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SOUZA, Edison Antônio.

Capitalismo e agricultura numa área de expansão da


sociedade brasileira - o norte de Mato Grosso. In: VII Congresso Latino-Americano de
Sociologia Rural, 2006, Quito. Anais eletrônicos...Disponível em
<http://www.alasru.org/inscri/alasru2006.htm>. Acesso em: Acesso em: 09 fev. 2013.

CAPITALISMO E AGRICULTURA NUMA ÁREA DE EXPANSÃO DA


SOCIEDADE BRASILEIRA - O NORTE DE MATO GROSSO

Edison Antônio de Souza1

Resumo
O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão acerca da questão agrária brasileira,
destacando a expansão da fronteira agrícola capitalista enquanto processo de ocupação
territorial no interior do Brasil. Procuro destacar o significado político e social dessa
ocupação: para os pobres, migrantes enquanto movimento de fuga de outras áreas onde
os grandes proprietários vem ocupando progressivamente: para os ricos, um território de
“conquistas”, onde essa ocupação se faz em nome da propriedade privada da terra, de
incentivos fiscais e subsídios públicos. Essa comunicação apresenta alguns resultados
da pesquisa “O Poder na fronteira: hegemonia, conflitos e cultura no Norte de Mato
Grosso” que desenvolvo no Doutorado em História Social da Universidade Federal
Fluminense.
Palavras-chaves: Capitalismo, Agricultura, Norte de Mato Grosso

CAPITALSIMO Y AGRICULTURA EM AREA DEL EXPANSION DE LA


SOCIEDAD BRASILEIRA: EL NORTE DEL MATO GROSSO

RESÚMEN
El objetivo del trabajo és hacer una reflexión acerca de la questión agrária
brasileira, destacando la expansión de la fronteira agrícola capitalista enquanto proceso
del ocupación del território del Brasil. Invitamos destacar el significad político el social
desa ocupación: para los pobres, migrantes enquanto movimiento del fuga de las otras
áreas dond los grandes proprietários vienen ocupando progressivamente: para los ricos,
um território del “conquistas”, onde esa ocupación se faz em nombre de la propriedad

1
Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso. Doutorando pela UFF.

1
privad de la tierra, del incentivos fiscales e subsídos públicos. Esa comunicación
apresenta algunos resultados de la pesquisa; “El poder en la fronteira; hegemonia,
conflitos e cultura el norte del Mato Grosso” que vengo desenvolviendo en Doutorado
del Historia Sociales del Universidad Federal Fluminense.
Palabras-chaves: Capitalismo, Agricultura el Norte del Mato Grosso

O presente trabalho propõe-se a contribuir com a discussão em torno das políticas


públicas do governo federal para a ocupação da Amazônia. É resultado de um processo
de reflexão que tem como referencial empírico o norte de Mato Grosso, a partir da
década de setenta do século XX. Nosso objetivo não é fazer uma reconstituição desse
processo de ocupação2, mas alguns questionamentos considerados indispensáveis para a
compreensão das condições atuais de ocupação e colonização daquela região.

O Norte de Mato Grosso faz parte das cinco mesorregiões homogêneas que foram
agrupadas pelo IBGE e conforme o censo demográfico de 2000 conta com 707.262
habitantes, tendo como principais municípios: Sinop, Alta Floresta, Guarantã do Norte,
Juara, Lucas do Rio Verde e Sorriso, sendo esses “cortados” pela BR-163 – Cuiabá-
Santarém. A configuração contemporânea do espaço mato-grossense como fronteira de
expansão do capital, resultou simultaneamente das formas econômicas e sociais de
ocupação e colonização de seu território bem como das lutas sociais, em permanente
elaboração, ao longo desse processo. É importante destacar que o Norte de Mato Grosso
faz parte da chamada Amazônia Legal3, e portanto, será estudado nesse contexto
geopolítico, econômico e social.

Portanto, é relevante refletirmos sobre o “processo de acesso a terra pública e/ou


devoluta na Amazônia e a violência praticada contra os povos indígenas, os colonos,
ribeirinhos e posseiros; das políticas públicas que viabilizaram o processo de abertura
de grandes eixos rodoviários na região e a política de incentivos fiscais que permitiram
a implantação dos grandes projetos agropecuários e de colonização privada no Estado
de Mato Grosso; onde foram implantados projetos de colonização oficiais pelo INCRA
e pelo Governo de Mato Grosso; a problemática da destruição da natureza pelos

2
A esse respeito consultar: SOUZA, Edison Antônio de. Sinop: História, Imagens e Relatos. Um
estudo sobre sua colonização. Cuiabá/MT. EdUFMT ,2004.
3
Segundo a divisão regional do País, a Amazônia compreende a Região Norte (Estados de Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Pará e Tocantins) e parte da Região Centro-Oeste (o Estado de Mato
Grosso). A soma das áreas destes Estados é de 4,7 milhões de km2. A outra referência para o território
amazônico, que o define como Amazônia Legal (denominação que aparece com o Plano de Valorização
da Amazônia em 1953), inclui o oeste do Maranhão.

2
projetos agropecuários e de colonização, que têm submetido a floresta a uma destruição
sem precedente na história da humanidade.”4 Nas palavras de José Vicente Tavares dos
Santos (1993:14), “o modo pelo qual o desenvolvimento extensivo e intensivo do
capitalismo cria e recria a fronteira. Esta é uma realidade simultaneamente geográfica e
histórica, passado e presente, envolvendo problemas sociais, demográficos, fundiários,
econômicos, políticos e culturais”. Para este autor, a colonização sempre foi uma
questão de Estado e, portanto, uma relação de poder, um ato de poder.

O recorte temporal que elencamos para estudar o norte de Mato Grosso é um


período de desenvolvimento e expansão do capitalismo no campo, através da
modernização, as bases para sua industrialização estão lançadas, e o capital feito rolo
compressor no chamado ‘progresso a qualquer custo’, tudo esmaga na rota da
acumulação e da sua reprodução ampliada. É neste contexto que entendemos a luta pela
terra, as relações de poder e dominação, estudando o desenvolvimento econômico,
social e político da sociedade contemporânea. A ocupação da Amazônia brasileira está
inserida nesse processo histórico de disputas, interesses e contradições pela questão
agrária. “Terra que tem sido mantida improdutiva e apropriada privadamente para servir
de reserva de valor e/ou reserva patrimonial às classes dominantes”5 de pessoas que
foram expulsas do campo ou da cidade e seguem em busca da terra prometida em
regiões da fronteira em expansão da sociedade brasileira. “Assim, as transformações
profundas que a agricultura brasileira tem passado a partir da década de setenta do
século XX revelam também, suas contradições presentes no interior da estrutura agrária
e revela sua componente contemporânea: a luta pela reforma agrária.”6

Elder Andrade de Paula, afirma que foi a noção de progresso que orientou a
expansão capitalista na Amazônia nos anos 70, enquanto estratégia de controle e
dominação da Amazônia, amparados na ideologia da ESCOLA SUPERIOR DE
GUERRA: SEGURANÇA E DESENVOLVIMENTO. Este autor afirma ainda, que “no
período da ditadura militar, no intervalo entre 1964 e a década de 1980, as políticas e
estratégias de desenvolvimento adotadas pelo comando do Estado para “integrar” a
Amazônia no processo mais geral de acumulação privilegiaram, em larga escala, a
instalação de empresas multinacionais de grande porte na região, como foi o caso do

4
OLIVEIRA, A. U. A Fronteira Amazônica Mato-Grossense: Grilagem, Corrupção e Violência.
São Paulo: USP – FFLCH. Tese de Livre Docência em Geografia. 1997. p 11.
5
OLIVEIRA, A. U. de. Op. Cit. P.07.
6
Id. P. 08.

3
projeto Jarí no Amapá. Portanto, a interferência na ‘nossa Amazônia’ começa pela ação
governamental em favor dos interesses privados.”7

Para esse autor, “toda a construção da ideologia da segurança nacional gestada na


Escola Superior de Guerra estava assentada nos acordos militares assinados entre o
Brasil e os Estados Unidos, fundada na tese ‘o que não se entregar aos Estados Unidos
entregar-se-á à União Soviética.’ Ariovaldo U. de Oliveira afirma que historicamente,

(...) a colonização no Brasil tem se constituído na alternativa escolhida


pelas classes dominantes para evitar, simultaneamente a necessária
reforma estrutural do campo e, ao mesmo tempo, suprir-se de força de
trabalho para seus projetos na fronteira. Dessa forma, a abertura das
novas frentes de ocupação na Amazônia sempre trouxe consigo este
caráter contraditório da formação da estrutura fundiária brasileira no
interior da lógica do desenvolvimento capitalista. Assim, o processo
que leva os grandes capitalistas a investirem na fronteira contém o seu
contrário, a necessária abertura dessa fronteira aos camponeses e
demais trabalhadores do campo.8

A respeito das políticas públicas para a Amazônia, a chamada “Operação


Amazônia” - em nome do “progresso, desenvolvimento e segurança,” Ariovaldo U. de
Oliveira em seu estudo sobre “a fronteira Amazônia mato-grossense” afirma que, “a
análise das políticas públicas implantadas no Brasil, particularmente durante os
governos pós-64, é fundamental para compreendermos a lógica do processo de inserção
da região e do país no capitalismo mundializado. A mundialização do capitalismo no
Brasil passa necessariamente por essas políticas.”9

Já para Souza Martins “a fronteira é, simultaneamente, lugar da alteridade e


expressão da contemporaneidade dos tempos históricos. A unidade do diverso,
pressuposto metodológico da dialética, encontra aí o lugar mais adequado e mais rico
para a investigação científica.”10
A Amazônia brasileira ainda se encontra naquele estágio de sua história em que as
relações sociais e políticas estão, de certo modo, marcadas pelo movimento de expansão
demográfica sobre terras “não ocupadas” ou insuficientemente ocupadas. “A partir do
golpe de Estado de 1964 e do estabelecimento da ditadura militar, a Amazônia
7
PAULA, Elder Andrade de. (Des) Envolvimento Insustentável na Amazônia Ocidental: dos
missionários do progresso aos mercadores da natureza. EdUFAC. Rio Branco; 2005.
8
OLIVEIRA, A. U. Op. Cit. p. 136.
9
Id. P. 48
10
Souza Martins, J. de. O tempo da Fronteira – retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da
frente de expansão e da frente pioneira. In: Tempo Social: Revista de Sociologia da USP. P. 25.

4
transformou-se num imenso cenário de ocupação territorial massiva, violenta e rápida,
processo que continuou, ainda que atenuado, com a reinstauração do regime político
civil e democrático em 1985.”11
A fronteira também se caracteriza pela sua contradição, ou seja, uma história de
revolta, de resistência, de protesto, de sonho e de esperança. É nesse contexto que nossa
pesquisa se desenvolve, com observação, crítica e análise, num trabalho continuado
sobre a luta de classes envolvendo capitalistas e posseiros, colonos, migrantes de outras
regiões do país que foram para o norte de Mato Grosso, procurando entender a
população que vive numa situação de fronteira.
A história contemporânea da fronteira, no Brasil é a história das lutas étnicas e
sociais. Envolvendo ataques por pistoleiros à diferentes tribos indígenas. Um dos
exemplos desses conflitos aconteceu em 1984 entre os índios Kaiapó-Txukahamãe, os
fazendeiros e o governo militar, “que culminou com o fechamento definitivo do extenso
trecho da rodovia BR-080, maliciosamente aberta através de seu território para
possibilitar futura invasão das terras por grandes fazendeiros. Nessas lutas houve mortes
de ambos os lados, verdadeiros massacres.”12 Os conflitos sociais é uma característica
da fronteira no Brasil, para Souza Martins,

(...) nesse conflito a fronteira é essencialmente o lugar da alteridade.


É isso que faz dela uma realidade singular. À primeira vista é o lugar
do encontro dos que por diferentes razões são diferentes entre si,
como os índios de um lado e os civilizados de outro; como os
grandes proprietários de terra, de um lado, e os camponeses pobres,
de outro. Mas, o conflito faz com que a fronteira seja essencialmente,
a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e do desencontro.
Não só o desencontro do conflito decorrentes das diferentes
concepções de vida e visões de mundo de cada um desses grupos
humanos.13

Tendo a fronteira como objeto de minha investigação, considero relevantes as


reflexões desenvolvidas por Souza Martins para conceituá-la. A partir os anos 40 do
século XX, os geógrafos designavam como zona pioneira, em outros momentos, como
frente pioneira. Já os Antropólogos, a partir dos anos 50 do século XX, definiram essas
frentes de população civilizada e das atividades econômicas de algum modo reguladas

11
Id. Ibid.
12
Id. P. 26.
13
Id. P. 27.

5
pelo mercado, como frentes de expansão (Darci Ribeiro). Para Martins essas duas
concepções são modos de ver a fronteira. “As frentes de expansão, que o próprio Darci
Ribeiro havia formulado, tornou-se de uso corrente, até mesmo entre Antropólogos,
sociólogos e historiadores que não estavam trabalhando propriamente com situações de
fronteira da civilização. Ela expressa a concepção de ocupação de espaço de quem tem
como referência as populações indígenas, enquanto a concepção de frente pioneira não
leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o
comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor.”14
É interessante observamos essas duas concepções. Os lugares sociais a partir dos
quais a realidade é observada: a do chamado pioneiro empreendedor (Geógrafos) e o do
Antropólogo preocupado com o impacto da expansão branca sobre as populações
indígenas. “Esse Antropólogo não vê a frente de expansão como sendo apenas o
deslocamento de agricultores empeendedores, comerciantes, cidades, instituições
políticas e jurídicas. Ele inclui nessa definição também as populações pobres, rotineiras,
não-indígenas ou mestiças, como os garimpeiros, os vaqueiros, os seringueiros,
castanheiros, pequenos agricultores que praticam uma agricultura de roça antiquada e no
limite do mercado.”15 Para Souza Martins, a “diferença inicial que os dois pontos de
vista sugeriam era de que quando os geógrafos falavam de frente pioneira estavam
falando de uma das faces da reprodução ampliada do capital; a sua reprodução extensiva
e territorial, essencialmente mediante a conversão da terra em mercadoria e, portanto,
em renda capitalizada, como indicava e indica a proliferação de companhias de terras e
negócios imobiliários nas áreas de fronteira em que a expansão assume essa forma.
Nesse sentido, estavam falando de uma das dimensões da reprodução capitalista do
capital.”16 Já os Antropólogos falavam originalmente de frente de expansão, a forma de
expansão do capital que não pode ser qualificada como caracteristicamente capitalista.
È importante destacar que a parir de 1943 a frente pioneira na Amazônia passa a
depender da iniciativa do governo federal, tornando-se a forma característica de
ocupação das novas terras, como a Expedição Roncador-Xingu e a Fundação Brasil
Central, ambas oficiais (anos 40), a construção do Rodovia Belém-Brasília (anos 50) e a
política de incentivos fiscais, que subsidiou a formação do capital das empresas
amazônicas, “dando-lhes assim uma compensação pela imobilização improdutiva de

14
Souza Martins, J. de. O tempo da Fronteira – retorno à controvérsia sobre o tempo histórico da
frente de expansão e da frente pioneira. In: Tempo Social: Revista de Sociologia da USP. P. 28.
15
Id. Ibid..
16
Id. P. 30.

6
capital na aquisição de terras para abertura das fazendas (onde esse o caso), promoveu a
aliança entre os grandes proprietários de terra e o grande capital.”17
Essa foi a política de ocupação do norte de Mato Grosso desenvolvida pelo
governo militar, com suas estratégias de colonização baseadas no controle, vigilância e
formação de uma sociedade “ordeira e trabalhadora” como encontramos nos discursos
oficiais da classe dominante daquela região, onde os conflitos sociais procuram ser
tratados como caso de polícia e não como questões sociais.

Uma de suas principais características da relação governamental é a militarização


do tratamento da questão. Desse modo, esse tipo de política passa a ser tratada como
uma questão administrativa, como o comércio, vigilância e controle do espaço, para
tornar-se uma questão policial-militar. Como afirma Souza Martins em sua obra “a
militarização da questão agrária no Brasil”:

A expansão do capitalismo no campo tem sido acompanhada diariamente


pela expansão da luta dos trabalhadores, a disseminação dos conflitos pela
terra, a difusão de concepções paralelas e antagônicas sobre direito de
propriedade que contestam a legitimidade do direito vigente e dominante.
Essas lutas questionam o pacto político que faz dos grandes proprietários um
dos sustentáculos políticos do Estado Militar.. Para evitar que elas levem ao
fim desse pacto, o Estado vem promovendo a militarização da questão
agrária.18

As questões políticas na defesa das grandes propriedades ou dos interesses


burgueses garantidos pelo Estado, a força policial tem sido, muitas vezes, o ‘braço
armado’ do capital em defesa de seus interesses. Qual foi o papel social e político desses
projetos de colonização (público ou particular) na Amazônia Mato-grossense?

Por que os colonos partiram, aderindo aos Projetos de Colonização? “Partiram


porque tinham necessidade da terra para trabalhar e para deixar aos filhos, supondo que
no Sul ela era pouca e a propriedade fundiária concentrada pelos empresários rurais.
Partiram porque no Sul não havia mais condições de ganhar a vida, senão como
parceiros, e viviam em um estado de pobreza. Partiram, enfim, porque acreditavam nas
promessas que lhes foram feitas.”19

17
OLIVEIRA, A. U. A Fronteira Amazônica Mato-Grossense: Grilagem, Corrupção e Violência.
São Paulo: USP – FFLCH. Tese de Livre Docência em Geografia. 1997. P. 44 e 45.
18
SOUZA MARTINS, José de. A Militarização da Questão Agrária no Brasil. Petrópolis, 1984.
19
OLIVEIRA, A. U. de. P. Op. Cit. P. 179.

7
A partir do golpe militar de 1964, o Estado retomou as propostas de
colonização agrícola baseada na propriedade familiar que, desde o
século XIX, vêm sendo implantada na sociedade brasileira. No
Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30/11/1964) propõe-se a
colonização “sobretudo com vistas à necessidade de expansão de nossa
fronteira agrícola e à ocupação dos vazios geográficos que a vastidão
do nosso território ainda está apresentando.” Assim, a colonização,
oficial e particular, é proposta como um dos aspectos da política de
desenvolvimento rural.20

Contudo, somente em 1966 seria regulamentada a legislação a respeito, definindo-


a do seguinte modo: “colonização é toda atividade oficial ou particular destinada a dar
acesso à propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o
exercício das atividades agrícolas, pecuárias e agroindustriais, através da divisão em
lotes ou parcelas, dimensionadas de acordo com as regiões definidas na regulamentação
do Estatuto da Terra, ou através das cooperativas de produção nelas previstas” (Art. 5
do Dec. nº 59.428, de 27/10/1966).21

Conforme Souza Martins, frente “a orientação do governo federal de transformar a


questão da terra em questão de segurança nacional, traço marcante do atual regime
político...”22 Na realidade, é a crise da modernização da agricultura no regime
autoritário que apresenta suas contradições. Desde então sucederam-se os projetos de
colonização na Amazônia Legal, de caráter oficial ou particular, este na forma de
empresas e cooperativas de colonização.

A estratégia inicial nos anos 70 foi a da colonização dirigida oficial


como objetivo de canalizar as populações rurais do Nordeste tornadas
excedentes pela extrema concentração da propriedade, para a
Amazônia. Depois, houve uma reorientação da clientela, no sentido de
atrair os pequenos produtores do Sul, e satisfazer à orientação da
proposta: “a colonização com fins de povoamento e segurança nacional
terá caráter pioneiro, devendo a área das parcelas ajustar-se, sempre
que possível, às características das pequenas e médias empresas
rurais...” (art. 5, § 2 do Dec. nº 54.428.23

Um dos projetos de colonização oficial para atrair nordestinos foi o de Altamira no


Pará, às margens da Rodovia transamazônica em 1970. Outro é o projeto particular
Canarana, criado em 1975 em Barra do Garças/MT. Em seguida o projeto particular

20
OLIVEIRA, A. U. de. P. Op. Cit. P. 168.
21
Id. Ibid.
22
O Estado e a Militarização da Questão Agrária na Amazônia.
23
OLIVEIRA, A. U. de. P. Op. Cit. P. 168. P. 169.

8
Terra Nova – criado em 1978, às margens da Rodovia Cuiabá-Santarém, Peixoto de
Azevedo em 1980 (organizado pelo INCRA e COTREL – Cooperativa Tritícola
Erechim/RS); Lucas do Rio Verde (INCRA) em 1981, este foi implementado como
resposta militar à luta pela terra dos colonos da Encruzilhada Natalino/RS, todos às
margens da mesma rodovia.
Segundo Tavares do Santos, “em meados dos anos 70, o Estado autoritário
retomou a colonização como estratégia de solução para a questão da terra das regiões
meridionais. Sucederam-se os projetos que privilegiavam a clientela sulina. Esses
colonos que saíram do RS, devido aos conflitos com as nações indígenas, sem terra e
sem recursos financeiros, sua transferência expressa claramente a face política da
colonização desenvolvida pelos governos militares pós-64:
Promover a agilizar o processo de povoamento dos grandes vazios
demográficos da Amazônia Mato-grossense, mediante a ocupação
racional e ordenada do território através de Programa de Colonização,
ordenando o fluxo migratório com a transferência para essas regiões de
famílias de colonos desalojados de áreas indígenas e que compõem os
grandes contingentes de produtores rurais sem terra, excedentes das
regiões minifudiários do Sul do País.24

A região de implantação do projeto de colonização terra Nova teve seu início a


partir da construção da Rodovia Cuiabá-Santarém, em 1973.

Colonos retornados dos Projetos de Colonização

No estudo desenvolvido por José Vicente Tavares dos Santos sobre o retorno dos
colonos desses projetos de colonização para o Rio G. do Sul, o sociólogo mostra que,
esses migrantes passaram a ter um papel político de estímulo à denúncia da colonização
como alternativa à crise do campesinato meridional.
“Os governos militares pós-64, procuraram ‘administrar’ esta contradição (do
desenvolvimento do capitalismo no campo), e, ao mesmo tempo, aprofundaram-na.
Reprimiram os movimentos sociais e passaram a dar apoio aos investimentos privados
no campo. Através das políticas públicas da SUDAM, gerando conflitos na região entre
capitalistas do Centro-Sul do País e os índios, posseiros e grileiros de terras.”25
Uma das formas de se entender o retorno dos colonos da Amazônia Mato-
grossense par ao RS é, segundo esse autor, é a falta de condições estruturais para se

24
Id. Pág. 174.
25
OLIVEIRA, A. U. de . A fronteira Amazônica Mato-Grossense. P.141-42.

9
viver nos projetos, que para eles mais vale 15 hectares no Sul do que 200 hectares no
Mato Grosso. “Ao voltar, salientam a necessidade da união entre os colonos para
pressionar o Governo, até mesmo mediante invasões de fazendas, pois a propriedade
fundiária está concentrada e precisam de terra para trabalhar. O retorno da Amazônia
lhes aparece como um direito de liberdade numa sociedade na qual há uma ‘democracia
louca’ pois ‘uns têm demais e outros não tem o mínimo.”26
Neste contexto, percebe-se que os colonos retornados aprecem no interior da luta
pela terra, confrontando a propaganda oficial a partir de suas vivências. Nas palavras de
Tavares dos Santos: “Os colonos retornados dos projetos de colonização da Amazônia
Legal constituem um personagem pleno de significados sociais e políticos para a
sociedade agrária do Sul. Por um lado, é a manutenção da produção camponesa nesta
região que permite aos colonos regressarem a suas áreas de origem – não excluindo que
muitos sigam adiante, para as frentes agrícolas de Rondônia, Acre, Amazonas ou
Roraima. (...) ao passarem a recusar a opção estatal de reassentamento em projetos de
colonização na Amazônia Legal, esses movimentos sociais acentuam a crise de
legitimidade das propostas do Estado brasileiro para a questão agrária.”27

Considerações finais

Essa análise nos remete à uma reflexão sobre o movimento de pessoas rumo à
fronteira norte mato-grossense, pessoas que foram em busca da terra prometida, que é
muito mais que um instrumento material de produção que domina o interesse dos
pesquisadores e suas análises da frente de expansão. “Nesse sonho se manifesta a
grande transfiguração produzida pela fronteira, de certo modo definidora da sua
singularidade temporária e histórica: tempo e espaço se fundem no espaço limite
concebido ao mesmo tempo como tempo limite. É no fim que está propriamente o
começo.”28
A partir dessas considerações, nosso estudo sobre o norte de Mato Grosso está
investigando as questões políticas, econômicas e sociais da classe dominante. Usando as
categorias gramscianas, enfocando uma análise do Estado em seu sentido ampliado

26
DOS SANTOS, José V. T. A gestão da recusa: o “colono retornado” dos projetos de colonização
da Amazônia. In: Revoluções camponesas na América Latina (org.). p. 181.
27
Id. P. 167-8.
28
SOUZA MARTINS, José de. FRONTEIRA: A Degradação do Outro nos Confins do Humano.
São Paulo: HUCITEC, 1997. p. 56.

10
(sociedade política e sociedade civil), organismo complexo de hegemonia (consenso
sobre a população, alcançada através de organizações ditas privadas, como a igreja, os
sindicatos, a escola, etc...) da classe dominante em sua dinâmica mais profunda: a
relação com a sociedade civil.
A sociedade política norte mato-grossense se orgulha em realizar obras, exibi-las
em grandes eventos para inaugurá-las, algo grandioso (asfalto, construções, aquisição de
veículos, etc.), dizendo que isto é o progresso. Para a sociedade política, todas as
realizações materiais justificam-se pelo rápido crescimento da população das cidades,
isto é, um acelerado movimento de ocupação em direção a este progresso técnico-
material, que até hoje é muito divulgado, como por exemplo: o nome das cidades do
Norte de Mato Grosso e Sul do Pará: Nova Canaã, Boa Esperança, Novo Progresso,
Terra Nova do Norte, etc. Porém o “progresso” nem sempre é para todos. Temos
observado que nos últimos anos vários bairros surgiram nessas cidades de fronteira,
formando verdadeiros cinturões de pobreza, desempregos, prostituição e invasões em
terrenos públicos e privados. Muitas dessas pessoas circulam por essas cidades,
buscando melhores condições de vida para suas famílias.
Nesse quadro autoritário predominou uma política que se impõe pelo controle e
vigilância social, o Estado aparece “irradiando” segurança ao se colocar como o grande
administrador da economia doméstica, aquele que tem o monopólio dos instrumentos
racionais capazes de acelerar o bem-estar social e fomentar o progresso. E foi em nome
do desenvolvimento econômico e do bem-estar social que o governo autoritário
justificou e estimulou a colonização particular na Amazônia, que não deveria ser
somente privada mas fundamentalmente controlada e disciplinada.
Estas cidades do Norte de Mato Grosso são extremamente conservadoras,
politicamente mantém suas práticas de eleição, com verdadeiros “currais eleitorais”
atrelados aos setores madeireiro, agrícola e os donos de terra (ordem privada), que
financiam campanhas eleitorais, defendendo seus interesses em âmbito local e estadual.
Existe um controle social, político, de certos setores privilegiados, mantendo desta
forma, o domínio e a “vantagem” em seus devidos redutos eleitorais. Estes agentes
políticos controlam os votos e também o valor do voto como mercadoria política,
ocorrendo um verdadeiro aparato de vigilância e controle social dentro de suas
empresas. A estabilidade desse sistema político exige que a maioria dos empresários
apóiem "as lideranças políticas", manipulando resultados eleitorais compatíveis com os
interesses e compromissos políticos.

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BIBLIOGRAFIA

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12
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______________ . FRONTEIRA: A Degradação do Outro nos Confins do Humano.
São Paulo: HUCITEC, 1997.

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