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PERGUNTA DA ALUNA

Desculpe-me, querido professor, mas eu ainda preciso fazer uma última


pergunta sobre o assunto das locuções substantivas e grupos substantivos.

- Quais são os aspectos ou características que permitem classificar "caixa de


música" como locução substantiva e "caixa de ferramentas" como grupo
substantivo?

Parece-me que a locução designa um novo objeto com um novo significado,


além de ser uma construção cristalizada pelo uso; por outro lado, no grupo
substantivo, essa associação parece ser mero acidente, mas isso é o que diz
minha intuição, gostaria de uma explicação mais sólida, se possível.

RESPOSTA DO PROFESSOR

Por partes.

1) Mas não está falando de caixinha de música, aquela que toca uma
musiquinha? Pois bem, isto me parece sem dúvida locução. Poderia tornar-se
palavra por justaposição: “caixa-de-música”. O grupo é o que nunca pode
tornar-se palavra. Ademais, a caixa de música não guarda música, TOCA-A.

Logo... Voltarei a isto.

2) Note-se, por favor, por que criei a expressão fronteira turva: justamente
para impedir que a discussão em casos não de todo delimitados, como este, vá
ao infinito. Se digo fronteira turva, é para que a discussão se detenha nesta
mesma fronteira. Ir além é ir ao infinito, e ir ao infinito é precisamente não
explicar nada.

3) Quanto ao assunto em pauta, digo que palavra composta por


justaposição e locução são praticamente o mesmo, podendo diferir, quando
muito, segundo certo sentimento e ortograficamente. Mas locução e grupo são
coisas distintas. Apenas, nem sempre as podemos distinguir: fronteira turva.
Não pode restar a menor dúvida quanto a que mão de obra seja locução, e mão
magra grupo. Tome-se todavia caixa de ferramentas. Que se quer dizer
precisamente com isto? Trata-se de caixa própria para conter ferramentas, ou

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de caixa que contém ferramentas? Não é claro. Parece-me claro, no entanto, que
em ambos os casos se trate de grupo: no primeiro caso, de ferramentas seria
adjunto adnominal; no segundo caso, equivaleria a com ferramentas; mas pode
tratar-se ainda dos dois sentidos conjugados. Caso diferente é o de caixa de
música, porque, com efeito, não é propriamente um recipiente que contenha
música, mas um como instrumento musical. Etc.

4) Quando, porém, digo em nosso curso fronteira turva, o mais das vezes o
acompanho de um aprofunda-se na Suma Gramatical; e espero que agora fique
de todo claro que com isto não pretendo fazer propaganda da obra: mas dizer,
precisamente, que determinado assunto requer aprofundamento impossível de
conter-se num curso como este (como, aliás, em qualquer outro). Em outras
palavras, que determinado assunto requer investigação mais complexa e pois
mais detida.

5) Mas antecipo, muito resumidamente (e insistindo em que este é tema de


efetiva complexidade): as FRONTEIRAS TURVAS sucedem muito mais na linguagem
que, por exemplo, na natureza. E, para entendê-lo, há que saber o que é a
linguagem: É UM TODO DE COMPOSIÇÃO PARTILHADO. Ou seja, só é um todo porque
é partilhado por seus usuários. Mas a linguagem é partilhada pelos falantes e
pelos escreventes de modo muito particular – e único. Todo e qualquer
conteúdo está no continente ao modo deste. Assim, a mesma quantidade de
água pode conter-se num recipiente quadrado, num cilíndrico ou num bojudo: a
quantidade é a mesma, mas a água assume o formato do recipiente em que se
contém. A realidade também se contém na mente dos homens ao modo destes
(e não ao modo de um cão, por exemplo), mas contém-se igualmente em todos
os homens: com efeito, quando pensamos gato, pensamos todos igualmente, ou
seja, pensamos a mesma espécie animal. Mas a linguagem em parte é a mesma
em todas as mentes humanas, em parte não o é: nem todos conhecemos as
mesmas palavras, nem todos temos o mesmo sentimento ante uma expressão
(que pode sentir-se aqui como uma palavra, ali como uma locução, acolá como
um grupo), nem todos temos o mesmo domínio gramatical, etc. Por isso, em
parte a língua está em seu continente (a mente humana) assim como a espécie
gato está na mente de todo e qualquer homem (diferentemente de como está no
cérebro de todo e qualquer cão), mas em parte está em cada mente humana
diferentemente.
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6) E é desta diferença que em parte decorrem as fronteiras turvas. Mas em
parte estas decorrem ainda da própria contiguidade das classes gramaticais, etc.

OBSERVAÇÃO. Como se vê, é assunto para a Suma Gramatical.

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