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Ao assumir o cargo de presidente em 2019, Jair Bolsonaro anunciou a dissolução do Ministério da

Cultura e a integração da Secretaria Cultural à pasta de Cidadania. A decisão, contudo, coloca em


risco um dos objetivos da criação do ministério: a manutenção de uma identidade nacional. Durante
a Ditadura de 64, o idealismo nacional foi fortemente incentivado como forma de garantir o controle
diante das massas populares. O futebol era divulgado como a “paixão brasileira” e a vitória na Copa
do Mundo como decorrência do “milagre econômico” do governo. Assim, políticas públicas de
incentivo à cultura são utilizadas como estratégias de manutenção do controle de pensamento
diante do povo, que se apoiam em formas de entretenimento das massas.

As políticas culturais espelham a manutenção da memória. Após a explosão de protestos de luta


contra o racismo, grandes empresas passaram a analisar seus conteúdos e verificar se haveria
materiais racistas. Nesse contexto, a HBO Max decidiu por retirar o filme “E o Vento Levou”,
alegando conter cenas preconceituosas. Contudo, trata-se de um filme de época, do ano de 1939,
em que o contexto de luta racial ainda era ignorado e o racismo era fortemente presente. Nesse
sentido, submeter montagens históricas a reavaliações atuais viola a memória que trazem, porque a
adaptação de obras a um novo contexto reflete uma nova significação das mesmas.

No contexto atual, as adaptações são vistas principalmente no cinema. Antigas óperas são agora
retomadas por filmes que criam uma nova história baseada nos espetáculos. O filme “O Espelho Tem
Duas Faces” inspira-se no drama de Giacomo Puccini em “Turandot”. Na ópera, Turandot é uma
princesa que desafia seus pretendentes a acertarem três perguntas para casarem com ela e, caso
errassem, seriam decepados. A trilha cinematográfica retoma o aspecto de desafio, de forma que o
personagem, após ser deixado pela mulher, desilude-se com o amor e busca em sua futura parceira
apenas o intelecto. Dessa forma, a obra cinematográfica, quando não se trata de uma adaptação
oficial da obra original, pode ser vista como propagadora da cultura da ópera. Projetos como
“Wagner para Crianças” ressignificam grandes obras do compositor Richard Wagner para o acesso
das crianças, retomando a memória da ópera e conquistando um novo público.

Deste modo, políticas públicas culturais devem ser financiadas de forma a garantirem a criação de
uma identidade nacional, porém devem ser livres de princípios de governação e interesse do Estado
em manipular um pensamento comum. Ademais, a memória também está ligada ao ideal de cultura
e a adaptação de obras antigas a partir de ideais contemporâneos pode afetar o caráter documental
de época. Por outro lado, quando se trata de uma inspiração, que não afeta o significado obra
original, como ocorre com a ópera nos filmes, a adaptação torna-se benéfica pois auxilia na
propagação de uma cultura erudita para um maior contingente de pessoas.

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