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Estudo de caso sobre a SEMCO S/A e o modelo de gestão implementado na mesma

O material abaixo é parte do artigo (estudo de caso):


GESTÃO PARTICIPATIVA COM VALORIZAÇÃO DO TRABALHADOR:
UM ESTUDO DE CASO (2005). Isaac Pinski e Donatila Brasil Rocha

E deve ser lido para posterior debate ao final da aula. O artigo pode ser lido integralmente
acessando-se o link:
http://www.ead.fea.usp.br/semead/7semead/paginas/artigos%20recebidos/Adm%20Geral/ADM28-
_Gestao_participativa.PDF

IV. METODOLOGIA

A metodologia utilizada neste trabalho foi a de Estudo de Caso para o qual foi escolhido o
Grupo SEMCO. A SEMCO é um grupo empresarial paulista fundado em 1953 pelo engenheiro
austríaco Antonio Curt Semler, e passou a ser controlado e conduzido a partir dos anos oitenta por
Ricardo Semler, filho do fundador, então um jovem advogado e cinqüenta anos mais jovem.
A empresa industrial que em 1953 apenas fabricava centrífugas para a indústria de óleos
vegetais e, entre 1960 e 1980, principalmente, peças para a indústria naval, transformou-se na última
década em um grupo empresarial voltado especialmente à prestação de serviços, já que, de suas
atuais doze divisões, apenas duas estão dedicadas à produção de equipamentos industriais (a Semco
Processos, que produz misturadores, e a Semco Bac Refrigeração, que produz equipamentos para
refrigeração). Sete divisões prestam serviços (consultoria ambiental, consultoria imobiliária,
gerenciamento de propriedades, inventário de estoques, gerenciamento químico, manutenção volante
e recursos humanos), duas divisões estão voltadas à tecnologia (gerenciamento de infra-estrutura e
gerenciamento de arquivos e documentos) e uma divisão para a prospecção e desenvolvimento de
novos negócios (a Semco Ventures).
Na gestão antiga os executivos da SEMCO focalizavam sua atenção especialmente nos
índices de produtividade e desempenho, dando pouca atenção a fatores humanos como o ambiente
de trabalho e a motivação dos funcionários. A mudança de gestão nos anos oitenta detonou algumas
mudanças radicais de atitude para com os funcionários eliminando-se, por exemplo, as revistas na
saída do trabalho e estimulando-se a participação nas melhorias do ambiente de trabalho e nas
decisões empresariais.
Ricardo Semler e uma pequena equipe originalmente constituída questionou os hábitos
administrativos praticados em sua organização – e na maioria das demais, na época - e promoveu
uma verdadeira reengenharia na forma de gestão de sua empresa, “esquecendo” o passado e
“começando do zero”, como Michael Hammer (1993) viria a escrever anos mais tarde, em 1993.

O modelo SEMCO de gestão e sua implantação

Ricardo imprimiu características próprias à organização, transformando-a ao seu estilo,


valores e crenças, o que é explicado por Schaefer (2000) que propõe, em alinhamento com as idéias
de Berger e Luckman (1966), que o modelo das organizações reflete, consciente ou
inconscientemente, a imagem de ser humano dos que assumiram a iniciativa, refletindo, assim, a
importância fundamental dos valores e crenças do(s) criador(es) para a definição do que ele chama
de alma e mundo espiritual das organizações.
Por outro lado, a exemplo do que ocorrera no Japão do pós-guerra e que contribuiria para o
surgimento do modelo japonês, mais participativo que o anteriormente existente, a SEMCO passou
na primeira metade dos anos 80 por sérios problemas econômicos e financeiros no momento em que

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a indústria naval, então seu principal mercado, estava em grande crise, e decidiu diversificar sua
gama de produtos. As limitações técnicas e gerenciais do novo controlador não lhe permitiam
administrar sozinho a empresa nessas circunstâncias e a adoção de um modelo de gestão centralizado
poderia ter sido inadequado, e eventualmente até mesmo fatal, para o destino da organização.
A contratação de um pequeno grupo de executivos em meados da década de 80 ofereceu a
estrutura básica para a discussão e o desenvolvimento de novos valores e crenças da SEMCO. A
partir dessa estrutura é que seria criado um modelo, denominado “crença original”, de uma das
práticas mais importantes da empresa, conforme a figura abaixo.

O modelo representado pela figura acima resumia as crenças dos seus criadores de que um
incremento de participação acarretaria um aumento na motivação dos funcionários e vice-versa.
Ainda era necessária sua operacionalização para que o modelo deixasse de ser apenas uma
representação teórica. Para isso foram implantadas cinco práticas iniciais:

1. Fazer o subordinado pensar em vez de resolver por ele.


2. Em vez de resolver as queixas do subordinado, perguntar-lhe: “Qual é a sua sugestão?”.
3. Estimular o trabalho em grupo.
4. Assegurar que o grupo, posteriormente, procure e perceba a viabilidade (ou não) da
sugestão ou proposta.
5. Fazer com que o próprio grupo implante a solução proposta.

Esse modelo – e suas práticas – permitiu que diversos assuntos que causavam mal-estar entre
os funcionários fossem por eles solucionados, tais como a definição dos horários de trabalho (e sua
flexibilização), a compensação de dias não trabalhados (e o cronograma anual de trabalho), e os
uniformes a serem utilizados (e se deveriam usa-los). Adicionalmente a direção da empresa solicitou
aos funcionários que fizessem uma revisão do Plano de Cargos e Salários existente, que era
considerado obsoleto, e um instrumento excessivamente sigiloso com acesso exclusivo à direção da
empresa.
Todos esses assuntos foram desenvolvidos sob responsabilidade dos próprios funcionários e
algumas dessas decisões revolucionárias para a época:
Os funcionários implantaram o horário flexível em quase todas as áreas da empresa,
inclusive nas industriais, e desenvolveram cooperativamente formas de suprir a falta de
funcionários ausentes.
Os próprios funcionários passaram a desenvolver seu plano anual de dias de trabalho e de
folgas, bem como a forma de compensação de dias não trabalhados.

Esse plano é comunicado para as áreas produtivas e de recursos humanos que fazem seus
planejamentos a partir dessas informações.

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Os uniformes foram escolhidos pelos próprios funcionários após uma pesquisa que,
inclusive, mostrou que eles davam preferência ao uso de uniformes.
O Plano de Cargos e Salários demandou longos nove meses para conclusão, porém, foi
elaborado com a participação de quinze representantes eleitos pelos funcionários, contou com
uma avaliação comparativa com o mercado, agregou o conceito de régua de avaliação com
intensa participação dos trabalhadores, e decidiu pela transparência total e completa de seu
conteúdo e informações para qualquer empregado.

Uma das práticas mais importantes que a SEMCO adotou está na clareza das “regras do
jogo” que busca a transparência imediatamente após a sua admissão, quando recebe uma pequena
cartilha, bem elaborada e impressa que, com bom humor, se intitula Manual de Sobrevivência. Esse
Manual pretendia – e aparentemente consegue - transmitir os valores da organização e incentivar os
recém-contratados a ousar ter uma participação ativa não restrita à sua área de atuação que,
geralmente, seria reprimida na maioria das organizações.
Todas as pessoas – de qualquer formação, posição ou cultura – que ingressam na SEMCO são
incentivadas a participar, questionar e exercer sua criatividade. Tais manifestações democráticas do
Manual são reforçadas nas páginas que tratam de assuntos como liderança, liberdade, honestidade,
denúncias, sindicatos, preconceitos, uso de autoridade, comissões, autocontrole de freqüência,
participação no dia-a-dia, greves, divulgação dos resultados, nossas pessoas e orgulho.
A cultura da organização – expressa no Manual e incentivada no dia-a-dia através do
relacionamento interpessoal valoriza e deixa explícito, entre outras, que:
Só pode liderar quem tiver o respeito de seus liderados.
Pressões, táticas que envolvem fazer pessoas trabalharem com medo ou qualquer tipo de
desrespeito são considerados incapacidade de liderança e mau uso de autoridade.
Deve-se evitar os termos “funcionário”, “empregado” e “colaborador” porque acreditam
que “não expressam igualdade” e que “não há lugar para formalidades; é recomendada a
utilização da palavra “pessoa”.
As portas estão sempre abertas e as pessoas devem falar o que realmente pensam, sem
receios e sem inibições.

O empregado também recebe a informação de que a empresa considera o sindicato “uma


forma importante de proteção ao trabalhador” e que “o relacionamento constante com os sindicatos é
saudável para a empresa e para os empregados; além disso,“a presença de sindicalistas na empresa é
sempre bem vinda”.
Consta, ainda, de tal Manual, que as comissões criadas para tratar de interesses coletivos são
incentivadas ainda quando “não coincidam com os interesses da empresa. Este conflito aqui é visto
como saudável e necessário”. A participação no dia-a-dia é incentivada e até mesmo as greves são
encaradas de maneira incomum entre as empresas brasileiras, pois na SEMCO é considerado que “a
decisão de participar ou não desse tipo de movimento é individual. Isso faz parte da democracia e é
respeitada pela empresa”.
O trabalhador ingressante fica sabendo que não há relógio de ponto e que “cada pessoa
controla o seu próprio horário de trabalho. Esta é mais uma forma de transferir responsabilidade para
cada um”. Ali ele periodicamente saberá os resultados da sua unidade e da empresa, podendo discuti-
los e devendo acompanhar de perto, fazendo a pergunta que quiser, pois “não há assunto que não
possa ser discutido”.
Dentro do espírito capitalista fica claro que um dos pilares do modelo SEMCO é o
Programa de Participação nos Lucros e Resultados que é apresentado como “para valer”. E que
“cada unidade ganha” e onde “cada empresa do grupo possui o seu programa, de acordo com as
características de cada negócio”.
Interessados nos resultados de suas unidades os participantes – acredita-se - atuam de
maneira mais madura, responsável, trabalham com maior preocupação com a qualidade e exercem

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alguma pressão sobre os colegas que estejam prejudicando o atingimento dos objetivos do grupo. A
idéia é que aumentem os ganhos das pessoas que trabalham na empresa e, como conseqüência, dos
sócios controladores, visto serem todos sócios nos resultados.
Esse modelo procura incentivar o orgulho das pessoas que lá trabalham e diz que “só vale a
pena trabalhar num lugar que dê orgulho. Crie este orgulho na qualidade do que você faz. Não deixe
sair um produto ou serviço que não atenda à expectativa do cliente, não faça uma carta ou
comunicado que não sejam honestos, e não deixe cair o nível da empresa – lute para ter orgulho
sempre”.
Algumas das conseqüências dessas decisões seriam as seguintes, conforme os executivos:
Todo trabalhador sabe os critérios e os pré-requisitos necessários para se candidatar a uma
promoção ou qualquer outro cargo dentro da organização.
Todos conhecem os salários e benefícios das outras pessoas (inclusive dos diretores) bem
como suas responsabilidades e as atribuições de seus cargos.
A seleção de executivos passou a ser feita com a participação efetiva de seus futuros
subordinados tanto nas entrevistas quanto nas pontuações classificatórias.
A avaliação de desempenho passou a ser utilizada de forma sistemática e incorporou a
avaliação de baixo para cima. E migrou do conceito da avaliação punitiva para a cooperativa
com o slogan: “Ajudem seu chefe a crescer”. Esta técnica também foi inovadora numa época
em que não se ouvia falar ainda em “avaliação de 360 graus“ ou outras nomenclaturas para
esse conceito.

Quando o sócio controlador decidiu abrir mão de 15% dos lucros para serem distribuídos
entre os funcionários, ficou estabelecido que os próprios trabalhadores deveriam definir os critérios
para a divisão desse dinheiro e que seria necessário priorizar, junto ao sindicato dos trabalhadores e
aos funcionários, um curso de leitura de balanços e análise de resultados para possibilitar uma
participação efetiva das pessoas nos resultados da organização. Tal medida aumentou a participação
dos trabalhadores nas atividades de interesse comum e não apenas todos estão permanentemente
convidados a participar das reuniões de resultados, como é grande o seu nível de comparecimento e
de participação.
O que se buscou com esse processo – e que aparentemente se conseguiu – foi um trabalhador
que incrementou sua identificação com a organização e com as pessoas que lá trabalham e reduziu a
importância relativa de sua identificação com os trabalhadores de sua especialidade. Utilizando-se
do conceito de Gouldner (1958) sobre “Locals” e “Cosmopolitans” para identificar indivíduos com
diferentes orientações relativamente aos grupos (de referência) e à organização, poder-se-ia
classificar as pessoas na SEMCO como “locals” pois esses têm um relativo baixo compromisso ao
seu papel profissional, alta lealdade à organização e orientação às normas dos grupos dentro da
organização enquanto os “cosmopolitans” tem uma relativa baixa lealdade à organização e às suas
normas, alto compromisso com sua classe profissional e orientação às normas externas à
organização.

V. ANÁLISE
As grandes mudanças percebidas na SEMCO ocorridas a partir da transição da liderança de
sua gestão são conseqüências de uma série de fatores ligados tanto às fraquezas da organização –
como as deficiências de seu novo gestor (baixo conhecimento do negócio, de aspectos técnicos e
gerenciais) e uma difícil situação financeira – e a ameaça de ver o seu ramo de atividade naufragar
como decorrência da derrocada da indústria naval brasileira, quanto à capacidade de promover
alianças, liderar um processo de mudanças nos valores organizacionais e ampliar a gama de produtos
e serviços oferecidos.
Mesmo que esse modelo participativo que a empresa adotou ainda possa ser considerado
excessivamente dependente de alguns poucos executivos que o apóiam, seu grau de maturidade já o
torna menos vulnerável a tais lideranças formais. Ainda assim permanece a dúvida até que ponto o

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modelo adotado estará imune às associações com empresas estrangeiras – o que têm ocorrido nos
últimos anos – que têm culturas e valores tão distintos.
Por ora, no entanto, esse modelo tem atendido adequadamente às necessidades da empresa,
pois seus resultados satisfazem aos acionistas. Mais que isso, o modelo adotado tem permitido que
as pessoas - que lá trabalham - tenham um comportamento semelhante ao de sócios e um alto grau
de satisfação.
O modelo SEMCO claramente privilegia aspectos da Comunicação e algumas práticas
administrativas. De um ponto de vista teórico sabe-se que desde o final do século XVIII a
contribuição da Comunicação é reconhecida, quer na organização do trabalho coletivo no interior
das fábricas, quer na estruturação dos espaços econômicos, conforme Mattelart (2001).
Um dos aspectos importantes para a eficácia da prática administrativa reside na qualidade da
comunicação, em todos os seus níveis. Inexiste mudança organizacional e processo de transformação
cultural sem uma comunicação (aqui incluídos códigos, sinais, símbolos e rituais) clara e adequada
ao receptor – neste caso, o público interno.
A análise da cultura de uma organização pode ser realizada através da observação da
comunicação de seu público: textos (escrito, falado), olhares, gestos, hábitos, atitudes, etc.
As principais funções do processo de comunicação na sociedade, descritas por Lasswell
(apud Mattelart, 2001), podem ser claramente observadas na transformação cultural ocorrida na
SEMCO e contidas no “Manuel de Sobrevivência”, entregue a cada funcionário, onde estão descritos
os 10 princípios do Grupo:

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A cúpula diretiva da SEMCO, ao transferir parte relevante das atribuições da gestão do grupo
corporativo para os funcionários, descaracterizou parcialmente o conflito entre o capital e o trabalho,
entre o empresário e o empregado, entre o gestor e o trabalhador.
O estilo de administração participativa adotado na SEMCO, que pode ser identificado com a
“Visão das Relações e Desenvolvimento Humanos”, citada por Ferreira (2002), transfere, na prática,
aos funcionários – denominados internamente como “pessoas que trabalham na SEMCO” – muitas
das atribuições da administração tradicional, tais como: a definição dos horários de trabalho,
critérios para compensações de horário, greves, admissão e promoção de pessoal, controle de ponto,
a distribuição dos lucros entre os funcionários (da parcela que lhes cabe), estabelecimento de
lideranças e formas de relacionamento com sindicatos.
Tais atribuições – somado o estímulo à participação em outros assuntos, como a análise dos
resultados empresariais – e o clima favorável às sugestões nas diferentes áreas organizacionais, e não
apenas naquela em que a pessoa atua, reduz o distanciamento entre a cúpula diretiva e os
funcionários, agregando outros interesses a essas pessoas, além daqueles diretamente ligados ao seu
posto de trabalho.
Considerando-se que o sucesso do modelo adotado possa ser observado pelos pontos de vista
do capital e do trabalho teríamos:
Sob o aspecto do capital, o Grupo analisado evoluiu de uma pequena empresa em estado
pré-falimentar para um grupo empresarial muito respeitado, com doze divisões de negócios.
Sob a ótica do trabalho, a SEMCO é considerada, atualmente, um padrão de excelência na
gestão dos recursos humanos – a ponto de vender seus serviços, nesse campo, a terceiros – e
um dos melhores locais para se trabalhar no Brasil, o que a caracteriza como uma história de
sucesso.

Pode-se, portanto, considerar que a questão da alienação e do estranhamento do trabalho


provavelmente está mais relacionada com o modelo de gestão adotado pela organização do que ao
regime – socialista ou capitalista – do país em que opera.
Dessa maneira, lembrando Antunes (2000), que afirma que “sob o capitalismo o trabalhador
repudia o trabalho; não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece, mas se nega”, poder-se-ia
afirmar que, em organizações que adotam o modelo de gestão semelhante ao analisado neste estudo,
inspirado e criativo, “o trabalhador não repudia o trabalho; não se degrada, mas se satisfaz; não se
nega, mas se reconhece”.

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