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2018v30i2p-266-277
A RTIG OS
Efeitos da estimulação de
habilidades em consciência
fonológica na reorganização do
sistema fonológico: relato de caso
Resumo
Objetivo: Este estudo teve como objetivo apresentar e analisar os efeitos da estimulação da
consciência fonológica na terapia dos desvios fonológicos, comparando três abordagens terapêuticas
diferentes. Métodos: Participaram sete sujeitos, com 6 anos de idade, em média, com diagnóstico
de desvio fonológico, divididos em três grupos, conforme a abordagem terapêutica recebida: terapia
puramente fonológica, terapia com base na estimulação de habilidades em consciência fonológica
e terapia fonológica associada à estimulação de habilidades em consciência fonológica. Eles foram
avaliados, pré e pós-terapia, em relação ao inventário fonético, sistema fonológico, gravidade do
desvio fonológico e desempenho em consciência fonológica. Os resultados obtidos foram analisados de
maneira descritiva. Resultados: Constatou-se que todos os sujeitos, exceto o S7, reorganizaram seus
sistemas fonológicos. Todos os sujeitos melhoraram seus escores nas tarefas silábicas, fonêmicas e no
A RTIG OS
total de acertos (silábicas e fonêmicas). Os sujeitos que receberam terapia envolvendo a estimulação de
habilidades em consciência fonológica, associada ou não à terapia fonológica, foram os que obtiveram
maiores pontuações em consciência fonológica no pós-terapia. Conclusão: As abordagens terapêuticas
apresentadas e analisadas neste estudo propiciaram a reorganização do sistema fonológico da maioria
dos sujeitos tratados. Aquelas que envolveram a estimulação de habilidades em consciência fonológica
promoveram um desenvolvimento maior desta habilidade.
Palavras-chave: Fonoterapia; Distúrbios da Fala; Reabilitação dos Transtornos da Fala e da
Linguagem; Fala; Criança
Abstract
Aim: This study aimed to present and analyze the effects of phonological awareness stimulation
in the therapy of phonological disorders, comparing three different therapeutic approaches. Methods:
Seven subjects, with a 6-year-old average, with diagnosis of phonological disorders, divided in three
groups, participated in the study, according to the type of received therapy: purely phonological therapy,
therapy based on stimulation of phonological awareness skills and phonological therapy associated with
stimulation of phonological awareness skills. The subjects were evaluated before and after therapy, in
relation to phonetic inventory, phonological system, phonological disorder severity and performance
in phonological awareness. The obtained results were analyzed in a descriptive way. Results: It was
observed that all subjects, except S7, reorganized their phonological systems. All subjects improved their
scores in syllabic tasks, phonemic tasks and correct answers. The subjects who received therapy related
to stimulation of phonological awareness skills, associated or not to phonological therapy, obtained the
best scores in phonological awareness after therapy. Conclusion: The presented and analyzed approaches
provided phonological system reorganization of most treated subjects. The approaches which concerned
stimulation of phonological awareness skills promoted further development of this ability.
Keywords: Speech Therapy; Speech Disorders; Rehabilitation of Speech and Language Disorders;
Speech; Child
Resumen
Objetivo: Este estudio tuvo como objetivo presentar y analizar los efectos de la estimulación de la
conciencia fonológica en la terapia de los desvíos fonológicos, comparando tres abordajes terapéuticos
diferentes. Procedimientos: Siete sujetos con 6 años de edad, en promedio, con diagnóstico de desvíos
fonológicos se dividieron en tres grupos según el abordaje terapéutico recibido: terapia puramente
fonológica, terapia basada en la estimulación de las habilidades de conciencia fonológica y terapia
fonológica asociada con la estimulación de las habilidades de conciencia fonológica. Ellos fueron
evaluados, pre y post terapia, en relación al inventario fonético, sistema fonológico, gravedad del desvío
fonológico y desempeño en conciencia fonológica. Los resultados obtenidos fueron analizados de manera
descriptiva. Resultados: Se constató que todos los sujetos, excepto el S7, reorganizaron sus sistemas
fonológicos. Todos los sujetos mejoraron sus escores en las tareas silábicas, fonémicas y en el total
de aciertos (silábicas y fonémicas). Los sujetos que recibieron terapia envolviendo la estimulación de
habilidades en conciencia fonológica, asociado o no a la terapia fonológica, fueron los que obtuvieron
mayores puntuaciones en conciencia fonológica en el post terapia. Conclusión: Los abordajes terapéuticos
presentados y analizados en este estudio propiciaron la reorganización del sistema fonológico de la
mayoría de los sujetos tratados. Aquellas que trabajaron la estimulación de habilidades en conciencia
fonológica promovieron un desarrollo mayor de esta habilidad.
Palabras clave: Fonoterapia, Trastornos del Habla; Rehabilitación de los Trastornos del Habla;
Habla; Niño
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audição normal e ser monolíngue do Português A análise contrastiva permitiu que fosse esta-
Brasileiro. Aquelas crianças que receberam belecido o sistema fonológico de cada criança e a
tratamento fonoaudiológico anteriormente; que gravidade do desvio fonológico, por meio do PCC-
apresentaram alterações fonoaudiológicas, além de -R (Percentual de Consoantes Corretas-Revisado),
desvio fonológico; ou que apresentaram alterações que considera apenas as substituições e omissões
neurológicas, cognitivas ou psicológicas evidentes de fonemas em sua análise17. A partir do PCC-R,
foram excluídas da pesquisa. a gravidade do desvio fonológico foi classificada
Para que o diagnóstico de desvio fonológico em: desvio grave, com percentuais de consoantes
fosse definido, as crianças realizaram uma série de corretas menores do que 50%; desvio moderado-
avaliações fonoaudiológicas, além de avaliações -grave, com percentuais de consoantes corretas
complementares. Para as avaliações fonoaudio- entre 51% e 65%; desvio levemente-moderado,
lógicas (anamnese, linguagem compreensiva e com percentuais de consoantes corretas entre 66% e
expressiva oral, sistema estomatognático, exame 85%; e desvio leve, com percentuais de consoantes
articulatório, avaliação da fala através do estabe- corretas maiores que 86%. Além disso, por meio
lecimento dos inventários fonético e fonológico e da análise do sistema fonológico da criança, foi
avaliação da audição) foram utilizados os protoco- possível identificar os traços distintivos alterados
los disponíveis na clínica escola em que a pesquisa em sua fala, informação relevante para a seleção
foi desenvolvida. Os exames complementares dos sons-alvo a serem estimulados, em umas das
constaram de avaliação otorrinolaringológica e abordagens terapêuticas aplicada, posteriormente.
neurológica, disponibilizados na própria clínica A avaliação da consciência fonológica foi
escola.
realizada por meio do CONFIAS – Consciência
Todas as avaliações fonoaudiológicas, tanto
fonológica: Instrumento de avaliação sequencial18.
para definição do diagnóstico de desvio fonoló-
Este instrumento testa dois níveis de consciência
gico como para a coleta de dados, bem como os
fonológica: silábica e fonêmica ou segmental. A
procedimentos terapêuticos foram realizados por
primeira parte é composta por nove tarefas silábicas
uma das pesquisadoras, autora do presente artigo.
(S1 – Síntese; S2 – Segmentação; S3 – Identificação
Os dados analisados pré e pós-terapia foram
de sílaba inicial; S4 – Identificação de rima; S5 –
constituídos pelo inventário fonético e pelo sistema
Produção de palavra com sílaba dada; S6 – Identi-
fonológico de cada criança e pelos desempenhos
ficação de sílaba medial e S7 – Produção de rima;
individuais em um instrumento de avaliação da
consciência fonológica. S8 – Exclusão e S9 – Transposição) e a segunda
Para a coleta e análise dos dados de fala, utili- parte é composta por sete tarefas fonêmicas (F1 –
zou-se a AFC – Avaliação Fonológica da Criança16, Produção de palavra que inicia com o som dado;
composta pelo inventário fonético, sistema fono- F2 – Identificação de fonema inicial; F3 – Identifi-
lógico e análise contrastiva, amplamente utilizada cação de fonema final; F4 – Exclusão; F5 – Síntese;
nos estudos da área da fala, no Brasil. Para que F6 – Segmentação e F7 – Transposição).
determinado fone fizesse parte do inventário fonéti- No CONFIAS, as respostas corretas valem
co, considerou-se como critério a presença de, pelo um ponto e as incorretas valem zero. Na primeira
menos, duas produções do mesmo, em qualquer parte, silábica, o máximo de pontuação é de 40 e,
posição da palavra. Para que um fonema fizesse na segunda parte, fonêmica, o máximo é de 30,
parte do sistema fonológico, considerou-se o cri- totalizando 70 pontos, o que corresponde a 100% de
tério de, no mínimo, 80% de produção correta. Os acertos. As tarefas que compõem esse instrumento
dados de fala foram coletados usando um gravador são objetivas, havendo apenas uma alternativa
digital da marca Sony – IC Recorder, transcritos e correta para cada questão. Portanto, de acordo com
revisados por uma julgadora com experiência em manual de aplicação, por orientação dos autores
transcrição fonética, antes de serem analisados. do teste contidos no manual de aplicação, os re-
Nos casos em que houve discrepância entre as sultados foram coletados e analisados apenas pela
transcrições da pesquisadora e da julgadora, uma pesquisadora que o aplicou, sem a necessidade de
terceira transcrição foi realizada, por uma segunda serem revisados.
julgadora, experiente em transcrição fonética.
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Para ambos os níveis de consciência fonológica, foi tinham que realizar tarefas para “pensar sobre os
seguida uma ordem crescente de complexidade, ini- sons da nossa fala”.
ciando por tarefas mais simples (como segmentação Nesta abordagem terapêutica, não foram se-
silábica e identificação segmental, por exemplo), lecionados sons-alvo, sendo trabalhadas todas as
seguido de tarefas mais complexas (como transpo- classes de sons (plosivas, nasais fricativas
sição silábica e síntese fonêmica, por exemplo). A líquidas), nas diferentes estruturas silábicas que
ênfase dada ao nível segmental, com 15 sessões podem ocorrer no Português Brasileiro (CV, V
de terapia, foi proposta considerando que esse é CVC CCV), seguindo a ordem de aquisição
o nível de maior dificuldade para as crianças com típica da fala. Com isso, as sondagens tiveram
desvio fonológico11,13. Contudo, se a criança não como objetivo verificar o desempenho da criança
demonstrasse habilidade para a resolução de tarefas na terapia fonoaudiológica como um todo, e não a
envolvendo o nível segmental, a estimulação do porcentagem de acertos em sons específicos, como
nível silábico foi mantida, até que ela conseguisse no Modelo de Oposições Máximas Modificado2.
realizar tarefas simples, envolvendo os segmentos Além disso, não foram passadas atividades para
das palavras. serem realizadas em casa, apenas foi orientado aos
Além desses dois níveis de consciência fono- pais que sempre dessem o modelo correto de fala
lógica, a discriminação auditiva para sons da fala para seus filhos.
foi inserida neste planejamento, com a aplicação de
TFCF – Terapia fonológica associada
uma tarefa a cada cinco sessões de terapia (exem-
à estimulação de habilidades em consciência
plo: discriminação de segmentos surdos e sonoros),
fonológica
conforme um programa de desenvolvimento da
A terapia dos sujeitos S6 e S7 baseou-se na
consciência fonológica proposto para Português
abordagem terapêutica fonológica associada à
Europeu20, editado pelo Ministério da Educação
estimulação de habilidades em consciência fono-
de Portugal.
lógica, que integra o Modelo de Oposições Máxi-
O critério para o aumento da complexidade
mas Modificado2 e a estimulação de habilidades
das tarefas de consciência fonológica dentro de
em consciência fonológica desenhada para este
cada nível, silábico e segmental, assim como para
estudo, descrita anteriormente. Para tanto, foram
a passagem da estimulação do nível silábico para o
reservados os 15 minutos finais de cada sessão para
segmental, foi a criança compreender e ter sucesso
a realização das atividades de consciência fonoló-
nas tarefas aplicadas. Para isso, em cada sessão de gica, envolvendo a sílaba e o segmento.
terapia foram trabalhadas de duas a três tarefas, Para a terapia puramente fonológica e para
como, por exemplo: na primeira sessão do nível a terapia fonológica associada à estimulação de
silábico foram aplicadas tarefas de produção de habilidades em consciência fonológica, foi reali-
palavras com igual sílaba inicial e identificação zado bombardeio auditivo e dadas orientações aos
de palavras com igual sílaba inicial. Se a criança pais para a realização de atividades com a criança
obtivesse sucesso nessas duas tarefas, na próxima em casa, conforme os procedimentos descritos no
sessão as tarefas aplicadas apresentariam uma com- Modelo de Oposições Máximas Modificado2.
plexidade maior, até que apresentasse prontidão Independente da abordagem terapêutica, to-
para a introdução de tarefas no nível segmental, dos os sujeitos receberam terapia duas vezes por
nas sessões subsequentes. Não foi utilizado por- semana, com duração de 45 minutos cada uma,
centagens de acertos nas tarefas de consciência em um total de, no máximo, 25 sessões de terapia
fonológica trabalhadas com a criança em terapia, (para a análise dos resultados), exceto as sessões
mas uma análise qualitativa do seu desempenho reservadas para sondagens.
realizada pela terapeuta, que observava sua com- Os resultados obtidos para cada um dos sujei-
preensão e capacidade de execução das tarefas. tos e entre os grupos foram analisados de maneira
As tarefas trabalhadas com as crianças foram descritiva, considerando o inventário fonético, o
inseridas em atividades lúdicas (jogos de trilha, sistema fonológico e a gravidade do desvio fono-
boliche, memória, lince, entre outros) e quando isso lógico, pré e pós-terapia.
não foi possível, as crianças sabiam que em alguns O quadro 1 apresenta informações sobre os
momentos da sessão, entre uma brincadeira e outra, sujeitos em relação ao sistema fonológico e à
gravidade do desvio fonológico, pré e pós-terapia. os sujeitos que receberam terapia fonológica e o
Além disso, consta no quadro o tipo de abordagem número de sessões de terapia recebidas por cada
terapêutica recebida, os sons-alvo trabalhados com um deles.
No quadro 1, pode-se notar que os sujeitos S6 em consciência fonológica não prevê a estimulação
e S7 tiveram seus sons-alvo redirecionados a partir de sons-alvos, mas sim, de todos os fonemas que
das sondagens realizadas. No caso do S6, segundo compõem o sistema fonológico do Português Brasi-
o Modelo de Oposições Máximas Modificada, leiro, por isso, no quadro 1 não estão especificados
quando um som-alvo apresentar mais de 50% de sons-alvo para os sujeitos que receberam este tipo
acertos nas sondagens, no nível de sentenças, novos de abordagem terapêutica.
sons-alvo devem ser selecionados para dar segui- A evolução terapêutica de cada sujeito pode ser
mento à terapia2. Já no caso do sujeito S7, novos visualizada na tabela 1, em que consta o número de
sons foram selecionados devido à dificuldade na fones no inventário fonético, o número de fonemas
produção por imitação dos sons-alvo selecionados no sistema fonológico e o percentual de consoantes
inicialmente. Deve-se ressaltar que a abordagem corretas, pré e pós-terapia.
terapêutica com base na estimulação de habilidades
A RTIG OS
Tabela 1. Número de segmentos adquiridos, no inventário fonético e no sistema fonológico, e do
percentual de consoantes corretas, pré e pós-terapia
Tabela 2. Resultados obtidos pelos sujeitos no CONFIAS, nas tarefas silábicas e nas tarefas
fonêmicas, pré e pós-terapia
Para as tarefas silábicas, notou-se, com ex- maior incremento, de 13 acertos, entre as avaliações
ceção do sujeito S1, que todos eles aumentaram pré e pós-terapia.
Os gráficos 1, 2 e 3 mostram as médias de acer-
seus escores de acertos no pós-terapia. Nas tarefas
tos entre os grupos, em relação à tarefa silábica, à
fonêmicas, os sujeitos também aumentaram os seus tarefa fonêmica e ao total de acertos no CONFIAS,
escores, sendo que sujeito S3 foi quem apresentou o respectivamente, nos momentos pré e pós-terapia.
Gráfico 1. Porcentagens de acertos obtidos pelos grupos na tarefa silábica, pré e pós-terapia
Legenda: TPF: Terapia Puramente Fonológica; TCF: Terapia com base na estimulação de Habilidades em Consciência Fonológica; TFCF:
Terapia Fonológica associada à Consciência Fonológica; AI: Avaliação Inicial; AF: Avaliação Final.
Legenda: TPF: Terapia Puramente Fonológica; TCF: Terapia com base na estimulação de Habilidades em Consciência Fonológica; TFCF:
Terapia Fonológica associada à Consciência Fonológica; AI: Avaliação Inicial; AF: Avaliação Final.
Gráfico 3. Porcentagens de total de acertos em consciência fonológica pelos grupos, pré e pós-
terapia
Legenda: TPF: Terapia Puramente Fonológica; TCF: Terapia com base na estimulação de Habilidades em Consciência Fonológica; TFCF:
Terapia Fonológica associada à Consciência Fonológica; AI: Avaliação Inicial; AF: Avaliação Final.
A RTIG OS
Para as tarefas silábicas, observou-se que o Os sujeitos do grupo TFCF, S6 e S7, apresen-
grupo que recebeu TFCF obteve o maior incre- taram resultados divergentes um do outro. Para o
mento de acertos no pós-terapia, 38%. Já o grupo sujeito S6, notou-se um aumento no número de
TPF obteve um incremento de 2%, apenas. Nas fones em seu inventário fonético e um aumento
tarefas fonêmicas, o grupo TCF obteve o maior no número de fonemas no seu sistema fonológico,
incremento com um aumento de 30% de acertos, resultando em um aumento no percentual de con-
enquanto o grupo TPF manteve 13% de acertos, soantes corretas, apesar de a gravidade ter se man-
pós-terapia, com 0% de incremento. No total de tido a mesma, desvio levemente-moderado. Já o
acertos, incluindo as tarefas silábicas e fonêmicas, sujeito S7, manteve seu sistema fonológico com 12
o grupo TFCF foi o que obteve maior incremento, fonemas e diminuiu seu percentual de consoantes
com 23% de acertos no pós-terapia. O grupo TPF corretas, de 65% para 59,2%, mantendo um desvio
obteve apenas 1% de incremento no escore total. moderado-grave. Essa diminuição no percentual de
consoantes corretas é comum durante o processo
Discussão terapêutico nos desvios fonológicos, já que pode
haver regressão no estabelecimento dos fonemas,
Os sujeitos que receberam terapia puramente caracterizando um processo de aquisição fonológi-
fonológica, S1 e S2, apresentavam, no início da ca não linear21. Essa descontinuidade na aquisição
terapia, desvio leve. Isso significa que os seus envolve principalmente as líquidas21, justamente os
sistemas fonológicos se apresentavam quase que fonemas que também foram estimulados na terapia
totalmente completos. Apesar da gravidade do do sujeito S7, fonemas /l/ e /r/.
desvio fonológico leve desses dois sujeitos, ambos Sobre os resultados relativos à avaliação da
adquiriram fonemas novos em seus sistemas fono- consciência fonológica, os sujeitos S1 e S2 melho-
lógicos e preencheram o seus inventários fonéticos, raram discretamente seus escores para as tarefas
pós-terapia, aumentando seu percentual de con- silábicas e fonêmicas. Com esse resultado, pode-se
soantes corretas (96,3% para o sujeito S1 e 94,3% inferir que a Terapia puramente fonológica, apesar
para o sujeito S2), recebendo alta fonoaudiológica. de ter promovido a reorganização dos sistemas
Estes resultados ilustram a eficiência do Modelo fonológicos dos sujeitos, não foi suficiente para
de Oposições Máximas Modificado2, referido o aprimoramento desta habilidade, como já foi
neste estudo como Terapia puramente fonológica, constado em outros estudos(12-14).
para a reorganização do sistema fonológico, como Os sujeitos S3, S4 e S5 apresentaram uma
observado em estudos anteriores2,6. melhora expressiva nas tarefas silábicas e nas
Os sujeitos S3, S4 e S5 receberam terapia tarefas fonêmicas. Este resultado confirma uma
apenas com base na estimulação de habilidades das hipóteses deste estudo de que a estimulação de
em consciência fonológica e apresentavam, no mo- habilidades em consciência fonológica não apenas
mento pré-terapia, desvio levemente-moderado. Na contribui para o desenvolvimento da consciência
avaliação pós-terapia, esses sujeitos aumentaram fonológica como, também, promove a reorganiza-
seus inventários fonéticos e adquiriram fonemas ção do sistema fonológico.
novos, diminuindo a gravidade dos seus desvios Apesar de o sujeito S7 ter evoluído menos em
fonológicos. Com exceção do sujeito S5, a gravi- relação à consciência fonológica, tanto ele quanto
dade dos desvios passou de levemente-moderada o sujeito S6 apresentaram melhora nos escores para
para leve. Os resultados obtidos para os sujeitos S3, esta habilidade, sobretudo, para a tarefa silábica.
S4 e S5 sugerem que a estimulação de habilidades Ao analisar os resultados obtidos pelos grupos,
em consciência fonológica pode levar a mudanças em relação às tarefas silábicas e fonêmicas e a
no inventário fonético e no sistema fonológico, pontuação total, notou-se que houve uma melhora
com a aquisição de sons novos. Esta constatação nos escores para as três abordagens terapêuticas. O
corrobora os achados de outros estudos, em que grupo TCF foi o que obteve maiores porcentagens
os autores constataram que a estimulação da de acertos nas habilidades metalinguísticas, pós-
consciência fonológica pode promover mudanças -terapia, seguido do grupo TFCF. Isso demonstra
nos sistemas fonológicos de crianças com desvios que a aplicação de programas de estimulação de
fonológicos(7-11). habilidades em consciência fonológica propicia o
desenvolvimento desta habilidade, como revelado eles adquiriram novos fonemas em seus sistemas
em outros estudos9,10. fonológicos e aumentaram seus percentuais de
É importante salientar que os grupos TCF consoantes corretas. Os sujeitos que receberam
e TFCF apresentaram as maiores porcentagens terapia envolvendo estimulação de habilidades
de acertos em consciência fonológica, quando em consciência fonológica apresentaram, eviden-
comparados ao grupo TPF, pré-terapia. Contudo, temente, maiores porcentagens de acertos nesta
o desempenho nessa habilidade, pré-terapia, não habilidade, comparado àqueles que receberam
é premissa para uma boa evolução no processo terapia puramente fonológica.
terapêutico22. A importância da estimulação da A análise das duas abordagens propostas pelas
consciência fonológica na terapia dos desvios fo- autoras envolvendo consciência fonológica e de um
nológicos foi ressaltada em estudos anteriores, que modelo consagrado na literatura mostrou que estas
demonstraram que a terapia fonológica, por si só, abordagens parecem ser efetivas para os casos de
não promove o desenvolvimento da consciência fo- desvio fonológico.
nológica, normalmente defasada nestes casos(12-14). A estimulação da consciência fonológica
Destaca-se que o maior incremento na por- como estratégia terapêutica principal na terapia
centagem de acertos para as tarefas fonêmicas foi dos desvios fonológicos é um assunto escasso na
alcançado pelo grupo TCF, sendo este o nível de literatura. Por isso, o presente estudo abordou este
maior dificuldade para crianças com desvio fonoló- tema de fundamental importância para estes casos
gico, em determinadas tarefas11,13, fundamental para e propõe que novas investigações sejam realizadas,
a aquisição da leitura e da escrita. O resultado ob- no intuito de suprir esta lacuna e instrumentalizar o
tido por este grupo, para as tarefas fonêmicas, leva fonoaudiólogo com outras possibilidades de abor-
a crer que a estimulação exclusiva de habilidades dagens terapêuticas. A inserção da consciência fo-
em consciência fonológica nos desvios fonológicos nológica na terapia dos desvios fonológicos poderá
pode promover o desenvolvimento destas habili- contribuir para a não repercussão dos erros de fala
dades de maneira efetiva, contribuindo para o não na escrita, comum nessa população, para favorecer
surgimento de dificuldades durante a alfabetização. a alfabetização, além de poder ter efeitos sobre a
As abordagens terapêuticas envolvendo a esti- reorganização dos sistemas fonológicos desviantes.
mulação de habilidades em consciência fonológica
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