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REDES SOCIAIS E EXISTENCIALISMO:

UMA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA SOBRE O SER

SOCIAL NETWORKS AND EXISTENTIALISM:


A PHENOMENOLOGICAL PERSPECTIVE ON BEING
37
Juliana Beraldo Gallina1, Alexandra Fernandes Azevedo Venturi2

1- Graduada em Comunicação Social e Jornalismo, UNIP/Campinas/SP e Bacharel em


Psicologia pela Faculdade Municipal Prof. Franco Montoro, FMPFM/Mogi Guaçu/SP.

2- Coordenadora e docente do curso de Bacharelado em Psicologia da FMPFM/Mogi


Guaçu/SP. Bacharel em Psicologia pela Universidade de Taubaté/SP e possui
especializações na temática da Violência Doméstica Contra Crianças e
Adolescentes (USP) e Gestão de Pessoas pela FMPFM/Mogi Guaçu/SP.

Contato: afe.azevedo@gmail.com
RESUMO

É cada vez mais considerável como os indivíduos se relacionam através das redes
sociais, criando assim uma sociedade virtual pela qual a subjetividade do mesmo é
afetada. Este trabalho teve o objetivo de fazer uma reflexão crítica, à luz da
fenomenologia existencial, sobre como a existência do indivíduo é afetada por meio do
uso das redes sociais. Verificou-se que a tentativa de realização humana se dá através
do ciberespaço e sua subjetividade sofre influência das relações estabelecidas nas redes
sociais. Usou-se como base a analítica existencial de Martin Heidegger e seus conceitos
de Dasein, autenticidade, inautenticidade, ser-no-mundo.

Palavras-chave: redes sociais, fenomenologia-existencial, subjetividade

ABSTRACT

It is increasingly important how individuals relate through social networks, thus creating a
virtual society by which their subjectivity is affected. This paper aimed to make a critical
reflection, in the light of existential phenomenology, about how the existence of the
individual is affected through the use of social networks. It was verified that the attempt of
human realization occurs through cyberspace and its subjectivity is influenced by the
relationships established in social networks. Martin Heidegger's existential analytics and
his concepts of Dasein, authenticity, inauthenticity, being-in-the-world were used as a
basis.

Keywords: social networks, existential phenomenology, subjectivity

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INTRODUÇÃO

Entender de qual forma as redes sociais afetam a vivência do indivíduo se


torna um desafio. Este trabalho tem por objetivo analisar artigos que abordem uma
temática fenomenológica existencial, apontando a existência do Ser diante da
tecnologia das redes sociais. Para fundamentar essa reflexão, pautou-se nos 38
aspectos de Dasein, Ser-aí, Ser-com, Ser-no-mundo, autenticidade,
inautenticidade e existência.
Com a hipótese de que o Dasein passa a ter momentos inautênticos diante
do uso das redes sociais nas relações humanas, foram pesquisados artigos
referentes à Martin Heidegger e também os que contemplem a temática. A
princípio foi necessário a explicação dos termos fenomenológicos-existenciais e
relacioná-los com as relações sociais, redes sociais e vazio existencial.
Ferreira (2011) pontuou que, a ideia da rede social se deu no início do século
XX, onde a princípio as relações sociais são compreendidas como um tecido que
condiciona a ação dos indivíduos que estão inseridos nele. Associando o
comportamento individual à estrutura pela qual pertence, a metáfora de tecido ou
rede foi utilizada na sociologia, e transformada em uma metodologia intitulada
sociometria. Sociometria essa que, cientistas sociais entraram em um consenso
de que Jacob Moreno, em 1934, foi fundador com seu trabalho sobre padrões de
amizade.
Para Silva et al (2013) o desenvolvimento da Internet é importante para que
as redes sociais aconteçam de fato, onde as mídias se tornam uma das marcas
da sociedade com o objetivo de “repentinidade” com a qualidade e a interatividade.
Neste sentido, com o passar do tempo, a Internet se tornou cada vez mais ativa
na vida das pessoas, e com isso algumas mudanças começaram a acontecer.
Como afirma Guerreiro (2006) a Internet, o maior meio de comunicação da
sociedade, entrou na vida das pessoas e gerou mudanças nos ambientes
organizacionais e pessoais.
Embora a tecnologia, a Internet, e até mesmo as redes sociais sejam
importantes na vida do indivíduo, “a virtualização pode ser compreendida como o
afastamento da experiência imediata, vivida no campo próprio do indivíduo”
(CAZELOTO, p. 2, 2009). Ainda que, para o mesmo autor, é possível que haja,
através da virtualização, laços afetivos.

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O retrato das redes sociais reflete uma avaliação das relações do Ser a partir
de números. Busca-se o maior número de seguidores, o maior número de
“curtidas”, o maior número de visualizações. Entretanto, surgem as dúvidas: será
que existe autenticidade nas relações das redes sociais que são avaliadas por
meio de números? Será que, o que é publicado nas redes sociais é realmente o
Ser? Será que só existe as ostentações e acontecimentos bons? Será que o Ser
está realmente vivendo aquilo ou está em busca de aprovação social? Será que 39
as pessoas passam a expor a intimidade mediante a banalização e do vazio da
existência?
Estes questionamentos, embora sejam atuais, no passado May (1973)
compreendeu a necessidade de provar um êxito social:
“Precisamos estar sempre provando que somos um <<êxito
social>> pelo fato de nos procurarem, de nunca andarmos sós. Se
a pessoa é estimada, isto é, socialmente aceita, acredita-se que
raramente esteja só. Não ser estimada é um fracasso” (MAY,
1973, p. 25).
Provar que é um “êxito social” nas redes sociais pode ser comparado com
a busca por receber mais “likes” e “compartilhamentos”. O fato de estar no mundo,
e vivenciar as mudanças que acontecem diariamente, principalmente ao que se
fala de tecnologia e redes sociais, faz-se perceber questões como o modo de ser
do homem. Assim, buscar os “likes” implica num modo de estar no mundo de
forma estimada.
O homem que apresenta um modo de ser remete ao Dasein, ou o “ser-aí”,
termo usado por Martin Heidegger para designar o ser-no-mundo. “[...]
O Dasein não é um subsistente que possui além disso como dote adjetivo o poder
de fazer algo, mas ele é primariamente ser-possível” (HEIDEGGER 2012 apud
BRAGA, FARINHA, 2017, p. 66).
O homem está sempre em uma situação, lançado nela e em uma relação
ativa com ela “Ser é o que neste ente sempre está em jogo” (HEIDEGGER
1927/2006 apud ROEHE, DUTRA, 2014, p. 107). Neste sentido, a medida que o
Ser está sempre em evidência, na própria existência, a essência do ser humano
está em “ter de ser”. As características do Ser do homem são os modos possíveis
de ser, pois o ser-aí é lançado no mundo das possibilidades.
O Dasein é o Ser que, cotidianamente, vive como mais um entre os entes,
estabelecendo uma relação pela qual a característica ontológica fica encoberta.

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Porém, embora o Dasein viva como mais um entre os entes nesta relação do
cotidiano, ele tem um jeito particular de ser. Esta relação do cotidiano, a maneira
como o Dasein vive e se relaciona como mais um é chamada ôntico. “O ser-
ontológico do homem é ser a abertura (a ai) onde os entes se mostram e ele –
homem – se mostra para si mesmo” (ROEHE E DUTRA, 2014, p.107). Desta
forma, a abertura do Ser (o “ai”), pela qual, na relação com outros entes, o homem
(Ser) vê o outro e passa a ser visto. Assim, o Dasein é ontológico à medida que o 40
Ser possui características em comum com os demais Seres e é ôntico à medida
que esse Ser apresente aspectos individuais, únicos. Pelo Dasein se caracteriza
cada indivíduo e cada grupo.
Ao se ver no nível ôntico, o ser-aí estabelece relações com o mundo e com
os outros, e uma das formas de existência é a inautêntica. Nessa, o Dasein
determina relações sociais com outros Daseins, além de manipular e utilizar de
situações. A esse aspecto, Heidegger (2005) descreve três características da
existência inautêntica: o falatório, a curiosidade e a ambiguidade. O falatório se
apresenta no discurso onde nunca se comunica no modo de uma apropriação
originária, pois se contenta em repetir e passar a diante a fala
indiscriminadamente. Desta forma, o discurso é passível de manipulação. “As
coisas são assim como são porque delas se fala assim. Repetindo e passando
adiante a fala potencia-se a falta de solidez. Nisso se constitui o falatório”
(HEIDEGGER, 2005, p. 228). A existência se tornando anônima busca preencher
o vazio mergulhando na curiosidade. A curiosidade expressa o encontro
perceptivo com o mundo. A pre-sença é e está sempre presente de modo
ambíguo, “[...]onde o falatório mais intenso e a curiosidade mais aguda controlam
o ‘negócio’, onde cotidianamente tudo e, no fundo, nada acontece” (HEIDEGGER,
2005, p. 235).
Ao pensar nos estilos de vida em termos de autenticidade e inautenticidade,
é possível compreender que o Ser pode, na maioria das vezes, transitar entre
esses dois estilos de vida. Sendo assim, Santos e Nicarati (2016) consideram que
a autenticidade do homem se dá quando o mesmo conquista a condição originária
como ente solitário e se apropria de sua existência e ser-no-mundo. “Solidão: s.f.
estado de quem está só; lugar ermo; isolamento” (BUENO, 2000, p.724). E é
nesse estado de solidão que o Ser se apropria de si e de sua existência e se
demonstra autêntico para si.

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Heidegger (1927/2006) descreveu o ser-com como aquele que se constitui
na convivência, se envolvendo com os outros na presença que se dá em vários
contextos, como a família, o trabalho, entre outros. É nas relações sociais,
determinadas na condição de lançamento que se dá o desenvolvimento da
identidade. O ser-com traz consigo um aspecto existencial do Dasein que é a
convivência. Convivência essa que pode ser difícil, deficiente, mas também pode
ser habilidosa. A forma de conviver apresenta possibilidades de um modo de ser 41
já construído pelo mundo compartilhado. Heidegger (1927/2006) define que o ser-
com determina a presença, mesmo quando não se concretiza a percepção do
outro, ou seja, mesmo no estar-só o Ser é presença, pois a falta do outro só pode
ser assim considerada no ser-com e para um ser-com. Não seria então possível
considerar a falta do outro ao que se refere às redes sociais?

MÉTODO

Para realização deste estudo, foram analisados quatro artigos científicos


que comtemplaram a temática de redes sociais, solidão, subjetividade, o real, o
virtual e existência. Para o desenvolvimento da discussão, pautou-se nos
capítulos do livro “Ser e Tempo” de Martin Heidegger.
Foram escolhidos esses quatro artigos pois corresponderam efetivamente
ao estudo das redes sociais na abordagem existencial. A pesquisa foi realizada
através das bases de dados Scielo, Pepsic. Utilizou-se também de um referencial
de apoio sobre a temática, como outros autores e livros.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considerar o Ser como ser-com possibilita pensar que, o ser-aí constrói a si


através da convivência. Contudo, a convivência poderia ser considerada também
através da relação que o Ser tem com as redes sociais? Na rede social o Ser vai
realmente em busca de si, de autenticidade ou é devido a necessidade de
realização humana, de êxito social? A análise referente aos quatro artigos
possibilitou a reflexão sobre o Ser e a utilização das redes sociais. Na reflexão,
percebe-se que a solidão faz parte da vivência do Ser, uma vez que este Ser, de
alguma maneira, se encontra sozinho em algum momento.

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O primeiro artigo analisado é de Santos e Nicarati (2016), As Redes Sociais
e a Solidão Humana, é feito uma análise das redes sociais, referente à influência
das mesmas no comportamento humano em relação à solidão.
Esse estudo apontou a praticidade das redes sociais em manter o contato
de quem está longe, mas que isso ao mesmo tempo gera um estado de solidão
quando o Ser se vê em presença sozinho. Os autores falam sobre a autenticidade
do Ser à medida que se apodera da sua condição original como ente solitário se 42
apossando da sua existência e também da inautenticidade, onde o Ser anula suas
escolhas e não assume as responsabilidades da vida.
O segundo trabalho é de Rosa, Santos e Faleiros (2016) Opacidade das
fronteiras entre real e virtual na perspectiva dos usuários do Facebook, no qual
indagou-se sobre o real e o virtual, onde a existência do Ser se dá nos dois
âmbitos. Neste sentido, a pesquisa realizada no artigo se deu com dez pessoas
que fazem o uso da rede social, e proporcionou analisar “os sentidos e os
significados atribuídos pelos jovens usuários das redes sociais de internet aos
ambientes concebidos como real e virtual” (ROSA, SANTOS E FALEIROS, 2016,
p. 264).
O artigo cita também sobre a relação da pre-sença para HEIDEGGER
(1926/2012), onde se fortalece a visão dicotômica, entre real e virtual, deixando
claro que o conceito de pre-sença é essencial para o ser-no-mundo, sendo
maneiras de ser que se dá na facticidade das relações concretas. Desta forma, o
artigo aborda questões de subjetividade dos usuários e muito de como se alterou
as relações entre as pessoas, e o quanto isso influencia nos sentimentos e
realizações humanas dos usuários.
O terceiro artigo é de Silva, Teixeira e Freitas (2015) Ciberespaço: uma nova
configuração do ser no mundo, que estudou questões sobre como se deu o
ciberespaço, as características que demarcam o diferencial das relações como: a
ausência de tempo e espaço, a relação com o outro na ausência física e as
relações instantâneas. Apontou o ciberespaço como uma forma de socialização
humana onde, através de relações dialéticas, o ser apropria-se e age sobre este
espaço, interagindo e conhecendo diversos contextos globais.
Esse artigo abordou, principalmente, questões existenciais dos usuários das
redes sociais e deste ciberespaço criado, levando em consideração a solidão do
Ser. Mesmo que embora o mesmo esteja em um ciberespaço, de uma maneira
virtual, não significa que não esteja vivenciando a solidão. O artigo compreende

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que o homem criou o ciberespaço como uma forma de fugir de seu vazio em busca
de sua totalização. Ou seja, pode-se compreender também que essa criação de
um ciberespaço para uma fuga do vazio, também interfere em sua subjetividade,
bem como sua existência, visto a influência da vivência.
O quarto artigo, de Rosa e Santos (2015) Repercussões das redes sociais
na subjetividade de usuários: uma revisão crítica da literatura, analisou na
literatura quais as repercussões do fenômeno redes sociais na subjetividade dos 43
que navega na rede. Desta forma, o artigo apresentou a formação de grupos no
ciberespaço, interações virtuais que auxiliam na interação real. Abordou como o
Ser passa a se apresentar diante das redes sociais e de uma tentativa de
realização humana, ao colocar-se em exibição de gostos e estilos de vida.
Apontou que esse aspecto envolve a alienação do Ser de si mesmo, a ilusão
referente aos sentidos e os sentimentos que as vivências adquirem para os
sujeitos.
O artigo estudou várias questões relacionadas a subjetividade do Ser, e
sobre as relações nas redes sociais com sua vivência no “mundo real”. Outro
aspecto abordado foi a criação de uma identidade nas redes sociais, a exibição
do Ser. Entretanto, o artigo considerou que ainda há muito a ser estudado sobre
a temática, pois a literatura apresenta de forma limitada a principal questão: quais
as repercussões das redes sociais na subjetividade dos usuários.
Dos artigos estudados, em evidência, pode-se observar que há ainda muito
que refletir sobre a influência da Internet e das redes sociais na vida do Ser. Como
se dá a construção da sua subjetividade e suas necessidades humanas de acordo
com a contribuição da tecnologia das redes sociais.
Compreender o ser-no-mundo e o ser-com implica também em
compreender suas relações consigo mesmo e com o outro. Embora haja uma
discussão do que é mais benéfico ou mais maléfico em relação ao uso das redes
sociais, os artigos estudados deixam lacunas que dão espaços a permanência de
questionamentos e para novos estudos.
Gómez e González (2008) compreendem que as pessoas estabelecem com
as redes sociais uma relação subjetiva e emocional que possibilita a vivência de
mal-estar e frustração devido a produção de uma subjetividade contemporânea,
advinda da dinâmica tecnológica. Desta forma é considerado que haja um mal-
estar que acomete as pessoas, fazendo com que os indivíduos se comuniquem e

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compartilhem nas redes sociais com o objetivo de uma suposta tentativa de
realização das necessidades humanas.
Neste sentido, para os mesmos autores, o sentimento de realização de
necessidades humanas se torna uma celebração de algo superficial. Conectar-se
às redes sociais pode limitar as relações dos que nela navegam tornando-as
supérfluas. A frivolidade das relações leva o Ser ao decaimento, como Bauman
(2001) postula em seus conceitos de fluidez e de vida para consumo. 44

Ao analisar os aspectos do Dasein apresentado em Feijoo (2015) no livro


Psicoterapia fenomenológico-existencial, verifica-se que esse é a totalidade do
Ser que se coloca no mundo na cotidianidade imprópria e impessoal, sempre
como abertura para as possibilidades. Na possibilidade, o Ser pode voltar-se para
uma maneira autêntica ou inautêntica de existir. Na autenticidade se singulariza e
exerce sua liberdade a partir desse modo de existir. Na inautenticidade pode-se
revelar na impessoalidade. O que poderia então compreender que, o mal-estar
gerado nos indivíduos faz com que os mesmos busquem a realização das
necessidades humanas. Entretanto, essa busca pode também ser considerada
uma forma inautêntica, visto que o ente está aberto, também, às possibilidades
que o mundo julga o indivíduo a viver de determinada maneira, o que não significa
em totalidade como uma forma autêntica.
Para Feijoo (2015), no modo da impessoalidade e da inautenticidade, a
presença do Ser tem tendência ao fechamento. Sendo assim, sua abertura para
o mundo restringe suas possibilidades. Segundo a autora “Na duplicidade ente e
Ser, a presença pode esquecer-se do Ser e tornar ente. Perdido no ente, a
presença vive do modo como o mundo dita que deve viver”. (FEIJOO, 2015, p.
141). Portanto, à medida que o mundo dita o que deve ser vivido, pode-se
entender que o Ser passa a viver de maneira inautêntica, pois deixa de lado seu
ser autêntico para seguir o padrão que se pede pelo mundo.
Kierkegaard (1836-1961) citado por Angerami et al (2015, p. 142)
compreende o eu como o movimento do existir, ou seja, tal movimento se constitui
em relação consigo mesmo e com a relação que este vínculo estabelece com o
mundo. A medida em que o Ser se relaciona consigo mesmo, ele se relaciona
também com o mundo, e estando diante de um mundo virtual, o Ser passa a se
relacionar e a estabelecer vínculo com o mundo virtual. É possível considerar,
portanto, que a relação que o indivíduo tem com as redes sociais é também uma
forma de existir, pela qual esse movimento traz consigo coisas boas e ruins,

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considerando a possível influência que as redes sociais tem pelo Ser. O mesmo
acontece independente se a forma de existir seja virtualmente ou
presencialmente.
Silva, Teixeira e Freitas (2015) apontam que o homem lida com a solidão,
condição ontológica do Ser, tanto no ambiente virtual quanto nas relações face-a-
face. Portanto, ao se colocar a frente do computador, o indivíduo pode estar
buscando preencher o vazio advindo do sentir-se só, pois cabe a ele lidar com a 45
angustia da solidão. A rede social torna-se uma possibilidade existencial para
significar o mundo e as relações nele estabelecida.
Ou seja, a solidão como uma condição do Ser, é vivenciada independente
se o Ser está diante do computador ou se está com várias pessoas. O Ser passa
a lidar com ela da melhor maneira, e muitas vezes, o lidar com a solidão envolve
amenizar este sentimento estando inserido nas redes sociais, muitas vezes com
pessoas desconhecidas.
Santos e Nicarati (2006) apontam que a partir do momento que o Ser se
encontra sozinho com a sua subjetividade no mundo, ele começa a criar
possibilidades de ressignificações de valores pessoais e sociais. Neste sentido,
ele passa a ampliar sua consciência e, por consequência, a responsabilidade de
Ser um ser-no-mundo. É de maneira singular diante de um contexto social que o
Ser desenvolve a capacidade de se relacionar com o outro.
Para Rich (2013) em Vivendo esse mundo digital, não se deve nem abraçar
e nem evitar as mídias, mas sim usá-las conscientemente de maneira focada.
Segundo o autor, as mídias são essenciais, contudo há a possibilidade de se
tornarem prejudiciais dependendo de como são usadas.
Atualmente, é sabido que a tecnologia nos possibilitou facilidades que
antigamente eram inimagináveis, e uma delas, é a questão das relações e como
essas se modificaram. “Até pouco tempo, as relações sociais se restringiam ao
campo 'corpo presente', e hoje esse corpo se desloca, transcende a corporeidade
para fundar um plano virtual de encontros" (HONORATO, 2006, p. 32). Ou seja,
as pessoas estão conectadas de forma não presente fisicamente, mas através
das redes sociais. O contato em lócus, neste sentido não é necessariamente o
único meio pelo qual as pessoas se relacionam, o que modifica os fatores
psicossociais.

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Esta nova “realidade” devido ao contexto das redes sociais e, considerando
que o Dasein é um Ser de possibilidades, nos remete ao fato de que o ambiente
virtual se torna uma possibilidade de conhecer novas formas de Ser. Neste
sentido, na relação com o outro dentro de um ciberespaço, pode-se entender que
o Ser tem também a possibilidade de proximidade, mas também distanciamento
entre os seres. O que se torna um tanto quanto contraditório, pois, a medida em
que o Ser está conectado com inúmeras pessoas em seu ciberespaço, ao seu 46
redor ele pode estar solitário. Para Angerami (2007) o atrito com a solidão faz com
que o Ser busque por alternativas existenciais para que não se sinta
completamente solitário.
A existência do Ser é, para cada Ser uma forma subjetiva de lidar com a
vida presente. O que para alguns, estar inserido em uma rede social é uma forma
de manter contatos, para outros significa a necessidade de aprovação, a busca
por mais ‘curtidas’, a futilidade instalada com objetivo de ostentação. De certa
forma, a inautenticidade do Ser passa a tomar forma nesse sentido, pois, o Ser
passa a lidar com sua existência seguindo uma “exigência” que o
mundo/sociedade impõe. Isso leva a várias outras questões que poderiam ser
estudadas ao longo dos anos, e uma delas é: o Ser busca a aprovação do outro
através das redes sociais? Essas atitudes contemplam as necessidades
humanas? O ser inautêntico é sinônimo de satisfação, aprovação e felicidade?
Conforme a existência se dá, a construção da subjetividade do Ser também
vai tomando forma, e a tecnologia, as redes sociais, o real e virtual também
influenciam nessa construção. Entretanto, é preciso compreender e reconhecer
quando esse uso excessivo passa a se tornar um fator maléfico para o Ser,
fazendo com que o mesmo não se sinta bem e passe a viver de maneira
totalmente inautêntica.
“O exercício impessoal do cotidiano alivia o Dasein da responsabilidade
individual por suas decisões, uma vez que os julgamentos e escolhas são -
impessoalmente - prescritos” (ROEHE E DUTRA, 2014, p. 110). Ou seja, o Dasein
tira a responsabilidade de suas escolhas uma vez que o mundo dita como se deve
agir, e desta forma, a sua existência com suas ações passam a ser superficiais,
cheia de futilidade e muitas vezes inautênticas.
Embora o Dasein tome suas atitudes de acordo com que o
mundo/sociedade julgue ser o correto, ele e somente ele é o responsável por suas
atitudes e também responsável pelas consequências de suas atitudes. Desta

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forma, a partir de suas atitudes, o Ser passa a refletir no que é bom ou não para
ele mesmo, e desta forma, através desta reflexão e percepção ele passa a
aprender a lidar com suas limitações. Entretanto, quando não há essa percepção
de si, o Ser continua a viver de forma inautêntica, buscando a aprovação e a
realização de alguma necessidade.
Viver de forma inautêntica faz com que o Ser não se mostre como realmente
é, ou mesmo aja como realmente gostaria de agir. Muitas vezes a reflexão não 47
acontece devido à sua maneira inautêntica de existir; visto não estar incomodando
o próprio Ser. Sendo assim, se não o incomoda de fato, qual o sentido de mudar
seu jeito de existir? O mundo virtual é o espaço no qual se dá a inautenticidade
ou é um prolongamento da própria espacialidade do Ser?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao conhecermos de fato o que significa o Dasein, o ser-aí, o ser-com, é


possível refletir como se dá a existência do ser-aí diante das redes sociais e o
quanto ela influencia as escolhas e ações do Ser. O que nos leva a vários outros
questionamentos que demandam de muito estudo para serem respondidos
efetivamente.
Ainda não é possível afirmar que o Ser viva de forma completamente
inautêntica a partir das redes sociais, bem como, como não se pode afirmar
efetivamente que o uso das redes sociais seja inteiramente prejudicial em relação
a existência do Ser.
O fato é que, a solidão, o estar sozinho, e os sentimentos acontecem,
independente das redes sociais. O que muda é a forma como cada ser lida com
os sentimentos e as sensações. Sendo assim, estar em meio a milhões de
seguidores não significa efetivamente que esses milhões estão com o Ser, mas
pode significar que o Ser esteja de fato completamente sozinho.
O sentir-se só do Ser só é possível ter a percepção quando o Ser faz a
reflexão de sua existência e conclua que a forma como está existindo está
incomodando, e é a partir deste momento que o Ser começa a aprender a lidar, a
se perceber e a talvez mudar o que o incomoda. Portanto, envolve o
autoconhecimento, a percepção de si, de mundo e sua subjetividade.

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A tecnologia, as redes sociais possibilitam facilidade e praticidade, porém,
ao mesmo tempo faz com que a distância da presença dos Seres aumente ainda
mais, e cabe a cada ser resgatar o presencial, o toque, o olhar se de fato importa
para ele.
Buscar a aprovação das pessoas, compreender as dificuldades e limitações
do Ser, fazer do mundo virtual sua ferramenta de satisfação imediata, são fatores
que fazem com que o Ser se perca no mundo das possibilidades. Compreender o 48
modo de viver do Ser que está inserido neste ciberespaço ainda é algo novo que
se deve ser melhor explorado.
Os artigos estudados ainda deixam lacunas sobre esse modo de viver do
Ser. O que se compreende a partir das análises é que viver em um ciberespaço
não é algo prejudicial à medida que isso não se torne prioridade e o Ser passe a
esquecer de si, de sua autenticidade.

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As autoras declararam não haver qualquer potencial conflito de interesses


referente a este artigo.

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