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Curso: Direito Turno: Noturno

Disciplina: Direitos Humanos Data: 31/08/21


Turma: P1
Professor: Ronaldo Lobão
Aluno(a): Júlio Cesar Santos da Silva
Em seu ensaio “A vida em Comum”, Tzvetan Todorov afirma que trabalhará com a
Antropologia geral, isto é, em seu sentido literal de “conhecimento do homem”, para designar o
conceito que temos acerca do ser humano e que estaria subjacente às diversas explorações das ciências
humanas, assim como aos discursos morais ou políticos, ou, ainda, à filosofia – em outras palavras,
Todorov oferece uma mudança de foco e trata do lugar da sociedade no homem, não do lugar do
homem na sociedade. Nesse sentido, no primeiro capítulo dessa obra, ele tenta elucidar a definição
implícita do próprio humano. Para isso, ele divide esta parte do livro em três outras: uma que trata das
tradições de pensamento do ser humano como associal; uma como social; e, finalmente, uma como a
sobrevivência da concepção do homem como associal nos dias de hoje.
Levando-se em consideração as grandes concepções do pensamento filosófico europeu no
tocante à definição do que é humano, conclui-se que a dimensão social, “a vida em comum”, não é tida
como necessária ao homem. Existem diversas versões dessa visão associal do homem, que é a
predominante, inclusive atualmente.
Para ilustrar esse pensamento, tem-se que os grandes moralistas da época clássica, herdeiros
dos pensadores da Antiguidade, acreditavam o homem sábio é aquele que vive só, sendo que ele
mesmo é o único capaz de atingi o próprio contentamento; a aprovação alheia é tida por sinônimo de
vaidade, futilidade, e afasta o ser humano da autarquia, bem como os seres humanos estão presos a
uma rede de relações sociais por fraqueza, por não bastarem a si mesmos. Compartilhavam dessa visão
os filósofos Montaigne, Pascal e La Bruyère.
Por sua vez, os renascentistas opunham-se à ideia dos moralistas de que a natureza e o ideal se
aproximam; na verdade, para eles, a natureza e o real é que estão próximos. Essa mudança de
perspectiva afetou a teoria política e a psicologia, sendo Maquiavel e Hobbes os emblemas desse
pensamento. Em sua visão antropológica, o homem é apresentado como ser puramente egoísta e
interessado, para quem os outros homens são meros obstáculos, rivais. As exigências da sociedade e da
moral vão de encontro à natureza humana e evitam que o homem, essencialmente solitário, viva em
guerra perpétua com seus semelhantes, em uma busca desenfreada pelo poder. Esta concepção é
imoralista e prevaleceu sobre aquela.
Ademais, Todorov apresenta a visão do filósofo moralista francês La Rochefoucauld, segundo
o qual as pessoas vivem em sociedade pelo interesse de mascarar sua natureza egocêntrica e solitária.
Aquele discorda deste na medida em que acredita que as pessoas vivem em sociedade não por
interesse, virtude - ou qualquer outro motivo- , mas porque não há outra forma de existência possível.
Kant segue a linha de pensamento do Todorov. Aliás, Kant, visto pelo autor da obra como “grande
moralista”, afirma que o homem tem tendências contraditórias de buscar a sociedade e fugir dela ao
mesmo tempo (“insociável socialidade”). Nesse contexto, o homem depende dos demais para
sobreviver, mas, concomitantemente, anseia por liberdade, por não querer ser tutelado pelos outros.
Para ilustrar seu pensamento, Kant aponta que o choro do bebê recém-nascido é um protesto contra sua
dependência em relação ao outro.
Outrossim, no século XVIII, surge a concepção psicológica do homem, segundo a qual o
interesse governa a conduta do homem (porém esse fato não é condenado) e o ideal deve se submeter
ao real. Esta é a posição de muitos enciclopedistas materialistas, como Diderot e Sade. Aquele afirma
que “O que constitui o homem o que ele é (...) deve fundar a moral que lhe convém” (DIDEROT,
“Supplemént au voyage de Bougainville, p. 505), ao passo que este diz “Não tenham freio que não o
de suas aspirações, outras leis que não os seus desejos, outra moral que não a da sua natureza” (SADE,
“La Philosophie dans le boudoir”, V, p. 243).
Além disso, Nietzsche, no século XIX, apresenta o seu ideal, o “super-homem”, que aspira à solidão.
Ele destaca, também, a “moral dos senhores”, que tem, como ponto central, a vontade de poder. Nesse
sentido, ele apresenta uma psicologia estranhamente igualitária, na medida em que os homens são
iguais e disputam o mesmo lugar; logo, ou eles são vistos como adversários ou como colaboradores, ou
– e isto em caso de vitória – servos.
No que tange à concepção antropológica de base conforme a qual o homem aspira à honra e à
glória, cabem aqui as seguintes visões dos associais: para os Antigos, trata-se de destacar no homem
sua melhor parte. Como exemplo, Aquiles preferiu morrer gloriosamente e tornar-se herói em vez de
viver uma longa vida e ser esquecido no tempo. Essa virtude, no entanto, está presente apenas nos
melhores, sendo um ideal, não uma necessidade vital. Para os modernos, como Hobbes, o desejo do
homem por honra e glória é a fonte dos males da humanidade, sendo preciso domesticá-lo e submetê-
lo a interesses mais essenciais, como a paz social. Dessa forma, encontra-se aqui o conceito acerca do
ser humano subjacente ao discurso jurídico segundo o qual o indivíduo deve obedecer as leis impostas
pelo soberano à sociedade com o fito de se alcançar a paz. Para os filósofos iluministas (Montesquieu e
Kant), tal desejo é uma paixão incontrolável, sobrevivência arcaica do código feudal. Desse modo,
essa aspiração é tida como egoística, sendo preciso dela se libertar. Para Nietzsche, a aspiração à glória
constitui prova suplementar da mediocridade propagada pelas novas democracias. O niilismo catapulta
o rompimento e a destruição dos valores que sufocam a verdadeira identidade do ser humano,
permitindo que ele vá, por meio da vontade de potência, além do bem e do mal. Por fim, na época
contemporânea, a vã corrida pelo prestígio perante a sociedade deve ser substituída pela preocupação
com o desenvolvimento interior do sujeito.
Sob outro viés, as tendências sociais do homem têm vários adeptos. Na filosofia clássica europeia,
ainda que o sábio almeje como ideal a autarquia, deve-se considerar que o homem é visto pelos
filósofos gregos como um animal político, que deve viver com seus semelhantes e desenvolver a
cidade. Para resolver esse dilema, Aristóteles afirma que o homem, diferentemente de um deus ou de
um selvagem, é incompleto e não basta a si mesmo. Nesse sentido, ele necessita da copresença dos
outros indivíduos.
Além disso, no século XVIII, Rousseau formula, pela primeira vez, uma nova concepção do
homem como ser que precisa dos demais. Vale ressaltar que ele condena a vida em sociedade –
seguindo, assim, os passos dos moralistas – (visto que o ser humano nasce livre, porém vive
acorrentado por todos os lados) e apresenta, sob uma ótica favorável a solidão do indivíduo (no
entanto, esta não pode ser absoluta, uma vez que é um estado triste e que se opõe à natureza humana).
Para tanto, ele distingue o amor-próprio – sentimento egoísta e que existe apenas em sociedade, que
consiste na comparação de um sujeito quanto aos demais para que ele se sinta superior – do amor de si
– virtuoso, é o instinto de conservação indispensável a qualquer ser. Todavia, Rousseau aponta que
existe um terceiro sentimento localizado no meio dos dois anteriores: a “ideia de consideração”. É a
partir deste sentimento que se verifica a inovação do filósofo, visto que demonstra ser a necessidade de
ser olhado pelos outros não como mera aspiração à glória, mas como característica constitutiva do ser
humano, que transforma o homem no que ele é.
Adam Smith segue a ideia rousseauniana, sendo que, em sua visão, o sujeito smithiano é
incompleto e precisa ardentemente ser observado, sendo esta a causa primeira das suas outras
necessidades. Nesse contexto, ele aspiraria a bens materiais para ser visto, de modo que ganharia
reconhecimento da sociedade e por ela seria aceito, alcançando a felicidade. Os mais poderosos
motivos da ação humana são, portanto, o desejo de glória e consideração, vergonha e culpa, medo da
falta de estima, apelo ao olhar do outro, entre outros.
Ademais, Hegel denomina a “consideração” apontada por Rousseau como “reconhecimento”.
Para ele, inclusive, a demanda, por parte do ser humano, de reconhecimento é luta, sendo que a história
da humanidade é caracterizada pela evolução da luta entre senhores e escravos. No entanto, Todorov
entende que o ser humano não nasce da luta, mas do amor, com destaque para a relação mãe-filhos.
Nessa perspectiva, a existência do indivíduo enquanto especificamente humano inicia-se na captação
do olhar materno pelo bebê, ou seja, do reconhecimento da mãe pelo filho. Assim, Todorov acredita
que Hegel limita a condição humana ao reafirmar a ideia hobbesiana de “guerra de todos contra
todos”, que deve ser superada.
Na terceira parte do capítulo “Um olhar sobre a história do pensamento”, Todorov afirma que,
na contemporaneidade, as doutrinas mais influentes aparecem como continuidade das tendências
associais, como a hobbesiana e a hegeliana. Essa visão se impôs por meio do marxismo (luta de
classes) e de Nietzsche (vontade de poder). Para ilustrar o pensamento, Todorov aponta a visão da
psicanálise clássica, que traz a concepção subjacente do ser humano como fundamentalmente solitário
(aqui, como sinônimo de egoísta); ele pensa apenas na satisfação das suas pulsões, sendo que a vida
em sociedade é um meio de balizá-las ao ensinar-lhe o altruísmo e a generosidade. Dessa forma, o eu
(ser humano) é mau, vê os demais como aliados ou adversários, e a vida em sociedade é virtuosa por
impedir que ele cause catástrofes. Todorov discorda desse posicionamento, uma vez que, para ele,
ocorre confusão das categorias psíquicas e das categorias políticas. Sob esse prisma, a concepção
subjacente aos discursos políticos reduz as relações humanas a relações que pressupõem igualdade
entre os seres humanos, como a rivalidade. Inconscientemente, a sociedade é vista à imagem da
democracia tal como aparecia nos escritos dos seus primeiros críticos, ou seja, como um combate
incessante entre rivais não hierarquizados.

[...] num primeiro momento eu tinha acreditado que a liberdade era um dos valores fundamentais da
democracia; agora percebo que certo uso da liberdade pode representar um perigo para a democracia
(TODOROV, 2012).

A radicalização da ideia de liberdade e de autonomia da vontade humana, fundamenta o


princípio de que uma vontade humana comum traria salvação para humanidade, direcionando-nos para
o projeto de levar um “Bem Maior” a todos os povos. É com tal projeto que o messianismo político,
alcançado a democracia moderna, atua na imposição de regimes democráticos e de direitos humanos a
outros países, como aconteceu na Guerra do Afeganistão, do Iraque e da Líbia – a pretexto de um Bem
Maior governos como o dos Estados Unidos acabam voltando-se para interesses particulares.
Indicamos, portanto que tais atuações precisam de novas adequações – uma nova linguagem –
pra entender cada povo considerando suas questões sociais, culturais e humanas. A construção de
Direitos Humanos Universais não pode abrir espaço para ações totalitárias – seja pela tirania dos
indivíduos, seja pela interferência de Estados sobre outros.

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