde fa- ção na Comissão Estadual de Educação em Direi-
47
zer, que é um encontro inter-religioso. É um fórum tos Humanos e a representação no Programa de
inter-religioso, muitas pessoas participam, muitos Atuação do Grupo de Educação do Ministério Pú-
chefes, muitos pastores, para dizer que eles estão blico (GEDUC). Uma mobilização contrária aos PL
muito mais preocupados com educação do que medicalizantes e patologizantes, mobilização con-
com a diversidade religiosa. Elaboramos notas de trária ao ensino à distância. Uma mobilização de
- parte 3
posicionamento. apoio em audiências públicas contrárias à Escola
e desastres
sem Partido, uma mobilização favorável à inserção
Estamos também fazendo a revisão das re- de psicólogos e assistentes sociais na educação.
e enfrentamento
comendações dos serviços-escolas, um documen- E um projeto de lei do atendimento de psicólogos
to que está ligado com a Base Comum Curricular e
Psicologia em emergências
aos alunos da Rede Pública de Educação Básica.
notas contrárias à utilização de muitas das avalia- Participação em orientações e fiscalizações, junto
ções e de muitas portarias. à Comissão de Orientação e Fiscalização, e parti-
cipação das reuniões de direitos humanos e políti-
e medicalização
Cadernos Temáticos
Patologização
Pessoal, bom dia, eu sou Maria da Penha. Eu e Então, nos deparamos com uma defasa-
a Elis somos do Grande ABC e nós compomos o gem que é bem conhecida por todos: os psis não
Núcleo de Educação e Medicalização do Gran- existem e os poucos que existem estão aloca-
de ABC, da subsede do Grande ABC. O que eu dos em outras secretarias. Os poucos que exis-
trouxe para vocês hoje é um pouco do nosso tem, em São Bernardo, estão se aposentando
trabalho. Somos novos nessa luta, começamos sem reposição. Isto é: psicólogo escolar, ligado à
em 2015. O nosso núcleo se iniciou, na verdade, escola, realmente quase não existe na nossa re-
O que nós já fizemos nesses três anos? No • Dois cine-clubes em parceria com a Abrapso;
primeiro momento, nós fizemos o mapeamento
• Um seminário que foi Psicologia Escolar no
das universidades da região. No Grande ABC,
ABC, em 2016, em que a Rozi estava presente;
nós temos cinco universidades. É uma região
pequena, porém, muito cheia de universidades • Uma roda de conversa, em 2017, em que a Li-
que concorrem entre si. Nas universidades na lian estava presente;
região, fizemos um mapeamento para compre-
• E, há três semanas, fizemos o nosso evento
ender como se dão as disciplinas da psicologia
com relação à medicalização, ao dia da Luta da
escolar, educacional, infância, desenvolvimen-
Medicalização, um encontro com professores
to, como os alunos estão tendo conhecimento
da rede e coordenadores da rede do Grande
da disciplina, de que forma é ensinada e como
ABC, em que trabalhamos a potência do pro-
está o trabalho do professor com relação a essa
fessor frente ao histórico da medicalização.
disciplina. E também fizemos um mapeamento,
nas secretarias da educação das cinco regiões • E, enquanto isso, estamos fazendo sempre
do ABC, os cinco municípios do ABC, para poder reuniões ordinárias, reuniões do grupo, e
compreender onde está localizado o psicólogo reuniões ampliadas para toda a comunida-
escolar nas prefeituras, do Grande ABC. de do ABC.
48 Rosangela Villar
Pincelamos algumas das ações que desenvolvemos uma plateia imensa, auditório lotada. E isso foi muito
esse ano, e apontamos que tínhamos de trazer para importante, porque vimos trabalhando na possibili-
cá alguns dos nossos desafios. Queria começar a fa- dade de incluir na grade curricular, de maneira trans-
lar não de desafio, mas de uma coisa que, para gen- versal, a questão do enfrentamento à medicalização.
te, tem sido boa, a parceria do Despatologiza como E ter sido convidado para fazer a fala de abertura,
o Conselho de Psicologia. E como eu represento os foi uma espécie de “acho que a estamos chegando
dois ficou muito fácil articular, fortalecer e capilarizar onde a gente queria”. Parece que é um tema que está
as discussões. Não é todo mundo que vai ter essa chamando atenção. Em novembro, já entrando na
possibilidade, mas eu sugiro que a gente se aproxime campanha mesmo, no mês de fazer o enfrentamento
de todos que tenham a mesma luta que nós porque à medicalização, tivemos, na Câmara de Vereadores,
fica mais fácil de trabalhar. Começamos, em abril, com desde que temos o dia Municipal em Campinas, que
uma prefeitura perto de Campinas, Vinhedo, fazen- é 2012, todos os anos fazemos uma visita no espa-
do um trabalho de intersetorialidade, com a saúde, ço legislativo. A gente brinca: é o lembrete para eles
educação e assistência. A questão da queixa escolar, não esquecerem que estamos de olho neles. Todos
mas não só a queixa escolar, todos os processos de os anos, levamos uma temática diferente no enfren-
patologização e como fazer seu enfrentamento. Foi tamento à patologização. Esse ano, a gente levamos
uma coisa mais pontual, eles ficaram de pensar em Bárbara Costa, psicóloga do Despatologiza Rio de
possibilidade de continuar, mas ainda não tivemos Janeiro, discutindo a Lei 13438, que é a da detecção
retorno. Quando a sede fez a roda de conversa “con- precoce de risco psíquico. Foi superlegal a fala dela,
versando sobre educação inclusiva com as pessoas está gravada e disponível no TV Câmara Campinas,
de transtorno de espectro autista”, a gente foi polo no Youtube. Ao invés de ela focar primeiro a lei, ela
de transmissão em Campinas e convidamos uma falou de uma experiência, no Rio de Janeiro, lidando
mediadora em Campinas, que é a Carmem Ventura, com isso. E depois, ela fala da lei e por que ela é tão
psicóloga da PUC, e que toda a discussão, pós a fala ruim; porque não tinha nada a ver com possibilidade
aqui da sede, a gente levou para o TEA, as questões de atuação despatologizante. Trabalhamos também,
da inclusão e da exclusão, e a patologização que isso ainda em novembro, num outro município, Valinhos,
implica. Estou trazendo aqui só as ações que fizemos também próximo de Campinas. Fomos procurados
no tocante ao enfrentamento à patologização, mas por um grupo de profissionais muito incomodados
independente do eixo em que isso aconteceu, porque com a política altamente patologizante da Secretaria
tentamos trabalhar lá na transversalidade. de Educação e da Secretaria de Saúde em relação à
queixa escolar. Fizemos um trabalho já no início des-
Em agosto, tivemos para o dia do psicólogo se mês; na próxima semana, teremos uma roda de
vários eventos em Campinas e, em um deles, pe- conversa, que vai ser queixa escolar e processos de
gamos as práticas integrativas e complementares patologização, pegando profissionais de saúde, edu-
como uma possibilidade de cuidado das pessoas, cação e assistência. E, para o grupo que a gente fez
mas não só das pessoas que a gente cuida, mas das no começo do mês, tem já uma proposta para 2019,
pessoas nós mesmos. Nós, enquanto profissionais, um trabalho com profissionais de um território em
como uma forma de nos mantermos mais inteiros, Valinhos, que tem uma situação privilegiada, porque
mais saudáveis, mais felizes, não como uma prescri- eles têm um equipamento de saúde, todos os níveis
ção, mas como mais uma possibilidade de cuidado. de escolarização e assistência na mesma rua. É uma
Foi supergostoso, tivemos muitos alunos e muitos área rural em Valinhos; eles não sabem trabalhar de
profissionais da psicologia tentando conhecer que forma intersetorial, e o convite é que os ajudemos a
oferta era essa. Ainda em agosto, participamos da fazer isso. Então, vamos trabalhar intersetorialidade
conferência de abertura na Jornada de Psicologia da e processos de enfrentamento à patologização. Isso
PUC e foi superlegal porque foi uma conferência com- já tá marcado para o começo do ano. Ontem, tive-
partilhada, com uma fonoaudióloga que é a Maria mos atividade na praça: já é o quinto ano em que fa-
Tereza, a Bibi, que a Vera Teixeira, aqui presente, co- zemos práticas integrativas, intervenções culturais,
nhece bem, e eu falando para alunos dos cinco anos, atividades lúdicas e uma aproximação com os equi-
pamentos de saúde mental. Nosso público-alvo tem um trabalho sobre a questão da construção social
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sido os usuários dos equipamentos da RAPS. E tem da deficiência e os processos de patologização, e
sido muito interessante estarmos todos juntos, fa- nesse, mudamos de território, viemos para cá, den-
zendo conversas, fazendo vivências. Ontem, fomos tro da Faculdade de Educação da USP.
presenteados com uma bela de uma chuva no final
Os nossos desafios são basicamente dois. Um:
do evento, que foi para lavar a alma. Ficamos brin-
é termos perfil de profissional, precisamos nos apro-
- parte 3
cando, saímos de lá todos refrescados frente a isso
e desastres
ximar dos órgãos formadores, por isso que eu fiquei
tudo que estamos vivendo, não é? Acho que foi um
feliz com a história da PUC, mas temos outras facul-
bom encerramento de evento.
e enfrentamento
dades na região em que ainda temos muito trabalho
Temos também as reuniões mensais abertas para fazer. Acho que é fundamental olharmos para
Psicologia em emergências
do Despatologiza dentro da subsede, e isso faz essa isso porque não adianta propormos uma forma dife-
aproximação dupla, de recebermos convites para po- rente de trabalhar, se não temos profissionais que fa-
dermos fazer essa conversa fora. E o apoio e parceria çam, que acreditem e que estejam olhando para isso.
e medicalização
começo. E no começo do ano, em maio, fizemos são esses dois desafios para olharmos.
Cadernos Temáticos
Patologização
Claudia Lofrano
Bom dia, gente. Eu sou de São José do Rio Preto, sou Partido não fosse ruim, o mesmo vereador, não satis-
do Núcleo de Educação e Medicalização. E só para feito, escreveu, “Escola sem Pornografia”. Como todo
Bom dia a todas, a todos. Não sei se alguns de vocês trole. Vamos inquietando um pouco as diferentes
conhecem, a psicologia, em Sorocaba, é muito pecu- gestões. Antigamente, esses órgãos de controle não
liar, na realidade, muito hospitalocêntrica. Nós, quan- tinham tanta paridade, poder público e sociedade,
do começamos o grupo de educação e medicalização agora vemos o atual prefeito fazendo questão que
lá, pensando no Fórum naquela época, isso foi, em o poder público esteja presente também para mani-
2011. Na época, eu me recordo que havia apenas uma pular os órgãos de controle. Então, vamos tentando
universidade de Psicologia, sete hospitais psiquiátri- pelas beiras, mas estamos no momento agora em
cos na cidade, e foi quando começamos o embate da que o CMDCA tem considerado um pouco as ques-
luta antimanicomial. E hoje a realidade está um pouco tões que temos colocado no plano e, pelo menos em
melhor. Já não temos mais os hospitais psiquiátricos relação a políticas públicas, tentando fazer com que
e temos cinco universidades de psicologia na cidade, as ONG’s, por exemplo, que trabalhem com questão
no entorno. Esse quadro, é animador se pensarmos de violência, com a medicação exagerada com crian-
nas lutas que temos aí pela frente. Mas ainda assim, ças, tenham esse olhar. Mas caminhamos a passos
nós temos uma cidade muito difícil, muitos núcleos, lentos aí. E esse ano também, desde 2011, estamos
lojas de maçons e o nosso maior embate lá tem sido tentando participar como ouvinte, porque como ca-
político para sair dessa lógica medicalizante que a deira é impossível, no Conselho Municipal de Educa-
Helena trouxe para nós, que eu gostei muito de ouvir. ção. Quando tentamos, em 2011, nem o regimento
Então todas as ações que fazemos também quando queriam que fosse lido por nós, era uma coisa bem
vamos