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Daniela Müller

Um novo olhar sobre o aborto


espontâneo e a Maternidade
CRÉDITOS

Ilustrações, Projeto Gráfico e Diagramação:


Bruna Meyenberg Fraga

Produção Executiva e Formação de Comunidade:


Taivan Müller

Revisão:
Wanessa Damasceno Moreira, Casa do Texto

2ª Edição, fevereiro de 2021

www.livromaedeanjo.com

Instagram: @livromaedeanjo

Facebook: @movimentomaedeanjo
Para Maria Clara
e João Augusto,
meus Filhos Anjos
UM DIA
Um dia eu sonhei com você

Tão real quanto meu amor

Até que você desceu do Céu

E eu pude sentir o seu calor

No meu coração a Vida ardia

Em meu ventre você crescia

Lembrou-me que eu já sabia

Que amor maior não existia

Mas a Vida é mesmo mistério

Em meu colo você já não está

Quis logo o Céu você de volta

Onde iremos nos reencontrar

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AGRADECIMENTOS

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Sou grata ao meu marido, Taivan Müller, por ser quem é,
pelo seu amor incondicional e por termos, juntos, criado e vivi-
do plenamente esta experiência.

Agradeço aos meu Filhos Anjos, Maria Clara e João Augusto,


as Almas que estiveram ligadas aos embriões que viveram por
cinco semanas em meu ventre, por terem me escolhido para ser
sua Mãe.

Minha gratidão aos meus amigos do plano espiritual, por me


ajudarem a reconhecer o Amor contido nesta experiência mila-
grosa, aos familiares e a todos que nos apoiaram.

Agracio também as Mulheres maravilhosas com as quais te-


nho tido a oportunidade de recordar o que é encarnar o Femini-
no neste mundo.

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PREFÁCIO

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Uma das questões que marcam a minha existência sendo
mulher é a observação do quanto a vida acon-tece com “tudo in-
cluído”.

A escolha de encarnar sendo mulher inclui – mandato-


riamente – um conjunto de características afetivas, energé-
ticas, perceptivas e complexas que dão à mulher um colorido
peculiar. Existir sendo mulher é uma grande oportunidade de
re-ligar universos que estavam compartimentados por pura fal-
ta de afinidade masculina em gerir forças que não podem ser
controladas.

Costumamos chamar este funcionamento feminino de caos,


por não acon-tecer em linha reta, e, sim, por imagem e hiper-
links que se abrem na sensibilidade primária, coisa que a ciência
comum não aborda como “real”.

Este funcionamento se configura na vida vivida, de fato,


como um “abismo” de linguagem. Uma linguagem que existe na
experiência – mas por habitar o indizível – está oculta à consci-
ência da maioria das mulheres e, portanto, “existe” excluída da
maioria das conversas e, naturalmente, das relações. É um pe-
queno abandono.

O que não existe na conversa e não existe nas relações, não


existe na vida. É papo de louco. Ou de louca. Ou simplesmente,
“coisa de mulher”. A verdade é que, sendo matriz da vida como,
de fato, a mulher é, coisa de mulher é coisa de humano. A mu-
lher afeta a raça humana.

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Um lugar de existência onde a profundidade encontra a soli-
dão. Uma sub-existência.

A possibilidade de nomear e articular vocábulos que acessam


partes de uma experiência que é íntima, é feminina e é intrinse-
camente humana, é um dos grandes serviços que a mulher, neste
tempo, pode trazer como contribuição planetária.

A maternidade – gerúndio iniciático feminino – é um lugar


de diálogo contínuo entre a vida e o imponderável. A possibili-
dade de re-tecer este campo da linguagem humana é, certamen-
te, do interesse de todos. E um direito existencial feminino. Gra-
cias!

A maternidade acon-tece no afeto, no símbolo, no mistério e


na matéria. São campos de consciência comumente apartados
entre si e, portanto, universos que não se tocam e ficam impossi-
bilitados de contar uma história íntegra, com tudo incluído.

O amor pela experiência dentro de um corpo de mulher e o


amor pela linguagem marcam as páginas deste livro, que é puro
amor em serviço. Existir sendo mulher é um devir que apenas
inicia o seu resgate como ato entrelaçado de viveres inteligentes
e sensíveis. Assim começa a reintegração da matriz de humani-
dade ao humano.

Começa por ela. Ela narra a sua experiência.

Elas narram. Aprendemos juntas.

A mulher é vetor. Por isso gesta. Por isso carrega a respon-


sabilidade de manejar o que é, antes de ser. Feliz a mulher que

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percebe isso. Quando somos capazes de abraçar, na totalidade, a
experiência complexa, ambígua, contraditória e profundamente
humana que é carregar-se dentro de um corpo de mulher, co-
meçamos a compreender o real sentido da palavra conciliação
na vida vivida. Um ato de presença e profundidade.

É um percurso íntimo. Não é sobre o outro. Não é sobre ges-


tar e parir bebês, embora esta experiência seja muito didática. É
sobre a disponibilidade de mergulhar nas águas de todas as den-
sidades e atrever-se a respirar nelas, existir nelas e des-cobrir o
que estava além do meu maior medo e das minhas fantasias mais
desesperadas de segurança.

A vida que se abre a essa fenda passa a existir além da moral


e do que o certo e o errado abarcam. Abre-se um campo de res-
peito e sustentação diante do que não se controla e, ainda assim,
emerge, pois chegou o seu tempo.

Esse momento é quando fica evidente que o humano se forja


entre o absurdo e a graça. Evidente para quem estava “presente”
e bem ancorado na cena. Esta é uma tarefa feminina. A mulher
é portal desta inteligência de sustentação amorosa. Com ela se
forja a linguagem do humano.

Curiosamente, esta mesma disponibilidade de diálogo com


“o que está além de mim” é o que o chamado da maternidade
nos abre. Um caminho iniciático, sem fim. De esgarçamento das
bordas, de aprendizagem diante do agora que se apresenta, que
desafia a confiança diante do que não se conhece, mas se sabe (lá
no fundo de mim). Paradoxo...

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Pois este chamado eu tive, com muita força. Tenho o privilé-
gio de ser mãe de 3 filhos.

Rafael, que deixou de viver dentro do seu e do meu corpo


com 19 semanas de gestação e me mostrou o que é amor além da
posse, recodificando – na manifestação sustentada e avassalado-
ramente amorosa do seu povo durante o meu parto –, firmando
um campo de confiança, entrega e reverência entre realidades,
que me fez uma incisão inquebrável de fé, amor e entendimento
na Alma. A memória é vívida, firme e cristalina até hoje. Ele é
meu primeiro filho. Ele é o irmão mais velho das minhas filhas.
Ele é parte preciosa de quem somos. Nós o amamos muito. É
meu Filho Anjo.

Beatriz é a minha segunda filha e Isadora é minha terceira,


ambas gestadas e nascidas com perfeita vitalidade, ainda que
a ciência tenha me dito que provavelmente eu não sustentaria
uma gestação até o fim, pois tinha-se encontrado uma transloca-
ção cromossômica no meu cariótipo genético, num exame me-
ticuloso com um renomado médico geneticista.

Na mesma época, uma muito bem-amada mulher também


me disse: “confie no milagre da vida, que a ciência não sabe ex-
plicar”. Assim foi. Assim é.

Amada mulher, qualquer que seja a tua experiência com o teu


infinito particular, eu abençoo a tua existência e a escolha de se
nutrir desta leitura e da vida como ela chega, que reapresenta a
complexidade que nos habita, que nos torna e nos forja mulher.

A vida é um devir precioso. Às vezes fácil, às vezes difícil. E

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no centro dela vive e pulsa uma medicina. Há que se aprender
a abraçar à totalidade da experiência para acessá-la, como Dani
generosamente descreve neste livro amoroso e destemido. Dig-
no de uma grande mãe.

Encerro com uma frase de Hannah Arendt, que me é muito


cara: “Toda dor pode ser suportada se por ela puder ser contada
uma história”.

Vida longa a este tecido de linguagem, que nasce e se re-tece,


entre mulheres. A cada nova história que se conta, cabe mais vida
no mundo.

Mil vivas a isso.

Com amor,

Mari
(Mariana Carola Cogswell)

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APRESENTAÇÃO

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Escrever este livro foi a melhor maneira que encontrei de ela-
borar internamente a experiência que vivi com o chamado abor-
to espontâneo precoce, entre maio e junho de 2020. Antes disso,
nunca havia parado para pensar sobre o assunto, pois aquela foi
a minha primeira gravidez.

Quando tive o sangramento que denunciou o que estava


acontecendo em meu ventre, um buraco se abriu sob os meus
pés e eu caí naquele espaço fundo, cheio de impotência, tristeza,
raiva, frustração, culpa, vergonha e desamparo.

Passado o primeiro momento de dor, veio a fase do entendi-


mento. Com a ajuda dos meus amigos do plano espiritual, du-
rante alguns dias tive a oportunidade de desenvolver um outro
olhar sobre aquele episódio inesperado.

A nova maneira de enxergar este tipo especial e socialmente


não reconhecido de Maternidade mudou tudo dentro de mim,
foi a minha cura.

Por isso, decidi registrar e compartilhar esta experiência com


a intenção de que outras Mulheres possam ter a oportunidade
de ressignificar o abortamento natural, transformando seu sofri-
mento em paz.

Mesmo que neste momento seus colos estejam vazios, espero


que seus corações estejam sempre cheios de Amor e Vida.

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O abortamento espontâneo é uma experiência muito co-
mum, que acontece com milhões de Mulheres por todos os tem-
pos. Estima-se que até 30% das gestações terminem desta ma-
neira inesperada, afetando em diferentes níveis de consciência
todas as famílias do planeta.

Este número pode ser ainda maior, tendo em vista que, em


muitos casos, a gravidez é interrompida antes mesmo de ser
identificada pela Mulher, que percebe apenas um atraso no seu
período menstrual, sem saber que neste intervalo existiu um
óvulo fecundado que não se desenvolveu.

Do ponto de vista médico convencional, o abortamento es-


pontâneo consiste basicamente na morte natural do embrião, ou
do feto, antes deste ter a capacidade de sobreviver fora do útero,
ou seja, até a 22ª semana de gestação. A partir deste limite, clini-
camente o que existe é uma morte fetal por prematuridade.

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Calcula-se que cerca de 80% dos abortos naturais ocorram
durante as primeiras 12 semanas de gravidez. As razões para este
tipo de ocorrência não são exatas. Exceto em casos de acidentes,
via de regra, a medicina tradicional considera que o corpo expele
espontaneamente um embrião, ou feto, que não se desenvolveu
bem e não tem condições de sobrevivência, como uma espécie
de seleção natural.

Mas qual seriam as outras possibilidades de entendimento


para este tipo de experiência ainda considerada um tabu e que
costuma causar tanta dor para as Mulheres? Qual a origem dos
pensamentos, sentimentos e emoções disfuncionais que vêm à
tona após um abortamento natural? Como podemos atualizar
nossos conceitos sobre este fenômeno e a própria Maternidade
sob o ponto de vista da Vida e não mais da morte?

O que tenho a colocar neste livro nada tem a ver com ciência
ou medicina convencionais, tampouco está amparado por qual-
quer tipo de comprovação ou reconhecimento de instituições e
autoridades no assunto.

Trata-se apenas do meu relato e de uma tentativa sincera de


apresentar novos olhares – pelo menos para mim – livres de
qualquer tipo de dogma, a partir da minha própria Alma. Eles
são frutos do meu entendimento e síntese, ainda bastante limita-
dos, sobre mim mesma e a Vida como algo muito mais comple-
xo e rico do que estamos acostumados a perceber.

Vivemos em uma sociedade focada apenas em resultados


e que não valoriza a complexa experiência humana como um

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todo. Mais ainda, todo resultado não desejado é considerado um
fracasso e o aborto espontâneo entra nesta categoria de episó-
dios negativos, dos quais não devemos nos orgulhar, e até mes-
mo esconder.

Precisamos nos libertar desse e de outros condicionamentos,


pois somos seres espirituais vivendo temporariamente uma ex-
periência física. Somos criaturas infinitas vivendo uma realidade
finita neste plano.

Nossa capacidade de compreensão sobre a nossa própria na-


tureza é hoje absolutamente restrita por um sistema de crenças e
valores limitantes que foi sendo criado e sustentado ao longo dos
tempos com grande eficiência.

O resultado é que, atualmente, a maioria de nós encontra-se


totalmente desconectada da realidade maior, interior e exterior.
Perdemos a nossa faculdade de entrar em contato com o nosso
próprio Ser e com a Consciência Infinita da qual somos parte.

Passamos a vida tomando como verdade absoluta, quase sem


nenhum questionamento, tudo o que nos é colocado pelas ins-
tituições de poder e seus líderes, seja na esfera espiritual, políti-
ca, acadêmica, científica ou médica, por exemplo. Nos tornamos
robôs teleguiados que transformam a Vida em uma experiência
pobre de sentido e realização.

Nossa Alma e toda a Humanidade clama por mudança. É


tempo de profundas transformações, que começam dentro de
cada um de nós. Para mim, um dos conceitos mais importan-
tes sobre os quais precisamos lançar um novo olhar e nutrir um

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outro sentimento para a criação de uma realidade mais saudável
para toda a Raça Humana é o da própria Maternidade.

Modernamente existe uma grande romantização desta ex-


periência, agora reforçada pelas mídias sociais, nas quais todas
as Mães parecem felizes e realizadas. Percebemos Mulheres in-
fantilizadas, que fantasiam um mundo cor de rosa, no qual ela
e seus bebês são o centro de todas as atenções. São crianças, do
ponto de vista emocional, trazendo ao mundo outras crianças
que, provavelmente, se tornarão adultos disfuncionais.

Este triste cenário é reforçado pela lógica capitalista, que


transformou a Maternidade em mais um produto a ser consumi-
do. Ao vender um modelo de família perfeita e impossível de ser
alcançado, o sistema cria pessoas infelizes que precisam com-
prar o tempo todo para tentarem preencher seu vazio existen-
cial, alimentando um mercado multimilionário, que vai desde
reprodução assistida até artigos de luxo para Mães e bebês.

Por outro lado, existe um imenso peso sobre a Maternidade,


que castiga a Mulher e, muitas vezes, transforma este processo
natural em um verdadeiro martírio escorado por sentimentos
nada saudáveis, como culpa, vergonha e amargura. Este é o pon-
to que mais me interessa explorar e transformar através de um
novo entendimento neste livro.

De onde vem isso? Repito: de um sistema de crenças e valores


limitantes que nos é imposto, o qual cria uma vida limitada, pois
sabemos que aquilo em que acreditamos e, principalmente, o
que sentimos é o que dá origem à experiência que chamamos de

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realidade, ao mundo que identificamos como verdadeiro a partir
da nossa capacidade de percepção.

Para entender melhor a questão, é preciso voltar no tempo,


na história que não aprendemos na escola, que precede até mes-
mo a era da escrita. Durante milênios, existiram comunidades
organizadas de uma maneira totalmente diferente do que co-
nhecemos hoje e que tomamos por óbvia, até mesmo natural
e imutável. Neste tipo de sociedade, a Mãe estava no centro da
consciência coletiva. Logo, a Mulher era respeitada e reveren-
ciada por gerar a Vida em seu próprio ventre. A Natureza era sa-
grada e chamada de Grande Mãe, aquela que gerava e sustentava
tudo que vivia na Terra. Ela era, ainda, aclamada como a Deusa.

Estas eram as sociedades conhecidas como matriarcais, ma-


tricêntricas, matrifocais, matrilineares ou matrísticas. Nestes
tempos, ao contrário do que se pode automaticamente pensar,
a Mulher não dominava o homem, não estava acima dele. Havia
equidade de gênero, inclusão, cooperação, compartilhamento,
respeito e cuidado por todos os Filhos da Grande Mãe. Aliás, as
crianças eram uma responsabilidade de toda a comunidade, to-
dos eram considerados seus pais e Mães.

Não havia guerras, pois não havia propriedade e posição de


poder por que lutar. Reinava a paz, a abundância e o prazer de
viver em comunhão com a Natureza. Isto não é ficção e há mui-
tas evidências arqueológicas que confirmam a existência desta
época da qual, mesmo sem saber, sentimos tanta saudade.

A propósito, chegamos a um ponto interessante. Por que

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fomos expulsos deste verdadeiro paraíso? Pense rapidamente.
Qual a primeira resposta que vem à sua cabeça? Mesmo que você
não tenha uma religião e até mesmo se considere totalmente
descrente, é bem provável que você pense na história de Adão e
Eva no Jardim do Éden.

Segundo a gênese bíblica, que é a base da tradição judaico-


-cristã e que influencia boa parte do mundo ocidental, em espe-
cial Europa e Américas, um Deus Pai criou todas as coisas que
existem, inclusive a primeira Mulher. Seu nome é Eva, a Mãe de
toda a Humanidade, gerada a partir da costela de Adão para a ele
ser submissa.

Não entrarei no mérito desta questão, mas antes de Eva é dito


que existiu uma outra Mulher chamada Lilith. Ela, que foi criada
a partir do barro, assim como Adão, não teria aceitado se subor-
dinar ao seu marido e, por isso, foi banida do Éden e para sem-
pre demonizada.

Voltando a Eva, foi ela quem desobedeceu a Deus Pai, co-


mendo a maçã proibida sob a má influência da serpente, que
muitos dizem ser a própria Lilith disfarçada. Não satisfeita, Eva
ofereceu o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal a
Adão, que, seduzido por ela, caiu na armadilha fatal e também
pecou contra o Criador.

Quando o Todo Poderoso descobriu a desobediência de Adão


e Eva, os expulsou para sempre do Paraíso. Então, de acordo
com essa versão da história, é a Mãe da Humanidade a razão de
todo o infortúnio de seus filhos até hoje, bem como pelas dores

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do parto de cada Mulher.

Temos aqui uma provável explicação para a aversão que se


criou pelo sexo feminino no inconsciente coletivo, a necessidade
de puni-lo e o sentimento de culpa que acomete todas as Mulhe-
res e, logicamente, todas as Mães desde então.

De acordo com a visão católica, sob a qual fui educada no


colégio de freiras até os 15 anos, a principal via de redenção da
Mulher e para o seu pecado original é o sacrifício, o sofrimento e
o martírio, fortemente representado por outra Mãe bíblica, Ma-
ria, que trouxe ao mundo o único filho de Deus Pai, Jesus Cristo.

Aqui temos a antítese de Eva, a Mãe pecadora. Inicia-se, en-


tão, uma cisão cultural, social e psíquica da Mulher, a divisão
entre a maldita e a bendita, uma narrativa reforçada no Novo
Testamento pela figura de Maria Madalena. A partir dali temos a
santa versus a suposta prostituta.

Retomando Maria de Nazaré, esposa de José, ela foi a Virgem


que concebeu o messias sem pecado original, ou seja, sem ter
relação sexual, após receber através de um anjo a mensagem de
que havia sido a escolhida por Deus para gerar seu filho.

Ela sofreu todas as dores possíveis, não só as do parto, mas


também a de ter testemunhado seu amado filho ser torturado e
morto na cruz dos romanos. Depois de passar pelo seu próprio
calvário, a serva resoluta teria sido assunta aos Céus pelos anjos e
se tornado intermediadora entre Deus Pai e os Homens, na visão
católica.

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Percebemos que nem mesmo depois de tudo isso Maria, ou
as Mulheres por ela representadas, ganhou um lugar na santíssi-
ma trindade – o Olimpo cristão –, composta apenas por figuras
masculinas: Pai, Filho e Espírito Santo. A nova humanidade cris-
tã ficou oficialmente sem Mãe.

Vale lembrar que o culto a Nossa Senhora foi aceito pela igre-
ja católica romana somente em torno do ano 430 d.C. Seus líde-
res precisavam apresentar uma figura feminina forte para que
os novos convertidos pudessem adorar, assim como faziam nas
antigas religiões agora proibidas.

A necessidade e a saudade da Mãe no panteão divino são tão


grandes que, a partir da Idade Média, o culto a Virgem Maria
ganhou grande força e foi muito além do que os líderes católicos
da época gostariam de permitir. Hoje, em muitos países, como
no Brasil, Nossa Senhora ocupa o lugar de Rainha entre os fiéis,
o que é motivo de preocupação em alguns setores mais conser-
vadores da igreja, que não admitem que o louvor a uma figura
feminina seja maior do que a Deus Pai e seu filho, Jesus.

No mais, a igreja apostólica romana reconhece uma infinida-


de de santas, Mulheres que sofreram o suficiente em vida para
que no seu fim pudessem ir para o céu com a anuência de algum
Papa. Nas vertentes protestantes, não há representação femini-
na, nem mesmo através da Virgem Maria. No meio evangélico
pentecostal e suas derivações, a Mãe de Jesus não tem relevân-
cia, sendo até mesmo desqualificada e alvo de vandalismo (vide
exemplo do líder da Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil).

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Retomando a questão das sociedades matrifocais, não existe
uma data específica que assinale seu fim. Elas foram sendo gra-
dualmente modificadas no Ocidente, inclusive pela influência de
povos vindos do Oriente. Mas é possível dizer que o patriarcado,
o sistema social em que a figura masculina, fortemente represen-
tada pelo pai, detém o poder primário e exerce total autoridade,
encontrou seu ponto de triunfo na instituição das três grandes
religiões monoteístas que dominam o mundo até hoje e que têm
a mesma origem, o patriarca Abraão: o judaísmo, o cristianismo
e o islamismo.

Gradualmente, a Deusa, e a Mulher por consequência, foi


sendo destronada e o mundo ocidental passou a ser governado
unicamente pelo poder masculino, a começar na esfera espiritu-
al, o que se replicou na família, na comunidade, na sociedade, no
âmbito político, econômico, judiciário, acadêmico e assim por
diante até o dias atuais.

Com o sistema patriarcal, tudo o que é relacionado ao Femi-


nino foi sendo denegrido, pervertido, desqualificado e margina-
lizado. A começar pelo corpo da Mulher e seu sangue menstrual,
antes sagrados. Depois disso, o único sangue bendito no cristia-
nismo foi o do Filho do Homem, daquele que nasceu da Virgem
Maria para redimir o mundo do pecado de Eva.

A Mulher, antes livre e dona de si, autoiniciada, Senhora dos


Mistérios da Vida e da Morte, mediadora entre o Céu e a Terra,
passou a ser oficialmente uma das posses do pai, do marido, dos
irmãos ou de qualquer homem que pudesse dominá-la à força

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ou comprá-la.

Neste contexto, o lugar da Mulher foi restrito ao ambiente


doméstico, sendo seu papel servir ao homem, como mãe, esposa
ou criada, nada mais que isso. Nenhum posto de autoridade lhe
era possível no mundo exclusivamente masculino do Deus Pai e
seus representantes divinos.

Ao ser interditada, com o tempo, a Mulher foi levada a acre-


ditar que não podia exercer, ou ainda, que nem mesmo tinha
qualquer tipo de poder, inclusive sobre si própria, e que era na-
turalmente dependente dos homens.

A perda da autoestima transformou a Mulher no tal do sexo


frágil, até hoje alvo de todo tipo de relação abusiva e das manipu-
lações patriarcais. A Mãe Natureza foi dividida em propriedades
privadas a serem exploradas em nome do lucro até seu último
suspiro. Todos os Filhos da Terra vivem hoje, miseravelmente,
sob a lógica da guerra na “sociedade da espada”, da escassez e da
morte da Alma.

Tudo isso está sendo exposto aqui de uma maneira muito


sintetizada para que possamos ter uma ideia das bases da men-
talidade que rege nossa sociedade atual. Muito mais informa-
ções sobre estes temas podem ser encontradas em trabalhos de
Mulheres fantásticas, que dedicaram muito tempo de estudo e
pesquisa para que hoje este conhecimento seja acessível a todos,
inclusive a mim.

Mais que tudo, elas ousaram e pagaram alto preço ao contes-


tar a história oficial, contada exclusivamente pela elite masculina

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até o século passado. Alguns nomes estão ao final deste livro com
toda minha reverência e gratidão.

Aproveito para dizer que minha intenção quando falo das re-
ligiões não é ofender ninguém que possa com elas se identificar,
mas desconstruir a narrativa criada e perpetuada pelas suas ins-
tituições de poder e autoridades, a qual lesa a todos os seres do
planeta, em especial a Mulher e a Mãe Terra.

De maneira alguma sou contra a fé genuína, baseada na Ver-


dade do Amor, mas meu compromisso é com a desativação de
uma linha de pensamento venenosa criada por mentes perver-
tidas para subjugar o Feminino, e que deu origem a alguns dos
mais torpes comportamentos e práticas humanas, tal como a
objetificação e a violação do corpo da Mulher, a pornografia, a
pedofilia, a misoginia e o feminicídio.

Da mesma forma, deixo claro que meu objetivo não é atacar


os homens e o masculino, tampouco a figura do pai, mas o sis-
tema patriarcal, uma criação para a manipulação inescrupulosa
da raça humana que sustenta o machismo e todo tipo de abuso.
Uma ideologia doentia que inventou e conserva o ódio contra a
Mulher, inclusive na própria Mulher e entre Mulheres, e que se
reflete em todas as minorias não identificadas com o código de
poder falocêntrico. O próprio homem, em sua essência, é tam-
bém vítima desta perversão e sofre com sua masculinidade tóxi-
ca, que o torna escravo dos seus próprios demônios.

Como já referi, ainda que você não seja adepto de nenhuma


religião, saiba que sua vida é regida em grande parte pelo sistema

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de crenças e valores criado por dogmas religiosos. Toda a cultura
de um povo sofre tais influências. O estado laico é um ilusão e,
mais do que disso, sabemos da existência do inconsciente co-
letivo, com o qual todos nos relacionamos e que rege o nosso
destino involuntariamente.

Por isso, é urgente reformatar nossas mentes, deletando toda


essa programação baseada em falsos ensinamentos sobre quem
somos, como devemos viver e o que é a Vida. Só assim sairemos
deste buraco escuro criado pela falta de consciência do Ser Hu-
mano.

No que diz respeito à Maternidade, há muito trabalho a ser


feito, já que estamos falando de pelo menos seis mil anos de dou-
trinação patriarcal. Quando a Mulher passou a ser propriedade
legal do pai e depois do marido através do casamento, coube a
ela, basicamente, a função de procriar e cuidar da casa. A Mãe
Sagrada, a Amante e Musa de outrora deram lugar à serva facil-
mente descartada.

Seus filhos passaram a ser mão de obra privada para sustentar


a família e, em esferas mais altas, eram garantia da continuidade
da linhagem do pai, da posse, do poder e todos os seus privilé-
gios. Uma Mulher que não se casasse simplesmente não existia
do ponto de vista social. Pior ainda se tivesse filhos fora do casa-
mento.

Por outro lado, uma Mulher casada que não gerasse her-
deiros podia ser legalmente trocada por outra que cumprisse
as obrigações do matrimônio. Em todos os casos, elas estavam

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condenadas à própria sorte, precisando, muitas vezes, recorrer
à prostituição para sobreviverem. Ainda hoje, em alguns lugares
do mundo é assim.

Mesmo que, felizmente e à custa de muita luta e vidas femi-


ninas, esta não seja mais a realidade da maioria das Mulheres
ocidentais, essa memória está bem viva no inconsciente coletivo,
em cada uma das nossas células, no nosso DNA. Essa lembrança,
mais ou menos recente, sustenta a ideia de que toda Mulher pre-
cisa ter filhos ou nasceu para ser Mãe, ou até mesmo que este é
seu único ou maior valor, sonho e fonte de felicidade.

Sim, para muitas Mulheres esta será uma experiência mara-


vilhosa, mas não para todas. No entanto, a falta de autoconheci-
mento faz com que muitas entrem no fluxo das demandas so-
ciais e acabem se tornando Mães com muito pouca consciência
do que isso significa de fato. É para essas Mulheres que a Mater-
nidade tende a ser mais dolorosa.

Ao contrário do que possamos ter como registro em nossas


mentes e corpos, a Maternidade tem de ser uma escolha e não
uma obrigação. Ela é uma experiência que pode e deve ser posi-
tiva, fruto do livre arbítrio de uma Mulher que se conhece e está
disposta a servir a Vida, e não a qualquer tipo de interesse egóico.

Da mesma forma, precisamos desconstruir de uma vez por


todas a fantasia que envolve a Maternidade e sua promessa de
plenitude. Em última instância, é necessário erradicar da nossa
mente a ideia de que a Maternidade é a única via para a legitima-
ção, redenção e realização de toda Mulher.

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Aliás, lembro-me de quando estava para fazer 30 anos e en-
trei em uma grande crise. Não tinha filhos e já estava me achando
velha para ser Mãe. Na época, tinha um namorado e resolvi que
era hora de me casar, depois de quatro anos de relacionamento.
No fundo, eu sabia que ele não era a pessoa certa para mim, mui-
to menos para ser pai dos meus filhos.

Frequentávamos uma igreja evangélica neopentecostal, um


ambiente extremamente conservador, embora a maioria das
pessoas que o frequentasse fosse jovem. Existia ali uma grande
pressão para o casamento e para a chegada dos filhos, já que a
relação sexual fora do casamento é considerada pecado.

Quase cedi. Entretanto, seis meses antes do casamento mar-


cado, recebi um sinal dos Céus, literalmente, e entendi que era
hora de terminar aquela relação, que hoje eu sei que era tóxica, e
começar um processo profundo de autocura.

Sim, eu estava machucada e pela primeira vez reconheci que


não tinha sido apenas uma criança ferida, mas era uma Mulher
lesionada, como todas as outras. Mesmo me considerando uma
pessoa esclarecida e moderna, morando em um bairro nobre da
cidade de São Paulo, sendo empreendedora, relativamente bem
sucedida profissionalmente e financeiramente autônoma, em
certa altura comecei a me achar um fracasso como Mulher por
não ser casada e não ter filhos.

Foram longos anos de psicoterapia e muitos outros recursos


que me ajudaram a recuperar pouco a pouco a minha essência e
me fortalecer em todos os níveis. Não foi nada fácil e, muitas ve-

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zes, desejei não ter acordado daquele transe, imaginando como
minha vida teria sido mais fácil se eu simplesmente tivesse dan-
çado conforme a música, como outras amigas o fizeram. Mas eu
não tinha escolha, precisava olhar para a minha história familiar
a fim de não repeti-la.

A relação com a Maternidade é, desde o início da minha vida,


bastante desafiadora. Quando tinha pouco mais de um ano de
idade, meus pais se separaram. Foi minha mãe quem decidiu
sair de casa, me deixando sob a responsabilidade de meu pai,
então com quase 22 anos – ela tinha menos de 20.

Foi um escândalo. Esta história foi, de certa maneira, ocul-


tada por muito tempo. Depois de um processo de desquite (o
divórcio ainda não existia no país), minha guarda foi dada a meu
pai, provavelmente pelo fato de minha Mãe ter abandonado o
lar, um pecado mortal para qualquer Mulher, mas nada demais
para um homem no Brasil do começo da década de 1980 e sua
sociedade conservadora que ainda vivia sob ditadura militar.

Acabei sendo criada pela minha avó paterna, com todo o


amor que ela pôde me dar, e não tive quase nenhum contato
com minha Mãe durante toda a infância. Em casa, seu nome,
Gláucia, não era pronunciado e quase nada sobre meu passado
me foi dito até a juventude. Era como se minha Mãe nunca tives-
se existido em nossa família. Ela era a própria representação da
pecadora que merece ser punida, definitivamente banida.

De alguma maneira, eu sabia que não devia tocar naquele as-


sunto, com medo de ser rejeitada e até mesmo castigada por isso.

32
Curioso observar que escolhi como profissão, ainda criança, o
jornalismo, cuja função é, basicamente, perguntar, investigar os
fatos e suas diferentes versões para descobrir a verdade. Dizem
que tudo que fazemos é para agradar a nossa genitora, e assim
deve ser.

Soube pela televisão da morte brutal de minha Mãe. Quando


tinha 12 anos, estava assistindo o telejornal regional quando apa-
receu a notícia do feminicídio do qual ela foi vítima. Depois do
desquite de meu pai, minha Mãe casou-se novamente e ao tentar
se separar do segundo marido encontrou um revólver em frente
à sua cabeça.

O sujeito não aceitou a decisão da Mulher e seguiu a velha


lógica patriarcal: se não aceita ser minha, não será de mais nin-
guém. Ele cometeu o que ainda hoje se chama “crime passional”
na frente do filho que tiveram juntos, marcando a vida de todos
com um rastro de sangue e dor.

Pela segunda vez perdi minha Mãe. Não fui ao seu enterro
e só pude me despedir dela de maneira adequada aos 31 anos,
durante um processo terapêutico chamado constelação familiar.
Através dos conhecimentos que embasam esta técnica de auto-
cura criada por Bert Hellinger, já falecido, pude entender muito
sobre a minha trajetória e como era imperativo que eu incluísse
minha Mãe em minha família novamente para que eu pudesse
seguir em frente sem o risco de ter o mesmo destino que ela.

A terapeuta que conduziu a sessão de constelação familiar


na qual eu tratei este tema disse-me que era muito comum, se-

33
gundo sua experiência, que Mães que abandonam seus filhos te-
nham fins trágicos, como assassinatos e acidentes de carro, por
exemplo. É uma espécie de autopunição inconsciente criada
pela crença de que uma Mulher jamais pode se abster de criar
seus filhos, seja lá por que motivo for.

Interessante notar que homens que abandonam, ou sequer


reconhecem legalmente seus filhos, não costumam ter o mesmo
destino, já que sobre eles não recai a culpa original, nem a neces-
sidade de redenção, pois eles são legitimados apenas por terem
nascido machos e estarem acima do bem e do mal, como Deus.

No início da idade adulta, todas estas questões fizeram com


que eu me perguntasse se um dia eu gostaria mesmo de ter fi-
lhos. Até um pouco antes da crise dos 30 anos e do torto desper-
tar do meu lado maternal, eu acreditava que ser Mãe não era um
bom negócio. Aliás, eu morria de medo de engravidar.

Até onde sei, fui a primeira Mulher da minha família pater-


na a completar o ensino superior, empreender, morar sozinha,
viajar para o exterior e ter escolhas com relação ao meu próprio
futuro. Olhando para as Mães ao meu redor, moldadas pelo pa-
drão patriarcal, esse destino não me parecia muito promissor.

Quando me dei conta dos verdadeiros motivos que me fa-


ziam questionar a Maternidade, decidi que antes de tudo preci-
sava sarar minhas feridas emocionais ligadas à minha Mãe. Fiz
um pacto comigo mesma, jurando que do meu ventre nasceriam
novas histórias, ou então minha linhagem se encerraria em mim.

Um dos principais desafios que vivi neste processo foi a en-

34
dometriose. Desde que menstruei pela primeira vez, sofria com
cólicas horríveis que chegavam a me causar desmaios. Com o
passar dos anos, passei a odiar meu ciclo menstrual, meu sangue,
minha condição de fêmea.

De acordo com a Associação Brasileira de Endometriose, em


seu website: “esta é uma doença caracterizada pela presença de
endométrio fora do útero. O endométrio é a camada que reveste
internamente a cavidade uterina e é renovado mensalmente por
meio da descamação durante o fluxo menstrual. Em algumas si-
tuações, esse tecido, além de ser eliminado em forma de mens-
truação, volta pelas trompas, alcança e se deposita na cavidade
pélvica e abdominal, formando a doença que, por vezes, é de
carácter crônico e progressivo.

As duas principais queixas de dor em pacientes com endo-


metriose são a cólica menstrual e a dor durante a relação sexu-
al. O tecido do endométrio, mesmo fora útero, continua sen-
do estimulado mensalmente pela ação dos hormônios do ciclo
menstrual, isto provoca uma reação inflamatória que causa dor.
A dor na relação sexual é causada pela inflamação decorrente de
implantes de endometriose próximos ao fundo da vagina. Além
disso, a endometriose pode comprometer nervos intensificando
ainda mais os sintomas dolorosos”.

Estima-se que mais de seis milhões de Mulheres sofram com


a endometriose no Brasil. No mundo, o número pode chegar a
quase 180 milhões, e, deste total, até 50% se tornam inférteis. Ela
é considerada uma doença moderna, cuja razão apontada por

35
alguns especialistas seria o maior número de menstruações que
no passado, quando a Mulher engravidava mais vezes.

Certamente, a endometriose tem muito mais a ver com a


desconexão feminina dos seus ciclos naturais, devido a necessi-
dade de se encaixar nos padrões da sociedade patriarcal organi-
zada no modelo industrial, e a insalubridade da vida nos grandes
centros urbanos.

Ao consultar os médicos convencionais, a única solução que


me foi apresentada para evitar as dores causadas pela endome-
triose era parar de menstruar, tomando pílula anticoncepcional
sem interrupção. Também me foi dito que esta doença não tinha
cura e que era possível fazer uma cirurgia para retirada dos focos
de sangue alojados em outros órgãos além do sistema reprodu-
tor, como intestinos, motivo da grande dor que sentia ao evacuar
durante o ciclo menstrual. Nada, porém, garantia que o proble-
ma não retornasse.

Na época em que pesquisei esta possibilidade, que é um pro-


cedimento aparentemente simples feito por laparoscopia ou vi-
deolaparoscopia, não havia cobertura pelo meu seguro de saúde,
muito menos era oferecido no sistema público. Eram poucos os
médicos que faziam esse tipo de cirurgia em São Paulo, que era
caríssima para os meus padrões. Optei por tomar anticoncepcio-
nal continuamente.

Por alguns meses, senti um imenso alívio físico, mas no fun-


do eu sabia estava tapando o Sol com a peneira e que mais cedo
ou mais tarde teria que tratar a raiz e não os sintomas da doença.

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Comecei a pesquisar as explicações possíveis da endometriose,
especialmente pelo ponto de vista psicossomático. Eu queria
entender o que aquela doença estava tentando dizer sobre mim
mesma, o que precisava ser curado em nível mais profundo.

Não foi muito difícil concluir que eu, assim como milhões
de Mulheres no mundo que sofrem com a endometriose, guar-
dava memórias de muita dor no útero e na região abdominal.
Esses registros não eram desta, mas de vidas passadas, não ape-
nas individuais, mas coletivas, sistêmicas: minhas, das minhas
antepassadas e de todas Mulheres que sofrerem abusos sexuais,
abortos, espancamentos e todo tipo de violência em seus ventres
ao longo dos séculos.

Esta confirmação se deu em uma sessão de constelação fami-


liar que não tinha sido marcada para tratar deste tema especifi-
camente, mas de um processo de concepção interrompida anos
antes. Em uma sessão de cura holística chamada apometria, a
terapeuta identificou a presença de uma criança no meu campo
de energia, a qual não tinha conseguido vir ao mundo através de
mim.

Ela me perguntou se eu havia tido algum aborto. Eu, com-


pletamente aturdida, respondi que não. Perguntei a ela se não
era uma questão de vidas passadas, e ela disse que não parecia
ser o caso e que seria bom que eu fizesse algum tipo de contato
com esta Alma, a fim de nos liberar deste laço e podermos seguir
nossos caminhos em liberdade.

Aquela informação foi muito impactante, a ponto de eu sair

37
do consultório da terapeuta totalmente zonza e errar o caminho
de volta para casa. Senti um misto de tristeza, culpa (claro) e de-
sorientação. Afinal, que idade teria esta criança? Seria menino
ou menina? Como seria nossa vida agora? Será mesmo que isto
aconteceu?

Sim, aconteceu. A mesma percepção foi confirmada por outra


terapeuta que trabalhava comigo na época (cheguei a ter cinco ao
mesmo tempo), que completou dizendo que, na verdade, não
chegou a ser um aborto, mas uma interrupção da concepção. Era
como se eu, inconscientemente, tivesse impedido a fecundação
do óvulo, por conta da insegurança que sentia. Não estava pronta
para a ser Mãe àquela altura dos meus 20 e poucos anos.

Decidi recorrer à constelação familiar, pois me pareceu en-


tão o recurso perfeito para a resolução desta questão que estava
me afetando e poderia influenciar negativamente a minha futura
Maternidade. Alguns dias antes da sessão, decidi meditar e con-
versar com aquela Alma que ainda estava ligada a mim, esperan-
do pela oportunidade de nascer.

Em casa, sentei-me, coloquei uma música tranquila e come-


cei a aquietar a minha mente, me concentrar no meu coração e
no Amor que havia entre nós. Em pouco tempo, senti a presença
de uma menina e comecei um diálogo telepático, dizendo que
eu sentia muito, que era grata por aquela experiência, pelos laços
que nos uniam, que a sua chegada não tinha sido possível, mas
que a Vida continuava e que devíamos seguir nossos caminhos
na eternidade. Que ela encontraria uma nova família, na qual

38
seria muito amada.

Foi um momento muito emocionante, inexplicável. Senti


uma imensa alegria e paz. Internamente, me parecia que estava
tudo resolvido. No entanto, a constelação familiar estava marca-
da e compareci na data combinada, uma sexta-feira, dia 30 de
outubro, véspera do dia das bruxas no Brasil.

O campo energético abriu-se facilmente. Duas moças haviam


sido escolhidas entre os voluntários para representarem a mim e
a criança não nascida. Importante dizer que neste tipo de terapia
as pessoas são escolhidas aleatoriamente pelo cliente que está
trazendo sua questão, sem que saibam do que se trata. Em geral,
elas não conhecem você ou a história que está sendo trabalhada
na sessão até que ela termine.

A moça que representava o bebê que não veio ao mundo foi


posicionada deitada ao lado da outra Mulher que representava
a mim, a Mãe, de pé. Sem que nenhuma palavra fosse dita por
mim ou pela terapeuta, elas se olharam profundamente e se co-
nectaram com um belo sorriso. A moça que estava deitada levan-
tou-se, pegou nas mãos da outra e disse mais ou menos assim:
“não quero ficar aqui, não estou morta. Vamos dançar um pouco?
Estou ouvindo uma canção de ninar muito bonita e tenho vonta-
de de dançar com você!”.

Elas começaram a girar de mãos dadas lindamente. De re-


pente, a moça que estava no papel do bebê disse para a outra:
“está vendo o Sol lá fora? É para lá que eu vou. Tchau!”. A tera-
peuta olhou para mim e disse: “Dani, a sessão acabou, já estava

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tudo resolvido”. Por alguns minutos, o ambiente ficou tomado
por uma intensa luz dourada e todos se sentiram bem.

No entanto, inesperadamente, quase todas as Mulheres da


sala, cerca de 20, começaram a dizer que estavam sentindo mui-
ta dor no ventre. Algumas chegavam a gemer e até cair no chão.
A consteladora olhou para mim e disse: “Dani, o campo se abriu
novamente para resolver outra questão. Vamos ver do que se tra-
ta?”. Eu concordei, claro.

Uma das Mulheres se levantou e começou a gritar: “estou pe-


gando fogo, me tirem daqui!”. Senti que ela estava me represen-
tando em alguma outra experiência. O trabalho estava reaberto,
dessa vez em outro tempo e espaço. Muito resumidamente, es-
távamos diante de uma questão Feminina sistêmica. Voltamos
à época da Inquisição Católica, quando eu e milhares de outras
Mulheres fomos queimadas vivas na fogueira.

Foi quase uma hora e meia de intenso trabalho de liberação


daquele campo denso, repleto de raiva, dor e sofrimento. Ao fi-
nal da constelação, houve uma grande celebração entre homens
e Mulheres, reconciliados e alinhados novamente com o fluxo do
Amor e da Vida. Para quem não conhece as constelações familia-
res e sistêmicas, recomendo que pesquisem, pois é uma técnica
muito eficaz e sanadora quando realizada por um profissional
qualificado.

Alguns dias depois daquela constelação, eu menstruei, pois


havia parado de tomar a pílula anticoncepcional continuamente
quando decidi curar a causa da minha endometriose. Para mi-

40
nha total surpresa, pela primeira vez, não senti cólica, não passei
mal, nem fiquei de cama ou precisei tomar a forte medicação
para dor que estava acostumada. Eu havia, enfim, curado as feri-
das emocionais do meu ventre – ou pelo menos boa parte delas
– naquela sessão terapêutica.

Como disse, houve uma época, a partir de 2012, em que con-


tei com a ajuda de diversos profissionais da área terapêutica con-
vencional e alternativa. Havia entendido que eu era o meu maior
investimento e que nada era mais importante que a minha rein-
tegração como Mulher, como Ser Humano. Estava decidida a pa-
rir a mim mesma, missão que foi revelada através do meu mapa
astrológico natal. Ser minha própria criação foi uma escolha de
Alma e decidi honrá-la com todo meu coração.

Durante três anos e meio, todas as semanas, lá estava eu no


consultório da minha querida psicóloga. Pensei em desistir vá-
rias vezes. Tinha dias que saía da sala arrasada e me perguntava
por que estava pagando por aquela verdadeira “tortura”. Mas no
fundo eu sabia que antes da melhora tem sempre uma aparente
piora, e que tudo valeria a pena. Para mim, não tinha mais volta,
o caminho agora era só de ida, como diz uma grande amiga do
plano espiritual: Vida é v-ida, ida, ida.

É incrível o quanto não estamos acostumados a reconhecer e


mexer em nossas feridas emocionais. Somos educados a escon-
dê-las, a anestesiá-las o mais rapidamente possível com remé-
dios e drogas de todos os tipos, inclusive com o consumo desen-
freado, o entretenimento e todo tipo de alienação, inclusive no

41
meio da pseudo espiritualidade “new age”.

Entretanto, citando Jung, “não nos tornamos iluminados ima-


ginando figuras de luz, mas criando consciência da nossa própria
escuridão”. A psicologia e a psicanálise foram grandes aliadas no
meu processo de autocura e expansão da minha percepção sobre
a realidade, desde a época da faculdade de Jornalismo, quando
tive contato pela primeira vez com este tipo de conhecimento.

No mais, além da própria constelação familiar já citada, me


beneficiei com incontáveis outros recursos, como a reprogra-
mação celular através da Ginástica da Nova Era, uma criação da
minha mestra e amiga Mell Sanchez, que me iniciou no Reiki,
meditação, ioga, terapia floral, homeopatia, fitoterapia, respira-
ção holotrópica, apometria, harmonização energética sonora e
com cristais, massagens, aromaterapia, radiestesia e radiônica,
ayahuasca e uma série de antigas e novas técnicas de cura.

Também me dediquei ao autoconhecimento através da as-


trologia, numerologia pitagórica, oráculos; de estudos e vivên-
cias em diversas linhas místicas e filosóficas, sem preconceitos,
mas sempre com muito critério. Tive a sorte, por assim dizer,
de desde criança ter contato com diferentes tipos de crenças e
interpretações sobre o mundo e os mistérios da Vida por conta
da minha bisavó, que tinha uma pequena, mas diversificada, bi-
blioteca sobre religiões e espiritualidade.

Nos últimos 20 anos, minha vida foi fortemente marcada


pela genuína tentativa de compreender, a partir de diferentes
pontos de vista, o real significado e propósito da minha natureza

42
e existência como Mulher e Ser Humano. Nesta jornada, encon-
trei muitos mestres e mestras, aos quais sou extremamente gra-
ta. Hoje, me sinto cada vez mais conectada com minha essência
e desenvolvo minhas potencialidades livre de dogmas religiosos
e espirituais.

Com o incentivo e ajuda da minha família de Alma, o que


antes era somente uma busca pessoal, em 2018 se tornou um ca-
minho de partilha quando decidi auxiliar outras pessoas em seus
próprios processos de autocura, em especial através do Reiki, da
Terapia das Flores, também criada por Mell Sanchez, e da escrita
mediúnica. Ainda com alguma resistência, tenho assumido pas-
so a passo minha intenção de realização nesta vida.

Em 2020, já casada com o homem que reconheci como meu


verdadeiro companheiro de Vida, senti que era hora de ser Mãe.
Me sentia preparada, se é que se pode dizer isso. Decidimos jun-
tos, em janeiro, que não mais evitaríamos a concepção. Fizemos
em seguida uma consulta com uma terapeuta ayurvédica espe-
cializada em saúde Feminina em Portugal, país para onde nos
mudamos em setembro de 2019. A intenção era saber como nos
preparar da melhor maneira possível para ter um bebê do ponto
de vista físico e espiritual.

Confesso que estava à espera de precisar fazer algum tipo de


tratamento para fertilidade devido à minha idade (37). Esta é ou-
tra crença que nós, Mulheres, precisamos abolir. Obviamente,
existe um limite etário para a concepção, mas a medicina mo-
derna nos fez acreditar que qualquer Mulher que passe dos 35

43
anos está correndo sérios riscos, ou de não conseguir conceber
ou de ter grandes problemas na gestação. Subjugar a Mulher a
esta condição de incapacidade prematura só faz crescer o mer-
cado multimilionário de congelamento de óvulos e reprodução
artificial.

Aliás, é revoltante e triste perceber como a Mulher vem sen-


do sistematicamente desempoderada pela medicina convencio-
nal, a ponto de acreditar que não sabe ou não pode parir fora
do ambiente e dos preceitos hospitalares, criados e defendidos,
em especial, por homens que, obviamente, não têm a mínima
ideia do que seja dar à Luz. No Brasil, quase 60% dos partos são
cesarianas e grande parte é feita de forma eletiva, sem fatores de
risco que justifiquem a cirurgia, e antes da Mulher entrar em tra-
balho de parto. Em algumas cidades, este índice passa dos 90%.

Felizmente, a conscientização dos efeitos nefastos desta prá-


tica médica vem aumentando, amparada por movimentos que
defendem o direito e o apoio necessário ao parto natural e do-
miciliar. As Mulheres estão começando a perceber que têm sido
vítimas de todo tipo de violência obstétrica há décadas, sob pre-
texto do progresso e das benesses das novas tecnologias.

Quanto a mim e a minha decisão de me tornar Mãe, os meses


se passaram sem que, de fato, tentássemos ter um filho. Apenas
deixamos acontecer naturalmente, sem nenhuma pressão. Foi
então que, em 29 de maio de 2020, após mais de uma semana de
atraso do ciclo menstrual, fiz o teste de farmácia que confirmou
a nossa gravidez.

44
Nos abraçamos longamente e choramos juntos pela bênção
de sermos pais. Eu dancei, pulei, fiz festa com as nossas gatas.
Não via a hora de contar para a nossa família, que eu sabia que
ficaria feliz pela chegada do nosso bebê. Aquele foi, sem dúvida,
o momento mais feliz da minha vida até aqui.

Percebi que uns dias antes me sentia estranhamente forte,


mais do que o de costume. Estava começando a desenvolver um
novo trabalho com um grupo de Mulheres e me vi tendo ideias
e posturas de defesa do Feminino como nunca. Meu marido,
que é muito sensível, disse que estava vendo uma luz dourada ao
meu redor uns dias antes de fazermos o teste. Talvez ele tenha
visto o que chamam de estado de Graça.

Logo marcamos uma nova consulta com a nossa terapeuta


ayurvédica para saber como seria a nova dieta alimentar e bus-
car orientações para que nós tivéssemos uma boa gestação. Ini-
ciamos o curso online “Pais Conscientes”, da Dr. Eleanor Luzes,
médica brasileira criadora da Ciência do Início da Vida, para en-
tender melhor as primeiras semanas da gravidez.

Começamos também a imaginar as mudanças que teríamos


que promover ao longo dos meses para que quando o bebê che-
gasse tivéssemos a infraestrutura necessária. Enfim, tudo o que
pais de primeira viagem costumam fazer. Aos poucos, fomos li-
gando para os nossos familiares no Brasil para contar a novida-
de. A cada contato, muita emoção, felicidade e votos de boa sorte
na nossa nova jornada.

Eu me sentia maior. Estava radiante, literalmente cheia de

45
Vida. Mesmo que àquela altura o bebê tivesse, no máximo, o ta-
manho de uma semente de laranja, o Amor que sentia por aquele
Ser já era imenso. Eu já era Mãe e me sentia muito grata por isso.

Durante uma meditação, meu marido teve uma visão. Eram


duas crianças, um casalzinho que estava diante de um grande
portão. Ele as chamava para que elas passassem para o outro
lado. A menina aceitava o convite, mas o menino estava reticen-
te. Meu marido pegou-o então no colo, deu a mão para a menina
e os três passaram pelo portão. A experiência dele só reforçou
a sensação da terapeuta ayurvédica: eu esperava gêmeos. Para
mim, fez muito sentido e eu me senti ainda mais feliz.

Aquela semana passou voando em meio a tantas emoções. Na


sexta-feira, no final do dia, justamente após terminar a consulta
com a nossa terapeuta em Portugal, aconteceu algo inesperado:
um pequeno sangramento. Tirei uma foto do pedaço do papel
higiênico e mandei para ela, dizendo que estava preocupada. Ela
disse que poderia ser um sangramento normal, que ocorre algu-
mas vezes quando o embrião está se alojando no colo do útero,
e orientou que eu ficasse calma, procurasse repousar e a manti-
vesse informada.

Por mais que eu tentasse ficar tranquila, sentia que algo erra-
do estava acontecendo. O sangramento era muito parecido com
o comecinho de uma menstruação, como uma borra de café, e
havia um pequeno coágulo. No sábado, enviei uma mensagem
para minha terapeuta espiritual, mestra de Reiki e amiga no Bra-
sil.

46
Pedi que ela tentasse acessar o meu campo de energia para
saber o que estava acontecendo, pois àquela altura minhas emo-
ções já estavam extremamente confusas. Ela logo me respondeu,
dizendo para eu me acalmar, que estava tudo bem. Até me con-
tou que sua irmã menstruou durante os primeiros meses da gra-
videz, exemplo também mencionado pela terapeuta ayurvédica,
cuja mãe também teve uma espécie de menstruação regular du-
rante quase toda gestação.

No entanto, de uma maneira incontrolável, percebi o medo


aumentando gradativamente. Em poucas horas, o quadro de an-
siedade evoluiu. No domingo, a menstruação desceu. Ali eu senti
que o que estava acontecendo não era “normal”. Eu estava em
repouso quase absoluto e meu marido estava cuidando de mim,
tentando manter o clima de tranquilidade. Não comentamos o
que estava acontecendo com ninguém da família até aquele mo-
mento, não queríamos aumentar a tensão e a expectativa.

Passei o domingo deitada, em silêncio, tentando entender o


que se passava. Por mais que eu tentasse meditar e entrar em
contato com os bebês, não conseguia. Meu estado emocional não
permitia. Foi quando enviei outra mensagem para minha tera-
peuta no Brasil. Na segunda-feira, ela respondeu ao meu marido,
dizendo que já não conseguia sentir a presença das crianças e
que meu campo de energia estava extremamente denso.

Com muita delicadeza, meu marido repassou a mensagem


para mim. Naquele momento, um buraco se abriu sob meus pés
e eu cai na sua escuridão. Veio o choro compulsivo que tirava o

47
meu fôlego. Eu estava em estado de choque, em posição fetal
sobre a cama. Foram algumas horas neste estado de profundo
sofrimento.

Meu corpo todo doía. O ar faltava. Nada parecia real. Quando


conseguia pensar em alguma coisa, vinham as inevitáveis per-
guntas: por que isso está acontecendo? O que eu fiz de errado? O
que eu fiz para merecer isso? Tanta gente que não quer ter filhos
e nada acontece, por que comigo que quero tanto? Eu senti uma
dor dilacerante, mortal. Um mistura de medo, culpa, vergonha,
raiva, frustração, revolta, desamparo, rejeição, abandono, impo-
tência e vazio.

Eu só pensava em morte, perda, falta, fim. Tudo ao mesmo


tempo e numa intensidade absurda. Eu só queria fugir, desapa-
recer, deixar de existir. Para piorar a situação, tive uma crise de
síndrome do intestino irritável, causando grande dor física na
região retal. O medo que senti era tão intenso que meu corpo
adoeceu imediatamente junto com minha Alma.

Passadas algumas horas, em algum momento, eu percebi que


aquilo tudo o que sentia era grande demais para ser só meu. Uma
voz interna me dizia que, na verdade, a ferida aberta era minha,
de toda a minha linhagem, de todas as Mulheres que um dia cho-
raram a perda de suas crias. O campo de dor estava aberto, assim
como a possibilidade de cura.

Na terça-feira, acordamos cedo e fomos à maternidade de


Coimbra. Precisávamos ter certeza do que estava acontecendo
para saber se alguma providência médica precisava ser tomada.

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Ao chegar no hospital, me deparei com uma situação inusitada.
Fui atendida por uma senhora extremamente indelicada logo na
recepção.

Mesmo vendo meu estado emocional nitidamente abalado,


tratou-me com muita frieza, que só foi parcialmente quebrada
quando caí no choro ao dizer que estava sentindo muita dor e
que, provavelmente, tinha sofrido um aborto. Triste perceber
como uma Mulher, trabalhando em uma maternidade, pode agir
desta maneira com outra Mulher. Um sinal claro da nossa desco-
nexão interna e da falta de empatia e preparo para lidar com este
tipo de situação no meio hospitalar.

Por fim, ao entrar na ala de atendimento, fui recepcionada


por um médico muito simpático, um senhor na faixa dos 70
anos, que conversou tranquilamente comigo e pediu que eu me
trocasse para que ele pudesse me examinar. Ele percebeu mi-
nha tristeza, a gravidade da situação, pelo menos para mim, e fez
com que eu me sentisse acolhida. O resultado do exame de urina
feito na hora deu positivo, mas foi inconclusivo, já que a segunda
faixa do cartão de teste estava muito clara.

O médico já sabia que o nível de HCG estava caindo por conta


da interrupção da gestação, mas mesmo assim pediu uma coleta
de sangue para ter certeza. Pelo ultrassom, ele concluiu que não
havia vestígios de gravidez ectópica, em que o embrião se forma
fora do útero, o que era um bom sinal, e que poderia ser que o
bebê ainda estivesse lá, escondidinho, e não fosse possível vê-lo
com aquele tipo de ultrassom pelo seu minúsculo tamanho.

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O ginecologista pediu para que eu voltasse em 15 dias para
novo exame. Até lá, poderíamos ter certeza do que tinha acon-
tecido. Saí da sala ainda muito triste, mas com um fio de espe-
rança, ao qual eu me agarrei nos dias seguintes, talvez até pela
crença de que uma Mãe de verdade nunca desiste dos seus filhos.
Continuei a dieta especial, o repouso, a autoaplicação de Reiki, as
orações e mantras, agora já mais calma e sem a dor física causada
pela síndrome do intestino irritável que agravava todo o quadro.

Já fazia alguns dias que não falávamos com nossa família, mas
a esta altura já não era possível esconder a situação. Para mim, a
princípio foi difícil conversar sobre o assunto, pois estava muito
sensível e navegando na incerteza absoluta. No fundo, me sentia
um pouco envergonhada. Algo me dizia que eu não tinha sido
capaz, que havia fracassado na missão de ser Mãe.

Este “algo” nada mais era do que crenças e memórias ain-


da muito vivas daquele tempo em que a função primordial de
uma Mulher na sociedade patriarcal era procriar, caso contrário
ela seria motivo de vergonha e punição. Como já mencionei, até
hoje, em algumas culturas e meios religiosos ultraconservado-
res, ainda é assim. A Culpa: a amarga e eterna companheira que
tanto castiga as Mulheres ao longo dos tempos.

Depois de algum tempo me permitindo estar em contato


com toda aquela sombra e dor, o que exigiu uma boa dose de
coragem, a chave começou a virar e abrir a porta de um novo
entendimento sobre todo aquele processo iniciático, que marca
qualquer tipo de Maternidade, inclusive esta, em que o bebê não

50
nasce para este mundo material. Com a ajuda de uma grande
amiga do plano espiritual, com a qual conversei no dia seguinte
à consulta médica, comecei a ampliar o ângulo de visão sobre o
que estava se passando, começando pela pergunta: o que é, de
fato, ser Mãe?

Em meio a tantas memórias, crenças e conceitos equivocados


sobre Maternidade, muitas vezes perdemos a noção de que uma
Mulher que se dispõe a ser Mãe é, na verdade, um portal físico e
espiritual que permite a entrada de outro Ser Humano na Terra.
Aliás, o único possível. Nenhuma Alma encarna sem ser gerada
no útero materno.

Nos esquecemos que o bebê que está sendo gestado é uma


Alma – talvez tão ou mais antiga que a nossa – que está voltando
a este mundo através de nós, mas que não é nossa, não nos per-
tence. Um filho é, antes de tudo, um fruto da Vida em Si, que se
manifesta através de nós. Não é uma propriedade privada, um
projeto pessoal, tampouco um prêmio ou troféu a ser exibido,
mas uma responsabilidade e uma experiência que nos inclui,
mas não nos encerra, tampouco termina em nós.

Esta Alma que está se preparando, no ventre materno, para


viver neste mundo tem sua própria história, trajetória e livre-
-arbítrio. Ela é capaz de selecionar seus pais de acordo com suas
necessidades de aprendizado e realização, escolha que é parte
de um acordo espiritual entre todos os envolvidos, do qual rara-
mente lembramos, ou sequer temos conhecimento de sua exis-
tência. Este foi o ponto inicial de processo interno que começou

51
a acontecer depois que as emoções finalmente se acalmaram no
passar daqueles 15 dias e que se concluiu depois da segunda ida
ao médico.

Finalmente, chegou o dia de ter a confirmação do que ha-


via acontecido. Desta vez, cheguei ao hospital tranquila, ainda
esperançosa, já que a presença dos bebês ainda era muito forte
para mim àquela altura, em especial a do menino. Depois enten-
di que, de fato, a ligação energética se desfaz aos poucos, depois
do desligamento físico, podendo levar dias, meses ou até mesmo
anos, dependendo do nível de consciência e atuação dos pais.

O médico me examinou, viu o resultado do teste de sangue


e concluiu que eu havia tido o que eles chamam de um abor-
tamento espontâneo precoce, um microaborto ou, ainda, uma
gravidez bioquímica. A boa notícia era que meu sistema repro-
dutor estava totalmente saudável. Eu já havia expelido todo o
resíduo uterino e poderia continuar a vida normalmente. “Logo
a senhora estará de volta, Dona Daniela. Até breve!”, disse o sim-
pático ginecologista.

Saí da maternidade e encontrei meu marido à porta, já que


ele não pôde entrar por conta das medidas de segurança da pan-
demia do Covid-19. Nos abraçamos sentidamente, mas aliviados
por termos certeza do que tinha acontecido. Foram poucos mi-
nutos de expressão de uma tristeza final, que logo deu lugar à paz
em nossos corações.

De volta para casa, aos poucos, foi se abrindo um espaço novo


dentro de mim, no qual um fenômeno difícil de explicar come-

52
çou a ocorrer. Era como se minha mente e meu coração come-
çassem um diálogo do qual eu me tornei a única testemunha.

A parte mental, impregnada de conteúdo antigo e continua-


mente replicado, como um disco arranhado, ainda falava de per-
da, falta, morte e fim, o que, obviamente, me fazia voltar a sofrer.
Já o outro lado, leve e amorosamente, respondia: “veja bem, e se
mudarmos o ponto de vista? E se enxergarmos somente a Vida?
A Vida que se manifestou e seguiu seu curso, independentemen-
te do que se esperava?”.

Aquela voz tranquila foi crescendo no meu interior e meu


corpo foi respondendo com uma sensação de alívio e serenida-
de. A mente, impotente, se calou; e o coração, sem esforço, con-
tinuou a mostrar uma verdade que me libertaria do drama de
uma vez por todas.

O que ele me lembrou é que, diferentemente do que estamos


condicionados a pensar por conta da nossa falta de compreensão
de quem realmente somos, não houve nenhum abortamento,
porque a Vida não pode ser cancelada, interrompida. Ela é um
fluxo contínuo, em permanente transformação.

Eu não falhei. Eu não perdi o bebê, nada nos foi negado ou


tirado. Apenas ganhei a oportunidade de ser Mãe, um portal sa-
grado através do qual o Amor se manifestou da maneira e por
quanto tempo foi necessário e perfeito para a realização das Al-
mas dos bebês, da minha própria, do meu marido e de toda a
nossa família.

Estes Seres, que chamamos de bebês, não nasceram de mim

53
e tampouco morreram. São filhos da Criação, Deus Mãe e Pai, e
continuarão sua jornada evolutiva na eternidade, vivendo as ex-
periências que precisarem, de acordo com seu livre arbítrio. Ao
contrário do que normalmente achamos, nós demos à Luz, sim,
não a corpos físicos, mas a uma nova versão, mais atualizada e
íntegra, de nós mesmos: Mãe, Pai e Filhos.

Olhar desta nova maneira para o que aconteceu mudou tudo


dentro de mim. Em vez da tristeza e do desapontamento que ini-
cialmente me tomaram, comecei a sentir gratidão e alegria pela
oportunidade que tive e por quem me tornei. O luto deu lugar à
celebração. A Vida venceu, como sempre.

É dito que a Maternidade é um processo iniciático profundo


e que os filhos são os maiores mestres dos pais. Para mim, é a
mais pura realidade. Hoje entendo que a morte que eu senti não
foi a dos bebês, mas de uma parte minha, nossa, de todas as Mu-
lheres, que precisava de uma profunda transformação.

Diferente do que normalmente se considera, eu me sinto


Mãe dos meus filhos, mesmo que meu colo esteja vazio neste
momento. Aliás, creio que este seja o tal do Amor incondicional
que as Mães conhecem tão bem. Uma Mãe consciente ama seus
filhos sem impor qualquer tipo condição, inclusive o seu nasci-
mento para este mundo ou a sua permanência.

Uma Mãe não “luta pelo seu filho até o fim”, esta é mais uma
crença baseada na lógica de posse e guerra da sociedade patriar-
cal. Uma Mãe ama seu filho para sempre e aceita o destino esco-
lhido por este Ser que carrega um pouco da sua própria essência

54
divina.

Fiz questão de compartilhar nossa experiência publicamente,


pois o que vivemos está na esfera do sagrado, não do secreto. O
fiz primeiramente nos meus perfis nas redes sociais e me surpre-
endi com a repercussão da minha publicação. Recebi dezenas de
mensagens de Mulheres de todos os lugares dizendo que através
do meu relato conseguiram mudar de ponto de vista e curar as
feridas do abortamento espontâneo.

Uma delas disse que se sentiu culpada durante anos e que


agora havia se perdoado e estava liberta da dor. Foi muito emo-
cionante para mim e, tudo isso, me incentivou a escrever este
livro, quase em um golpe só. Percebi o quanto é importante falar
deste assunto, que é um verdadeiro tabu, em pleno ano de 2020.

No meu entendimento, é de grande importância que todo


casal que passe por esta situação possa falar dela sem medo e en-
contrar acolhimento. Como sociedade, precisamos ainda apren-
der a lidar amorosamente com este tipo de ocorrência, sem me-
nosprezá-la com frases do tipo: “ainda bem que foi no começo”,
ou “ah, logo você engravida de novo”. Não é por que não existiu
um corpo a ser enterrado, como no meu caso, que não haja luto.

Como coloco no começo deste livro, o abortamento espontâ-


neo é um fenômeno extremamente comum e acontece com mi-
lhares de Mulheres todos os dias, as quais não têm sua dor dig-
nificada nem mesmo no sistema de saúde convencional, onde
são tratadas com extrema frieza, na maior parte das vezes, pelos
próprios médicos e enfermeiros.

55
Para se ter uma ideia, em casos em que a perda se dá em uma
fase mais avançada da gestação, a Mãe não tem direito sequer
de enterrar o seu bebê, já que o feto de até 22 semanas ou 500
gramas não é considerado um corpo e é descartado como lixo
hospitalar. Esta criança também não tem direito a registro civil, e
sua Mãe a qualquer tipo de licença médica, salvo raras exceções,
pois sua Maternidade não é legalmente reconhecida.

Sinto que essas são questões que devem ser urgentemente re-
pensadas pela nossa sociedade, pois os danos causados pela falta
de consciência sobre a manifestação da Vida em suas diferentes
formas afeta a todos nós.

No que diz respeito aos pais, do ponto de vista psicológico,


espiritual e sistêmico, é fundamental que eles deem um lugar
em seus corações e na família para o filho que não nasceu, pois
ele existiu, ou melhor, ele existe, mesmo que a sociedade não o
reconheça. Esta criança pode ter um nome e algum tipo de ritual
ou cerimônia simbólica pode ser feita para que esta integração
ocorra interna e externamente com mais facilidade (veja suges-
tão ao final do livro).

Caso este filho não seja incluído na família e seu direito de


pertencer a ela seja negado, de acordo com o que é explicado
pela teoria que embasa as constelações familiares, todo o sistema
sofrerá más consequências, geração após geração, até que haja
correção do fluxo do Amor, que é interrompido quando alguém
tem seu lugar de direito negado.

Para que a Vida possa fluir perfeitamente na família e seus

56
membros possam prosperar nos mais amplos sentidos, todos
precisam ter um lugar de honra, incluindo aqueles que não che-
garam a nascer, os que morreram precocemente, os que não pu-
derem conviver, os não oficialmente reconhecidos, os que tive-
ram destinos considerados trágicos ou, até mesmo, vergonhosos.

Como afirmei anteriormente, minha intenção com o meu re-


lato é encorajar outras Mulheres que tiveram um aborto espon-
tâneo a ampliar seu ângulo de visão, revisar suas próprias cren-
ças e ressignificar a Maternidade vivida desta forma particular e
que, em geral, não é legitimada.

Cada processo é único e não pretendo aqui minimizar a dor


de nenhuma Mulher, tampouco julgar a forma como cada uma
escolhe viver sua dor. Obviamente, um aborto espontâneo ocor-
rido na quinta e outro acontecido na vigésima semana de ges-
tação são processos completamente diferentes, com impactos
físicos, psicológicos e energéticos absolutamente distintos.

Da mesma forma, há casos em que após este incidente a Mu-


lher fica impossibilitada de engravidar novamente, o que é ainda
mais devastador. Desta experiência, eu não posso falar, mas sinto
que o caminho é sempre o da aceitação e do alargamento do
olhar e do sentir. Afinal, ser Mãe não se resume a gerar e parir
um filho.

Cada Mulher terá o seu tempo de luto, que é muito impor-


tante de ser vivido, e a sua maneira de elaborar o que aconteceu.
O mais importante é que se viva todo o processo com muita in-
teireza, dando espaço e acolhendo todas as emoções e sentimen-

57
tos que emergirem, sem julgamento moral. Sim, há sempre uma
grande dose dor em um abortamento espontâneo. Mas o Amor
que existe em todas as coisas é maior e pode ser reconhecido até
mesmo nas experiências mais trágicas da Vida.

Falo isso com muita convicção, pois aprendi a lidar com a


morte muito jovem. O que chamamos de fim da Vida nada mais
é do que uma passagem para um outro estado de consciência,
uma profunda transformação que faz parte da eterna jornada
evolutiva. Somos seres infinitos vivendo uma experiência finita
neste plano, e toda ideia de separação é uma ilusão. Tudo coexis-
te em dimensões diferentes e nós podemos acessá-las de muitas
maneiras.

Encorajo ainda que todas as Mulheres que tenham tido um


abortamento natural procurem o auxílio que lhes parecer mais
adequado, seja no âmbito médico, terapêutico ou espiritual. É
importante entender que, na maioria das vezes, é muito difícil
elaborar tudo sozinha e que não devemos parecer fortes quando
estamos em pedaços por dentro.

Há diversos recursos que podem facilitar o processo de inte-


gração da experiência do aborto espontâneo como, por exemplo,
escrever uma carta para este filho que não nasceu (veja exemplo
no final do livro). Você pode ainda usar algum recurso artístico,
como desenho ou pintura, para expressar seus sentimentos por
quanto tempo isso for necessário.

E o mais importante: acredite, Mãe, você pode conversar


com seu Filho Anjo a qualquer momento através do seu coração,

58
o centro de Amor que os une. Silencie, faça uma prece, peça aju-
da aos Seres de Luz que lhe acompanham e comece a falar com
esta Alma que você chamou de bebê. Sinta sua presença, ela é
real. Ouça o que ela tem a dizer.

O véu que nos separa do Todo pode ser dissolvido. Se não


conseguir da primeira vez, persista. Você conseguirá. É impor-
tante que você agradeça, liberte e abençoe esta Alma para seguir
sua própria jornada. Isto é amar incondicionalmente, sem ne-
nhum tipo de apego. No mais, a Grande Mãe lhe espera em seus
braços de Amor.

Dance sua dor descalça na terra até que ela volte a você trans-
formada em força para seguir em frente.

Abrace uma Senhora Árvore, sinta o vazio entre seus braços


se transformar em abundância para compartilhar.

Deixe suas lágrimas caírem nas margens de um Rio apren-


dendo com elas a aceitar o fluxo da Vida e se renovar a cada ins-
tante.

Permita que seu corpo flutue sobre as ondas do Mar, relaxe e


tome de volta o equilíbrio que existe na entrega.

Sente-se em frente ao Fogo e deixe que ele lhe devolva a pai-


xão pela Vida.

Deixe que o Vento acaricie seu rosto e lhe traga o doce per-
fume das flores do campo, lembrando-a de enxergar a beleza da
sua jornada única.

A Vida é um grande Mistério e a gestação é a maior expressão

59
dessa Verdade.

Abandone o drama, se desapaixone da sua sor, se desapegue


de todas as suas expectativas e se permita ser feliz novamente.
Liberte você e todos os envolvidos nesta situação, para que es-
crevam um novo capítulo de suas histórias. Imagine seu Filho
Anjo voando livremente para uma nova aventura.

Todo o meu relato está direcionado para Mulheres, mas é


claro que os pais também sofrem neste tipo de situação, muitas
vezes por não saberem como ajudar, inclusive. Se sentem impo-
tentes e desorientados. Eles também podem precisar de ajuda e
devem procurá-la.

Acredito ser muito importante que entendamos o máximo


possível o que está por trás das nossas experiências de Vida, em
especial as mais desafiantes, e o que elas têm para nos revelar e
ensinar sobre nós mesmos. Tudo é aprendizado. Do ponto de
vista da Criação, só existe a experiência, perfeita como pôde ser.
O único juízo final que existe é aquele criado pela mente huma-
na.

Se você, Mulher, teve um abortamento natural, aproveite a


oportunidade para se questionar a respeito da Maternidade. Será
que ser Mãe é mesmo um anseio da sua Alma ou você está apenas
cedendo ao seu ego, às demandas sociais ou até mesmo a uma
programação biológica para perpetuação da espécie? Você quer
Ser Mãe ou apenas ter um filho, como mais um projeto, uma
conquista pessoal? Seja absolutamente sincera consigo mesma.

O aborto espontâneo pode ter uma série de explicações, tan-

60
tas quantas se pode imaginar, não existe uma regra. O que é ób-
vio para mim é que não se trata de uma obra do acaso, jamais.
Pode ser, por exemplo, que a Alma que está ligada àquele bebê
só tenha precisado de algumas semanas no ventre materno para
completar sua experiência naquele estágio de evolução. Para ela,
só faltava ser desejada e ter sua existência genuinamente celebra-
da pelos pais.

É possível que esta Alma, exercendo seu livre arbítrio, tenha


desistido de encarnar, ainda durante a gestação, por acreditar
que não está pronta para viver neste mundo. Outra hipótese é
que ela tenha se colocado neste lugar apenas para que seus pais
aprendam algo durante aquele curto período de tempo gestacio-
nal. Seja lá como for, tudo é por Amor, em nenhum caso se trata
de prova ou punição divina.

Este entendimento mais amplo pode vir de muitas manei-


ras, desde um sonho, como foi o meu caso, uma meditação ou
algum tipo de terapia assistida. O importante é desejar ter esta
revelação para sua própria cura e evolução. Assim, é possível se-
guir adiante, com a confiança de que o melhor se manifestará
no tempo certo. Por mais difícil que possa ser em muitos mo-
mentos, acredito que tudo está sempre dentro da mais perfeita
Ordem Divina. Tudo é perfeito como é.

Outro ponto que sinto ser de grande valia compartilhar é a


importância de se preparar conscientemente para o processo de
concepção, principalmente depois de um aborto espontâneo. Já
é mais que comprovado que a maneira com que somos conce-

61
bidos, como a relação sexual acontece e o estado emocional dos
pais naquele momento influenciam toda a nossa vida. Da mesma
forma, não só a primeira infância, mas todo o período de gra-
videz também molda o futuro da criança que escolhe vir a este
planeta.

Fica a minha mais viva indicação para que os futuros pais


pesquisem sobre o assunto que, infelizmente, é muito pouco di-
vulgado em todo o mundo. No Brasil, recomendo que procurem
pela Ciência do Início da Vida, anteriormente citada, um projeto
pioneiro liderado por uma Mulher fantástica, que entende que
mudar a forma que o Ser Humano vem ao mundo é a melhor
maneira de transformá-lo.

Sim, o que mais precisamos neste momento é de concepções


conscientes, de crianças geradas e criadas com Amor, de Novos
Filhos da Terra libertos da programação mental limitante que
nos aprisionou até aqui. A nós, Mulheres, cabe dissolver o pa-
triarcado primeiramente dentro de nós, para que aqueles que
vierem depois possam construir um Novo Mundo, com os Prin-
cípios Feminino e Masculino em perfeita harmonia.

Creio que ser Mãe é algo natural para aquelas que sentirem
este chamado da Alma e não deve ser transformado em um
peso, de nenhum modo. Após um aborto espontâneo, é muito
comum que as Mulheres que ainda desejam engravidar fiquem
com medo que a experiência se repita.

Outra situação frequente é a grande ansiedade para engra-


vidar de novo. Ao meu ver, tudo isso deve ser tratado, de prefe-

62
rência com ajuda profissional, já que este sentimento pode difi-
cultar, inclusive, uma próxima concepção. Meu conselho é que
relaxem e confiem em sua própria Alma, pois como disse Gui-
marães Rosa, “o que tem de ser tem muita força, tem uma força
enorme”.

Se por ventura você, Mulher, não puder engravidar nova-


mente e tem este desejo, meu convite é para que amplie seu
olhar sobre o que significa ser Mãe, que é diferente de ter filhos.
O que sua Alma tem a lhe dizer sobre isso? Que outras possibili-
dades você enxerga para a sua própria forma de maternar?

Por fim, desejo que todas as Mulheres possam, sem exceção,


se pacificar consigo mesmas e com a Vida, do jeito que ela pôde
ser. Que se libertem de todo tipo de culpa causada por qualquer
experiência, pois a verdadeira redenção e realização só vem pelo
Amor. Que todo e qualquer fardo seja transformado em pura
Luz para o Universo.

Mais uma vez, aos meus filhos, Maria Clara e João Augusto,
dedico este livro. Agradeço pela oportunidade que nos demos de
viver esta aventura. Cumprimos nossos acordos honrosamente,
da maneira que nos coube, e agora estamos livres e abençoados
para seguirmos em nossos próprios caminhos, até que nova-
mente se cruzem.

63
Voem livres, meus Anjos. A Vida é imensa e o Amor é tudo o
que existe!

Ao meu marido e companheiro de jornada, Taivan, expresso


mais uma vez a minha gratidão por ser quem é e por ter lançado
sua semente para a criação desta experiência, por tê-la vivido
com tamanha integridade e nobreza.

Que todos os Seres possam ser livres e felizes.

Assim é.

E assim eu falei,
com todo meu coração
e Amor por todas as Mães.

64
Abençoado seja meu útero
Cálice da Vida Sagrada

Abençoado seja seu fruto


E toda Vida manifestada

Abençoada seja eu
E todas as Mulheres do mundo

Abençoados sejam os Filhos da Terra


Seu Amor mais profundo

65
UM ÚLTIMO LEMBRETE PARA
VOCÊ, MÃE DE ANJO

Amada Mãe,
Nunca mais diga:

“Eu perdi meu bebê”, pois nenhum filho da Criação é perdido.

“Eu abortei ou eu sofri um aborto”, pois a Vida não pode ser


cancelada, interrompida. A Vida segue em diferentes dimensões.

“O bebê não vingou”, pois a Alma que esteve ligada a uma se-
mente fecundada e que não chegou a ser parida na matéria é
eterna e continua viva.

“Eu falhei, não fui capaz”, pois você foi o portal ideal pelo o qual
a Vida se manifestou da maneira e pelo tempo perfeito para a re-
alização de todas as Almas envolvidas na experiência da gestação.

“Não deu certo, a culpa é minha”, pois tudo está sob o comando
da Criação, dentro da mais perfeita Ordem Divina e do Amor.

66
A Maternidade tem muitas faces. E você, mesmo que não te-
nha levado seu bebê para casa, pode dar a ele um lugar especial
dentro do seu coração.

Sinta que, mesmo com o colo vazio, a Alma está repleta de


Amor, feliz por ter cumprido a nobre missão de ter dado passa-
gem à Vida.

Os laços de Amor são eternos, assim como nós. Um dia, todos


os que se amam voltam a se encontrar no mesmo plano e cele-
bram este momento com imensa gratidão.

No seu tempo, exercite a mudança do seu olhar sobre a ex-


periência e, assim, o seu sentimento mudará também e estará de
acordo com a Verdade.

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RECOMENDAÇÕES DE ALGUNS CONTEÚDOS
E TRABALHOS RELACIONADOS AOS TEMAS
ABORDADOS NESTE LIVRO

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Documentário O Renascimento do Parto;

Ensaio “Por que é que as mulheres precisam da Deusa”,


de Carol P. Christ, traduzido para o português por Luiza Frazão:
http://mulheresprecisamdadeusa.blogspot.com

Filme Alexandria;

Filme As Brumas de Avalon;

Filme As Sufragistas;

Filme/série A Tenda Vermelha;

Livro A Deusa no Jardim das Hespérides: desvelando a dimensão


oculta do Sagrado Feminino em Portugal, de Luiza Frazão;

Livro Círculos Sagrados para Mulheres Contemporâneas,


de Mirella Faur;

Livro Lilith: a mulher primordial, de Rosa Leonor Pedro;

Livro Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias


do arquétipo da mulher selvagem, de Clarissa Pinkola Estés;

Livro O Cálice e a Espada, de Riane Eisler;

Mini documentário O Resgate do Feminino Sagrado:


https://www.youtube.com/watch?v=XdEK0co_Gaw

Projeto Ciência do Início da Vida, criado por Eleanor Luzes.


Site: http://www.cienciadoiniciodavida.org.

Projeto MãeMundo, concebido por Kathy Jones:


https://goddesstemple.co.uk/a-visao-maemundo.

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PROCESSOS DE AUTOCURA

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Ritual de Bênção e Liberação com Rosas Brancas

Este ritual simples pode ser realizado pela Mãe, pelo Pai ou
por ambos para abençoar e liberar seu Bebê Anjo, fazendo com
que todos possam seguir sua jornada evolutiva com gratidão e paz.

Você vai precisar de 06 rosas brancas e uma vela branca de


qualquer tamanho ou formato.

Flores para agradecer e luz para iluminar todos os caminhos.

Escolha um local bem bonito na Natureza para realizar o seu


ritual, de preferência num belo dia de Sol.

A sugestão é que você faça uma meditação para entrar em


contato com seu Bebê Anjo.

Você pode se sentar confortavelmente neste local tranquilo,


onde não seja incomodada, por quanto tempo sentir que é ne-
cessário.

Feche seus olhos e acalme sua mente, colocando sua atenção


na respiração e as mãos sobre o coração.

Inspire e expire profunda e lentamente por alguns minutos.

Aos poucos, sinta a presença do seu Bebê Anjo e todo o Amor


que os une.

Com suas próprias palavras, mentalmente diga o quanto ele

71
é amado e que jamais será esquecido.

Fale da sua gratidão por ser sua Mãe.

Use sua imaginação para abraçá-lo, beijá-lo e, finalmente,


deixá-lo seguir em frente, voando graciosamente.

Dê a sua bênção para que ele siga sua jornada evolutiva em paz.

Sinta profundamente esta liberação, fruto do amor incondi-


cional que existe entre vocês.

Permaneça em silêncio.

Quando sentir que é o momento, abra seus olhos, mova-se


sem pressa.

No lugar que escolher, acenda a vela de maneira segura e a


ofereça juntamente com as rosas brancas para o seu Bebê Anjo.

Sinta a beleza deste momento especial e a certeza de que


aqueles que se amam permanecem sempre juntos em espírito.

Uma carta para o meu Bebê Anjo

Escrever é um dos recursos mais valiosos no processo de ela-


boração e liberação emocional.

Sugiro que você tente escrever uma carta para o seu Bebê
Anjo, tentando expressar seus sentimentos.

Caso você tenha muita dificuldade, coloco abaixo uma suges-


tão de texto que você pode simplesmente copiar em uma folha
de papel.

72
Depois, com a intenção de transmutar toda a energia contida
na carta em pura Luz para o Universo, você pode queimá-la de
forma segura. Se desejar, pode ainda acender uma vela e ofere-
cer uma rosa branca para o seu Bebê Anjo, a qual depois de mur-
char deve ser devolvida para a Natureza em sinal de respeito.

Se desejar, pode ainda acender uma vela e oferecer uma rosa


branca para o seu Bebê Anjo, a qual depois de murchar deve ser
devolvida para a Natureza como forma de respeito.

Texto:

Meu amado bebê,

Que privilégio ser sua Mãe. Me sinto tão abençoada!

O pouco tempo em que estivemos fisicamente unidos foi maravilhoso.

Aqueles foram alguns dos dias mais felizes de toda a minha vida.

Eu te amei desde o primeiro segundo e assim será eternamente.

Ainda que eu não consiga entender o porquê dos acontecimentos neste


momento, sinto em meu coração que tudo está dentro da mais perfeita
Ordem Divina.

Aceito com gratidão a nossa experiência e sei que estaremos sempre


juntos em espírito, no plano da eternidade.

Eu te abençoo, meu bebê, para que você voe livremente e continue sua
jornada em paz.

Receba todo o meu Amor hoje e sempre!

Sua Mãe (coloque seu nome).

73
SUGESTÃO DE COMPARTILHAMENTO
E MAIS CONTEÚDO

Se este livro fez sentido para você, que tal compartilhá-lo


com outras pessoas? Vamos permitir que esta corrente de cura se
espalhe e chegue a quem precisa.

Se desejar, incentivamos que realize rodas de conversa sobre


a experiência do abortamento espontâneo e outros temas corre-
latos. Poder contar a nossa história em um ambiente acolhedor e
seguro é altamente sanador.

Você pode ter acesso a mais conteúdo a respeito do projeto


Mãe de Anjo no site www.livromaedeanjo.com

Instagram: @livromaedeanjo

Facebook: @movimentomaedeanjo

74
ESPAÇO PARA AUTOEXPRESSÃO

Você já pensou em contar, reescrever ou recriar de alguma


forma a sua própria história sobre a experiência do abortamento
espontâneo?

Que tal fazer esta tentativa? Pegue algumas folhas de papel,


um caderno, ou apenas abra um arquivo de texto em branco na
tela do seu computador.

Deixe que seu coração se expresse livremente.

Talvez, agora você tenha expandido o seu olhar e possa dar


um novo sentido ao que viveu, encontrando a paz e o Amor den-
tro de si mesma.

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SOBRE A AUTORA

Daniela Müller é jornalista, escritora, mestre em Reiki Tradicio-


nal, criadora e facilitadora de processos de autocura. É autora
da série de sete livros terapêuticos “21 Dias de Transformação”
e da autobiografia “Mãe de Anjo: um novo olhar sobre o aborto
espontâneo e a Maternidade”, publicados em Portugal, país onde
reside atualmente. Há mais de 20 anos, estuda e vivencia de for-
ma independente diversas tradições espirituais, bem como me-
dicinas e terapias não convencionais. É médium e está a serviço
da Nova Terra através do Caminhos da Cura.

Site: www.caminhosdacura.me
Facebook: @caminhosdacurabrasil
Instagram: @dani_caminhosdacura
Youtube: Caminhos da Cura, por Daniela Müller

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