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A VONTADE PRIVADA NA FORMAÇÃO OU NA

EFICÁCIA DO ATO ADMINISTRATIVO

LAFAYETE PONDÉ
Prof. da Faculdade de Direito da
Bahia

SUMÁRIO: Direito público e direito p'rivado - O ato adminis-


trativo e seus efeito8 - Contrato administrativo - Recurso
e revogaçoo - Ato complexo - Decmraçoo do particular -
Causa do ato (1)dministrat-ivo - Vigência e eficácia - Namea-
çoo cbe funcionário - Renúncia - Conclusões.

Decerto, um dos pontos mais tormentosos do estudo jurídico, ainda


hoje, é a diferenciaçãv do direito público e do direito privado, ou a
interpenetração de um no outro.

De primeira impressão, poder-se-ia dizer que o direito público


regula a atividade do Estado, enquanto o direito privado dispõe sôbre
as atividades dos indivíduos. Mas aquêle pode comprar, ou alugar, uma
casa, ou pode comprar ou vender um automóvel. ~stes são atos de
direito privado: portanto, a presença do Estado na relação não define,
só por si, a natureza desta relação. De outras vêzes, a lei dispõe sõbre
as atividades dos cidadãos e das entidades particulares, submetendo-as
a um tratamento especial de direito público, sempre que estas ativi-
dades interferem, ou repercutem, na organização, ou na atuaçã'0, do
Estado.

• * *
Por definição, o ato administrativo é um ato jurídico emitido por
órgão administrativo, no exercício de um poder específico da Adminis-
tração. E um ato de direito público. E um ato emanado de um ente
público e o seu conteúdo é um conteúdo de puder público. O direito
administrativo é a regulação específica dessa atividade pública e das
relações dela resultantes.
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Essas relações são estabelecidas com outras entidades públicas ou,


quiçá em um número ainda maior de vêzes, com pessoas particulares,
isto é, com indivíduos ou entidades de direito privad'.:>. Em um caso,
ou no outro, tais relações são relações de direito público.
É certo que o Estado pode participar de situações jurídicas regu-
ladas pelo direito privado, Ainda aí, porém, sua vontade é f'.:>rmada e
declarada conforme um regime de direito público; e a finalidade do
seu ato é um objetivo de interêsse público, porque êste interêsse é uma
constante, que d'.:>mina tôda a atuação do Estado. - A competência
do órgão agente, as condições jurídicas do exercício desta competência,
a especialidad~ mesma da entidade pública, a forma de manifestação
e os requisitos de elaboração daquela vontade, obedecem à regulação
do direito público. Os efeitos jurídicos, êstes é que se identificam c.:>m
os efeitos das atividades privadas dos indivíduos, isto é, derivam do
mesmo regime de direito privado, a que, nesse caso, ambas as atuações
se submetem. Mas, ainda aí, a atividade do Estado é uma atividade
pública, e a sua vontade é sempre uma vontade de direito público, ism
é, formada e expressa por um processo de direito público, ainda que,
para produzir os efeitos de direito privado, deva submeter-s~ à regu-
lação dêste.
Veja-se, por exemplo, a compra de um imóvel, contratada pela
Administração. - O c.:>ntrato é de direito civil. A forma substancial,
estabelecida por êste, deve ser atendida; os seus efeitos são também
por êle regulados. Mas o requisito da vontade contratante, do Estado,
deverá obedecer às condições de validade reguladas pelo direito admi-
nistrativo, de cujos preceitos dependem a designação d'.:> órgão compe-
tente para assinar aquela escritura, as condições de atuação dêste
órgão, a dependência de prévia autorização legislativa, ou de posterior
aprovação de outro órgão, a admissibilidade de cláusula acessória
do contrato, etc. - São aspectos de todo estranhos ao direito privado,
e são tão estranhos, que podem variar completamente, entre nós, de
um Estado, ou Município, para outro, embora o contrato mesmo, sendo
de direito privad'v, isto é, de direito federal, produza uma mesma eficá-
cia jurídica em todo o país. A finalidade do ato, como efeito remoto
da declaração de vontade do Estado, é um fim público: nem êste fim
seria diverso se, em vez da compra e venda, a Administração usasse
o processo da expropriação para adquirir a propriedade do mesmo
prédio.
A recíproca também ocorre: a vontade privada pode operar no
campo do direito público, a cujo regime especial se submete. Assim
sucede, por exemplo, quando ela, em virtude do tratamento que lhe dá
êsse regime de direito públic.:>, interfere na formação, na eficácia ou
na execução do ato administrativo.
Essa interferência atinge maior intensidade, quando concorre com
a vontade administrativa, para formar com esta um ato bilateral, de
direito público.
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'É muito conhecida a argüição oposta à noção de contrato no direi-


to administrativo, fundada na objeção a um concurso de vontades juri-
dicamente desiguais - uma de direito público, outra de direito privado:

"Solo un soggetto di ditritto pubblico puõ formare un atto di


diritto pubblico. Un privato puõ forrYWIrlo solo neU'esercizio di wna
pubblÜXl funzinne~ chegli 8ia stata ooncessa. Requisito es.genziale
p~rche due dichiarazioni di vOWntà possano fondersi in un atto giuri-
dico unico, e che esse abbiano la medesima natura giuridica ... - E
come nessuno puõ pensarle cite si possano fondere in uno unico atto
giruridico la dichiarazÍQne di volontà oollettiva elegli organi legislativi,
cioe la legge, e la dichiarazione di vOWntà di un privato, Mn vi e ragio-
ne di pensare dirversamente per la dichiarazione di volontà del privato
di fronte a Q'UiCUa deU'autorità amministrativa nella sua attività pub-
blica". (anelletti "Teoria degli Atti Amministrativi Speciali" ,
1945, n 9 126)

A objeção, para ser C'verente, deveria atingir também os contra-


tos de direito privado da Administração, na formação dos quais entra,
como acima se disse, a vontade do Estado, que é sempre uma vontade
pública, emitida na conformidade dos preceitos específicos do direit0
público.
Não há duas vontades, ou atividades, do Estado - uma de direito
público, outra de direito privado. - Ela é sempre uma só, formada e
manifestada sempre por um processo de direitv público, embora os
seus efeitos possam. regular-se pelos preceitos do direito privado,
quando de direito privado a categoria jurídica utilizada. - L'unica
differenziazüme possibile ed admissibile e quella che pua e deve farsi
()()?tSÍ(]erando i due diversi ordini giuVidici che ne regolano il conte-
nuto; da un lato l'attività posta solto 1'l regime di diritto pubblico,
dall'altro quella soggetta al diritto privafJo: ma neU'uno e nell'
altro caso l'attività rim,ane sempre amministrativa" (M. Cantucci,
"L'Attività di Dir. Privato della Pubbl. Amministr.", 1942, pãgs. 26,
40~ rregs.; R. AZe.ssi, "Sistema Istit. Ditr. Ammim,istr."~ 1953, pãg. 11).

Por outro lado, a dificuldade de se admitir um contrato, no qual a


lei figure como declaração de vontade contratante, está na diversidade
de categoria jurídica entre a norma (ato regra) e o contrato (ato
subjetivo), ou na diferenciação de grau hierárquico (Kelsen) entre
êste e aquela.
O nosso direito positivo adota a figura do C'0ntrato administra-
tivo; e, não obstante dizer o art. 766 do Regulamento do Código de
Contabilidade da União que êles se "regulam pelos mesmos princípios
gerais que regem ~ contratos de direito comum no que concerne ao
acôrdo de vontades e ao objeto" (sic, cof. também a lei baiana sôbre
normas de contabilidade, decr.-Iei n'l 12.655, de 5-1-943, art. 40), a
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jurisprudência tem reiteradamente declarado a autonomia do seu con-


ceito. como ato de direito público, submetido a:0S preceitos dêste campo
jurídico preceitos que lhe regulam já a validez das vontades contra-
tantes, já o seu objeto, ou o seu efeito jurídico. - Veja·se, por
exemplo:
"T.:>mando em locação prédio de um particular, não celebra o poder
público contrato de direito administrativo, mas sim de direito privado,
subordinado inteiramente às regras estatuídas pelo direito civil. Con-
trato de direito administrativo é o que tem por objeto a p:restação de
um serviç'':> público, associando um particular à execução de um serviço
de utilidade coletiva. A circunstância de ser o poder público um dos
contratantes não é bastante para caracterizar o contrato de direito
administrativo, ainda que a coisa se destine a assegurar o funciona-
mento de uma das suas repartições" (ac. 1" Câm. Civil do Trib. Alçada
de S. Paulo, de 30-4-952, in Rev. Trib. S. Paulo, voI. 202, pág. 472.
Cf. ainda, sôbre a aut.:>nomia do contrato administrativo: ac. 1'" Turma
Supremo Tribunal Federal, de 8-4-957, in Revista de Direito Admi-
nistrativo, voI. 49, pág. 220; ac. Supremo Tribunal Federal, de 9-11-934,
in Revista Forense, voI. 66, pág. 473; ac. 3'" Câm. Trib. S. Paulo, de
2-5-939, in Rev. Trib. S. Paulo, voI. 119, pág. 657; ib. Revista Forense,
voI. 40, pág. 440) .
No contrato administrativo, a vontade privada opera no campo
di) direito público 'e associa-se à vontade do Estado, para a emissão de
um ato administrativo bilateral.

* * *

De outras vêzês, porém, a interferência do particular não integra


o ato da Administração. - Êste se apresenta como um ato unilateral.
Mas a prévia manifestação da vontade privada pode constituir um
pressuposto jurídico da sua validade; ou desta manif.estaçã'.:> a poste-
rWri depende a vigência, ou a eficácia, do ato da autoridade pública.
Em certos casos, a lei condiciona à declaração daquela vontade
privada o exercício da competência do órgão administrativ0.
O recurso administrativo é um dêsses casos: o "pedido", ou
"requerimento" do rêCorrente impõe à Administração o dever jurídico
de decidir o recurso regularmente interposro e defere a esta, muita
vez, a única possibilidade jurídica de corrigir a ilegalidade do ato
recorrido. - Aliás, êste último predicado do recurso administrativo
(especificamente, nos casos em que a lei não dá ao órgão um poder
de decidir ex~fficio) demonstra quanto é inexato dizer-se que aos atos
ilegais basta a própria ilegalidade para serem havidos, só por isto,
"revogáveis" .
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A revogação não é uma conseqüência necessária da ilegalidade.


Pode o ato ser ilegal e não ter a Administração o poder de o anular:
se tiver ela esgotado a sua competência sôbre o assunt0, ou se esta
competência somente puder ser exercida, no caso, mediante oportuna
provocação do interessado. - Pense-se, por exemplo, em uma decisi'io
ilegal do Tribunal de Contas, da qual não caiba recurs0, ou quando êste
não tenha sido regularmente interposto. Trata-se de ato administra-
tivo, como aquêle que fixa o tempo de serviço do funcionário, ou as suas
vantagens de aposentadoria, '0U o que diz da legalidade desta, ou da
dos contratos adTIÚnistrativos. Não poderá o Tribunal anular nenhuma
destas decisões suas, ainda que viciadas de ilegalidade, porque esgo-
tada, no caso, a sua competência. Nem sôbre tal matéria poderia dispor
a Administração, porque a esta não compete emitir aquêles at0s de
contrôle, nem reformar, ou ccrrigir, os emitidos pelo Tribunal.

o Supremo Tribunal, aliás, tem declarado essa irrevogabi1idad~,


1)ôsto que a tenha fundado no conceito de ato c01itJ)l.exo (Revista de
Direito Administrativo, voI. 54, pág. 275; voI. 53, pág. 216; voI. 55, pág.
99; e comentário do Prof. Caio Tácito, in Rev. cit., voI. 53, pág. 216
segs. ) . - Parece-me, todavia, que tal ato nã0 existe, quando o Tribu-
nal de Contas registra um contrato, ou aprova uma aposentadoria.

Ato complexo é um ato administrativo 'Único) formado embora da


manifestação de vontade de d0is órgãos administrativos, ou da suces-
siva declaração de um mesmo órgão, em diverso momento de atuação.
O ato complexo resulta da fusão dessas declarações, da mesma natu-
reza e tendentes ao mesmo fim, as quais se juntam em um ato único,
indiviso, da Administração. Nenhuma delas, só por si, cvnstitui uma
categoria especial de ato do Estado; nenhuma delas vale, sozinha, como
expressão de vontade do Estado, mas tôdas se juntam para formar
esta vontade. Cada qual expressa apenas rumta parte do ato complexo.
Pense-se, por exemplo, em um decreto de nomeação: a assinatura do
Governador, ou a do Presidente da República, só por si, não constitui
o ato da nomeação. Não a constitui tampouco a assinatura isolada do
Secretário de Estado, \)U a do Ministro. Nenhuma delas, sozinha.
expr.essa a vontade do Estado, com o efeito jurídico de prover o cargo
púb1ico: para a formação e expressão desta vontade, é imprescindível
que concorra a vontade d'0S dois órgãos. Veja-se o caso de recusa do
veto oposto pelo Executivo a um projeto de lei: o mesmo órgão (no
caso, o Congresso - ou a Assembléia Legislativa estadual) de nôvv
se manifesta sôbre aquêle mesmo projeto, mediante um processo espe-
cial de funcionamento (Constit. Fed., art. 70, § 3'1; Const. da Bahia,
art. 24; § único). Ainda aí, a lei é um ato único, um ato complexo,
substituída, n\) exemplo, a 8l1Inção do Executivo pelo nôvo ato parcial
e "incompleto" do mesmo órgão parlamentar (Kelsen). Ainda aí -
sozinha - , nenhuma das duas decisões, ou deliberações, do órgão parla-
mentar, vale como um ato do Estado "per se", pois cada qual delas é
apenas um momento parcial do ato complexo - a lei.

6Ia~IOTtCA IVi/.\KiO tlí:NHiUUE SIMONSE~


FUNDACÃO GETULW VARGAS
- 21-
Nu ato complexo, é conceitual que as vontades elementm'e8, isto
e, os dados parciais, ou elementos constitutivos, devem ser homogê-
neos, ou s~jaJ devem ser todos da mesma natureza e todos devem
tender a um mesmo fim. - Ou, como o diz Zanobini: "e condizione
indispensabile l'unitã del contenuro e l'unitã deZ fine dcUe varie voWn-
tã eM si f<mdono a formare un unico negozio juridico" (Corro di Dir.
Amministrativo, voI. 1, 1954, págs. 255-256; também - Vita, "DiT.
A mministrativo" J I, pág. 355; Corso "La Funz. Consultiva" J pág. 24,
nota 7 etc.).
O ato do Tribunal e o decreto são dois atos distintos, de natureza
diversa, de efeitos diversos. Um é posterior ao outro. Um é atv de
administração ativa, outro, de administração de contrôle. Há aí dois
atos distintos, de categoria jurídica diferente - um, ato de contrôle,
outro, ato cuntrolado - , com efeitos e fins diversos: o do Tribunal é
atribuir eficácia ao contrato, ou ao decreto de gratificação adicional
ou de aposentadoria.

* • *

De outras vêzes, a preVIa declaração do particular vale como


el2mento informativv de uma situação de fato, ou de direito, que deva
ser constat«ila ou verificada pela Administração, para a emissão do
seu ato.
Não raro, a legislação fiscal exige, OU dá oportunidade, ao contri-
buinte para que êste forneça os seus dados pessoais para a fixação d'u
tributo: "vi e pai il tipo di aeeertarnento bilaterale, in eui alla dichia-
razion.e del contribuente segue la sua acccltazione o l' eventuale rctti-
fica c Z'atto di aceertamento dell'Autoritã finanziária" (Griziotti,
"Primi Elem. Se. delle Fin.", 195'7, págs. 115-116; Giannini, "[ Con-
eetti Fond.", 1956, pág. 229 segs).
No mesmo sentid'u, admite-se a declaração do interessado, sôbre
loequisito exigido para a investidura em dada situação jurídica, ou
sôbre a inexistência de impedimento, ou de incompatibilidade, para a
inscrição, ou admissão, em certos serviços públicos: por eX\2mplo, para
a inscrição, ou registro profissÍ'unal, na Ordem dos Advogados, rela-
tivamente à ocupação de cargo, de que derive proibição de advogar
contra a Fazenda pública.
A falsa ou errônea declaração, além dos efeitos de ordem penal
que possam resultar, vicia o ato administrativo conseqüente, p'vr defei-
to do pressuposto legal dêste ato. - Diversas vêzes, a jurisprudência
tem declarado, por exemplo, a invalidade do registro de diploma (isto
é, a invalidade da inscrição, ato administrativo permissivo du eX2rcí-
cio de atividade profissional: cf. ac. Supremo Tribunal Federal, de
23-11-956, in D. Justiça, de 12-8-957, apenso 184, pág. 2.018; também,
- 22-

Vita, op. cit., vo1. I, pág. 331; Vignocchi "L'Accertamenti Costitutivi",


1950, págs. 111 segs.) quando requerido mediante falso título (cf. ac.
Supro Trib. Fed. citado, de 23-11-956; ac. Trib. S. Paulo de 20-8-956
e de 29-5-956, in Rev. Trib. S. Paulo, vo1. 257, págs. 377 e 382; cf.
também Rev. D1'oit Public, 1959, pág. 1. 048).
A vontade privada pode constituir, não apenas um requisito legal,
mas a causa mesma da ação administrativa.
A causa, ou motivo legal, de um ato administratiyo é a situação
de fato, ou de direito, em virtude da qual a lzi permite a sua emissão
- isto é, uma situação em razão da qual pode o órgã0 administrativo
agir legalmente. Em outros têrmos, é uma situação que condiciona a
possibilidade legal da atuação administrativa (Waline, in Rev. Droit
Public, 1955, pág. 714).
Todo ato administrativo tem uma causa, "ear ne SOnt que les faus
qui se décülent sans motifs,au tout au moins Ws personnes libres
d'agir à leur f(1)ntaisie ct selon wurs caprices, ct l'autorité adtminis-
trative n'a le droit d'être ni fantaisiste ni eap?-icieu.se" (Waline, in
Rev. Drol:t Publie, 1954, pág. 511) .
Todo ato administrativo tem, pois, um motivo - seja um motivo
especificamente pressuposto pela lei (ato vinculado), seja um motivo
por esta deixad'0 à livre apreciação da autoridade administrativa (ato
discricionário)" Em um caso ou no outro, a legalidade do ato está
sempre subordinada à existência real do seu motivo: isto é, é sempre
necessário, não somente que o motivo do at0 seja um motivo admitido
pela lei mas também que êle próprio exista, e seja materialmente exato
e verdadeiro. Esta mesma regra fundamental, de que todo ato admi-
nistrativo deve ter uma causa, impõe a nulidade do ato, quando falso,
ou inzxistente, o motivo alegad0 por seu autor, ainda quando êste
pudesse agir por outra causa, diversa àa invocada." Esta é uma conse-
qüência decorrente do princípio de que à Administração jamais é lícito
agir por fantasia ou capricho (Waline, acima citada): "Th.e whole
diffcrence between public and private admini.stration cons1.sts in the
fact thatin the first 8pheT>e the citizen is intitled to know the reason.s
for any decision by which he is affected" (H. Laski, "Pw·liam.
Gon:ern.", pág. 345).
Essa regra tem sido assim enunciada pela doutrina: "O autor do
ato administrativo presume-se tenha declarado o motivo que realmente
inspirou sua decisão. Se se v8rifica que êste motivo é errôneo, c0nsi-
dera-se que o ato não teve nenhum motivo, e isto basta para viciá-lo"
(Laubadere, "Traité", 1953, pág. 399; Rcv. Droit Public, 1958, págs. 575
e 793; Waline, "Iflê.it A dministr" , 1959, pág. 436.; Stassinopoulos.
"Traité", 1954, pág. 207; Ranelletti, "Teoria Gen. degli Atti Ammin.",
1945, págs. 73, 99, etc.)
Er..tre nós, da mesma forma: Seabra Fagundes, in Revista de
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Direito Administrativo, voI. 34, pág. 398; Francisco Campos, "Direito


Administrativo", págs. 122 segs; ac. Supro Trib. Fed. in Revista do
Serviço Público, 1944, I, 2, pág. 113; Trib. Fed. Rec. in Revista de
Direito Administrativo, voI. 46, pâg. 189; voI. 48, pág. 278; Trib. S.
Paulo, in Revista de Direito Administrativo, voI. 27, pág. 96 etc.)
A causa do ato administrativo pode ser um peaido, ou uma decla-
ração, do particular: a vvntade dêste determina então a possibilidade
jurídica da ação administrativa. - Por ex.emplo, o pedido de exone-
ração, ou de aposentadoria por tempo de serviço: a falta, ou defeito, odo
pedido vicia de invalidade o ato administrativo, porque encare il y a
inexistence matérielle du motif poo,r un act qui doit être accompli S'Ur
demande, alars que la 'dlD'T1Ul,nde n'a pas été faité" (Bonnard, "Préci8",
223).
A jurisprudência, entre nós, tem declarado: que "é nula a demis-
são, fundada em pedido assinado por funcionário, que vinha sofrendo
das faculdad.es mentais, embora não interditado" (ac. 3'" Câm. Civ.
Trib. S. Paulo, 21-11-947, in Rev. Trib. S. P. v. 171, pág. 528) ; que
é ilegal a transferência de funci'.:mário de uma autarquia para outra,
contra a sua vontade (Trib. Fed. Rec., 31-3-948, in Rev. For.,v.120,
pág. 434) ; que um Promotor público, nomeado Juiz de Direito, sem pe-
dido nem aceitação, pode anular a exoneração do primeiro cargo (ac.
Trib. Bahia, in Rev. Ord. Advogados da Bahia, voI. 5, pág. 307); e
que é ilegal a transferência de um carg0 para outro sem correlação de
vantagens ou de posição funcional (Rev. Trib. S. Paulo, v. 106, pág.
268, v. 80, pág. 188, v. 195, pág. 328) ; e que, ressalvada, evidentemente,
a hipótese de serviço por lei obrigatório, a designação de funcionário
para serviço diverso do do seu cargo, ou o seu afastamento dêste cargo,
ainda qu.e para função de confiança, dependem sempre do consenti-
mento do interessado (Supremo Tribunal Federal, in Revista de Direi-
to Administrativo, vol. 19, pág. 138, vol. 31, pág. 148).
Em tod'õs êsses casos, o pedido, ou declaração da vontade privada,
implica a renúncia de um direito, ou situação jurídica, de que não
poderia o titular ser desinvestido. Todavia, não produz êle efeito jurí-
. dico autônomo, - senão o de ocasionar o ato da autoridade pública.
Raras vêzes, na órbita administrativa, tem o ato privado autonomia. De
regra, a vontade privada provoca, ou dá causa, ao ato administrativo:
mas \) efeito pretendido pelo particular somente com fi expedição do
ato administrativo se realiza. Por isto mesmo, antes dessa expedição,
pode aquêle pedido ser retirado, ou revogado, pelo próprio requerente,
impossibilitando, assim, a atuação administrativa: "a renúncia ao
emprêgo OU cargo públiC'0 é retratável, antes de aceita sob a forma do
ato oficial de exoneração, expedido e publicado, em conformidade com
as leis.em vigor" (ac. Supro Trib. Federal, de 23-11-938, in Rev.
Forense, vol. 77, pág. 278). Por sua vez, decidido o pedido, com a
sua recusa ou a sua aceitação, esgota-se o poder do órgão administra-
tivo e êste, sem nôvo pedido, não poderá mais dispor a respeito. Assim,
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o pedido de exoneração, uma vez indeferido, perde o seu efeito, e não


poderá a autoridade revogar o indeferimento, para exonerar o funcioná-
rio sem nôvo pedido dêste: "non e da credt3re CM La primiti1.'a demanda
vincoli ancora t1 privato, CM e stato liberato dal suo impegno mediante
il rifiuto opposto daIla pubbIica amminiStrazione" (Bodda, "Lezioni di
Dir. Ammini.", pág. 224). Da mesma forma, se o pedido foi aceito e a
exoneração decretada, não poderia esta ser revogada, para o fim, por
exemplo, de recuperar a Administração o seu poder disciplinar sôbre
o funCÍ'0nário já destituído.

* * *

De outras vêzes, a legalidade do ato administrativo depende, não


bem da declaração de vontade do interessado, mas da oportunidade a
êste aberta, para dar sua versão pessoal sôbre determinado fato, ou
situação, que possa motivar o ato administrativo. - Por ex., o exercí-
cio do direito de defesa no processo de elaboração de ato punitivo. O
direito de conhecer a causa da sanção administrativa e de ter a possi-
bilidade de apresentar, ainda antes da aplicação desta sanção, uma
"defesa útil", é um dos princípius gerais do dir,eito administrativo
(Jeanneau, "Les Princ. Généraux", 1954, pág. 88 segs.; Ret'. Droit
PubIic, 1956, págs. 330, segs. e 639; Laski, op. cit., pág. 353-354;
Revista de Direito Administrativo, v. 37, pág. 345; v. 45, pág. 123; v.
47, pág. 108; v. 49, pág. 348; v. 54, pág. 364; Revista Forense, v. 156,
pág. 181; voI. 158, pág. 103; Rev. Tribunais de São Paulo, voI. 181,
pág. 675; vol. 224, pág. 537 etc.) .

* * *

Pode o ato valer, não como requisito de legalidade da formação


do at0 administrativo, mas como condição de sua eficácia. Os efeitos
dêste último ato ficam dependentes da aceitação do seu destinatário.
A posse do funcionário significa a aceitação da sua nomeação .
.2sta é um ato administrativo unilateral, perfeito e acabado com a sua
só publicação: mas o seu efeito, que é a investidura d'0 nomeado na
posição jurídica de órgão do Estado, sõmente ocorre com aquela acei-
tação. Por isto é que o Estatuto dos Funcionários define: "posse é a
investidura em cargo públic0 ou função gratificada" (sic): porque com
ela é que surge a eficácia do decreto, cujo objeto é exatamente esta
investidura.
Em outros têrmos: a vontade do nomeado vale como um elemento
de fato, de que decorre a realização do efeito jurídic0 da nomeação.
- 25-
Até a posse, o decreto da nomeação existe, embora pendente, - como
existem, embora ainda ineficazes, os contratos administrativos, ainda
antes de aprovados pelo Tribunal de Cvntas.
A lei poderia estabelecer a imediata eficácia do ato de nomeação,
e a investidura de logo se produziria, independente da vontade do
nomeado: como sucede nos casos de recrutamento militar obrigatório
ou de convocação de jurado.
Por não atentarem talvez na diferenciação conceitual entre a
vigência e a eficácia do ato administrativo, os n'0SS0S tribunais têm
entendido que a nomeação pode livremente ser revogada antes da posse
do nomeado, ainda mesmo quando esta posse tenha sido deliberada-
mente obstada pela própria Administração (ac. Supro Trib. Fed.,
9-11-957, in D. Justiça de 12-8-957, apenso 184, pág. 2.025; ac. Trib.
S. Paulo, de 27-4-955, in Revista dvs Tribunais de São Paulo, v. 238,
pág. 310, e Revista de Direito Administrativo, v. 44, pág. 174).
A vigência de um ato não se confunde com a sua eficácia:
"L'entrée, en vigueur d'un acte administratif doit être définie d'une
part cxnnme le moment oU l'acte ne peut plus être modifié, abrogé,
retiré par 80n auteur sans l'observation des regles établies par la juris-
prudenoe; c'e8t, d'autre part, la date à parti de laquelle l'acte ~st
opposable aux tiers et à partir de laqueUe iOOUx-ci peuvent s'en préva-
lois, par exemple le déférer (tu juge (13 mai 1931, de Warenghi·en, pág.
519). Cette date est déteT"»'llinée d'une maniere génerale par toutes le8
décisWns. administratives: vis-à-vis de l'administration, elle est mar-
quée par la connaissance de l'aet (a 4 mai 1935, de Noblet d'Anglure,
D. H. 1935, pág. 465), à l'éga11d des tiers elle se lie à la publication au
à la notification de l'aete. Au contraire, le point de départ des effets
de l'acte dans la mésure oU il peut légalement s'écarter de l'entrée en
vigueur obeit à des principes complexes et dont Te juge seul, dans bien
MS CM, peut vérifier s'ils ont été respectés" (J. M. Auby, in Rev.
Droit Public, 1953, pág. 12).
A distinção jurídica é tão nítida, que corresponde a "deux mQ-
·ments décisifs pour la validité de l'act.e administ.iatif" (Stassin'0poulos,
"Traité des Actes A1dministr.", 1954, p. 222).
Na conformidade da nossa lei, publicada a nomeação, o nomeado
tem 30 dias para aceitá-la (art. 27, do Estatuto dos Func. -da União) :
êste prazo é um efeito imediato da nomeação, e não pode ser diminuído
pala só wntade da autoridade administrativa.
A investidura no status de funcionário, que constitui o objeto da
nomeação, fica na dependência da aceitação do nomeado, manifestada
dentro daquele prazo, e não da vontade da Administração. Ressalva-
das, por definição, as hipóteses de cargo de C'0nfiança, ou de investi-
dura interina, sôbre os quais pode a autoridade livremente dispor,
mesmo depois da plena eficácia das respectivas nomeações, parece-me
- 26-

que, em se tratando de provimento efetivo do cargo público, não o pode


revogar, discricivnàriamente, a autoridade administrativa. É':ste pen-
samento, aliás, tem o apoio da melhor doutrina: "Se e fissato in qua7,..
che modo un termine, entro il quale il sinyolo puiJ dare, se crede, t1
sue assenso all'atto amministrativo, la VUbblica amministrazWne non
puO entro il periodo stesso revocare l'atto, a meno eM il privato non
abbia aspressamente od implicitamente .eon il proprio compoitamento
manifestato il suo rifiuto" (Bodda, op. cito págs. 223-224; Waline, in
Rev. Droit Public, 1954, pág. 801; Stassinopoulos, op. cit., pág. 61; R.
Alessi, in Riv. Trim. Diritt.o Pubblioo, 1955, págs. 729, segs. etc.).

* * *

De regra, '0s direitos resultantes da aceitação d~ um ato adminis-


trativo - notadamente os de conteúdo patrimonial - são renunciá-
veis pelo respectivo titular. Assim ocorre, por exemplo, na desapro-
lu·iação por utilidade pública.
A desapropriação, ela própria, não depende da aceitação do expr)-
priado. Ela é um ato unilateral, do Estado: um ato unilateral, compul-
sório, de direito público. iÉ um ato a que fica de todo estranha a
vontade do proprietário, C'0nquanto a êste seja assegurada uma justa
indenização, sem a qual aquêle ato não adquire eficácia.
A indenização é um requisito exterior ao conceito da desapropria-
ção, pôsto que necessário, em nosso regime, para que esta produza o
seu efeito extintivo do diroeito real. De conteúdo meramente patrimo-
nial, nada obsta a sua renúncia, como modo de extinção da relação
jurídica pessoal entre o expropriante e o expropriado, isto é, entre
credor e devedor de uma prestação econômica. Tal renúncia não trans-
forma em "doaçã:0" o ato expropriador. Êste é sempre um ato unila-
teral, perfeito e acabado, desde que emitido, embora somente com a
indenização de efetive (lei de desapropriações, art. 10) : não poderia,
portanto, a vontade privada transformar em bilateral êsse ato adminis-
trativo, subvertendo-lhe retroativamente a própria estrutura e a sua
natureza mesma de direito público.
De outras vêzes, a renúncia, em vez de pr0vocar efeito de direito
substancial, tocando diretamente a relação ou situação jurídica mate-
rial (como a renúncia ao cargo público, ou ao direito à indenização, ou
à. nacionalidade etc. ), opera apenas como ato de caráter pr0cessual: o
:.r"enunciante perde o direito, ou melhor, a qualidade jurídica, p8.1'a
impugnar o ato administrativo inválido, sem que com isto desapareça
o vício dêste ato. O interessado terá aquiescido nos efeit0s do ato
administrativo.
O instituto é de direito processual (leyitimatio), aplicado à impug-
llac:ão do ato administrativo, e vale como causa específica da inadmis-
- 27-

sibilidade desta impugnação, por via administrativa, ou jurisdicional.


- Pode ser tácita ou expressa: o interessado manifesta, de qualquer
m\)do, uma intenção incompatível com o propósito de impugnar o ato
administrativo. Aliás, se êste fôr defeituoso, o defeito subsistirá: nem
o poderia sanar a só vontade privada. A convalidação é sempre ato do
órgão administrativo, e não do indivíduo; e, exatamente porque
subsiste o vício, pode \) ato ser anulado ex-officio pela própria Admi-
nistração, se esta tiver competência para ainda dispor sôbre a matéria
(cf. a respeito Ravà, "La Convalida degli Atti Amministrativi", 1937,
págs. 119 segs.: M. Napolitano, "L'Acquiescenza al provvedimento
Amministrativo", 1955, págs. 16 segs.).
Parece que a concordância, ou aquiescência, só se admite quando
renunciável o direito, OU interêsse, lesado pelo ato, e sempre Que a
subsistência mesma do vício não implique na lesão de interêsse de
ordem pública: a renúncia pressupõe uma matéria que esteja sob o
poder de disposição do interessado (Betti in "Novissimo Digesto Ita-
liano", 1957, voI. IV, verbo "Convalescenza del Negocio Giwridico -
dvritto vigente"). No mesmo sentido: "On ne peut acqu~8Cer, <k plu.:t,
que si l'on a l'exercice du droit auquel on renonce; en matiere d'ordre
public, l'acquiescement n'est pas possible" (G. Peiser, "Le RecaurlJ
en Cassation en Dr. Adm. Fr.", 1958, pág. 267; StasBinopoulos, op. cit.,
pág. 61; Hauriou, "Jutrispr. Adm.", 1929, pág. 317, voI. 11).

A renúncia à impugnação pressupõe '\) ato já emitido. Fundado


neste princípio, o Conselho de Estado da Itália decidiu: "ü aeCO'rlJdo
graduato d'un concorro ha interesse a impugnare la graduatoria, a'YIICM
se, anteriormente alla nomina deZ primo graduato, abbia esptre8sa-
mente rinunciato a tale impugnativa e accettato aUTO posto messo a
nw. di8posizione dalla P.A." (in Ressegna di Diritto Pubblico, Set.-Out.
1952 (Supl.), págs. 58, n'l 50). A impugnação, pois, diz respeito a um
ato já existente e só em relação aos efeitos dêste é possível renun-
ciar a ela.

Feita a ressalva das formalidades administrativas estabelecidas


no interêsse público (arce qu'eZles ne sont pas dans l'InteTêt des
parires et qu'aJors le consentement de ces dernieres est 30-1/.8 influenoe
SUT l'irregulJ1lrité" - Hauriou), admite-se que aquêle que participa de
um concurso, ou de um processo de concorrência, sem qualquer reserva,
aceita as condiç&es estabelecidas no respectivo edital. Somente êsse,
aliás, tem direito a impugnar a violação dessas condições. Mas, se dasis-
tir do concurso, perde, conjuntamente com a p'.Jsição processual, b
direito de impugnar <:> ato administrativo emitido à base dêsse processo:
"Un individu non inscrit SUT la liste des candidats ad:mis à conoouri1'
ne peut pas agir. Un candidat qui 11.'0, p!UJ pris à tout,es les épreuve8
n'est pas non plus recevable à former le recm~/08" (Jeze, "Les Princ.
Gén.", 1930,11, págs. 527-528; cf. também C. S. in Ressegna DiT. Pubbl.
n'l cit., pág. 58, n'l 54).
- 28-

De acôrdo com êsses princípi'0s acima expostos, deverão ser enten-


didos os julgados, segundo os quais "não pode pleitear a nuIidad~ do
ato, que considerou vago o cargo, que ocupava, o funcionário que reco-
nheceu a legitimidade dêsse at,) (ac. Trib. do antigo D.F., in Rev.
Forense, voI. 91, pág. 435) ; ou que "o militar reformado a pedido não
tem o direito de pedir a nulidade da reforma, embora esta tenha sido
dada com infringência das disposições legais" (acs. Supr. Trib. Fed.
e Trib. do Rio de Janeiro, in Pereira Braga, "Exegese do Cód. Proc.
Civ.", vI. lI, ns. 61 e 62, pág. 191) ; e, ainda, "havendo o funcionário
reintegrado desistido, expressamente, de perceber vencimentos atra-
sados, não os pode pleitear em juízo após a transação" (ac. Trib. Rio
de Jan., in Revista de Direito Adm., v. 42, pág. 180).
Entendeu o DASP que o funcionário renuncia ao direito de pleitear
sua reintegração se êle aceita a readmissão decretada pelo G0vêrno
(Revista do Serviço Público, 1944, IlI, 1, pág. 141). ~sse entendimento,
porém, não tem sido mantido pelo judiciário, a menos que tal renúncia
seja expressa, como no acórdão fluminense acima citado. Se isto não
\.1correr, parece que "o fato de ter o Govêrno ass2gurado ao funcioná-
rio, prejudicado por demissão injusta, lugar equivalente ao que ocupava
antes, não o exime de responder pelos prejuízos que êsse funcionário
sofreu em virtude da demissão" (ac. Supremo Tribunal Federal, in
Revista Forense, vaI. 85, pág. 77).
Quanào o ato administrativ0 impõe ao indivíduo uma prestação
obrigatória, o pagamento desta, sem qualquer reserva ou objeção, r.ão
implica em aquiescência.
Por isto, os tribunais têm admitido a impugnação do lançamento
fiscal, e a conseqüente restituição do impôsto pag0, ainda que êste
pagamento feito sem protesto. No caso Frigorífico Armour do Brasil
SI A, o Supremo Tribunal Federal decidiu: "d::clarada a inconstitucio-
nalidade da lei, tem o contribuinte direito a pedir restituição das quan-
tias pagas, de acôrdo com a mesma" (ac. 3-1-957, in D. Justica de
12-8-957, apenso 184, pág. 2.030). A decisão foi unânime, embóra o
Procurador da República tivesse argüido em contrário, sob alegação
de que "inexiste o dever de restituição de impôsto pago indevidament@
se '0 contribuinte, no ato de sua solução, deixa de manifestar claramente
sua vontade no sentido àa validade do mesmo, ou seja, não efetua o
chamado protesto" (me).
A jurisprudência parece constante, no sentido daquele acórdão (cf.
acs. in Arquivo Judiciário, vaI. 51, pág. 123; ido v. 52, pág. 163; Revista
Forense, vaI. 179, pág. 193; ido voI. 183, pág. 286; Revista dos Tribunais
de São Paulo, vaI. 287, págs. 568; ido vaI. 285, págs. 307 e 308 etc.).

* * *
Em todos êsses casos acima examinados, a vontade privada emite
atos que se subordinam ao regime especial do direito administrativo.
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- No contrato, ela integra um at0 bilateral de direito público; nos
demais exemplos, ela condiciona a eficácia ou a validade do ato admi.
nistrativo unilateral. Mas nestes, como naquele, ela subordina-se ao
direito administrativo.
Decerto, a capacidade, como expressão jurídica da personalidade,
é uma só, una e indivisa, C0mo uma só é a personalidade. Mas a quali.
dade para ser sujeito de uma relação de direito administrativo pode
variar em cada caso; e, muitas vêzes, falta uma distinção certa entre
capacidade de direito e capacidade de agir, tanto uma se confunde
com a outra, naquelas relações administrativas estabelecidas intuitrn
personnae.
Ainda aqui, podemos relembrar que, privad.:> ou público, o direito
é um só. - Quando o ato da pessoa de direito privado seja requisito da
validade ou da eficácia da atividade administrativa, êle próprio cai sob o
regime jurídico regulador dessa validade e dessa eficácia.

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