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http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.

2018v30i2p-266-277
A RTIG OS

Efeitos da estimulação de
habilidades em consciência
fonológica na reorganização do
sistema fonológico: relato de caso

Effects of stimulating abilities on phonological


awareness in the reorganization of the
phonological system: case report

Efectos de la estimulación de habilidades en


conciencia fonológica en la reorganización del
sistema fonológico: relato de caso

Roberta Freitas Dias*


Carolina Lisboa Mezzomo**

Resumo

Objetivo: Este estudo teve como objetivo apresentar e analisar os efeitos da estimulação da
consciência fonológica na terapia dos desvios fonológicos, comparando três abordagens terapêuticas
diferentes. Métodos: Participaram sete sujeitos, com 6 anos de idade, em média, com diagnóstico
de desvio fonológico, divididos em três grupos, conforme a abordagem terapêutica recebida: terapia
puramente fonológica, terapia com base na estimulação de habilidades em consciência fonológica
e terapia fonológica associada à estimulação de habilidades em consciência fonológica. Eles foram
avaliados, pré e pós-terapia, em relação ao inventário fonético, sistema fonológico, gravidade do
desvio fonológico e desempenho em consciência fonológica. Os resultados obtidos foram analisados de
maneira descritiva. Resultados: Constatou-se que todos os sujeitos, exceto o S7, reorganizaram seus
sistemas fonológicos. Todos os sujeitos melhoraram seus escores nas tarefas silábicas, fonêmicas e no

*Faculdade Nossa Senhora de Fátima, Caxias do Sul, RS, Brasil


** Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

Contribuição dos autores:


RFD foi responsável pela coleta, análise e discussão dos dados do presente estudo, além da escrita;
CLM acompanhou todo o desenvolvimento do estudo e colaborou com a escrita e revisão do manuscrito.

E-mail para correspondência: Roberta Freitas Dias robertafdias@hotmail.com


Recebido: 17/10/2017
Aprovado: 26/05/2018

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Efeitos da estimulação de habilidades em consciência fonológica na reorganização do sistema fonológico: relato de caso

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total de acertos (silábicas e fonêmicas). Os sujeitos que receberam terapia envolvendo a estimulação de
habilidades em consciência fonológica, associada ou não à terapia fonológica, foram os que obtiveram
maiores pontuações em consciência fonológica no pós-terapia. Conclusão: As abordagens terapêuticas
apresentadas e analisadas neste estudo propiciaram a reorganização do sistema fonológico da maioria
dos sujeitos tratados. Aquelas que envolveram a estimulação de habilidades em consciência fonológica
promoveram um desenvolvimento maior desta habilidade.
Palavras-chave: Fonoterapia; Distúrbios da Fala; Reabilitação dos Transtornos da Fala e da
Linguagem; Fala; Criança

Abstract

Aim: This study aimed to present and analyze the effects of phonological awareness stimulation
in the therapy of phonological disorders, comparing three different therapeutic approaches. Methods:
Seven subjects, with a 6-year-old average, with diagnosis of phonological disorders, divided in three
groups, participated in the study, according to the type of received therapy: purely phonological therapy,
therapy based on stimulation of phonological awareness skills and phonological therapy associated with
stimulation of phonological awareness skills. The subjects were evaluated before and after therapy, in
relation to phonetic inventory, phonological system, phonological disorder severity and performance
in phonological awareness. The obtained results were analyzed in a descriptive way. Results: It was
observed that all subjects, except S7, reorganized their phonological systems. All subjects improved their
scores in syllabic tasks, phonemic tasks and correct answers. The subjects who received therapy related
to stimulation of phonological awareness skills, associated or not to phonological therapy, obtained the
best scores in phonological awareness after therapy. Conclusion: The presented and analyzed approaches
provided phonological system reorganization of most treated subjects. The approaches which concerned
stimulation of phonological awareness skills promoted further development of this ability.
Keywords: Speech Therapy; Speech Disorders; Rehabilitation of Speech and Language Disorders;
Speech; Child

Resumen

Objetivo: Este estudio tuvo como objetivo presentar y analizar los efectos de la estimulación de la
conciencia fonológica en la terapia de los desvíos fonológicos, comparando tres abordajes terapéuticos
diferentes. Procedimientos: Siete sujetos con 6 años de edad, en promedio, con diagnóstico de desvíos
fonológicos se dividieron en tres grupos según el abordaje terapéutico recibido: terapia puramente
fonológica, terapia basada en la estimulación de las habilidades de conciencia fonológica y terapia
fonológica asociada con la estimulación de las habilidades de conciencia fonológica. Ellos fueron
evaluados, pre y post terapia, en relación al inventario fonético, sistema fonológico, gravedad del desvío
fonológico y desempeño en conciencia fonológica. Los resultados obtenidos fueron analizados de manera
descriptiva. Resultados: Se constató que todos los sujetos, excepto el S7, reorganizaron sus sistemas
fonológicos. Todos los sujetos mejoraron sus escores en las tareas silábicas, fonémicas y en el total
de aciertos (silábicas y fonémicas). Los sujetos que recibieron terapia envolviendo la estimulación de
habilidades en conciencia fonológica, asociado o no a la terapia fonológica, fueron los que obtuvieron
mayores puntuaciones en conciencia fonológica en el post terapia. Conclusión: Los abordajes terapéuticos
presentados y analizados en este estudio propiciaron la reorganización del sistema fonológico de la
mayoría de los sujetos tratados. Aquellas que trabajaron la estimulación de habilidades en conciencia
fonológica promovieron un desarrollo mayor de esta habilidad.
Palabras clave: Fonoterapia, Trastornos del Habla; Rehabilitación de los Trastornos del Habla;
Habla; Niño

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Roberta Freitas Dias, Carolina Lisboa Mezzomo
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Introdução defasados nos desvios fonológicos são essenciais


para que seja evitado que outras dificuldades
Até meados da década de 70, as abordagens prejudiquem o desenvolvimento dessas crianças,
terapêuticas para os desvios fonológicos, denomi- em outras fases, nomeadamente no processo de
nadas tradicionais, eram baseadas em treinamentos alfabetização(7,9,12,13,15).
articulatórios envolvendo cada um dos sons que a Com base nos trabalhos supracitados, acredi-
criança apresentava alterado em seu sistema fonoló- ta-se que a estimulação da consciência fonológica
gico. A partir desta época, as abordagens passaram pode promover não apenas o desenvolvimento
a ser pensadas com base em premissas fonológicas desta capacidade em crianças com desvios fono-
e, posteriormente, psicolinguísticas, considerando lógicos, mas, também, a reorganização dos seus
que as mudanças deveriam ocorrer, sobretudo, na sistemas fonológicos.
mente da criança1,2. Com isso, o objetivo deste estudo foi apre-
Com a mudança de paradigma sobre os des- sentar e analisar os efeitos da estimulação da
vios fonológicos e, portanto, sobre os princípios consciência fonológica na terapia dos desvios
do tratamento nestes casos, diversas abordagens fonológicos, comparando três abordagens terapêu-
terapêuticas foram propostas, tendo como prin- ticas diferentes.
cipal objetivo reorganizar o sistema fonológico
de crianças com desvio fonológico. Dentre essas Apresentação dos casos clínicos
abordagens, citam-se dois exemplos disponíveis na
literatura, que subsidiaram a criação das propostas os sujeitos que participaram deste estudo fo-
terapêuticas utilizadas no presente estudo: o Mode- ram selecionados por conveniência, por meio do
lo de Oposições Máximas3, com base em contrastes Estágio Supervisionado em Acolhimento I e II, e
de traços distintivos, e o Metaphon4, com base na aguardavam atendimento na fila de espera do Setor
metafonologia. Estes dois modelos de terapia foram de Fala, do Serviço de Atendimento Fonoaudioló-
testados no Brasil e tiveram a sua eficácia compro- gico da clínica escola onde a coleta de dados foi
vada2,5,6, sendo que, para o Modelo de Oposições realizada. Durante o período de vigência do projeto,
Máximas, foi proposta uma modificação no que foram avaliados 15 sujeitos com queixa de “trocas
se refere à escolha dos segmentos-alvo, à terapia na fala”, por ordem de chegada ao serviço. Desses,
fonológica e à estrutura da sessão de terapia2. oito foram excluídos, por apresentar outras altera-
A grande maioria das abordagens testadas ções de fala (distorções fonéticas, por exemplo) ou
e usadas no Brasil são reproduções de modelos por já terem recebido terapia anteriormente.
propostos para crianças falantes do inglês. Ainda, Com isso, sete sujeitos com diagnóstico de
ao contrário do que consta na literatura internacio- desvio fonológico participaram do estudo em
nal1,4,7-9, poucos estudiosos brasileiros, da área dos questão e receberam terapia fonoaudiológica. A
desvios fonológicos, se propuseram a investigar a média de idade no início do tratamento foi de 6:0,
influência do uso de habilidades em consciência sendo a amostra constituída por uma menina e
fonológica na terapia dos desvios fonológicos5,10,11. seis meninos. Todos eles estavam frequentando a
Os estudos realizados para o inglês mostraram que escola, três na pré-escola e quatro no 1° ano do en-
todas as propostas de terapia para os desvios fono- sino fundamental, apresentando hipótese de escrita
lógicos, envolvendo a estimulação da consciência pré-silábica ou silábica, com exceção do S3, com
fonológica, resultaram em melhora no sistema hipótese de escrita alfabética.
fonológico dos sujeitos tratados, bem como nas Este trabalho foi desenvolvido na Clínica Es-
suas habilidades em consciência fonológica1,4,7-9. cola de uma Instituição de Ensino Superior (IES),
No Brasil, estudos mostraram que determina- a partir do projeto 0202.0.243.000-11, aprovado
dos modelos de terapia com base fonológica não pelo Comitê de Ética em Pesquisa da mesma IES.
são suficientes para que crianças com desvio fono- Como critérios de inclusão, foram estabe-
lógico desenvolvam a consciência fonológica12-14, lecidas as seguintes condições: ter idade entre
habilidade crucial para a promoção do sucesso cinco anos e seis anos, 11 meses e 30 dias; ter
dessas crianças na aprendizagem da leitura e da autorização para participar da pesquisa, por meio
escrita. Por conseguinte, abordagens terapêuticas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
que incluam o trabalho com este e outros aspectos apresentar diagnóstico de desvio fonológico; ter

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Efeitos da estimulação de habilidades em consciência fonológica na reorganização do sistema fonológico: relato de caso

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audição normal e ser monolíngue do Português A análise contrastiva permitiu que fosse esta-
Brasileiro. Aquelas crianças que receberam belecido o sistema fonológico de cada criança e a
tratamento fonoaudiológico anteriormente; que gravidade do desvio fonológico, por meio do PCC-
apresentaram alterações fonoaudiológicas, além de -R (Percentual de Consoantes Corretas-Revisado),
desvio fonológico; ou que apresentaram alterações que considera apenas as substituições e omissões
neurológicas, cognitivas ou psicológicas evidentes de fonemas em sua análise17. A partir do PCC-R,
foram excluídas da pesquisa. a gravidade do desvio fonológico foi classificada
Para que o diagnóstico de desvio fonológico em: desvio grave, com percentuais de consoantes
fosse definido, as crianças realizaram uma série de corretas menores do que 50%; desvio moderado-
avaliações fonoaudiológicas, além de avaliações -grave, com percentuais de consoantes corretas
complementares. Para as avaliações fonoaudio- entre 51% e 65%; desvio levemente-moderado,
lógicas (anamnese, linguagem compreensiva e com percentuais de consoantes corretas entre 66% e
expressiva oral, sistema estomatognático, exame 85%; e desvio leve, com percentuais de consoantes
articulatório, avaliação da fala através do estabe- corretas maiores que 86%. Além disso, por meio
lecimento dos inventários fonético e fonológico e da análise do sistema fonológico da criança, foi
avaliação da audição) foram utilizados os protoco- possível identificar os traços distintivos alterados
los disponíveis na clínica escola em que a pesquisa em sua fala, informação relevante para a seleção
foi desenvolvida. Os exames complementares dos sons-alvo a serem estimulados, em umas das
constaram de avaliação otorrinolaringológica e abordagens terapêuticas aplicada, posteriormente.
neurológica, disponibilizados na própria clínica A avaliação da consciência fonológica foi
escola.
realizada por meio do CONFIAS – Consciência
Todas as avaliações fonoaudiológicas, tanto
fonológica: Instrumento de avaliação sequencial18.
para definição do diagnóstico de desvio fonoló-
Este instrumento testa dois níveis de consciência
gico como para a coleta de dados, bem como os
fonológica: silábica e fonêmica ou segmental. A
procedimentos terapêuticos foram realizados por
primeira parte é composta por nove tarefas silábicas
uma das pesquisadoras, autora do presente artigo.
(S1 – Síntese; S2 – Segmentação; S3 – Identificação
Os dados analisados pré e pós-terapia foram
de sílaba inicial; S4 – Identificação de rima; S5 –
constituídos pelo inventário fonético e pelo sistema
Produção de palavra com sílaba dada; S6 – Identi-
fonológico de cada criança e pelos desempenhos
ficação de sílaba medial e S7 – Produção de rima;
individuais em um instrumento de avaliação da
consciência fonológica. S8 – Exclusão e S9 – Transposição) e a segunda
Para a coleta e análise dos dados de fala, utili- parte é composta por sete tarefas fonêmicas (F1 –
zou-se a AFC – Avaliação Fonológica da Criança16, Produção de palavra que inicia com o som dado;
composta pelo inventário fonético, sistema fono- F2 – Identificação de fonema inicial; F3 – Identifi-
lógico e análise contrastiva, amplamente utilizada cação de fonema final; F4 – Exclusão; F5 – Síntese;
nos estudos da área da fala, no Brasil. Para que F6 – Segmentação e F7 – Transposição).
determinado fone fizesse parte do inventário fonéti- No CONFIAS, as respostas corretas valem
co, considerou-se como critério a presença de, pelo um ponto e as incorretas valem zero. Na primeira
menos, duas produções do mesmo, em qualquer parte, silábica, o máximo de pontuação é de 40 e,
posição da palavra. Para que um fonema fizesse na segunda parte, fonêmica, o máximo é de 30,
parte do sistema fonológico, considerou-se o cri- totalizando 70 pontos, o que corresponde a 100% de
tério de, no mínimo, 80% de produção correta. Os acertos. As tarefas que compõem esse instrumento
dados de fala foram coletados usando um gravador são objetivas, havendo apenas uma alternativa
digital da marca Sony – IC Recorder, transcritos e correta para cada questão. Portanto, de acordo com
revisados por uma julgadora com experiência em manual de aplicação, por orientação dos autores
transcrição fonética, antes de serem analisados. do teste contidos no manual de aplicação, os re-
Nos casos em que houve discrepância entre as sultados foram coletados e analisados apenas pela
transcrições da pesquisadora e da julgadora, uma pesquisadora que o aplicou, sem a necessidade de
terceira transcrição foi realizada, por uma segunda serem revisados.
julgadora, experiente em transcrição fonética.

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Roberta Freitas Dias, Carolina Lisboa Mezzomo
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Procedimentos para comparar os progressos do tratamento e as


Depois de avaliados, no período pré-terapia, generalizações ocorridas durante este período.
os sujeitos foram alocados, por ordem de chegada A sondagem se repete de cinco em cinco
ao Serviço de Atendimento Fonoaudiológico da sessões terapia e, quando a criança obtiver, pelo
clínica escola, em três grupos, conforme a aborda- menos, 50% de produções corretas, os mesmos
gem terapêutica que receberiam, seguindo a ordem: pares mínimos passam a ser trabalhados em nível
1°TCF – Terapia com base na estimulação de de sentença. Em uma nova sondagem, depois de
habilidades em consciência fonológica cinco sessões no nível de sentença, caso a criança
2°TFCF – Terapia fonológica associada à esti- atinja, no mínimo, 50% de produções corretas
mulação de habilidades em consciência fonológica para os alvos trabalhados, novos sons-alvo serão
3°TPF – Terapia puramente fonológica determinados. Ao contrário, se a criança não atingir
Essa ordem foi predeterminada no projeto de 50% de produções corretas, determinado nível é
pesquisa. Portanto, cada sujeito foi inserido em um repetido, com os mesmos sons-alvo.
desses três grupos, invariavelmente. A seguir, estão Cada sessão de terapia deve ser iniciada e fi-
descritas a estrutura das três abordagens terapêuti- nalizada com o bombardeio auditivo, que se refere
cas supracitadas, iniciando pela Terapia puramente a uma lista de dezesseis palavras que deve ser lida
fonológica, consagrada na literatura da área2,5,6. para a criança, sem que ela tenha a necessidade
de repetir tais palavras. Essas palavras contêm
TPF – Terapia puramente fonológica
os fonemas trabalhados em terapia, nas mesmas
posições em que aparecem nos pares mínimos. O
Os sujeitos S1 e S2 foram submetidos à terapia
bombardeio auditivo deve ser realizado em casa
puramente fonológica. Nesta pesquisa, esta aborda-
com a criança, por isso, a terapeuta deve disponi-
gem refere-se ao Modelo de Oposições Máximas
bilizar a lista de palavras utilizada em terapia para
Modificado2, que é um dos modelos indicados para
os pais e orientá-los a ler a lista pelo menos uma
desvios fonológicos de grau leve a levemente-mo-
vez por dia.
derado, podendo também ser aplicado em casos de
Depois de 20 a 25 sessões, de acordo com essa
desvios moderado-grave e grave19. Esse modelo
abordagem terapêutica2, o sistema fonológico da
se baseia no contraste de oposições máximas em
criança deve ser reavaliado e comparado com as
pares mínimos (palavras que diferem por apenas
sondagens, com a linha de base e com a avaliação
um fonema), que devem diferir em dois ou mais inicial, para verificar se houve generalizações e pro-
traços distintivos (ex.: /r/ x /Ʒ/ à Maria x magia). gresso na terapia. Conforme a nova configuração
A estimulação correta dos sons-alvo baseia-se em do sistema fonológico da criança, novos sons-alvo
duas etapas: imitação e produção espontânea. Na podem ser selecionados para dar continuidade à
fase de imitação, a criança deve produzir os alvos, terapia.
após o modelo fornecido pelo terapeuta. Quando
ela atingir um percentual de 80% de produções TCF – Terapia com base na estimulação de habi-
por imitação corretas deve-se passar para a fase lidades em consciência fonológica
de produção espontânea. Os sujeitos S3, S4 e S5 receberam terapia por
Antes de iniciar a terapia, deve ser realizada meio da estimulação de habilidades em consciência
uma sondagem inicial (linha de base) para os sons fonológica. Esta abordagem terapêutica foi ideali-
que não estão totalmente adquiridos no sistema zada pelas autoras deste estudo e teve como pro-
fonológico da criança. Para isso, selecionam-se cedimento o uso exclusivo de tarefas envolvendo
até seis estímulos representáveis por figuras que habilidades em consciência fonológica na terapia
contenham cada um dos sons não adquiridos ou de fala de crianças com desvio fonológico. O plano
parcialmente adquiridos no sistema fonológico da de terapia envolveu o treinamento da discriminação
criança, considerando as diferentes posições na auditiva para sons da fala e a estimulação dos níveis
palavra (onset inicial, onset medial, coda medial, silábico e segmental da consciência fonológica, em
coda final). Ela deve nomear as figuras, sem o um período de 25 sessões de terapia.
modelo do terapeuta. A linha de base é individual, As dez primeiras sessões foram reservadas para
baseada no sistema fonológico de cada criança, e estimular a consciência silábica e as 15 sessões sub-
tem como objetivo fornecer um parâmetro inicial sequentes para estimular a consciência segmental.

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Efeitos da estimulação de habilidades em consciência fonológica na reorganização do sistema fonológico: relato de caso

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Para ambos os níveis de consciência fonológica, foi tinham que realizar tarefas para “pensar sobre os
seguida uma ordem crescente de complexidade, ini- sons da nossa fala”.
ciando por tarefas mais simples (como segmentação Nesta abordagem terapêutica, não foram se-
silábica e identificação segmental, por exemplo), lecionados sons-alvo, sendo trabalhadas todas as
seguido de tarefas mais complexas (como transpo- classes de sons (plosivas, nasais  fricativas 
sição silábica e síntese fonêmica, por exemplo). A líquidas), nas diferentes estruturas silábicas que
ênfase dada ao nível segmental, com 15 sessões podem ocorrer no Português Brasileiro (CV, V 
de terapia, foi proposta considerando que esse é CVC  CCV), seguindo a ordem de aquisição
o nível de maior dificuldade para as crianças com típica da fala. Com isso, as sondagens tiveram
desvio fonológico11,13. Contudo, se a criança não como objetivo verificar o desempenho da criança
demonstrasse habilidade para a resolução de tarefas na terapia fonoaudiológica como um todo, e não a
envolvendo o nível segmental, a estimulação do porcentagem de acertos em sons específicos, como
nível silábico foi mantida, até que ela conseguisse no Modelo de Oposições Máximas Modificado2.
realizar tarefas simples, envolvendo os segmentos Além disso, não foram passadas atividades para
das palavras. serem realizadas em casa, apenas foi orientado aos
Além desses dois níveis de consciência fono- pais que sempre dessem o modelo correto de fala
lógica, a discriminação auditiva para sons da fala para seus filhos.
foi inserida neste planejamento, com a aplicação de
TFCF – Terapia fonológica associada
uma tarefa a cada cinco sessões de terapia (exem-
à estimulação de habilidades em consciência
plo: discriminação de segmentos surdos e sonoros),
fonológica
conforme um programa de desenvolvimento da
A terapia dos sujeitos S6 e S7 baseou-se na
consciência fonológica proposto para Português
abordagem terapêutica fonológica associada à
Europeu20, editado pelo Ministério da Educação
estimulação de habilidades em consciência fono-
de Portugal.
lógica, que integra o Modelo de Oposições Máxi-
O critério para o aumento da complexidade
mas Modificado2 e a estimulação de habilidades
das tarefas de consciência fonológica dentro de
em consciência fonológica desenhada para este
cada nível, silábico e segmental, assim como para
estudo, descrita anteriormente. Para tanto, foram
a passagem da estimulação do nível silábico para o
reservados os 15 minutos finais de cada sessão para
segmental, foi a criança compreender e ter sucesso
a realização das atividades de consciência fonoló-
nas tarefas aplicadas. Para isso, em cada sessão de gica, envolvendo a sílaba e o segmento.
terapia foram trabalhadas de duas a três tarefas, Para a terapia puramente fonológica e para
como, por exemplo: na primeira sessão do nível a terapia fonológica associada à estimulação de
silábico foram aplicadas tarefas de produção de habilidades em consciência fonológica, foi reali-
palavras com igual sílaba inicial e identificação zado bombardeio auditivo e dadas orientações aos
de palavras com igual sílaba inicial. Se a criança pais para a realização de atividades com a criança
obtivesse sucesso nessas duas tarefas, na próxima em casa, conforme os procedimentos descritos no
sessão as tarefas aplicadas apresentariam uma com- Modelo de Oposições Máximas Modificado2.
plexidade maior, até que apresentasse prontidão Independente da abordagem terapêutica, to-
para a introdução de tarefas no nível segmental, dos os sujeitos receberam terapia duas vezes por
nas sessões subsequentes. Não foi utilizado por- semana, com duração de 45 minutos cada uma,
centagens de acertos nas tarefas de consciência em um total de, no máximo, 25 sessões de terapia
fonológica trabalhadas com a criança em terapia, (para a análise dos resultados), exceto as sessões
mas uma análise qualitativa do seu desempenho reservadas para sondagens.
realizada pela terapeuta, que observava sua com- Os resultados obtidos para cada um dos sujei-
preensão e capacidade de execução das tarefas. tos e entre os grupos foram analisados de maneira
As tarefas trabalhadas com as crianças foram descritiva, considerando o inventário fonético, o
inseridas em atividades lúdicas (jogos de trilha, sistema fonológico e a gravidade do desvio fono-
boliche, memória, lince, entre outros) e quando isso lógico, pré e pós-terapia.
não foi possível, as crianças sabiam que em alguns O quadro 1 apresenta informações sobre os
momentos da sessão, entre uma brincadeira e outra, sujeitos em relação ao sistema fonológico e à

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gravidade do desvio fonológico, pré e pós-terapia. os sujeitos que receberam terapia fonológica e o
Além disso, consta no quadro o tipo de abordagem número de sessões de terapia recebidas por cada
terapêutica recebida, os sons-alvo trabalhados com um deles.

Quadro 1. Caracterização dos sujeitos, conforme a abordagem terapêutica recebida, o sistema


fonológico e a gravidade do desvio fonológico, pré e pós-terapia, os sons-alvo selecionados e o
número de sessões

Sujeito PRÉ-TERAPIA PÓS-TERAPIA


Abordagem Sons- Número de
(sexo/ SF – I SF – II
terapêutica Gravidade Gravidade alvo sessões
idade) (n) (n)
p, b, t, d, f, v, s, p, b, t, d, g, f,
S1 z, ʃ, Ʒ, m, n, ɲ, DL v, s, z, ʃ, Ʒ, m, DL /g/ x /r/
25
(M/5a3m) l, ʎ, R (86,6%) n, ɲ, l, r, ʎ, R (96,3%) OM
(16) (18)
TPF p, b, t, d, k,
p, b, t, d, k, g, f,
g, f, v, s, z, ʃ,
S2 v, s, z, m, n, ɲ, DL DL /Ʒ/ x /r/
Ʒ, m, n, ɲ, l, 10
(M/5a6m) l, r, ʎ, R (93,5%) (94,3%) OM
r, ʎ, R
(17)
(19)
p, b, t, d, k,
p, b, t, d, k, g, f,
g, f, v, s, z, ʃ,
S3 v, s, z, m, n, ɲ, DL
DLM (83,3%) Ʒ, m, n, ɲ, l, --- 20
(M/6a6m) l, ʎ, R (97,2%)
r, ʎ, R
(16)
(19)
p, t, k, f, s, ʃ,
p, t, k, f, s, ʃ, m,
TCF S4 m, n, ɲ, l, r, DL
n, ɲ, l, ʎ, R DLM (80,6%) --- 25
(M/6a1m) ʎ, R (88,2%)
(12)
(13)
p, t, k, f, s, ʃ,
p, t, k, f, s, m,
S5 m, n, ɲ, l, r, DLM
n, ɲ, l, ʎ, R DLM (67,3%) --- 25
(F/6a8m) ʎ, R (78%)
(11)
(13)
p, b, t, d, f, v, p, b, t, d, k, f, /g/ x /r/
S6 s, z, ʃ, m, n, ɲ, DLM v, s, z, ʃ, Ʒ, m, DLM OM
25
(M/5a5m) l, ʎ, R (73%) n, ɲ, l, ʎ, R (85%) /Ʒ/ x /r/
(15) (17) OM
TFCF
/Ʒ/ x /l/
p, b, t, d, f, v, s, p, b, t, d, f, v,
S7 DMG DMG OM
z, m, n, ɲ, R s, z, m, n, ɲ, R 25
(M/6a5m) (65%) (59,2%) /g/ x /r/
(12) (12)
OM
Legenda: TPF: Terapia Puramente Fonológica; TCF: Terapia com base na estimulação de Habilidades em Consciência Fonológica;
TFCF: Terapia Fonológica associada à Consciência Fonológica; SF – I: Sistema Fonológico Inicial; SF – II: Sistema Fonológico Final; n:
número de sons; F: feminino; M: masculino; DL: desvio Leve; DLM: desvio levemente-moderado; DMG: desvio moderado-grave; OM:
onset medial; ---: não foram selecionados sons-alvo.

No quadro 1, pode-se notar que os sujeitos S6 em consciência fonológica não prevê a estimulação
e S7 tiveram seus sons-alvo redirecionados a partir de sons-alvos, mas sim, de todos os fonemas que
das sondagens realizadas. No caso do S6, segundo compõem o sistema fonológico do Português Brasi-
o Modelo de Oposições Máximas Modificada, leiro, por isso, no quadro 1 não estão especificados
quando um som-alvo apresentar mais de 50% de sons-alvo para os sujeitos que receberam este tipo
acertos nas sondagens, no nível de sentenças, novos de abordagem terapêutica.
sons-alvo devem ser selecionados para dar segui- A evolução terapêutica de cada sujeito pode ser
mento à terapia2. Já no caso do sujeito S7, novos visualizada na tabela 1, em que consta o número de
sons foram selecionados devido à dificuldade na fones no inventário fonético, o número de fonemas
produção por imitação dos sons-alvo selecionados no sistema fonológico e o percentual de consoantes
inicialmente. Deve-se ressaltar que a abordagem corretas, pré e pós-terapia.
terapêutica com base na estimulação de habilidades

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Efeitos da estimulação de habilidades em consciência fonológica na reorganização do sistema fonológico: relato de caso

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Tabela 1. Número de segmentos adquiridos, no inventário fonético e no sistema fonológico, e do
percentual de consoantes corretas, pré e pós-terapia

Abordagem Inventário Fonético Sistema Fonológico PCC (%)


Sujeito
Terapêutica AI AF AI AF AI AF
S1 19 19 16 18 86,6 96,3
TPF
S2 17 19 17 19 93,5 94,3
S3 17 19 16 18 83,3 97,2
TCF S4 19 19 12 13 80,6 88,2
S5 15 16 11 13 67,3 78
S6 16 18 15 17 73 85
TFCF
S7 13 14 12 12 65 59,2
Legenda: TPF – terapia puramente fonológica; TCF – terapia com base na estimulação de habilidades em consciência fonológica; TFCF
– terapia fonológica associada a estimulação de habilidades em consciência fonológica; AI – avaliação inicial; AF – avaliação final; PCC
– percentual de consoantes corretas.

Em relação ao inventário fonético, observou-se aumentaram o número de fonemas no sistema


que todos os sujeitos aumentaram o número de fonológico e o percentual de consoantes corretas.
fones, exceto os sujeitos S1 e S4 que já o apre- Na tabela 2 estão os resultados obtidos através
sentavam seus inventários completos, no período da aplicação do CONFIAS, nas tarefas silábicas e
pré-terapia. Quanto ao sistema fonológico, com nas tarefas fonêmicas, por cada um dos sujeitos,
exceção do sujeito S7, todos os outros sujeitos pré e pós-terapia.

Tabela 2. Resultados obtidos pelos sujeitos no CONFIAS, nas tarefas silábicas e nas tarefas
fonêmicas, pré e pós-terapia

Abordagem Avaliação Inicial Avaliação Final


Sujeito Tarefas CF
terapêutica A/T (F) A/T (F)
Sil 15/40 (37,5%) 15/40 (37,5%)
S1
Fon 05/30 (16,7%) 04/30 (13,3%)
TPF
Sil 12/40 (30%) 14/40 (35%)
S2
Fon 03/30 (10%) 04/30 (13,3%)
Sil 26/40 (65%) 34/40 (85%)
S3
Fon 14/30 (46,7%) 27/30 (90%)
Sil 28/40 (70%) 34/40 (85%)
TCF S4
Fon 07/30 (23,3%) 16/30 (53,3%)
Sil 18/40 (45%) 22/40 (55%)
S5
Fon 06/30 (20%) 11/30 (36,7%)
Sil 19/40 (47,5%) 32/40 (80%)
S6
Fon 05/30 (16,7%) 09/30 (30%)
TFCF
Sil 12/40 (30%) 19/40 (47,5%)
S7
Fon 04/30 (13,3%) 05/30 (16,7%)
Legenda: TPF – terapia puramente fonológica; TCF – terapia com base em habilidades de consciência fonológica; TFCF – terapia
fonológica associada a estimulação de habilidades em consciência fonológica; CF – consciência fonológica; sil – silábica; fon –
fonêmica; A – acertos; T – total; F – frequência.

Para as tarefas silábicas, notou-se, com ex- maior incremento, de 13 acertos, entre as avaliações
ceção do sujeito S1, que todos eles aumentaram pré e pós-terapia.
Os gráficos 1, 2 e 3 mostram as médias de acer-
seus escores de acertos no pós-terapia. Nas tarefas
tos entre os grupos, em relação à tarefa silábica, à
fonêmicas, os sujeitos também aumentaram os seus tarefa fonêmica e ao total de acertos no CONFIAS,
escores, sendo que sujeito S3 foi quem apresentou o respectivamente, nos momentos pré e pós-terapia.

Distúrb Comun, São Paulo, 30(2): 266-277, junho, 2018 273


Roberta Freitas Dias, Carolina Lisboa Mezzomo
A RTIG OS

Gráfico 1. Porcentagens de acertos obtidos pelos grupos na tarefa silábica, pré e pós-terapia

Legenda: TPF: Terapia Puramente Fonológica; TCF: Terapia com base na estimulação de Habilidades em Consciência Fonológica; TFCF:
Terapia Fonológica associada à Consciência Fonológica; AI: Avaliação Inicial; AF: Avaliação Final.

Gráfico 2. Porcentagens de acertos pelos grupos na tarefa fonêmica, pré e pós-terapia

Legenda: TPF: Terapia Puramente Fonológica; TCF: Terapia com base na estimulação de Habilidades em Consciência Fonológica; TFCF:
Terapia Fonológica associada à Consciência Fonológica; AI: Avaliação Inicial; AF: Avaliação Final.

Gráfico 3. Porcentagens de total de acertos em consciência fonológica pelos grupos, pré e pós-
terapia

Legenda: TPF: Terapia Puramente Fonológica; TCF: Terapia com base na estimulação de Habilidades em Consciência Fonológica; TFCF:
Terapia Fonológica associada à Consciência Fonológica; AI: Avaliação Inicial; AF: Avaliação Final.

274 Distúrb Comun, São Paulo, 30(2): 266-277, junho, 2018


Efeitos da estimulação de habilidades em consciência fonológica na reorganização do sistema fonológico: relato de caso

A RTIG OS
Para as tarefas silábicas, observou-se que o Os sujeitos do grupo TFCF, S6 e S7, apresen-
grupo que recebeu TFCF obteve o maior incre- taram resultados divergentes um do outro. Para o
mento de acertos no pós-terapia, 38%. Já o grupo sujeito S6, notou-se um aumento no número de
TPF obteve um incremento de 2%, apenas. Nas fones em seu inventário fonético e um aumento
tarefas fonêmicas, o grupo TCF obteve o maior no número de fonemas no seu sistema fonológico,
incremento com um aumento de 30% de acertos, resultando em um aumento no percentual de con-
enquanto o grupo TPF manteve 13% de acertos, soantes corretas, apesar de a gravidade ter se man-
pós-terapia, com 0% de incremento. No total de tido a mesma, desvio levemente-moderado. Já o
acertos, incluindo as tarefas silábicas e fonêmicas, sujeito S7, manteve seu sistema fonológico com 12
o grupo TFCF foi o que obteve maior incremento, fonemas e diminuiu seu percentual de consoantes
com 23% de acertos no pós-terapia. O grupo TPF corretas, de 65% para 59,2%, mantendo um desvio
obteve apenas 1% de incremento no escore total. moderado-grave. Essa diminuição no percentual de
consoantes corretas é comum durante o processo
Discussão terapêutico nos desvios fonológicos, já que pode
haver regressão no estabelecimento dos fonemas,
Os sujeitos que receberam terapia puramente caracterizando um processo de aquisição fonológi-
fonológica, S1 e S2, apresentavam, no início da ca não linear21. Essa descontinuidade na aquisição
terapia, desvio leve. Isso significa que os seus envolve principalmente as líquidas21, justamente os
sistemas fonológicos se apresentavam quase que fonemas que também foram estimulados na terapia
totalmente completos. Apesar da gravidade do do sujeito S7, fonemas /l/ e /r/.
desvio fonológico leve desses dois sujeitos, ambos Sobre os resultados relativos à avaliação da
adquiriram fonemas novos em seus sistemas fono- consciência fonológica, os sujeitos S1 e S2 melho-
lógicos e preencheram o seus inventários fonéticos, raram discretamente seus escores para as tarefas
pós-terapia, aumentando seu percentual de con- silábicas e fonêmicas. Com esse resultado, pode-se
soantes corretas (96,3% para o sujeito S1 e 94,3% inferir que a Terapia puramente fonológica, apesar
para o sujeito S2), recebendo alta fonoaudiológica. de ter promovido a reorganização dos sistemas
Estes resultados ilustram a eficiência do Modelo fonológicos dos sujeitos, não foi suficiente para
de Oposições Máximas Modificado2, referido o aprimoramento desta habilidade, como já foi
neste estudo como Terapia puramente fonológica, constado em outros estudos(12-14).
para a reorganização do sistema fonológico, como Os sujeitos S3, S4 e S5 apresentaram uma
observado em estudos anteriores2,6. melhora expressiva nas tarefas silábicas e nas
Os sujeitos S3, S4 e S5 receberam terapia tarefas fonêmicas. Este resultado confirma uma
apenas com base na estimulação de habilidades das hipóteses deste estudo de que a estimulação de
em consciência fonológica e apresentavam, no mo- habilidades em consciência fonológica não apenas
mento pré-terapia, desvio levemente-moderado. Na contribui para o desenvolvimento da consciência
avaliação pós-terapia, esses sujeitos aumentaram fonológica como, também, promove a reorganiza-
seus inventários fonéticos e adquiriram fonemas ção do sistema fonológico.
novos, diminuindo a gravidade dos seus desvios Apesar de o sujeito S7 ter evoluído menos em
fonológicos. Com exceção do sujeito S5, a gravi- relação à consciência fonológica, tanto ele quanto
dade dos desvios passou de levemente-moderada o sujeito S6 apresentaram melhora nos escores para
para leve. Os resultados obtidos para os sujeitos S3, esta habilidade, sobretudo, para a tarefa silábica.
S4 e S5 sugerem que a estimulação de habilidades Ao analisar os resultados obtidos pelos grupos,
em consciência fonológica pode levar a mudanças em relação às tarefas silábicas e fonêmicas e a
no inventário fonético e no sistema fonológico, pontuação total, notou-se que houve uma melhora
com a aquisição de sons novos. Esta constatação nos escores para as três abordagens terapêuticas. O
corrobora os achados de outros estudos, em que grupo TCF foi o que obteve maiores porcentagens
os autores constataram que a estimulação da de acertos nas habilidades metalinguísticas, pós-
consciência fonológica pode promover mudanças -terapia, seguido do grupo TFCF. Isso demonstra
nos sistemas fonológicos de crianças com desvios que a aplicação de programas de estimulação de
fonológicos(7-11). habilidades em consciência fonológica propicia o

Distúrb Comun, São Paulo, 30(2): 266-277, junho, 2018 275


Roberta Freitas Dias, Carolina Lisboa Mezzomo
A RTIG OS

desenvolvimento desta habilidade, como revelado eles adquiriram novos fonemas em seus sistemas
em outros estudos9,10. fonológicos e aumentaram seus percentuais de
É importante salientar que os grupos TCF consoantes corretas. Os sujeitos que receberam
e TFCF apresentaram as maiores porcentagens terapia envolvendo estimulação de habilidades
de acertos em consciência fonológica, quando em consciência fonológica apresentaram, eviden-
comparados ao grupo TPF, pré-terapia. Contudo, temente, maiores porcentagens de acertos nesta
o desempenho nessa habilidade, pré-terapia, não habilidade, comparado àqueles que receberam
é premissa para uma boa evolução no processo terapia puramente fonológica.
terapêutico22. A importância da estimulação da A análise das duas abordagens propostas pelas
consciência fonológica na terapia dos desvios fo- autoras envolvendo consciência fonológica e de um
nológicos foi ressaltada em estudos anteriores, que modelo consagrado na literatura mostrou que estas
demonstraram que a terapia fonológica, por si só, abordagens parecem ser efetivas para os casos de
não promove o desenvolvimento da consciência fo- desvio fonológico.
nológica, normalmente defasada nestes casos(12-14). A estimulação da consciência fonológica
Destaca-se que o maior incremento na por- como estratégia terapêutica principal na terapia
centagem de acertos para as tarefas fonêmicas foi dos desvios fonológicos é um assunto escasso na
alcançado pelo grupo TCF, sendo este o nível de literatura. Por isso, o presente estudo abordou este
maior dificuldade para crianças com desvio fonoló- tema de fundamental importância para estes casos
gico, em determinadas tarefas11,13, fundamental para e propõe que novas investigações sejam realizadas,
a aquisição da leitura e da escrita. O resultado ob- no intuito de suprir esta lacuna e instrumentalizar o
tido por este grupo, para as tarefas fonêmicas, leva fonoaudiólogo com outras possibilidades de abor-
a crer que a estimulação exclusiva de habilidades dagens terapêuticas. A inserção da consciência fo-
em consciência fonológica nos desvios fonológicos nológica na terapia dos desvios fonológicos poderá
pode promover o desenvolvimento destas habili- contribuir para a não repercussão dos erros de fala
dades de maneira efetiva, contribuindo para o não na escrita, comum nessa população, para favorecer
surgimento de dificuldades durante a alfabetização. a alfabetização, além de poder ter efeitos sobre a
As abordagens terapêuticas envolvendo a esti- reorganização dos sistemas fonológicos desviantes.
mulação de habilidades em consciência fonológica
propiciaram o desenvolvimento dessa habilidade Referências bibliográficas
nas crianças que compuseram os grupos TCF e
TFCF, que é uma habilidade metalinguística im- 1. Stackhouse J, Wells B, Pascoe M, Rees R. From phonological
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promovidos11. Sugere-se que novos estudos sejam 4. Dean EC, Howell J, Reid J. Metaphon: a metalinguistic
realizados com o intuito de aprimorar a terapia approach to the treatment of phonological disorders in children.
com base na estimulação de habilidades em cons- Clin Linguist Phon. 1995; 9(1): 1-58.
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contribuíram para o desenvolvimento da consciên- children with phonological disorders: a comparative outcome
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276 Distúrb Comun, São Paulo, 30(2): 266-277, junho, 2018


Efeitos da estimulação de habilidades em consciência fonológica na reorganização do sistema fonológico: relato de caso

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