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Volume 3

Número 1
Jan/Jun 2013
Doc. 2-N1

Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X


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DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv3n1n2

SOCORRO! ONDE ESTÃO OS RELATÓRIOS? (Notas de ensino)

MARIANA DE SOUZA – marianadesouza@hotmail.com


Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR – Curitiba – PR, Brasil

MARIA ALEXANDRA CUNHA – alexandra.cunha@pucpr.br


Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR – Curitiba – PR, Brasil

Submissão: 10/04/2012 | Aprovação: 05/03/2013


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Resumo do caso
O caso retrata uma situação real em uma empresa fabricante de motores, após a contratação
de uma nova gerente para a área de logística, que assumiu a liderança de um time responsável pela
entrega aos clientes. O texto traz problemas comuns a diversas organizações: adaptação do gestor à
cultura interna e relacionamento entre liderança e liderados. Como adaptar-se à cultura de uma
organização sem conhecê-la plenamente? Como viver tal cultura e como adaptar-se a ela
paulatinamente? Nesse contexto, a gerente precisará conhecer a cultura da empresa para então
adaptar-se a ela, tanto em termos estratégicos como em termos operacionais, buscando entender
como as atividades são realizadas e quais as ferramentas mais comumente usadas.

Objetivos do ensino
Espera-se que um estudante, ao ler, analisar e discutir o caso desenvolva a capacidade de
avaliar situações organizacionais complexas (adaptação à cultura organizacional e liderança) e
formule alternativas de ação para as dificuldades encontradas no caso, levando em conta os vários
públicos envolvidos.

Questões de estudo sugeridas


Como preparação para a discussão do caso, sugere-se que os alunos respondam às seguintes
perguntas:

 Por que Carmelita, gerente de logística da Empresa Águia, se encontra com o problema
descrito no caso? O que levou a essa situação?
 Identifique os principais atores envolvidos na situação e o que está em jogo para cada um
deles.
 O que Carmelita deve fazer? Discorra com detalhes não só o que deve ser feito, mas também
de que maneira.
 O que Janislei deve fazer? Discorra com detalhes não só o que deve ser feito, mas também de
que maneira.

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Análise teórica
Este é um caso que apresenta uma líder conhecendo e adaptando-se à cultura da organização,
que tem a intranet organizacional como principal ferramenta de compartilhamento de informação.

Cultura organizacional
No início do século XX, com o advento da escola das Relações Humanas, a preocupação com
as pessoas e a forma como elas agem em grupo, buscando o reconhecimento e aprovação desse
grupo, passou a destacar-se num cenário até então dominado pela ênfase nas tarefas e na estrutura da
empresa. Se a integração social afetava proporcionalmente a disposição e o nível de eficiência das
pessoas no exercício de suas tarefas, o conceito de homem economicus passava agora a dar lugar ao
homem social, um ser que necessita de constante interação com os demais.
O assunto “cultura organizacional” ganhou destaque a partir da década de 70 com as
pesquisas de Hofstede (1976) e Pettigrew (1979), mas teve seu ápice na década de 80 com a
publicação de diversos autores, sendo os principais: Schwarz & Davis (1981), Schein (1984),
Smircich (1985), Beyer & Trice (1987) e Fleury (1996). Porém, embora não muito citado, o primeiro
trabalho desenvolvido exclusivamente sobre o tema foi o livro The Changing Culture of a Factory,
escrito por Elliot Jaques e publicado na Inglaterra em 1951.
Entender o comportamento humano dentro das organizações exige primeiramente a
compreensão da origem antropológica do homem. A sobrevivência e a evolução da nossa espécie são
mais bem compreendidas quando pressupomos um conjunto de transformações da cultura
(TAVARES, 1991). Sendo a cultura um sistema de símbolos e significados compartilhados
(GEERTZ, 1989) e considerando que o homem é um ser adaptável a essas transformações, torna-se
importante elucidar a relação dele com a cultura do meio onde atua, seja ela local ou organizacional.
Desde então, com o advento das organizações japonesas frente às americanas, principalmente
no que concerne às atitudes e comportamentos esperados dos funcionários das montadoras de
automóveis, a cultura organizacional tem ganhado destaque na literatura e no meio corporativo. Cada
vez mais, as organizações têm interesse em saber quais aspectos da cultura são relevantes no
exercício das atividades de seus funcionários, ao passo que a discussão sobre cultura organizacional,
como um fator influente nos processos de aquisições e fusões empresariais, tem também se
destacado.
Compreender a cultura organizacional é visitar o cerne da organização, onde se estabelecem
parâmetros de valores e comportamentos a serem seguidos, baseados em pressupostos desenvolvidos
ao longo do tempo (JOHANN, 2002). Esse entendimento de cultura passa pelo reconhecimento da
interação entre as pessoas e a organização e entre esta e seu universo. O alinhamento do
comportamento das pessoas aos valores e crenças da organização é obtido mediante um trabalho
planejado da cultura organizacional, o qual preserva o núcleo dessa cultura e estimula o progresso.
Um elevado desempenho organizacional decorre, assim, de um gerenciamento que permite interferir
na cultura organizacional, tornando-a densa e ao mesmo tempo adaptativa. (FREITAS, 2002).
Nesse sentido, a cultura atua profundamente sobre as percepções e os procedimentos no
ambiente organizacional e, embora seja relevante para o desempenho das empresas, ela não pode ser
facilmente observada ou sentida. Uma cultura forte pressupõe o comprometimento dos funcionários
com os objetivos organizacionais e uma rápida resposta a situações e problemas familiares de certa
rotina organizacional. Por outro lado, uma cultura fraca, pode gerar maior flexibilidade, mas não
gera comprometimento. A cultura organizacional surge como um contra-ataque aos problemas de
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desintegração, como uma solução atraente, enfatizando as ideias comuns, formas de pensar, valores,
padrões e maneiras de trabalhar (FREITAS, 1991). Ela fornece as respostas a essas tendências de
desagregação por meio da quebra de padrões culturais, via consenso e solidariedade entre os
membros da organização. A literatura afirma que as grandes corporações desenvolvem culturas
poderosas que guiam o pensamento e o comportamento das pessoas em busca dos mesmos objetivos,
como propõe Chanlat (1993, p. 88), ao dizer que “a cultura é um sistema de crenças que dá sentido
às atividades do homem.”
Foi a partir da década de 90 que a cultura passou a ser vista de forma mais holística: mais do
que influenciar o comportamento das pessoas, ela é um dos pilares da organização capaz de suportá-
la e mantê-la. Corroboram com tais ideias DeLong & Fahey (2000), primeiros autores a descrever a
cultura organizacional como direcionadora da forma de agir das pessoas, o que impacta diretamente
nas estruturas de trabalho e que pode ser observado principalmente nos processos de fusões entre as
empresas.
Mais conhecidos e disseminados estão os trabalhos de Hofstede (1976) e Schein (1984),
cujas teorias serão descritas com mais detalhes a seguir, já que serão utilizadas como a principal
fonte para a fundamentação teórica desse estudo. A escolha por Hofstede justifica-se, uma vez que o
autor teve dois olhares distintos para o assunto: de início (I) buscou ver a cultura como um fenômeno
social, no qual os aspectos externos da organização (nacionalidade) influenciavam o aspecto interno
delas (modus operandi) e, logo após (II), preocupou-se com a percepção dos indivíduos sobre a
forma como eles reagiam à cultura em si. Nessa mesma linha, estão as pesquisas de Schein, que
descreveram a cultura como o resultado da interação entre os indivíduos que nela atuam e que geram
elementos mais superficiais ou mais profundos, o que ele denominou de níveis da cultura.

Cultura organizacional segundo Schein


Segundo Schein (2004), a cultura organizacional é um conjunto de premissas básicas
validadas ao longo do tempo por um determinado grupo. Essas premissas vão nortear as formas de
perceber, pensar, sentir e agir das pessoas em relação aos desafios internos e externos à organização.
Assim, sendo a cultura constituída por valores e normas formalmente aceitas pelos membros da
empresa e disseminadas entre eles, seria oportuno utilizar seus pressupostos e alcance como um meio
de sobrepor-se aos concorrentes. Uma vez que os pressupostos tenham funcionado bem o suficiente
para serem considerados válidos, eles são ensinados aos demais membros da organização como a
maneira certa de se perceber, pensar e sentir em relação àqueles problemas.
Assim, é bastante comum encontrarmos a cultura sendo conceituada a partir de seus próprios
elementos. Os elementos mais frequentemente citados são, segundo Schein (2004):

a) Artefatos: são os processos visíveis na superfície e na estrutura da organização como


linguagem, tecnologia, produtos e demais criações, forma de vestir e de se relacionar,
disposição física e arquitetura. São fáceis de serem observados, porém difíceis de serem
decifrados.
b) Valores expostos: são os valores que compartilhados, se transformam em premissas, ou seja,
em verdades indiscutíveis. Geralmente, os valores expostos são criados pelo fundador da
empresa e são validados socialmente com o aprendizado das pessoas que lá trabalham. É
importante que a filosofia e os objetivos manifestados estejam em consonância com os
valores e as percepções reveladas verbalmente pela instituição.
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c) Pressupostos básicos: é o nível mais profundo da cultura, remete à própria história da
organização: seu legado e crenças implícitas e inconscientes, vistas como certezas a serem
compartilhadas entre os integrantes da instituição. Quando a solução de um problema
funciona repetidamente e passa a ser algo intrínseco à organização, ela se encaixa nesse nível.

Figura 1: Niveis da Cultura Organizacional

Fonte: Schein, 2004

A importância dos líderes e fundadores também é relevante para o estudo da cultura


organizacional e passou a ganhar mais destaque desde o início do século XX, quando novamente as
montadoras japonesas começaram a sobressair-se frente às americanas, principalmente no que tange
às atitudes esperadas, comportamentos e maneiras de agir. Schein (2004) acredita que a cultura é
fortemente transmitida pelos seus fundadores e líderes e que o processo de aprendizado relativo à
formação dos pressupostos nada mais é do que a doutrina de novos integrantes da organização, como
forma de fortalecer as condutas de comportamento que residem na mente dos lideres e fundadores.
Nas organizações, os líderes e mentores podem ser comparados a heróis: carregam consigo a
responsabilidade de incitar as pessoas a realizarem suas atividades não apenas para atingir os
resultados esperados, mas também para satisfazer seus anseios profissionais. Possuem também tal
perfil os fundadores, cuja figura inspira e serve de exemplo aos demais. Compartilham o mesmo
pensamento Schwarz & Davis (1981), quando valorizam as práticas gerenciais e as descrevem como
sendo de representativa importância e Tavares (1991), quando dá aos líderes o papel de promotores
da cultura organizacional.

Cultura organizacional segundoHofstede


Os artefatos e valores de uma organização são mais fáceis de identificar, enquanto que o
levantamento dos pressupostos exige um olhar mais critico e apurado do pesquisador. Esse conceito
mais holístico, em que há uma congruência entre todos os elementos da instituição, também foi
defendido por Hofstede et al (1990), um autor seminal do tema, que preocupou-se com a cultura
organizacional na era da globalização e que a definiu como sendo intangível e difícil de mudar. O

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primeiro estudo de Hofstede (1980) chamou a atenção para as diferenças culturais existentes em uma
organização americana, cujas filiais situavam-se geograficamente em locais distintos. Segundo ele,
essas diferenças se manifestavam de várias formas: símbolos, heróis, rituais e valores.
Símbolos são as palavras, gestos, figuras e objetos que carregam um significado reconhecido
apenas por aqueles que vivem naquela cultura (HOFSTEDE, 1991). É o nível mais superficial da
cultura, sendo facilmente reconhecido por meio da observação. Os símbolos desaparecem com a
mesma facilidade com que foram criados. Estão presentes na forma de vestir e de falar. Os heróis são
pessoas vivas ou mortas, reais ou imaginárias, que possuem características altamente valorizadas em
uma cultura e que servem de modelo de comportamento para os demais. Os fundadores da
organização ou a “mascote” dela (quando há), se encaixam aqui.
Rituais são atividades coletivas que, dentro de uma cultura organizacional, são consideradas
essenciais, como por exemplo, formas de cumprimentos ou reverências e demais cerimônias
específicas. E, finalmente, há os valores, que são a essência da cultura organizacional e que nada
mais são do que tendências gerais para se fazer as coisas de uma forma, ao invés de outra. Os valores
têm uma representatividade alta no estudo da cultura organizacional, pois a torna estável quando as
normas refletem os valores do grupo (TROMPENAARS, 1994). Todas essas manifestações de
cultura adicionadas às practices de cada uma formam o diagrama que Hofstede (1980) denominou
the onion diagram.

Figura 2: The onion diagram: manifestações da cultura em diferentes níveis de profundidade

Fonte: Adaptado de Hofstede, 1980

Anos mais tarde, ainda realizando estudos sobre o tema, Hofstede et al (1990) aplicou um
questionário junto aos funcionários de uma multinacional, não só em sua matriz nos Estados Unidos,
mas também em outros cinquenta países onde ela estava presente. Ele notou que grande parte das
respostas obtidas podia ser categorizada em quatro dimensões distintas:

a) Distância do poder: é a dimensão fortemente relacionada à autoridade hierárquica. As


atitudes e comportamentos dos liderados são explicados a partir dos membros mais
poderosos (líderes). É o nível de desigualdade considerado normal entre as pessoas de uma
população, em um certo país.
b) Individualismo e Coletivismo: o individualismo reflete o grau em que a pessoas preferem
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agir como indivíduos, ao invés de agir em grupos; os laços com os demais são perdidos,
enquanto que, no coletivismo, os laços com os grupos e com outras redes sociais são
mantidos permanentemente, ou seja, o nível de individualismo é baixo. Há um sentimento de
pertença e lealdade.
c) Masculino e Feminino: nesta dimensão, prevalecem algumas características pertinentes ao
gênero. Enquanto nos comportamentos masculinos há uma forte presença da assertividade, da
busca constante pelo bom desempenho, pelo sucesso e pela competição, os femininos
privilegiam os relacionamentos entre as pessoas, solidariedade e a preocupação com o
próximo.
d) Evitar incertezas: reflete o sentimento de desconforto que as pessoas sentem em relação a
riscos e situações ambíguas, que pode ser minimizado com a criação de regras claras e
escritas. Uma sociedade com forte aversão à incerteza é chamada de rígida, ao passo que
aquela com fraca aversão chama-se flexível.

Foram duas as principais contribuições do estudo de Hofstede (1980). A primeira foi


descobrir que cada uma dessas dimensões de cultura exerce um tipo específico de controle sobre os
membros da organização e tais dimensões são persistentes ao longo do tempo. Além disso, ele
também comprovou que as culturas locais impactam diretamente na cultura das organizações e que
os elementos da cultura organizacional devem ser partilhados entre os membros para que a mesma se
torna sustentável. A segunda foi não menosprezar a interação entre os indivíduos como parte
fundamental no estudo da cultura, embora ela seja um fenômeno coletivo.
Anos mais tarde, em uma nova pesquisa envolvendo organizações holandesas, Hofstede et al
(1990), incluiu a dimensão - e) Orientação para Longo Prazo versus Curto Prazo -, sendo que a
primeira envolve economia de recursos, ao passo que a segunda se preocupa com os valores e as
tradições da organização, bem como o cumprimento das obrigações sociais. Foi também nessa
segunda pesquisa, que o autor identificou a presença dos símbolos, heróis, rituais e valores,
elementos da cultura até então, pouco conhecidos. Os símbolos já haviam sido anteriormente
comentados por Pettigrew (1979) como sendo figuras de especial significado para uma organização,
ao passo que os heróis, rituais e valores foram detalhadamente discorridos por Handy (1987) em uma
obra que comparava a cultura organizacional a deuses egípcios: cada um com características próprias
e pertinentes para cada tarefa a ser realizada.

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Figura 3: Dimensões da Cultura Organizacional

Fonte: Adaptado de Hofstede, 1990

Da mesma forma que Schein, Hofstede também buscou fazer relações entre os temas cultura
organizacional e liderança. Embora o nível de controle que a liderança tem sob a cultura
organizacional seja limitado (Schwartz & Davis, 1981), é necessário que haja um interesse da mesma
em promovê-la, uma vez que o movimento top down é importante para criar o comprometimento
entre os demais. Entendendo a cultura organizacional como “um fenômeno superficial que existe
principalmente nas práticas visíveis da organização, adquirida através da socialização dos novos
membros” - (HOFSTEDE, 1993, p. 92) - torna-se importante saber não apenas como incentivar essas
práticas, mas também quem será o responsável por tal promoção. Geralmente, os líderes, nos seus
mais diversos níveis, carregam com si essa função, embora em certas literaturas (principalmente a
americana), o papel do líder seja mais fortemente mencionado, descrito até mesmo como um core
element da organização, sem a qual ela não consegue prosseguir na busca de seus propósitos. Tomei
e Braunstein (1993, p. 17) também concordam com tal ideia quando afirmam que:

a dedicação e o comprometimento dos líderes e fundadores para com a empresa são


as molas mestras da formação da cultura (…). A visão que esses personagens têm de
como enfrentar os problemas e de como gerenciar a organização criam a consciência
da organização (…), os significados apreendidos pela experiência advinda do
sucesso e das falhas, a forma de agir e pensar (…) formam a cultura organizacional
(…).

Considerando-se que “a gestão não é um fenômeno que pode ser isolado de outros processos
dentro de uma sociedade” (HOFSTEDE, 1993, p. 89), torna-se relevante entender como é possível
dizer que o perfil do líder tem uma importância representativa na continuidade da cultura de
determinada organização, uma vez que ele tenderá a captar novos colaboradores com um perfil
próximo ao seu e com características similares às suas. A continuidade dessa cultura bem como a
permanência dela ao longo dos anos também dependerá do quão socializada ela estará entre os
demais membros da organização, ou seja, o quão disseminado entre eles estarão as practices que ela
propõe.
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Outra função importante do líder refere-se à comunicação e às formas pelas quais ele incita
às pessoas a viverem os princípios da cultura empresarial. A comunicação em si já é uma das
características essenciais do líder, mas a forma como ele a utilizará para promover a cultura tem uma
influência direta na maneira como as pessoas irão percebê-la. Tão importante quanto gerenciar
recursos, é gerenciar pessoas, outra tarefa importante dos líderes.

Cultura organizacional e uso de tecnologias


Frequentemente, a cultura é vista como um fator de grande influência no alcance dos
resultados de uma organização. Em outras palavras, empresas que enfatizam as características
culturais obtêm benefícios operacionais, enquanto as que enfatizam as variáveis culturais mais
efetivamente tendem a obter benefícios competitivos (FREITAS, 1991).
A cultura organizacional forma o contexto em que o desenvolvimento de um sistema se
estabelece (PETTIGREW, 1979). Há várias formas de estabelecer a relação entre a o uso de uma
tecnologia e a organização, porém a cultura é um fator que não tem recebido muita atenção da
literatura. A empresa cuja cultura é caracterizada pela flexibilidade e espontaneidade terá mais
facilidade para lidar com incertezas do que aquela caracterizada pelo controle e pela estabilidade.
Embora estudos acadêmicos analisem a aceitação da cultura no nível individual, outras
pesquisas claramente mostram que o desdobramento de um sistema ou métodos é um fenômeno
coletivo. Assim, a cultura organizacional pode ser entendida como uma razão para a fraqueza na
aceitação de metodologias, sejam elas tecnológicas ou não. Embora sua significância como fonte de
inércia organizacional seja bem conhecida (COOPER, 1994), a relação entre cultura organizacional e
a adoção de determinados sistemas ou métodos ainda é um território pouco explorado (LEIDNER e
KAYWORTH, 2006). No caso de ensino aqui descrito, entenderemos como “tecnologia” o uso da
intranet como ferramenta de compartilhamento de informação.
Diferentes culturas requerem diferentes tipos de informação e processam informações de
forma diferentes. Assim, naturalmente que o gerenciamento e uso da intranet serão diferenciados
para cada organização, porém é sabido que a cultura organizacional pode ser facilitadora ou
resistente ao uso de determinada tecnologia, o que impediria, nesse último caso, mudanças
transformacionais relevantes. A cultura organizacional pode ser sedimentada sobre quase tudo:
premissas básicas e crenças, valores e modelos de comportamento, rituais, práticas e símbolos,
artefatos e tecnologias (SCHEIN, 2007). Ao invés de diferenças, Schein afirma que uma cultura
organizacional possui vários níveis. Ele sugere que o nível mais profundo consiste em modelos de
premissas básicas que os membros da organização obedecem inconscientemente, sem dar-se conta
deles. No nível superficial estão os artefatos, com os modelos visíveis e audíveis da cultura. No nível
intermediário estão as crenças e valores que devem ser seguidos.
A quantidade de informações movimentada diariamente em uma empresa é considerável,
sejam elas informações de cunho operacional ou gerencial. O intercâmbio dessas informações pode
ser facilitado pela conexão das pessoas por meio da comunicação eletrônica como, por exemplo, o e-
mail e a intranet. A intranet permite o compartilhamento da informação e facilita a interação, além
também de oferecer flexibilidade e apoiar a transferência dessas informações, independentemente do
contato entre os usuários.
A aceitação ou resistência ao uso da intranet nas organizações é gerenciada mais pela cultura
do que pela tecnologia (RUPPEL and HARRINGTON, 2001). Ainda segundo tal autora, a
habilidade de uma organização em usar tecnologia para compartilhar informação é baseada no
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entusiasmo das pessoas, que por sua vez, são influenciadas pela cultura. Uma vez que a cultura
organizacional se desenvolve ao longo do tempo e que é socialmente complexa, a tentativa de imitá-
la é um processo realmente custoso e que demanda o envolvimento e tempo para que mesma se torne
efetivamente consolidada entre os demais membros da empresa. Conforme SCHEIN (2007), para
uma cultura ser considerada perene, os conhecimentos adquiridos pela organização devem, depois de
aprendidos, ser implementados e compartilhados com as demais pessoas.
O primeiro nível da cultura organizacional se refere ao momento em que a organização se
dispõe a aprender e a adquirir novas habilidades. Aqui, ela reconhece que não domina todas as
variáveis do sistema competitivo: parceiros, clientes, fornecedores, colaboradores e, em razão disso,
ela dá abertura para explorá-lo, de forma a obter resultados positivos. Nesse nível, as organizações
tendem a desenvolver melhores expectativas sobre o futuro, analisando as competências, recursos e
capacidades que já controlam. Esse também é o nível onde o uso de determinada tecnologia, como a
intranet, começa a ser planejado.
O segundo nível tem características implícitas, uma vez que visa implementar os
conhecimentos adquiridos do nível anterior. É a fase de manifestar, por meio de ações, o discurso
aprendido na fase da aprendizagem. Na literatura, é comum encontrarmos registros sobre
organizações que dão abertura ao aprendizado, mas que não conseguem efetivamente praticá-lo em
suas rotinas. Quando nesse nível, o uso da tecnologia já acontece de forma bastante natural, porém é
a fase dos acertos e erros, da aprendizagem em si. Esse é o melhor momento também para
estabelecer políticas de segurança no gerenciamento de informações, principalmente no que tange à
intranet, já que nem todas (principalmente as confidenciais ou de cunho estratégico) serão
disponibilizadas virtualmente.
Finalmente, vemos o nível compartilhamento, no qual a aprendizagem ocorre explicitamente
entre os membros da organização. Essa é o nível mais avançado da cultura organizacional, não só em
razão do contexto organizacional, mas principalmente, porque depende das pessoas e demais
facilidades que elas recebem para compartilhar informações entre si (SCHEIN, 2007). Compartilhar
é um processo que envolve autonomia, confiança e disposição ao risco, características essas que nem
toda a organização possui. (McDERMOTT and STOCK, 1999). Nesse nível, o uso da tecnologia
está não apenas muito disseminado, mas já faz parte do processo rotineiro das atividades
empresariais. Ela já é uma ferramenta comumente conhecida e utilizada por todos. Esse também é o
nível mais voltado às relações humanas e à flexibilidade. Exige-se da organização, aqui, uma maior
maturidade, já que confiança e participação também são essencialmente importantes para a
consolidação do uso de certa tecnologia, pois enfatizam o diálogo e a participação entre os seus
membros.
A intranet, com sua possibilidade de abertura à comunicação, é uma forma tecnologicamente
transparente de encorajar o compartilhamento de informação como, por exemplo, as discussões em
grupos. Irsner (1999) afirma que o sucesso no uso da intranet é 60% comunicação e 40% tecnologia.
Em uma cultura de cooperação e compartilhamento, a intranet é uma possibilidade de compartilhar
conhecimento. Além disso, as culturas dos grupos favorecem o desenvolvimento do recurso humano
e a participação do funcionário na tomada de decisão. Tais fatos encorajam o comprometimento do
funcionário por meio do aumento da colaboração em grupo. Ao mesmo tempo, a participação é
encorajada, uma vez que as informações estão disponíveis para todos, melhorando, assim, a
comunicação.

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Figura 4: Níveis da Cultura Organizacional

Fonte: Adaptado de Schein, 2007

Em organizações onde os funcionários estão unicamente preocupados com seus próprios


interesses, há um baixo nível de confiança e o uso da intranet para compartilhar informações é
ignorado (IIVARI e HUISMAN, 2007). Por outro lado, onde há um comportamento cooperativo, a
confiança existe, pois ela é um elemento necessário para que a cultura organizacional facilite o uso
da intranet. Empresas que encorajam o cuidado, o ambiente de confiança, são mais propícias a usar a
intranet. Além disso, o efeito da cultura organizacional na intranet e o efeito desta na cultura são
parte importante da prática do gerenciamento do conhecimento.
Uma cultura que recompensa seus membros pela inovação, pela flexibilidade e pela
aprendizagem favorece positivamente o uso da intranet. Organizações cujas culturas têm uma baixa
aversão à incerteza, seguindo o modelo proposto por Hofstede (1980), também são mais propensas a
utilizar a intranet como uma ferramenta comum de trabalho e não como um risco para ele. Leider e
Kaywoth (2006) vão mais além e complementam o trabalho de Hofstede (1980) quando afirmam que
as culturas com maior aversão à incerteza são as que menos utilizam e promovem o uso da intranet,
uma vez que tendem a vê-la como um potencial risco para suas operações. Também é válido
mencionar que a cultura existente pode encontrar maneiras de preservar as formas antigas de
gerenciamento de informações (reuniões presenciais ou documentos impressos) sem, contudo,
ignorar as novas alternativas eletrônicas (disponibilização de documentos na intranet,
teleconferências).
Estudos interpretativistas descobriram que a colaboração, a cooperação e a confiança são
fundamentais para o uso de certo sistema de informação. Uma cultura que não incentiva o uso da
intranet é aquela que enfatiza o controle unilateral e maximiza os ganhos e perdas. Quando uma
cultura de confiança existe, é menor a necessidade de monitoramento ou orientações privadas. Usar a
intranet para aplicações colaborativas, como discussões em grupo e gerenciamento de documentos,
cria um risco maior, mas também cria um maior potencial de melhoria na performance
organizacional.

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Roteiro para a discussão
Aqui está um possível roteiro, focado na questão de cultura organizacional, da adaptação a
ela e de como ela facilita ou impede o uso de tecnologias.

Aquecimento – dez minutos


Pode-se começar a discussão do caso pedindo que algum aluno o resuma brevemente,
terminando com o momento da decisão a ser tomada por Carmelita. É recomendável mencionar os
dados da Empresa Águia bem como a empresa anterior onde Carmelita havia trabalhado,
evidenciando as diferenças entre ambas, principalmente aquelas que levaram à situação-problema.
Para essa atividade, sugere-se o uso do quadro comparativo de ambas as empresas, conforme exposto
no Anexo 2 do caso. Também pode ser interessante perguntar quem já viveu ou já teve contato com
alguém que já passou por uma situação semelhante.

Organizando os fatos – vinte minutos


Após a introdução, é desejável entender melhor os fatos e as possíveis interpretações que
podemos tirar deles. É recomendável separar os personagens, as empresas e os eventos. Há alguns
dados referentes à Empresa Águia e à empresa anterior em que Carmelita trabalhara (Empresa Z) que
devem ser comparados e utilizados para entender as diferenças entre ambas as organizações. Quanto
aos personagens e às organizações envolvidas no caso, segue um breve resumo no qual se vê como
cada um está envolvido na situação.

 Janislei Bauer: chefe da logística da Empresa Águia, com dez anos de experiência na área.
 Carmelita Assunção: nova gerente de logística da Empresa Águia, há três meses na empresa.
Trabalhou anteriormente na Empresa Z, um pequeno empreendimento familiar, tem
experiência de cinco anos como líder.
 Inácio Muraro: gerente anterior da área de logística da Empresa Águia, antigo superior
imediato de Janislei Bauer. Foi promovido a diretor e por tal razão, foi transferido para a
planta de Illinois, nos Estados Unidos.
 Pedro, João, Marcio, Álvaro e Caio: analistas de logística, subordinados diretamente a
Janislei Bauer.

Recomenda-se aqui, o uso do organograma da Empresa Águia para entender a estrutura


hierárquica da empresa, conforme proposto no Anexo 1. Outra forma de organizar os fatos seria
relatar os eventos na sequencia como ocorreram (story line).

 O então gerente de logística da Empresa Águia é transferido para Illinois, Estados Unidos, o
que gera a necessidade de contratação de uma nova líder.
 Logo após sua saída, é contratada Carmelita Assunção, nova superior de Janislei Bauer.
 Carmelita Assunção assume a liderança do time de logística da Empresa Águia e após três
meses, vive a situação-problema.

Ao organizar os fatos, é recomendável também discutir como Carmelita chegou a tal


situação e quais os elementos que contribuíram para que o problema fosse criado.

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Discussão sobre cultura organizacional e intranet – trinta minutos
Para introduzir a discussão sobre cultura organizacional, é interessante começar com o
questionamento sobre quais são os objetivos de Carmelita Assunção. Embora aparentemente simples,
essa pergunta será desdobrada em outras, tais como:

a) Carmelita conhecia bem as ferramentas tecnológicas que a Empresa Águia utilizava no


exercício de suas atividades?
b) O quão adaptada ela estava à organização, mesmo estando ali há apenas três meses? Pode-se
dizer que ela conhecia a empresa o suficiente para exercer sua função de gerente?
c) Em quais momentos foi evidenciado o conhecimento ou não de Carmelita sobre os
procedimentos e ferramentas tecnológicas que a empresa oferecia?
d) Porque Janislei Bauer e seu time resistiram em atender as solicitações de Carmelita? Quais
poderiam ter sido as consequências dessa decisão?
e) Que características da cultura da Empresa Águia podem ter levado Janislei Bauer e seu time a
ignorar as solicitações de Carmelita?
f) Porque Carmelita não gostava da ideia de consultar a intranet da Empresa Águia para obter
os relatórios de vendas? Tinha essa resistência a ver com a forma com que ela havia
trabalhado na Empresa Z?
g) O uso da intranet na Empresa Águia era disseminado ou era realizado apenas por poucas
pessoas? Que fatores e informações levam a resposta dessa pergunta?
h) O quão maduro é o uso da intranet na Empresa Águia? Em qual dos níveis da pirâmide de
Schein (2007) está a Empresa Águia no que se refere ao uso dessa ferramenta?
i) Como, possivelmente, era o uso da intranet na Empresa Z, onde Carmelita havia trabalhando
anteriormente? Era tão disseminado como na Empresa Águia? Que elementos mencionados
no caso evidenciavam que a Empresa Águia estimulava o uso da intranet?

Sugere-se, nas discussões com os alunos, perguntar constantemente suas posições, mostrando
as possíveis consequências de cada opinião. Além disso, o professor pode fazer uma breve reflexão
sobre como a cultura organizacional impacta nas atividades das pessoas, bem como no
comportamento delas. Aqui, pode ser interessante também apresentar os níveis da cultura
organizacional proposto por Schein (2007). É recomendável também desenhar na lousa a pirâmide
com os níveis organizacionais propostos por Schein (2007), comparando a Empresa Águia com a
Empresa Z e evidenciando os diferentes níveis em que ambas se encontram no que se refere ao uso
de tecnologias.
Nestes momentos iniciais da discussão, é possível que algum aluno questione se é plausível
que emails de 10mb “travem” uma rede atualmente. Mesmo sendo um caso contemporâneo (ocorrido
em 2011), é pertinente dar algumas explicações aos alunos. São várias as causas que podem travar
uma rede interna: problemas no hardware (memória ou placa-mãe), problemas no software (os
programas em si), problemas com os drivers (dispositivos que fazem funcionar o mouse, teclado...),
entre outros. Teoricamente, porém, por ser uma grande empresa, essas difculdades não deveriam ser
mencionadas.
O que ocorre é que, as grandes corporações trabalham com cotas de espaço por setor, ou seja,
é disponibilizada a cada departamento uma quantidade de espaço em rede a ser gerenciada. Esse
espaço é medido em MB ou GB (linguagem real e conhecida dos alunos) e é calculado de acordo
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com o número de funcionários do departamento. Por ser um departamento pequeno (considerando a
quantidade de funcionários que Carmelita tem), as cotas de espaço não são muito elevadas. Quando o
armazenamento de dados/informações está próximo de atingir o limite estabelecido, o tráfego se
torna mais lento até que finalmente, “trava”. Note-se que, conforme mencionado no caso, dois
problemas emergiram desde a chegada de Carmelita: o aumento no fluxo de e-mails e o aumento no
volume de dados armazenados. Naturalmente que, quando necessário, é possível aumentar a cota de
espaço do departamento, mas isso exige a anuência de vários gestores: gestor do departamento,
gestor de TI e, se envolver novos custos, até mesmo a liderança estratégica é envolvida. Além disso,
esse é um processo que demanda certo tempo (na maioria dos casos, meses) principalmente porque
requer que tais gestores analisem a viabilidade do caso, para só então (in) deferí-lo.

Avaliação do caso – trinta minutos


Um primeiro ponto a se pensar é que pode ser necessário levantar mais informações sobre o
que realmente está acontecendo. Talvez fosse necessário que Carmelita chamasse Janislei e a equipe
de forma a entender o que estava gerando aquela situação. Seria má-vontade das pessoas ou mera
resistência às mudanças? Que características da cultura da Empresa Águia haviam colaborado para
que o time de Janislei se sentisse confortável em não enviar os relatórios de vendas por e-mail?
Ao se colocar no papel de gerente, deve-se buscar alternativas que levem em conta os
seguintes aspectos:

 O que fazer minutos antes do inicio da reunião com a diretoria? O que dizer à diretoria da
Empresa Águia? Como contornar tal situação, sem evidenciar que desconhecia o local onde
os relatórios estavam salvos?
 No papel de gerente, foi coerente a atitude de Carmelita em verificar os relatórios de vendas
apenas um dia antes da reunião com a diretoria? Aqui também é interessante perguntar aos
alunos o que eles teriam feito. Nesse momento, muitos comentarão as situações semelhantes
pelas quais também já passaram e que aprendizado foi tirado delas.
 O que fazer com a chefe de logística, Janislei Bauer e seu time? Seria necessário tomar uma
medida legal (advertência, demissão...) ou não? Qual a influência da cultura da Empresa
Águia nessa decisão? Considerando as informações disponíveis, é possível dizer que ela tinha
uma cultura punitiva ou de confiança? Que elementos do caso evidenciam tais
características? Esse é um momento oportuno para comentar sobre os aspectos estratégicos
da Empresa Águia (missão, visão, valores, no Anexo 2) e como eles podem influenciar as
atitudes dos funcionários. Os valores da Empresa Águia, por exemplo, remetem claramente a
uma cultura de confiança, enquanto que a cultura da Empresa Z preza mais pelo alcance de
resultados. Quais os impactos dessas características no uso das tecnologias? Como elas
influenciam positiva ou negativamente a disseminação delas?
 O que fazer nos próximos meses? Já que aquela era uma reunião mensal, quais seriam as
atitudes a serem tomadas para que tal problema não voltasse a ocorrer? Iria Carmelita
aprender a utilizar a intranet da Empresa Águia? Que fatores nos levam (ou não) a acreditar
nisso?
 E quanto à ferramenta email? Ela era tão utilizada como a intranet na Empresa Águia? E se o
time de Carmelita usasse apenas o email como ferramenta de compartilhamento de

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informação, a situação-problema seria a mesma?
 Na situação–problema falou-se apenas sobre a disponibilização dos relatórios de vendas na
intranet, mas e quanto aos demais documentos utilizados pela empresa? Com base nas
informações culturais acerca da Empresa Águia, como ela provavelmente geria os demais?
Também via intranet?
 E quanto à tratativa de informações confidenciais? Em algum momento ela foi abordada na
situação-problema? Se sim, como? É recomendável aqui comentar sobre segurança de
informações e o acesso a elas, principalmente quando são de cunho sigiloso? Que aspectos da
cultura da Empresa Águia demonstram (ou não) a preocupação dela com isso? Novamente
aqui é válido estabelecer uma comparação entre a Empresa Águia e a Empresa Z, onde
Carmelita havia trabalhado anteriormente.

Outra forma de avaliar a situação-problema é comparar as características culturais da


Empresa Águia com as de outra organização sugerida pelos alunos. Ao longo da discussão sobre os
aspectos culturais da Empresa Águia, os alunos naturalmente farão comentários sobre situações
semelhantes já vivenciadas por eles, o que contribuirá para a riqueza da aula. Nesse momento é
importante fazê-los refletir: e se a situação-problema tivesse acontecido em uma organização com
outro nível de maturidade no uso da intranet? Teriam os funcionários tido a mesma resistência ou
teriam eles compartilhado as informações por email, conforme solicitado pela líder?

Comentários finais – dez minutos


Para encerrar a aula, sugere-se perguntar aos alunos o que mais chamou a atenção no caso e
quais foram os principais aprendizados. É importante salientar os seguintes aspectos:

a) O caso retrata, na prática, as dificuldades de adaptação a determinada cultura organizacional,


em especial a de uma organização mais flexível e que foca no compartilhamento de
informações (daí o uso da intranet).
b) O caso mostra como os profissionais, especialmente a liderança, necessitam de apoio de seus
colegas, não apenas no exercício de suas atividades, mas também no compartilhamento de
informações.
c) Outro ponto de reflexão interessante é sobre a postura da liderança perante os liderados. E se
ela tivesse primeiramente tentando conhecer a cultura da organização? E se ela tivesse
tentando ganhar a confiança de seus liderados, já que a Empresa Águia focava num
relacionamento de confiança por meio do uso da intranet? Embora não seja o principal
objetivo dessa aula, o aspecto liderança pode ser trabalhado, principalmente no que diz
respeito às atitudes de Janislei e Carmelita.
d) A situação-problema é também propícia para refletir sobre o relacionamento da liderança
(Carmelita) com a área de TI da Empresa Águia. Qual a percepção dela sobre a área de TI e
porque ela a via apenas como uma área de suporte? Seria essa percepção uma “herança” da
Empresa Z, onde ela havia trabalhado?
e) Ainda sobre a área de TI, foi mencionado que o fluxo de emails na Empresa Águia havia
aumentado, causando lentidão no sistema em alguns momentos. Como a rede da empresa
conseguia suportar o armazenamento via intranet, mas não via emails? Embora seja um

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assunto mais voltado às disciplinas de Sistemas de Informação, há chances desse
questionamento ser feito pelos alunos.
f) Por fim, também é interessante chamar a atenção dos alunos para o aspecto “contato” entre
liderança e liderados. Em vários momentos, foi comentado que Carmelita preferia o contato
virtual (emails) do que o pessoal. Essa era uma característica do perfil de Carmelita ou da
Empresa Águia? Que características da empresa nos permitem entender isso? Certamente,
esse será um tema que gerará bastante discussão entre os alunos, principalmente porque
muitos terão experiências para contar a respeito.

O que aconteceu no caso real


Às 8h50 daquela manhã, a dez minutos do início da apresentação para a diretoria, Carmelita
ligou para Janislei e solicitou sua presença imediata na sala de reunião, o que não aconteceu. Deu 9h
e Janislei ainda não havia aparecido. De forma a ganhar tempo, Carmelita iniciou a apresentação
falando das dificuldades encontradas ao longo do mês para atingir as metas propostas pela empresa.
Nesse momento, nenhum material (slide, gráfico, tabelas...) foi exposto aos diretores. Houve uma
explanação sucinta sobre o comportamento de cada cliente da Empresa Águia no mês anterior.
Carmelita levou, em média, três minutos para explanar sobre cada um deles. Às 9h10, quando
começava a falar do quarto cliente, Janislei apareceu.
Nesse momento, Carmelita gentilmente pediu licença aos participantes e solicitou que
Janislei abrisse na intranet, os Relatórios de Vendas de Mensais. Assim, ao final de dezoito minutos
de introdução, Carmelita deu início à apresentação dos respectivos arquivos, que já haviam sido
encontrados por Janislei. Não foi evidenciado que Carmelita não conhecia e não sabia utilizar a
intranet da empresa. Ao fim da apresentação, um dos diretores da empresa solicitou que, na reunião
seguinte, fossem apresentados primeiramente os Relatórios de Vendas Mensais (com o resultado do
mês anterior) e logo após, as dificuldades encontradas ao longo do período. Como uma empresa
americana, a Empresa Águia prezava pelo story line nas apresentações, de forma a facilitar o
entendimento dos fatos e exibi-los exatamente na sequencia como eles ocorreram.

Fonte dos dados


As informações sobre esse caso foram obtidas por meio de três entrevistas em profundidade,
feitas com pessoas que viveram a situação. Duas são analistas de logística da empresa fabricante de
motores e uma, a chefe de logística do setor. As entrevistas não foram gravadas, mas os dados aqui
apresentados foram obtidos através das anotações feitas após as conversas com os funcionários. As
conversas foram individuais, feitas em um mesmo dia, com cerca de quarenta minutos cada.
O organograma disponível no Anexo 1 do caso foi apresentado exatamente como consta na
intranet da empresa, exceto pelos nomes dos colaboradores, que foram alterados de forma a garantir
a confidencialidade deles. O quadro comparativo apresentado no Anexo 2 também contém
informações reais sobre ambas as empresas e foi criado após o acesso aos respectivos websites
institucionais.

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