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ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO JOSÉ CLEMENTE PEREIRA

Rafael Pilot de Souza

A validação de preconceitos através da falta de


representatividade na mídia

Julho 2021
Espumoso, Rio Grande do Sul
1. Introdução

A mídia exerce um papel muito importante para a sociedade como suporte de


difusão das informações. Contudo, a mídia também é capaz de “moldar” a sociedade
como uma ferramenta de propagação de um estilo de vida, por meio de novelas, séries,
filmes, documentários e programas de TV. Um exemplo semelhante a isso é o que
acontece no livro 1984 de George Orwell, em que um país inteiro tem seus meios de
comunicação adulterados para pensarem que estão vivendo a melhor era de seu
desenvolvimento, quando, na verdade, estão cada vez mais sendo um país
subdesenvolvido. De maneira análoga, vemos acontecer o mesmo em nossa sociedade,
enquanto a mídia traz uma realidade distorcida em que “todos são iguais”, o público que
assiste vive mais e mais o preconceito na pele. Isso tudo pois o que as séries e filmes
trazem para nossa casa não representam a vida real e sim mostram aquilo que os
convém, gerando uma baixíssima representatividade social e cinematográfica. Desse
modo, cabe analisar os fatores que são muitas vezes esquecidos pelos autores e
diretores de cinema.

2. Desenvolvimento

➢ Imagem e Autoestima
Em muitos filmes e séries atores mais velhos interpretam adolescentes, isso
acontece porque certas cenas não podem conter menores de idade, como é o caso de
cenas sexuais, de assasinato, etc.. Contudo, fica meio óbvio que aqueles não são jovens
reais, mas, como estão interpretando um, podem gerar uma certa perturbação entre o que
é real ou não. É nesse contexto que surge um “padrão de beleza”, como meninos
musculosos e meninas super magras, o que muitas vezes é inalcançável para os
verdadeiros jovens, pois seus corpos não estão preparados para isso ainda.
Além do padrão corporal, outros fatores também ressaltam a diferença entre os
atores e os jovens reais, como: altura, acne, espinhas, comportamentos, etc.. Nesse
sentido, é comum que os jovens vejam essas cenas e se perguntem “Porque eu tenho
tantas espinhas?” quando vê um personagem com uma pele “limpa”, ou até mesmo
“Porque eu não consigo fazer isso?” quando um personagem tem um talento de anos de
prática. Essas perguntas acabam ficando no pensamento de adolescentes por muito
tempo, podendo gerar problemas de autoestima e saúde mental.
➢ Representatividade Preta
No Brasil, a TV está presente em nossa sociedade desde 1950, mas, apesar de
acompanhar certas evoluções no que abrange os direitos civis, a falta representatividade
negra em seus programas ainda é grande. Dessa forma, é comum vermos em novelas ou
em filmes a posição do negro ser estereotipada, com ele interpretando pessoas com baixa
condição financeira e que oucupa cargos como porteiro, motorista ou empregada
doméstica, sendo raro associar um negro com um papel de patrão.
Desse modo, acaba-se criando esse “padrão de identidade negra” que a
teledramaturgia difunde, alimentando um imaginário de exclusão social e reforçando os
estereótipos sobre o negro em nossa sociedade. A persistência desse modelo de
representação pode dar continuidade a uma geração que não enxerga os problemas do
racismo, chamando muitas vezes de “mimimi” o debate sobre. Um exemplo disso, foi na
21° edição do BBB, em que um participante, ao ver uma peruca de “homem das
cavernas”, compara ela com o cabelo afro de outro participante, gerando assim um
discurso sobre o tema nas redes sociais. Esse discurso foi caracterizado por muitos
internautas como exagerado, supérfluo e “mimizento”, provando o quanto a geração atual,
por mais que tenha avançado muito, ainda tem o racismo enraizado em sua vivência
social.

➢ A comunidade LGBTQIA +
É imperativo ressaltar que a comunidade LGBTQIA + está ganhando cada vez
mais espaço na mídia. Contudo, essa representação muitas vezes não traz orgulho para
quem faz parte da comunidade, isso porque muitas vezes os personagens são
estereotipados, utilizados como alívio cômico ou são engolidos pela heteronormatividade
presente na sociedade, isso quando tem tempo de tela suficiente para formar uma história
para a persona. Além disso, outras questões são: quais são os personagens interpretados
por pessoas que realmente são comunidade? Quantas pessoas LGBTQIA + participaram
da produção do roteiro das novelas, filmes e séries em que são representadas?
Provavelmente, a resposta não se distanciará muito do zero.
A questão é que as emissoras usam as vivências das pessoas da comunidade
como seu "álibi" para sua responsabilidade social, muitas vezes não trazendo uma crítica
sobre os reais acontecimentos. Isso contribui para que as questões de gênero e
sexualidade sejam cada vez menos democratizadas, fazendo a sociedade cair na
ignorância sobre o assunto e muitas vezes adotar os estigmas de uma religião para
determinar o que aquela pessoa deve ser.

➢ A questão das Pessoas com Deficiência


Dentre os grupos sociais já citados, esse é o que menos tem representatividade na
atualidade. Dessa forma, é muito difícil encontrar algum filme que contenha uma pessoa
com deficiência, principalmente se a história do filme não for sobre a pessoa a ter. Dados
do IBGE apontam que 24% da população brasileira têm algum tipo de deficiência, o que é
um percentual significativo. Porém, a julgar pelo que se vê nos meios de comunicação, a
sensação é que esta parcela da sociedade é esquecida. Ademais, nas poucas ocasiões
em que pessoas com deficiência aparecem na mídia, falta naturalidade, pois ou são
mostrados como coitados ou tenta-se criar uma narrativa para que sejam
supervalorizados.
Desse modo, é imperativo afirmar que a maioria das mídias deseja transmitir a sua
ideia de pessoas perfeitas, que seguem um padrão imposto, e as pessoas com deficiência
nem sempre fazem parte dela. Isso faz com que essas pessoas sejam excluídas de
novelas, séries e filmes. Esse banimento gera o estranhamento, pois como a sociedade
não está “acostumada” a ver uma pessoa deficiente, ela, com seus preconceitos, irá
estigmatizar a pessoa como insuficiente ou aberração.

➢ As influências no comportamento
Diante desse contexto, é necessário falar sobre a influência da mídia nas massas
populares. Estando presente em quase 100% das casas, lojas, restaurantes, instituições
sociais, etc, os veículos de comunicação em massa exercem um papel muito importante
para a nossa informação. Entretanto, também tem seu valor representativo como já
mencionado, sendo uma difusora da cultura de massas e dos costumes de uma
sociedade.
Com isso, deveria ser óbvia a representatividade dos grupos sociais supracitados
com o objetivo de tornar comum a convivência com os mesmos. Contudo, isso não é o
que acontece, como mencionado anteriormente, as séries, filmes e novelas não retratam
esses grupos como devem ser retratados, isso se não escolherem um elenco que não
tenha representatividade. Dessa forma, sendo a mídia uma grande influenciadora social, é
competente afirmar que ela não apenas se silencia contra esse problema, mas também
favorece a formação do mesmo. Assim, ela se transforma em uma contribuinte para
sucessão desses preconceitos e não em um veículo que deveria combatê-los e
denunciá-los para a sociedade.

➢ A geração dos problemas sociais


Sob esse viés, cabe ressaltar como a mídia se transforma em uma geradora de
problemas sociais, visto que influencia na maneira de agir de uma população. Desse
modo, como a mídia é capaz de levar para o telespectador uma imagem da vida
distorcida, ela acaba formando pessoas ignorantes sobre determinados assuntos e
pessoas que até podem saber certos preconceitos, mas não os reconhecem no meio
social.
Isso tudo faz com que questões, como: racismo, homofobia, xenofobia e
capacitismo, ganhem força, pois o principal veículo de propagação de informação e de
estilo de vida não traz essas questões de forma natural para os telespectadores. Diante
desse cenário, é oportuno mencionar que o pensador Immanuel Kant, em seu livro “Sobre
a pedagogia”, defende que “o homem é aquilo que a educação faz dele”. A máxima do
pensador prova o cenário vigente, visto que por conta dessa falta de representação
midiática, e por consequência a falta de informação, vemos os números de crimes de ódio
contra esses grupos ainda altos. Sendo paradoxal uma sociedade que se consagra
desenvolvida ainda ter a lamentável prática de discriminação às diferenças.

3. Conclusão
Diante dos fatos citados, podemos concluir que a formação do preconceito social
não se dá apenas pela família, mas também através da interpretação que a pessoa faz da
mídia que consome. Séries que tem um elenco muito pouco diversificado são as que
fazem mais sucesso nos serviços de streaming, enquanto séries que trazem uma
verdadeira diversidade, algo natural, são deixadas de lado na hora de se investir em uma
sequência, ou até mesmo em uma divulgação.
O que se deve fazer é inserir esses grupos sociais, mas somente trazer eles para
os filmes e séries não basta, o que deve ser feito é uma representação efetiva e boa,
transformar isso em algo comum. Imaginem quantas vidas seriam poupadas ou quantas
pessoas poderiam ter suas visões de mundo ampliadas se a mídia optasse por
representações mais humanizadas, inclusivas, focadas na construção de empatia entre os
diferentes e não em publicidade ou lucro? Essa pode não ser a solução, mas certamente
é um caminho que a grande mídia poderia tomar para erguer uma sociedade que saiba
reconhecer e conviver com as diferenças.

4. Referências
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rodolffo-sobre-cabelo-de-joao.ghtml?amp_js_v=a6&amp_gsa=1&usqp=mq331AQKKAF
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