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TEORIA GERAL DA

INVESTIGAÇÃO E PERÍCIA

autor
ANDERSON MARTINS DA SILVA

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2019
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autor do original  anderson martins da silva

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  andré lage, luís salgueiro e luana barbosa da silva

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  daniela de oliveira duque-estrada de la peña

Imagem de capa  microgen | shutterstock.com

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

S586t Silva, Anderson Martins da


Teoria Geral da investigação e perícia / Anderson Martins da Silva.
Rio de Janeiro: SESES, 2019.
128 p: il.

isbn: 978-85-5548-716-3.

1. Investigação. 2. Perícia. 3. Crimincal. 4. Atos Ilícitos. I. SESES.


II. Estácio.
cdd 341.59

Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento


Av. das Américas, 4.200 – Barra da Tijuca
Campus Tom Jobim – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22640-102
Sumário
Prefácio 7

1. Conceito de investigação e
sua contextualização histórica 9
Histórico da investigação criminal e pericial 10

O direito como fenômeno social 13

Sistemas persecutórios penais 14


O processo penal na Grécia 14
O processo penal em Roma 16
O processo penal germânico 17
O processo penal canônico 17
O sistema inquisitivo nas legislações laicas 19
Sistemas de processo penal 20
Sistemas de Processo Penal brasileiro 24

2. A investigação criminal no Brasil e


no direito comparado 31
Polícia e poder de polícia 32

Sistema de investigação criminal quanto ao órgão encarregado 33


Comissões Parlamentares de Inquérito: inquéritos parlamentares 33
Investigação Direta pelo Ministério Público 34
Investigação pela autoridade judiciária: inquérito judicial 36

Breve histórico acerca do inquérito policial no Brasil 37

Investigação criminal no direito comparado 39


Os modelos de investigação preliminar 39
Os Juizados de instrução 39
A investigação a cargo do Ministério Público 43

Investigação policial 48
O modelo da Inglaterra 48
3. A importância da verdade e das provas
no Processo Penal 53
Verdade e investigação 54
A importância da verdade na evolução histórica 54
O princípio da verdade real no âmbito do processo penal 55
O princípio da verdade real na ótica Constitucional 57
Verdade real e ônus da prova 57
Princípio da verdade real e da verdade relativa 58

Teoria geral das provas e meios de prova 59


Conceito de prova 59
Fases do procedimento probatório 60
Proposição 60
Admissão 60
Produção da prova 60
Valoração da prova 60
Objeto da prova 61
Provas diretas e indiretas 62
Meios de prova 62

4. A perícia nas diversas áreas e seus ramos 75


Perícia – aspectos gerais 76
Perícia, perito e a prova pericial 76
Tipos de peritos 77
Competências do perito criminal e do perito legista 80
Obrigatoriedade dos exames 81
Dos exames periciais 82
Da divergência entre peritos 82
Da necessidade de exame complementar 83
Da suspeição do perito 84

Ramos da perícia 85
A ciência forense 85
Criminalística 90
Principais perícias elencadas no Código de Processo Penal 91
Outros dispositivos processuais 92
5. A atuação da perícia e
da investigação criminal 101
Ramos da perícia 102
Classificação do local de crime 102
Locais de crime contra pessoa 103
Locais de crime contra o patrimônio 105
Local de crime de trânsito 108
Local de crime contra o meio ambiente 110

Intervenção corporal 111


Sua contribuição para o interesse processual 111
Intervenção corporal prevista no ordenamento jurídico brasileiro 111

Investigação na atividade empresarial 112


Investigação privada 112
Criminal Compliance 114

Segmentos de atuação da investigação criminal 118


Assessoria em segurança 118
Assessoria jurídica em administração de segurança 118
Assistente técnico de acusação e defesa 118
Assistente técnico de auditoria 119
Assessor de atividade de inteligência policial 119
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

O conteúdo deste material irá fornecer ao leitor subsídios para maior apro-
ximação com os elementos que perpassam o tema da investigação e perícia na
sociedade brasileira.
Para maior compreensão, o livro foi dividido em cinco capítulos, de forma a
tratar os assuntos com maior abrangência, assim como na sua particularidade. A
estrutura de cada capítulo é composta por uma introdução, objetivos e, ao final de
cada capítulo, o leitor encontrará atividades de fixação do tema tratado, as consi-
derações finais e a bibliografia de base.
No capítulo 1, são apresentados o surgimento e a evolução da investigação e
da perícia criminal, por meio da aplicação dos sistemas processuais e de justiça no
Brasil e em alguns países precursores na Europa. Neste momento são apresentadas
as diferenças dos sistemas acusatório, inquisitório e misto, bem como o modelo
adotado no Brasil, de acordo com a doutrina majoritária.
Já o capítulo 2 discorre acerca da investigação preliminar nas diversas realida-
des dos países estudados, mas também apresenta duas importantes funções para o
poder de polícia, podendo ela ser administrativa ou repressiva, variando conforme
sua alocação na sociedade e seu objetivo. O leitor ainda encontrará, a partir do
estudo realizado com esses países, a investigação criminal sendo exercida não só
pela polícia, mas também por outros órgãos, como o Ministério Público.
O capítulo 3 trata do princípio da verdade real e suas principais característi-
cas, entendendo a verdade como elemento de suma importância no Direito. No
entanto, é possível conhecer o contraponto da utilização da verdade real, princi-
palmente no que tange a discussão da imparcialidade. Ainda constará a forma pela
qual se desenvolve a produção probatória no processo criminal com a abordagem
dos meios de prova típicos, previstos no Código de Processo Penal.
Em seguida, o capítulo 4 apresenta a atividade de perícia como ação regula-
mentada, possibilitando a atuação dos profissionais peritos com especialidades di-
versas de acordo com as normas do Código de Processo Civil (CPC) e do Código
de Processo Penal (CPP). O leitor poderá conhecer a atuação de uma segunda
perícia, com vistas a eliminar dúvidas levantadas. Fechando este capítulo, foram
abordadas técnicas como a exumação e a reprodução simulada, que auxiliam o
trabalho pericial.

7
Finalmente, o capítulo 5 traz a discussão de locais de crime e algumas medidas
adotadas para a investigação, como coleta de material, fotos e outras, variando
conforme o tipo de prática do crime. Para complementar, você poderá compreen-
der a importância e os limites da intervenção corporal, cuja investigação se dá no
corpo da pessoa. Posteriormente, a investigação na atividade empresarial é assunto
deste capítulo, apresentando até onde é possível avançar. No entanto, mecanismos
de alinhamento e conformidade, como Programas de Compliance, têm sido ado-
tados nas empresas, a fim de identificar e tratar irregularidades e até atos ilícitos.
Para finalizar, os atores que podem atuar na investigação criminal são apresenta-
dos, bem como suas características e seu escopo de atuação.
Após conhecer um pouco de cada capítulo, acredita-se que, além de orientar e
subsidiar o leitor no decorrer do curso, esse conteúdo possa instigar e aprofundar
cada vez mais o conhecimento de quem dele se apropriar.

Bons estudos!
1
Conceito de
investigação e sua
contextualização
histórica
Conceito de investigação e sua
contextualização histórica

Este capítulo tem como objetivo apresentar a evolução da investigação e da


perícia criminal, desde o seu surgimento até os dias atuais. Neste material, você
poderá conhecer brevemente o histórico dos sistemas processuais e das formas de
aplicação da justiça na Grécia, Roma, Alemanha, Canônica e do Brasil.
A aproximação com essa discussão oferecerá subsídios para uma análise crítica
de como esse histórico reflete diretamente na realidade atual dos diferentes países,
assim como na particularidade brasileira.

OBJETIVOS
•  Apresentar a evolução da investigação e da perícia criminal;
•  Diferenciar os sistemas processuais inquisitório, acusatório e misto;
•  Identificar os sistemas processuais de países europeus com grande influência nos siste-
mas de persecução penal, principalmente no sistema processual brasileiro.

Histórico da investigação criminal e pericial

A investigação criminal nem sempre teve o formato que se apresenta atualmen-


te. Mesmo nos anos antes de Cristo, já existiam instrumentos para punir aqueles que
cometiam crimes, como o Código de Hamurábi, no século XVIII a.C., e o Código
de Manu, por volta do século II a.C. até a Grécia Antiga e Império Romano, com
as questiones perpetua.
No entanto, a investigação criminal chegou ao século XVII, datada do ano de
1603, limitando-se à audiência de testemunhas. A devassa, nome que se dava à
investigação criminal e que hoje conhecemos como inquérito, era conduzida por
juízes, sejam eles nomeados pelos reis, sejam eles eleitos por bons moradores.

CURIOSIDADE
A partir do século XVII, a investigação criminal era conhecida como devassa.

capítulo 1 • 10
Contudo, nos séculos XVIII e XIX surgiram, na França e na Inglaterra, pe-
quenos grupos de investigadores, influenciados pelos movimentos da Revolução
Industrial e da Revolução Francesa, tendo em vista a grande urbanização e os seus
impactos.
Nessa época, a pena de morte e o cárcere privado começaram a ser questio-
nados, surgindo a pena privativa de liberdade como a grande invenção e a forma
mais eficaz de controle social.
O surgimento da pena privativa de liberdade tem como pano de fundo as
dificuldades econômicas que afetaram a população, originando um aumento no
número de delitos, bem como o advento do Iluminismo, mudando a mentalidade
de pena nesse período. Assim, esses dois movimentos da época marcaram de for-
ma importante a história das penas, que deixou de ser um castigo ou uma decisão
apenas moral, punindo condutas, e não pessoas. (Carvalho Filho: 2002)
Na realidade brasileira, era o rei quem legislava. Com a Independência do país
e com a influência europeia, foram adotadas diversas medidas processuais, dentre
elas a separação entre a investigação e o processo, por meio de documento datado
de abril de 1824 (ato 81). Assim, o juiz da devassa estava impedido de julgar a
causa. No entanto, as mudanças só ocorreram no processo penal após oito anos,
com o surgimento do Código de Processo Criminal, em 1832.
A investigação criminal era feita por juízes até o ano de 1841, quando então,
naquele ano, os chefes de polícia e seus delegados passaram também a fazer inves-
tigação. Cabe destacar que o nome “delegado” surgiu nesse momento, pois é ele
quem recebe a delegação do chefe de polícia.
Outro ponto de atenção aos leitores trata-se de que os chefes de polícia só
poderiam ser os desembargadores e os juízes de direito, assim como só os juízes
e cidadãos podiam ser delegados e subdelegados, cuja aceitação era obrigatória,
conforme Lei 261/1841, art. 2º.
No ano seguinte, em 1842, a polícia judiciária foi criada no Brasil, e a inves-
tigação surgiu com o nome de “corpo de delito” e “formação da culpa” (art.198),
conduzida pela polícia ou por juízes municipais.
O inquérito policial como conhecemos atualmente surgiu no Brasil em 1871,
com o Decreto 4.824. No entanto, apesar de ser da competência da polícia, as
autoridades judiciárias poderiam manter sua interferência no inquérito policial.
No período entre 1891 e 1941, logo após a Proclamação da República, cada
estado do país passou a ter sua própria legislação processual penal. Mas foi no ano
de 1941 que passou a vigorar o atual Código de Processo Penal. Nele, o inquérito
policial é de responsabilidade da polícia, e o destinatário é o juiz.

capítulo 1 • 11
Somente com a Constituição de 1988 o Ministério Público passou a ser o
titular privativo da ação penal pública, iniciando o movimento de desjudicializar
a investigação.
A perícia criminal, como parte da Investigação Criminal, tem como objetivo
chegar à solução dos problemas que acometem a sociedade, assassinatos ou outros
crimes. Ela surgiu como marco no Brasil em 1832, no período monárquico, com
a promulgação do Código de Processo Criminal. Nesse momento surgiu também
a figura do perito oficial.
O perito é o profissional que analisa os fatos e os indícios de determinado
delito. É por intermédio dele que é possível obter provas, visíveis ou não, e os
possíveis instrumentos utilizados para executá-lo. Lembrando que a prova pericial
é indispensável em todos aqueles crimes que deixam vestígios ou apresentam víti-
mas, mesmo que o acusado confesse o crime.
Atualmente, o tratamento dispensado às perícias encontra base no Código
de Processo penal, a partir do art. 159, trazendo regras específicas que orientam a
atuação dos peritos e de outras autoridades.
O exame de corpo de delito e outras perícias será realizado por perito oficial,
portador de diploma de curso superior, e, na sua falta, o exame será realizado por 2
(duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, preferencialmen-
te na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a
natureza do exame.
Quando se tratar de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhe-
cimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial.
Os peritos elaborarão o laudo, descrevendo minuciosamente o que examina-
rem, e responderão aos quesitos formulados pela autoridade requisitante.
Apesar de a confissão do acusado não dispensar o exame pericial, na impos-
sibilidade de realizar o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os
vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Para o efeito de exame do local onde houver sido praticado um crime, a auto-
ridade policial providenciará a preservação até a chegada dos peritos, que poderão
instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Mesmo auxiliada por outras disciplinas, hoje a investigação criminal é reco-
nhecida como uma disciplina cientifica autônoma, com técnicas e conhecimentos
específicos, que objetiva descobrir e definir crimes. Assim como as demais discipli-
nas científicas, a investigação criminal é fruto do desenvolvimento histórico, cujos
saberes surgiram e foram desenvolvidos ao longo dos séculos XVIII e XIX, com os

capítulo 1 • 12
conhecimentos que nasceram e se firmaram à época, ampliando-se para países da
Europa, da América do Sul e da América do Norte.

O direito como fenômeno social

Antes de qualquer afirmação, serão feitos alguns apontamentos acerca da for-


mação da sociedade, a fim de contribuir para sua compreensão do direito como
fenômeno social.
Já concluía Aristóteles, filósofo grego do século IV a.C., que os indivíduos
apresentam necessidade de viver em sociedade, o que é próprio do humano. E,
para que essa convivência aconteça, é necessário um mínimo de ordem, de so-
lidariedade, de direção e de regras. Mas quem determina ou delimita as regras
de convivência?
Para Augusto Comte (2007), filósofo francês do século XVIII e pai da
Sociologia, a sociedade é criada a partir da consciência dos indivíduos, ou seja, é
interior aos sujeitos. Em seu contraponto, Emile Durkheim, Max Weber e Karl
Marx (apud Tania Quintaneiro: 1995) – os três principais pensadores clássicos da
Sociologia – apesar dos métodos de análise distintos, defenderam a tese de que os
indivíduos e as relações sociais são produto da sociedade, e não o seu contrário.
Considerando seu caráter externo, os fenômenos extrapolam tanto os indivíduos
quanto suas consciências individuais, já que nós, quando nascemos, encontramos
um mundo dotado de regras e com sua estrutura construída.
Como podemos relacionar tal reflexão com o Direito?
Partindo desse raciocínio, você poderá compreender que o Direito existe na
sociedade como produto das relações sociais e das necessidades advindas dessa
relação.
Conforme a evolução da sociedade e a dinâmica da história, o Direito foi tido
como algo que merecia estudos específicos. Não é o Direito, nem mesmo o Estado
que define como a sociedade irá se portar. A efetividade do trabalho do legislador
e do constituinte só é possível quando ele considera como as relações sociais são
constituídas em determinada sociedade. Caso contrário, o objetivo a ser atingido
está fadado ao fracasso.
Sendo assim, com base na visão da Sociologia, o Direito como produto das re-
lações sociais é um fenômeno que acontece e surge da sociedade, sendo conhecido
como um fenômeno social.

capítulo 1 • 13
REFLEXÃO
Para finalizar esta unidade, convido a você para uma reflexão: Se o Direito é um fe-
nômeno social, causa e efeito dessas relações sociais, acompanhando os seus constantes
movimentos, por que muitas vezes o Direito se apresenta de forma conservadora, com pouco
dinamismo e deixando situações sem respostas?
Quando as leis existentes não acompanham a evolução e a dinâmica social, o Direito
atende apenas parcela dos sujeitos e fica distante de responder aos distintos interesses
sociais existentes. Autores como Cesar Augusto Ramos (2001) avaliam a importância de um
aperfeiçoamento do Direito diante da evolução da sociedade, senão pela via legislativa, por
se apresentar retrógrada, muitas vezes o caminho é traçado pela jurisprudência.

Sistemas persecutórios penais

Para sua maior compreensão acerca do sistema de Processo Penal, principal-


mente no que tange ao contexto brasileiro, convido você a fazer um resgate his-
tórico de diferentes sistemas penais e conhecer a realidade dos países de maior
relevância na construção desse processo no nosso país. Cabe destacar que fatores
como as questões políticas e econômicas, a Revolução Francesa e o domínio da
igreja influenciaram a mudança nos sistemas penais.
Como você poderá ver nas linhas que seguem, o sistema penal passou por di-
versas modificações no decorrer da história, e sua evolução foi baseada na procura
pela melhor forma de se fazer justiça. Em contrapartida, as ideologias conserva-
doras remanescentes faziam com que nem sempre a melhor forma de justiça ocor-
resse. Assim, ao final discorreremos sobre a divisão do sistema processual penal.

O processo penal na Grécia

Ao estudar o processo penal grego, toma-se como referência o modelo de de-


mocracia direta adotado na cidade de Atenas, visto que na Grécia não existia um
modelo único, pois os sistemas jurídicos variavam de cidade para cidade. Nesse
sistema, todos aqueles considerados cidadãos e dotados de direitos participavam
diretamente das decisões coletivas. Desde o início até os dias atuais, os crimes são
classificados em dois tipos:

capítulo 1 • 14
1. Os crimes privados, cuja acusação estava nas mãos do ofendido ou
dos seus titulares. Sem a sua permissão, não se pretendia uma ação, pois seu
resultado não produzia maiores prejuízos para o Estado, e sim impactava
interesses individuais.
2. Os crimes públicos, cuja acusação não estava nas mãos apenas do
ofendido ou dos seus titulares (pai, tutor ou senhor), pois seu resultado
impactava de certa forma o coletivo ou interesse geral, bem como era con-
siderada a gravidade do delito. Nesses crimes, além do poder de acusação
de qualquer cidadão, os Tesmotetas, os julgadores, eram responsáveis pela
vigilância no processo e por promover também a acusação.

Após apresentação da acusação criminal, eram analisadas as provas, bem como


avaliadas as testemunhas e a seriedade da acusação. Oferecida e reconhecida a de-
núncia, era designado o acusador, bem como o tribunal competente. Em seguida,
o acusado era cientificado em comparecer no dia e tribunal destinado, sendo ele o
responsável em produzir provas da sua inocência. Nas situações em que o acusado
não confiava no seu potencial em produzir tais provas, era possível um terceiro em
sua defesa. O julgamento era presidido pelo Tesmoteta, iniciado com o discurso
do acusador, prosseguindo com a inquirição das testemunhas e, finalmente, a es-
cuta da defesa. Cabe destacar que, no caso de não comparecimento do acusado, o
seu julgamento procedia conforme o exposto pela acusação.
Os juízes decidiam por meio de voto secreto depositado em urna, em que a
maioria decidia pela absolvição ou condenação do acusado. No caso de conde-
nação, o condenado era logo levado para a execução da pena. Em contraparti-
da, na absolvição tinha-se a preocupação de se deliberar acerca da pertinência da
acusação.
Uma curiosidade da realidade grega é o tamanho e o número importante de
juízes, visto que de um só julgamento poderiam participar cerca de 6.000 juízes,
pois se acreditava que, quanto mais julgadores, mais próximo se chegaria da jus-
tiça plena.
Por fim, o processo ateniense aqui exposto é entendido por Kai Ambos e
Marcellus Polastri Lima como um verdadeiro processo acusatório privado, visto
que qualquer cidadão tinha o poder de provocar a acusação junto à autoridade
competente, regido pelo princípio dispositivo, em que os juízes vinculavam-se às
petições construídas pelas partes.

capítulo 1 • 15
O processo penal em Roma

É importante perceber que o processo penal em Roma passou por fases distin-
tas, como bem destaca Tourinho:

O Processo Penal Público atravessou, em Roma, fases interessantes. No começo da


Monarquia, não havia nenhuma limitação ao poder de julgar. Bastava a notitia criminis
para que o próprio Magistrado se pusesse em campo, a fim de proceder às necessá-
rias investigações. Essa fase preliminar chamava-se inquisitio. Após as investigações o
Magistrado impunha a pena. Prescindia-se da acusação. Nenhuma garantia era dada
ao acusado. (Tourinho Filho, 2001, p. 103)

Assim como no período da Grécia Antiga, o sistema acusatório era vigente


em Roma inicialmente, distinguindo crimes de responsabilidade pública daqueles
conhecidos como de responsabilidade privada. Nesse sistema, o juiz era mero re-
gulador do procedimento, já que os envolvidos apresentavam a acusação, as provas
e argumentavam sobre o caso, no final o júri, composto por um grande número
de pessoas. Quanto mais pessoas julgando, acreditava-se na maior probabilidade
de se fazer justiça.
Em casos de crimes de responsabilidade privada, o Estado era o juiz da re-
solução dos conflitos. As partes envolvidas apresentavam as provas colhidas e se
chegava a uma decisão. Aqui se observava liberdade de acusação e de defesa, assim
como a produção de provas não seguiam normas.
Em contrapartida, nota-se uma evolução do processo penal público de Lex
Valeria de Provocatione para o provocatio ad populum, em que passa a ser
possível que o condenado recorra perante o povo em comício, diferentemente de
período anterior, em que ele não tinha nenhuma garantia da sua defesa.
De acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho, surgiu em Roma, no
período republicano, o acusatio, em que qualquer cidadão – à exceção de mu-
lheres, crianças, pessoas com maus antecedentes e magistrados – poderia acusar
outro indivíduo, assim como a responsabilidade da administração da justiça era
um tribunal popular composto por senadores inicialmente, e depois por cidadãos.
Com o passar do tempo, o acusatio deu lugar ao sistema intitulado cognitio
extra ordinem, que ficava sob a responsabilidade do senado e depois do impera-
dor. No cognitio, o magistrado passava a ser ao mesmo tempo juiz e acusador,
uma vez que foi tirando atribuições inerentes ao acusador privado. Dessa forma,
esse sistema consagrou o sistema inquisitivo, que você conhecerá melhor a seguir.

capítulo 1 • 16
O processo penal germânico

No processo penal germânico, assim como você pôde estudar nos processos
penais grego e romano, também ocorreu distinção entre crimes privados e públi-
cos. Os crimes privados eram administrados pelo rei, príncipe, duque ou conde
por assembleia, enquanto que o réu era o responsável por provar a sua inocência
no momento da defesa.
As principais provas eram o juramento e os ordálios, também conhecidos como
Juízos de Deus. O acusado jurava não ter cometido o crime de que era acusado, e
esse juramento podia ser fortalecido pelos Juízes, os quais juravam que o acusado
não era capaz de afirmar uma falsidade. Essa prova do juramento baseava-se na cren-
ça de que Deus, conhecendo o passado, pode castigar aquele que jura falsamente.
Novamente, de acordo com Tourinho Filho (2001), o juízo de Deus, acima
relacionado, era realizado de forma generalizada. Havia aqueles conhecidos como
da água fria e o da água fervente.

Exemplo 1:

No da água fria, o acusado era jogado à água. Em caso de submersão, era consi-
derado inocente e, nas situações em que ficava na superfície, era tido como culpado.

Exemplo 2:

No da água fervente, o acusado era obrigado a colocar o braço dentro da água fer-
vente. Se, no momento em que retirasse, não houvesse lesão, era considerado inocente.
Também existia o juízo de Deus do ferro em brasa, em que o acusado segurava por
algum tempo um ferro com brasa e, caso não se queimasse, era considerado inocente.

O processo penal canônico

Nos primeiros anos até o século XII, o Processo Penal canônico, que surge
com o objetivo de defender os interesses da igreja, apresentava em seu formato de
julgar e aplicar a pena, o tipo acusatório. Ordenado pelo juiz, o processo só ini-
ciava com a apresentação de um acusador legitimado, que apresentasse por escrito
sua acusação e oferecesse as provas dos fatos levantadas. Nas situações em que o
acusado não estava presente, não era permitido praticar punição.

capítulo 1 • 17
Após um século de vigência do processo penal acusatório, este deu lugar ao
processo penal inquisitivo, em que se queria punir o pecado.
Nesse momento, foi consolidado gradativamente o “Tribunal da Inquisição"
ou "Santo Ofício", para reprimir a heresia, o sortilégio, a adivinhação etc. Este
tribunal era composto inicialmente por sete ou mais pessoas íntegras que juravam
depor sobre as desordens que conhecessem. Em seguida, foram criadas comissões
mistas, dando origem aos inquisidores. Esse era um Tribunal que intimidava bas-
tante, tendo em vista a gravidade das penas, a isenção de garantias para o acusado
e sem possibilidade de recurso das sentenças.

(..) Com o sistema inquisitivo em prática, foram tomadas medidas drásticas acerca do
processo penal naquela época, uma vez que foram abolidas a acusação nos crimes que
tratava de ação penal pública, também abolido foi a publicidade do processo, no qual
o magistrado procedia ex officio em segredo, também secretamente eram procedidos
os depoimentos das testemunhas, bem como o interrogatório do acusado, este era
realizado mediante torturas. (Ibidem)

CURIOSIDADE
Você sabia que a prisão surgiu no direito canônico?

A prisão nasceu como uma forma de penitência, assim como também foi auto-
rizada a reparação da honra e dos danos, multa e proibição de reincidir. Neste pe-
ríodo, a arma espiritual foi bastante utilizada, como a excomunhão e a interdição.

Sem se importar com as sanções em que se impunham, o processo penal canônico ofe-
rece a evolução mais radical que se possa conceber, só comparável com a do romano.
A prisão nasceu no direito canônico (devia resultar realmente apropriada para o logro da
penitência e emenda do culpável), que também autorizou a admoestação, a reparação
da honra, a proibição de reincidir, a multa e a reparação dos danos. Mas as armas mais
poderosas dos juízes eclesiásticos foram espirituais: A excomunhão, que implicava a se-
paração da sociedade dos fiéis, suspensão das funções, despojo de privilégios e honras,
confisco de bens, privação dos direitos civis e a proteção jurisdicional (o condenado não
podia geralmente demandar nem atuar como testemunha) e a interdição que era a sus-
pensão dos ofícios sagrados a uma cidade ou vila. (Mendroni, 2006)

capítulo 1 • 18
As disposições penais do período de XVI a XX previa delitos contra a religião,
crimes comuns contra a pessoa e contra a propriedade, além daqueles que envol-
viam pessoas do clero. No entanto, com o surgimento do Estado laico, no século
XVI, o direito canônico ficou restrito a questões religiosas e espirituais, assim
como nos seus primórdios.
Com o código de Direito Canônico de 1917, a acusação não era mais feita por
quem se sentiu ofendido. Nasceu a figura do Ministério Público, em que o promo-
tor de justiça tem a responsabilidade e o monopólio da ação acusatória. A previsão
mais interessante desse código, no que tange ao processo penal, é o instituto da
inquisição, ou, como conhecemos no Brasil, o intitulado inquérito policial. Para
canonistas como Miguélez Domíngues, a inquisição é o mesmo que investigação
e indagação e que quer conhecer o delito e quem o praticou. Nesse documento,
dois pontos devem ser destacados:
1. o inquisidor não podia atuar como juiz no mesmo processo ;
2. o juiz não podia valorar na sentença a prova colhida na inquisição.

A maior inovação do direito penal e processual penal canônico de 1983, con-


forme é o de tentar adotar todos os outros meios possíveis, antes de recorrer à
imposição de penas (Mendroni, 2006).
Logo, vários autores afirmam o quanto o direito canônico influenciou o direi-
to processual, porque o processo de direito comum foi elaborado por canonistas.

O sistema inquisitivo nas legislações laicas

O processo inquisitivo, originalmente adotado pela jurisdição eclesiástica, ex-


pandiu-se pela Europa Continental, por meio das legislações laicas, como expli-
ca Tourinho Filho (2001): “O sistema inquisitivo, estabelecido pelos canonistas,
pouco a pouco dominava as legislações laicas da Europa continental, converten-
do-se em verdadeiro instrumento de dominação política”.
Vejamos algumas das características do processo inquisitivo em alguns dos
países da Europa. Na França, o processo trazia, em suas características, o secreto,
o não contraditório, a tortura para obtenção da confissão, assim como a mesma
pessoa atuava como acusador e julgador.
Na Itália também foi adotado o sistema inquisitivo, em que esculturas, vistas até
os dias atuais, em formato de leão com boca aberta, trazem em seu simbolismo o rece-
bimento de denúncias secretas dos alcaguetes, reconhecidas como as bocas da verdade.

capítulo 1 • 19
A Alemanha criou leis com base no sistema inquisitivo, e a mais importan-
te delas foi a lei de 1503, no período do Império, conhecida como Constitutio
Criminalis Carolina. A sua vinculação ao sistema inquisitivo é notória, por ter em
suas características o lugar, a forma, o acusador e os juízes como secretos.
Em contrapartida, diferentemente do movimento da Europa continental e in-
fluenciado pelas ideias iluministas, existiu no século XVIII o movimento de abolição
do sistema inquisitivo na Inglaterra. Esta defesa você poderá perceber em pensadores
como Montesquieu, que reprovava as torturas, e Voltarie, que demonstrava a im-
portância de se questionar a lei vigente, para que magistrado e acusado não fossem
tratados como inimigos, conforme estava previsto na Ordonnance de Luiz XIV.
Em seguida, nota-se um movimento de combate ao sistema inquisitivo, como
podemos verificar no trecho abaixo, do autor Fernando da Costa Tourinho Filho:

Em Nápoles, aboliam-se as torturas, e, já por volta do ano 1774, exigia-se sentença mo-
tivada. Em Toscana proibiam-se as denúncias secretas e as torturas. Na França, um édito
de 1788 proibia as torturas, exigia sentença motivada e concedia ao acusado absolvido
uma reparação moral consistente na publicação da sentença.

Finalmente, foi por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão, em 26 de agosto do ano de 1789, que as ideias Iluministas foram de fato
aceitas e adotadas.

Sistemas de processo penal

Os sistemas processuais penais são práticas construídas para a garantia de esta-


bilidade ou equilíbrio na sociedade, considerando o momento histórico vivencia-
do e a realidade dos diferentes lugares.
Antes da reflexão acerca dos sistemas processuais penais, cabe a seguinte
pergunta:
O que você entende pelo termo “sistema” dentro da linha jurídica?
Segundo Paulo Rangel (2009), sistema é “o conjunto de princípios e regras
constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabe-
lecem as diretrizes a serem seguidas para aplicação do Direito no caso concreto”.
Então, existem sistemas de processo penal que, apesar de classificarmos e discrimi-
narmos logo a seguir, de acordo com Nucci (2009), nos dias atuais não existe um
sistema puro em nenhum ordenamento jurídico do mundo.

capítulo 1 • 20
A condução dos sistemas de processo penal pode ocorrer por meio de duas
formas: do Sistema Inquisitório e do Sistema Acusatório. No entanto, há autores
como Guilherme de Souza Nucci, que ainda define uma terceira forma, intitulada
de Sistema Misto ou Francês. Vamos conhecer as características de cada um deles.

Características e breve reflexão acerca do Sistema Inquisitivo (ou Inquisitório)

O Sistema Inquisitorial, apesar ter surgido na Antiguidade, foi na Idade Média


que passou ter a influência do Direito Canônico, como já estudado no item ante-
rior, Nesse sistema, o órgão julgador é o mesmo que soluciona o conflito, elabora
a acusação penal e realiza a investigação. Assim, apresenta como características:
1. a reunião das funções de acusador, defensor e julgador na mesma
pessoa;
2. a ausência do contraditório, pois quem acusa, defende e julga é a mes-
ma pessoa, logo dispensa advogado;
3. o réu é tratado como objeto do processo, visto que ele não é tido como
sujeito de direitos;
4. o amplo poder investigativo, já que o julgador pode também determi-
nar a produção de provas, sem nenhuma limitação.

De acordo com os autores Paulo Rangel e Guilherme Nucci, o sistema


Inquisitório é adotado em regimes totalitários e, quanto mais autoritário é o
Estado, mais o réu é tratado como objeto e tem suas garantias reduzidas, poden-
do-se até mesmo utilizar a tortura em busca de confissão.
Outro ponto crítico está pautado na reflexão de parcialidade de atuação jurí-
dica, pois atuar com imparcialidade torna-se inviável com a centralização de todos
os papéis na figura do juiz.
“No sistema Inquisitivo, não há separação de funções, pois o juiz inicia a
ação, defende o réu e, ao mesmo tempo, julga-o.” (Paulo Rangel, 2009)

capítulo 1 • 21
MULTIMÍDIA
Sugestão de filmes que retratam as características do sistema inquisitório:

"O caso dos irmãos Naves" e "O nome da Rosa".

Características e breve reflexão do sistema acusatório

O sistema acusatório também apresenta as mesmas características, sendo divi-


dida de forma distinta, como veremos a seguir:
1. A separação das funções de acusador, defensor e julgador. Nesse caso, na
ação de natureza pública, o acusador é o Promotor do Ministério Público, o
defensor é o advogado e o julgador é o juiz;
2. A presença do contraditório, pois, cada um tendo uma função, poderá
apresentar cada qual sua versão para os fatos;
3. O réu como sujeito de direitos, pois, diferentemente do anterior, ele
não é mais um mero objeto;
4. A limitação do poder investigativo, visto que quando o juiz identi-
fica a necessidade de demais provas, apenas de maneira subsidiária e
complementar.

Tratado como a superação do sistema inquisitório, o sistema acusatório foi


criado na Grécia e se desenvolveu em Roma, como já estudamos no item anterior,
e até hoje é conservado. É característico dos regimes democráticos, com o objetivo
de proteger os cidadãos contra o arbítrio do Estado. O marco foi a Carta Magna

capítulo 1 • 22
do ano de 1215, originando o princípio do devido processo legal, assegurando que
as funções de acusar, defender e julgar são responsabilidades de atores distintos.
Nesse sistema, a isonomia no processo penal é garantida, pois deve haver o
equilíbrio e a igualdade de oportunidades entre a acusação e defesa, conforme pre-
vê de fato o Estado Democrático de Direito. Cabe destacar que, na Constituição
Brasileira, pregam-se os princípios acusatórios. Em contrapartida, não é expressa
a adoção desse sistema no ordenamento jurídico, de modo que, para os autores
Marcos Kac e Nucci, o processo brasileiro adotou o sistema misto, como veremos
a seguir.

Características e breve reflexão do Sistema Misto ou Francês

Com o advento da Revolução Francesa, suas influências de pensamento che-


garam até o Processo Penal, eliminando gradativamente características do modelo
inquisitivo, tendo em vista a valorização do homem com esse movimento. Com
grandes influências do modelo acusatório de Roma e do modelo inquisitivo, ori-
ginou-se o que se intitula como sistema Misto, predominante até hoje.
O Sistema Misto ou Francês é dividido em duas partes. Na primeira fase, que
é preliminar, preponderam características inquisitoriais. A segunda fase, de julga-
mento, tem como traço marcante as características do sistema acusatório.

SISTEMA SISTEMA
INQUISITÓRIO ACUSATÓRIO
Acusador, Defensor e Todas as funções em Cada função é exercida
Julgador uma só pessoa. por pessoas distintas.

Contraditório Ausência Presença

O réu como sujeito de


Não Sim
direitos

Poder Investigativo Sem limitação Com limitação

Publicidade Não Sim

Liberdade como regra Não Sim

Tabela 1.1  –  Características dos Sistemas de Processo Penal.

capítulo 1 • 23
Sistemas de Processo Penal brasileiro

No Brasil, o Código de Processo Penal do ano de 1941, por se espelhar na


realidade da Itália Fascista, adotou a linha do sistema inquisitório, o que só foi
significativamente modificado com a promulgação da Constituição da República
de 1988. No entanto, mesmo após as suas alterações mais recentes, continua apre-
sentando resquícios da época em que foi construído.
Para facilitar a compreensão e dar concretude a essa afirmação, sugerimos a
você acessar o artigo 156, inciso I, do CPP atual, em que o Juiz pode ordenar, ex
officio, a produção de provas relevantes, mesmo antes de iniciada a ação penal.
Nesse mesmo sentido, Denílson Feitoza esclarece:

Culturalmente, o sistema inquisitivo domina claramente no Brasil. O juiz brasileiro pode,


de ofício, ou seja, sem qualquer requerimento ‘das partes’: determinar a produção de
provas em geral, seja durante a investigação criminal ou processo penal, como busca-
-apreensão, interceptação telefônica, oitiva de testemunhas, oitiva do ofendido, prova
documental etc.; requisitar instauração de inquérito policial (art. 5º, II, do CPP); decretar
prisão preventiva (art. 311, CPP).

O sistema de Processo Penal brasileiro é tido como acusatório, com base nos
princípios constitucionais vigentes, tais como: o devido processo legal, contra-
ditório, ampla defesa, presunção de inocência, separação das funções de acusar,
defender e julgar, publicidade, dentre outros.
Cabe destacar que princípio é um mandamento que se irradia por todas as
normas que lhe são subordinadas, direcionando o verdadeiro sentido de todo um
sistema. Segundo Tourinho Filho apud Nicolit (2014, p.114), os princípios são
postulados fundamentais que informam o conteúdo das normas regentes do pro-
cesso em seu conjunto.
Vamos conhecer, a seguir, um pouco mais sobre alguns dos princípios citados:

Princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade)

Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de não culpa-


bilidade passou a constar expressamente do inciso LVII do art. 5º: “Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A
partir daí, um indivíduo que responde a processo criminal não pode ser declarado
culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido

capítulo 1 • 24
processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova
pertinentes para sua defesa, observado ainda o contraditório.
Tal previsão é encontrada na Constituição e também em tratados internacio-
nais dos quais o Brasil é signatário, tais como:
•  Art 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
•  Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia da
Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, em seu art.
11.1, que dispõe: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua
inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em pro-
cesso público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”.
•  Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92 – art. 8º, §
2º): “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.  

Princípio do contraditório

Previsto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, indica que aos litigan-
tes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegura-
dos o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
São dois os elementos do contraditório:
a) direito à informação;
b) direito de participação.

O contraditório seria, assim, a necessária informação às partes e a possível


reação a atos desfavoráveis.
O direito à informação consiste em que a parte contrária seja cientificada da
existência da demanda ou dos argumentos apresentados.
Já o direito à participação compreende a possibilidade de a parte oferecer con-
trariedade à pretensão da outra parte.

Princípio da ampla defesa

Este princípio tem também previsão no art. 5º, LV, da CF/88: “aos litigantes,
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Não é por
acaso tal tratamento conjunto, pois, apesar de distintos, o direito de defesa está

capítulo 1 • 25
ligado diretamente ao princípio do contraditório. A defesa garante o contraditório
e por ele se manifesta, e o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um
dos elementos que compõem o contraditório – o direito à informação.
A ampla defesa se subdivide em defesa técnica e autodefesa. A primeira se
caracteriza como aquela exercida por profissional da advocacia, dotado de capaci-
dade postulatória, seja ele advogado constituído, nomeado ou defensor público.
A defesa é necessária, indeclinável, não sendo possível que alguém seja processado
sem que tenha defensor, pois é indisponível e irrenunciável. Deve ser aplicado
ainda que o acusado queira ser processado sem defesa técnica, ou seja, contra a
sua vontade.
A autodefesa é aquela exercida pelo próprio acusado, em determinados mo-
mentos do processo, mormente durante o interrogatório. Diferentemente da de-
fesa técnica, embora não possa ser desprezada pelo juiz, é disponível, já que não
há como se obrigar o acusado a exercer seu direito ao interrogatório nem tam-
pouco a acompanhar os atos da instrução processual. Assim, deve ser intimado
pessoalmente das decisões para que, querendo, possa exercer o seu direito de re-
correr pessoalmente.

Princípio da publicidade

De acordo com o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, todos os julga-
mentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e todas as decisões serão
fundamentadas, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em de-
terminados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em
casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não
prejudique o interesse público à informação.
Tal princípio também está previsto, de modo semelhante, na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, afirmando-se que: “o processo penal deve ser
público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça” (Dec.
678/92, art. 8º, § 5º).

Princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais

A exigência de motivação das decisões judiciais, inscrita no art. 93, IX, da


Constituição Federal e no art. 381 do Código de Processo Penal, possibilita às
partes a impugnação das decisões tomadas no âmbito do Poder Judiciário, com a

capítulo 1 • 26
garantia de que essas deliberações não resultam de posturas arbitrárias por parte
do magistrado.
O princípio guarda correspondência com o sistema do livre convencimento
do juiz, adotado no art. 155, caput, do Código de Processo Penal, que possibilita
que o juiz possa decidir de acordo com suas convicções, desde que fundamente,
permitindo que os destinatários possam conhecer suas razões.
Os princípios indicados acima, assim como outros previstos na Constituição,
reforçam a tese de que o sistema adotado no Brasil é o acusatório. No entanto,
cabe destacar que a doutrina minoritária, a exemplo de Guilherme de Souza Nucci
(2009), classifica o nosso sistema como Misto, pois entende que o inquérito poli-
cial é pautado no sistema inquisitório e a base do processo é do sistema acusatório.
Com o objetivo de acabar com tal divergência, o referido autor afirma que
a única forma de se adotar o sistema acusatório na prática é com a mudança do
código de Processo Penal.

REFLEXÃO
Como você pode perceber, o homem sempre construiu formas de punição às pessoas
que cometiam crimes. No entanto, somente no século XVII é que se originou a investigação
criminal, sendo sua forma modificada ao longo da história.
Atualmente, a investigação criminal é uma disciplina científica, cujo objetivo é descobrir
e definir crimes, sendo parte dela a perícia criminal, conforme respaldo no Código de Pro-
cesso Penal.
Neste capítulo, você aprendeu as particularidades do sistema inquisitório – em que ne-
nhuma garantia é dada ao acusado –, do sistema acusatório – em que direitos do acusado
são respeitados – e, por fim, do sistema misto ou francês – que mescla características de
ambos os sistemas.

Considerações finais

De acordo com o que foi apresentado neste material, você pode perceber que
a doutrina majoritária brasileira acolhe o sistema acusatório, ainda que não seja
puro, em que há a separação das funções de acusação, defesa e julgamento. O
sistema inquisitivo não atende às garantias do Estado Democrático de Direito.

capítulo 1 • 27
Foi levantada, ainda, a necessidade de revisão do Código Penal Brasileiro à luz
da Constituição Federal de 1988 e a necessidade de que a concepção do sistema
acusatório deve estar alinhada com os princípios da imparcialidade e do contradi-
tório, para que o acusado seja sujeito de direitos na ordem jurídica.

ATIVIDADES
01. (CESPE 2016 – PC-PE – DELEGADO – ADAPTADA) No sistema processual inquisitivo,
o processo é público; a confissão é elemento suficiente para a condenação; e as funções de
acusação e julgamento são atribuídas a pessoas distintas.

02. (CESPE – 2015 – DPE-RN – DEFENSOR PÚBLICO – ADAPTADA) No sistema in-


quisitivo, a confissão é considerada a rainha das provas e predominam nele procedimentos
exclusivamente escritos.

03. (CESPE – 2013 – TJ-PI – TITULAR NOTARIAL - ADAPTADA) A iniciativa do juiz em


trazer aos autos, de ofício, elementos para formar seu livre convencimento viola o princípio da
imparcialidade e contraria o sistema acusatório.

04. (2017- CESPE- DPE AL-DEFENSOR PÚBLICO) No processo penal, as características


do sistema acusatório incluem
I. clara distinção entre as atividades de acusar e julgar, iniciativa probatória exclusiva das
partes e o juiz como terceiro imparcial e passivo na coleta da prova.
II. neutralidade do juiz, igualdade de oportunidades às partes no processo e repúdio à pro-
va tarifada.
III. predominância da oralidade no processo, imparcialidade do juiz e supremacia da confissão
do réu como meio de prova.
IV. celeridade do processo e busca da verdade real, o que faculta ao juiz determinar de ofício
a produção de prova.
Estão certos apenas os itens
a) I e II.
b) I e IV.
c) II e III.
d) I, III e IV.
e) II, III e IV.

capítulo 1 • 28
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capítulo 1 • 30
2
A investigação
criminal no Brasil
e no direito
comparado
A investigação criminal no Brasil e no direito
comparado

A apresentação da investigação preliminar, a partir dos diferentes modelos


adotados em países com realidades diversas, dará a você, leitor, maior poder de
análise comparativa, não só para fins de atender as disciplinas do curso, mas prin-
cipalmente para obter maior conhecimento, poder de discussão e de síntese, quan-
do levantadas essas questões na mídia.

OBJETIVOS
•  Identificar as diferentes formas de investigação criminal;
•  Definir, por meio do direito comparado, uma das etapas da persecução penal;
•  Definir a realidade de diferentes países com seu modelo de investigação preliminar.

Polícia e poder de polícia

No Direito Administrativo, o poder de polícia trata-se de atividade estatal que


limita o exercício dos direitos individuais em prol do interesse coletivo. Assim,
conforme conceito legal do Código Tributário Nacional:

Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, li-
mitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,
à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de ativida-
des econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tran-
quilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

O Poder de Polícia reparte-se entre o Legislativo e Executivo, com base no


princípio da legalidade, impedindo que a Administração imponha obrigações ou
proibições sem lei que as preveja, tratando-se, portanto, de limites de atuação.

capítulo 2 • 32
CONCEITO
Conceito em sentido amplo: o Poder de Polícia é a atividade do Estado em condicionar a
liberdade e a propriedade conforme os interesses coletivos.

A Polícia Administrativa atua conforme os órgãos de fiscalização atribuídos


pela lei, como na área de Saúde, Educação, Trabalho, Previdência, Assistência so-
cial etc.
Quando tratamos da atividade policial, falamos em funções de polícia admi-
nistrativa e de polícia judiciária, que se distinguem da seguinte forma:
a) Polícia administrativa: trata-se de atividade de cunho preventivo, ligada
à segurança, visando a impedir a prática de atos lesivos à sociedade.

EXEMPLO
Policial Militar que anda fardado pelas ruas age no exercício de funções de polícia admi-
nistrativa, já que atua com o objetivo de evitar a prática de delitos.

b) Polícia Judiciária: cuida-se de função de caráter repressivo, auxiliando


o Poder Judiciário. Sua atuação ocorre depois da prática de uma infração
penal e tem como objetivo precípuo colher elementos de informação relati-
vos à materialidade e à autoria do delito, propiciando que o titular da ação
penal possa dar início à persecução penal em juízo. Nessa linha, dispõe o
art. 4º, caput, do CPP, que a polícia judiciária será exercida pelas autorida-
des policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a
apuração das infrações penais e da sua autoria.

Sistema de investigação criminal quanto ao órgão encarregado

Comissões Parlamentares de Inquérito: inquéritos parlamentares

De acordo com o art. 58, § 3º, da Carta Magna, as comissões parlamentares


de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais,
além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela

capítulo 2 • 33
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,
mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato
determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas
ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos
infratores.
As comissões parlamentares de inquérito são órgãos que instauram proce-
dimento administrativo de feição política, de cunho meramente investigatório,
semelhante ao inquérito policial. No entanto, as Comissões Parlamentares de
Inquérito não são dotadas de poderes gerais de investigação, só podendo inves-
tigar fatos precisos e determinados que sejam de interesse público. Esses fatos
específicos podem ter qualquer natureza, inclusive criminosa, independentemente
de quem esteja envolvido.

Investigação Direta pelo Ministério Público

Muito se discutiu na doutrina acerca da possibilidade do Ministério Público


realizar investigações de crimes por meios próprios, pois a Constituição Federal
não tratou de forma expressa do tema.
Para você ter uma ideia de como o tema era tratado, estudaremos os principais
argumentos para a defesa tanto da possibilidade de investigação do Ministério
Público quanto da discordância sobre tal possibilidade.
Vamos conhecer os argumentos favoráveis:
a) O Ministério Público, na condição de titular da ação penal pública
(CF, art. 129, I), não é um mero espectador da investigação a cargo da
autoridade policial, podendo, por isso, não só requisitar diligências, como
realizá-las diretamente, quando elas se mostrarem necessárias.

Adotando-se a Teoria dos Poderes implícitos:


b) A Constituição atribuiu ao Ministério Público o poder de expedir no-
tificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisi-
tando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei comple-
mentar respectiva (art. 129, VI). Essa competência abrange tanto a esfera
cível quanto a criminal.
c) A Constituição atribuiu ao Ministério Público, de forma ampla, o con-
trole externo da atividade policial (art. 129, VII), além de dispor que cabe

capítulo 2 • 34
ao Parquet requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial.
d) O sistema do art. 129 da Constituição visa a fornecer ao Ministério
Público autonomia para levar a cabo a apuração dos fatos necessários ao
oferecimento da denúncia, por meio inclusive da expedição de notificações
para a coleta de depoimentos.
e) Não há conflito entre as normas constitucionais indicadas acima e o
que dispõe o art. 144 da Carta, tanto porque tais normas têm caráter lógi-
co, como porque o art. 144 não conferiu exclusividade à Polícia no que diz
respeito à investigação de infrações penais.
f ) Outras normas constitucionais: (I) o art. 127, caput , que impõe ao
Parquet a defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indispo-
níveis; (II) o art. 129, II , que conferiu ao Ministério Público o dever de
zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos, promovendo as medidas
necessárias à sua garantia; (III) o art. 129, IX, que admite que o Ministério
Público exerça outras funções compatíveis com sua finalidade;
g) Quanto à ordem infraconstitucional, a Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público (Lei nº 8.625 de 1993), em seu art. 26, I, “a” e “b” ,
prevê a expedição de notificações para colher depoimento ou esclarecimen-
tos, bem como a requisição de informações e exames.

Vamos conhecer os argumentos contrários


a) O art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição atribui de forma ex-
pressa às Polícias Federal e Civil a apuração de infrações penais. A Polícia,
portanto, é a autoridade competente para proceder com investigações cri-
minais, como exigido pela garantia constitucional do devido processo legal
(CF, art. 5º, LIII).
b) A Constituição atribui ao Ministério Público a função de exercer o con-
trole externo da atividade policial (CF, art. 129, VII) e não o de substituí-la.
A Constituição de 1988 não permite a figura do promotor investigador.
c) O escopo do inciso VI do art. 129 da CF/88 (que atribui ao Ministério
Público poderes para expedir notificações nos procedimentos administra-
tivos de sua competência, requisitando informações e documentos para
instruí-los) está restrito aos inquéritos civis públicos e outros também de
natureza administrativa.

capítulo 2 • 35
d) A competência para promover a ação penal (CF, art. 129, I9) não en-
globa a investigação criminal – esta competência não é um minus em re-
lação àquela. Trata-se, na verdade, de uma competência diversa e que foi
atribuída de forma expressa pelo constituinte a outro órgão. Não se aplica
aqui, portanto, a lógica dos poderes implícitos, pela qual o órgão a quem
compete o mais compete igualmente o menos.
e) Em decorrência dos argumentos expostos acima, a atribuição de com-
petência investigatória ao Ministério Público depende de prévia emenda
constitucional. De toda sorte, a legislação infraconstitucional atualmente
em vigor (especialmente a Lei Complementar nº 75/93 e a Lei nº 8.625/93)
em momento algum atribuiu ao Parquet essa competência, e ela simples-
mente não pode ser extraída diretamente do texto constitucional.

Em julgamento histórico ocorrido em data de 14 de maio de 2015, o Plenário


do Supremo reconheceu que o Ministério Público dispõe de competência para
promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza
penal, desde que respeitados os direitos e as garantias que assistem a qualquer
indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre,
por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também,
as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os advo-
gados, sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado Democrático
de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente do-
cumentados (Enunciado 14 da Súmula Vinculante), praticados pelos membros
do Parquet.
O meio a ser usado pelo Parquet para a realização das investigações é o proce-
dimento investigatório criminal (PIC), que consiste no instrumento de natureza
administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido por um membro do MP,
com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações
penais, de natureza pública, fornecendo elementos para o oferecimento ou não da
denúncia, estando regulamentado pela Resolução nº 13 do Conselho Nacional do
Ministério Público.

Investigação pela autoridade judiciária: inquérito judicial

O inquérito judicial já estava previsto na antiga Lei de Falência (Decreto-


lei nº 7.661/45, arts. 103 e seguintes), funcionando como um procedimento

capítulo 2 • 36
preparatório para a ação penal, presidido por um juiz de direito, no qual eram
assegurados o contraditório e a ampla defesa.
A nova lei de recuperação de empresas e falências (Lei nº 11.101/05), no en-
tanto, além de revogar o diploma anterior, não tratou do assunto, razão pela qual
se conclui que já não existe mais o denominado inquérito judicial.
Atualmente, se houver prova da ocorrência de crime falimentar, o Ministério
Público deve apresentar denúncia se tiver elementos para tanto ou requisitar a ins-
tauração de inquérito policial, nos termos do art. 187, caput, da Lei nº 11.101/05.
O novo regramento vem ao encontro do sistema acusatório, impondo ao juiz
um distanciamento das funções investigatórias, reservando-lhe o papel de acudir à
fase preliminar apenas quando necessário para a tutela das liberdades fundamentais.
Contudo, nas infrações penais praticadas por magistrados, há previsão de investi-
gação no próprio judiciário, tanto que, quando no curso de investigação houver indí-
cio da prática de crime por parte do Magistrado, a autoridade policial, civil ou militar
remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou Órgão Especial competente para o julga-
mento, a fim de que se prossiga na investigação (LC 35/79, art. 33, parágrafo único).
Tal regramento, porém, é rechaçado pela doutrina, pois, à luz da Constituição
Federal, que adotou o sistema acusatório, com a separação das funções de acusar,
defender e julgar, ou seja, na fase investigatória, o juiz deve intervir somente para
tutelar violações ou ameaça de lesões a direitos e garantias individuais das partes
(Avena, 2017:p.12).
Destaca-se ainda que, no Brasil, não foi adotado o instituto acolhido por ou-
tros países do juizado de instrução, no qual o magistrado exerce as competências
de polícia judiciária. Portanto, o art. 33, parágrafo único, da LC nº 35/79 deve ser
interpretado conforme a Constituição no sentido de que o Tribunal de Justiça ou
órgão especial, ao presidir o inquérito, apenas atua como um supervisor, agindo
sempre por provocação, e nunca de ofício, detendo as mesmas atribuições que a
legislação processual confere aos juízes singulares.
Assim, o Judiciário, em nosso sistema processual penal, atua no inquérito para
assegurar a observância dos direitos e as liberdades fundamentais e dos princípios
sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito.

Breve histórico acerca do inquérito policial no Brasil

No Brasil, a atividade policial judiciária é presidida pelo Delegado de Polícia,


autoridade policial, seja Civil ou Federal, que como regra segue o crime a ser

capítulo 2 • 37
apurado, conforme seja de competência da Justiça Estadual ou da Justiça Federal,
respectivamente, por meio do procedimento chamado “inquérito policial”.
O termo “delegado de polícia” originou-se no fato de as atribuições investiga-
tivas serem uma delegação de funções e atribuições dos juízes municipais, também
chamados de “juízes de paz”, que existiam antes do século XX, os quais exerciam as
funções inerentes de polícia judiciária cumulativamente com as funções judiciais.
Por causa do aumento da população das cidades, houve também o crescimen-
to dos problemas intrínsecos aos agrupamentos urbanos ou rurais, e o pior deles
era a criminalidade. Com o aumento da marginalização e, consequentemente, dos
ilícitos, para tentar evitar que se perdesse o controle da situação e se mergulhasse
num caos social, foram delegadas as atribuições dos magistrados para que estes se
dedicassem apenas às funções judiciais, de maneira a permitir maior celeridade e
eficácia tanto aos julgamentos quanto às investigações. Aqueles que receberam a
delegação para investigar passaram a ser chamados de delegado de polícia.
Havia, nas Ordenações Filipinas e no Código de Processo de 1832, comandos
legais que previam o procedimento informativo inquisitivo, sem, entretanto, de-
nominá-los de “inquérito policial”.
O nome que é utilizado hoje veio na esteira do Decreto nº 4.824, de 28 de
novembro de 1871, que, por seu turno, regulamentou a Lei nº 2.033, de 1871.
Determinava o artigo 42 do aludido Decreto que o inquérito policial consistia
em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos,
suas circunstâncias, seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumen-
to escrito.
Atualmente, o Código de Processo Penal traz um título específico tratando
do inquérito, com um rol de medidas a serem adotadas pela autoridade, sem, no
entanto esgotar o tema, com o fim de coletar elementos de autoria e materialidade
do ilícito penal.

RESUMO
Concluindo...O Inquérito Policial traz, em seu conceito, o procedimento administrativo in-
quisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, e consiste em um conjunto de di-
ligências realizadas pela polícia investigativa, objetivando a identificação das fontes de prova
e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e à materialidade da infração penal,
a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo.

capítulo 2 • 38
Investigação criminal no direito comparado

Os modelos de investigação preliminar

A investigação preliminar versa pela fase pré-processual, com o objetivo de


adquirir informações de base para a preparação da acusação. Dessa forma, a fase
de investigação preliminar será sempre realizada pelo Estado e deve acontecer por
sua importância na atividade acusatória e, ainda, por proteção ao acusado, que
somente será “processado” se existirem elementos levantados na investigação pre-
liminar que justifiquem a necessidade do processo.
Conforme a organização do Estado, essa fase de investigação preliminar po-
derá ser de responsabilidade de diversos órgãos, sendo três os modelos conhecidos
no estudo do processo penal:
1. o sistema da investigação policial, quando a investigação preliminar
está a cargo da polícia judiciária;
2. o sistema dos juizados de instrução, quando quem preside é o
magistrado;
3. pelo promotor investigador, em que a investigação preliminar é presi-
dida pelo representante do Ministério Público, titular do direito de ação
penal.

Os Juizados de instrução

O juiz de instrução foi criado no século XIX por Napoleão, após a Revolução
Francesa, com implantação do sistema misto no processo penal da França e na
ausência de ações democráticas, em que se tratavam as situações em segredo e sem
direito de defesa.
O continente europeu foi fortemente influenciado pelas ideias difundidas à épo-
ca, principalmente com as invasões dos territórios vizinhos pelo governo da França.
Com a análise histórica do direito processual penal nos países da Europa, nota-se
a presença de características do sistema inquisitivo, dentre eles o Juizado de Instrução,
que, apesar de ser do sistema misto, apresenta muitos princípios inquisitoriais.
Apesar das discussões que existem atualmente na Europa no sentido de eli-
minar o Juizado de Instrução das legislações de processo penal locais, ainda hoje
é possível identificar os institutos iluministas daquela época, nos ordenamentos
jurídicos de vários países.

capítulo 2 • 39
É bem verdade que as legislações europeias influenciaram países da América
Latina, principalmente por causa das colonizações.
A análise que você conhecerá nas próximas linhas está embasada no movimento
histórico e no direito comparado. Dessa forma, para sua maior compreensão e para
dar subsídios à sua criticidade, serão expostos os elementos que compõem as legisla-
ções de alguns países europeus e americanos mais expressivos para essa apresentação.
O movimento crítico torna-se importante, pois serão apresentadas as con-
tradições entre os juizados de instrução e o sistema processual acusatório, aquele
estudado no capítulo anterior, com garantias fundamentais ao homem.

O modelo francês

Com base nos movimentos da história da França, antes e depois da Revolução


Francesa, garantias fundamentais ao homem foram inseridas gradativamente nas
suas legislações, buscando a democratização e a humanização no tratamento dado
às situações.
Após a substituição do sistema inquisitório, a formação do processo penal
francês passou a respeitar mais os direitos do acusado.
Atualmente, o processo penal francês apresenta como fase inicial uma inves-
tigação preliminar presidida por um juiz-instrutor, a “quem corresponde à tarefa
de averiguar e comprovar o fato e a participação do sujeito passivo” (Lopes Júnior,
2001, p. 217).
Ainda nessa fase, existem poucas possibilidades de defesa e do contraditório,
praticamente com as mesmas características da sua criação. Por essa fase, você pode
relembrar do conteúdo visto na unidade, em que o sistema misto é o escolhido
neste país. Esse ator deverá investigar em favor tanto da defesa quanto da acusação
de forma igualitária. Aqui, o juiz de instrução tem duplo papel, de investigador e
de juiz, conforme sinalizado por Dervieux:

Como investigador ele está encarregado de recolher as provas da infração, de eluci-


dar a autoria e formalizar os autos. Como juiz, ele pode requisitar o emprego da força
pública e decide sobre a realização de exames, mas, eventualmente, da colocação de
pessoa investigada em detenção provisória ou sob o controle judiciário. Uma vez que
os autos estejam formalizados, ele determina as imputações e decide, à vista dos re-
querimentos do Ministério Público, seja pelo encaminhamento da pessoa a jurisdição
de julgamento, seja pela decisão de não processar. (Dervieux, 2005:164)

capítulo 2 • 40
Na França ainda há uma fase que ocorre no meio do processo, com a Câmara
de acusação, que fica entre as fases de investigação e de julgamento. Cabe destacar
que, nessa fase, ainda há princípios mais característicos do sistema inquisitório.
Dentre outros objetivos, nessa fase será decidido se será dada continuidade ao
processo ou se será escolhida sua extinção.
Conclui-se que, apesar da grande influência do juiz instrutor na história da
França, existe uma tendência na França de diminuir os seus poderes ou até mesmo
eliminá-los. Uma das evidências é o posicionamento, no ano de 2009, do ex-pre-
sidente Nicolas Sarkozy na sua intenção de eliminar o juiz de instrução. No en-
tanto, o debate persiste e ainda há quem destaque que, com a extinção desse ator,
haveria mudança no sistema francês, desenhado na era napoleônica.

O modelo espanhol

A primeira fase da persecução penal é a instrução preliminar, sendo de res-


ponsabilidade do juiz instrutor a presidência dessa fase, conforme a legislação da
Espanha.
No modelo espanhol, o juiz de instrução pode investigar sem ser submetido ao
Ministério Público e sem atuar na fase intermediária ou mesmo na fase do juicio
oral. Isso se deve ao fato de o juiz estar diretamente ligado à produção de provas.
Assim, entende-se que não seria possível a isenção suficiente para julgar o caso.
As mudanças da legislação no Sistema de Processo Penal na Espanha buscam
atuação mais efetiva do Ministério Público na instrução preliminar, mitigando
os poderes do juiz de instrução. Portanto, os poderes do juiz na instrução ainda
resistem.
Cabe destacar como um dos movimentos que objetivam eliminar a figura do
juiz de instrução o anteprojeto de lei do ano de 2010, em que se prevê o juiz de
garantias, na função de controle da investigação do promotor, o juiz de audiên-
cia preliminar, o qual avalia a existência de elementos suficientes para a acusação,
e o juiz do tribunal, que julgará a causa.
Logo, nota-se que o movimento espanhol segue o mesmo traçado da Alemanha,
primeiro país europeu a romper com o sistema misto e eliminar a figura do juiz
de instrução, passando para o Ministério Público a fase de direcionamento da
investigação preliminar.
Dessa forma, o juiz na fase de investigação preliminar não deverá atuar como
investigador, mas, sim, como a figura que garantirá direitos fundamentais.

capítulo 2 • 41
O Sistema do Código Nacional Argentino

Para que você consiga ter o entendimento do processo penal argentino, é impor-
tante considerar o Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires, tendo em
vista a sua importância diante da estrutura econômica, política e social da Argentina.
Várias reformas processuais ocorreram em Buenos Aires no ano de 1988, ten-
do como principais inovações:
a) o estabelecimento de um sistema processual acusatório, diferenciando
a função de quem acusa e de quem julga;
b) A Investigação Penal Preliminar (IPP), a cargo do Ministério Público,
com o controle do juiz de garantias;
c) um sistema de coerção processual sobre o acusado com base no risco
processual;
d) o procedimento oral e público em todos os processos;
e) a imposição de prazos processuais fatais para a cessação das instituições
de processos que tendem a ser abreviados e medidas alternativas, a exemplo
da conciliação;
f ) o fortalecimento da defesa pública gratuita (Palmieri, 2004).

Você pôde observar que a investigação também é de responsabilidade do


Ministério Público, e o juiz de garantias foi “erigido à condição de figura-chave de
seu novo sistema processual penal” (Andrade, 2011, p.56).
Segundo Bertolino (2000, pag. 11), o juiz de garantias em Buenos Aires res-
ponde à necessidade do processo do sistema acusatório, em que as funções de
investigar e as funções de julgar sobre o mérito das investigações prévias devem
ocorrer de forma separada.
Assim, o juiz de garantias tem competência para atuar na fase de investigação
e na fase intermediária, em que recebe ou rejeita a acusação ou mesmo o pedido
de arquivamento da investigação pelo Ministério Público (Andrade, 2011, p.56).
Em contrapartida, o juiz de garantias está impedido de atuar no julgamento do
processo, a fim de garantir a imparcialidade do juiz.
Cabe sinalizar que outros países da América Latina também apresentaram refor-
mulações em seus sistemas penais, tais como Chile, Peru, Bolívia, Colômbia e Paraguai.

capítulo 2 • 42
A investigação a cargo do Ministério Público

Os modelos da Alemanha

O Código de Processo Penal alemão de fevereiro de 1877 vem sofrendo diver-


sas alterações e atualizações, tendo uma nova publicação em 1975. Dentre as vá-
rias modificações, sinalizo para você, leitor, aquelas do âmbito da investigação, em
que, em 1974, o Ministério Público passou a ter como responsabilidade a direção
da investigação preliminar. A fase preliminar no processo penal alemão determi-
na que o promotor verifique as circunstâncias de fato na notícia crime, a fim de
decidir se procederá ou não a ação penal. Nessa fase, o promotor é auxiliado pela
polícia, definindo que esta investigue.
Segundo o autor Aury Lopes Júnior (2001), a reforma veio para validar o que
já acontecia na prática, pois, mesmo com a figura do juiz instrutor, era o Ministério
Público e a polícia judiciária quem de fato realizava as funções investigatórias. Ao juiz
cabe zelar pelos direitos individuais dos investigados. Nesse prisma, Juy-Birmann
(2005, p. 19) afirma que o Ministério Público é “encarregado do inquérito” e con-
duz as investigações necessárias. No entanto, caso haja impacto na liberdade indivi-
dual, cabe autorização do juiz, com vistas a verificar a regularidade jurídica.
Um dado importante é que não está previsto, no ordenamento alemão, uma
regra que impeça o juiz que atuou na fase de investigação de atuar no julgamento.
No entanto, o juiz pode recusar participar das duas fases, sob o argumento de ferir
o princípio da imparcialidade (Andrade, 2011, p. 47).

O modelo italiano

No final da década de 1980, a Itália passou por uma reforma processual. O


Código de Processo Penal adotou o sistema acusatório, com a tríade juiz, acusa-
ção e defesa. A grande novidade é a eliminação da figura do juiz instrutor, sendo
substituído pelo giudice per le indagini preliminari e tida como a primeira etapa
do Processo Penal italiano, que visa a zelar pela legalidade da investigação. Vamos
entender melhor, nas próximas linhas, essa primeira etapa.
É dado início à fase preliminar com as investigações realizadas pelo Ministério
Público e pela Polícia Judiciária, fundamentais ao exercício da ação penal. Nesta

capítulo 2 • 43
etapa, o Ministério Público é o responsável pela direção da investigação e, assistido
pela polícia judiciária, passa a desenvolver atividades instrutórias. Nessa etapa, o
Ministério Público não só direciona, como também delineia os contornos da in-
vestigação, devendo o Juiz intervir nos limites levantados por este órgão.

Nel nuovo sistema processuale penale, di tipo acusatorio, il giudice per le indagini pre-
liminari puó conoscere dei fatti processuali, unicamente nei limiti del l'invetitura ricevuta
dal pubblico ministero (GAITO; BARGI, 2007, p. 1230). Dal principio secondo cui unico
titolare delle indagini è il pubblico ministero che le dirige, discende che il giudice rimane
durante tutta la fase, estraneo ad esse ed interviene per provvedere, sulle richieste delle
parti e della persona offesa, solo nei casi previsti dalla legge (Aprile; Silvestre, 2011, p. 10).

O giudice per Le indagini preliminari é conhecido como o juiz de garantia e tem


como responsabilidade o pedido de arquivamento encaminhado pelo Ministério
Público. Na execução dessa atividade, deve-se deter no mérito da conduta investiga-
da e, em caso de discordância do arquivamento solicitado pelo Ministério Público,
poderá manter a investigação ou definir o ajuizamento da acusação pelo promotor.
Existem autores, a exemplo de Andrade (2011:49), que questionam esse tipo
de postura do juiz, uma vez que deixa de ser garantista e atua como juiz instrutor,
correndo o risco de ser mais acusador do que o próprio Ministério Público. Ao
expressar legalmente essa possibilidade de intervenção do juiz, a legislação italiana,
revista no final da década de 1980, estaria em discordância com o proposto inicial-
mente. Vale lembrar que o juiz que atua como investigador tem a sua imparciali-
dade comprometida para atuar no julgamento.
Conclui-se que o giudice per le indagini preliminari requer a garantia dos di-
reitos individuais, participando no curso das investigações sem ser o titular das
funções de investigação, as quais são de responsabilidade do Ministério Público,
com o auxílio e a assistência da polícia judiciária.
Por fim, é importante destacar que as reformas processuais dos países europeus
refletiram diretamente em países latino-americanos, como vocês poderão verificar
em itens que se seguem.

O modelo português

De acordo com o código de 1987, foram delimitadas as funções do juiz de


instrução, do Ministério Público e do juiz de julgamento no decorrer de todo o
processo.

capítulo 2 • 44
A legislação de Portugal intitula como inquérito policial a fase de investigação
criminal, conforme previsto também neste mesmo código. Ao Ministério Público
cabem a direção do inquérito e a responsabilidade do exercício da ação penal, cuja
assistência é dada pelos órgãos da polícia Judiciária. Assim, você poderá identificar,
no Código de Processo Penal Português:

Art. 53 - Compete ao Ministério Público, no processo penal, colaborar com o tribunal na


descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções
processuais a critérios de estrita objectividade. Compete em especial ao Ministério Pú-
blico: a) Receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a
dar-lhes; b) dirigir o inquérito; c) deduzir acusação e sustentá-la efetivamente na instru-
ção e no julgamento; [...]

Já o juiz de instrução procede ao primeiro interrogatório e exerce as funções


jurisdicionais até o processo em julgamento, conforme artigo 17 do Código de
Processo Penal português.
De acordo com Aury Lopes Junior, no Código de Processo Penal português,
em seu art. 40, o juiz instrutor está impedido de julgar, uma vez que teve a sua
imparcialidade comprometida, por atuar como investigador, praticando atos ou
resolvendo demais questões do inquérito.
No entanto, esse mesmo autor destaca que na legislação é possível identificar
duas funções do juiz de instrução: o de investigador e o de garantia. Nesta mesma
linha, Pimentel (2011) destaca que o juiz instrutor atua como um garantidor de
direitos e sem iniciativa processual própria. E o juiz criminal é um juiz de liberda-
des e que controla direitos individuais do investigado.
Em contrapartida, conforme recente Acórdão do Porto, apesar da aparente
atividade instrutória do juiz, o protagonismo é do Ministério Público, pois o juiz
instrutor só atua em casos excepcionais previstos em lei.
Cabe destacar que o impedimento do juiz instrutor em participar do julga-
mento diverge do entendimento alemão, que defende a atuação posterior desse
juiz na fase processual.

O modelo mexicano

No México, o responsável por dirigir a investigação na persecução pe-


nal é o Ministério Público. Já a polícia fica subordinada a cumprir todas as or-
dens ministeriais.

capítulo 2 • 45
Dessa forma, vocês poderão obter maior clareza com o que expressa
Edmundo S. apud Kac:
No México existe uma instrução preliminar que é realizada pela polícia, di-
rigida pelo Ministério Público segundo a Lei Orgânica da Procuradoria Geral
da República. A polícia atua sob a condução, autoridade e ordens do Ministério
Público, praticando as diligências imprescindíveis à instrução criminal.
Além de investigar criminalmente, o Ministério Público tem como uma das
suas principais funções no México promover a persecutio criminis in judicio, além
de garantir os direitos fundamentais previstos na Carta Magna, vigiar o Estado de
Direito e o cumprimento de regras constitucionais.

Os modelos andinos – Colômbia, Equador e Peru

O modelo colombiano

Na Colômbia, o Ministério Público apresenta alguns elementos que se dife-


renciam dos demais. A função criminal é exercida pela Fiscalia, com atuação cri-
minal prevalente, mas também fazendo investigações, intervenções junto à defesa
dos direitos humanos e ainda fiscalizando os julgadores de paz. A Corte Suprema
é quem escolhe o Fiscal Geral, a fim de exercer um mandato de quatro anos, sem
possibilidade de reeleição e nomeado pelo Presidente da República.
É digno de nota que a Fiscalia é ramo judicial, previsto em Capítulo do Poder
Judicial; já o Ministério Público é organismo de controle previsto em Título Separado.
Houve revisão das atividades do Ministério Público no ano de 1992, sendo
reconhecido como um ramo judicial e com autonomia administrativa e funcional.
Também foi reconhecido com um ramo da justiça, em que fiscaliza a administra-
ção da justiça e a defesa dos princípios constitucionais.
Os membros do Ministério Público exercem também a função de “defensor
do povo”.
As atribuições na Constituição da Colômbia diferenciam as atividades do
Ministério Público em que defende a sociedade e os direitos coletivos e fiscaliza o
serviço público. O Procurador-Geral da Nação é o líder do Ministério Público. A
Constituição da Colômbia não discrimina os poderes estatais.

capítulo 2 • 46
O modelo do Equador

O Ministério Público tem autonomia funcional e financeira, sendo o Fiscal Geral


eleito pelo Congresso Nacional com base em lista enviada pelo Conselho Nacional.
O Ministério Público tem como responsabilidade atuar na fase processual
e investigativa criminal, contando com o auxílio da equipe policial e de peri-
cia. Ainda está sob sua responsabilidade defender a legalidade e a ordem legal.
A Constituição é de 1998 e não há divisão rígida de poderes estatais prevista na
legislação, sendo reconhecido o Ministério Público como um órgão de controle.

O modelo do Peru

O Código de Processo Penal peruano, promulgado em julho de 2004, come-


çou a ter vigência no distrito judicial de Huaura em julho de 2006 e foi aplicado
progressivamente até entrar em vigor por completo no ano de 2013. Segundo
Maya (2009, p. 10), a progressividade da implementação do novo Código de
Processo Penal possibilita o aprimoramento do instituto do juiz de garantias e da
estrutura do Poder Judiciário, assegurando inclusive a imparcialidade do julgador.
A Constituição peruana assegura autonomia ao Ministério Público. Dentre
as responsabilidades deste estão a ação penal pública, a investigação criminal e
a defesa do interesse público e coletivo, assim como a iniciativa legislativa. A
Constituição garante igualdade entre membros do Ministério Público e juízes,
assim como refere a instituição “Defensoria do Povo”, cujo papel é uma espécie de
Ouvidoria. Essa instituição tem, dentre outras funções, a de fiscalizar os serviços
públicos e de direitos constitucionais.
Como curiosidade, cabe sinalizar que essa atribuição de fiscalização é de res-
ponsabilidade do Ministério Público na realidade brasileira.

O modelo do Paraguai

O Ministério Público no Paraguai é conhecido como “Fiscalia General”, de-


fendendo os interesses do Estado, e não os interesses da sociedade. O Ministério
Público tem como chefe o Fiscal Geral do Estado, cuja atribuição é defender os
interesses da sociedade, da Constituição e a ação penal pública, gozando de auto-
nomia na sua atuação. Cabe sinalizar que os Agentes Fiscais, que são promotores
e procuradores ministeriais, têm as mesmas garantias dos juízes.

capítulo 2 • 47
A polícia judicial é subordinada ao poder judicial e contribui diretamente com
o Ministério Público. Cabe destacar que a Constituição de 1992 prevê a emissão
de mandados de prisão por prazo curto e determinado pelo Ministério Público.

EXEMPLO
Reportagem de Carlos da Cruz, no Jornal G1, que trata do caso de uma brasileira
estudante de medicina assassinada no Paraguai. Acesso em 22/08/2018)
O homem foi levado para oitiva no MP paraguaio (que conduz essa etapa das investi-
gações), mas, segundo o promotor Marco Antônio Amarilla, permaneceu em silêncio. Em
seguida foi levado ao fórum para prestar depoimento.
Para o promotor, apesar de ainda existir a presunção de inocência, o MP tem provas
suficientes para oferecer a denúncia: ''Temos toda a investigação policial preliminar, temos a
atuação da investigação criminalística, temos evidências coletadas, temos indícios contra o
sujeito, presunções graves e sérias".

Investigação policial

O modelo da Inglaterra

A polícia inglesa, também conhecida como o modelo investigativo da Scotland


Yard, tem muitas particularidades e detalhes interessantes em seu funcionamento.
Vamos tentar entender melhor.
(New) Scotland Yard é o nome dado ao quartel general da polícia de Londres
e acabou incorporado para toda a polícia londrina. A Scotland Yard foi criada em
1829 e é conhecida por suas técnicas de investigação, principalmente a perícia de
identificação criminal por meio de digitais, conforme do FBI americano.
Objetivamente, a polícia da Inglaterra, após conhecer a notícia crime e os de-
poimentos necessários pela autoridade policial, segue para a fase de investigação,
em que trabalha no sentido de coletar as provas. Quando necessário, está previsto
que a equipe de polícia acione vítimas e testemunhas para reconhecimento de
pessoas ou para diligenciar no local do crime para identificar suspeitos. Cabe des-
tacar que as investigações policiais não têm prazo determinado para a conclusão,
podendo levar até mesmo meses.

capítulo 2 • 48
Em seguida, o caso é encaminhado para o Crown Prosecution Service (CPS),
responsável pelas acusações, o qual tomará a decisão em processar ou não as pes-
soas indicadas pela polícia após sua investigação.

Considerações finais

De acordo com o que foi apresentado neste capítulo, você pôde perceber que
extraímos duas funções do poder de polícia: uma administrativa, de cunho pre-
ventivo, ligada à segurança, visando a impedir a prática de atos lesivos à sociedade;
e outra de caráter repressivo, auxiliando o Poder Judiciário.
Entendemos também que a investigação criminal não é realizada apenas pe-
las polícias, admitindo-se que outros órgãos desenvolvam tal atividade, como o
Ministério Público.
Conhecemos, ainda, os diversos modelos de investigação e como eles se desen-
volvem em diversos países.

ATIVIDADES
Ano: 2016
Banca: FGV
Órgão: MPE-RJ
Prova: Técnico do Ministério Público - Notificações e Atos Intimatórios

01. Chega notícia através da Ouvidoria do Ministério Público da prática de determinado


crime e que possivelmente haveria omissão da Delegacia de Polícia na apuração. Em razão
disso, o Promotor de Justiça instaura procedimento de investigação criminal no âmbito da
própria Promotoria. Sobre o poder investigatório do Ministério Público, de acordo com a atual
jurisprudência dos Tribunais Superiores, a conduta do promotor foi:
a) ilegal, pois o Ministério Público não tem poder para investigar diretamente e por meio
próprio a prática de qualquer crime.
b) legal, pois tem o Ministério Público poder de investigação direta, desde que haja omissão
da Polícia Civil, ainda que não exista inquérito policial instaurado anteriormente.
c) ilegal, pois o Ministério Público somente poderá investigar diretamente se houver inqué-
rito policial instaurado previamente e confirmada a omissão da autoridade policial.

capítulo 2 • 49
d) legal, pois tem o Ministério Público poder de investigação direta, respeitados os direitos
constitucionais do investigado, assim como eventual foro por prerrogativa de função.
e) ilegal, somente cabendo ao Ministério Público exercer o controle da atividade policial.

02. Indique a opção que distingue corretamente as funções de polícia judiciária e de polí-
cia administrativa.
a) JUDICIÁRIA – É a função exercida por instituições que desenvolvem atividade de inves-
tigação. Tem um caráter repressivo, atuando após o cometimento de uma infração penal.
ADMINISTRATIVA – Visa a impedir a prática de atos lesivos à sociedade. Tem caráter
preventivo, atuando antes do cometimento da infração.
b) ADMINISTRATIVA – É a função exercida por instituições que desenvolvem o inquérito
policial. Tem um caráter repressivo, atuando após o cometimento de uma infração penal.
JUDICIÁRIA – Visa a impedir a prática de atos lesivos à sociedade. Tem caráter preven-
tivo, atuando antes do cometimento da infração.
c) JUDICIÁRIA – É aquela que atua dentro dos tribunais.
ADMINISTRATIVA – É a polícia civil.
d) Não existe diferença entre as funções de polícia judiciária e administrativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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capítulo 2 • 51
capítulo 2 • 52
3
A importância da
verdade e das
provas no Processo
Penal
A importância da verdade e das provas no
Processo Penal

Este capítulo tem como objetivo identificar o instituto da verdade como um


elemento fundamental no direito, abordando principalmente os aspectos do prin-
cípio da verdade real, também conhecida como verdade material, bem como o
papel do magistrado no processo.
Será apresentada, ainda, a forma pela qual se desenvolve a produção probató-
ria no processo criminal, com a abordagem dos meios de prova típicos.

OBJETIVOS
•  Reconhecer a importância da verdade na sociedade e no direito;
•  Definir o princípio da verdade real no Processo Penal;
•  Definir as fases do procedimento probatório;
•  Descrever os meios de prova.

Verdade e investigação

A importância da verdade na evolução histórica

A verdade sempre foi um caminho percorrido no conhecimento do humano e


no conhecimento pela ciência. Muitos anos antes de Cristo, os temas que coloca-
vam em xeque os princípios da moral ou da justiça já eram motivo de questiona-
mento quanto ao início e ao fim das coisas.
Na Bíblia, em Gêneses, também se percebe uma preocupação da época com a
busca pela verdade, por meio da busca pelo que é certo, caso contrário imputavam
a culpa e a pena. Assim, grosso modo, Adão foi culpado por comer a maçã, que ali
era tido como o fruto proibido, e, consequentemente, foi penalizado, assim como
toda a humanidade, a viver no pecado.
Com o passar do tempo, vários pensadores foram surgindo na sociedade e
revolucionando o seu tempo, fazendo a humanidade pensar acerca da importância
da verdade e do que é ou não certo e para quem.

capítulo 3 • 54
Cabe continuar essa reflexão afirmando que é difícil mostrar um fato com a
verdade em sua totalidade, pois cada um, em seu relato ou em suas evidências, traz
seu ponto de vista ou sua lente perante a ocorrência de um fato.
Para esclarecer essa afirmação, por meio de trecho da clássica obra Elogio dei
giudici scritto da un avvocato, o autor traz a complexidade quando se fala da verda-
de, visto que uma mesma imagem apresenta ângulos distintos, refletindo que em
nenhum deles há uma verdade absoluta:

Há, num museu de Londres, um quadro do famoso pintor Champaigne no qual se


pintou o Cardeal Richelieu em três atitudes diferentes. Ao centro da tela, vemo-lo de
frente, aos lados vemo-lo de perfil a olhar para o centro. O modelo é um só, mas na tela
parece que são três pessoas a conversar, de tal modo que são diferentes as expres-
sões das figuras vistas de perfil e, mais do que isto, o ar calmo que, no retrato do centro,
é a síntese dessas duas figuras (Calamandrei, 1997: 96).

Entende-se que a verdade é uma busca infinita da humanidade, questiona-


da seja pela ética, seja pela moral ou mesmo pela religião. Então, autores como
Sefhora entendem que a verdade deve ser um caminho a ser perseguido, a busca
pela verdade é a busca pelo concreto, é a aproximação da realidade, do fato. Assim,
essa verdade deve caminhar junto com o princípio, que é o norte.

Princípios e Verdade devem andar juntos. O princípio sendo o alicerce, a viga mante-
nedora de um sistema não pode sustentar uma inverdade. Violar um princípio é pior
que transgredir uma norma. Leis, normas, decretos, portarias mudam e/ou prescrevem
o princípio continua dando o norte. O princípio jurídico detém consistência de todo
um sistema. Violar um princípio e o princípio da Verdade é inadmissível e intolerável.
(Sefhora, 2009:p.01)

O princípio da verdade real no âmbito do processo penal

No direito processual penal, a busca pela verdade consiste em saber se deter-


minado fato aconteceu ou não (Carnelutti, 1995: 43).
O princípio da verdade real é muito utilizado, sendo inclusive um dos maio-
res norteadores dos juristas no processo penal, a exemplo da produção de provas,
elucidando fatos mais próximos da realidade.
Ao analisarmos esse princípio, é importante partir do conceito de verdade,
conforme sinaliza Guilherme de Souza Nucci (2014, p.55). No entanto, esse

capítulo 3 • 55
autor, assim como estudamos no item anterior, sinaliza que essa verdade é sempre
relativa, em razão da impossibilidade de se reconstruir a realidade assim como
ela é ou de se extrair dos autos o fiel retrato da realidade do crime. Dito de outra
forma, a verdade e a certeza nem sempre coincidem. O que para um é certo, para
outra poderá não ser.
Dessa forma, tem-se a certeza de que o juiz não garantirá ter chegado à ver-
dade de como os fatos ocorreram, mas, sim, àquela verdade aproximada e que se
apresenta por meio das provas coletadas, possibilitando a decisão final, que será a
condenação ou a absolvição.
Pode-se afirmar que a verdade real é aquela que mais se aproxima da verdade
dos fatos. Por meio desse princípio, o magistrado buscará provas, tanto quanto
as partes, pois não se satisfaz apenas com aquilo que lhe é apresentado (NUCCI,
2014, p.56). Vejamos como se apresenta tal afirmação no Código de Processo
Penal (CPP) do Brasil:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz
de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
I - Ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcio-
nalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de
2008).

Para maior compreensão do leitor acerca do que significa o princípio da ver-


dade real, cabe esclarecer que, no processo civil, o magistrado se contenta com a
verdade formal, ou seja, a verdade construída a partir das provas carreadas aos
autos, ou seja, aquelas trazidas pelas partes. Já na esfera criminal, o juiz deve atuar
buscando as provas para formação do seu convencimento, permitindo determinar
a produção de provas, para que não haja injustiça na sentença, originando no que
se conhece como verdade real. Vejamos o trecho abaixo:

No Processo penal sempre predominou o sistema da livre investigação de provas. (..)


Isso porque, enquanto no processo civil em princípio o juiz pode satisfazer-se com a
verdade formal ( ou seja, aquilo que resulta ser verdadeiro em face das provas carrea-
das aos autos), no processo penal o juiz deve atender à averiguação e ao descobri-
mento da verdade real (ou verdade material), como fundamento da sentença (Teoria
Geral do Processo, p.71). (NUCCI, 2014, p.55).

capítulo 3 • 56
Antes de concluirmos este item, cabe esclarecer ao leitor que o princípio da
verdade real é um ponto de polêmicas entre os doutrinadores desse assunto, con-
forme Avena (2017) e Nicolitt (2014), pois, enquanto se há a defesa pela adoção
deste princípio, dando autonomia ao magistrado em pedir produção de demais
provas, existem pensadores que acreditam que tal inferência no processo compro-
meterá o princípio da imparcialidade, garantia essencial, no julgamento da senten-
ça. Dessa forma, o artigo 156 do CPP padeceria de grave inconstitucionalidade,
segundo André Nicolitt (2014, p.630).

O princípio da verdade real na ótica Constitucional

Neste item será feito um movimento de conciliar os direcionadores do proces-


so penal com as diretrizes constitucionais.
A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental da Constituição
Federal de1988, norteando todos os demais ramos do direito e dela originando os
demais princípios constitucionais.
Dessa forma, autores como Brião (2014, p.2) compreendem que o princípio
da verdade real tem sua origem na Constituição Federal, apresentando-se em seu
artigo 5º, inciso LIV, da seguinte forma: “ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal”.
Caso o magistrado concorde apenas com a verdade que consta no processo, até
presta jurisdição, mas não consegue alcançar, na sua essência, o princípio do acesso
à justiça. Pois somente com a justa jurisdição, com a aproximação da verdade, é que
se atingem as garantias previstas constitucionalmente a todos os cidadãos (idem).
Logo, nessa linha de pensamento, conclui-se que o princípio constitucional
do acesso à justiça não será atingido caso o magistrado se conforme com apenas a
verdade do processo, com base na produção de provas das partes, sem ao menos
interagir nem interferir quando necessário.

Verdade real e ônus da prova

Um documento, fotos e/ou vídeos e oitiva de testemunha são alguns produtos


que poderão compor a formação de provas. No entanto, cabe destacar que, a par-
tir dos aspectos da verdade real, o magistrado não deve ficar restrito à produção
de provas pelas partes, podendo determinar de ofício a produção de mais provas,
conforme previsto no artigo 156, CPP, destacado no item anterior.

capítulo 3 • 57
Outro ponto a ser sinalizado no artigo 156 do CPP é o fato de ele afirmar que
a confissão deverá ser comparada com as provas apresentadas e, assim, uma não
anular o efeito da outra, a fim de identificar se todas estão ou não em consonância
para elucidação dos fatos e julgamento justo.

Princípio da verdade real e da verdade relativa

Para Mike Oppenheimer (2014, p.1), a verdade real pode ser verdade recor-
tada em partes, como em um lugar específico, ou para apenas algumas pessoas,
ou apenas em um determinado momento. Em contrapartida, a verdade absoluta
é a verdade na sua totalidade, abrangendo todos os lugares, pessoas e tempos, sem
polêmicas acerca dela.
Seguindo esta linha e o exposto no artigo 197 do Código de Processo Penal,
concluímos que todo e qualquer meio de prova, oitiva de testemunha, documen-
tos, laudo pericial, dentre outros, estariam relacionadas com a verdade relativa.
Isso porque trata apenas de um dos ângulos, ou seja, por tratar de uma verdade
que apenas algumas das partes produziram. Em contrapartida, a confissão seria
classificada como a verdade absoluta, pois essa verdade é real e incontestável a
todas as partes do processo.
A verdade relativa, também conhecida como verdade formal, é uma verdade
com limites, pois o magistrado aceita apenas o que está arrolado nos autos, sem
se preocupar em determinar produções novas de provas. Seu julgamento e sua
sentença estão norteados pelas provas produzidas pelas partes, exercendo sua im-
parcialidade e com um julgamento justo.

Os princípios da verdade formal e real atuam em campos diferentes, não sendo um


oposto ao outro. A verdade formal delimita a prova utilizada na racionalização da deci-
são e a verdade real permite trazer aos autos provas independentemente da vontade
ou iniciativa das partes. Os momentos da aplicação desses princípios, não são os mes-
mos, também impedindo qualquer colisão entre eles, pois enquanto que a verdade real
é utilizada nos momentos instrutórios do processo, a verdade formal é utilizada nos
momentos decisórios. (JANSEN, 2008, p. 1).

Por fim, a utilização da verdade real nos momentos da produção das provas
do processo é fundamental, pois há situações em que há falta de provas, trazendo
dificuldades para a sentença. Logo, o juiz poderá ex officio determinar a produção
de provas para melhor formar seu convencimento sobre os fatos.

capítulo 3 • 58
Utilizar, processualmente, a expressão verdade real (absoluta) ou verdade relativa é,
ainda que inconscientemente, valorar, do ponto de vista espaço-temporal, a existência
de um fato pretérito. Ora, esta é una, insuscetível de qualquer apreciação valorativa: ou
o fato existiu, ou o fato não existiu. Dito de outro modo, a verdade, em tese, não com-
porta predicados. (JANSEN, 2006, p. 6)

Ou seja, aplicar a verdade relativa ou absoluta não faz com que o seu sentido
seja valorizado ou não. Simplesmente a verdade existiu ou a verdade não existiu.

Teoria geral das provas e meios de prova

Conceito de prova

Prova é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados


pelo juiz, visando à formação do seu convencimento quanto às circunstâncias da
infração penal, possibilitando, assim, o julgamento de procedência ou improce-
dência da ação penal.
Cabe identificar alguns conceitos básicos:

a) Destinatário das provas


A real finalidade da prova é formar a convicção do juiz em torno dos fatos
relevantes à relação processual. Por isso se diz que o destinatário da prova é o juiz,
uma vez que é ele quem deverá se convencer da verdade dos fatos.

b) Sujeitos da prova
Os sujeitos da prova são as pessoas incumbidas de levar ao juiz o meio de pro-
va, tais como as testemunhas quando do seu depoimento, os peritos ao elaborarem
seus laudos, o acusado quando se submete ao interrogatório etc.

c) Fontes de prova
Fontes de prova, que não se confundem com os meios de prova, são pessoas e coi-
sas de onde provém a prova. Já os meios de prova são os instrumentos que permitem
levar ao juiz os elementos que o ajudarão a formar seu entendimento acerca do caso.
As fontes de provas podem ser pessoais ou reais. Nas fontes pessoais, as infor-
mações são fornecidas diretamente pelas pessoas, como, por exemplo, a prova tes-
temunhal. Nas fontes reais, as informações são provenientes das provas; estas serão
interpretadas por pessoas que vierem a examiná-las, como ocorre com a prova pericial.

capítulo 3 • 59
d) Princípio da liberdade das provas
No processo penal, são admitidos todos os meios de prova, inclusive aqueles
que não estejam expressamente mencionados em lei, desde que não vedadas ou
proibidas pela constituição e demais normas infraconstitucionais.

Fases do procedimento probatório

Didaticamente, as fases do procedimento probatório são divididas em quatro,


a saber: proposição, admissão, produção e, por fim, a valoração.
Passemos à análise de cada uma das fases:

Proposição

Essa é a fase na qual as provas são requeridas pelas partes ao juiz ou por elas
trazidas à sua admissão. A proposição das provas ocorre normalmente no início
do processo, nos chamados momentos ordinários, os quais correspondem, para a
acusação, à denúncia e à queixa-crime, e, para a defesa, à fase da resposta à acusa-
ção, mas podem ocorrer ainda em momento posterior, chamado de extraordiná-
rio, quando se dá depois de já iniciada ou encerrada a instrução criminal.

Admissão

Este é o momento em que as provas propostas pelas partes serão deferidas ou


indeferidas, ou seja, aceitas ou não pelo magistrado. Contra o indeferimento de
provas requeridas, há casos de utilização de meio de impugnação próprio.

Produção da prova

Momento em que são praticados atos processuais destinados a trazer para


dentro do processo as provas propostas pelas partes e admitidas pelo magistrado.
Exemplos: oitiva de testemunhas, requisição de documentos etc.

Valoração da prova

A valoração da prova normalmente é o momento da própria sentença, no


qual o juiz, utilizando-se de seu livre convencimento e sempre motivando seu

capítulo 3 • 60
entendimento, apreciará cada uma das provas realizadas, conferindo-lhes o valor
que julgar pertinente.

Objeto da prova

Por objeto da prova compreendem-se os fatos que, influindo na apuração da


existência ou inexistência de responsabilidade penal, são capazes de gerar dúvida
no magistrado, exigindo, por isso mesmo, a devida comprovação.
Entretanto, não podemos confundir o objeto da prova com o objeto de prova.
Este significa que fatos ou coisas devem ser provados, pois os fatos notórios não
necessitam ser provados, já que são do conhecimento de qualquer pessoa media-
namente informada – por exemplo, que Lampião foi o rei do cangaço no Brasil.
Assim também não é necessário provar ao juiz a existência da lei, pois ele
conhece o direito (Iura novit curia), salvo quando se tratar de direito municipal,
estadual, estrangeiro ou consuetudinário, cabendo à parte demonstrar o teor e a
vigência da norma, se assim determinar o juiz (art. 376 do CPC).
Resumindo, os fatos a seguir são excluídos da necessidade de comprovação:
1. Fatos axiomáticos: são aqueles considerados evidentes, que decorrem da
própria intuição, gerando grau de certeza irrefutável. Trata-se dos fatos indis-
cutíveis, induvidosos, que dispensam questionamentos de qualquer ordem.
Por exemplo: o indivíduo que teve o corpo decapitado não pode estar vivo.
2. Fatos notórios: são os que fazem parte do patrimônio cultural de
cada pessoa. Por isso mesmo, aqui se aplica o princípio notorium non eget
probatione – o que é notório dispensa prova. Exemplos: moeda nacional,
condição de Presidente da República, um feriado nacional etc.
3. Presunções legais: são juízos de certeza que decorrem da lei.
Classificam-se em absolutas (presunções jure et de jure) ou relativas (pre-
sunções juris tantum). As primeiras não aceitam prova em contrário, sendo
exemplo a condição de inimputável do indivíduo menor de dezoito anos.
Já as segundas admitem a produção de prova em sentido oposto, como
a presunção de imputabilidade do maior de dezoito anos, que pode ser
descaracterizada a partir de laudo de insanidade mental apontando que o
indivíduo não tem discernimento.
4. Fatos inúteis: são os que não têm nenhuma relevância na decisão da
causa, dispensando a análise pelo julgador. São circunstâncias incidentais,
de caráter secundário, absolutamente desnecessárias à solução da lide.
Exemplo: as preferências sexuais de indivíduo acusado de crime de furto.

capítulo 3 • 61
Já quanto aos fatos incontroversos, incontestes, ou seja, que não foram refutados
ou impugnados pelas partes, ao contrário do que ocorre no processo civil, não dis-
pensam a prova, podendo o juiz, inclusive, a teor do art. 156, II, do CPP, determinar,
no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para
dirimir dúvida sobre ponto relevante. E não poderia ser diferente. Afinal, se a própria
confissão do crime pelo acusado não é suficiente por si para um juízo condenatório,
exigindo sempre confronto com os demais elementos de prova angariados ao processo
(art. 197 do CPP), é evidente que a simples ausência de contestação quanto a atos,
fatos e circunstâncias não tem força suficiente para elidir a produção probatória.

Provas diretas e indiretas

Quanto ao objeto (ou seja, quanto ao fato que deve ser demonstrado):
a) Provas diretas: são aquelas que por si demonstram o próprio fato objeto
da investigação. Exemplo: o testemunho prestado por determinada pessoa
que presenciou um homicídio.
b) Provas indiretas: são aquelas que não demonstram, diretamente, deter-
minado ato ou fato, mas que permitem deduzir tais circunstâncias a partir
de um raciocínio lógico e irrefutável. Exemplo: o álibi. Comprovando-se
que o suspeito se encontrava em determinado local no dia e hora do crime,
é intuitivo que não poderia estar na cena do crime.

Meios de prova

Do interrogatório

O interrogatório é o ato por meio do qual procede o magistrado à oitiva do


réu. Antes do ano de 2008, em que ocorreram reformas no Código de Processo
Penal pela Lei 11.719/08, o interrogatório era normalmente realizado no início
do processo, mas, na atualidade, foi deslocado para a fase final, após a instrução.
Ressalte-se, no entanto, que em alguns procedimentos existe previsão de sua
realização ainda no início do processo, como, por exemplo, a Lei nº 11.343/06, a
cuidar dos crimes de tráfico ilícito de drogas, prevendo que o interrogatório seria
ainda o primeiro ato de inquirição (art. 57).

capítulo 3 • 62
Regra

O interrogatório é o último ato da audiência de instrução, permitindo ao


acusado escolher a estratégia de autodefesa que melhor consulte os seus interesses.
O interrogatório foi inicialmente concebido como um meio de prova, no qual
o acusado era unicamente mais um objeto da prova. Contudo, atualmente deve
ser visto também como meio de defesa, pois se trata, efetivamente, de mais uma
oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo a permitir que ele apre-
sente a sua versão dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo.
Neste momento, podemos falar no direito ao silêncio e à não autoincriminação
(nemo tenetur se detegere). No Brasil, com a Constituição de 1988 (art. 5º, LXIII) e
com o art. 8º, 1, do Pacto de San José da Costa Rica (Decreto nº 678/92), há regra
expressa assegurando ao preso e ao acusado, em todas as fases do processo, o direito a
permanecer calado. Embora não haja previsão expressa do direito à não autoincrimi-
nação, pode-se, contudo, extrair o princípio do sistema de garantias constitucionais.
Dessa maneira, procura-se evitar que eventuais contradições, não relevantes,
ou, ainda, lapsos de memória ou coisa que o valha, presentes no momento do in-
terrogatório do réu, sirvam de motivação suficiente para o convencimento do juiz
ou do tribunal. E mais: evita-se o estímulo à cultura do quem cala consente, que
não oferece padrões mínimos para a reprodução de verdade alguma.
Com a Lei nº 11.689/08, e mais, desde a Lei nº10.792/03, o que já se con-
tinha de modo implícito no ordenamento jurídico brasileiro, por força do texto
constitucional, ocupa definitivamente seu espaço no Direito Processual Penal. O
acusado tem seu direito a permanecer calado e a não responder a perguntas, nos
exatos termos do disposto no art. 186, caput, do CPP, vedada a valoração do silên-
cio em prejuízo da defesa.

Da confissão

Trata-se a confissão do reconhecimento pelo réu da imputação que lhe foi feita
por meio da denúncia ou da queixa-crime. Segundo dispõe o art. 190 do CPP, se
o réu confessar a autoria, deverá ser perguntado sobre os motivos e circunstâncias
do fato, bem como se outras pessoas concorreram para a infração, declinando-as,
em caso positivo.

capítulo 3 • 63
Mesmo que tenha sido prestada judicialmente e na presença de defensor, não
tem a confissão força probatória absoluta, havendo a necessidade, para o fim de
fundamentar sentença condenatória, de que seja confrontada e confirmada pelas
demais provas existentes nos autos, verificando se entre ela e estas existe compati-
bilidade ou concordância.
Ressalte-se que a confissão pode ser extrajudicial, quando não é realizada pe-
rante o juízo, podendo constar nos autos de inquérito policial, nas investigações
do Ministério Público, nas comissões parlamentares de inquérito, dentre outras.
No entanto, ela tem pouco valor probatório, apenas podendo ser utilizada como
fundamento para a condenação se corroborada por provas contundentes que te-
nham sido colhidas em juízo sob o crivo do contraditório.
A confissão pode ser divisível e retratável, nos termos do art. 200 do CPP.
A característica da divisibilidade significa que o juiz pode considerar verdadei-
ra uma parte da confissão e inverídica outra parte, não sendo obrigado a valorar
a confissão como um todo. Já a retratabilidade quer dizer que, se o réu, mesmo
confesso em juízo, voltar atrás, caberá ao magistrado confrontar a confissão e a re-
tratação que lhe sucedeu com os demais meios de prova incorporados ao processo,
verificando qual delas deve prevalecer.

Da prova testemunhal

Testemunha é a pessoa que, perante o juiz, declara o que sabe dos fatos apu-
rados no processo penal, ou que tem percepções sensoriais a respeito dos fatos
imputados ao acusado.
Todo depoimento é uma manifestação do conhecimento acerca de um de-
terminado fato. Ao contrário do que ocorre no processo civil, toda pessoa poderá
depor no processo penal, incluindo-se menores de idade, crianças e até incapazes,
o que não significa que todos esses estejam em condições de contribuir, de alguma
maneira, para a formação da verdade judicial. O que se está colocando em relevo
é o fato relativo à capacidade geral para ser testemunha no processo penal (art.
202, CPP). De acordo com art. 206 do CPP, a testemunha não poderá eximir-se
da obrigação de depor, e, no art. 203, encontra-se a referência feita diretamente ao
compromisso de dizer a verdade.

capítulo 3 • 64
ATENÇÃO
Limitações de prova testemunhal
Em razão dos laços afetivos decorrentes de relações de parentesco entre determinadas
pessoas, o art. 206 do CPP prevê que poderão se recusar a depor “o ascendente ou descen-
dente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que separado ou divorciado, o irmão e o pai, a
mãe, ou o filho adotivo do acusado”.
No entanto, quando o único meio de obter a prova depender do depoimento de quem
tenha presenciado os fatos, e quando se tratar de infrações graves (estupro, homicídio etc.),
estará justificada a exceção à regra da dispensa, caso em que a testemunha terá o dever de
depor, bem como o dever de dizer a verdade.
Enquanto algumas pessoas são dispensadas do dever de depor, em razão dos laços
afetivos que as unem ao acusado, outras estarão impedidas de depor, em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, em que devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela
parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
De fato, se o réu procura um advogado ou um religioso para dar a eles conhecimento de
determinado fato delituoso, o depoimento de ambos implicaria, por vias oblíquas, a violação
do direito ao silêncio.
Assim, estão proibidos de depor os padres ou pastores de quaisquer religiões, os ad-
vogados, os médicos, os psicólogos e os psiquiatras que tenham conhecimento dos fatos a
partir do exercício das respectivas funções.
Tais pessoas, quando autorizadas pela parte interessada, poderão prestar o depoimento,
se assim quiserem, não sendo a tanto obrigadas (art. 207, CPP).

Da prova pericial

Ao longo da história, a apreciação das provas passou por diferentes fases,


conforme as convicções, os costumes, a conveniência e até mesmo o regime de
cada povo.
Primitivamente, adotou-se o sistema étnico ou pagão, ficando a apreciação das
provas a critério exclusivo das impressões do juiz, que as aferia de acordo com sua
própria experiência, num sistema empírico.
Depois, passou-se a aplicar o sistema religioso ou ordálio, invocando-se um
julgamento divino como critério de definição da inocência ou culpa do indivíduo.

capítulo 3 • 65
Os ordálios eram chamados de Juízos de Deus, firmando-se na falsa crença de
que a divindade intervinha nos julgamentos e que a veracidade dos fatos seria de-
monstrada com base em sinais externados no mundo terreno a partir da submissão
do pretenso culpado a determinadas provas corporais dolorosas, como a prova da
água fria (lançava-se o suspeito à água, sendo considerado culpado se viesse à tona
e inocente caso submergisse), a prova do ferro em brasa (obrigava-se o acusado a
transitar descalço sobre uma chapa de ferro em brasa, sendo considerado inocente
se nada lhe acontecesse) e o duelo judicial (realizado a cavalo ou a pé, de acordo
com a classe social das partes, por um determinado período de tempo, perdendo
o processo quem fosse vencido no duelo).
Por causa da evolução do direito, chegou-se, em dado momento histórico, ao
sistema legal (tarifado ou formal), segundo o qual a decisão do julgador deveria
estar vinculada a critérios predefinidos no ordenamento jurídico, ausente, portan-
to, qualquer liberdade de avaliação da prova, ou seja, a lei determinava o valor de
cada prova.
Com o passar dos tempos e o gradativo enfraquecimento dos regimes ab-
solutistas, o sistema legalista foi sendo, também, paulatinamente substituído
pelo sistema do livre convencimento (persuasão racional), em que, embora te-
nha o juiz liberdade na avaliação das provas, obriga a fundamentar as razões de
seu entendimento.
A prova pericial, antes de qualquer outra consideração, é uma prova técnica,
na medida em que pretende certificar a existência de fatos cuja certeza, segundo a
lei, somente seria possível a partir de conhecimentos específicos. Por isso, deverá
ser produzida por pessoas devidamente habilitadas, sendo o reconhecimento desta
habilitação feito normalmente na própria lei, que cuida das profissões e das ativi-
dades regulamentadas, fiscalizadas por órgãos regionais e nacionais.
Normalmente, o próprio Poder Público tem, em seus quadros de carreiras, os
peritos judiciais, responsáveis pela realização das perícias solicitadas pela jurisdição
penal. São os chamados peritos oficiais. A partir da Lei nº 11.690/08, a perícia
poderá ser realizada por apenas um perito oficial, portador de diploma de curso
superior, salvo quando o objeto a ser periciado exigir o conhecimento técnico em
mais de uma área de conhecimento especializado (art. 159, caput, e § 7º, CPP).
Na hipótese de ausência de perito oficial na comarca ou no juízo, o exame
será realizado por duas pessoas idôneas, necessariamente portadoras de diploma
de curso superior, preferencialmente na área específica, dentre aquelas que tiverem
habilitação técnica relacionada com a natureza do exame (art. 159, § 1º, CPP).

capítulo 3 • 66
No que se refere ao tráfico de drogas e entorpecentes, observa-se que, já desde
a Lei nº 11.343/06, não se exigia a presença de dois peritos oficiais no caso de
exame de constatação da natureza da substância entorpecente, previsto no art. 50,
§ 1º, exame esse necessário apenas para a lavratura da prisão em flagrante e do ofe-
recimento da denúncia. Nos termos do citado dispositivo, não havendo perito ofi-
cial, o laudo de constatação (provisório) poderá ser elaborado por pessoa idônea.
Embora a respectiva legislação (de drogas) não afirme de modo expresso, há
de se exigir da tal pessoa idônea um nível razoável de habilitação técnica para
a matéria.
Para gerar uma certeza mais segura, em relação a fatos específicos, quando se
tratar de fatos cuja prova da existência reclame uma opinião especializada, deman-
da-se a participação de prova técnica.
O próprio Código de Processo Penal comina de nulidade a ausência de corpo
de delito, quando a infração tiver deixado vestígio e este não tiver desaparecido,
e a exigência de prova específica para determinados delitos está prevista no art.
158, do CPP, “quando a infração deixar vestígios”. Nesse caso, será indispensável
o exame de corpo de delito, não podendo supri-lo a confissão do acusado, segundo
o mesmo artigo, quando não desaparecidos os vestígios.
Se deixar vestígios a infração, a materialidade do delito deverá ser objeto de
prova pericial, a ser realizada diretamente sobre o objeto material do crime, o
corpo de delito, ou, não mais podendo sê-lo, pelo desaparecimento inevitável do
vestígio, de modo indireto.
O exame indireto será feito também por perito oficial, mas a partir de infor-
mações prestadas por testemunhas ou pelo exame de documentos. O exame de
corpo de delito, ainda que indireto, será realizado por perito, e somente na sua
impossibilidade é que a prova testemunhal poderá substituí-lo. Portanto, exame
de corpo de delito (direto ou indireto) e a possibilidade de sua substituição por
prova testemunhal são situações que não se confundem. A prova pericial se faz por
meio da elaboração de laudo técnico, pelo qual os peritos responderão às indaga-
ções e aos esclarecimentos requeridos pelas partes e pelo juiz, por meio de quesitos.
O CPP autoriza que as partes, Ministério Público, querelante, assistente de
acusação e acusado formulem quesitos e indiquem assistente técnico, que atuará a
partir de sua admissão pelo juiz e somente após a conclusão dos exames e elabora-
ção do laudo pelo perito oficial, com intimação das partes (art. 159, § 3º e § 4º),
ou seja, os assistentes técnicos somente ingressarão no processo na fase instrutória
e após sua admissão pelo juiz.

capítulo 3 • 67
Quando possível a conservação do material a ser periciado, o exame dos assis-
tentes técnicos deverá ser feito na presença do perito oficial (art. 159, § 6º, CPP).
É importante ressaltar que o juiz, em razão de seu livre convencimento, não
estará adstrito ao laudo apresentado, podendo rejeitá-lo no todo ou em parte.

Das perguntas ao ofendido

O ofendido é a vítima do delito, isto é, o sujeito passivo da infração penal,


aquele que sofreu diretamente a violação da norma penal. Neste contexto, o meio
de prova rotulado como do ofendido objetiva trazer para dentro do processo a
versão prestada pela vítima da infração penal.
Estabelece o art. 201 do CPP, com a redação determinada pela Lei 11.690/2008,
que, sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as cir-
cunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa
indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
O § 1.º do art. 201do CPP dispõe que o ofendido que não comparecer ao ato
sem motivo justo poderá ser conduzido. Portanto, a condução não é obrigatória.
É importante salientar que o ofendido não se insere no contexto da prova
testemunhal. Testemunha, não está incluído no art. 342 do Código Penal e não
consta como eventual sujeito ativo do crime de falso testemunho. Assim, se men-
tir, poderá responder por falsa comunicação de crime (narrativa de crime que
sabe inexistente) ou denunciação caluniosa (falsidade quanto à autoria de crime
existente), mas não por falso testemunho. Não há que se falar, igualmente, em
possibilidade de recusa em depor, assegurada à testemunha que for cônjuge, as-
cendente, descendente ou irmão do réu, nos termos do art. 206, 2.ª parte, do CPP.

Do reconhecimento de pessoas e coisas

Por reconhecimento de pessoas compreende-se o ato pelo qual não apenas ví-
timas ou testemunhas, mas também acusados ou investigados identificam terceira
pessoa. Não se trata de ato informal, estabelecendo o art. 226 do CPP as formalida-
des de sua efetivação, dentre as quais a pessoa convidada a fazer o reconhecimento
deverá descrever a pessoa que deve ser reconhecida; em seguida, deverá o reconhece-
dor apontá-la entre outras que com ela guardarem semelhança, “se possível”.

capítulo 3 • 68
Se não forem observadas as formalidades do art. 226 do CPP, isto implica
mera irregularidade, não invalidando o ato, tampouco afetando seu poder de con-
vencimento. Devemos chamar a atenção quanto ao reconhecimento por meio de
fotografia realizada na fase do inquérito. Trata-se de meio legítimo de prova, mas
terá seu valor reduzido, podendo servir de elemento de convicção apenas quando
confirmado por outras provas.

Da acareação

Acareação é o procedimento que consiste em colocar frente a frente pessoas


que já prestaram depoimentos em momento anterior, para que esclareçam, me-
diante confirmação ou retratação, aspectos que se evidenciaram contraditórios.
É importante ressaltar que podem o ato, tanto o Delegado de Polícia, como o
juiz, pois o procedimento de acareação pode ser realizado tanto na fase de investigação
quanto durante a instrução criminal, razão pela qual é de todo conveniente que as res-
pectivas autoridades somente liberem as testemunhas após o depoimento de todas elas.

Dos documentos

Desde que observado o princípio do contraditório1, será sempre possível a


juntada de documentos, em qualquer fase do processo (art. 231, CPP), à exceção
da fase de plenário do julgamento pelo Tribunal do Júri, se o documento não tiver
sido apresentado com a antecedência mínima de três dias (art. 479, CPP).
A noção de documento deve ser a mais flexível possível, daí dispor o art.
232 do CPP, que se consideram documentos quaisquer escritos, instrumentos ou
papéis, públicos ou particulares, reconhecendo-se o mesmo valor à cópia do docu-
mento, desde que devidamente autenticada.
Ao juiz permite-se a requisição, de ofício e na fase de instrução, de documento
cuja existência tenha chegado ao seu conhecimento, quando necessário para resol-
ver dúvida sobre ponto relevante do material probatório.

1  O princípio do contraditório é síntese do processo, o equilíbrio entre tese e antítese. Dito de outra forma, “direito
assegurado às partes de serem cientificadas de todos os atos e fatos havidos no processo, podendo manifestar-se
e produzir provas necessárias antes de ser proferida a decisão jurisdicional” (Avena, 2017:p,32). Cabe destacar
também acerca do princípio da ampla defesa, pois está intimamente ligado ao princípio do contraditório, que “traduz
o dever que assiste ao Estado de facultar ao acusado toda a defesa possível quanto à imputação que lhe foi
realizada”(Idem:p,34).

capítulo 3 • 69
Dos indícios

O indício é tratado no art. 239 do CPP e não chega a ser propriamente um


meio de prova, mas de utilização de um raciocínio dedutivo, para, a partir da
valoração da prova de um fato ou de uma circunstância, chegar-se à conclusão da
existência de outro ou de outra.
A prova indiciária terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza
do fato ou da circunstância que por meio dela se pretender comprovar, embora,
no sistema processual vigente, os indícios tenham, teoricamente, o mesmo valor
das demais provas – visto que a regra é a ausência de hierarquia entre os diversos
elementos de convicção e, se induvidosa, cabal, sólida e veemente, é capaz de em-
basar sentença condenatória.

Da busca e apreensão

A classificação da diligência de busca e apreensão é definida no art. 240 do CPP:


busca domiciliar, se realizada na casa do investigado ou acusado (§ 1.º); e busca
pessoal, se efetivada no corpo da pessoa ou em objetos que traga consigo (§ 2.º).
Trata-se a busca e apreensão de medida para acautelamento de material proba-
tório, de coisa, de animais e até de pessoas que não estejam ao alcance espontâneo
da Justiça.
Por busca domiciliar entende-se aquela realizada em residência, bem como em
qualquer compartimento habitado ou aposento ocupado de habitação coletiva ou em
compartimento não aberto ao público, no qual alguém exerce profissão ou atividade,
nos termos do art. 246 do CPP. Todos esses locais, bem como os quartos de hotéis,
motéis ou equivalentes, quando habitados, encontram-se incluídos e protegidos pela
cláusula constitucional da inviolabilidade de domicílio. A seu turno, o automóvel não
se inclui na definição legal de domicílio, a não ser quando estiver no interior deste.
Já a busca pessoal não depende de autorização judicial, conforme entendimen-
to do STF no Recurso Ordinário em Habeas Corpus, RHC 117767/2010 – DF,
ainda que se possa constatar, em certa medida, uma violação à intangibilidade do
direito à intimidade e à privacidade, previstos no art. 5º, X, da CF., ocorrendo
dentro da previsão do art. 244 do CPP. Tal intromissão, no entanto, somente é
possível “quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma
proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a
medida for determinada no curso de busca domiciliar”. Neste último caso, no

capítulo 3 • 70
curso de busca domiciliar, há, na realidade, ordem judicial, uma vez que a pessoa
se encontraria dentro do local cuja inviolabilidade já havia sido quebrada.

Considerações finais

Neste capítulo, pudemos ter a certeza de que a busca da verdade é um proces-


so histórico e inerente à sociedade em que vivemos, com evidência desde os escri-
tos bíblicos.
Para embasar o processo penal brasileiro, foram criados, dentre outros princí-
pios, aquele tido como o maior norteador dos magistrados: o princípio da verdade
real. Por meio deste princípio, o magistrado tem como prerrogativa solicitar demais
provas, caso não esteja satisfeito em sua análise com aquelas já apresentadas pelas
partes. Em contrapartida, há autores que entendem que, fazendo tal inferência, o
magistrado impactará diretamente no princípio da imparcialidade. Assim, fica aqui
o exercício de pensarmos sobre a importância do princípio da verdade real.
Também foi possível obter maior compreensão quantos aos aspectos proba-
tórios no processo penal, não só no que tange as suas fases, desde o momento em
que a prova é proposta até a sua valoração pelo magistrado, mas também todos os
meios de prova típicos previstos no Código de Processo Penal, além dos fatos que
dispensam a produção probatória.

ATIVIDADES
Ano: 2018
Banca: NUCEPE
Órgão: PC-PI
Prova: Perito Criminal – Engenharia Civil (adaptada)

01. Sobre o exame do corpo de delito e as Perícias em geral, assinale a alternativa incorreta.
a) Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto
ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
b) Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que,
em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto cir-
cunstanciado.
c) O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora.

capítulo 3 • 71
d) O juiz ficará adstrito ao laudo, não podendo rejeitá-lo no todo ou em parte.
e) Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios,
a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

Ano: 2018
Banca: FCC
Órgão: DPE-AM
Prova: Defensor Público

02. A pessoa está proibida de testemunhar em processo penal, quando deva guardar segre-
do em razão de função, ministério, ofício ou profissão. A proibição restará superada quando
a) desobrigada do segredo pela parte interessada.
b) não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas cir-
cunstâncias.
c) a pessoa deixar de exercer a função, ministério, ofício ou profissão que exigia o dever
de guardar segredo.
d) for decretado o sigilo da ação penal e a identidade da testemunha for preservada.
e) a vítima do crime for pessoa vulnerável em razão de idade, deficiência ou doença mental.

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Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2018-set-08/verdade_ formal_real_relacionamento
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NICOLITT, André Luiz. Manual de Processo Penal. 5 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
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capítulo 3 • 73
capítulo 3 • 74
4
A perícia nas
diversas áreas e
seus ramos
A perícia nas diversas áreas e seus ramos
Este capítulo apresenta, em sua primeira parte, a atuação dos peritos nas mais
variadas áreas, além de trabalhar as normas dos Códigos de Processo Civil (CPC)
e Processo Penal (CPP). Aborda as soluções em caso de divergências no laudo pe-
ricial, além da necessidade de uma segunda perícia, a fim de complementar outra
já realizada, bem como a possibilidade de declarar o perito suspeito.
No segundo e último ponto, o capítulo trabalha aspectos da ciência forense e
de demais técnicas que podem contribuir nas soluções judiciais e administrativas.

OBJETIVOS
•  Apresentar os tipos de perícias e seus principais elementos;
•  Identificar a contribuição das diversas disciplinas para o trabalho pericial.

Perícia – aspectos gerais

Perícia, perito e a prova pericial

A palavra perícia vem do latim peritia (-ae – substantivo feminino da primeira


declinação), que significa o conhecimento adquirido pela experiência, saber, habi-
lidade, conforme dicionário Priberam.
Assim, perícia é como se chama o processo de exame feito por um profissional
especialista, que é legalmente habilitado para tal, que tem como propósito realizar
a verificação ou o esclarecimento de determinado fato, procurando, entre outras
coisas, conseguir determinar quais são as causas motivadoras.
As perícias podem ser de diversos tipos, com finalidades voltadas para cada
uma das situações específicas às quais são destinadas: perícia criminal, perícia am-
biental, perícia de engenharia, perícia tecnológica, perícia médica e muitas outras.
Algumas são mais conhecidas do que outras, com especial destaque para as pe-
rícias criminal e médica, que são mais comuns na vida das pessoas, especialmente
a segunda, que pode surgir em situações relacionadas a afastamentos de emprego,
por exemplo.

capítulo 4 • 76
Dentro do Direito, uma perícia pode ter o status de prova, sendo realizada
por peritos qualificados tecnicamente para realizar a análise de fatos juridicamente
relevantes ao caso.
Esses peritos podem ser nomeados por um juiz, ou então podem ser devida-
mente e oficialmente constituídos por obra de concurso público para exercer essa
função tão importante, dando origem ao que chamamos de prova pericial.

Tipos de peritos

Falamos aqui em tipos de peritos, levando em conta a especialidade que tem o


expert, combinado ao objeto de pesquisa a ser realizada. Passaremos a analisá-los
buscando ressaltar a relevância prática de cada um deles.

Perito em Informática

A perícia em informática desempenha papel fundamental na solução de cri-


mes que utilizam a Internet, entre outros recursos informatizados. Todo trabalho é
feito com base em exames minuciosos, que vão desde análises em local de crime na
Internet e mídias de armazenamento até rastreamento de mensagens eletrônicas,
identificação e localização de internautas e sites ilegais.
Tais peritos atuam frequentemente em investigações que envolvem exploração
sexual de menores na Internet e fraude contra instituições financeiras.

Perito contábil e financeiro

A repressão aos crimes financeiros é foco de atuação da perícia contábil e


financeira. Os crimes dessa natureza consistem em todo delito, sem o uso de vio-
lência, danoso à sociedade e que tenha como objetivo final a obtenção de lucro.
Inclui as atividades ilegais: crimes do colarinho branco, gestão fraudulenta
de instituição financeira, evasão de divisas, manutenção de depósitos não decla-
rados no exterior, sonegação fiscal, crimes em licitações, apropriação indébita de
contribuição previdenciária, corrupção (ativa e passiva), peculato, crimes contra
o mercado de capitais, crimes contra as finanças públicas, lavagem de dinheiro,
entre outros.
Os exames financeiros analisam extratos e documentos provenientes de quebra
de sigilo bancário e fiscal, com o objetivo de verificar possíveis incompatibilidades

capítulo 4 • 77
entre a movimentação financeira e as declarações do imposto de renda e evolução
patrimonial incompatível.

Perito em documentos

As perícias documentos cópicas estão presentes frequentemente nas atuações


policiais, principalmente no combate à fraude documental, muito utilizada nos
crimes contra o sistema financeiro nacional.
Os peritos da área buscam, por meio de exames, comparações e análises cien-
tíficas em documentos, esclarecer a autenticidade do material recolhido, revelando
os processos e os métodos utilizados nas falsificações de papéis e assinaturas. Um
dos ramos mais requisitados é a grafoscopia, técnica utilizada para estabelecer a
autenticidade ou a autoria de textos escritos à mão.
Entre os materiais analisados pelos peritos está qualquer documento impresso
que seja objeto de investigação policial ou criminal: passaportes, títulos da dívida
pública, carteiras de habilitação, cédulas de identidade, carteiras profissionais, se-
los, papel-moeda, vistos, certidões e formulários, entre outros.

Perito audiovisual e em eletrônica

Grampos telefônicos, clonagem de cartões de crédito, centrais de telefonia


clandestina, rádios piratas e provedores de Internet ilegais. Estes são alguns dos
delitos que, frequentemente, exigem a atividade pericial em audiovisuais e eletrô-
nicos do Departamento da Polícia Federal.
Os peritos realizam exames que visam identificar a “autenticidade” de imagens
estáticas, gravações em áudio e vídeo. O objetivo é apurar se não há montagens,
trucagens, supressões e outras alterações de caráter fraudulento. Eles também rea-
lizam exames para a verificação do locutor e reconhecimento facial.

Perito em química forense

A análise, a caracterização e o desenvolvimento de novas metodologias de exa-


mes em drogas, fármacos (medicamentos), agrotóxicos, alimentos, tintas, docu-
mentos, bebidas, combustíveis, em diferentes formas de apresentação. Os peritos
criminais em laboratório realizam exames no material solicitado, a fim de identi-
ficar as substâncias presentes, sua quantidade, seu princípio ativo, além da prerro-
gativa legal, que tange à parte técnica, ou seja, à licitude da substância.

capítulo 4 • 78
Peritos em engenharia

São eles os responsáveis por analisar se uma rede de esgoto foi toda construída,
o custo de mercado da escola no interior do estado, se a venda de um imóvel foi
abaixo do valor de mercado ou a causa do rompimento de uma barragem.
A área de perícias em engenharia tem, em seu histórico, casos de grande di-
versidade, tais como desvio de verbas em obras públicas, avaliações de imóveis
urbanos e rurais, acidentes aéreos e até mesmo análises em obras de arte.

Peritos em meio ambiente

Os peritos criminais das áreas de atuação da criminalística ambiental tra-


balham na realização de exames e produção de laudos periciais em crimes que
envolvem fauna, flora, poluição, extração mineral e invasão de áreas protegidas.
Incluem, ainda, exames em sítios arqueológicos e de patrimônio natural, caracte-
rizar e avaliar danos ambientais em áreas alteradas, identificar organismos vivos,
classificar minerais e avaliar o impacto ao meio ambiente decorrente da interven-
ção sobre esses organismos ou minerais.

Peritos em genética forense

As perícias em Genética Forense realizam análises de identificação genética em


humanos, animais e vegetais. Nos exames com DNA humano, a perícia identifica
a origem do material biológico questionado deixado no local de crime. Em caso
de exame de vínculo genético, o objetivo, em geral, é a identificação de restos
mortais, principalmente ossadas ou corpos carbonizados.
Qualquer tipo de material biológico humano, como sangue, sêmen, saliva,
tecido epitelial, entre outros, são passíveis de exame.

Peritos em balística

Os peritos em balística forense são responsáveis por confirmar a prova da


ocorrência de um crime que tenha como objeto principal uma arma de fogo. O
trabalho consiste na identificação de armas e revelação de caracteres de registro
que foram adulterados e suprimidos pelos criminosos. Além disso, são realizados
exames mais completos em armas, munições, entre outros elementos, à procura
de provas materiais.

capítulo 4 • 79
Peritos em locais de crime

O local de crime é fotografado e analisado e é feita a coleta de todos os vestígios


necessários, que, posteriormente, são submetidos a análises em laboratório. O trabalho
de perícias em locais de crimes é realizado pelos peritos criminais que atendem as ocor-
rências em locais que envolvam os mais diversos tipos de crimes, tais como incêndios,
acidentes de trânsito, crimes contra o patrimônio, entre outros. O maior número de
ocorrências acontece nos estados. O INC, por sua vez, destaca-se no atendimento aos
grandes desastres e às ameaças de bombas, recorrentes na capital federal.

Peritos em veículos

Em diversas ocorrências criminais, existe a ligação direta ou indireta com um


veículo e, em muitas delas, os veículos envolvidos apresentam uma série de vestí-
gios, cujo processamento pode demandar a atuação de peritos criminais, buscando
por alterações e pela identificação de compartimentos preparados com o fim de
ocultar itens ou mercadorias ilícitas.

Competências do perito criminal e do perito legista

O perito criminal está, a serviço da justiça, especializado em encontrar ou


proporcionar a chamada prova técnica ou prova pericial, mediante a análise cien-
tífica de vestígios produzidos e deixados na prática de delitos. Os peritos criminais
de local de crime realizam a análise da cena de crime, identificando, registrando,
coletando, interpretando e armazenando vestígios, e são responsáveis por estabele-
cer a dinâmica e a autoria dos delitos e realizar a materialização da prova que será
utilizada durante o processo penal.
O perito legista é um perito oficial auxiliar do juiz que emite sua opinião téc-
nica sobre os vestígios intrínsecos da violência, isto é, sobre os vestígios no corpo
humano que denunciam se houve crime, suicídio ou acidente.
No dia a dia do profissional, as atividades mais rotineiras são: exames periciais
no vivo, no morto, como autópsias e exumações, além de identificação médico-le-
gal e colheita de material biológico.
Para ser um médico-legista, é necessário ser formado em Medicina e estar
inscrito regularmente no Conselho Regional de Medicina. O campo de atuação
no mercado de trabalho é bem diverso, tanto em carreira pública como privada.

capítulo 4 • 80
Atua em instituições oficiais – no caso, nos Institutos Médicos Legais (IML)
– e também como perito nomeado não oficial em outras áreas do Direito, quando
a perícia for de natureza médico-legal.

Obrigatoriedade dos exames

Obrigatoriedade do exame de corpo de delito e possibilidade de suprimento


O art. 158 do CPP determina que, quando a infração deixar vestígios, será
indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-
-lo a confissão do acusado. Esta regra guarda simetria com o art. 564, III, b, do
CPP, dispondo que constitui nulidade a falta do exame de corpo de delito, salvo
o disposto no art. 167 do mesmo Código. Este, por sua vez, refere a possibilidade
de suprimento do exame de corpo de delito pela prova testemunhal quando o
vestígio houver desaparecido.
A partir da conjugação dessas três normas – arts. 158, 564, III, b, e 167 –,
constata-se que a regra, efetivamente, é a obrigatoriedade da perícia para consta-
tação dos sinais visíveis deixados pela infração penal. Também como regra, a falta
dessa perícia importará em nulidade processual, salvo se motivada no desapare-
cimento do vestígio, caso em que a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Cabe ressaltar que, em razão da liberdade do magistrado em avaliar as provas,
e tendo todas elas o mesmo valor, além da prova testemunhal, qualquer outra,
exceto a confissão isolada, é capaz de suprir a falta da perícia na hipótese de desa-
parecimento do vestígio. Pode ser uma prova documental, como a fotografia, ou
até mesmo a palavra da vítima.
A confissão foi excepcionada porque é uma prova que tem valor relativo, de-
pendente de confirmação por outros meios. Tanto é assim que o art. 197 do CPP,
ao tratar do valor da confissão, estabelece que será apreciada pelos critérios ado-
tados para os outros elementos de prova, mas que, para sua valoração, “deverá ser
confrontada com as demais provas do processo, verificando-se se entre ela e estas
existe compatibilidade ou concordância”. Em suma, relativamente à confissão,
pode-se afirmar que é limitada à liberdade de convencimento do juiz, o qual pode
utilizá-la como prova, mas não sem antes cotejá-la com os demais elementos de
convicção carreados ao processo, a fim de verificar se corroboram a confissão ju-
dicialmente prestada.

capítulo 4 • 81
CURIOSIDADE
Há previsão no art. 77, § 1.º, da Lei 9.099/1995, relativa às infrações de menor potencial
ofensivo, para o oferecimento da denúncia, não é indispensável o exame de corpo de delito
quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.
Ou seja, nesses casos, não se exige, no momento do oferecimento da denúncia ou da
queixa, a prova pericial comprobatória da materialidade delitiva, bastando a presença de bo-
letim médico ou prova equivalente.

Dos exames periciais

A prova pericial, no código de processo penal, vem explicitada nos artigos de


158 a 184, só para tratar de prova pericial. Do ponto de vista do processo penal,
perícia é o exame realizado por perito que detenha habilitação técnica e capacita-
ção sobre determinada área de conhecimento.
Capacitação técnica se adquire com a experiência prática, com estudo, não
necessariamente quem tem a habilitação técnica tem a capacitação.
A finalidade da perícia é prestar esclarecimentos técnicos ou científicos ao
julgador sobre fato que requer explicação inteligível para auxiliá-lo no julgamento,
no seu convencimento. Até mesmo porque o juiz não tem a obrigação de saber
tudo, dominar cientificamente tudo, todas as provas que possam aparecer, surgir.
O perito é um auxiliar do juiz, da justiça.
Nas ações cíveis, o perito é nomeado, designado pelo juiz, geralmente é uma
pessoa que ele conhece, em quem ele confia.
No processo penal, o perito como regra não atua no setor privado. Aqui o pe-
rito é aquele oficial, é especializado em determinada área, tem capacitação, é o pe-
rito concursado, que presta concurso para trabalhar no instituto de criminalística.

Da divergência entre peritos

Apesar da redação do art. 159, caput, do CPP, no sentido de que o exame de


corpo de delito e as outras perícias serão realizados por “perito oficial” (um, por-
tanto), existem determinadas hipóteses em que persiste a obrigatoriedade de ser a
perícia executada por mais de um profissional. É o caso, por exemplo, da perícia
efetuada por peritos não oficiais, exigindo o art. 159, § 1.º, do CPP o mínimo de

capítulo 4 • 82
dois profissionais na sua efetivação; também assim o laudo toxicológico definitivo,
sugerindo a redação do art. 50, § 2.º, da Lei 11.343/2006, a necessidade de que
seja confeccionado por mais de um perito (refere o dispositivo que o perito que
subscrever o laudo provisório não ficará impedido de participar do laudo defini-
tivo, concluindo que não se pode participar de algo sozinho); e, ainda, a perícia
realizada para fins de materialização dos crimes contra a propriedade imaterial de
ação penal privada, referindo-se o art. 527 do CPP, expressamente, a “dois peritos”.
Em tais hipóteses, participando mais de um profissional no exame pericial, é
possível que venham eles a divergir nas respectivas conclusões. Para solucionar o
impasse daí decorrente, prevê a lei, no art. 180, que, se houver divergência entre os
peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e as respostas de um e
de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará
um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a
novo exame por outros peritos.
Sintetizando as possibilidades, teremos as seguintes situações, conforme o quadro:

a) Laudos dos peritos convergentes e o juiz concorda com o resultado do laudo: a


decisão será proferida em acordo com a perícia.
b) Laudos dos peritos convergentes e o juiz NÃO concorda com o resultado: o juiz
proferirá decisão contrária ao laudo, fundamentando-a, porém, em outros elementos de
prova apresentados no processo.
c) Laudos dos peritos divergentes, o juiz poderá adotar uma das seguintes soluções:
1. Poderá optar por uma das soluções apontadas, discordando da outra e funda-
mentando o seu entendimento.
2. Poderá nomear um terceiro perito – chamado de “desempatador” – para indicar
qual sua posição em face das conclusões contraditórias dos peritos que o antece-
deram no exame.
3. Se o perito desempatador divergir das conclusões dos peritos que realizaram o
primeiro laudo, poderá o juiz determinar nova perícia, a ser realizada por dois outros
peritos, ignorando, então, a primeira realizada.

Da necessidade de exame complementar

Laudos complementares são aqueles resultantes de perícias realizadas em


momento posterior à perícia principal e que devem ser realizados, ou seja, se é

capítulo 4 • 83
chamada de complementar, indica que já houve uma perícia anterior, que deve
completar algo que existe.
Duas, basicamente, são as situações que levam o Delegado de Polícia, o juiz e
o próprio Ministério Público a determinar ou requisitar essa providência, a saber:
a) Esclarecimento de omissões, obscuridades ou contradições (art. 181 do
CPP). Não se trata, aqui, de posicionamentos divergentes dos peritos, mas
de laudo, efetivamente, contraditório em suas conclusões. Exemplo: Atesta,
como causa da morte de pessoa, com base em corpo encontrado em um
incêndio, a asfixia decorrente da queima de objetos, ao mesmo tempo em
que refere encontrarem-se os pulmões do cadáver sem resíduos de fumaça
ou fuligem;
b) Necessidade de aguardar o decurso de certo período de tempo para ava-
liar a gravidade das lesões, buscando a correta tipificação. Exemplo: Exame
complementar para a constatação da efetiva incapacidade para as ocupações
habituais por mais de trinta dias, o que deve ser feito logo após o decurso
desse período (art. 168, caput e §§ 1.º e 2.º, do CPP).

Da suspeição do perito

Aplicam-se aos peritos os mesmos casos de suspeição dos juízes, conforme


consta no art. 280 do CPP. Trata-se de um caso de interpretação extensiva aos
peritos, por levar em conta que este é um auxiliar da justiça. Mas o que seria essa
suspeição? As causas de suspeição decorrem de motivos de incapacidade subjetiva
do juiz, pois o vinculam a uma das partes. Elas estão arroladas no art. 254 do
Código de Processo Penal, dispondo que o juiz dar se á por suspeito e, se não o
fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I. se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II. se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente estiver respondendo a
processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III. se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro
grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de
ser julgado por qualquer das partes;
IV. se tiver aconselhado qualquer das partes;
V. se for credor ou devedor, tutor ou curador de qualquer das partes;
VI. se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no
processo”.

capítulo 4 • 84
Ou seja, as causas de suspeição estão direcionadas inicialmente aos juízes, mas
se aplicam também aos peritos por expressa previsão legal.
Tal previsão também consta do código de processo civil, em seu artigo 467,
que o perito pode escusar-se ou ser recusado por suspeição, caso em que, se o juiz
aceitar a escusa ou ao julgar procedente a impugnação, nomeará novo perito.

Ramos da perícia

A ciência forense

A ciência forense é compreendida como uma área interdisciplinar, que tem


como objetivo fornecer subsídios para a justiça criminal e civil. Física, biologia,
química, matemática e várias outras ciências de fronteira são algumas das im-
portantes disciplinas que, atuando em conjunto, buscam maior conhecimento e
resolução dos casos em caráter legal. (Chemello, 2006).
As técnicas utilizadas no âmbito das diferentes disciplinas possibilitam a aná-
lise mais aproximada dos vestígios e os caminhos a serem seguidos. Evidências
encontradas na investigação, tais como sangue, sêmen, cabelo e outros tecidos,
são encaminhadas para laboratório criminal, para análise dos técnicos. Também
podem ser utilizados a análise de autenticidade de obras de arte e de documentos,
o exame de combustíveis e até os testes de DNA.
Cabe destacar que os técnicos envolvidos no processo são designados para
atuar no papel de peritos forenses, com o objetivo de procurar e analisar pro-
vas, bem como obter e trocar conhecimentos que se utilizam na Investigação
Criminalística e na Ciência Forense.

No Código de Processo Civil

O “Novo Código de Processo Civil”, Lei nº13.105/2015, traz novidades no


que tange a produção de prova pericial.
O Estado-Juiz tem o dever de análise e resolução da questão por meio da apli-
cação das normas legais, garantindo o respeito à ordem jurídica e a paz social. Para
tal, utiliza-se como um dos meios de prova a prova pericial, que, por sua complexi-
dade e necessidade de conhecimento técnico ou científico, exige que um órgão ou
perito, especialista nomeado conforme cadastro prévio, auxilie o juiz com diligên-
cia e imparcialidade (art.149, CPC). Cabe destacar que a possibilidade de o juiz

capítulo 4 • 85
ser assistido por órgãos técnicos ou científicos, não se restringindo mais a pessoas
físicas, é uma das novidades do Novo Código Civil.
Ao ser nomeado, o auxiliar do juiz, ou perito ou órgão, deverá cumprir o seu
trabalho no prazo acordado. Poderá, ainda, se for o caso, no prazo legal de quinze
dias, escusar-se do encargo alegando justo motivo, sob pena de renúncia a tal di-
reito (art.157, § 1º, CPC).
Apesar da dispensa de assinar um termo de compromisso, o perito deve cum-
prir honestamente seu encargo. Nos casos em que o perito prestar falsas informa-
ções, este será responsabilizado pelos danos causados às partes. Além disso, este
perito fica impossibilitado de atuar em outras perícias no prazo de dois a cinco
anos, sem prejuízo de outras sanções.
A prova pericial compreenderá em exame, vistoria ou avaliação, sendo deter-
minada de ofício ou por requerimento das partes. Em contrapartida, será indefe-
rida nas seguintes situações:
a) quando não houver a necessidade de conhecimento técnico para prova
do fato;
b) quando o fato já estiver comprovado por outros meios de prova;
c) quando a verificação for impraticável (art.464, § 1º, CPC).

Nas situações em que o objeto da perícia apresente maior complexidade, com


a necessidade de conhecimentos das mais distintas áreas, o magistrado nomeará
mais de um perito, cada um na sua área de conhecimento (art.475, CPC).
Quando as partes na fase inicial e de contestação apresentarem documentos
ou pareceres esclarecedores e considerados suficientes pelos magistrados, a produ-
ção da prova pericial poderá ser dispensada (art.472, CPC).

Especialização dos peritos

Com o objetivo de garantir a segurança e minimizar riscos às partes e ao resul-


tado útil do processo, o Novo Código Civil dispõe que, para o cargo de perito, só
pode ser nomeado o profissional especialista na área de conhecimento do objeto
da perícia. Após a ciência da sua nomeação, tal especialista deverá apresentar seu
currículo e documentos comprobatórios da especialização em cinco dias (art. 465,
§ 2º, II, CPC).
Nas situações em que houver ausência de conhecimento técnico ou científico,
o perito deverá ser substituído (art.468, I, CPC).

capítulo 4 • 86
Nomeação do perito

O juiz nomeia o perito e fixa o prazo para a entrega do laudo, determinando


a cientificação do especialista e a intimação das partes.
As partes, tão logo intimadas da nomeação do perito, poderão, no prazo de 15
(quinze) dias, indicar assistente técnico, apresentar quesitos e, se for o caso, arguir
impedimento ou suspeição.
Com a ciência da sua nomeação e após compreensão de não ser o caso de
escusar (arts.157 e 467, CPC), o perito deverá apresentar, em 5 (cinco) dias, os
seguintes documentos:
a) proposta de honorários;
b) currículo, comprovando a especialização;
c) dados profissionais de contato, especialmente o e-mail, para o qual se-
rão endereçadas as intimações pessoais.

Perícia consensual

O juiz nomeará o perito, como também permitirá que as partes, de comum


acordo, escolham o perito que deverá atuar no caso (art. 471), conforme a Lei nº
13.105/2015. A escolha pelas partes poderá ser feita por meio de requerimento,
desde que plenamente capazes e cuja causa admita autocomposição. No momento
da escolha do perito, também deverão ser indicados os seus assistentes técnicos e
apresentados os quesitos.
O trabalho pericial será realizado em local e data agendados previamente. O
perito apresentará seu laudo no prazo estabelecido pelo juiz, assim como deverão
fazer também os assistentes técnicos com seus pareceres.

Honorários periciais

Ao apresentar a proposta de honorários e sendo o valor proposto excessivo, é possí-


vel, após viabilizada a manifestação das partes, pleitear a redução, com fundamento nos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, cabendo ao magistrado decidir.
Fixado o valor dos honorários periciais, a parte que requereu a produção da
prova pericial deverá adiantar o recolhimento da referida importância. Esse mon-
tante será rateado entre as partes quando a prova pericial for determinada de ofício
ou requerida por ambas (art.95,CPC).

capítulo 4 • 87
Prova pericial e o benefício da justiça gratuita

Nos casos em que a parte recebe o benefício da gratuidade da justiça, a prova


pericial poderá ser realizada da seguinte forma:
a) por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado;
b) por particulares.

A perícia é custeada, na primeira situação, com recursos alocados no orçamen-


to do ente público e na outra com os recursos alocados no orçamento da União,
do Estado ou do Distrito Federal, conforme valor estabelecido na tabela do tribu-
nal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça (art.
95, CPC).
É importante destacar que está vedada a utilização de recursos do fundo de custeio
da Defensoria Pública para realização de prova pericial, conforme art.95 do CPC.

Quesitos e assistente técnico

Como já sinalizado em tópico anterior, as partes terão um prazo de 15 dias


para indicar assistentes técnicos com a apresentação de quesitos, desde a intimação
da nomeação do perito, conforme previsto no artigo 465, § 1º, CPC. Esses assis-
tentes técnicos não passarão por arguição, suspeição ou impedimento, já que são
profissionais de confiança das partes.
O juiz analisará os quesitos apresentados pelas partes e poderá, de ofício ou a
requerimento, indeferir todos aqueles que avaliar como não pertinentes.
Os peritos e os assistentes técnicos poderão utilizar “de todos os meios ne-
cessários” para desempenhar suas atividades, como ouvir testemunhas para obter
informações, solicitar documentos que estejam com a parte, terceiros ou em re-
partições públicas, ainda utilizar planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias
ou outros elementos necessários para subsidiar seus laudos (art.473,§ 3º, CPC).

Laudo pericial

A entrega do laudo deverá ocorrer no prazo determinado pelo juiz, com pelo
menos 20 (vinte) dias de antecedência da data da audiência de instrução e julga-
mento (art. 477, CPC). Ao perito é dada a possibilidade de requerer ao juiz uma
única prorrogação do prazo para a entrega do laudo, desde que apresente justo

capítulo 4 • 88
motivo e que não exceda a metade do prazo estabelecido inicialmente acordado
(art. 476, CPC).
O Código de Processo Civil exige que o laudo pericial elaborado pelo perito
judicial tenha a seguinte estrutura:
a) Apresentação do objeto da perícia
Tópico em que o perito trata claramente dos elementos que integram o objeto
da perícia, com destaque para os pontos em que o esclarecimento do trabalho
pericial é esperado.

b) Análise técnica ou científica


Por meio de uma linguagem simples e detalhada, o perito deve apresentar de que
forma realizou a análise técnica ou científica, a fim de possibilitar a compreensão do
juiz, das partes e do Ministério Público dos fundamentos adotados para a sua conclusão.

c) Método utilizado
O perito esclarece, neste tópico, o método que o levou a determinada con-
clusão, inclusive apresentando o reconhecimento predominantemente do método
utilizado pelos especialistas da área.

d) Respostas conclusivas a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pe-


las partes e pelo órgão do Ministério Público
As respostas não deverão ser limitadas em apenas sim ou não. Deverão constar
no laudo respostas conclusivas a todos os quesitos levantados, com exceção daque-
les que não forem pertinentes e indeferidos pelo juiz, como também daqueles que-
sitos considerados suplementares formulados pelas partes no decorrer do trabalho
da perícia. No entanto, o perito poderá responder em audiência de instrução e
julgamento, conforme artigo 469 do CPP.
Após apresentação do laudo, o juiz concederá 15 dias para manifestação das
partes, para que possam apresentar os pareceres de seus assistentes técnicos.
Caso haja o entendimento de que a perícia não atendeu às exigências legais,
resultando em uma perícia deficiente ou inconclusiva, poderá o magistrado redu-
zir os honorários do perito anteriormente acordado.
Nessas situações de deficiência da perícia, o juiz pode, de ofício ou a pedido
das partes, solicitar a realização de nova perícia sob as mesmas disposições da an-
terior (art.480, CPC).

capítulo 4 • 89
Na esfera administrativa

De acordo com a lei 8.112/90, conhecido como estatuto dos servidores públi-
cos da União, em seu artigo 155, com a instauração do processo administrativo, é
formada comissão disciplinar que ficará responsável pela tomada de depoimentos,
acareações, investigações e atos importantes, estes chamados de diligências, objeti-
vando a coleta de provas, e, quando avaliar necessário, recorrer a técnicos e peritos,
de forma a esclarecer os fatos.
Destaca-se que a diligência pode ser solicitada pelo próprio acusado ou por
iniciativa da autoridade processante. Segundo a previsão do art. 156 da Lei n°
8.112/90, é “assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoal-
mente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir
provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial”.
A prova pericial é de suma importância no processo disciplinar, e dentro das
possibilidades a comissão deverá escolher os peritos e os assessores técnicos dentro
dos quadros dos servidores públicos federais. Assim, quando se tratar de exame
grafotécnico, o colegiado disciplinar deverá remeter os materiais colhidos do pró-
prio punho do acusado para a Seção de Criminalística da Polícia Federal, com
a finalidade de ser emitido um laudo pericial sobre documentos que precisam
ser examinados.
Em razão de um conhecimento mais específico da matéria tratada no processo
disciplinar, o trio poderá solicitar à autoridade instauradora a autorização para a
realização da perícia por particulares, como, por exemplo, exame mecanográfico
(trabalhos de cálculo industrial ou comercial com a ajuda de máquinas contábeis,
tais como impressora fiscal) quando esse for indispensável à elucidação dos fatos
apurados no processo administrativo em execução.

Criminalística

A Criminalística, também chamada “Polícia Científica”, ou “Técnica Policial”,


é a arte de descobrir os indícios, interpretá-los, apreciar a importância e o valor
da pessoa ou da presunção que deles resulta. É uma técnica que busca os conheci-
mentos das ciências nas mais diversas áreas, tais como Biologia, Botânica, Física,
Química e, ainda que raramente, Matemática.

capítulo 4 • 90
Principais perícias elencadas no Código de Processo Penal

Perícia no caso de lesões corporais graves pela incapacidade para as ocupações


habituais por mais de trinta dias

Tratando-se do crime de lesões corporais, a fim de evitar o desaparecimento


dos vestígios, normalmente é o ofendido submetido ao exame de corpo de
delito logo depois do fato. Neste exame deverão constar os esclarecimentos neces-
sários para identificar a natureza da lesão praticada de modo a enquadrá-la na lesão
corporal leve, grave ou gravíssima.

Rompimento de obstáculo à subtração da coisa e escalada

O art. 171 do CPP dispõe que, “nos crimes cometidos com destruição ou
rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os
peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que
meios e em que época presumem ter sido o fato praticado”.

Perícia em casos de incêndio

Nos casos de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver


começado o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio
alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessa-
rem à elucidação do fato.
Tal avaliação é de suma importância no crime de incêndio, art. 250 do CP, e
tem em vista as peculiaridades do delito, cujas circunstâncias podem conduzir a
uma pena maior ou menor. Caso tenha ocorrido em casa habitada, e dependendo
dos instrumentos utilizados, do material empregado e das consequências do fogo,
pode-se demonstrar a gravidade do delito, e ainda se o incêndio foi criminoso
ou acidental.

Perícia nos crimes contra a propriedade imaterial

O procedimento dos crimes contra a propriedade imaterial, independente-


mente da natureza da ação, sendo infração que deixa vestígio, o exame de corpo
de delito, direto ou indireto, visando a atestar a existência do crime, será condição

capítulo 4 • 91
de procedibilidade para o exercício da ação penal, sendo que, sem ele, inexiste a
possibilidade de ser recebida a denúncia ou a queixa.

Perícia para reconhecimento de escritos

O exame grafotécnico pretende, mediante comparação da grafia aposta em


documento escrito com a grafia do investigado ou do acusado, afirmar ou afastar a
sua autoria em relação a determinado texto ou assinatura. Sua utilização é bastante
comum na apuração de crimes relacionados a falsificação de documentos públicos
ou particulares, falsidade ideológica e estelionato.
Embora não seja a pessoa obrigada ao fornecimento de padrões gráficos, pois
implicaria violação ao princípio da não autoincriminação, poderá, espontanea-
mente, fornecer material de seu próprio punho, colhido perante a autoridade po-
licial ou judiciária, para efeitos de comparação.
Para fins da comparação, pode ser utilizado qualquer documento licitamente
obtido, desde que comprovada sua autenticidade, e o art. 174, III do CPP, faculta
à autoridade policial ou judiciária requisitar documentos de estabelecimentos pú-
blicos com finalidade de possibilitar a comparação.

Outros dispositivos processuais

Necropsia

A palavra necropsia é de origem grega (nekros significa cadáver e opsis significa


vista). Constitui a abertura e a inspeção de forma detalhada e metódica das cavi-
dades e órgãos do morto, a fim de avaliar a causa da morte. Os sinais imediatos da
morte são evidenciados com o término dos movimentos respiratórios, a parada do
coração, a inconsciência, como também a perda da mobilidade voluntária e a falta
de reação reflexa de estímulos.
Após algum tempo depois da morte, o corpo do animal passa por processos
de modificações, denominados alterações cadavéricas. Assim, cabe definir as se-
guintes fases:
•  Rigidez cadavérica; •  Coliquação;
•  Livores ou manchas cadavéricas; •  Esqueletização.
•  Gasosa;

capítulo 4 • 92
As fases gasosa, coliquação e esqueletização são as três últimas fases, em ca-
ráter de putrefação. O algor mortis é o esfriamento do cadáver e se efetiva entre
1 e 24 horas após a morte. O rigor mortis inicia entre 3 e 6 horas após a morte
e dura cerca de 24 horas, desaparecendo quando surgem os primeiros sinais de
putrefação. Esse fenômeno inicia-se nas pálpebras, posteriormente nos maxilares,
em seguida no pescoço e finaliza nos demais músculos do corpo. A rigidez desapa-
rece da mesma forma que se instala. Já o livor mortis é o surgimento de manchas
violáceas nas regiões de declive e faltam nas regiões em que o corpo se apoia. Seu
tamanho é variável e sua forma é claramente perceptível.
A decomposição do cadáver é tida por fenômenos, como manchas da putre-
fação, que ocorre pela invasão de bactérias, no geral com origem intestinal, na
cavidade abdominal. As manchas desse processo são de cor verde ou azulada e
surgem na pele e nos órgãos em contato com os intestinos. A cor verde é devida à
sulfometahemoglobina, formada pela ação do ácido sulfúrico, em decorrência das
fermentações bacterianas sobre a hemoglobina.
Esse processo faz surgir os fenômenos conhecidos como timpanismo e enfise-
ma. O timpanismo da putrefação é uma distensão por gases que ocorre nas cavi-
dades gastrointestinais, com aumento de volume do abdômen e pela abertura dos
membros. Já o enfisema do cadáver é o surgimento de pequenas bolhas gasosas no
tecido conjuntivo subcutâneo, sob o fígado, o baço e outros órgãos. A maceração
da mucosa digestiva é um desprendimento de tais mucosas e o pseudoprolapso
retal. Finalmente, o odor da putrefação ocorre por ação da cadaverina e é mais um
sinal de decomposição cadavérica.

Exumação

Entende-se por exumação o ato de desenterrar ou retirar o cadáver da sepultura,


para sanar dúvidas quanto à causa da morte ou para complementar dados de perícia
anterior feita no corpo. Conforme o art. 163 do CPP, em caso de exumação para
exame cadavérico, a autoridade providenciará para que, em dia e hora previamente
marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado. A autorida-
de referida é a autoridade policial, que é a quem compete determinar as providências
necessárias para a necropsia, mas poderão o Ministério Público, o assistente de acu-
sação e o advogado do réu requererem ao juiz que determine a exumação.

capítulo 4 • 93
Caberá ao administrador de cemitério público ou particular indicar o lugar
da sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem
indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inu-
mações, a autoridade procederá às pesquisas necessárias, o que constará do auto.
No âmbito do processo civil, também é possível a realização de exumação,
desde que o juiz repute pertinente e necessária, ou seja, dirige-se a um ponto
importante e não existem outros meios para realizar a prova. São muitos os casos
em que se deve permitir a exumação nessa seara, sendo mais comum sobre a in-
vestigação de paternidade post mortem, essencialmente quando os parentes mais
próximos se negam a fornecer material genético para o exame de DNA.

EXEMPLO
Reportagem do Jornal G1 sobre a exumação do corpo de Tim Maia datada de março
de 2012
Corpo de Tim Maia é exumado no Rio para exame de DNA, diz advogado
Mulher quer provar que é filha do cantor com uma ex-funcionária do artista.
Segundo advogado, material genético será enviado a laboratório da Uerj
O corpo do cantor Tim Maia foi exumado, nesta quinta-feira (29), para a retirada de
material genético para que seja realizado um exame de DNA, segundo informou o advogado
Valfredo da Silva Santos. Ele defende Rafaela Soares Campos, que move um processo de
verificação de paternidade para provar que é filha do cantor. Ainda segundo o advogado, o
material genético de Tim Maia será enviado ao laboratório da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (Uerj).
Segundo informações do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), a exumação ocorreu na
parte da manhã, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, na Zona Portuária da cidade,
autorizada pela 2ª Vara de Família da Barra da Tijuca, na Zona Oeste.
Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/03/corpo-de-tim-
-maia-e-exumado-no-rio-para-exame-de-dna-diz-advogado.html>.

capítulo 4 • 94
Identificação de cadáver

A identificação cadavérica divide-se em métodos primários (necropapilosco-


pia, análise de DNA e odontologia legal) e métodos secundários (reconhecimento
facial, roupas, próteses e outros), podendo ser utilizados de forma combinada ou
separadamente. Cabe destacar que o processo de identificação do cadáver tem
notório valor para a dinâmica do serviço médico-legal, pois é muito comum a
chegada de cadáveres sem identificação, em estado de putrefação, carbonizados,
multifados ou esqueletizados.
Para efetivação de tal processo, é necessária a atuação de algumas áreas, como
a seguir:
a) Odontologia legal
A análise técnica do dentista forense é fundamental quando todos os demais
caminhos realizados se esgotaram. Em muitas situações, os dentes são os únicos
restos humanos preservados, sendo a única forma de identificação. Assim, a finali-
zação do processo pode depender da correlação odontológica específica dos dados
dentários ante mortem e post mortem.
Os dentes ficam bem protegidos na cavidade oral, sendo possível suportar in-
fluências externas, mantendo suas características dentárias mesmo após a morte do
indivíduo. Além de poder contribuir como meios de comparação para o processo
investigativo, a cavidade oral é uma fonte rica de DNA, podendo também ser
utilizada como identificação de indivíduos por comparação genética.

b) Necropapiloscopia
A datiloscopia aplicada para a identificação post mortem é denominada no
Brasil de necropapiloscopia.
Em 1903, o sistema Vucetich, baseado na Ciência Papiloscópica – ou seja, a
partir da coleta, classificação e confronto de impressões digitais –, é adotado no
Brasil, constituindo-se no método mais barato, seguro e prático de identificação
humana reconhecido pela legislação brasileira.
Os bancos de dados periciais civis e criminais dispensam a apresentação de pa-
drões de comparação por terceiros, já que o registro padrão encontra-se arquivado
e disponível. Assim, a partir de algoritmos formados pela disposição dos pontos ca-
racterísticos de cada impressão e da identificação das regiões do delta e do núcleo,
tornou-se possível a pesquisa de forma automatizada por padrões papiloscópicos.

capítulo 4 • 95
Esse método de identificação pode ser aplicado buscando-se a identificação de
corpos cadavéricos nas mais variadas fases dos fenômenos transformativos, sejam
destrutivos ou conservadores. Cada vez mais a necropapiloscopia tem ganhado
importância, pois traz resultados positivos e conclusivos de forma mais célere,
sendo, portanto, um eficiente método primário de identificação, inclusive nos
acidentes de massa.

c) Análise de DNA
A descoberta do DNA na década de 1950 foi a base para o desenvolvimen-
to das demais técnicas para caracterizar a individualidade de cada pessoa, pois a
análise do DNA fornece informações individuais com base em qualquer tecido,
a depender da sua quantidade e qualidade, seja ele por meio dos ossos, cabelo,
amostra de biópsia, saliva, sangue etc.
Para esse método, é necessária uma amostra ou fonte, utilizando-se ainda per-
fis de familiares, amostras da própria vítima ou de seus objetos de uso pessoal.
Cabe destacar que é o único método de identificação primário que dispensa com-
paração direta, como impressões digitais e arquivos dentais. Em contrapartida, as
técnicas de análise de DNA podem ser usadas concomitantemente com os demais
métodos utilizados na identificação de vítimas, sendo essa associação crucial em
situações que a fragmentação do corpo é severa.

Reprodução simulada

A reprodução simulada dos fatos ou reconstituição do crime está prevista no


CPP em seu art. 7º, com o seguinte texto: "Para verificar a possibilidade de haver
a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá pro-
ceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade
ou a ordem pública".
A autoridade investigadora poderá utilizar esse mecanismo para esclarecer
determinados aspectos do delito, principalmente naqueles de difícil elucidação
quanto à forma em que o agente criminoso atuou.
Cabe destacar que o indiciado não está obrigado a participar da reconstitui-
ção, sem que se caracterize nenhuma desobediência ou desrespeito à autoridade.
Isso ocorre por causa do princípio que garante a qualquer indiciado ou réu o di-
reito de não produzir provas contra a si.

capítulo 4 • 96
A autoridade deve cercar-se de alguns cuidados ao legitimar o procedimento,
afastando curiosos do local, manter tratamento urbano com o acusado e permitir
a participação do defensor do investigado.
De regra, a reprodução simulada pode ser realizada ex officio pela autoridade
policial, ou seja, por iniciativa própria, independentemente de autorização ju-
dicial, caso esta julgue que podem ser trazidos elementos relevantes para o es-
clarecimento dos fatos delituosos. Contudo, pode também o representante do
Ministério Público requisitar que seja realizada a reconstituição do crime caso esta
diligência seja imprescindível para oferecimento da denúncia.
Há casos, porém, em que a reprodução simulada é vedada, quando ofensiva à
moralidade ou ordem pública – por exemplo, nos crimes contra os costumes e em
casos em que os atos simulados possam trazer risco de inundação, desabamento,
desmoronamento.

Considerações finais

De acordo com o que foi explanado, fica claro que existe uma variedade de
perícias que podem ser realizadas de acordo com o objeto a ser pesquisado.
A atividade pericial é regulamentada nos mais diversos diplomas legais, in-
cluindo as áreas civil, penal e administrativo, tratando da forma de contratação e
de atuação desses profissionais.
Foram abordadas técnicas que auxiliam o trabalho pericial e que são realizadas
por outros profissionais, como exumação e reprodução simulada.

ATIVIDADES
Ano: 2018
Banca: FUNDATEC
Órgão: DPE-SC
Prova: Técnico Administrativo

01. Assinale a alternativa incorreta no tocante às provas que encontram previsão legal no
Código de Processo Penal.
a) Exame de corpo de delito d) Interceptação telefônica
b) Prova testemunhal e) Confissão
c) Interrogatório do acusado

capítulo 4 • 97
Ano: 2017
Banca: IESES
Órgão: IGP-SC
Prova: Perito Criminal Ambiental

02. O perito Norberto entregou um laudo pericial referente a um local de acidente de trânsi-
to com vítimas, 35 dias após a solicitação do exame, sem pedir prorrogação de prazo, e, por
conseguinte, foi repreendido pelo Diretor do Instituto de Criminalística local, sob a alegação
de ter atrasado a conclusão do referido laudo. Segundo o artigo 160, parágrafo único, do
Código de Processo Penal, qual seria o prazo máximo para a conclusão e entrega a ser
cumprido pelo perito Norberto?
a) 30 dias, o mesmo para a conclusão do inquérito policial
b) 60 dias, prorrogáveis por mais 30 dias.
c) 10 dias, prorrogáveis em casos excepcionais
d) 15 dias, o mesmo para o oferecimento da denúncia, se o réu estiver solto ou afiançado

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STJ – MS 6.547/DJ 23.04.2001, p. 117 – Rel. Ministro Felix Fischer.

capítulo 4 • 99
capítulo 4 • 100
5
A atuação da
perícia e da
investigação
criminal
A atuação da perícia e da investigação
criminal

Este capítulo aborda, em seu primeiro item, uma visão prática da atividade pe-
ricial nos mais diversos cenários de crimes. Foram indicados pontos importantes a
serem observados pelo profissional, com o fim de auxiliar na busca por elementos
de prova e permitir, assim, subsidiar a decisão do magistrado.
Em seguida, traz as contribuições e os limites da investigação corporativa jun-
to ao Estado. Para trazer o leitor para uma discussão mais atualizada, dentro des-
sa discussão se apresentam os Programas de Compliance adotados nas empresas,
como estratégia de evitar e descobrir possíveis fraudes, irregularidades, privilégios
e até atos ilícitos, sendo essas práticas iniciadas no Chile e na Itália, já implemen-
tadas em empresas no Brasil.
Por fim, trata da importância de diferentes atividades de assessoria, sua re-
levância para o destinatário do serviço, com uma descrição, não exauriente, das
atividades desenvolvidas em cada uma das modalidades apresentadas.

OBJETIVOS
•  Apresentar os diversos objetivos para atuação do perito em cada tipo de local de crime;
•  Identificar a atuação da investigação na atividade empresarial;
•  Definir Criminal Compliance, sua contribuição e seus limites de atuação;
•  Identificar o papel de assessoria na área de segurança.

Ramos da perícia

Classificação do local de crime

O local do crime ou local de fato é a área onde ocorreu um fato delituoso e


que exige providências da polícia judiciária. Compreende, além do ponto onde
foi constatado o fato, todos os lugares em que os atos materiais, anteriores ou
posteriores à consumação do delito, tenham sido praticados. O local do crime é
fundamental para a investigação criminal, por fornecer elementos relevantes para
concretizar a materialidade do delito e chegar à autoria.

capítulo 5 • 102
Locais de crime contra pessoa

Envolve a competência da seção de crimes contra a pessoa a realização de


exames em locais de homicídio, suicídio, latrocínio, infanticídio, aborto e outras
causas não naturais. Neste contexto, podemos ter achados de ossada humana,
feto ou embrião; locais de cárcere privado, sequestro, estupro, violência sexual,
lesões corporais, alcançando ainda exames em instrumentos, objetos, veículos e
locais relacionados.
A finalidade precípua do exame pericial é a de constatar se houve infração
penal, qualificá-la e coletar elementos que levem ao criminoso e à prova de sua
culpabilidade.
A preservação dos locais de crime, realizada pelos primeiros policiais que ali
chegam – via de regra, os Policiais Militares e Civis – e a perpetuação dos indícios
materiais suscetíveis de serem utilizados como prova são de suma importância
no combate à criminalidade, e o esclarecimento de fatos de interesse da justiça
depende do trabalho coordenado e integrado de todos os elementos envolvidos.
Como reforço da real importância na preservação dos locais de crimes, vale
ressaltar que nenhuma utilidade terá um laboratório policial bem aparelhado e
assistido por técnicos competentes se a tarefa de coleta da prova material for feita
indevidamente, sem o perfeito entrosamento entre as equipes responsáveis pelo
isolamento de local e investigação e os peritos encarregados do exame e levanta-
mento das provas técnico-científicas.
O Código de Processo Penal trata do exame do corpo de delito e das perícias
em geral, e o seu art. 6º CPP afirma que, logo que tiver conhecimento da prática
da infração penal, a autoridade policial deverá dirigir-se ao local, providenciando
para que não se alterem o estado e a conservação das coisas, até a chegada dos pe-
ritos criminais, e que deverá, ainda, apreender os objetos que tiverem relação com
o fato, após liberados pelos peritos criminais.
Sempre que a infração penal deixar vestígios (delicta facti permanentis), será in-
dispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo
a confissão do acusado.
O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial,
portador de diploma de curso superior, mas, na falta de perito oficial, o exame será
realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior
preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica re-
lacionada com a natureza do exame.

capítulo 5 • 103
Os peritos elaborarão o laudo pericial, no qual descreverão minuciosamente o
que examinarem, e responderão aos quesitos formulados no prazo máximo de 10
(dez) dias, podendo esse prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requeri-
mento dos próprios peritos.
Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontra-
dos, bem como, na medida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixa-
dos no local do crime. Caso não seja realizada a preservação adequada, os peritos
registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório,
as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.

MEDIDAS ADOTADAS EM LOCAIS DE CRIMES CONTRA A PESSOA


•  DESCRIÇÃO: identificação da localização e da configuração do local; dados cronoló-
gicos relacionados com o evento; condições de idoneidade do local.
•  FOTOGRAFIA: complementa e comprova os dados.
•  IDENTIFICAÇÃO PAPILOSCÓPICA: impressões papilares
•  APREENSÃO DE OBJETOS E INSTRUMENTOS
•  COLETA DE MATERIAIS PARA EXAMES DE LABORATÓRIO
•  ESTUDO DAS VESTES: descrição, estado de conservação, objetos guardados, ves-
tígios aderidos, perfurações; identificar os tipos, a localização e o número de lesões.
ACONDICIONAMENTO E TRANSPORTE DA PROVA PERICIAL
1. PEÇAS COM ADERÊNCIA DE MATERIAL ORGÂNICO
Sangue: vestes, objetos, instrumentos, armas ou amostras coletadas com algodão
(veículos, móveis, piso). Esperma: todo material relacionado com o local de crime: vestes,
lençóis, papéis absorventes, preservativos etc. Pelos: aderidos em objetos ou instrumen-
tos e coletados em locais diversos. Somente serão enviadas a exame as peças de ves-
tuário que tenham algum significado ou relação com o fato delituoso. Peças com sangue,
líquidos orgânico em geral, perfuradas ou não por projétil de arma de fogo, rompidas
ou cortadas por arma branca ou outros instrumentos, apresentando vestígios diversos
relacionados com o evento, serão objeto de exame pericial. Acondicionar, sem amar-
fanhar, dobrando-a cuidadosamente e colocando-a em pacote ou envelope de papel
grosso. Procurar evitar dobras e manuseio excessivo nas áreas manchadas, perfuradas
ou rasgadas, pois esse manuseio pode dificultar o exame de determinação dos orifícios
de entrada e saída de projétil etc. Peças com aderência recente de sangue, esperma ou
qualquer outro fluido biológico devem ser colocadas em local protegido para secar e,
posteriormente acondicionadas em envelope de papel grosso. Evitar plásticos, pois não
permitem aeração e facilitam o apodrecimento do material biológico.

capítulo 5 • 104
2. INSTRUMENTOS EM GERAL
Pela variedade de instrumentos utilizados na prática do crime, muitas vezes é neces-
sário que se use de criatividade e bom senso na coleta, no acondicionamento e até no
transporte da peça até o laboratório. A peça pode conter manchas, fios de cabelo, pêlos,
impressões digitais, que devem ser preservados do manuseio, atrito, umidade, poeira e
contato externo ou pode não conter vestígios aparentes. Evitar o manuseio desneces-
sário.
3. ARMAS DE FOGO E MUNIÇÃO
Ao manusear a arma de fogo, para posterior envio ao laboratório, envolver a
mão com luva ou saco plástico, evitando-se a introdução de impressões digitais. Inexis-
tindo luva ou saco plástico, pegar a arma pelas extremidades (boca do cano e placas da
coronha, que por serem ásperas não guardam impressões digitais completas), colocar
em uma caixa de papelão e prender firmemente com fita adesiva ou barbante, pelas
mesmas extremidades já manuseadas. A arma de fogo também pode ser manuseada
pelo guarda-mato. Na remessa para exame, fazer um breve histórico do fato, existência
de munição intacta ou deflagrada e outras observações julgadas úteis. Quanto menos
o projétil for manuseado, maiores serão as possibilidades de obtenção das característi-
cas que permitem o confronto e a identificação da arma de fogo. Deverá ser protegido,
envolto firmemente em algodão e depois embrulhado em papel. Não deve ser deixado
solto em caixas ou vidros, para que não se destruam as características do estriamento.
4. DROGAS, MEDICAMENTOS, VENENOS E OBJETOS RELACIONADOS
Maconha, cocaína, crack, inalantes, estimulantes, alucinógenos, derivados do ópio, me-
dicamentos e venenos, agrotóxicos, seringas, maricas, balanças e outros materiais utili-
zados para consumo e comercialização de drogas: manusear com cuidado, não tocar os
produtos sem proteger as mãos com luvas e, se necessário, usar máscaras para evitar
intoxicação (no caso de inalantes e agrotóxicos). Embalar com cuidado, de forma a evitar
a possível perda de material.

Locais de crime contra o patrimônio

Em locais de crime contra o patrimônio, os vestígios são comumente encon-


trados por meio de danos aos bens móveis e imóveis. O perito criminal responsá-
vel por esse tipo de exame deve ater-se sob determinados objetos: depredações de
edificações nas suas estruturas construtivas; arrombamentos; quebra de vidros em
janelas e portas; apropriação indébita de água, luz, TV a cabo; equipamentos de
adulteração/furto de combustível; arrombamento de veículos etc.
Os vestígios gerados nos objetos acima são importantes para a compreensão
da dinâmica do crime, pois podem determinar certas qualificadoras configuradas
e disciplinadas na legislação penal.

capítulo 5 • 105
A literatura criminalística aborda que a quantidade de vestígios gerados em
furtos é superior à de roubos. Nos primeiros, são comuns danos por meio de
ruptura ou transposição forçada de fechaduras, cadeados, portas, janelas, dutos
de ventilação etc., propiciando, assim, um acervo maior de vestígios materiais na
ação criminosa.
Na área de crimes contra o patrimônio, destacamos os seguintes tipos de lo-
cais, por serem os mais comuns:
1. Furto (residências, lojas comerciais, furto qualificado por arrombamen-
to, destruição, emprego de chave falsa etc.);
2. Roubo;
3. Dano.

A primeira pergunta a ser feita é se houve subtração de coisa móvel ou a sua tenta-
tiva para caracterizar os crimes patrimoniais citados, salvo o caso de dano. No Direito
Penal, trabalha com um conceito natural de coisa móvel, ou seja, tudo aquilo passível
de remoção, e o próprio código penal traz algumas circunstâncias relacionadas à natu-
reza do objeto furtado que poderiam gerar dúvidas, tais como energia elétrica ou outra
energia de valor econômico e animal semovente domesticável de produção.
O Código Penal tem uma causa de aumento de pena relacionada ao horário
em que fora praticada a infração: “a pena aumenta-se de um terço se o crime é
praticado durante o repouso noturno”. Observa-se, assim, que a constatação do
momento da prática delituosa é de extrema importância, já que o agente poderá
ser apenado de forma mais grave.
Abordando outros pontos que ligam a perícia e a aplicação de pena mais gra-
vosa, temos as qualificadoras do crime de furto. Na primeira delas, tem-se a des-
truição ou rompimento de obstáculo à subtração – em geral, fala-se aqui de fecha-
duras, cadeados ou construções destinadas a preservar patrimônio. Nesses casos,
é importante que seja indicado “com que instrumentos, por que meios e em que
época presumem os peritos ter sido o fato praticado e, caso os instrumentos este-
jam disponíveis para exame, devem ainda se lhes verificar a natureza e a eficiência.
Quanto ao obstáculo, considera-se tudo aquilo que tenha a finalidade precípua de
proteger a coisa e que também não seja a ela naturalmente inerente.
Em seguida, teremos a fraude, escalada e destreza, que estão relacionadas com
a dinâmica do ato. Não trataremos aqui da qualificadora abuso de confiança, pois
foge do alcance da prova material, por não ser a confiança, ou o abuso dela, mate-
rialmente determinável, devendo recair sobre outros meios de prova.

capítulo 5 • 106
Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração,
a fim de lhes verificar a natureza e a eficiência. Como escalada podemos entender,
por exemplo, subir sorrateiramente pela lateral de um edifício, apoiando-se em
beirais, saltar por sobre um muro de considerável altura, utilização de uma esca-
da. Nestes casos, deve o perito indicar e descrever de forma minuciosa os objetos
utilizados e os obstáculos transpostos, informando as alturas, e deixar a cargo da
autoridade competente a decisão quanto à aplicabilidade ou não da qualificadora.
Depois, temos a qualificadora do uso de chave falsa. Mais comum em furtos
em residências e de veículos, tal circunstância poderá ser às vezes confirmada pela
presença do instrumento, mixa ou gazua, ainda no local, quando então deverá ter
a sua eficiência para o ato verificada. Outra vezes, poderá ser indicada a proba-
bilidade de utilização de tais instrumentos se for verificada a presença de danos
internos ou externos nos cilindros das fechaduras ou ignição.
No crime de roubo, que tem seus elementos definidos no artigo 157 do
Código Penal Brasileiro, nota-se, pela comparação dos tipos penais do furto e
do roubo, que o elemento diferenciador é a grave ameaça ou violência à pessoa.
Há, no caput do art. 157, duas formas de violência. A primeira delas, contida na
primeira parte do artigo, é a denominada de própria, isto é, a violência física, vis
corporalis, que é praticada pelo agente a fim de ter sucesso na subtração criminosa;
a segunda, entendida como imprópria, ocorre quando o agente, não usando de
violência física, utiliza qualquer meio que reduza a possibilidade de resistência da
vítima, conforme consta da parte final do caput do artigo em exame, de forma
sub-reptícia, embriagando, narcotizando ou hipnotizando a vítima, por exemplo.
Na violência própria, a pessoa pode deixar vestígios materiais, tanto no corpo
humano – o que será aferido em exame médico-legal – como no local do crime, sendo
nesse caso o mais comum deles a presença de manchas de sangue humano no local.
A disposição das manchas e a identificação de sua fonte por meio de exames de
DNA podem esclarecer a dinâmica do evento, indicando a existência de violência
contra pessoa.
Na violência imprópria, ou seja, aquela que, por qualquer meio, reduz a pes-
soa à impossibilidade de resistência, os vestígios materiais encontrados nesses casos
são segmentos de cordas, cabos elétricos ou fitas adesivas, com conformação a
indicar a plausibilidade de terem sido utilizados para amarrar pessoas. Tal forma
específica de violência encaixa-se perfeitamente na parte final do caput do artigo
157, a denominada violência imprópria, pois é um meio de reduzir a pessoa à

capítulo 5 • 107
impossibilidade de resistência e não produz, em regra, lesões corporais. Já a grave
ameaça, por ser subjetiva, torna-se de difícil verificação material.
Da mesma forma que no caso do furto, exige o artigo 175 do CPP que os ins-
trumentos utilizados para a prática do crime sejam examinados com o fim de se lhes
verificar a natureza e a eficiência, devendo o quesito, portanto, esclarecer tal ponto.
Finalmente, é importante tratar aqui do crime de dano. Como forma de ates-
tar a materialidade do fato, deve o perito avaliar a destruição, a inutilização ou a
deterioração de coisa. Dessa forma, é importante também que o perito busque
elementos materiais de convicção sobre a intencionalidade de quem produziu o
dano, como a extensão e a forma de produção dos resultados encontrados. Outro
ponto importante está relacionado ao uso de substância inflamável ou explosiva,
por estar relacionado a circunstâncias que sempre agravam a pena.

Local de crime de trânsito

Os crimes ocorridos na direção de veículo automotor também devem ser pe-


riciados, sob pena de nulidade do processo. O Código de Trânsito Brasileiro, em
seu art. 277, dispõe que o condutor de veículo automotor envolvido em acidente
de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste,
exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científi-
cos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou
outra substância psicoativa que determine dependência.
A perícia em acidentes de trânsito tem por finalidade reconstituir o acidente,
bem como atribuir sua causa. Nos acidentes de trânsito, a função precípua do
perito é a de definir da maneira mais clara possível como o acidente ocorreu e a
sua causa, o que é feito por intermédio do estudo dos veículos envolvidos e da via
pública onde ocorreu o evento. Tudo deve ser identificado, fotografado e anotado.
Com relação à via, o perito precisa atentar para a topografia (reta, curva, plana,
aclive, declive etc.), a espécie de superfície de rolamento (asfalto, paralelepípedo,
areia, barro, cascalho, etc.), o grau de conservação, a visibilidade, a presença e o
tipo de iluminação pública, a sinalização de trânsito etc.
Os veículos devem ser analisados e fotografados preferencialmente na posição
em que foram encontrados após o acidente. O estado de conservação dos veículos
e os sistemas de segurança para o tráfego (direção, freios, luzes de sinalização)
precisam ser cuidadosamente apreciados pelo perito para verificar se alguma falha

capítulo 5 • 108
mecânica pode ter contribuído para o acidente. Em seguida, analisará o perito os
vestígios deixados pelo acidente sobre o pavimento, as marcas de frenagem, derra-
pagem, arrastamento e outras.
O exame das vítimas com suas lesões também poderá fornecer elementos para
a determinação da dinâmica e das causas do acidente, além da análise de dosagem
alcoólica no motorista.
No caso de fatos que envolvem veículos em movimento, o perito precisa ter o
cuidado de, antes de iniciar o exame propriamente dito, colher o maior número
de informações possíveis, uma vez que o local mediato e os locais relacionados
podem abranger uma área considerável, e eventual descuido fazer com que provas
importantíssimas sejam perdidas.
Em resumo, devem ser observadas pelos peritos, dentre outras, as marcas de
pneus, frenagem, derrapagem, sulcagem, arrastamento.
A análise das marcas produzidas pelos pneumáticos apresenta as seguin-
tes finalidades:
a) identificar a espécie de veículo utilizado;
b) determinar a direção tomada por ele;
c) identificar, especificamente, o veículo que esteve no local.

É claro que as características morfológicas das marcas de pneumáticos de-


pendem muito da natureza e do estado do pavimento sobre o qual o veículo se
desloca. No asfalto e nos pisos de concreto, são praticamente invisíveis e, além da
espécie de veículo, sua direção e seu sentido de deslocamento pouco podem trazer
à perícia. Já nos pisos de terra e lama, a impressão deixada pela banda de rodagem,
em alguns casos, serve como elemento de identificação.
É sempre bom lembrar, também, que, quando o veículo se desloca em trajetória
retilínea para a frente, as impressões das rodas traseiras se sobrepõem às marcas das
rodas dianteiras, ocorrendo o oposto quando o deslocamento se dá em marcha a ré.
A espessura e o tipo dos pneus, o número de rodas e o afastamento entre os
eixos podem conduzir à determinação da espécie de veículo utilizado, que pode ser
motocicleta, automóvel, caminhonete, caminhão, utilitário ou outro.
Em alguns atropelamentos, marcas de pneumáticos podem ser encontradas
sobre o corpo da vítima, mas, além do tipo de veículo, dificilmente permitirão
uma identificação mais precisa.

capítulo 5 • 109
Local de crime contra o meio ambiente

A perícia ambiental é uma modalidade de perícia desenvolvida em caráter


multidisciplinar por profissionais relacionados com os diversos ramos da ciência
e da tecnologia, tais como: biologia, engenharia florestal, agronômica, sanitária,
química, geologia, geografia, oceanografia, meteorologia etc. Todos esses profissio-
nais têm conhecimentos específicos em meio ambiente e realizam seus trabalhos
de maneira conjunta com outros profissionais ambientais, tais como: gestores am-
bientais, economistas, contadores, sociólogos, médicos, biomédicos etc.
As perícias ambientais vêm sendo demandadas por ações judiciais civis, cri-
minais e/ou administrativas, todas exigindo, de acordo com sua área de atuação,
especialização dos profissionais envolvidos.
Na qualificação e mensuração dos danos ambientais, a perícia ambiental tor-
na-se de extrema importância para materializar o delito ambiental, para efeitos
de quantificação, mensuração, reparação, compensação, indenização ou san-
ções penais.
Na perícia ambiental, devem ser apurados e quantificados todos os danos
causados ao meio ambiente, tais como ao solo, aos lençóis freáticos, à fauna, à
flora, à paisagem, à saúde, à cultura, entre outros. A amplitude dessa avaliação
demanda conhecimento técnico em áreas diversas, difícil de ser alcançada por um
único profissional.
No que se refere ao meio ambiente, a Lei Nº 9605/98, lei de Crimes
Ambientais, prescreve, em seu artigo 19, que: “a perícia de constatação do dano
ambiental, sempre que possível, fixará o montante do prejuízo causado para os
efeitos de prestação de fiança e de cálculo de multa”.
A Perícia Ambiental tem como objeto de estudo o meio ambiente, nos seus
aspectos abióticos, bióticos e socioeconômicos, abrangendo a natureza e as ativi-
dades humanas.
Ainda segundo a Lei N.º 9.605/98, o crime ambiental pode ocorrer contra a
fauna, a flora, a administração ambiental, o ordenamento urbano e o patrimônio
cultural, por ação de poluentes ou outros casos específicos, configurando, dessa
forma, uma vasta gama de objetos de estudo.

capítulo 5 • 110
Intervenção corporal

Intervenções corporais são medidas de investigação realizadas no corpo das


pessoas. Tais atos podem ser adotados para localizar objetos ilícitos nele ocultados
ou avaliação em relação às condições ou ao estado físico ou psíquico do sujeito.
São exemplos a extração de sangue para realização de exame de pareamento
cromossômico (DNA), a extração de sangue ou a exalação de ar (etilômetro ou ba-
fômetro) para verificação do nível de álcool no organismo, a coleta de urina ou de
fios de cabelo, a coleta de impressões digitais, o exame em cavidades do corpo etc.

Sua contribuição para o interesse processual

Apesar de o nosso ordenamento utilizar o sistema do livre convencimento


motivado no que tange a produção probatória, é inegável a contribuição dos ele-
mentos de prova alcançados a partir das intervenções corporais, sendo capaz de
trazer maior juízo de certeza no embasamento da decisão do magistrado. No en-
tanto, algumas observações se fazem necessárias, já que tais intervenções têm seus
limites em princípios fundamentais, tais como o da dignidade humana, o da não
o da autoincriminação, o da intimidade e o da privacidade.

Intervenção corporal prevista no ordenamento jurídico brasileiro

O tratamento dado pelo nosso código de processo penal às intervenções cor-


porais é tímido, já que as aborda apenas nos artigos 244 e 249. De acordo com o
disposto, a busca pessoal independerá de mandado no caso de prisão ou quando
houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de
objetos ou papéis que constituam corpo de delito, bem como quando a medida
for determinada no curso de busca domiciliar. Além disso, a busca em mulher
deverá ser feita por outra mulher se não importar retardamento ou prejuízo da
diligência. Cabe ressaltar que, para alguns doutrinadores, sequer estaria aqui a se
tratar de intervenção corporal, conforme Andre Nicolitt, 687:2014.
Ainda de acordo com o referido autor, no Brasil as intervenções corporais
se dividem em invasivas e não invasivas. As provas invasivas são aquelas que,
para serem produzidas, necessitarão de penetração no corpo do acusado por

capítulo 5 • 111
instrumentos ou substâncias, em cavidades naturais ou não, como exames de san-
gue, ginecológicos, endoscopia. Já as provas não invasivas são aquelas em que não
haverá a penetração no organismo do acusado, porém serão realizadas a partir
de vestígios do corpo humano do acusado, como materiais fecais, fios de cabelo,
impressão datiloscópica.
O Código de Processo Penal não traz regra expressa a respeito do dever do
acusado de colaborar ou não para a realização desses tipos de provas. Por esse
motivo, caso o acusado se recuse a colaborar, não poderá ser punido por isso, pois,
como já mencionado, o réu não é obrigado a fazer prova contra si – isto é o que
prevê o princípio do nemo tenetur se detegere e do direito ao silêncio.

Investigação na atividade empresarial

Investigação privada

A direção das investigações corporativas tem sido de fundamental importância


para diminuição de impactos negativos nas empresas, principalmente nas áreas
financeiras e de reputação (ou imagem) das empresas, seja no setor privado, seja
nas empresas estatais ou de economia mista, principalmente após a edição das leis
12.846/13 e 13.303/16.
Podemos citar algumas possibilidades para iniciar uma investigação
empresarial:
a) Monitorar a comunicação interna, exigindo transparência e ética no
momento da coleta de informações. É fundamental o cuidado para não ex-
por o trabalhador nem mesmo aqueles considerados suspeitos. Um ponto
que contribui para o monitoramento da comunicação interna é a identifi-
cação de comportamentos que impactam as políticas corporativas.
b) Segurança da informação possibilita o controle no fluxo de dados,
como e-mails com clientes, com fornecedores e até com outros trabalhado-
res. Assim, evita-se que computadores possam ser invadidos sem permissão.

Com a investigação empresarial, é possível descobrir e identificar erros que


ocorrem internamente, bem como conter maiores impactos corporativos.

capítulo 5 • 112
CONCEITO
Partimos do conceito de que a investigação Corporativa ou Empresarial é conjunto de
medidas implementadas para identificar, esclarecer e minimizar impactos por meio de atos
praticados pelos funcionários que fazem parte do efetivo de uma Companhia e/ou até meio
por terceiros que podem implicar no andamento e desenvolvimento da empresa.
Como toda organização está sujeita a distintas anomalias, a prática de investigação ob-
jetiva encontrar irregularidades internas, tais como fraudes, favorecimento de algum cliente,
desvios de dinheiro e/ou recursos, chantagens e espionagens, prejuízos em geral, ocultação
de bens materiais e demais outros, a fim de que as práticas ilegais possam ser de conheci-
mento dos gestores.

CURIOSIDADE
Segundo o e-commerce News, 70% das empresas no Brasil sofrem algum tipo de frau-
de, e 60% desses casos são realizados por funcionários e ex-funcionários.
Reportagem de Fabrício Rui Dias em 27/04/2016. Disponível em: <https://
ecommercenews.com.br/artigos/cases/para-que-serve-e-como-funciona-a-inves-
tigacao-empresarial/>.

Limites e contribuições

A requisição de uma investigação empresarial pelos gestores ocorre, em sua


maioria, por suspeita de alguém em prática de atividades ilegais. Tal investigação
serve para levantar fatos que comprovem essa suspeita dos gestores.
No entanto, é importante observar limites da participação privada na investi-
gação criminal, sob duas perspectivas: quanto à produção de elementos de prova e
quanto à pessoa que pode investigar.
Fica aqui um questionamento com base no ordenamento jurídico, acerca do
limite de atuação da investigação privada para apresentar depoimentos colhidos,
arregimentar documentos, fazer perícias e apresentá-los como argumentos de pro-
va em procedimentos investigatórios oficiais. Em contrapartida, percebe-se que
cada vez mais têm sido atribuídos ao particular tarefas e deveres de participação
ativa na identificação e na comunicação de práticas com indícios de crime.

capítulo 5 • 113
A atuação privada, por meio da realização de exames ou auditorias, possibi-
lita identificar elementos que não integraram a investigação criminal realizada
pelo órgão estatal. Tal estrutura, principalmente no âmbito corporativo, mediante
departamentos ou diretorias de Compliance, torna-se cada vez mais recorrente,
principalmente por meio de medidas preventivas, como guarda de documentos
tidos como suspeitos, e-mails ou imagens de sistema de segurança, que podem ser
perdidos pelo tempo ou por interesse de alguém na destruição de provas.
Por fim, concluímos que existem poucas discussões na doutrina brasileira
acerca dos limites e possibilidades da contribuição da investigação privada. Logo,
necessitando de maior reflexão do tema, com vistas à adequação e melhor garantia
ao Estado Democrático de Direito, com critérios e limites previamente estabe-
lecidos. Isso se torna fundamental na medida em que os instrumentos de acom-
panhamento e monitoramento aumentam no mundo corporativo, podendo ser
utilizados em prol da sociedade e contribuir na investigação criminal.

Criminal Compliance

Foi na área de Relações Internacionais e Economia que se originou o termo


Compliance. Seu conceito está em conformidade com leis e regulamentos, dando
origem aos programas de Compliance relacionados aos programas de anticorrup-
ção e sistema financeiro.

CONCEITO
Segundo Rodrigo Grandis (2017), o programa Compliance pode ser conceituado como
o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades, bem como a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta,
políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos
ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira (art. 41, Decreto
n.º 8.420/2015). Em seu escopo, prevê, ainda, a mitigação da exposição de administradores
e trabalhadores de uma empresa, a verificação de irregularidades e a aplicação de ajustes e
correções, a prevenção de gastos futuros e a construção de vantagem competitiva e trans-
parência para captação de recursos futuros.

capítulo 5 • 114
Dito isso, entende-se por criminal compliance o sistema de avaliação de forma continuada
das condutas praticadas na atividade da empresa, a fim de evitar prática de crimes contra a em-
presa ou mesmo práticas prejudiciais sob a perspectiva criminal.

Criminal Compliance e prevenção de riscos empresariais

Como já citado acima, o Criminal Compliance é definido como prevenção de


riscos da responsabilidade de uma empresa no que tange ao descumprimento das
regulamentações legais extrapenais.
Os riscos empresariais variam de acordo com a particularidade da atividade
empresarial, logo não existe um padrão único de programa de Compliance, varian-
do conforme os interesses de todos os envolvidos, como dos sócios, dos consumi-
dores e até interesses sociais, como a necessidade de parceria com ONGs para a
preservação do meio ambiente.
É preciso deixar claro que o trabalho das empresas com os programas de
Compliance não é o cumprimento das normas específicas de Direito penal, mas
a construção e obtenção de instrumentos de gestão e controle interno capazes de
atuar de forma cuidadosa junto às normas estabelecidas. Não se pretende evitar,
imediatamente, a responsabilização criminal, mas, sim, efetivar o cumprimento
de normas legais, que são extrapenais, visto que, nesse tipo de regulação, a norma
penal é apenas acessória.
Nessa direção, o poder público poderá aplicar programas de Compliance de
três formas, a fim de tê-lo como um instrumento de prevenção à política criminal:
a) definindo leis de conduta interna nas empresas,
b) obrigando a cooperar com os órgãos de persecução criminal; ou
c) tornando vinculantes os códigos de conduta internos, a exemplo de
países como Chile e Itália, que já desenvolveram severas políticas de cum-
primento junto à verificação estatal.

Tendo em vista a sobrecarga de deveres à pessoa responsável e o gasto impor-


tante na organização do Compliance em uma empresa, em razão dos custos com
assessoria jurídica, nem todas as organizações empresariais apresentam programas
de integridade. Ao mesmo tempo, quando isso ocorre, ignoram-se os ônus das
normas, principalmente com o surgimento da lei anticorrupção.

capítulo 5 • 115
O sucesso de um programa de Compliance servirá como instrumento de defe-
sa, a fim de reduzir ou até mesmo excluir da responsabilidade penal. Dessa forma,
a empresa poderá demonstrar a sua capacidade de “prevenir, detectar e remediar”
anomalias existentes no âmbito empresarial. Cabe destacar que tem sido pleiteada
a atuação de especialistas de Direito penal em tais ações. No início, a assessoria
legal tinha um escopo de atuação mais restrito, pois realizava a observância dos
deveres concretos de informação sobre as regras da técnica e segurança da ativida-
de da empresa, por parte dos administradores e altos diretores, principalmente em
matéria de meio ambiente e de segurança do trabalho. Posteriormente, o escopo
de atuação se ampliou, haja vista os deveres de diligência terem se reforçado, esten-
dendo-se a outros âmbitos e a outros sujeitos, tal como o próprio ente corporativo.
Em resumo, nota-se que a finalidade do Compliance é apresentar informações
para que o Estado possa tomar ciência do cometimento de crimes, a exemplo do cri-
me de lavagem de dinheiro, bem como minimizar impactos negativos nas empresas.

Criminal Compliance e políticas de combate à corrupção

Atualmente, pode-se contar com um novo instrumental para o combate à cor-


rupção, que instiga e envolve cidadãos e empresas brasileiras a atuarem de forma
ética e com probidade tanto nas relações com o Poder Público quanto nas relações
privadas. Como já vimos, esse instrumento é o Compliance.
Com a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), surge o aumento do protagonismo
do particular, implicando-o no sistema de responsabilidade, mas também como
articulador de um conjunto de normas que previnem atos de corrupção e promo-
vem a ética como valor. Além disso, a referida lei respalda as empresas a adotarem
programas como Compliance.
O termo Compliance se popularizou e ganhou importância, inclusive na Bolsa
de Valores de Nova York, após a adoção de programas de adequação de normas e
práticas a determinados marcos legais nos setores de economia com a edição de
leis internacionais, principalmente nos Estados Unidos (FCPA-Foreign Corrupt
Practices Act) e na Inglaterra (UK Bribery Act).
Na Lei Anticorrupção, a implementação do programa de Compliance não é
obrigatória, mas uma prática a ser adotada como um atenuante de pena nas situa-
ções em que a empresa seja condenada por infrações previstas legalmente.
Essa ação tem sua importância, uma vez que a Lei Anticorrupção adotou o
sistema de responsabilidade objetiva, cuja absolvição torna-se restrita a casos em
que houver quebra do nexo causal. Logo, o investimento em possibilidades de

capítulo 5 • 116
atenuação de pena torna-se um diferencial, pois, se por um lado o Programa de
Compliance não tem a finalidade de isentá-la da infração cometida, por outro lado
a atenuação da pena impacta diretamente na multa prevista em lei, que é elevada.
Cabe destacar que o Compliance atenua eventual pena de multa, mas também tem
um efeito comercial de certificação da empresa que o implementa.
A implementação do Programa de Compliance no Brasil traz uma nova pers-
pectiva da legislação brasileira no combate à corrupção, contribuindo para romper
com o ciclo de atitudes que corrompem e caminham nos mais diversos contratos
existentes com a administração pública.

Custos da responsabilização criminal na atividade empresarial

A responsabilidade criminal será sempre pessoal e subjetiva, mesmo com a


possibilidade de responsabilizar a pessoa jurídica com a aplicação de penas de
multa e restritivas de direito, a exemplo da paralisação das atividades.
Nessa linha, parte importante de doutrinadores brasileiros defende a tese de
que a responsabilização criminal da pessoa jurídica seria inconstitucional, visto
que violaria princípios fundamentais do direito penal, a exemplo do princípio
da culpabilidade, da personalidade da pena e da punibilidade (CIRINO DOS
SANTOS, 2008, p. 431).
Os prejuízos decorrentes de um processo criminal não estão restritos aos efei-
tos da condenação por meio de pena de multa, restritiva de direitos, ou até repa-
ração de danos, pois o fato de ser investigado pelas autoridades policiais e de ser
processado criminalmente gera impactos importantes.
Os custos decorrentes da submissão de uma empresa e de seus dirigentes à
investigação policial e ao processo penal se refletem também pelo impacto de suas
imagens de forma negativa, podendo tomar maior dimensão com a mídia e as
“redes sociais”.
Outro ponto de destaque é o fato de que a possibilidade de aplicar medidas
cautelares penais pode resultar em bloqueio de valores na conta bancária, seques-
tro de bens, limitação de direitos e de desenvolvimento de determinadas ativida-
des, resultando em prejuízo econômico e mesmo inviabilizando a atividade em-
presarial em determinadas situações.
Concluímos que é fundamental o planejamento de políticas do porte do
Criminal Compliance para se preverem os impactos financeiros na sua implantação
e custeio, mas também os impactos negativos poderão ser evitados a médio e longo

capítulo 5 • 117
prazo. Assim, os impactos das políticas de conformidade e os das normas penais
devem ser considerados não só na esfera empresarial, mas também na esfera jurídica.

Segmentos de atuação da investigação criminal

Assessoria em segurança

A assessoria busca capacitação para o gerenciamento do sistema de gestão de


segurança empresarial de maneira independente e autônoma.
As atividades de assessoria podem ocorrer em situações de sindicância para apu-
ração de sinistros e outras ocorrências internas de segurança, suporte técnico na
coordenação de eventos corporativos, atendimento presencial em ocorrências de se-
gurança, preleções diárias para equipes de segurança, pesquisas de integridade pessoal
e empresarial, seleção e recrutamento de profissionais de segurança, entre outros.

Assessoria jurídica em administração de segurança

A assessoria jurídica é de extrema relevância para uma boa administração, e a


presença do advogado é fundamental, pois existem diversos serviços e contratos
que devem ser analisados previamente por profissionais qualificados, podendo,
dessa forma, evitar que erros sejam cometidos num futuro próximo.
Além das defesas em ações judiciais, existe uma série de serviços em que uma
boa assessoria, sem dúvida, melhora a administração.
A assessoria jurídica em administração de segurança tem como objetivo orien-
tar e apoiar o cliente em questões jurídicas, alertando sobre os pontos críticos da
sua atividade ou do tema em questão. A assessoria jurídica mostra o que deve ser
tratado como prioridade, fornecendo subsídio para que a empresa sempre esteja
em conformidade com a disposição dos requisitos legais.

Assistente técnico de acusação e defesa

O assistente técnico é o perito particular, enviado pela parte, podendo ser indicado
pelo Ministério Público, pelo querelante, pelo assistente de acusação, pelo ofendido e
pelo próprio acusado. As partes enumeradas podem indicá-lo para atuar no processo
penal que se dá após a apresentação do laudo oficial, e a partir de então ingressa o assis-
tente técnico, que vai lançar o seu parecer a respeito daquela perícia oficial já realizada.

capítulo 5 • 118
Enquanto o perito oficial é nomeado pelo juiz e tem obrigações de impar-
cialidade, diligência e presteza, a figura do assistente técnico surge por meio de
nomeação das partes e não tem os mesmos compromissos que o perito oficial.
Além disso, o assistente técnico é remunerado pelas partes que o invocaram,
cumprida a entrega do laudo no mesmo prazo do perito oficial.
É correto afirmar que a participação dos assistentes técnicos representa o prin-
cípio da ampla defesa e do contraditório e, trabalhando em comum com o perito
oficial, torna-se importante para a qualidade do resultado da perícia. Uma vez
nomeado pelas partes, o assistente deve participar de toda a produção da prova,
auxiliando na confecção dos quesitos, auxiliando o perito oficial nas diligências de
perícia e oferecer a sua análise por meio da elaboração de laudo técnico.

Assistente técnico de auditoria

O assistente de auditoria é o profissional da área de ciências contábeis respon-


sável por auxiliar na rotina de auditoria de empresas. É ele quem faz o lançamento
de notas e a conferência de documentos, buscando identificar possíveis riscos ou
falhas nas contas, sendo responsável por apontar as correções necessárias.
Um assistente de auditoria deve preencher declarações e ter conhecimento da
legislação e de incentivos fiscais, a fim de assegurar o cumprimento das normas
estabelecidas.

Assessor de atividade de inteligência policial

A inteligência policial é um trabalho que, em seu objeto, aproxima-se, em


muito, das atividades de uma unidade de polícia judiciária. Ambas têm como
missão a produção de conhecimentos para a descoberta da verdade. Contudo,
diferenciam-se, de modo particular, quanto ao objeto desta busca.
A Lei 9.883, de 07 de dezembro de 1999, que criou o Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN), define, em seu artigo 1°, § 2°, inteligência como:

(...) a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos


dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial
influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e
a segurança da sociedade e do Estado.

capítulo 5 • 119
Características da atividade de inteligência:
a) foco na produção do conhecimento, por meio de metodologia própria;
b) função de assessoria ao processo decisório.

Assim, pode-se dizer que inteligência é a atividade que tem como objetivo
produzir conhecimentos relevantes, por meio de metodologia própria, a fim de
assessorar o processo decisório.
Como todas as facetas da atividade governamental necessitam de conheci-
mentos qualificados para decidirem de forma eficiente, dividiu-se a atividade de
inteligência em diversas categorias, de acordo com o foco principal do conheci-
mento produzido.
Há diversas divisões, como numerosas são as atividades governamentais. As
historicamente mais importantes são a inteligência de Estado e a inteligência mili-
tar, uma vez que todas as outras ramificações originaram-se destas.
A inteligência de Estado é aquela que visa assessorar a tomada de decisão no
mais alto nível de um Estado. Sua importância é tamanha que a Lei 9.883/99, que
institui o SISBIN, em seu art. 1º, determina que a finalidade do sistema é “forne-
cer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional”, ou
seja, o SISBIN tem como objetivo principal realizar inteligência de Estado.
Já a inteligência militar é aquela que se destina a subsidiar o processo decisó-
rio das Forças Armadas, em tempo de paz ou de guerra. Em tempo de paz, visa
estabelecer hipóteses de emprego, dentre outras coisas. Já em combate, tem como
principal objetivo identificar o plano de batalha inimigo, em todos os seus níveis.
Ao lado dessas divisões tradicionais, em razão do aumento da complexidade
da atividade estatal, surgiram diversas outras ramificações, como as citadas abaixo:
•  Inteligência de segurança pública, executada pelos órgãos de segurança
pública.
•  Inteligência financeira, de grande importância nos dias atuais, destina-se,
principalmente a acompanhar o sistema financeiro e identificar movimentações
anômalas, para, então, após análise, comunicar sua ocorrência aos órgãos de en-
frentamento ao delito de ocultação de bens e capitais. No Brasil, é executada pelo
Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF), criado pela Lei 9.613,
de 3 de março de 1998;
•  Inteligência fiscal, que é de responsabilidade dos agentes tributários e obje-
tiva assessorar os tomadores de decisão desses órgãos na melhor forma de emprego
de seus meios, dentre outros fins.

capítulo 5 • 120
Considerações finais

Como foi possível observar neste capítulo, atividades a serem desempenha-


das pelo perito não têm um padrão único para todo e qualquer crime a ser in-
vestigado. Cada delito merecerá uma análise cuidadosa do perito, levando-se em
conta o bem jurídico violado, e a solução que se busca em cada infração, com as
suas especificidades.
Outro ponto que fica notório é a importância do papel das investigações
corporativas nos impactos negativos das empresas, principalmente quando se dá
destaque ao setor financeiro e à sua imagem. Nessa direção, nasce a implanta-
ção de programas de Compliance, que propõe ações com o objetivo de garantir
a conformidade das regras, dos códigos de ética e evitar crimes, como aqueles de
corrupção.
Finalmente, a atividade de assessoria neste material traz a sua grande impor-
tância para o tomador do serviço, tendo em vista que seu principal foco é a pre-
venção de danos, orientando-o tanto em relação à legislação em vigor quanto aos
possíveis prejuízos diretos da atividade.

ATIVIDADE
Ano: 2015
Banca: FGV
Órgão: Câmara Municipal de Caruaru - PE
Prova: FGV - 2015 - Câmara Municipal de Caruaru - PE - Analista Legislativo -
Administração

01. Estar em Compliance é estar em conformidade com leis e regulamentos externos e in-
ternos da organização ou instituição. Compliance tem sido uma expressão bastante utilizada
ultimamente e gerou uma corrida em diversas organizações para a absorção do conceito e a
implementação de estruturas, processos e mecanismos que o garantam.
A função Compliance envolve as atividades listadas a seguir, à exceção de uma. Assi-
nale-a.
a) Assumir as funções de auditoria interna na organização.
b) Avaliar os riscos do negócio referentes às regras estabelecidas.
c) Avaliar a conformidade entre normas externas, internas e políticas corporativas.

capítulo 5 • 121
d) Reportar-se diretamente ao Conselho e à Alta Administração sem intervenção ou veto
de outras áreas.
e) Agir para integrar governança corporativa, gestão de riscos e os controles da instituição,
orientados para a sua estratégia.

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XAVIER FILHO, Ernesto de Freitas. Rotina Médico-Legal. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzato, 1992. 210
p. Regimento Interno do Instituto de Criminalística do Paraná.

GABARITO
Capítulo 1

01. 02.

Capítulo 2

01. C 02. A

Capítulo 3

01. D 02. A

Capítulo 4

01. D 02. C

Capítulo 5

01. D

capítulo 5 • 123
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 124
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 125
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 126
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 127
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 128

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