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Como se deu a trajetória de

transformação do sistema
de saúde do Brasil de um
modelo iminentemente
ligado à saúde do
trabalhador para um
modelo universal?

1.1 INTRODUÇÃO
O Brasil é um país de dimensões continentais, com amplas
desigualdades regionais e sociais, e, ao longo da sua história, sofreu
grandes transformações políticas, econômicas, demográficas e
sociais. A Saúde nunca ocupou um lugar central na política brasilei-
ra, tanto na resolução dos problemas de saúde da população quanto
na destinação de recursos ao setor. A evolução histórica das políticas
de saúde está diretamente relacionada com a evolução política e
socioeconômica da sociedade brasileira.
Entende-se como sistema de saúde o “conjunto de relações
políticas, econômicas e institucionais responsáveis pela condução
dos processos referentes à saúde de uma dada população que se
concretizam em organizações, regras e serviços que visam alcançar
resultados condizentes com a concepção de saúde prevalecente na
sociedade”. Dentro desse contexto, as políticas de saúde podem ser
entendidas como o conjunto de decisões e compromissos definidos
pelo Estado para orientar o desenvolvimento de ações e estratégias
voltadas à melhoria da saúde.
A situação de saúde no Brasil é resultado de uma história que foi se
construindo, principalmente, em torno da questão da saúde do
trabalhador. A assistência médica no país traz, ainda hoje, forte
presença de uma herança previdenciária, que se caracteriza por
clientelismo, ineficiência, burocracia e não universalidade. Para ser
possível analisar a realidade de saúde atual, é necessário co-nhecer
os determinantes históricos envolvidos nesse processo.
1.2 BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE NO
BRASIL
1.2.1 De 1500 a 1889
Durante o período colonial (1500-1822), o Brasil não dispunha de
nenhum modelo de atenção à saúde da população. Alguns poucos
eram assistidos pelos doutores trazidos de Portugal, enquanto aos
nativos restavam os recursos naturais (plantas e ervas) e os
conhecimentos empíricos (curandeiros). A vinda da Família Real ao
Brasil (1808) criou a necessidade de organizar uma estrutura
sanitária mínima, de forma a dar suporte ao poder que se instalava
na cidade do Rio de Janeiro.
A história do Brasil Imperial tem início com a Proclamação da
Independência, em 1822, e termina com a Proclamação da República,
em 1889. Durante esse período, as ações de saúde limitavam-se ao
controle sanitário mínimo, delegado às Juntas Municipais, e ao
controle de navios e saúde dos portos. Devido à organização política,
unitária e centralizada, não havia eficiência na transmissão e
execução a distância das determinações emanadas dos comandos
centrais.
As necessidades da Corte forçaram a criação das duas primeiras
escolas de Medicina do país: o Colégio Médico-Cirúrgico, no Real
Hospital Militar da Cidade de Salvador, e a Escola de Cirurgia do Rio
de Janeiro, únicas medidas governamentais até a República.
1.2.2 De 1889 a 1920
A falta de um modelo sanitário ocasionou um quadro de saúde
caótico, caracterizado pela presença de diversas doenças, como
varíola, malária, febre amarela e, posteriormente, peste. Tal cenário
gerou consequências para a saúde coletiva, mas também para o
comércio exterior, pois os navios estrangeiros não queriam atracar
no porto do Rio de Janeiro. A saúde emergiu como efetiva prioridade
do governo no começo do século XX, com as ações de saúde
concentradas no eixo agrário-exportador e administrativo (Rio de
Janeiro e São Paulo).
Na década de 1900, Oswaldo Cruz foi nomeado Diretor Geral de
Saúde Pública (cujas principais ações estão sumarizadas na tabela 1)
e propôs erradicar a epidemia da febre amarela por meio de um
modelo de intervenção de desinfecção, conhecido como campa-
nhista, em que o uso da força e autoridade pelos “guardas-
sanitários” era considerado o instrumento preferencial de ação. Em
1904, Oswaldo Cruz instituiu, por meio de Lei Federal, a vacinação
antivaríola obrigatória em todo o território nacional, o que agra-vou
a onda de insatisfação social causada pela intervenção campanhista
e levou a um grande movimento de revolta, conhecido como a
Revolta da Vacina.
O modelo campanhista tornou-se hegemônico como proposta de
intervenção na área da saúde coletiva, visto que foi eficiente no
controle das doenças epidêmicas, conseguindo erradicar a febre
amarela na cidade do Rio de Janeiro. As políticas sanitárias eram
desenvolvidas para a erradicação das doenças portuárias e ligadas
diretamente à economia agroexportadora; dessa forma, Oswaldo
Cruz obteve o apoio do governo para as ações de controle da febre
amarela, peste bubônica e varíola, porém não conseguiu sensibi-
lizar a classe política quanto à necessidade de maior intervenção
estatal na tuberculose.
Em 1908, o Instituto Soroterápico Federal foi rebatizado como
Instituto Oswaldo Cruz, e com a morte de Oswaldo Cruz, em 1917,
Carlos Chagas assumiu sua direção.
Em 1916, a Fundação Rockefeller chegou ao Brasil, e, em 1923,
estabeleceu convênio com o governo brasileiro para cooperação
médico-sanitária e programas de erradicação de endemias, tendo
como foco principal a febre amarela e, em seguida, a malária. Em
1937, foi inaugurado o Laboratório do Serviço Especial de Profilaxia
da Febre Amarela pela Fundação Rockefeller, dentro do Instituto
Oswaldo Cruz, e a vacina contra a febre amarela foi utilizada pela
primeira vez no Brasil. Desde então, a vacina é produzida pela
Fundação Oswaldo Cruz, atualmente responsável por 80% da
produção mundial desse imunizante.
Quadro 1.1 - Ações de saúde incorporadas na organização da Diretoria Geral de Saúde
Pública

De modo geral, durante esse período, a assistência à saúde


restringia-se às situações de epidemia e aos casos de especial
interesse para o controle das condições de saúde pública no eixo
central da economia, praticamente sem capacidade de atuação na
assistên-cia individual à saúde. Dessa forma, a assistência médico-
hospitalar dependia, em maior parte, de entidades beneficentes e
filan-trópicas e das diversas mutualidades a que se filiavam os
grupos de imigrantes. As sociedades de socorro mútuo foram criadas
em meados do século XIX e são consideradas precursoras dos
movimentos operários do século seguinte, que proporcionaram aos
tra-balhadores maiores coesão e condições de enfrentamento diante
dos interesses da classe dominante.
No período de 1889 a 1920, a assistência pública
à saúde estava restrita às situações de
epidemia, sem ações direcionadas à assistência
individual à saúde.

1.2.3 De 1920 a 1930


A partir de 1921, o modelo campanhista foi inovado por Carlos
Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz, por meio da introdução da pro-
paganda e educação sanitária na técnica rotineira de ação. Foram
criados órgãos especializados na luta contra tuberculose, hanse-
níase e doenças venéreas, e as assistências hospitalar e infantil e a
higiene industrial se destacaram como problemas individuali-zados.
Além disso, as atividades de saneamento se expandiram para outros
estados, além do eixo central.
Em 1923, foi aprovada a Lei Eloy Chaves, marco inicial da
Previdência Social no Brasil. Por meio dela, foram instituídas as
Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) para os empregados de
cada empresa ferroviária. As CAPs proviam pensões, aposentadorias,
servi-ços funerários e serviços médicos aos operários afiliados, mas
sua criação não era automática, dependendo do poder de mobiliza-
ção e organização dos trabalhadores. A administração só poderia ser
realizada pela empresa e contava com um conselho composto por
representantes dos empregados e empregadores.
A Lei Eloy Chaves foi o marco inicial da
Previdência Social no Brasil, pois foram criadas
as CAPs, que pro-viam pensões, aposentadorias,
serviços funerários e serviços médicos aos
trabalhadores afiliados.

O Estado não participava do custeio das Caixas, as quais eram


mantidas pelos empregados (3% dos respectivos vencimentos), pela
empresa (1% da renda bruta) e pelos consumidores dos serviços. As
próprias empresas recolhiam mensalmente as contribuições de
todas as fontes de receita e as depositavam na conta bancária de sua
CAP. O financiamento das CAPs não era suficiente para cons-truir
serviços de saúde (como hospitais e ambulatórios) e municiá-los
com equipamentos e recursos humanos; dessa forma, elas passaram
a contratar serviços de saúde privados, pontapé para a privatização
da saúde no Brasil.
1.2.4 De 1930 a 1945
A partir de 1930, com a depressão econômica mundial e a crise nos
setores associados à exportação do café, o governo brasileiro passou
a dar maior prioridade e incentivo à indústria. No plano social, esse
período caracterizou-se por mudanças importantes introduzidas
pelo governo de Getúlio Vargas (1930-1945), como a consolidação da
legislação trabalhista e a estatização da Previ-dência Social. Os
benefícios previdenciários foram, então, estendidos a todas as
categorias do operariado urbano. Dessa forma, em substituição ao
sistema fragmentário das CAPs, foram fundados os Institutos de
Aposentadoria e Pensão (IAPs).
Nesses institutos, os trabalhadores eram organizados por categoria
profissional, e não por empresa. O Estado passou a ter o con-trole
administrativo dos Institutos, que ainda eram custeados por meio de
contribuições obrigatórias por parte de empregadores e empregados.
Os IAPs foram criados de acordo com a capacidade de organização,
mobilização e importância da categoria profissio-nal, logo os
benefícios e serviços prestados eram diferenciados por categoria. O
primeiro Instituto criado foi o IAPM (Marítimos), em 1933, seguido
pelo IAPC (Comerciários) e o IAPB (Bancários), em 1934, entre
outros.
Os IAPs prestavam serviços e benefícios apenas aos trabalhadores
registrados em carteira. A presença direta do Estado na adminis-
tração dos IAPs contribuiu para cristalizar o perfil centralizador,
burocrático e ineficiente da política previdenciária brasileira, na
medida em que os trabalhadores não tinham mais controle sobre
essas instituições. Apesar de a centralização da gestão estar nas
mãos do Estado, o financiamento, a distribuição e a prestação dos
serviços não estavam, de modo que esses serviços também eram
oferecidos por instituições privadas.
As CAPs foram substituídas, nos anos de 1930 a
1940, pelos IAPs. Os benefícios previdenciários
estendi-am-se a todos os trabalhadores urbanos
registrados em carteira.

1.2.5 De 1945 a 1960


No período entre 1945 e 1964, o Brasil viveu uma fase de
instabilidade democrática, em que muitas das estruturas
corporativistas permaneceram intactas, especialmente no campo
das relações de trabalho. As disparidades normativas entre os IAPs
contribuíram para que surgissem reivindicações em favor de um
sistema de previdência unificado e menos desigual, politizando-se,
assim, a questão previdenciária. O Estado defendia a permanência do
clientelismo e do controle administrativo estatal, enquanto os
traba-lhadores urbanos assalariados, principais financiadores e
beneficiados dos IAPs, reivindicavam seu controle administrativo.
Na assistência à saúde, a maior inovação aconteceu em 1949, quando
foi criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Ur-gência
(SAMDU), mantido por todos os Institutos e as Caixas
remanescentes.
A importância histórica do Serviço de Assistência Médica Domiciliar
de Urgência está na criação do atendimento médico domiciliar no
setor público, financiamento consorciado entre todos os IAPs, e,
ainda, na instauração do atendimento universal, mesmo que
limitado aos casos de urgência.
A partir da segunda metade da década de 1950, com o maior
desenvolvimento industrial, a aceleração da urbanização e o assala-
riamento de parcelas crescentes da população, ocorreu maior
pressão pela assistência médica via Institutos, viabilizando o cresci-
mento de um complexo médico-hospitalar para prestar atendimento
aos previdenciários, no qual se privilegiava a contratação de serviços
de terceiros.
Nesse contexto, sob forte pressão dos trabalhadores, a Lei Orgânica
da Previdência Social (LOPS) foi criada em 1960, propondo a
uniformização dos benefícios prestados pelos IAPs e a
responsabilidade da Previdência Social pela assistência médica
individual de seus beneficiários, representando, porém, a maturação
de um ciclo que reafirmou a participação reduzida dos trabalhadores
na gerência e no controle dos IAPs.
1.2.6 De 1960 a 1980
Com a instauração do governo militar, em 1964, foram realizadas as
principais reformas econômicas e institucionais, a partir de uma
perspectiva centralizadora. O regime militar era extremamente
ditatorial e repressivo e, como estratégia, utilizou o sistema
previdenciário para conquistar o apoio social e a sua legitimação.
Como os IAPs eram limitados às categorias profissionais mais
mobilizadas e organizadas, o governo militar garantiu, então, os
benefícios da Previdência Social para todos os trabalhadores urba-
nos e seus dependentes.
Dessa forma, os IAPs foram unificados no Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS), que incorporou todos os benefícios já
instituídos, inclusive a assistência médico-hospitalar. Considerando
que todo trabalhador urbano com carteira assinada era automa-
ticamente contribuinte e beneficiário do novo sistema
previdenciário, foi grande o volume de recursos financeiros
capitalizados. O aumento da base de contribuição, aliado ao
crescimento econômico da década de 1970 (o chamado Milagre
Econômico) e ao pe-queno percentual de pagamento de
aposentadorias e pensões em relação ao total de contribuintes, fez
que o sistema acumulasse um grande volume de recursos
financeiros.
Diante disso, o governo militar decidiu alocar os recursos públicos
para atender à necessidade de ampliação do sistema médico,
direcionando os recursos para a iniciativa privada, com o objetivo de
conquistar o apoio de setores importantes e influentes dentro da
sociedade e da economia. Dessa forma, foram estabelecidos
convênios e contratos com a maioria dos médicos e hospitais exis-
tentes no país, pagando-se pelos serviços produzidos e formando
um sistema médico-industrial. Esse sistema, dentro da estrutura do
INPS, foi se tornando cada vez mais complexo, tanto do ponto de
vista administrativo quanto do financeiro, o que levou à criação, em
1978, de uma estrutura administrativa própria, o Instituto Nacional
de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS).
Cabe lembrar que, naquele período, os pagamentos eram realizados
por serviços prestados, o que facilitava as fraudes.
Entre as décadas de 1960 e 1980, foi criado o
INPS, em substituição aos IAPs, incluindo a
assistência mé-dico-hospitalar aos demais
benefícios já instituídos.

Somente na década de 1970 é que algumas categorias profissionais


conseguiram se tornar beneficiárias do sistema previdenciário,
como os trabalhadores rurais, com a criação do Programa de
Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), que destinava fundos
específicos para a manutenção do Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural (FUNRURAL). Além disso, em 1974, o sistema
previ-denciário saiu da área do Ministério do Trabalho para se
consolidar como um ministério próprio, o Ministério da Previdência
e As-sistência Social, e juntamente a ele foi criado o Fundo de Apoio
ao Desenvolvimento Social (FAS), que permitiu a remodelação e
ampliação de hospitais da rede privada, levando a um crescimento
próximo de 500% no número de leitos hospitalares privados. Em
1975, foi instituído o Sistema Nacional de Saúde, que estabelecia de
forma sistemática o campo de ação na área de saúde, dos setores
públicos e privados, para o desenvolvimento das atividades de
promoção, proteção e recuperação da saúde. O documento
reconhecia e oficializava a dicotomia da questão da saúde, afirmando
que a Medicina Curativa seria de competência do Ministério da
Previdência, e a Medicina Preventiva, de responsabilidade do
Ministério da Saúde, criado em 1953.
Em 1975, porém, o modelo econômico implantado pela ditadura
militar entrou em crise, acompanhando a crise do capitalismo em
nível internacional. A população com baixos salários, contidos pela
política econômica e pela repressão, passou a conviver com o
desemprego e as suas graves consequências sociais e de saúde. Dessa
forma, o modelo de saúde previdenciário começou a mostrar suas
mazelas:
a) Incapacidade de atender uma população cada vez maior de
marginalizados (sem carteira assinada e contribuição previdenciá-ria);
b) Aumento constante dos custos da Medicina Curativa;
c) Desvios de verba do sistema previdenciário para cobrir despesas de
outros setores e realização de obras por parte do Governo Federal;
d) Sistema de arrecadação dependente do número de contribuintes.

Assim, devido à escassez de recursos para a sua manutenção, ao


aumento dos custos operacionais e ao descrédito social em resol-ver
a agenda da saúde, o modelo de saúde proposto entrou em crise.
1.2.7 De 1980 a 1990
Na tentativa de conter os custos e combater as fraudes, o governo
criou, em 1981, o Conselho Consultivo de Administração da Saúde
Previdenciária (CONASP), ligado ao INAMPS.
Durante a segunda metade da década de 1970, devido à crise
econômica e social, surgiu o Movimento Sanitário, o qual se
constituiu em um movimento de reformulação das concepções e
práticas de saúde no Brasil, envolvendo diversos segmentos da
sociedade civil, como profissionais, estudantes, professores e
pesquisadores do campo da saúde, movimentos sociais, sindicatos e
outros. Foi responsável por construir as ideias do direito de todos à
saúde, do dever do Estado em provê-la, do acesso universal e
democrático a serviços e políticas de saúde, da saúde como algo que
está além da ausência de doença e dos serviços médico e
hospitalares, e, ainda, a proposta do Sistema Único de Saúde.
Portanto, algumas de suas contribuições para a saúde do País,
foram: 1 – formulação de uma concepção ampliada de saúde, 2 – a
proposição da saúde como direito de todos e dever do Estado, e 3 -
proposta do SUS como sistema nacional de saúde.
O Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) foi fundado em
1976, organizando o movimento da Reforma Sanitária, e, em 1979,
formou-se a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva (ABRASCO). Ambas propiciaram a base institucional para
alavancar a Reforma Sanitária. O movimento também foi
influenciado por movimentos e intelectuais de outros países, como
Gio-vanni Berlinguer, um dos sanitaristas e bioeticistas mais
respeitados do mundo. No Brasil, além do Cebes e ABRASCO, o
sanitarista Mário Magalhães da Silveira teve destaque na liderança
do movimento sanitário.
Na década de 1980, a crise econômica se aprofundou
consideravelmente. O governo precisou criar meios para controlar os
gastos públicos em geral, inclusive no setor da saúde. Para obter
maior controle sobre as internações, foi criada a Autorização de
Interna-ção Hospitalar (AIH). Dessa forma, para cada paciente
internado era emitida uma AIH, mediante a qual a internação seria
paga ao hospital. Com essa estratégia, o governo eliminou o repasse
de verbas às internações escritas (controle sobre o setor privado), e
os hospitais passaram a reter o paciente no hospital o menor tempo
possível, pois era necessário liberar leitos para internar mais
pessoas e, consequentemente, emitir mais AIHs.
Outra estratégia foi a transferência de atribuições e encargos da
esfera federal aos estados e municípios. Com a criação das Ações
Integradas de Saúde (AISs), algumas responsabilidades em saúde
foram repassadas diretamente da Federação aos estados e muni-
cípios, que se tornaram responsáveis pelo atendimento médico
individual da população previdenciária, representando os primeiros
passos em direção à descentralização. Em 1985, esgotado o regime
autoritário, a Nova República expandiu consideravelmente as AISs,
que se tornaram parte do programa de governo do presidente
Tancredo Neves.
Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, considerada o
momento apical da Reforma Sanitária Brasileira, aprovou o conceito
da saúde como um direito do cidadão e delineou os fundamentos do
Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDS), com base no
desenvolvimento de várias estratégias que permitiram a
coordenação, a integração e a transferência de recursos entre as
institui-ções de saúde federais, estaduais e municipais. Essas
mudanças administrativas estabeleceram os alicerces para a
construção do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.
Esses fatos ocorreram de forma concomitante à eleição da
Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, e à promulgação da
nova Constituição em 1988. Com base nas propostas da 8ª
Conferência Nacional de Saúde, a Constituição de 1988 estabeleceu,
pela primeira vez de forma relevante, uma seção sobre a saúde
contendo os artigos 196 a 200. O texto constitucional, no Art. 196,
define que: “Saúde é um direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde”.
O SUS, por sua vez, é concebido e definido no Art. 198, que diz: “As
ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada
e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, integralidade e
participação social”.
Com o advento do SUS, previsto na Constituição de 1988, ocorreu a
definição da participação livre à iniciativa privada, de forma
complementar, na execução de serviços de saúde no Brasil. No
entanto, esse setor somente foi regulamentado 10 anos após, com a
lei 9.656 de 3 de julho de 1998 (leia mais no capítulo Sistema de
saúde suplementar – Agência Nacional de Saúde Suplementar).
As reformas contemporâneas dos sistemas de saúde induziram um
gasto crescente universal, público e privado. O aumento dos gastos
no setor privado, ocasionado pela falta de equidade e efetividade
vigente no sistema público de diversos países, criou uma anomalia
(disparidades de atenção), levando o sistema de saúde a rever o
modelo e retornar à discussão do SUS como modelo ideal e único.
Apesar de o SUS ter sido definido pela Constituição, somente foi
regulamentado em 1990, por meio das Leis 8.080 e 8.142 (Leis
Orgânicas). Essas leis definem o modelo operacional do SUS,
propondo a sua forma de organização, funcionamento e finan-
ciamento. O SUS e suas legislações serão aprofundados nos próximos
capítulos.
Como se deu a trajetória de
transformação do sistema
de saúde do Brasil de um
modelo iminentemente
ligado à saúde do
trabalhador para um
modelo universal?
No Brasil Colonial e imperial, as ações de saúde eram
incipientes e voltadas ao controle dos portos. De 1889 a
1920, a assistência à saúde, em termos populacionais,
restringiu-se às situações de epidemia, sem ações públicas
direcionadas à assistência individual à saúde. Esse
panorama só foi modificado nas décadas de 1920 e 1930,
quando foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensão
(CAPs), que proviam pensões, aposentadorias, serviços
funerários e serviços médicos aos trabalhadores afiliados.
As CAPs foram substituídas, nos anos entre 1930 e 1940,
pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), e os
benefícios previdenciários foram estendidos a todos os
trabalhadores urbanos registrados em car-teira,
excluindo-se, portanto, os trabalhadores rurais e os
informais. Entre as décadas de 1960 e 1980, foi criado o
Insti-tuto Nacional de Previdência Social (INPS), em
substituição aos IAPs, incluindo a assistência médico-
hospitalar aos demais benefícios já instituídos. Foi nesse
período, também, que os trabalhadores rurais conseguiram
se tornar beneficiários do sistema previdenciário, por meio
da criação do Programa de Assistência ao Trabalhador
Rural (PRORURAL). Em 1986, foi aprovado o conceito de
saúde como um direito do cidadão, na 8ª Conferência
Nacional de Saúde, que também delineou os fundamentos
do Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDS). Essas
mudanças serviram de alicerce para a criação do SUS e
trouxeram o arcabouço social que justifica a relevância de
um sistema de saúde universal, integral e equânime.
Como é organizado e
financiado o sistema de
saúde brasileiro?

2.1 O QUE É O SUS?


O Sistema Único de Saúde (SUS) é a formulação política e
organizacional dos serviços e das ações de saúde no Brasil,
estabelecida pela Constituição de 1988. É um sistema único, visto
que segue a mesma doutrina e os mesmos princípios organizativos
em todo o território nacional, com vistas à promoção, proteção e
recuperação da saúde.
2.1.1 Histórico
Antes da Constituição de 1988, o acesso aos principais serviços de
saúde públicos restringia-se aos trabalhadores formais que pagavam
a previdência, cuja assistência ficava a cargo do Ministério da
Previdência Social (INAMPS). A organização da saúde era
fragmentada e centralizada, ou seja, gerida pelo Governo Federal e
apenas executada pelos municípios, independentemente das
diferentes demandas de saúde, sem levar em consideração as
distintas características populacionais e culturais das regiões do
país. Além disso, havia uma baixa cobertura assistencial, com
dificuldades de acesso a consultas e procedimentos. Quem não tinha
vínculo com o INAMPS tinha 2 alternativas: procurar os serviços
privados ou esperar atendimento nas Santas Casas e hospitais
filantrópicos. O financiamento era essencialmente por produção
(sem se importar com o perfil do usuário ou com o desfecho de saúde
populacional), e a atenção à saúde era feita predominantemente nos
hospitais, sendo o foco essencialmente curativo, sem um vínculo
preventivo ao longo do tempo.
Neste contexto, no Brasil e no mundo, a partir dos anos 1980, os
movimentos de reforma sanitária eram muito fortes, com o objetivo
de modificar a organização e o conceito de saúde. Em 1986, na 8ª
Conferência Nacional de Saúde em Brasília, a Reforma Sanitária
Brasileira atinge seu momento apical, quando discutiu a crise da
saúde e os novos rumos para ela com diferentes segmentos da
sociedade brasileira, tais como profissionais, estudantes e entidades
da área da saúde, movimentos e instituições sociais, sindicatos,
lideranças políticas e pessoas de diferentes classes e segmentos
sociais. Nesse momento, consolidam-se as ideias que viriam a ser a
base do texto constitucional (artigos 196 a 200) da Constituição de
1988. Definiu-se o conceito de que saúde é um direito do cidadão,
formando as primeiras ideias de um sistema único, público e
integrado com mobilização social. Todos os conceitos relacionados à
unificação do serviço de saúde foram influenciados pelos resultados
dessa conferência. A seguir, os artigos da Constituição de 1988:
1. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
2. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser
feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física
ou jurídica de direito privado.
3. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,
organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização,
com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral,
com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos
serviços assistenciais; e, participação da comunidade.
4. Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
5. Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras
atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos,
produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da
produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância
sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III -
ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV -
participar da formulação da política e da execução das ações de
saneamento básico; V - incrementar, em sua área de atuação, o
desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; VI - fiscalizar e
inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional,
bem como bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do
controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de
substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; e VIII -
colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
trabalho.

A construção do SUS norteia-se por princípios doutrinários (sua


filosofia ou estrutura ética) e princípios organizacionais, que
explicam como o sistema deve ser ordenado.
2.1.2 Princípios doutrinários
2.1.2.1 Universalidade

Universalidade é a garantia de acesso à saúde a todo e qualquer


cidadão brasileiro, independentemente de situação laboral,
financeira ou social. Ou seja, qualquer indivíduo tem o direito de ter
acesso a todos os serviços públicos de saúde do SUS, bem como aos
serviços privados conveniados por ele. Esse princípio é um dos mais
importantes porque rompe com a ideia antiga de que apenas quem
contribuía com a previdência podia receber atenção do sistema
público de saúde.
2.1.2.2 Equidade

Por definição, equidade é a característica de algo ou alguém que


revele senso de justiça, imparcialidade, isenção e neutralidade; é a
disposição de reconhecer a imparcialidade do direito de cada
indivíduo.
Quando falamos que um sistema é equânime, queremos dizer que ele
assegura a prioridade das ações e dos serviços de saúde para quem
mais tem necessidade.
Um sistema com equidade dá tratamento desigual aos desiguais, ou
seja, há uma discriminação positiva que tenha como objetivo
minimizar as disparidades entre os usuários.
Um bom exemplo de equidade é quando priorizamos o agendamento
de uma consulta com o oftalmologista para um paciente com
suspeita de glaucoma, em relação a um paciente que precisa de uma
consulta para troca de lentes. Ambos receberão o atendimento, mas
o serviço de saúde investirá mais em quem mais precisa.
2.1.2.3 Integralidade

Traz o conceito de que o homem é um ser integral e biopsicossocial,


portanto deverá ser atendido em sua integralidade por um sistema
de saúde também integral, voltado à promoção, à proteção e
prevenção e à recuperação da sua saúde.
1. São exemplos de promoção à saúde: campanhas de
conscientização, educação, aconselhamentos;
2. São exemplos de proteção e prevenção à saúde: vigilância
epidemiológica (informações), vigilância sanitária (qualidade dos
serviços, meio ambiente e produtos), vacinações, saneamento básico,
exames médicos e odontológicos periódicos;
3. São exemplos de recuperação da saúde: atendimento médico,
tratamento de urgência e emergência, limitação da invalidez e
reabilitação.

A integralidade garante que o usuário do SUS receba todo tipo de


atendimento que precisar em todos os níveis de atenção (primário,
secundário e terciário), e não apenas os procedimentos curativos,
pois o tratamento integral também engloba a prevenção e a
promoção à saúde.
Saber identificar os 3 princípios doutrinários (ou
éticos) do SUS é um raciocínio bastante exigido
em concursos médicos, então vamos lembrar:
Universalidade, Equidade e Integralidade.

2.1.3 Princípios organizacionais

A regionalização e a hierarquização propõem a


organização dos serviços de saúde em níveis de
complexidade crescente (primário, secundário e
terciário) e com definição da população a ser
atendida.

1. Regionalização: o Brasil é um país continental e possui perfis


epidemiológicos bastante diferentes. Para tanto, o SUS deve se
adaptar e estar organizado diferentemente em cada região de um
determinado estado ou cidade. Dessa forma, o serviço de saúde
delimita as comunidades onde vai atuar, assim fortalecendo a
autonomia para definir suas prioridades. A regionalização dos
serviços implica a delimitação de uma base territorial para o sistema
de saúde, que leva em conta a divisão político-administrativa do
país, mas também contempla a delimitação de espaços territoriais
específicos para a organização das ações de saúde, subdivisões ou
agregações do espaço político-administrativo;
2. Hierarquização: os serviços devem ser organizados e
hierarquizados em 3 níveis de complexidade crescente: atenções
primária (ou básica), secundária e terciária. A porta de entrada do
serviço de saúde deve ser a atenção primária (onde se devem resolver
pelo menos 85% dos problemas de saúde de uma população). Ao
passo que o paciente necessita de recursos mais complexos para seu
problema ser resolvido, ele deve ser encaminhado para a atenção
secundária (centros ambulatoriais de especialidades, unidades de
pronto atendimento) ou para a atenção terciária (hospitais de alta
complexidade). A hierarquização estabelece uma rede que articula as
unidades mais simples até as unidades mais complexas, por meio de
um sistema de referência e contrarreferência de usuários e
informações;
3. Implicações da regionalização e da hierarquização: maior
conhecimento dos problemas de saúde da população da área
delimitada, favorecendo ações de vigilância epidemiológica e
sanitária, controle de vetores, educação em saúde, além de atenção
ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade;
Figura 2.1 - Níveis de atenção à saúde

Fonte: adaptado de Rede de atenção à saúde à pessoa amputada, 2014.

4. Resolubilidade: os serviços devem estar capacitados para


enfrentar e resolver os problemas de saúde, individuais ou de
impacto coletivo, até o nível de sua competência;
5. Descentralização: é a redistribuição das responsabilidades entre
os vários níveis de governo (municipal, estadual e federal) quanto às
ações e aos serviços de saúde, com base na ideia de que, quanto mais
perto do fato a decisão for tomada, maior será a chance de acerto. A
descentralização reforça o poder municipal no processo de gestão da
saúde. Essa transferência de responsabilidades de cada nível diz
respeito não apenas à condução político-administrativa do sistema
de saúde em seu respectivo território (nacional, estadual,
municipal), mas também com a transferência de recursos
financeiros, humanos e materiais para o controle das instâncias
governamentais correspondentes;
6. Implicações da descentralização: reforço do poder municipal
(municipalização da saúde) – municípios têm a maior
responsabilidade na promoção das ações de saúde;
7. Participação social: entende que a população, por meio de
entidades representativas, deve participar do processo de
formulação das políticas públicas de saúde e do controle da sua
execução em todos os níveis de governo;
8. Implicações da participação social: participação social nos
Conselhos de Saúde (representação paritária de usuários, governo,
profissionais de saúde e prestadores de serviços) e nas Conferências
de Saúde (definição de prioridades e linhas de ação sobre a saúde);
9. Complementaridade do setor privado: o SUS deve contratar os
serviços privados quando os públicos forem insuficientes. A
contratação deve acontecer sob 3 condições:
a) Por celebração de contrato, conforme as normas de direito público;
b) A instituição privada contratada deve estar de acordo com os
princípios e as normas técnicas do SUS;
c) Os serviços privados devem seguir a lógica organizativa do SUS em
termos de posição definida em uma rede regionalizada e
hierarquizada.

#IMPORTANTE
Com a descentralização, ocorreu transferência
maior de responsabilidade aos municípios na
gestão da saúde da população.
Dentre os serviços privados, devem ter preferência os não lucrativos
(hospitais filantrópicos e Santas Casas), conforme determina a
Constituição. Assim, cada gestor deve planejar primeiramente o
setor público e, na sequência, complementar a rede assistencial com
o setor privado, com os mesmos conceitos de regionalização,
hierarquização e universalização.
#IMPORTANTE
Atualmente, no SUS, o predomínio do
financiamento é feito pelo setor público,
entretanto o predomínio da prestação de
serviços é feito pelo setor privado.

2.1.4 Gestão
Trata-se das entidades encarregadas de fazerem com que o SUS seja
implantado e funcione adequadamente dentro das doutrinas e da
lógica organizacional e seja operacionalizado dentro dos princípios.
Há gestores nas 3 esferas, conforme o Quadro 2.1.
Quadro 2.1 - Gestores do Sistema Único de Saúde
A estrutura gestora do SUS é composta por vários tomadores de
decisão, no âmbito do Estado e da Sociedade Civil. Envolve nas três
esferas federativas, além dos órgãos executivos mencionados
anteriormente, os conselhos de saúde (conselhos municipais,
estaduais e nacional) e os comitês intergestores (comitê intergestor
tripartite, no âmbito nacional, comitês intergestores bipartite, no
âmbito dos estados, e comitês intergestores regionais, no âmbito das
regiões de saúde). Com isso, pode-se afirmar que o SUS estabelece
uma gestão compartilhada e participativa.
2.1.5 Financiamento
O investimento e o custeio do SUS são feitos com recursos das 3
esferas de governo. Os recursos financeiros do SUS estão em uma
conta especial, ou seja, um fundo único para os gastos em saúde
chamado Fundo Nacional de Saúde, cujo montante provém
principalmente da Seguridade Social e de outros recursos da União,
constantes da Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada anualmente
pelo Congresso Nacional.
Dentre os recursos federais destinados ao custeio da Seguridade
Social e, portanto, para a saúde, destacam-se, além dos recursos
ordinários, as chamadas Contribuições Sociais, sendo as principais a
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e
a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Outros recursos
incluem 45% do DPVAT e outras receitas e créditos. A Tabela 2.1
mostra o percentual das fontes de financiamento do Ministério da
Saúde entre 1996 e 2015.
Tabela 2.1 - Percentual das fontes de Financiamento do Ministério da Saúde
Fonte: Sistema de saúde no Brasil: organização e financiamento, 2016.

O financiamento do SUS é feito com recursos


das 3 esferas de governo, e os recursos federais
são provenientes do Fundo Nacional de Saúde,
que recebe quantias do INSS, do PIS, da COFINS
e da CSLL.

Os recursos, geridos pelo Ministério da Saúde, são divididos em 2


partes: uma é retida (para o investimento e custeio das ações
federais), e outra é repassada às Secretarias de Saúde, Estaduais e
Municipais, de acordo com critérios que devem considerar as
necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica,
demográfica, socioeconômica, espacial e a capacidade de oferta de
ações e de serviços de saúde. Entre 2007 e 2017, os repasses ocorriam
dentro dos chamados blocos de financiamento, tendo uma conta
corrente vinculada a cada um deles, sendo 5 blocos de custeio
(atenção básica, média e alta complexidade ambulatorial e
hospitalar, assistência farmacêutica, vigilância em saúde e gestão do
SUS) e 1 bloco de Investimento. A portaria 3.992, publicada em 28 de
dezembro de 2017, redefiniu a forma de transferência que passa a
ocorrer através de apenas 2 blocos, 1 de custeio e 1 de investimento.
Os recursos da esfera federal destinados às vigilâncias sanitária e
epidemiológica configuram o Teto Financeiro da Vigilância Sanitária
(TFVS) e o Teto Financeiro de Epidemiologia e Controle de Doenças
(TFECD). O custeio de seus valores pode ser transferido fundo a
fundo, de forma regular e automática, ou pago diretamente pela
execução de ações de média e alta complexidades.
1. Transferência fundo a fundo: Transferência de valores diretamente
do Fundo Nacional de Saúde aos fundos estaduais e municipais. O
Piso Básico de Vigilância Sanitária (PBVS) consiste em um montante
de recursos financeiros destinado ao custeio de procedimentos e
ações básicas das vigilâncias sanitária e epidemiológica, de
responsabilidade tipicamente municipal. Esse piso é definido pela
multiplicação de um valor per capita nacional pela população de cada
município, fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), transferido, regular e automaticamente, ao fundo de saúde ou
conta especial dos municípios e, transitoriamente, dos estados;
2. Remuneração por serviços produzidos: Pagamento direto às
Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde pela execução de ações
de média e alta complexidades contra a apresentação de
demonstrativo de atividades realizadas ao Ministério da Saúde. Essas
ações e o valor de sua remuneração são definidos e formalizados em
portaria do órgão competente do Ministério (Secretaria de Vigilância
Sanitária – SVS/MS), previamente aprovados no Conselho Nacional de
Saúde.

Em cada estado, os recursos repassados pelo Ministério da Saúde são


somados aos alocados pelo próprio governo estadual, advindos da
cobrança dos seus tributos. Desse montante, uma parte fica retida
para o custeio de ações e serviços estaduais, enquanto a outra parte é
repassada aos municípios, de acordo também com critérios
específicos.
Os municípios gerem os recursos federais repassados e os seus
próprios recursos alocados para o investimento e custeio das ações
de saúde de âmbito municipal. Todos os recursos são administrados
por meio de Fundos de Saúde (nacional, estadual ou municipal), de
forma a assegurar que sejam geridos pelo setor de Saúde (e não pelas
Secretarias da Fazenda), garantindo, assim, o acesso do setor aos
recursos.
Apenas no ano 2000 a Saúde iniciou uma era de financiamento
estável e crescente, com a aprovação da Emenda Constitucional (EC)
29 pelo Congresso Nacional. Ela obriga os vários níveis de governo a
alocar uma parcela dos seus recursos na Saúde (ou seja, a
responsabilidade pelo financiamento dos serviços do SUS é das 3
esferas) e é associada à Lei de Responsabilidade Fiscal, sujeitando a
sanções o governante que não a cumprir.
A Emenda definiu percentuais mínimos de financiamento da Saúde
para a União, estados e municípios:
1. União: montante do ano anterior + variação nominal do PIB
(Produto Interno Bruto);
2. Estados: 12% da arrecadação anual em impostos;
3. Municípios: 15% da sua receita total.

Esses mesmos percentuais de investimento financeiro dos


municípios, estados e União no SUS foram posteriormente definidos
pela Lei Complementar 141, de 13 de janeiro de 2012, que também
estabeleceu o que é gasto público em saúde, ou seja, o que são
consideradas despesas com ações e serviços públicos de saúde.
Com a EC 29 e a descentralização do SUS, houve um aumento do
gasto público em saúde em relação ao PIB, passando de 2,9% em
2000 para 3,9% em 2015; um aumento da participação relativa dos
Estados e Municípios nesse gasto; e, entre 2007 e 2015, e um
aumento dos gatos em assistência farmacêutica e atenção básica e
uma diminuição relativa nos serviços de média e alta complexidades.
Em dezembro de 2016, com a promulgação da EC 95, ficou instituído
o Novo Regime Fiscal no âmbito do Orçamento Fiscal e da
Seguridade Social da União, que limita as despesas primárias e,
consequentemente, o repasse financeiro da União. Assim, os limites
para o exercício de 2017 equivalem à despesa primária paga no
exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais
operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2%, e,
para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao
exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, publicado pelo IBGE, ou
de outro índice que vier a substituí-lo.
Em 2017, primeiro exercício financeiro sob o novo regime, que
vigorará por 20 exercícios (anos), apesar de ter havido um aumento
de recursos para as Ações e Serviços Públicos em Saúde de R$8
bilhões em relação a 2016, a fatia das despesas com saúde no
orçamento federal foi de 3,93% em 2016 para 3,25% em 2017, uma
queda de 17% da participação da saúde no orçamento da União em
2017 (INESC, março/2017).
Projeção dos gastos em saúde e educação feita por Rossi e Dweck em
2016, mostra que a partir da regra instituída com a EC 95, as
despesas com saúde e educação devem cair de 4% do PIB em 2015
para 2,7% do PIB em 2036 (Rossi, P.; Dweck, E., 2016).
2.1.6 Ações desenvolvidas pelo SUS
As ações de saúde devem ser combinadas e voltadas, ao mesmo
tempo, para promoção, prevenção e proteção e cura (ações de
recuperação e reabilitação).
1. Promoção e proteção: são ações que buscam eliminar ou controlar
as causas das doenças e dos agravos, ou seja, o que determina ou
condiciona o aparecimento de problemas de saúde. Essas ações
podem ser desenvolvidas por instituições governamentais,
empresas, associações comunitárias e indivíduos. As ações, em seu
conjunto, constituem um campo de aplicação que se convencionou
chamar, tradicionalmente, de Saúde Pública, ou seja, o diagnóstico e
tratamento científico da comunidade;
2. Recuperação: ações que evitam mortes e sequelas e que atuam
sobre os danos. Essas ações são exercidas pelos serviços públicos de
saúde (ambulatoriais e hospitalares) e, de forma complementar,
pelos serviços privados conveniados ao SUS;
3. Promoção:
a) Ações de promoção:
Educação em saúde;
Bons padrões de alimentação e nutrição;
Adoção de estilos de vida saudáveis;
Uso adequado e desenvolvimento de aptidões e capacidades;
Aconselhamentos específicos (como genético e sexual).

4. Prevenção e proteção:
a) Ações de prevenção e proteção:
Vigilância epidemiológica;
Vigilância sanitária;
Vacinações;
Saneamento básico;
Exames médicos e odontológicos periódicos.

5. Cura:
a) Ações de recuperação:
Atendimento médico (ambulatorial e Urgência e Emergência);
Atendimento odontológico;
Diagnóstico e tratamento oportunos;
Acidentes e danos de qualquer natureza;
Limitação da invalidez;
Reabilitação.

As ações desenvolvidas pelo SUS são de promoção, de prevenção e


proteção e de recuperação (cura e reabilitação). Ou seja, é importante
lembrar que a Vigilância Sanitária (que controla a qualidade dos
alimentos e produtos, por exemplo), o saneamento básico e a
política de vacinações também são parte do SUS.
Para identificar os principais grupos de ações de promoção, proteção
e prevenção e recuperação da saúde, é necessário conhecer as
principais características do perfil epidemiológico da população,
tanto em termos de doenças mais frequentes quanto em termos das
condições socioeconômicas da comunidade.
A vigilância epidemiológica possibilita a obtenção de informações
para conhecer e acompanhar o estado de saúde da comunidade e
desencadear oportunamente as medidas dirigidas à prevenção e ao
controle das doenças e agravos à saúde. Já a vigilância sanitária visa
garantir a qualidade de serviços, meio ambiente, meio de trabalho e
produtos (alimentos, medicamentos, cosméticos, saneantes,
agrotóxicos etc.).
2.1.7 HumanizaSUS
Em 2003, foi constituída a Política Nacional de Humanização (PNH),
que tem foco na efetivação dos princípios do SUS na prática cotidiana
e na gestão. É uma política transversal ao sistema, perpassando
diferentes ações, políticas públicas e instâncias gestoras. Nesse
sentido, a PNH apresenta um novo modo de fazer saúde,
aprimorando os princípios originais do SUS por meio da:
1. Transversalidade: estar inserida em todas as políticas e programas
do SUS; reconhecer que diferentes especialidades e práticas de saúde
estão conectadas com aquele que é assistido, para a produção do
cuidado;
2. Indissociabilidade entre atenção e gestão: como as decisões da
gestão interferem na atenção à saúde, trabalhadores e usuários devem
conhecer a rede de saúde e a gestão dos serviços para que possam
participar do processo de tomada de decisão nas organizações de
saúde e nas ações de saúde coletiva;
3. Protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e
dos coletivos: o cuidado e a assistência em saúde não se restringem
às responsabilidades da equipe de saúde. O usuário e sua rede
sociofamiliar devem também corresponsabilizar-se pelo próprio
cuidado nos tratamentos, assumindo posição protagonista com relação
a sua saúde. Em suas diretrizes, a PNH destaca o acolhimento do
usuário, a gestão participativa e a cogestão, a ambiência (espaços
saudáveis, acolhedores e confortáveis, que respeitem a privacidade e
propiciem mudanças no processo de trabalho), clínica ampliada e
compartilhada (olhar interdisciplinar, que coloca o sujeito e sua
necessidade de saúde em outras perspectivas, como a social,
econômica, cultural, psíquica etc.), valorização do trabalho e do
trabalhador e Defesa dos Direitos dos Usuários.
Como é organizado e
financiado o sistema de
saúde brasileiro?
O sistema de saúde brasileiro é um sistema público
universal de saúde composto por instituições públicas de
saúde distribuídas em todo o território nacional que atuam
com base nos princípios da universalidade, equidade e
integralidade, organizadas de forma hierarquizada e
regionalizada, compondo os níveis de atenção primário,
secundário e terciário, de modo a ofertar ações de
prevenção de doenças, promoção e proteção da saúde, cura
e reabilitação. Sua gestão é descentralizada e
compartilhada entre tomadores de decisão do Estado e da
sociedade civil no âmbito dos três entes federativos, união,
estados e municípios, efetivando assim a participação
social em sua gestão. Seu financiamento é público, oriundo
dos impostos federais, estaduais e municipais. Um
subsistema de instituições privadas também integra o
sistema de forma complementar, para oferta de serviços,
mediante estabelecimento de contratos e convênios.
O que as Leis Orgânicas da
Saúde estabeleceram para a
organização e
funcionamento do Sistema
Único de Saúde no Brasil e
como foram
operacionalizadas?

3.1 AS LEIS ORGÂNICAS DA SAÚDE E


SUAS REGULAMENTAÇÕES
A Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a Lei 8.142, de 28 de
dezembro de 1990, compõem as chamadas Leis Orgânicas da Saúde
que regem o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). A
primeira foi sancionada pelo Presidente da República Fernando
Collor de Melo; contudo, seus vetos a artigos fundamentais, que
tratavam principalmente do controle social e do financiamento,
motivaram a formulação da Lei 8.142, em que tais artigos são
resgatados.
A regulamentação das Leis Orgânicas da Saúde que, em tese, deveria
ter ocorrido em seguida, a fim de esclarecer as normas que
balizariam a implementação do SUS, ocorreu apenas em 2011, por
meio do Decreto 7.508, de 28 de julho. Em razão disso, durante esse
intervalo de 21 anos, o modo de operacionalizar o SUS foi definido
por intermédio de normas operacionais, como a Norma Operacional
Básica (NOB) e a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS),
publicadas em forma de portarias do Ministério da Saúde do Brasil.
Quadro 3.1 - Leis Orgânicas da Saúde

3.1.1 Lei 8.080/90


A Lei 8.080/90 define a saúde como um direito fundamental do ser
humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao
seu pleno exercício, pois os níveis de saúde expressam a organização
social e econômica do país, cujos determinantes e condicionantes
são, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o
transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços essenciais.
Segundo essa lei, o SUS objetiva prestar assistência por meio de
ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, integrando
ações assistenciais e preventivas; divulgar os fatores condicionantes
e determinantes da saúde; formular a política de saúde a fim de
garanti-la como direito. Para isso, deve realizar ações de vigilância
(epidemiológica, sanitária, nutricional e na saúde do trabalhador),
ordenar a formação de recursos humanos para a saúde, formular
políticas de saúde específicas, como de medicamentos,
equipamentos e sangue, bem como colaborar com outras políticas,
como a de saneamento básico.
Na Lei 8.080/90 são definidos os princípios doutrinários
(universalidade, integralidade e equidade) e as diretrizes
organizacionais do SUS (regionalização, hierarquização,
descentralização e participação popular). Salienta-se que o texto da
lei não distingue claramente os princípios das diretrizes, além de
apontar outros. Contudo, a literatura especializada no tema consagra
os já citados como os principais e essa distinção aqui feita. A partir
dessa premissa, o SUS deve executar ações e serviços através dos
entes federativos (municípios, estados, Distrito Federal e União),
com a participação complementar da iniciativa privada, por meio de
uma rede organizada de forma regionalizada e hierarquizada em
níveis de complexidade crescente.
A Lei 8.080 sofreu diversas alterações desde sua publicação; dentre
as quais, destacam-se: a inclusão do subsistema de saúde indígena,
pela Lei 9.836, de 1999; do subsistema de atendimento e internação
domiciliar, pela Lei 10.424, de 2002; do subsistema de
acompanhamento durante o trabalho de parto, parto e pós-parto
imediato, pela Lei 11.108, de 2005.
No quadro a seguir, estão as alterações mais recentes em artigos da
Lei 8.080.
Quadro 3.2 – Alterações de artigos da Lei 8.080
A Lei 8.080/90 determina que a entrada do usuário para usufruir dos
serviços do SUS seja feita pelos serviços de atenção primária e de
urgência, quando for o caso. Ou seja, não adianta o usuário procurar
diretamente o especialista focal no hospital se desejar atendimento
específico: ele deverá procurar o seu serviço de atenção primária de
referência para que seu problema seja resolvido e, caso haja
necessidade de maior complexidade de recursos, será encaminhado
aos demais níveis de atenção conforme a demanda.
3.1.2 Lei 8.142/90
A Lei 8.142 institui medidas que fortalecem a participação social no
SUS e as transferências intergovernamentais dos recursos
financeiros. Sobre a participação popular, essa lei cria, em cada
esfera de governo, as seguintes instâncias colegiadas:
a) Conselhos de Saúde;
b) Conferências de Saúde.

O Conselho de Saúde tem caráter permanente e deliberativo (ou seja,


o conselho de saúde reunido pode tomar qualquer decisão em caráter
definitivo, sem precisar de julgamento de nenhuma outra instância
ou poder). É um órgão colegiado composto por representantes do
governo e prestadores de serviço (25% do total), profissionais de
saúde (25% do total) e usuários (50% do total), que devem fazer
reuniões mensais com o objetivo de atuar na formulação de
estratégias e no controle da execução da política de saúde na
instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e
financeiros, cujas decisões são homologadas pelo chefe do poder
legalmente constituído em cada esfera de governo.
As Conferências de Saúde devem ocorrer a cada 4 anos, com a
representação de vários segmentos sociais para avaliar a situação de
saúde e propor diretrizes para a formulação da política de saúde em
âmbitos municipal, estadual e federal. Além disso, são convocadas
pelo poder executivo ou, extraordinariamente, pelo Conselho de
Saúde.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho
Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) têm
representação no Conselho Nacional de Saúde.
Figura 3.1 - Composição paritária dos Conselhos de Saúde
Fonte: elaborado pelos autores.

Podemos dizer, com referência à composição


dos Conselhos de Saúde, que a participação dos
usuários é paritária com relação à participação
do conjunto dos demais segmentos (governo,
prestadores de serviços e trabalhadores da
saúde).
A transferência intergovernamental dos recursos é repassada pela
União (Fundo Nacional de Saúde) para os estados, o Distrito Federal
e os municípios. Pelo menos 70% dos recursos devem ser destinados
aos municípios, e o restante é repassado aos estados. Os municípios
podem estabelecer consórcios para a execução de ações e serviços,
remanejando, entre eles, as parcelas dos recursos para as ações e os
serviços de saúde. Para receberem os recursos, os municípios, os
estados e o Distrito Federal devem preencher os requisitos listados a
seguir:
a) Fundo de Saúde;
b) Plano de saúde (é um plano que explicita o diagnóstico da situação
social e sanitária, os objetivos, metas e prioridades da ação de
governo em saúde, compatibilizando, em cada esfera de governo, o
quadro de metas;
c) Relatórios de gestão que permitam o controle dos recursos
repassados;
d) Contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;
e) Comissão de elaboração do plano de carreira, cargos e salários,
com prazo previsto de 2 anos para a sua implantação.

3.2 A REGULAMENTAÇÃO DA LEI


8.080/90 POR MEIO DO DECRETO
7.508/11
O Decreto 7.508, de 28 de junho de 2011, dispõe, entre outras
providências, sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde,
a assistência à saúde e a articulação interfederativa.
Quanto à organização do SUS, o decreto reitera a forma
regionalizada e hierarquizada, oferecendo ações e serviços em Redes
de Atenção à Saúde localizadas nas Regiões de Saúde. As Regiões de
Saúde são espaços geográficos contínuos, constituídos por
agrupamentos de municípios limítrofes, com a finalidade de integrar
a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de
saúde. As Redes de Atenção à Saúde são conjuntos de ações e serviços
articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade
de garantir a integralidade da assistência.
As Regiões de Saúde são instituídas pelos estados em articulação
com os municípios, respeitadas as diretrizes gerais pactuadas na
Comissão Intergestores Tripartite (CIT). As Regiões devem conter,
no mínimo, serviços de:
a) Atenção Primária;
b) Urgência e Emergência;
c) Atenção psicossocial;
d) Atenção ambulatorial especializada e hospitalar;
e) Vigilância em saúde.

As Redes de Atenção à Saúde estão compreendidas no âmbito de uma


Região de Saúde, ou de várias, em consonância com as diretrizes
pactuadas nas Comissões Intergestores (CIs). Nas Redes de Atenção
à Saúde, são portas de entrada os serviços de atenção primária, de
atenção à urgência e emergência; de atenção psicossocial; especiais
de acesso aberto. As CIs pactuam as regras de continuidade do acesso
às ações e aos serviços nas respectivas áreas de atuação, com vistas a
ofertar e ordenar o fluxo de ações e serviços de saúde, bem como
monitorizar a integralidade e equidade no acesso.
O planejamento da saúde é ascendente e integrado, do nível local até
o federal, compatibilizando as necessidades das políticas de saúde
com a disponibilidade de recursos financeiros. A compatibilização é
efetuada no âmbito dos planos de saúde, resultantes do
planejamento integrado dos entes federativos, nos quais constam as
metas de saúde. O Conselho Nacional de Saúde estabelece as
diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos. No
planejamento, devem ser considerados os serviços e as ações
prestados pelas iniciativas pública e privada, de forma
complementar ou não ao SUS, os quais deverão compor os Mapas de
Saúde. O planejamento deve estar orientado pelos Mapas de Saúde
que contêm a descrição geográfica da distribuição de recursos
humanos, ações e serviços de saúde ofertados pelo SUS e pela
iniciativa privada, considerando a capacidade instalada existente, os
investimentos e o desempenho aferido a partir dos indicadores de
saúde do sistema.
Com a intenção de promover a articulação dos processos de
planejamento em saúde nas 3 esferas de governo, o PlanejaSUS foi
implantado em 2008/2009, de forma a favorecer o aperfeiçoamento
da gestão do sistema e conferir direcionalidade. A sistematização do
processo de planejamento ocorre por meio de instrumentos de ação
governamental, previstos na Constituição de 1988, como o Plano
Plurianual (PPA), que apresenta as diretrizes, os objetivos e as metas
em saúde, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que explicita as
metas e prioridades para cada ano, e a Lei Orçamentária Anual
(LOA), que prevê os recursos necessários para a execução das metas.
Essa estratégia pressupõe que cada esfera de gestão realize o seu
planejamento, articulando-se de forma a fortalecer e consolidar os
objetivos e as diretrizes do SUS, contemplando as peculiaridades,
necessidades e realidades de saúde locorregionais. Cada gestor
(federal, estadual, municipal) realiza seu planejamento, utilizando-
se de instrumentos básicos: o Plano de Saúde, as Programações
Anuais de Saúde e os Relatórios Anuais de Gestão. O PlanejaSUS
obedece ao PPA, à LDO e à LOA.
No tocante à assistência à saúde, o decreto reitera a integralidade da
assistência que deve iniciar e se completar nas Redes de Atenção à
Saúde, mediante o referenciamento do usuário regional e
interestadual. Para isso, estabelece a Relação Nacional de Ações e
Serviços de Saúde (RENASES), Relação Nacional de Medicamentos
Essenciais (RENAME) e Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
(PCDTs) em âmbito nacional. A RENASES compreende todas as ações
e serviços que o SUS oferece para garantir a integralidade da
assistência. A RENAME compreende a seleção e padronização de
medicamentos indicados para atendimento de doenças e agravos no
âmbito do SUS. Os PCDTs são documentos que estabelecem critérios
para o diagnóstico dos problemas de saúde, o tratamento
preconizado, as posologias recomendadas, os mecanismos de
controle clínico, e o acompanhamento e a verificação dos resultados
terapêuticos.
Na articulação interfederativa, destaca-se o papel das CIs como
espaços de pactuação consensual entre os entes federativos para
definição das regras da gestão compartilhada do SUS. Compreendem
espaços de discussão que pactuam com a organização e o
funcionamento das ações e dos serviços de saúde integrados nas
Redes de Atenção à Saúde, definindo desde os aspectos operacionais,
financeiros e administrativos da gestão compartilhada até as
diretrizes sobre as Regiões de Saúde e Redes de Atenção à Saúde e as
responsabilidades de cada esfera na integração das Redes de
Atenção.
O decreto estabelece que os acordos entre os entes federativos para a
organização das Redes de Atenção à Saúde sejam firmados por meio
de Contratos Organizativos de Ação Pública (COAPs). Para isso, entes
federados integram seus planos de saúde e definem no contrato as
responsabilidades individuais e solidárias de cada um com relação a
ações e serviços a serem oferecidos na Região de Saúde, bem como
indicadores e metas, critérios de avaliação de desempenho, recursos
financeiros utilizados e forma de controle e fiscalização.
Quadro 3.3 - Comissões Intergestores por nível de atuação

São definições estabelecidas pelos contratos:


a) Responsabilidades individuais e solidárias das entidades
federativas;
b) Indicadores e metas de saúde;
c) Critérios de avaliação de desempenho;
d) Recursos financeiros que serão disponibilizados;
e) Forma de controle e fiscalização de sua execução;
f) Demais aspectos relacionados à integração das ações e dos
serviços.

3.3 AS NORMAS OPERACIONAIS E O


PACTO PELA SAÚDE: INSTRUMENTOS
NORMATIVOS PARA A
IMPLEMENTAÇÃO DO SUS
Entre a publicação das Leis Orgânicas da Saúde em 1990 e sua
regulamentação em 2011, transcorreram 21 anos em que a
implementação do SUS foi regida por normas operacionais e, a partir
de 2006, pelo Pacto pela Saúde. Quatro NOBs foram publicadas entre
1991 e 1996: NOB 01/91, NOB 01/92, NOB 01/93 e NOB 01/96; 2 NOAS
foram publicadas entre 2001 e 2002: NOAS SUS 01/2001 e NOAS SUS
01/2002; o Pacto pela Saúde foi publicado em 2006. São leis
infraconstitucionais que foram editadas seguindo, em maior ou
menor proporção, o que estabeleciam as Leis Orgânicas da Saúde
para normatizar a implementação do SUS nos seus respectivos
períodos históricos. A seguir, apresentaremos as principais
características de cada uma delas.
3.3.1 Norma Operacional Básica 01/91
Esta norma enfocou os mecanismos de financiamento do SUS, ou
seja, o repasse, acompanhamento, controle e avaliação dos recursos
financeiros do Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS) para os estados e municípios. Não
descentralizou a gestão para estados e municípios, porque estes
figuravam como prestadores de serviços, e valorizou principalmente
as atividades hospitalares e ambulatoriais, perpetuando a lógica da
assistência médica historicamente desenvolvida pelo INAMPS. O fato
de ter sido editada pelo INAMPS e não pelo Ministério da Saúde,
como se esperava após as Leis Orgânicas da Saúde, revelava que o
cumprimento dessas leis e a consequente implantação do novo
sistema de saúde, o SUS, seriam desafios a serem enfrentados nas
décadas seguintes.
3.3.2 Norma Operacional Básica 01/92
A NOB 01/92 já foi publicada pelo Ministério da Saúde, mas manteve
a lógica de financiamento da NOB 01/91. Embora não tenha
descentralizado a gestão das ações e dos serviços, como indicado nas
Leis Orgânicas, avançou em explicitar princípios da
descentralização. Foi entendida como uma norma de transição,
resultado de um acordo entre diversos atores que disputavam o
rumo da saúde no país, ou seja, entre os militantes do SUS e os que,
como o INAMPS, resistiam à sua implantação.
3.3.3 Norma Operacional Básica 01/93
A NOB 93 estabeleceu as instâncias intergestores bipartite e
tripartite como espaços de negociação, pactuação e integração entre
os gestores do SUS.
A composição das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite é
dividida em:
a) CIB
Secretaria Estadual de Saúde;
Conselho de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS);
Possível operação com subcomissões regionais.
b) CIT
Ministério da Saúde;
CONASS;
CONASEMS.

Até 1993, quando houve a criação da NOB 93, as ações de saúde de


caráter curativo e individual, produzidas pelos estados e municípios,
eram “compradas” pelo Governo Federal por meio do INAMPS. Tal
sistemática passou a ser a política dominante após o golpe militar de
1964, quando o Governo Federal não construiu mais instituições
públicas de saúde, optando pela compra de serviços da iniciativa
privada. Mais tarde, com a criação das Ações Integradas de Saúde
(AISs), em 1983, o governo também passou a comprar serviços de
saúde dos estados e municípios.
Dessa forma, as instituições de saúde estaduais e municipais, apesar
da sua relevância pública, eram tratadas como meras prestadoras de
consultas médicas e outros procedimentos cobertos pelo INAMPS.
Além disso, como os recursos financeiros se concentravam na esfera
federal, os estados e municípios aderiram à cultura da
produtividade, preocupando-se exclusivamente em produzir o
maior número possível de procedimentos médicos, sem se
importarem com a qualidade e a resolutividade deles.
A NOB 01/93 começou a modificar essa situação ao implantar formas
progressivas de gestão municipalizada das ações de saúde. Os
municípios habilitados passaram a dispor de tetos financeiros
definidos a serem repassados pelo Governo Federal, bem como de
autonomia de gestão de todas as unidades de abrangência municipal
ou regional (dependendo do porte do município). A NOB 93 iniciou a
municipalização da saúde no país, pois definiu municípios e estados
como gestores, desencadeando o processo de municipalização da
gestão, com a habilitação dos municípios nas condições de gestão
então criadas: incipiente, parcial e semiplena.
A NOB 93 iniciou a municipalização da saúde no
país ao definir municípios e estados como
gestores da saúde.

Ao gestor que se habilitar no modelo de gestão semiplena caberá a


transferência de recursos fundo a fundo, ou seja, diretamente do
Fundo Nacional de Saúde para o Fundo Municipal ou Estadual.
Os obstáculos na descentralização não superados pela Norma de
Operação Básica 93 são:
a) O ritmo da descentralização, com transferência financeira fundo a
fundo, foi muito aquém do esperado, atingindo somente 144
municípios e nenhum estado;
b) A transferência financeira fundo a fundo aconteceu apenas na área
da assistência, não incorporando as demais ações da área de saúde,
cujas transferências financeiras a estados e municípios continuaram a
ser feitas por meio de convênios;
c) A avaliação do desempenho dos recursos descentralizados foi feita
apenas sobre o quantitativo de procedimentos em saúde, não
incorporando nenhum componente de avaliação de resultados ou de
qualidade;
d) A mudança no modelo de atenção à saúde, pouco expressiva, ficou
restrita a experiências isoladas de alguns municípios, não
representando, assim, o salto de qualidade esperado e necessário
para a consolidação do SUS;
e) A existência de uma tabela de pagamento nacional e única limitou
propostas mais avançadas de relação com o setor privado
complementar, ao mesmo tempo que impôs limites importantes à
reorganização da atenção dentro do próprio setor público.

3.3.4 Norma Operacional Básica 01/96


Visando superar os limites de descentralização, gestão e
financiamento, surgiu a NOB 96, que introduziu alguns
instrumentos de ação e tornou a autonomia de estados e municípios
mais próxima das leis que hoje regulam o setor. Na lógica
assistencial, a NOB representou o rompimento com o produtivismo
(pagamento por produção de serviços, como realizado pelo INAMPS)
e a implementação de incentivos aos programas dirigidos às
populações mais carentes e a uma nova lógica assistencial, como o
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa
Saúde da Família (PSF).
São inovações da Norma de Operação Básica 96:
a) Concepção ampliada de saúde, em consonância com a concepção
determinada pela Constituição;
b) Fortalecimento das instâncias colegiadas;
c) Desenvolvimento da PPI;
d) Transferências fundo a fundo com base na população e em valores
per capita previamente fixados;
e) Determinação dos estágios de habilitação para gestão dos
municípios.

De forma geral, a PPI é uma pactuação coordenada pelo gestor


estadual e representa o principal instrumento para garantia de
acesso da população aos serviços de média e alta complexidades não
disponíveis em um determinado município.
Os municípios, a partir dessa NOB, passaram a habilitar-se em uma
das 2 novas condições de gestão: Gestão Plena da Atenção Básica
(GPAB) e Gestão Plena do Sistema Municipal (GPSM). Na GPAB, os
municípios tornam-se responsáveis pela gestão apenas dos serviços
que realizam assistência à Atenção Básica de Saúde (baixa
complexidade); já na GPSM, os municípios se tornam responsáveis
pela gestão de todos os serviços que realizam assistência à saúde no
seu território.
Os estabelecimentos desse subsistema do SUS municipal não
precisam ser de propriedade da prefeitura. Suas ações, desenvolvidas
pelas unidades estatais (próprias, estaduais ou federais) ou privadas
(contratadas ou conveniadas, com prioridade para as entidades
filantrópicas), têm de estar organizadas e coordenadas de modo que
o gestor municipal possa garantir à população o acesso aos serviços e
a disponibilidade das ações e dos meios para o atendimento integral.
Isso significa que, independentemente de a gerência dos
estabelecimentos prestadores de serviços ser estatal ou privada, a
gestão de todo o sistema municipal é, necessariamente, da
competência do poder público e exclusiva dessa esfera de governo,
respeitadas as atribuições do respectivo Conselho e de outras
diferentes instâncias de poder.
Para o financiamento dessas ações, foi determinado o Piso
Assistencial Básico (PAB), que consiste em um montante de recursos
financeiros destinado ao custeio de procedimentos e ações de
assistência básica, de responsabilidade tipicamente municipal. Esse
piso é definido pela multiplicação de um valor per capita nacional
pela população de cada município (fornecida pelo IBGE), transferido,
regular e automaticamente, ao Fundo de Saúde ou conta especial dos
municípios e, transitoriamente, ao fundo estadual, até a habilitação
municipal. O valor do PAB inicial foi fixado em
R$10,00/habitante/ano. Hoje esse valor varia entre R$23,00 e
R$28,00 (de acordo com a Portaria 1.409, de 10 de julho de 2013).
Tais incentivos significam melhoria do modelo assistencial ao
romper com a lógica do pagamento por produção de serviços,
estimulando os municípios a construir sistemas de saúde voltados à
promoção, prevenção, tratamento e reabilitação do conjunto de seus
cidadãos. Só fazem jus a esses recursos os municípios que se
habilitam em alguma condição de gestão segundo a NOB 96, e a
transferência total do PAB é suspensa no caso da não alimentação,
pela Secretaria Municipal de Saúde junto à Secretaria Estadual de
Saúde, dos bancos de dados de interesse nacional, por mais de 2
meses consecutivos.
A diferença entre gerente e gestor conceituada pela Norma
Operacional Básica é a seguinte:
1. Gerente: é o fornecedor de serviços, uma unidade ou um órgão de
saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação etc.). Caracteriza-se
como prestador de serviços ao sistema: gerente no SUS, por exemplo,
diretor de hospital ou clínica.
2. Gestor: é a atividade e a responsabilidade de dirigir um sistema de
saúde (municipal, estadual ou nacional), tendo funções de
coordenação, articulação, negociação, planejamento,
acompanhamento, controle, avaliação e auditoria. Os gestores do SUS
são, então, os Secretários Municipais e Estaduais de Saúde e o
Ministro da Saúde.

Os requisitos para um município habilitar-se como gestor no


Sistema Único de Saúde são os que seguem:
a) Conselho Municipal de Saúde (CMS) em funcionamento;
b) Fundo Municipal de Saúde em operação;
c) Comprovação de dotação orçamentária e contrapartida de recursos
próprios;
d) Plano Municipal de Saúde aprovado pelo CMS;
e) Relatório de gestão aprovado no CMS;
f) Comprovação de capacidade para desenvolver ações de vigilâncias
sanitária e epidemiológica;
g) Comprovação de capacidades técnica e administrativa quanto a
contratação, pagamento, avaliação, controle e auditoria dos serviços
sob gestão municipal, comprovando disponibilidade de estrutura de
recursos humanos e condições técnicas de processar o Sistema de
Informações Ambulatoriais do SUS – SIA/SUS (GPAB e GPSM) – e o
Sistema de Informações Hospitalares do SUS – SIH/SUS (somente o
GPSM);
h) Comprovação da estruturação do componente municipal do Sistema
Nacional de Auditoria – SNA (somente o GPSM);
i) Comprometimento de participação na PPI;
j) Cadastramento da população por meio da implantação do Cartão
SUS.

As condições e responsabilidades do gestor estadual são:


1. Condições:
a) Gestão avançada do sistema estadual;
b) Gestão plena do sistema estadual.

2. Responsabilidades:
a) Promoção de condições e incentivo ao poder municipal para
assumir a gestão da atenção à saúde dos seus munícipes na
perspectiva da atenção integral;
b) Promoção da harmonização, integração e modernização dos
sistemas municipais;
c) Regionalização e organização do sistema de referência e
contrarreferência;
d) Responsabilização pela gestão dos serviços de média/alta
complexidade dos municípios em gestão básica.

Quadro 3.4 - Valores a serem recebidos e elevados se os municípios aderirem à estratégia


do Programa Saúde da Família/Programa de Agentes Comunitários de Saúde
¹Esses acréscimos têm, como limite, 80% do valor do PAB original do município.
²Esses acréscimos têm, como limite, 30% do valor do PAB original do município.

Quadro 3.5 - Responsabilidades a serem assumidas pelo município ao assumir a Gestão


Plena da Atenção Básica
Os principais problemas ocorridos com a Norma Operacional Básica
96 são:
a) Habilitação cartorial sem comprometimento com as propostas de
gestão, em que muitos gestores sem condições acabaram assumindo
responsabilidades para as quais não estavam organizados;
b) Dificuldade do gestor estadual em municipalizar suas unidades de
saúde;
c) Mecanismos fracos para o estado impor seu papel como
intermediador entre municípios;
d) Não implantação da PPI;
e) PAB: procedimentos pouco resolutivos;
f) Fechamento dos serviços aos não munícipes, pois muitos
municípios, após assumirem a gestão dos serviços de saúde, criaram
mecanismos para impedir que munícipes vizinhos utilizassem seus
serviços.

3.3.5 Norma Operacional da Assistência à Saúde


SUS 01/2001 e Norma Operacional da Assistência à
Saúde SUS 01/2002
Em janeiro de 2001, continuando o processo de aperfeiçoamento do
sistema e visando reordenar os caminhos trilhados pelo SUS após a
NOB 96, o Ministério da Saúde criou a Norma Operacional da
Assistência à Saúde (NOAS), que adota a estratégia de regionalização
da assistência como forma de reorientar o processo de
descentralização do sistema, promovendo a organização de sistemas
ou redes funcionais de forma a perpassar as fronteiras municipais,
com o objetivo de facilitar e garantir o acesso dos cidadãos à
integralidade da assistência, além de fomentar comportamentos
cooperativos entre os gestores.
A principal estratégia da NOAS é a realização do Plano Diretor de
Regionalização, definindo que compete ao gestor estadual a sua
confecção. O plano de regionalização tem, como estratégia, a divisão
administrativa do estado em sub-regiões. Dessa forma, o
município-sede passa a receber recursos fundo a fundo para
atendimento não só da sua população, mas também da população a
ele referenciada. Mais uma vez, são redefinidas as condições de
gestão para habilitação dos municípios, seguindo a tendência
anterior de ampliar cada vez mais a condição gestora dos
municípios. Assim, são 2 as novas possibilidades de habilitação:
GPAB ampliada e GPSM.
A criação do NOAS adota a estratégia de
regionalização por meio de um Plano Diretor de
Regionalização, que propõe a divisão
administrativa do estado em sub-regiões.

Para a qualificação da região, a proposta deve ser enviada à CIB, que


a encaminha ao Conselho Estadual de Saúde. Se aprovada, vai à CIT,
que a envia ao Conselho Nacional de Saúde para homologação. A
NOAS 2001/2002 pressupõe, também, que a PPI esteja implantada no
estado. As habilitações devem conter termos de compromisso
firmados com o estado por cada município-sede, em relação ao
atendimento da população referenciada por outros municípios. E,
como nova estratégia de financiamento, há a implantação de um
valor per capita nacional correspondente a esse conjunto de serviços
mínimos de média complexidade.
A NOAS criou uma modalidade de habilitação para os municípios,
visando ampliar os procedimentos requeridos para a atenção básica.
Criou-se o valor do PAB - Ampliado (PAB-A), que passou a ser de
R$13,00, embora alguns municípios recebam R$18,00. Essa
diferença existe na tentativa de promover maior equidade na
alocação dos recursos.
Para habilitar-se à condição de GPAB e receber o PAB-A,
correspondente ao financiamento da atenção básica ampliada, o
município deve ser avaliado pela Secretaria Estadual de Saúde, pela
CIB e pelo Departamento de Atenção Básica (DAB) da Secretaria de
Atenção à Saúde. Já para habilitar-se como gestor pleno, o município
deve dispor de uma rede assistencial capaz de ofertar, além do
elenco de procedimentos propostos para a atenção básica ampliada,
um conjunto mínimo de serviços de média complexidade, como
laboratório de patologia clínica, radiologia simples, ultrassonografia
obstétrica, fisioterapia etc.
Em 2004, segundo a Portaria GM/MS 2.023, os municípios e o
Distrito Federal passaram a ser responsáveis pela gestão do sistema
municipal de saúde na organização e execução das ações de atenção
básica, o que significa que todos os municípios e o Distrito Federal
passaram a ser responsáveis pela gestão do sistema municipal de
saúde, independentemente da habilitação como gestor, sem prejuízo
das competências definidas na Lei 8.080/90. Essa Portaria também
extingue as condições de GPAB e GPAB ampliada, conferidas aos
municípios que cumpriram os requisitos da NOB 96 e da NOAS SUS
2002 para habilitação nessas formas de gestão. Isso significa que,
atualmente, não há mais habilitação específica para ser gestor pleno
da atenção básica e todos os municípios brasileiros se constituem
como gestores responsáveis pela atenção básica. Logo, atualmente
só existe habilitação de municípios para a condição de GPSM.
Assim, o Ministério da Saúde definiu mecanismos e instrumentos de
monitorização e avaliação dos municípios por meio do Pacto de
Indicadores da Atenção Básica, bem como as sanções cabíveis em
caso de descumprimento das respectivas responsabilidades.
Portanto, verifica-se que a habilitação como gestor básico tenha sido
substituída por uma responsabilização por meio de metas a serem
cumpridas por todos os municípios e o Distrito Federal.
Os principais avanços da Norma Operacional da Assistência à Saúde
são:
a) Promoção de maior equidade na alocação de recursos e no acesso
da população às ações de saúde em todos os níveis de atenção;
b) Fundamentos da regionalização;
c) Integração entre sistemas municipais;
d) Papel coordenador e mediador do gestor estadual.

São funções do Plano Diretor de Regionalização:


a) Estar em consonância com o Plano Estadual de Saúde;
b) Ser aprovado na CIB e no Conselho Estadual de Saúde;
c) Garantir o acesso aos atendimentos mediante estabelecimento de
referências intermunicipais;
d) Direcionar os investimentos;
e) Ter contidas as propostas de referências a outros estados;
f) Possuir compromissos escritos e formais entre gestores visando ao
cumprimento do pactuado (condição para habilitar-se como gestor).

A divisão administrativa do estado em sub-regiões é feita da


seguinte forma:
1. Região ou microrregião: Base territorial de planejamento; pode
compreender 1 ou mais módulos assistenciais;
2. Módulo assistencial (sub-região que pode conter 1 ou mais
municípios): Módulo territorial com a capacidade de dar resolutividade
correspondente ao primeiro nível de referência de média complexidade
(laboratório, radiologia simples, ultrassonografia obstétrica, psicologia,
fisioterapia, ações de Odontologia especializada, leitos hospitalares),
com área de abrangência mínima a ser definida para cada estado (tal
módulo deve ter um município-sede, que oferte tais atendimentos a
seus munícipes e aos vizinhos referenciados a ele).

Além dessas microrregiões, serão identificados os municípios-polo


do estado, ou seja, aqueles que são referências para outros
municípios em qualquer nível de atenção (pode ser,
concomitantemente, município-polo e sede do módulo).
Os critérios para desabilitação na Gestão Plena do Sistema Municipal
não cumprem as responsabilidades definidas para a gestão plena,
particularmente aquelas que se referem a:
a) Cumprimento do Termo de Compromisso de Garantia de Acesso;
b) Disponibilidade do conjunto de serviços de média complexidade
exigidos;
c) Atendimento às referências intermunicipais resultantes do Plano
Diretor de Regionalização e da PPI;
d) Comando único da gestão sobre os prestadores de serviço em seu
território;
e) Não cumprimento das metas de cobertura vacinal para avaliação da
atenção básica;
f) Não cumprimento dos demais critérios de avaliação da atenção
básica para manutenção da condição de gestão;
g) Irregularidades que comprometam a gestão municipal, identificadas
pelo componente estadual e/ou nacional do SNA;
h) Situação irregular na alimentação dos bancos de dados nacionais,
por 2 meses consecutivos ou 3 meses alternados;
i) Não firmação do Pacto de Indicadores da Atenção Básica.

3.3.6 Pacto pela Saúde (2006)


O Pacto pela Saúde é um conjunto de reformas institucionais
pactuado entre as 3 esferas de gestão do SUS com o objetivo de fazer
avançar sua organização e seu funcionamento. Foi aprovado pelos
gestores do SUS na CIT, assinado pelo Ministro da Saúde, pelo
Presidente do CONASS e pelo Presidente do CONASEMS. Sua intenção
é superar problemas que acompanharam as NOBs, como a distância
entre as normas e a realidade dos municípios, a dificuldade de
fiscalização do SUS pela falta de instrumentos que responsabilizem
os gestores de forma clara a partir de metas e indicadores de saúde, e
a necessidade de avançar na regionalização e descentralização.
Saliente-se que, a partir de então, todo município possui a gestão
plena das ações e dos serviços oferecidos em seu território. O Pacto
deve ser revisado anualmente com ênfase nas necessidades de saúde
da população e implica o exercício simultâneo de definição de
prioridades, articuladas e integradas nos 3 componentes: Pacto pela
Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão do SUS.
Tais prioridades são expressas em objetivos e metas no Termo de
Compromisso de Gestão (TCG). Extingue-se, então, a necessidade de
habilitação dos municípios como gestores junto ao Governo Federal,
substituída pelo TCG, a ser assinado por todas as esferas de governo
do SUS, em que são explicitadas as atribuições de cada ente
federativo.
O Pacto pela Saúde é composto por:
1. Pacto pela Vida: Trata-se de um conjunto de compromissos
sanitários, expressos em resultados e objetivos de processos e
derivados da análise da situação de saúde do país e das prioridades
definidas pelos governos federal, estadual e municipal;
2. Pacto em Defesa do SUS: Compreende ações concretas e
articuladas pelas 3 instâncias federativas no sentido de reforçar o SUS
como política de Estado mais do que política de governos e defender,
vigorosamente, os princípios basilares dessa política pública, inscritos
na Constituição. Além disso, elabora e divulga a Carta dos Direitos dos
Usuários do SUS;
3. Pacto de Gestão: Estabelece as responsabilidades claras de cada
ente federado, de forma a diminuir as competências concorrentes e
tornar mais claro quem deve fazer o quê, contribuindo, assim, para o
fortalecimento da gestão compartilhada e solidária do SUS. Suas
diretrizes dizem respeito a financiamento, regionalização,
planejamento, PPI, regulação da atenção à saúde e assistência,
participação e controle social, gestão do trabalho e educação em
saúde.

Tais pactos são abordados pela Portaria 399/2006.


De forma geral, as prioridades do Pacto pela Vida são: saúde do
idoso, câncer de colo uterino e mama, mortalidade materno-
infantil, doenças endêmicas, promoção à saúde e fortalecimento da
atenção básica. As prioridades do Pacto em Defesa do SUS são:
implementar um projeto permanente de mobilização social e
elaborar e divulgar a Carta dos Direitos dos Usuários do SUS; as
prioridades do Pacto de Gestão são: definir a responsabilidade
sanitária de cada instância gestora do SUS e estabelecer as diretrizes
para a gestão do SUS.
O Pacto introduziu mudanças nas relações entre os entes federados,
inclusive nos mecanismos de financiamento, significando, portanto,
um esforço de atualização e aprimoramento do SUS. As
transferências de recursos foram modificadas, passando a ser
divididas em 6 grandes blocos de financiamento (Atenção Básica,
Média e Alta Complexidade de Assistência, Vigilância em Saúde,
Assistência Farmacêutica, Gestão do SUS e Investimentos em
Saúde), garantindo maior adequação às realidades locais.
Em 2008, o Pacto pela Vida, regulamentado pela Portaria 325, foi
revisado e ampliado, preconizando 11 prioridades: atenção à saúde
do idoso; controle do câncer de colo de útero e de mama; redução da
mortalidade materno-infantil; fortalecimento da capacidade de
respostas às doenças emergentes e endemias, com ênfase na dengue,
hanseníase, tuberculose, malária, influenza, hepatite e AIDS;
promoção da saúde; fortalecimento da atenção básica; saúde do
trabalhador; saúde mental; fortalecimento da capacidade de
resposta do sistema de saúde às pessoas com deficiência; atenção
integral às pessoas em situação ou risco de violência; saúde do
homem.
O que as Leis Orgânicas da
Saúde estabeleceram para a
organização e
funcionamento do Sistema
Único de Saúde no Brasil e
como foram
operacionalizadas?
As Leis Orgânicas de Saúde (Lei 8.080 e 8.142) viveram
regulamentar os artigos 196 a 200 que compõem o capítulo
da Saúde da Constituição Federal de 1988. Elas
estabeleceram condições, previstas na Constituição, para a
promoção, proteção e prevenção da saúde, a organização e
o funcionamento dos serviços de saúde (Lei 8.080), a
participação social na gestão do SUS e as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da
saúde (8.142). A regulamentação da Lei 8.080 ocorreu em
2011 com o decreto 7.508, o qual detalhou como organizar,
planejar, fazer a assistência e a articulação interfederativa
do Sistema de Saúde. No intervalo de 21 anos que antecedeu
a regulamentação, a operacionalização do SUS ocorreu pela
publicação de normativas (NOB 91, NOB 92, NOB 93, NOB
96, NOAS 2001, NOAS 2002), oriundas do Ministério da
Saúde, e pelo Pacto pela Saúde 2006, que tentaram em cada
momento viabilizar a organização e o financiamento
previstos desde a publicações das Leis Orgânicas, em 1990.
Qual a diferença entre
Atenção Primária à Saúde e
Estratégia Saúde da
Família?

4.1 ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE


4.1.1 Conceitos e Princípios
A Atenção Primária à Saúde (APS) pode ser entendida como um nível
de atenção do sistema de saúde (porta de entrada, oferecendo
serviços que respondem às necessidades de saúde envolvendo ações
preventivas, de promoção à saúde, curativas e de reabilitação) e
como um modelo de organização de um sistema de saúde. Nessa
perspectiva, Starfield (2002, p. 28) refere que:
A atenção primária é aquele nível de um sistema de serviço de saúde
que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e
problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a
enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as
condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a
atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros. Assim, é
definida como um conjunto de funções que, combinadas, são
exclusivas da atenção primária.

A Declaração de Alma-Ata, que corresponde a um dos principais


marcos históricos do desenvolvimento da APS, afirma que:
Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde
baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem
fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance
universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena
participação e a um custo que a comunidade e o país podem manter
em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e
autodeterminação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde
do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto
do desenvolvimento social e econômico global da comunidade.
Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e
da comunidade com o sistema nacional de saúde pelo qual os
cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos
lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro
elemento de um continuado processo de assistência à saúde.

No Brasil, a APS nasce com características de APS seletiva (realizada


com programas focalizados e seletivos), mas, a partir do momento
em que é assumida como estratégia para reorientação do modelo
assistencial, no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), pode ser
caracterizada como uma APS integral (caracterizada como uma
concepção de modelo assistencial e de organização do sistema de
saúde).
Os princípios gerais da APS têm base na Declaração de Alma-Ata e
podem ser resumidos em 4 atributos essenciais: acesso ou primeiro
contato, integralidade, longitudinalidade e coordenação do cuidado;
e 3 atributos derivados: orientação familiar, orientação comunitária
e competência cultural (Starfield, 2002).
1. Acesso (ou primeiro contato): definido como porta de entrada dos
serviços de saúde, ou seja, quando a população e a equipe
identificam aquele serviço como o primeiro recurso a ser buscado
quando há uma necessidade ou problema de saúde. Para que o
serviço de saúde possa ser o primeiro contato ou porta de entrada, é
preciso analisar os quesitos de acesso e acessibilidade. Acesso traz a
ideia de não impedir a entrada do paciente ao serviço, enquanto
acessibilidade diz respeito à oferta de serviços, à capacidade de
produzir serviços e responder às necessidades de saúde de
determinada população, ou seja, a capacidade de o usuário obter
cuidados de saúde sempre que necessitar, de maneira fácil e
conveniente;
2. Integralidade: também é um dos princípios doutrinários do SUS.
Trata-se da capacidade da equipe de saúde em lidar com o amplo
espectro de necessidades em saúde do indivíduo, da família ou das
comunidades, resolvendo-os em até 85% das vezes ou referindo-os
a outros níveis de atenção à saúde conforme a necessidade
(secundário ou terciário). Pressupõe um conceito amplo de saúde, no
qual são reconhecidas necessidades biopsicossociais, culturais e
subjetivas; a promoção, a prevenção e o tratamento são integrados
na prática clínica e comunitária, e a abordagem envolve o indivíduo,
sua família e seu contexto;
3. Longitudinalidade: ou vínculo e responsabilização, é uma relação
personalizada entre usuário e serviço de saúde que se estabelece ao
longo do tempo, independentemente do tipo de problemas de saúde
ou mesmo da presença de um problema de saúde. Nesse conceito
surge a proposta do acolhimento, que consiste na busca constante de
reconhecimento das necessidades de saúde dos usuários e das
formas possíveis de satisfazê-las, o que resulta em resolução na
unidade, encaminhamentos ou deslocamentos e trânsitos pela rede
assistencial;
4. Coordenação do cuidado: atributo essencial para a obtenção dos
outros aspectos, é considerada a capacidade de integrar todo cuidado
que o paciente recebe em diferentes pontos, por meio do
gerenciamento e da coordenação entre os serviços. É, portanto, um
estado de harmonia por meio de uma ação ou um esforço comum.
Sem ela, a longitudinalidade perderia muito do seu potencial, a
integralidade seria dificultada, e a função de primeiro contato se
tornaria puramente administrativa.
As abordagens familiar e comunitária e a competência cultural são
observadas principalmente na Estratégia Saúde da Família (ESF),
relacionadas ao foco de atenção da equipe de saúde.
1. Orientação familiar: corresponde à responsabilização, por parte da
equipe de determinado número de famílias que vivem num território
definido. As ações de abordagem familiar requerem a realização de
intervenções personalizadas na família considerando a estrutura e o
ciclo de vida familiar;
2. Orientação comunitária: diz tanto quanto o uso de habilidades
clínicas, epidemiológicas e sociais para abordar os problemas mais
prevalentes específicos daquela população adscrita a determinada
equipe quanto ao envolvimento da comunidade na tomada de
decisão (controle social como nos conselhos e conferências de
saúde);
3. Competência cultural: capacidade de as equipes de saúde e das
organizações de cuidados de saúde de compreender e responder às
necessidades da sua população adscrita considerando os aspectos
culturais e linguísticos trazidos pelos usuários nas demandas de
cuidados de saúde.
4.1.2 Histórico
4.1.2.1 Relatório Dawson

O conceito de APS surgiu na Inglaterra no início do século XX. Na


época, se vivia uma revolução na estrutura do cuidado em saúde e no
ensino médico proposta por Flexner (1910); observava-se uma
expansão de cuidados médicos apenas de cunho curativo, fundado
no reducionismo biológico e na atenção individual em nível
predominantemente hospitalar. Esse modelo preocupava as
autoridades inglesas devido ao elevado custo, à crescente
complexidade, à fragmentação da atenção médica e à sua baixa
resolutividade.
Nesse contexto, o médico britânico Bertrand Edward Dawson, em
1920, após ter sido convocado pelo governo inglês, escreveu o
Interim Report on the Future Provision of Medical and Allied Services
(mais conhecido como Relatório Dawson), em qual a ideia de atenção
primária foi utilizada pela primeira vez como forma de organização
de um sistema de saúde e se tornou uma alternativa para contrapor o
modelo flexneriano. Nesse documento, Dawson organizava o modelo
de atenção em centros de saúde primários e secundários, serviços
domiciliares, serviços suplementares e hospitais de ensino. Os
centros de saúde primários e os serviços domiciliares deveriam estar
organizados de forma regionalizada, em que a maior parte dos
problemas de saúde deveria ser resolvida por médicos com formação
em Clínica Geral. Os casos que o médico não tivesse condições de
solucionar com os recursos disponíveis na atenção primária
deveriam ser encaminhados para os centros de atenção secundária,
onde haveria especialistas das mais diversas áreas, ou então, para os
hospitais, quando existisse indicação de internação ou cirurgia. Essa
organização caracteriza-se pela hierarquização dos níveis de
atenção à saúde.
As concepções desse documento influenciaram a criação do sistema
nacional de saúde britânico (National Health Service – NHS) em 1948,
que, por sua vez, passou a orientar a reorganização dos sistemas de
saúde em vários países do mundo. O relatório Dawson definiu 2
características básicas da APS: a regionalização (os serviços de saúde
organizados para atender áreas definidas com características
próprias) e a integralidade, que define que os cuidados em saúde
devem ser tanto curativos quanto preventivos.
4.1.2.2 Declaração de Alma-Ata

Os elevados custos dos sistemas de saúde mundiais, o uso


indiscriminado da tecnologia dura (exames laboratoriais e de
imagem) e a baixa resolutividade preocupavam a economia da saúde
nos países desenvolvidos, fazendo-os pesquisar novas formas de
organização da atenção com custos menores e maior eficiência. Em
contrapartida, os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento
sofriam com a desigualdade do acesso à saúde, aliada à falta de
cobertura dos cuidados primários, à alta mortalidade infantil e às
péssimas condições sociais, econômicas e de saneamento básico.
Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fomentou o
debate sobre os rumos mundiais para a saúde, gerando, em 1978, na
cidade de Alma-Ata (antiga URSS, hoje Cazaquistão), a I Conferência
Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde (Figura 4.1), na
qual foi proposto o maior nível de saúde até o ano 2000, por meio da
APS, conhecida como “Saúde para Todos no Ano 2000”. Nessa
conferência, foi escrita a Declaração de Alma-Ata, em que 134 países
(incluindo o Brasil) assinaram uma carta comprometendo-se a
modificar seus sistemas de saúde, levando em conta um conjunto de
princípios que ampliavam o conceito de saúde.
A partir de Alma-Ata se definiu, em nível mundial, a saúde como um
direito do cidadão, defendendo a ideia de que a saúde depende da
elaboração de políticas públicas, que vão desde o comprometimento
com o planejamento até a equidade social, passando pelo
fortalecimento da sociedade, por meio do acesso à educação e
informação e direito à participação social para o fortalecimento das
ações de saúde a serem implantadas.
Figura 4.1 - I Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde
Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, 2015.

4.1.2.3 Carta de Ottawa e o Movimento de Promoção da Saúde

Em 1986, em Ottawa, Canadá, foi realizada a I Conferência


Internacional sobre Promoção da Saúde. Essa conferência foi uma
resposta às crescentes expectativas por uma nova saúde pública,
movimento que vinha ocorrendo em todo o mundo.
A conferência tinha como plano discutir o futuro da saúde pública,
principalmente nos países desenvolvidos, e introduzir um conceito
novo, o de promoção de saúde (nome dado ao processo de
capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade
de vida e saúde, incluindo maior participação no controle desse
processo).
Como estratégias de ação, a Carta de Ottawa defendia a criação de
ambientes sustentáveis, a reorientação dos serviços de saúde, o
desenvolvimento da capacidade dos sujeitos individuais e o
fortalecimento de ações comunitárias.
As discussões basearam-se nos progressos alcançados com a
Declaração de Alma-Ata e tinham como objetivo auxiliar no alcance
da meta de “Saúde para Todos no Ano 2000”.
Entre 1986 e 2000, realizaram-se 5 Conferências Internacionais de
Promoção da Saúde em vários países do mundo. A reorientação dos
serviços de saúde proposta nessas conferências fortalece a ideia de
organizar os sistemas de saúde com base na atenção primária. Em
2014, foi publicada, no Brasil, a Política Nacional de Promoção da
Saúde que, em seu texto, afirma a necessidade de articulação com a
Política Nacional de Atenção Básica (Brasil, 2014).
4.1.2.4 Histórico da Atenção Primária à Saúde no Brasil

No Brasil, há registros de serviços orientados para a APS nas décadas


de 1920 e 1940 em São Paulo; entretanto, foram experiências
isoladas. Em 1960 houve outra experiência, a criação da Fundação
Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que teve atuação marcante
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, organizando e operando
serviços de saúde pública e assistência médica. Contudo, apenas na
década de 1970 houve uma expansão da APS em nível nacional, com
o surgimento do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e
Saneamento do Nordeste (PIASS), cujo objetivo era possibilitar o
acesso à saúde às populações marginalizadas, e a criação em 1976
dos primeiros programas de Residência Médica em Medicina de
Família e Comunidade (na época Medicina Geral e Comunitária),
formando médicos especializados em construir um novo modelo de
atenção à saúde no país.
Assim, principalmente após a Constituição de 1988, a APS se tornou
o modelo de saúde preconizado pelo SUS. Em 1991, criou-se o
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e, em 1994, o
Programa Saúde da Família (PSF), representando modelos APS
bastante restritos, pois focalizavam populações específicas e
ofereciam serviços restritos ao enfrentamento de problemas
específicos. A partir de 1997, com a publicação pelo Ministério da
Saúde do documento “PSF: uma reorientação do modelo
assistencial”, a APS foi alçada à condição de estratégia estruturante
de organização do sistema de saúde brasileiro, reiterado em 2006 e
2011, quando da publicação e republicação da Política Nacional de
Atenção Básica (PNAB), pelas Portarias 648, de 2006, e 2.488, de
2011. A versão da PNAB de 2011 manteve a essência da anterior,
embora tenha feito mudanças, como a flexibilização da carga horária
de médicos, antes contratados obrigatoriamente em regime de 40
horas semanais, podendo, desde então, estabelecer contratos de 20,
30 ou 40 horas semanais (Brasil, 2011).
Em 21 de setembro de 2017, a Portaria 2.436 aprovou uma nova
versão da PNAB, em que a ESF deixou de ser o único modelo para a
organização da Atenção Básica no Brasil; passou a ser admitida,
também, a composição de equipes multiprofissionais apenas por
médicos, enfermeiros e técnicos ou auxiliares de enfermagem
(portanto, sem Agente Comunitário de Saúde – ACS), com carga
horária mínima de 10 horas semanais para os médicos.
4.2 POLÍTICA BRASILEIRA DE
ATENÇÃO BÁSICA
A PNAB mais recente foi publicada com a Portaria 2.436, em 21 de
setembro de 2017. Nela, a Atenção Básica é tida como sinônimo de
Atenção Primária. Segundo a PNAB 2017:
Art. 2º A Atenção Básica é o conjunto de ações de saúde individuais,
familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção,
diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados
paliativos e vigilância em saúde, desenvolvida por meio de práticas de
cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe
multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre as
quais as equipes assumem responsabilidade sanitária.

4.2.1 Princípios e Diretrizes da Atenção Básica no


Brasil (PNAB 2017)
A Atenção Básica tem como princípios a universalidade, a
integralidade e a equidade, assim definidos:
1. Universalidade: possibilitar o acesso universal e contínuo a
serviços de saúde de qualidade e resolutivos, caracterizados como a
porta de entrada aberta e preferencial da rede de atenção (1º
contato), com o acolhimento das pessoas, promovendo a vinculação
e corresponsabilização pela atenção às suas necessidades de saúde. O
estabelecimento de mecanismos que assegurem acessibilidade e
acolhimento pressupõe uma lógica de organização e funcionamento
do serviço de saúde que parte do princípio de que as equipes que
atuam na Atenção Básica nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs)
devem receber e ouvir todas as pessoas que procuram seus serviços,
de modo universal, de fácil acesso, sem diferenciações excludentes, e
a partir daí construir respostas para suas demandas e necessidades;
2. Equidade: ofertar o cuidado, com o reconhecimento das diferenças
nas condições de vida e saúde, de acordo com as necessidades das
pessoas, considerando que o direito à saúde passa pelas
diferenciações sociais e deve atender à diversidade. Ficou proibida
qualquer exclusão com base em idade, gênero, cor, crença,
nacionalidade, etnia, orientação sexual, identidade de gênero,
estado de saúde, condição socioeconômica, escolaridade ou
limitação física, intelectual, funcional, entre outras, com estratégias
que permitam minimizar desigualdades, evitar exclusão social de
grupos que possam vir a sofrer estigmatização ou discriminação, de
maneira que impacte na autonomia e na situação de saúde;
3. Integralidade: é o conjunto de serviços executados pela equipe de
saúde que atendam às necessidades da população adscrita nos
campos do cuidado, da promoção e manutenção da saúde, da
prevenção de doenças e agravos, da cura, da reabilitação, da redução
de danos e dos cuidados paliativos. Inclui a responsabilização pela
oferta de serviços em outros pontos de atenção à saúde e o
reconhecimento adequado das necessidades biológicas, psicológicas,
ambientais e sociais causadoras das doenças (considerando a pessoa
de forma integral), além do manejo das diversas tecnologias de
cuidado e de gestão necessárias a estes fins, além da ampliação da
autonomia das pessoas e coletividade.
As diretrizes da Atenção Básica são:
1. Regionalização e hierarquização: dos pontos de atenção das Redes
de Atenção à Saúde (RAS), tendo a Atenção Básica como ponto de
comunicação entre eles. Consideram-se regiões de saúde como um
recorte espacial estratégico para fins de planejamento, organização e
gestão de redes de ações e serviços de saúde em determinada
localidade, e a hierarquização como forma de organização de pontos
de atenção das RASs entre si, com fluxos e referências estabelecidos;
2. Territorialização e adstrição: de forma a permitir o planejamento,
a programação descentralizada e o desenvolvimento de ações
setoriais e intersetoriais com foco em um território específico, com
impacto na situação, nos condicionantes e determinantes da saúde
das pessoas e coletividades que constituem aquele espaço e estão,
portanto, adstritos a ele. Para efeitos da PNAB, considera-se
território a unidade geográfica única, de construção descentralizada
do SUS na execução das ações estratégicas destinadas à vigilância,
promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde. Os
territórios são destinados para dinamizar a ação em saúde pública, o
estudo social, econômico, epidemiológico, assistencial, cultural e
identitário, possibilitando uma ampla visão de cada unidade
geográfica e subsidiando a atuação na Atenção Básica, de forma que
atendam a necessidade da população adscrita e/ou das populações
específicas;
3. População adscrita: população presente no território da UBS, de
forma a estimular o desenvolvimento de relações de vínculo e
responsabilização entre as equipes e a população, garantindo a
continuidade das ações de saúde e a longitudinalidade do cuidado,
com o objetivo de ser referência para o seu cuidado;
4. Cuidado centrado na pessoa: aponta para o desenvolvimento de
ações de cuidado de forma singularizada, que auxilie as pessoas a
desenvolverem os conhecimentos, aptidões, competências e a
confiança necessária para gerir e tomar decisões embasadas sobre
sua própria saúde e seu cuidado de saúde de forma mais efetiva. O
cuidado é construído com as pessoas, de acordo com suas
necessidades e potencialidades na busca de uma vida independente e
plena. A família, a comunidade e outras formas de coletividade são
elementos relevantes, muitas vezes condicionantes ou
determinantes na vida das pessoas e, por consequência, no cuidado;
5. Resolutividade: reforça a importância de a Atenção Básica ser
resolutiva, utilizando e articulando diferentes tecnologias de
cuidado individual e coletivo, por meio de uma clínica ampliada
capaz de construir vínculos positivos e intervenções clínica e
sanitariamente efetivas, centrada na pessoa, na perspectiva de
ampliação dos graus de autonomia dos indivíduos e grupos sociais.
Deve ser capaz de resolver a maioria dos problemas de saúde da
população, coordenando o cuidado do usuário em outros pontos da
RAS, quando necessário;
6. Longitudinalidade do cuidado: pressupõe a continuidade da
relação de cuidado, com construção de vínculo e responsabilização
entre profissionais e usuários ao longo do tempo, de modo
permanente e consistente, com acompanhamento dos efeitos das
intervenções em saúde e de outros elementos na vida das pessoas, a
fim de evitar a perda de referências e diminuir os riscos de iatrogenia
decorrentes do desconhecimento das histórias de vida e da falta de
coordenação do cuidado;
7. Coordenar o cuidado: elaborar, acompanhar e organizar o fluxo
dos usuários entre os pontos de atenção das RASs. Para tanto a APS
atua como o centro de comunicação entre os diversos pontos de
atenção, responsabilizando-se pelo cuidado dos usuários em
qualquer desses pontos através de uma relação horizontal, contínua
e integrada, com o objetivo de produzir a gestão compartilhada da
atenção integral, além de articular outras estruturas das redes de
saúde e intersetoriais, públicas, comunitárias e sociais;
8. Ordenar as redes: reconhecer as necessidades de saúde da
população sob sua responsabilidade, organizando as necessidades
dessa população em relação aos outros pontos de atenção à saúde,
contribuindo para que o planejamento das ações, assim como a
programação dos serviços de saúde, parta das necessidades de saúde
das pessoas;
9. Participação da comunidade: estimular a participação das
pessoas, a orientação comunitária das ações de saúde na Atenção
Básica e a competência cultural no cuidado como forma de ampliar
sua autonomia e capacidade na construção do cuidado à sua saúde e
das pessoas e coletividades do território; considerar, ainda, o
enfrentamento dos determinantes e condicionantes de saúde,
através de articulação e integração das ações intersetoriais na
organização e orientação dos serviços de saúde, a partir de lógicas
mais centradas nas pessoas e no exercício do controle social.
4.2.2 A Atenção Básica nas Redes de Atenção à
Saúde
As RASs são arranjos organizativos formados por ações e serviços de
saúde com diferentes configurações tecnológicas (na atenção
primária, secundária e terciária) e missões assistenciais (prevenção,
promoção e recuperação da saúde), articulados de forma
complementar em determinada região de saúde (espaço geográfico
geralmente composto por municípios circunvizinhos com
características sociodemográficas e epidemiológicas semelhantes).
A Atenção Básica é parte integrante das RASs, atuando como porta de
entrada preferencial e ordenadora dessas redes e coordenadora dos
cuidados nelas oferecido. Para cumprir sua missão, a Atenção Básica
deve possuir alta resolutividade, com capacidade clínica e de
cuidado, e incorporação de tecnologias leves, leve-duras e duras
(diagnósticas e terapêuticas), além de articulação com os demais
serviços da rede. Para isso, deve realizar práticas de microrregulação
nas UBSs, como gestão de filas, exames e consultas, ligado ao
Telessaúde. Assim, a Atenção Básica deve, no interior da RAS,
ordenar o fluxo de pessoas aos demais pontos de atenção da rede,
gerir a referência e contrarreferência, bem como estabelecer relação
com os especialistas que cuidam das pessoas de seu território.
O Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes foi instituído em 2007
e redefinido e ampliado em 2011. Os núcleos de Telessaúde
desenvolvem atividades técnicas, científicas e administrativas para
planejar, executar, monitorizar e avaliar as ações de Telessaúde,
principalmente a produção de teleconsultoria (consulta/pergunta e
resposta registrada sobre dúvidas em manejo, condutas e
procedimentos clínicos, ações de saúde e processo de trabalho). Há 2
formas:
1. Síncrona (em tempo real): por meio de chat/videoconferência e
serviço telefônico gratuito;
2. Assíncrona (mensagens offline respondidas em até 72 horas):
tele-educação (ensino a distância) e telediagnóstico.

Figura 4.2 - Núcleos da Telessaúde

Fonte: adaptado de Ministério da Saúde.

4.2.3 Programa Nacional de Melhoria do Acesso e


da Qualidade da Atenção Básica
Em 2011, foi instituído o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e
da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), cujo principal objetivo é
ampliar o acesso e melhorar a qualidade da Atenção Básica,
garantindo um padrão de qualidade comparável nacional, regional e
localmente, permitindo maior transparência e efetividade das ações
governamentais direcionadas à Atenção Básica. O PMAQ foi
organizado em 4 fases, de forma que os compromissos assumidos
sejam cumpridos, avaliados e, assim, façam jus ao incentivo
financeiro de 20% do valor integral do Componente de Qualidade do
Piso da Atenção Básica variável (PAB variável) por Equipe de Atenção
Básica participante. Dos 47 indicadores pactuados, 23 são
imprescindíveis para a permanência da equipe no programa. Os
indicadores selecionados se referem a alguns dos principais focos
estratégicos da Atenção Básica, assim como a iniciativas e
programas estratégicos do Ministério da Saúde, buscando sinergia
entre o PMAQ e as prioridades pactuadas pelas 3 esferas de governo.
4.2.4 Funcionamento da Atenção Básica (PNAB 2017)

A Atenção Básica funciona nas chamadas UBSs, Unidades Básicas de


Saúde Fluviais e Unidades Odontológicas Móveis, onde atuam
equipes multiprofissionais.
As UBSs funcionam 40 horas semanais, 5 dias por semana, no
mínimo, habitualmente em horário matutino e vespertino. Horários
alternativos podem ser pactuados nas instâncias de participação
social, como os conselhos de saúde. Podem ter até 4 equipes de
Atenção Básica ou Saúde da Família para atingir seu potencial
resolutivo. As equipes devem assumir a responsabilidade sanitária
por uma população de 2.000 a 3.500 pessoas, residentes em
território definido. As ações realizadas deverão seguir 2 padrões:
essencial, com ações e procedimentos básicos relacionados a
condições básicas/essenciais; ampliados, com ações e
procedimentos considerados estratégicos.
Todas as UBSs devem monitorizar a satisfação dos usuários (registro
de elogios, críticas, reclamações) e assegurar acolhimento e escuta
ativa e qualificada das pessoas, mesmo que não sejam da sua área de
abrangência, com classificação de risco e encaminhamento
responsável e articulado com outros serviços.
Há 5 tipos de equipes multiprofissionais que podem atuar na
Atenção Básica: Equipe de Saúde da Família (ESF), Equipe de Atenção
Básica (EAB), Equipe de Saúde Bucal (ESB), Núcleo Ampliado de
Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) e Estratégia de
Agentes Comunitários de Saúde (EACS).
A EAB é uma novidade da PNAB 2017. Ela não exige a participação de
ACSs em sua composição e pode ser formada com médico,
enfermeiro e técnico ou auxiliar de enfermagem, o que não é
possível no caso da ESF, que conta com todos esses profissionais.
A equipe de Saúde da Família é composta por:
a) 1 médico(a);
b) 1 enfermeiro(a);
c) 1 técnico(a) de enfermagem;
d) ACS 1.

1 O número de ACS por equipe deverá ser definido de acordo com base populacional,
critérios demográficos, epidemiológicos e socioeconômicos, de acordo com definição local.
Em áreas de grande dispersão territorial, áreas de risco e vulnerabilidade social,
recomenda-se a cobertura de 100% da população com número máximo de 750 pessoas
por ACS.

As ESBs, compostas por dentista, técnico de saúde bucal ou auxiliar


de saúde bucal (modalidade I) ou dentista, técnico de saúde bucal e
auxiliar de saúde bucal ou outro técnico de saúde bucal (modalidade
II), atuam sempre vinculados às ESFs ou EABs. As equipes da EACS
são uma possibilidade para a reorganização inicial da Atenção
Básica, com vistas à implantação gradual da ESF ou como forma de
agregar os agentes comunitários a outras maneiras de organização
da Atenção Básica. Para isso, é necessária a existência de UBS, ACS e
enfermeiro supervisor. Cada ACS deverá realizar suas ações
previstas, dentro de sua microárea de responsabilidade, com um
limite máximo de até 750 pessoas.
Já as Equipes do NASF foram criadas pelo Ministério da Saúde por
meio da Portaria GM 154, de 2008, com o objetivo de ampliar a
abrangência e o escopo das ações da Atenção Básica, bem como sua
resolubilidade. Com a publicação da Portaria 3.124, de 2012, o
Ministério da Saúde criou uma 3ª modalidade de conformação de
equipe: o NASF 3, abrindo a possibilidade de qualquer município do
Brasil fazer implantação de equipes NASF, desde que tenha ao menos
1 ESF. As modalidades de NASF estão assim definidas: NASF 1 (de 5 a
9 ESFs), NASF 2 (de 3 a 4 ESFs) e NASF 3 (de 1 a 2 ESFs). Com a PNAB
2017, o NASF passou a complementar não só as ESFs, mas também
as EABs. Por isso, o nome foi trocado para Núcleo Ampliado de Saúde
da Família e Atenção Básica (NASF-AB). As equipes do NASF-AB são
compostas por diferentes ocupações da área da saúde para dar
suporte (clínico, pedagógico e sanitário) às ESFs e EABs, atuando em
conjunto com elas, em seus respectivos territórios. Como parte do
corpo de profissionais, podemos citar: médico acupunturista,
assistente social, profissional/professor de educação física,
farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, ginecologista/obstetra,
médico homeopata, nutricionista, pediatra, psicólogo, psiquiatra,
terapeuta ocupacional, geriatra, clínico médico, médico do trabalho,
veterinário, arte-educador e profissional de saúde sanitarista.
Portanto, as equipes do NASF-AB não se constituem como serviços
com unidades físicas independentes ou especiais nem são de livre
acesso para atendimento individual ou coletivo (estes, quando
necessários, devem ser regulados pelas equipes que atuam na
Atenção Básica). Devem, a partir das demandas identificadas no
trabalho conjunto com as equipes, atuar de forma integrada a RASs e
seus diversos pontos de atenção, além de outros equipamentos
sociais públicos/privados, redes sociais e comunitárias.
Há, ainda, as equipes que atuam com populações específicas: as
Equipes de Consultório de Rua, cujo objetivo é ampliar o acesso
desses usuários ao serviço de saúde e ofertar de maneira mais
oportuna atenção integral à saúde. Realiza atividades de forma
itinerante, desenvolvendo ações na rua, em instalações específicas,
na unidade móvel e nas instalações das UBSs do território onde atua,
sempre articuladas e desenvolvendo ações em parceria com as
demais equipes de Atenção Básica do território (UBS e NASF-AB) e
dos Centros de Atenção Psicossocial, da Rede de Urgência e dos
serviços e instituições componentes do Sistema Único de Assistência
Social, entre outras instituições públicas e da sociedade civil. Há,
também, as Equipes de Saúde da Família para o Atendimento da
População Ribeirinha da Amazônia Legal e Pantanal Sul-Mato-
Grossense. As Equipes de Saúde da Família Ribeirinha (ESFR)
desempenham a maior parte de suas funções em UBSs
construídas/localizadas nas comunidades pertencentes à área
adscrita e cujo acesso ocorre por meio fluvial. As Equipes de Saúde da
Família Fluviais (ESFFs) desempenham suas funções em Unidades
Básicas de Saúde Fluviais (UBSFs).
Dentre as Estratégias e Programas da Atenção Básica, que inclui as
equipes citadas, há também o Programa de Saúde na Escola (PSE).
Este foi criado em 2007, pelo Decreto Presidencial 6.286, de 5 de
dezembro, na perspectiva da atenção integral (promoção,
prevenção, diagnóstico e recuperação da saúde e formação) à saúde
de crianças, adolescentes e jovens do ensino público básico, no
âmbito das escolas e UBSs, realizada pelas equipes de saúde da
Atenção Básica e educação de forma integrada, por meio de ações de
avaliação clínica e psicossocial; promoção e prevenção, visando à
promoção da alimentação saudável, de práticas corporais e
atividades físicas nas escolas, à educação para a saúde sexual e
reprodutiva, à prevenção ao uso de álcool, tabaco e outras drogas, à
promoção da cultura de paz e prevenção das violências, à promoção
da saúde ambiental e desenvolvimento sustentável; educação
permanente para qualificação da atuação dos profissionais da
educação e da saúde e formação de jovens.
4.2.5 Atribuições dos profissionais da Atenção
Básica
Quadro 4.1 - Atribuições comuns a todos os integrantes da equipe
Nota: o Quadro apresenta incoerência de sequência numérica (item XIV após o XXIV),
porém está aqui apresentada de acordo com a publicação oficial da revisão de diretrizes
para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Fonte: Ministério da Saúde, 2017.

Quadro 4.2 - Atribuições específicas dos profissionais da Atenção Básica


Nota: consulte a PNAB (2017) para conhecer outras atribuições dos ACSs, além das
atribuições do cirurgião dentista, do técnico em saúde bucal, do auxiliar em saúde bucal e
do gerente da Atenção Básica.
Fonte: Ministério da Saúde, 2017.

O médico da equipe de Saúde da Família é responsável pela conduta


de todos os pacientes de sua região de atendimento, sendo, muitas
vezes, o único ponto de acesso à saúde aos usuários. Por esse motivo,
deve entender e evitar o processo de medicalização social,
compreendido como a expansão progressiva do campo de
intervenção da Biomedicina por meio da redefinição de experiências
e comportamentos humanos como se fossem problemas médicos. O
desfecho prático disso mostra que resfriados, lutos, pequenas
contusões, tristezas, crises de relacionamento, dores ocasionais,
morte e nascimentos, crises existenciais etc. passam a ser
vertiginosamente medicalizados.
4.2.6 O processo de trabalho na Atenção Básica
A Atenção Básica como contato preferencial dos usuários na RAS
orienta-se pelos princípios e diretrizes do SUS, a partir dos quais
assume funções e características específicas. Considera as pessoas
em sua singularidade e inserção sociocultural, buscando produzir a
atenção integral, por meio da promoção da saúde, da prevenção de
doenças e agravos, do diagnóstico, do tratamento, da reabilitação e
da redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer
sua autonomia. Dessa forma, é fundamental que o processo de
trabalho na Atenção Básica se caracterize por:
a) Definição do território e territorialização - a gestão deve definir o
território de responsabilidade de cada equipe, e esta deve conhecer o
território de atuação para programar suas ações de acordo com o perfil
e as necessidades da comunidade, considerando diferentes elementos
para a cartografia: ambientais, históricos, demográficos, geográficos,
econômicos, sanitários, sociais, culturais, etc. Importante refazer ou
complementar a territorialização sempre que necessário, já que o
território é vivo. A nova PNAB possibilita, através de pactuação e
negociação entre gestão e equipes, que o usuário possa ser atendido
fora de sua área de cobertura, mantendo o diálogo e a informação com
a equipe de referência;
b) Responsabilização sanitária - papel que as equipes devem assumir
em seu território de referência (adstrição), considerando questões
sanitárias, ambientais (desastres, controle da água, solo, ar),
epidemiológicas (surtos, epidemias, notificações, controle de agravos),
culturais e socioeconômicas, contribuindo por meio de intervenções
clínicas e sanitárias nos problemas de saúde da população com
residência fixa, os itinerantes (população em situação de rua, ciganos,
circenses, andarilhos, acampados, assentados, etc) ou mesmo
trabalhadores da área adstrita;
c) Porta de entrada preferencial;
d) Adscrição de usuários e desenvolvimento de relações de vínculo e
responsabilização entre a equipe e a população;
e) Acesso de modo a acolher todas as pessoas do seu território, de
modo universal e sem diferenciações excludentes - acesso tem relação
com a capacidade do serviço em responder às necessidades de saúde
da população (residente e itinerante). Isso implica dizer que as
necessidades da população devem ser o principal referencial para a
definição do escopo de ações e serviços a serem ofertados, para a
forma como esses serão organizados e para o todo o funcionamento
da UBS, permitindo diferenciações de horário de atendimento
(estendido, sábado, etc), formas de agendamento (por hora marcada,
por telefone, e-mail, etc), e outros, para assegurar o acesso;
f) O acolhimento em todas as relações de cuidado, nos encontros entre
trabalhadores de saúde e usuários;
g) Trabalho em equipe multiprofissional;
h) Resolutividade, com capacidade de intervir nos riscos, necessidades
e demandas de saúde da população, solucionando problemas de
saúde. A equipe deve ser resolutiva desde o contato inicial, até demais
ações e serviços da atenção básica de que o usuário necessite;
i) Atenção integral, contínua e organizada à população adscrita, com
base nas necessidades sociais e de saúde;
j) Realização de ações de atenção domiciliar destinada a usuários que
possuam problemas de saúde controlados/compensados e com
dificuldade ou impossibilidade física de locomoção até uma Unidade
Básica de Saúde, que necessitam de cuidados com menor frequência
e menor necessidade de recursos de saúde, para famílias e/ou
pessoas para busca ativa, ações de vigilância em saúde e realizar o
cuidado compartilhado com as equipes de atenção domiciliar nos
casos de maior complexidade;
k) Programação e implementação de ações com base nas
necessidades de saúde, priorizando-as de acordo com a frequência,
risco, vulnerabilidade e resiliência;
l) Implementação da Promoção da Saúde como um princípio para o
cuidado em saúde;
m) Desenvolvimento de ações de prevenção primária, secundária,
terciária e quaternária;
n) Desenvolvimento de ações educativas;
o) Desenvolver ações intersetoriais em interlocução com escolas,
equipamentos do Sistema Único de Assistência Social, associações de
moradores, equipamentos de segurança, entre outros, que tenham
relevância na comunidade, integrando projetos e redes de apoio social,
voltados para o desenvolvimento de uma atenção integral;
p) Implementação de diretrizes de qualificação dos modelos de
atenção e gestão;
q) Participação do planejamento local de saúde;
r) Implantar estratégias de segurança do paciente;
s) Apoio às estratégias de fortalecimento da gestão local e do controle
social;
t) Formação e Educação Permanente em Saúde.

4.2.7 Financiamento da Atenção Básica


O financiamento da Atenção Básica é tripartite e deve estar
detalhado no Plano Municipal de Saúde garantido nos instrumentos
conforme especificado no Plano Nacional, Estadual e Municipal de
gestão do SUS. No âmbito federal, o montante de recursos
financeiros destinados à viabilização de ações de Atenção Básica à
saúde compõe o financiamento de Atenção Básica. O financiamento
federal é composto por:
a) Recursos per capita;
b) Recursos para estratégias e programas da Atenção Básica, como
eSF, EAB, EACS, NASF, Equipe Consultório na Rua, eSFF, PSE e
Academias da Saúde;
c) Recursos condicionados à abrangência e oferta de serviços;
d) Recursos condicionados a desempenho dos serviços, como o
PMAQ;
e) Recursos de investimento.

O recurso per capita é transferido mensalmente, de forma regular e


automática, do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos Municipais de
Saúde e do Distrito Federal, com base em um valor multiplicado pela
população do município.
Quadro 4.3 - Variáveis presentes no Piso de Atenção Básica
4.3 PROGRAMA/ESTRATÉGIA SAÚDE
DA FAMÍLIA: HISTÓRICO E MUDANÇAS
RECENTES
O Programa Saúde da Família (PSF) foi criado no Brasil em 1994,
com a publicação do Ministério da Saúde “Programa de Saúde da
Família: dentro de casa”. Seu antecedente imediato foi o PACS
(Programa de Agentes Comunitários de Saúde), iniciado em 1991,
que foi criado com o objetivo de aumentar a acessibilidade ao
sistema de saúde e incrementar as ações de prevenção e promoção da
saúde, contribuindo para a redução das mortalidades infantil e
materna, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Para ser um
ACS de determinada unidade de saúde, o profissional deve morar na
área adscrita de abrangência da unidade, ter no mínimo o ensino
fundamental e ter realizado o curso introdutório de ACS.
Na segunda publicação oficial do PSF, em 1997, intitulada “PSF: uma
reorientação do modelo assistencial”, observa-se a mudança de sua
característica de programa (com tempo de início e fim definidos)
para Estratégia Saúde da Família (ou ESF, sem tempo determinado
para o término). Em 28 de março de 2006, o Ministério da Saúde
emitiu a Portaria 648, na qual ficou estabelecido que o PSF é a
estratégia prioritária do Ministério da Saúde para organizar a
Atenção Básica no Brasil, o que se mantém com a PNAB, em 2012 e
não mais utiliza o nome “programa” e sim “estratégia saúde da
família”.
Com a PNAB publicada em 2017, ocorreu uma flexibilização no modo
de organizar a Atenção Básica, não sendo mais obrigatório a ESF
como único modelo de organização, pois os municípios podem,
desde então, compor equipes menores, as chamadas Equipes de
Atenção Básica, sem a presença do ACS. Outras mudanças
significativas também são verificadas com a PNAB 2017:
estabelecimento de “padrões” na oferta de serviços – padrão de
ações e serviços essenciais e padrão de ações e serviços ampliados;
flexibilização da carga horária dos profissionais das EABs, que
podem ser contratados com carga horária de 10 horas semanais (no
caso da ESF continua sendo 40 horas semanais, com exceção do
médico); flexibilização do atendimento nas UBSs, não sendo
obrigatório o usuário pertencer ao território de abrangência de sua
equipe de referência para ser atendido.
4.4 SISTEMA DE INFORMAÇÃO EM
SAÚDE
A OMS define um sistema de informação em saúde como mecanismo
de coleta, processamento, análise e transmissão da informação para
planejar, organizar, operar e avaliar serviços de saúde. São alguns
exemplos de sistemas de informação em saúde no Brasil:
a) SIH-SUS (Sistema de Internação Hospitalar), relacionado com
cadastramento das Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs),
destinadas ao pagamento das internações de hospitais públicos e
privados conveniados ao SUS;
b) SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), para coletar
dados sobre mortalidade no país;
c) SINITOX (Sistema Nacional de Informações Tóxico-
Farmacológicas), que tem, como principal atribuição, coordenar a
coleta, a compilação, a análise e a divulgação dos casos de
intoxicação e envenenamento notificados no país;
d) SINASC (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos), que visa
reunir informações relativas aos nascimentos em todo o território
nacional. A fonte dos dados é a Declaração de Nascido Vivo,
padronizada pelo Ministério da Saúde;
e) CNES (Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde),
responsável por integrar informações relacionadas aos recursos físicos
e humanos disponíveis no SUS (consultórios, equipamentos etc.);
f) SIA-SUS (Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS), que
permite repasse financeiro, com base nos Boletins de Produção
Ambulatorial (BPAs) e Autorização de Procedimentos de Alta
Complexidade (APAC).

4.4.1 Sistema de Informação em Saúde para a


Atenção Básica (SISAB)
Dentro dos sistemas de informação, foi criado um sistema
exclusivamente para a Atenção Básica, que teve início em 1993 com o
nome de Sistema de Informação do Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (SIPACS), com troca para o nome SIAB em
1998 (Sistema de Informação da Atenção Básica). O SIAB é um
sistema desenvolvido pelo DATASUS com o objetivo de agregar,
armazenar e processar as informações relacionadas à Atenção
Básica, usando como ponto central a ESF.
Tal instrumento incorporou em sua formulação conceitos como
território, problema e responsabilidade sanitária, completamente
inserido no contexto de reorganização do SUS no país, fazendo que
assumisse características distintas dos demais sistemas existentes.
As fichas que estruturam o trabalho das equipes de Atenção Básica e
produzem os dados que compõem o SIAB são utilizadas para o
cadastro, acompanhamento domiciliar, registro de atividades,
procedimentos e notificações, organizadas conforme indicado no
Quadro 4.4.
Quadro 4.4 - Instrumentos de coleta do Sistema de Informação da Atenção Básica
Os indivíduos só serão cadastrados (pelo médico ou ACS) em cada
uma dessas fichas quando tiverem diagnóstico médico estabelecido.
Os casos suspeitos serão sempre encaminhados à UBS para consulta
médica.
No intuito de reestruturar o SIAB para um sistema unificado,
integrando todos os sistemas de informação para a Atenção Básica e
garantindo o registro individualizado por meio do Cartão Nacional
de Saúde (CNS), foi instituído o Sistema de Informação em Saúde
para a Atenção Básica (SISAB), pela Portaria GM/MS 1.412, de 10 de
julho de 2013. Este tem como fins o financiamento e a adesão aos
programas e estratégias da PNAB. O SISAB integra a estratégia do
Departamento de Atenção Básica (DAB/SAS/MS) denominada e-SUS
Atenção Básica (e-SUS AB), que propõe o incremento da gestão da
informação, a automação dos processos, a melhora das condições de
infraestrutura e das condições de trabalho.
A estratégia é implementar um software único (e-SUS AB) e é
composta por 2 sistemas que instrumentalizam a coleta dos dados
que serão inseridos no SISAB: a Coleta de Dados Simplificado (CDS) e
o Prontuário Eletrônico do Cidadão (PEC). Recentemente incluído
pela PRT GM/MS 1.653, de 02.10.2015, também já está disponível um
módulo de atenção domiciliar para os Serviços de Atenção
Domiciliar, compostos por Equipes Multiprofissionais de Atenção
Domiciliar e Equipes Multiprofissionais de Apoio.
Os sistemas e-SUS AB foram desenvolvidos para atender os
processos de trabalho da Atenção Básica para a gestão do cuidado em
saúde, podendo ser utilizados por profissionais de todas as equipes,
incluindo o Núcleo de Apoio à Saúde da Família - AB, do Consultório
na Rua, de Atenção à Saúde Prisional, do Programa Saúde na Escola,
da Academia de Saúde e da Atenção Domiciliar.
Qual a diferença entre
Atenção Primária à Saúde e
Estratégia Saúde da
Família?
A APS significa tanto a orientação da organização de um
serviço de saúde de um país ou de uma população definida
(primary health care) quanto o primeiro nível de atenção
desse sistema (primary care); é regida por 4 atributos
essenciais (acesso ou primeiro contato, integralidade,
longitudinalidade e coordenação do cuidado) e por 3
atributos derivados (orientação para a família, orientação
para a comunidade e competência cultural). No Brasil, a
Estratégia Saúde da Família e considerada a estratégia
prioritária de expansão, consolidação e qualificação da
Atenção Básica no Brasil.
O que caracteriza a
Medicina de Família e
Comunidade como uma
especialidade médica?

5.1 INTRODUÇÃO
Ainda no início do século XX, a Medicina era exercida de forma muito
independente e com direcionamentos terapêuticos diversos. Além da
medicina ortodoxa, havia práticas médicas como o fisiomedicalismo
ou botanomedicalismo, precursores da fitoterapia e da homeopatia,
por exemplo. Não havia um controle de abertura de escolas médicas,
tampouco necessidade de conexão com as universidades ou uma
padronização científica da prática clínica.
Assim, em 1910, foi publicado pelo médico estadunidense Abraham
Flexner o estudo chamado Medical Education in the United States
and Canada – A Report to the Carnegie Foundation for the
Advancement of Teaching, que ficou conhecido como Relatório
Flexner. Esse relatório revolucionou a educação médica, pois
reorganizou e regulamentou o ensino médico nos Estados Unidos e
serviu de base para estruturar as faculdades de Medicina no mundo
inteiro. Suas principais características são a definição da estrutura
do curso em 4 anos, a vinculação das escolas médicas às
universidades, a ênfase na pesquisa biológica como forma de superar
a era empírica do ensino, o controle do exercício profissional pela
profissão organizada e a prática da Medicina centrada na doença e
no ambiente hospitalar. Construiu-se um modelo fragmentado (com
divisão entre ciclos básicos e ciclos clínicos), cuja abordagem de
ensino trazia à lembrança o antigo modelo de Descartes do dualismo
corpo e mente, em que se acreditava que era possível compreender a
biologia do ser humano apenas por suas partes orgânicas, separadas
das emoções.
Entretanto, essa revolução desencadeou um processo de exclusão de
todas as propostas de atenção em saúde que não estivessem dentro
dos seus parâmetros, desconsiderando outros fatores que interferem
na qualidade do trabalho dos médicos para a sociedade, como o
estudo da Medicina de Família e Comunidade (MFC), a compreensão
das necessidades sociais das pessoas e a resolução das doenças mais
prevalentes de uma população fora do ambiente hospitalar.
Em função disso é que, a partir da década de 1960, em todo o mundo,
esse modelo vem sendo contestado. Nesse ínterim, surge o
movimento da MFC como forma de resistência à ênfase dedicada ao
modelo flexneriano, enfatizando a preocupação com as demandas
dos pacientes nas comunidades e seus enfrentamentos psicossociais
em relação às suas doenças.
A formação da Organização Mundial de Médicos de Família e
Comunidade (World Organization of National Colleges, Academies
and Academic Associations of General Practice – WONCA) em 1972 e
a formação do Grupo de Leeuwenhorst, durante a II Conference in
the Teaching of General Practice (Holanda, 1974), podem ser
considerados marcos importantes para o fortalecimento da Medicina
de Família e Comunidade no mundo.
No Brasil, a formação em Medicina de Família e Comunidade teve
início em 1976, quando foram criados 3 programas de Residência
Médica (Rio de Janeiro, Vitória de Santo Antão e Porto Alegre), que
tinham como propósito formar especialistas em MFC no campo da
Atenção Primária à Saúde (APS). Hoje a MFC é uma especialidade
médica reconhecida pelo MEC/AMB, com vagas de Residência
Médica espalhadas por todo o país. Com a Lei 12.871/2013, foi
instituído o Conselho Nacional de Educação (CNE), que, por sua vez,
discutiu e aprovou as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de Medicina no Brasil. Estas orientam que a formação médica
seja dirigida fundamentalmente às reais necessidades de saúde da
população e do sistema brasileiro, com ênfase para atuação no
médico na APS, além de que, no mínimo, 30% do internato aconteça
na APS e nos serviços de urgência. Essas medidas levaram a um
maior contato do estudante com a especialidade de MFC.
Em todo esse contexto histórico, a MFC tem contribuído para a
reestruturação científica da própria Medicina, pois seus princípios e
práticas são centrados na clínica para a pessoa (e não apenas para a
doença), na relação médico-paciente e na interlocução com o
indivíduo, sua família e sua comunidade.
A MFC é definida como a especialidade médica que presta assistência
à saúde de forma continuada, integral e abrangente para pessoas,
suas famílias e a comunidade; integra ciências biológicas, clínicas e
comportamentais; abrange todas as idades, ambos os sexos, cada
sistema orgânico e cada doença; trabalha com sinais, sintomas e
problemas de saúde; e proporciona o contato das pessoas com o
médico mesmo antes que exista uma situação de doença ou depois
que esta se resolva. Também tem, como característica especial, o
acesso do médico de família e comunidade ao domicílio das pessoas
(Lopes, 2012).

O médico de família e comunidade é o especialista responsável pela


prestação dos cuidados primários, personalizados, abrangentes e
continuados a todos os indivíduos que o procuram,
independentemente de idade, sexo ou afecção. Deve ser clinicamente
competente para lidar com os problemas mais prevalentes de todos
os ciclos de vida, considerando os contextos culturais,
socioeconômicos e psicológicos. Atua tanto em ações de promoção à
saúde quanto prevenção, diagnóstico, cura, reabilitação e cuidados
paliativos.
A MFC é uma especialidade médica com foco privilegiado na APS e,
por isso, é considerada especialidade estratégica na conformação
dos sistemas de saúde. A APS, por sua vez, como nível de atenção,
pode ser entendido como o local em que se presta o primeiro contato
do usuário com o serviço de saúde, servindo, portanto, como porta
de entrada do sistema. Envolve o cuidado ao longo do tempo
(longitudinal), integral e personalizado. Tem como missão a
coordenação das necessidades de saúde do usuário.
A atenção primária como o campo essencial de trabalho da MFC, a
base de conhecimentos próprios da especialidade, que a determina
como disciplina, e o compartilhamento de conhecimentos de outras
especialidades médicas - para realização de cuidado efetivo dos
problemas mais prevalentes em todos os ciclos de vida - apresentam
o escopo básico de atuação da MFC.
As principais características da MFC apresentada pelo Wonca Europe
estão apresentados a seguir:
a) É a especialidade de primeiro contato com o sistema de saúde,
prestando um acesso aberto e ilimitado aos seus usuários, lidando
com todos os problemas de saúde, independentemente de idade, sexo
ou qualquer outra característica da pessoa em questão;
b) Utiliza eficientemente os recursos de saúde por meio da
coordenação de cuidados, do trabalho com outros profissionais no
contexto dos cuidados primários e da gestão da interface com outras
especialidades, assumindo, sempre que necessário, a advocacia pelo
paciente;
c) Desenvolve uma abordagem centrada na pessoa, orientada para o
indivíduo, sua família e sua comunidade;
d) Adota um processo de condução de consulta personalizada,
estabelecendo uma relação ao longo do tempo, por meio de uma
comunicação efetiva entre o médico e o paciente;
e) É responsável pela continuidade da prestação de cuidados,
conforme as necessidades do paciente;
f) Possui um processo próprio de tomada de decisões, determinado
pela prevalência e incidência de determinadas doenças na
comunidade;
g) Coordena e busca resolver, simultaneamente, problemas de saúde
agudos e crônicos dos seus pacientes;
h) Trata problemas que se apresentam de forma indiferenciada, em um
estádio precoce da sua evolução, e que podem requerer uma
intervenção urgente;
i) Promove a saúde e o bem-estar por meio de uma intervenção
apropriada e efetiva;
j) Possui responsabilidade específica pela saúde da comunidade;
k) Lida com problemas de saúde em todas as suas dimensões: física,
psicológica, social, cultural e existencial.

E, a partir destes, são delineados os objetivos para a MFC:


a) Atuar, prioritariamente, no âmbito da APS, a partir de uma
abordagem biopsicossocial do processo saúde-adoecimento;
b) Desenvolver ações integradas de promoção, proteção, recuperação
da saúde nos níveis individual e coletivo;
c) Priorizar a prática médica centrada na pessoa, na relação médico-
paciente, com foco na família e orientada para comunidade,
privilegiando o primeiro contato, o vínculo, a continuidade e a
integralidade do cuidado na atenção à saúde;
d) Coordenar os cuidados de saúde prestados a determinado
indivíduo, família e comunidade, referenciando, sempre que
necessário, para outros especialistas ou outros níveis e setores do
sistema, mas sem perda do vínculo;
e) Atender, com elevado grau de qualidade e resolutividade, no âmbito
da APS, cerca de 85% dos problemas de saúde relativos a uma
população específica, sem diferenciação de sexo ou faixa etária;
f) Desenvolver, planejar, executar e avaliar, junto à equipe de saúde,
programas integrais de atenção, objetivando dar respostas adequadas
às necessidades de saúde de uma população adscrita, tendo por base
metodologias apropriadas de investigação, com ênfase na utilização do
método epidemiológico;
g) Estimular a resiliência, a participação e a autonomia dos indivíduos,
das famílias e da comunidade;
h) Desenvolver novas tecnologias em APS;
i) Desenvolver habilidades no campo da metodologia pedagógica e a
capacidade de autoaprendizagem;
j) Desenvolver a capacidade de atuação médica, relevando seus
aspectos científicos, éticos e sociais.

5.2 PRINCÍPIOS
Os princípios fundamentais da formação e atuação do médico de
família são:
a) O MFC é um clínico qualificado (competência em método clínico
centrado na pessoa e medicina baseada em evidências);
b) A atuação do MFC é influenciada pela comunidade (condições de
saúde mais frequentes variam conforme a localização geográfica,
devendo, cada MFC, conhecer mais sobre o que é mais prevalente em
seu território; além disso, aspectos ambientais, de trabalho e culturais
também influenciam no cuidado);
c) O MFC é recurso de uma população definida (para conseguir dar
acesso o MFC deve ter sob seus cuidados uma população da qual
possa “dar conta”. Não existe consenso quanto ao número ideal, pois
estrutura etária e condições sociais, por exemplo, influenciam; mas
estima-se que em torno de 1800 a 2200 pessoas para um médico de
40 horas de atendimento semanal);
d) A relação médico-pessoa é fundamental para o desempenho do
MFC.

5.3 MÉTODO CLÍNICO CENTRADO NA


PESSOA
O paciente, quando chega à consulta clínica na Atenção Primária,
apresenta problemas e queixas não pré-selecionados como num
consultório de um especialista focal (exemplo: chega ao consultório
de neurologia com cefaleia e que são frequentemente encontrados
num estágio indiferenciado no que diz respeito à História Natural da
Doença. Para uma boa avaliação médica, diversos modelos de
abordagem são propostos (Quadro 5.1), conforme o objetivo da
consulta.
Quadro 5.1 - Modelos de abordagem médica
Fonte: adaptado de Gusso; Lopes, 2012.
No caso do médico de família e comunidade, diversos são os
caminhos que podem ser tomados no início da consulta - conversa
direta com diagnóstico e tratamento, apenas renovação da
medicação ou mesmo choro durante toda a consulta - sendo,
portanto, importante ao médico incorporar um método que assegure
que as atitudes tomadas serão na busca do melhor cuidado. Tal
método clínico é conhecido como abordagem centrada na pessoa.
O método clínico centrado na pessoa é uma sistematização da
abordagem centrada na pessoa e tem como objetivo o
estabelecimento de uma boa relação médico-paciente, com uma
avaliação integral, resolutiva, longitudinal, com responsabilização
da pessoa, humanização e vínculo, considerando o sujeito em sua
singularidade e inserção sociocultural. Possui 6 passos:
a) Explorar a doença e a experiência da pessoa (disease e illness);
b) Entender a pessoa como um todo, inteira;
c) Elaborar um projeto comum ao médico e à pessoa para o manejo
dos problemas;
d) Incorporar prevenção e promoção à saúde na prática diária;
e) Intensificar a relação médico-pessoa;
f) Ser realista.

Figura 5.1 - O método clínico de abordagem centrada na pessoa


Fonte: adaptado de Gusso; Lopes, 2012.

Os componentes da abordagem centrada na pessoa são:


1. Explorar a saúde, a doença e a experiência com a doença:
a) Entendimento de saúde para cada pessoa;
b) Anamnese, exame físico, laboratório;
c) Avaliação da dimensão da moléstia (illness) – sentimentos,
ideias, expectativas, efeito na função.
2. Entender a pessoa como um todo:
a) A pessoa: sua história de vida, seus aspectos pessoais e de
desenvolvimento;
b) O contexto próximo: a família, seu suporte social, interação
com sua comunidade, emprego;
c) O contexto distante: seu ecossistema, organização da
comunidade, cultura.
3. Elaborar um projeto comum de manejo:
a) Problemas e prioridades;
b) Objetivos do tratamento e do manejo;
c) Definição dos papéis da pessoa e do médico.
4. Incorporar prevenção e promoção à saúde:
a) Diminuir e evitar riscos;
b) Evitar complicações;
c) Melhorar a situação de saúde.
5. Intensificar a relação médico-pessoa:
a) Empatia;
b) Autoconhecimento;
c) Transferência e contratransferência.
6. Ser realista:
a) Considerar os recursos disponíveis e utilizá-los de forma
adequada;
b) Trabalhar em equipe;
c) Planejamento de tempo e timing adequados para o manejo.

Os componentes do método de abordagem centrado na pessoa estão


estreitamente interligados. O bom médico de família e comunidade
move-se com habilidade para frente e para trás entre os
componentes, seguindo as palavras e sentimentos da pessoa durante
a consulta. Essa técnica “de ir e vir” é o conceito-chave para utilizar
e ensinar a abordagem centrada na pessoa, requerendo prática e
experiência.
A abordagem centrada na pessoa envolve avaliar a illness (moléstia
ou percepção do paciente sobre o adoecimento), levar em conta seu
contexto de vida e trabalho, ser realista a respeito do
problema/doença do paciente, praticar uma relação médico-
paciente horizontal, realizar promoção e prevenção de saúde e, por
fim, tomar uma decisão compartilhada com o paciente a respeito de
seu tratamento.
5.3.1 illness versus disease
Um dos processos estudados e treinados na MFC é a diferenciação
entre doença (disease) e moléstia ou adoecimento (illness). Tal
diferenciação foi descrita por Susser e Watson em 1971 (e,
posteriormente, por Eisenberg em 1977) e relata que a doença
(disease) se refere a um processo explicável a partir da fisiopatologia,
dos sinais e sintomas clínicos e exames complementares, com base
em anomalias estruturais, que definem alterações orgânicas
funcionais, e que se expressam de maneira similar
independentemente de cada indivíduo. Já a moléstia ou adoecimento
(illness) se refere à experiência subjetiva que vive cada pessoa ao
adoecer ou sentir-se mal por qualquer motivo; essa experiência é
expressa por queixas, problemas ou disfunções, de modo único, ou
seja, cada pessoa expressa adoecimento de forma distinta de acordo
com sua história de vida.
A illness, em geral, deve ser avaliada em termos de sentimentos da
pessoa, ideias com relação ao processo de adoecimento ou de
procura ao serviço, efeitos que esse problema imprime no dia a dia
(na função) e a expectativa da pessoa quanto ao atendimento
prestado. É importante lembrar que o adoecimento (ou moléstia,
illness) nem sempre está necessariamente ligado a um diagnóstico
nosológico: pacientes em sofrimento podem procurar o médico por
frustrações de vida, luto e outras condições não classificadas como
doenças (disease); entretanto, é função do médico de família e
comunidade ser o 1º contato do paciente, entender o contexto deste
acerca de seu problema e resolver a situação utilizando de técnica e
tecnologia adequada para que o adoecimento (ou moléstia) também
não se transforme em doença (disease).
O estudo do processo de illness e sua relação com o processo de
disease é extremamente importante na MFC, pois, em muitos casos,
o paciente pode sofrer incapacidade e reclusão do ambiente social e
econômico, tamanha é a expressão/percepção da doença para ele
(illness). Além disso, o paciente deve ser tratado como um todo,
portanto ambos os processos devem ser analisados na tomada de
condutas. A figura 5.2 apresenta o processo de abordagem de um
problema ou queixa considerando illness e disease.
Figura 5.2 - Processo de doença e moléstia
Fonte: adaptado de Ruben et al., 2009.

5.4 ABORDAGEM FAMILIAR


Outro ponto extremamente importante na MFC é a abordagem
familiar, tendo em vista que o impacto de um problema de saúde
recai sobre a pessoa e o seu entorno. Além disso, a família pode atuar
como origem ou perpetuadora da crise ou servir para ajudar na
resolução do conflito.
Hoje, verifica-se uma ampla variação da organização familiar de
uma sociedade para outra ou mesmo no interior de uma dada
sociedade. Porém, algumas organizações podem ser definidas,
como:
1. Família nuclear, conjugal ou elementar: pai, mãe e filhos nascidos
dessa união; todos habitam o mesmo espaço, e sua união é
reconhecida pelos demais membros da comunidade;
2. Família composta: conjunto de cônjuges e de seus filhos na
sociedade poligâmica, podendo ocorrer a poliginia (homem com mais
de 1 esposa) ou a poliandria (mulher com vários maridos);
3. Família extensa: rede familiar ligando consanguíneos, aliados e
descendentes, ao longo de pelo menos 3 gerações, correspondendo,
em geral, a uma unidade doméstica (propriedade da terra e das
habitações).

Para avaliar diferentes aspectos da organização familiar, a MFC


conta com diferentes ferramentas, oriundas da Sociologia e da
Psicologia, que visam estreitar as relações entre profissionais e
famílias, promovendo a compreensão em profundidade do
funcionamento do indivíduo e de suas relações com a família e a
comunidade. A seguir apresentaremos algumas ferramentas para
abordagem familiar: ciclo de vida familiar, genograma, ecomapa,
P.R.A.C.T.I.C.E, F.I.R.O. e A.P.G.A.R. familiar. Essas ferramentas,
contudo, não são de uso exclusivo para a abordagem familiar, em
especial o entendimento do ciclo de vida, do genograma e do
ecomapa, podendo ser utilizado durante a abordagem de diversas
situações.
5.4.1 Ciclo de vida familiar
Em uma organização familiar, diferentes estágios do ciclo de vida
(ou ciclo vital) são observados (Tabela 5.2), baseados em eventos
significativos que transformam a estrutura da família, apresentando
novas tarefas a serem cumpridas em cada etapa. É na transição
desses estágios que geralmente aparecem dificuldades, e estas se
transformam em problemas se a família não consegue realizar
adequadamente suas tarefas. O estudo do ciclo vital permite que o
médico perceba os entraves que a família está atravessando,
previsíveis ou não. A classificação do ciclo vital mais aceita foi
proposta por Carter e McGoldrick (1995).
Quadro 5.2 - Estágios do ciclo vital
Fonte: Ministério da Saúde.

Ainda dentro do estudo dos ciclos vitais, estão presentes as crises


normativas, ou seja, aquelas esperadas no decorrer de cada ciclo, e as
crises paranormativas, as quais não estão previstas nos ciclos e
acabam gerando maior impacto na família, podendo-se
desestruturá-la emocional e socialmente.
Dentro das crises normativas, podemos citar dependência
econômica, insatisfação sexual, gravidez, aleitamento, ingresso e
adaptação escolar, separação e independência dos filhos, climatério,
síndrome do ninho vazio, perspectiva da morte.
Nas crises paranormativas, os exemplos são os seguintes:
1. Fatores ambientais: separação do casal, infidelidade, rivalidade
entre irmãos;
2. Doenças: aborto, doenças venéreas, doenças graves, suicídio,
hospitalização, invalidez, morte;
3. Fatores econômicos: desemprego, mudança de posto/horário do
trabalho;
4. Outros: mudança de residência, migração, atividades criminais e
prisão.

5.4.2 Genograma
O genograma é um instrumento de avaliação do paciente e de sua
família. Também chamado de árvore familiar, foi usado no passado
por Gregor Mendel para explicar a transmissão genética das
doenças, por meio das linhas de transmissão entre as gerações.
O genograma proporciona uma visão de um quadro trigeracional de
uma família e de seu movimento por meio do ciclo de vida, ajudando
o médico (e também a família) a analisar o contexto presente e as
transformações familiares longitudinalmente. O genograma pode
ser interpretado tanto na forma horizontal, olhando a situação-
problema por meio do contexto familiar, quanto na forma vertical,
ou seja, das gerações, tentando desvendar padrões que se repetem ao
longo do tempo que possam explicar a origem de alguns problemas.
No genograma são representados os diferentes membros da família,
padrão de relacionamento e principais morbidades. Ainda se podem
adicionar dados como ocupação, hábitos, grau de escolaridade, entre
outros. O genograma deve:
a) Utilizar simbologia-padrão, utilizando símbolos e siglas (Quadros 5.3
e 5.4);
b) Representar pelo menos 3 gerações (Figura 5.3);
c) Iniciar com a representação do casal e seus filhos;
d) Indicar o ciclo vital da família;
e) Representar as relações familiares;
f) Indicar os fatores estressores, como doenças e condições;
g) Obedecer à cronologia de idade – dos mais velhos para os mais
novos (da esquerda para a direita).

Quadro 5.3 - Símbolos-padrão no genograma


Quadro 5.4 - Principais siglas do genograma
O genograma está indicado em situações que apresentem: sintomas
inespecíficos, utilização excessiva dos serviços de saúde, doenças
crônicas, isolamento, problemas emocionais graves, situações de
risco familiar (violência doméstica, drogadição) e mudanças no ciclo
de vida. Seu valor é diagnóstico e terapêutico.
Figura 5.3 - Exemplo de genograma

5.4.3 Ecomapa
O ecomapa é um desenho complementar ao genograma na
compreensão da composição e estrutura de relações intrafamiliares
e, principalmente, com o meio que cerca a família. Isso é realizado ao
colocar todos os pontos de suporte da família: trabalho, igreja,
amigos, grupos comunitários, vizinhos etc. Assim como no
genograma, linhas demarcam os tipos de relação entre a família e os
grupos destacados.
Figura 5.4 - Exemplo de esquematização de um ecomapa
Fonte: elaborado pelos autores.

5.4.4 F.I.R.O.
F.I.R.O. (Fundamental Interpersonal Relations Orientations) é a sigla
para “Orientações Fundamentais nas Relações Interpessoais”,
ferramenta que procura avaliar sentimentos de membros da família
nas relações do cotidiano. Pode ser usada em situações em que as
interações na família possam ser categorizadas nas dimensões de
inclusão (dinâmica de relações), controle (exercício do poder na
família) e intimidade (união entre membros para compartilhar
sentimentos). Essa ferramenta é útil quando, por qualquer motivo,
há mudança de papéis na família. Por exemplo: quando o chefe da
família perde seu emprego e passa a ser sustentado pela esposa. Essa
proposta de modelo é bastante difundida no Brasil, principalmente
por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), mas ainda não temos
nenhum estudo de validação no Brasil.
5.4.5 P.R.A.C.T.I.C.E.
O modelo P.R.A.C.T.I.C.E. auxilia o médico na estruturação do seu
atendimento às famílias e na avaliação do funcionamento delas,
facilitando a coleta de informações e o entendimento do problema,
de ordem clínica, comportamental ou relacional. Deve ser aplicado
em reuniões familiares, e o profissional deve ter a clareza de que só
uma entrevista familiar geralmente será insuficiente para construir
com a família soluções para a resolução do problema apresentado.
Quadro 5.5 - Estrutura do P.R.A.C.T.I.C.E.
5.4.6 A.P.G.A.R. familiar
Reflete a satisfação de cada membro da família (estado funcional
familiar), representado pela sigla A.P.G.A.R., que significa:
Adaptation (adaptação), Partnership (participação), Growth
(crescimento), A ection (afeição) e Resolve (resolução). Cinco
perguntas são realizadas e pontuadas, para posterior análise:
a) Estou satisfeito com a atenção que recebo da minha família quando
algo está me incomodando?
b) Estou satisfeito com a maneira com que minha família discute as
questões de interesse comum e compartilha comigo a resolução dos
problemas?
c) Sinto que minha família aceita meus desejos de iniciar novas
atividades ou de realizar mudanças no meu estilo de vida?
d) Estou satisfeito com a maneira como minha família expressa afeição
e reage em relação aos meus sentimentos de raiva, tristeza e amor?
e) Estou satisfeito com a maneira como eu e minha família passamos o
tempo juntos? Interpretação: para cada pergunta: quase sempre - 2
pontos; às vezes - 1 ponto; raramente - zero.

5.5 ATENÇÃO DOMICILIAR


O Ministério da Saúde brasileiro utiliza o termo Atenção Domiciliar
para designar o conjunto de ações integradas em saúde que ocorrem
no domicílio destinadas à população em geral. A atenção domiciliar
é, em outras palavras, o cuidado prestado no domicílio, para
qualquer pessoa em qualquer situação. É uma categoria de
atendimento estudada e amplamente treinada na MFC, muito
presente em toda a APS por meio, mas não exclusivamente, da
Estratégia Saúde da Família. Nesse contexto, é utilizada para
conhecer e avaliar o território onde o médico de família e
comunidade está inserido, para cadastro dos pacientes de uma
determinada área, para análise de situações relacionadas ao
ambiente domiciliar (estruturas de risco para quedas em idosos, por
exemplo), para fazer a busca ativa de pacientes em situação de
vulnerabilidade (risco de suicídio, abandono do tratamento de
tuberculose, por exemplo) e para entender melhor o contexto de
determinados pacientes (má adesão ao tratamento).
Por via de regra, em função da alta demanda, são visitadas as
pessoas que, permanente ou temporariamente, estão
impossibilitadas de comparecer à Unidade de Saúde.
É importante que o paciente atendido more na área adscrita da
unidade de saúde, que a equipe tenha o devido consentimento para
que ele receba cuidados domiciliares e, caso seja idoso frágil, tenha
um cuidador responsável.
A atenção domiciliar é subdividida em:
1. Assistência domiciliar: ocorre no âmbito da APS, vinculada ou não
à ESF. Destinada a pessoas com perdas funcionais e dependência
para as atividades de vida diária. Subdivide-se em:
a) Vigilância domiciliar: decorre do comparecimento de um
integrante da equipe até o domicílio para realizar ações de
promoção, prevenção (visitas a puérperas, busca de recém-
nascidos), educação e busca ativa da população de sua área de
responsabilidade;
b) Atendimento domiciliar: voltado a pessoas com problemas
agudos, temporariamente impossibilitadas de comparecer ao
serviço de saúde;
c) Acompanhamento domiciliar (ou monitoramento
domiciliar): dirigido a pessoas que necessitem de contatos
frequentes com os profissionais de saúde, como portadores de
doença crônica que apresentem dependência física, pacientes
terminais, idosos com limitação da mobilidade.
2. Internação domiciliar: conjunto de atividades prestadas no
domicílio para pessoas clinicamente estáveis, mas que exijam
intensidade de cuidados maior que das modalidades ambulatoriais,
desde que com equipe profissional voltada para esse fim. Sendo
assim, é oferecida aos pacientes com problemas agudos ou egressos
hospitalares, que exijam cuidados mais intensos, mas que possam ser
mantidos em casa. São realizadas em comum acordo entre o paciente,
a família e a equipe de saúde, desde que haja condições físicas e
psicológicas para tanto.

Alguns critérios de inclusão utilizados pelas equipes de saúde para


fornecer assistência domiciliar continuada incluem:
a) Idosos sem condições de locomoção;
b) Paciente terminal;
c) Possuidor de deficiência física;
d) Possuidor de distúrbios psicológicos;
e) Pacientes egressos de internação hospitalar;
f) Pacientes orientados a permanecer em repouso absoluto;
g) Impossibilidade de comparecer à unidade de saúde por questões
anatômicas, sociais ou ambientais.

A Atenção Domiciliar, no âmbito do SUS, é organizada em 3


modalidades:
1. AD1: estarão os usuários com problemas de saúde
controlados/compensados com algum grau de dependência para as
atividades da vida diária (não podendo se deslocar até a unidade de
saúde). Essa modalidade tem as seguintes características:
a) Permite maior espaçamento entre as visitas;
b) Não necessita de procedimentos e técnicas de maior
complexidade;
c) Não necessita de atendimento médico frequente;
d) Possui problemas de saúde controlados/compensados.
2. AD2: destina-se aos usuários com problemas de saúde e dificuldade
ou impossibilidade física de locomoção até uma unidade de saúde que
necessitam de maior frequência de cuidado, recursos de saúde e
acompanhamento contínuo, até a estabilização do quadro. A
frequência das visitas deve ser semanal. A prestação de assistência à
saúde na modalidade AD2 é de responsabilidade da Equipe
Multiprofissional de Atenção Domiciliar (EMAD) e da Equipe
Multiprofissional de Apoio (EMAP), ambas designadas especialmente
pelo município para esta finalidade;
3. AD3: destina-se aos usuários com problemas de saúde e dificuldade
ou impossibilidade física de locomoção até uma unidade de saúde,
com necessidade de maior frequência de cuidado; é semelhante ao da
AD2, mas aqui os pacientes precisam de equipamentos especializados
(oxigenoterapia, por exemplo) e procedimentos especiais.

Para a admissão de usuários nas modalidades AD2 e AD3, é


fundamental a presença de um cuidador identificado e devem ser
garantidos, se necessário, transporte e retaguarda de unidades
assistenciais de funcionamento 24 horas, definidas previamente
como referência para o usuário, nos casos de intercorrências.
5.6 REGISTRO CLÍNICO ORIENTADO
POR PROBLEMAS
Além da correta abordagem clínica pelo médico de família e
comunidade, na atenção primária há a necessidade de um registro
correto dos encontros entre médico e paciente, pois o elemento que
mais contribui para aumentar o desempenho da coordenação do
cuidado do paciente é o processo de reconhecimento das
informações a respeito dos problemas, pois apenas quando estes são
reconhecidos é que os profissionais podem agir sobre eles. Dentro
desse contexto, o Registro Clínico Orientado por Problemas (RCOP)
tem-se mostrado eficiente.
O RCOP possui 3 áreas fundamentais para o registro das informações
clínicas: a base de dados da pessoa, lista de problemas e as notas de
evolução clínica (notas “SOAP” – Subjetivo, Objetivo, Avaliação e
Plano), podendo ser adicionado um quarto componente: as fichas de
acompanhamento, que resumem os dados complementares mais
relevantes e sua evolução.
A base de dados da pessoa é formada pelas informações e dados
obtidos na história clínica e de vida (antecedentes pessoais e
familiares), no exame físico e nos resultados de exames
complementares, registrados geralmente na primeira ou nas
primeiras consultas.
A lista de problemas constitui a primeira parte de um prontuário
baseado no RCOP, devendo vir logo após a identificação da pessoa,
elaborada a partir da sua base de dados e das notas de evolução
subsequentes, sendo dinâmica. Com o uso dela, forma-se um
resumo dos problemas de saúde da pessoa, facilitando a
compreensão do caso por parte do médico.
Na prática do registro clínico orientado por problemas, deve-se
realizar uma lista de problemas, a partir da qual se tomarão as
condutas e se orientará o tratamento com base em uma decisão
compartilhada. Esse registro clínico é feito com base no atendimento
médico, no qual se utilizam informações e dados colhidos na história
clínica e nos antecedentes pessoais e familiares, bem como no
exame físico e no resultado de exames complementares.
As notas de evolução clínica são formadas por 4 partes, conhecidas
resumidamente como “SOAP” (Quadro 5.6).
Quadro 5.6 - Resumo das notas de evolução
O que caracteriza a
Medicina de Família e
Comunidade como uma
especialidade médica?
A Medicina de Família e Comunidade (MFC), é a
especialidade médica cujo foco principal se dá na Atenção
Primária à Saúde (APS) e que se dedica ao cuidado da
pessoa, da família e da comunidade independente de idade,
sexo, sistema orgânico ou doença. O médico de família e
comunidade deve ser clinicamente competente para lidar
com os problemas mais prevalentes em todos os ciclos de
vida e atuar na coordenação do cuidado da pessoa dentro
do sistema de saúde (otimizando a utilização de recursos
técnicos e humanos, atuando em parceria com as demais
especialidades médicas). A MFC possui uma base própria
de conhecimentos (caracterizando-a como disciplina) e
compartilha conhecimentos das demais especialidades
médicas.
Quais as principais
atividades realizadas pela
Agência Nacional de Saúde
Suplementar?

6.1 HISTÓRICO
O desenvolvimento do sistema suplementar brasileiro teve origem
no surgimento das instituições previdenciárias do último século
(institutos de aposentadoria e pensão) durante a conformação mais
consistente de um sistema de saúde no Brasil. Essas instituições
previdenciárias eram representadas pelas diferentes categorias
profissionais de trabalhadores urbanos que, para a organização da
oferta de saúde, compravam a prestação de serviços médicos
ambulatoriais ou de hospitais. Nesse mesmo período, surgiram as
caixas de assistência, dirigidas a funcionários de determinadas
empresas e cujos benefícios ocorriam por meio de empréstimos ou
reembolsos pela utilização de serviços de saúde.
Com a instalação de empresas estatais e multinacionais na década de
1950, surgiram os sistemas assistenciais patronais, prestadores
diretos de cuidados médicos aos funcionários. Na década de 1960,
houve a unificação dos institutos e caixas de assistência, que
originou o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social),
aumentando significativamente a cobertura de beneficiários e
configurando uma rede de serviços julgada insuficiente por usuários
das categorias profissionais de maior poder aquisitivo.
Esse fato levou à ampliação do credenciamento de prestadores de
serviços privados, principalmente por meio do financiamento de
grupos médicos (que, gradativamente, se transformaram em
empresas médicas), e à organização da rede de serviços próprios e
credenciados em 2 subsistemas, um voltado aos trabalhadores
urbanos, e outro, aos trabalhadores rurais. Tal ampliação gerou
conflitos entre a categoria médica, configurando-se uma disputa por
um grupo que pretendia preservar a prática liberal da Medicina e por
outro que considerava mais importante adaptar a prática médica às
necessidades do mercado que se constituía. Assim, surgiam as
cooperativas médicas (que atendiam a demanda nos consultórios de
cada profissional) e as medicinas de grupo (responsáveis pelo
atendimento hospitalar).
Conformava-se, portanto, um sistema de saúde com intensa relação
público-privada, cuja assistência médica tinha o apoio da rede do
INPS com unidades próprias e credenciadas, além de contratos
coletivos de serviços credenciados de empresas e cooperativas
médicas e empresas com planos próprios (as autogestões). Em geral,
a cobertura prestada era igual para todos os empregados, sem
diferenciação por nível hierárquico nas categorias profissionais, até
começar a haver a segmentação dos planos, criada por uma lógica de
benefício e mérito (quem paga valor mais alto tem direito a um leque
maior de serviços).
Com o advento do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na
Constituição de 1988, ocorreu a definição da participação livre à
iniciativa privada, de forma complementar, na execução de serviços
de saúde no Brasil. No entanto, esse setor somente foi
regulamentado 10 anos depois, em 1998.
#IMPORTANTE
O sistema de saúde brasileiro é híbrido, isto é,
composto por serviços públicos garantidos por
legislação pelo Estado e um sistema privado
que o complementa, chamado saúde
suplementar.

O setor de saúde suplementar tem, como marcos legais:


a) A Lei dos Planos de Saúde – Lei 9.656, de 3 de junho de 1998 – é o
marco histórico da regulação sobre o mercado dos planos de saúde.
Delibera, dentre os pontos principais, sobre a restrição da liberdade
das operadoras e ampliação da cobertura mínima (Plano Referência),
sobre a cobertura parcial temporária de lesões e doenças
preexistentes, carência, reembolso, vigência mínima e renovação
automática do contrato, vedação de discriminação por idade ou
portadores de deficiência, redação do contrato (instituindo regras
gerais com o objetivo de favorecer a interpretação e reduzir os
conflitos), coberturas obrigatórias, condições especiais e vedações aos
contratos anteriores à promulgação da lei;
b) A criação da ANS, Lei 9.661, de 28 de janeiro de 2000;
c) A Medida Provisória 2.177-44, de 2001, que incluiu e revogou
diversos artigos da Lei 9.656;
d) A Lei 10.185/01, que instituiu a figura da seguradora especializada.

Vinculada ao Ministério da Saúde, a ANS tem como missão promover


a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde,
regular as operadoras setoriais – inclusive quanto às suas relações
com prestadores e consumidores – e contribuir para o
desenvolvimento das ações de saúde no país. Dessa maneira, a
atuação da ANS deve contribuir para que as operadoras aumentem
sua eficiência e capacidade de gestão, os prestadores qualifiquem a
assistência e os beneficiários tenham seus direitos respeitados e o
seu bem-estar garantido.
A ANS desenvolve ações em todo o território nacional como órgão de
regulação e caracteriza-se como uma autarquia especial com
autonomias administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de
recursos humanos e de decisões técnicas. Cinco diretorias formam a
diretoria colegiada, instância de decisão deliberativa da Agência.
Anualmente a ANS emite um relatório de atividades para prestação
de contas que deve ser apresentado obrigatoriamente ao Senado
Federal (nos termos do artigo 1º da Resolução do Senado Federal 4 de
12 de março de 2013) que objetiva a prestação de contas para a
sociedade das principais ações realizadas no período.
Atualmente a ANS regula mais de 1200 operadoras e, segundo dados
do primeiro trimestre de 2019, aproximadamente 71,6 milhões de
beneficiários (entre planos médicos com ou sem odontologia e
exclusivamente odontológicos - Figura 6.1). O termo beneficiário
refere-se ao vínculo de uma pessoa a um determinado plano de
saúde de uma determinada operadora (Manual Sala de Situação,
2016). Uma pessoa pode ter mais do que um plano de saúde, então o
número total de beneficiários pode ser maior do que o de indivíduos
que efetivamente possuem planos de saúde.
Figura 6.1 - Beneficiários de planos privados de assistência à saúde Brasil (2000-2019)

Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2019.

A cobertura por planos de saúde privados é maior nas regiões


sudeste e sul (Figura 6.2). Em todos os estados, a taxa de cobertura
na capital é maior do que no interior. No conjunto das capitais, 43%
da população é coberta por plano de assistência médica, enquanto no
interior a taxa é de 19%. Vitória (ES) é a capital com maior cobertura
(67%).
Figura 6.2 - Taxa de cobertura dos planos privados de assistência médica por unidades da
federação (Brasil – junho/2019)

Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2019.

O número de operadoras ativas, com ou sem beneficiários, é


decrescente desde 2001.
Figura 6.3 - Evolução do registro de operadoras (Brasil – dezembro/1999-junho/2019)
Nota: Operadoras com beneficiários, por modalidade da operadora.
Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2019.

6.2 MODALIDADES DE EMPRESAS


PRESTADORAS DE SERVIÇOS NA
SAÚDE SUPLEMENTAR
Conforme o estatuto jurídico as operadoras são classificadas em
diferentes modalidades. As diferentes modalidades de serviços
prestados na saúde suplementar incluem autogestão (serviços
patrocinados diretamente pela empresa interessada), medicina de
grupo (usuários fazem contribuição mensal com valor fixo),
cooperativas médicas ou odontológicas (constituídas por médicos ou
odontólogos e que funcionam em sistema assistencial de pré-
pagamento), seguro-saúde (sistema de reembolso das despesas dos
segurados), filantropia e administradora de benefícios.
6.2.1 Autogestão
Trata-se de um plano de assistência médico-hospitalar patrocinado
diretamente pela empresa interessada, que fornece e administra os
serviços exclusivos a seus funcionários e respectivos dependentes,
sem a interferência de intermediários. É, portanto, um tipo de plano
exclusivo a pessoas jurídicas (empresas). De acordo com a política de
benefícios da empresa, a prestação de serviços médicos cobertos
pode ser mista ou de 3 formas distintas: serviços próprios,
credenciados e de livre escolha.
Quadro 6.1- Formas de prestação de serviços médicos cobertos

1. Vantagens:
a) Há flexibilidade da empresa em definir a representação do plano,
com a possibilidade de atuar diretamente sobre o sistema, corrigindo
eventuais desvios e lançando alternativas que beneficiem a empresa e
o funcionário;
b) Maior facilidade de comunicação entre o beneficiário e os gestores
do plano, que podem ser empresas privadas, autarquias, sindicatos
etc.

2. Desvantagem: o serviço de saúde não se relaciona com a


atividade-fim (core business) da empresa e tem necessidade de
elevado investimento, dirigido para a criação e manutenção de uma
estrutura administrativa de controle do plano. Em acréscimo ao
poder de negociação com a rede credenciada, esse sistema provoca
elevação do custo, em comparação com os demais planos disponíveis
no mercado.
6.2.2 Medicina de grupo
São empresas constituídas, especificamente, para a prestação de
assistência médica, em que seus usuários, empresas ou indivíduos
contribuem mensalmente com um valor fixo (sistema de pré-
pagamento). Costumam ter prestadores e locais predefinidos para o
atendimento, determinando que seus usuários se mantenham em
sua rede própria de ambulatórios, prontos atendimentos, hospitais e
serviços de exames complementares. Nesse tipo de plano, o valor
garante assistência nos termos do contrato assinado, repassando,
assim, os riscos à empresa contratada.
1. Vantagem: várias empresas oferecem maiores alternativas de
preço, qualidade do produto e abrangência de atendimento, além de
o preço ser competitivo.
2. Desvantagem: não disponibilizam a livre escolha de serviços
(algumas empresas estão mudando esse perfil), e a distribuição
geográfica de atendimento é mais restrita.
6.2.3 Cooperativas médicas
Constituídas por médicos, atuam conforme a Lei 5.764, de 16 de
dezembro de 1971, garantem um plano de assistência no sistema de
pré-pagamento e atuam nos segmentos individual e coletivo, tendo
como diferencial a prestação de serviços feita por médicos da região
onde se tornam cooperados. Algumas cooperativas possuem
hospitais próprios. Os cooperados têm participação nos resultados
obtidos, caracterizando a relação como uma espécie de sociedade
exclusivamente formada por médicos. As cooperativas exigiam que o
cooperado não fosse credenciado a outros tipos de planos de saúde, o
que dificultava a entrada de outros planos privados de assistência
médica na região. Nos últimos anos, os tribunais superiores têm
determinado que essa exigência seja abandonada, por cercear a
liberdade de trabalho do médico. A administração dos planos é
descentralizada, levando a grande variedade tanto dos produtos
quanto da abrangência de local de atendimento.
1. Vantagem: extensão da rede de prestadores de serviços e,
inicialmente, preços competitivos em função do tamanho da
carteira, já que outros planos têm dificuldade para entrar na região.
2. Desvantagem: conforme o porte da cooperativa, pode haver
menor flexibilidade na escolha de prestadores. Em alguns casos, o
âmbito regional da cobertura pode ser restrito.
6.2.4 Cooperativas odontológicas
Trata-se de sociedades sem fins lucrativos que operam
exclusivamente planos odontológicos. Atuam em conformidade com
o disposto na Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971 (assim como as
cooperativas médicas).
6.2.5 Seguro-saúde
Trata-se de um plano privado de assistência médico-hospitalar que
tem, como principal característica, o reembolso das despesas
efetuadas pelos segurados, de acordo com o limite do plano
contratado. Proporciona a livre escolha de médicos, clínicas e
hospitais e pode ser oferecida, como recurso adicional, uma rede
referenciada, que, se utilizada, dispensa o usuário de qualquer
pagamento no ato da utilização. Essa modalidade, além de estar
submetida a regulação da ANS, está subordinada à Superintendência
de Seguros Privados (SUSEP).
1. Vantagem: como as doenças são incertas quanto à data de sua
ocorrência e ao custo de seu tratamento, o seguro torna esse risco e
seu custeio previsíveis, pois seus fundamentos possibilitam tal
aferição. Além disso, proporciona a livre escolha de médicos e
hospitais.
2. Desvantagem: a existência de poucas seguradoras atuando no
mercado afeta a competitividade quanto a preços e qualidade de
produtos.
6.2.6 Filantropia
Trata-se de entidade sem fins lucrativos que opera planos privados
de assistência à saúde. Deve ser certificada, junto ao Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS) como entidade filantrópica.
Além disso deve ser declarada pelo Ministério da Justiça ou por
órgãos dos governos estaduais e municipais como sendo de utilidade
pública.
6.2.7 Administradora de benefícios
A empresa apenas administra planos de saúde que são financiados
por outra operadora. Não possui, então, beneficiários diretos, não
assume o risco das operações destes planos de saúde e não possui
rede própria, credenciada ou referenciada.
6.3 LEI DOS PLANOS DE SAÚDE (LEI
9.656/1998 MODIFICADA PELA
MEDIDA PROVISÓRIA 2.177-44, DE
2001)
Dentre os principais pontos da lei que rege os planos de saúde, estão:
proibição da comercialização de qualquer plano de saúde com
redução ou exclusão de coberturas assistenciais; cobertura de todas
as doenças listadas na CID-10; controle dos reajustes de preço;
proibição da seleção de risco e do rompimento unilateral do
contrato; proibição do aumento por faixa etária de planos para
aqueles com mais de 60 anos, sendo que seu valor não pode exceder
6 vezes o menor preço.
Da legislação dos planos de saúde, destacam-se os seguintes pontos:
a) Proibiu-se a comercialização de qualquer plano de saúde com
redução ou exclusão de coberturas assistenciais;
b) A permissão de comercialização de planos exclusivamente
ambulatoriais ou hospitalares não abdica da cobertura integral no
segmento;
c) Cobrem-se todas as doenças listadas na CID-10;
d) Permitiu-se a comercialização de planos exclusivamente
ambulatoriais ou hospitalares.

São regras de proteção ao consumidor definidas pela legislação:


a) Controle dos reajustes de preço, inclusive por faixa etária;
b) Proibição da seleção de risco e do rompimento unilateral do contrato
com os usuários de planos individuais;
c) É vedado o aumento por faixa etária de planos para aqueles com
mais de 60 anos, e seu valor não pode exceder 6 vezes o menor
preço;
d) Não pode haver limitação do número de consultas, de cobertura
para exames e de prazo para internações, mesmo em leitos de alta
tecnologia (UTI/CTI).

6.4 CLASSIFICAÇÃO DOS PLANOS DE


ASSISTÊNCIA PRIVADA
6.4.1 Quanto à forma de contratação
1. Individual ou familiar: O contrato é assinado entre um indivíduo e
uma operadora de planos de saúde para assistência à saúde do titular
do plano (individual) ou do titular e seus dependentes (familiar).
2. Coletivo empresarial: o contrato é assinado por pessoa jurídica ou
por um sindicato. Oferece a cobertura para uma população
delimitada conforme vínculo à pessoa jurídica por relação
empregatícia ou estatutária.
3. Coletivo por adesão: oferece cobertura da atenção prestada à
população que mantenha vínculo com pessoas jurídicas de caráter
profissional, classista ou setorial.
Independentemente da forma de contratação do plano de saúde
(contrato individual ou coletivo), desde a entrada em vigor da Lei
9.656/98, para evitar futuras negativas de assistência, é obrigatório
constar no contrato, de forma clara, a cobertura assistencial
oferecida.
Figura 6.4 - Beneficiários de planos de assistência médica por tipo de contratação do plano
(Brasil – junho/2019)
Fonte: adaptado de Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2019.

6.4.2 Quanto ao tipo de cobertura assistencial


Cobertura assistencial é a denominação dada ao conjunto de direitos
(tratamentos, serviços, procedimentos médicos, hospitalares e/ou
odontológicos) a que um usuário faz jus pela contratação de um
plano de saúde. A seguimentação do plano é a composição das
coberturas: ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia,
exclusivamente odontológico, referência, ambulatorial +
odontológico, ambulatorial + hospitalar com ou sem obstetrícia,
hospitalar com ou sem obstetrícia + odontológico, ambulatorial +
hospitalar (com ou sem obstetrícia) + odontológico. Cabe ao
consumidor escolher o mais conveniente e o que oferece maiores
vantagens.
Conforme a seguimentação, há uma série de procedimentos com
cobertura obrigatória (conforme o Rol de Procedimentos e Eventos
em Saúde editado pela ANS e revisado bianualmente). Essas
determinações são válidas para os contratos celebrados depois de 1º
de janeiro de 1999 ou para os adaptados à Lei 9656/98 (planos
novos). A lei dos planos de saúde não impede, contudo, a
comercialização de planos com coberturas e características
superiores às do Plano Referência, como aqueles com diferentes
condições de acomodação ou com cobertura para procedimentos não
obrigatórios, como cirurgias estéticas.
6.4.2.1 Plano ambulatorial

O plano ambulatorial compreende os atendimentos realizados em


consultório ou em ambulatório, definidos e listados no Rol de
Procedimentos e Eventos em Saúde. Não inclui internação hospitalar
ou procedimentos para fins de diagnóstico ou terapia, serviços que
demandem o apoio de estrutura hospitalar por período superior a 12
horas, ou serviços como Unidade de Terapia Intensiva e unidades
similares. A realização de procedimentos exclusivos da cobertura
hospitalar é de responsabilidade do beneficiário (ainda que realizado
na unidade prestadora de serviços em menos de 12 horas).
6.4.2.2 Plano hospitalar sem obstetrícia

O plano hospitalar compreende os atendimentos realizados em todas


as modalidades de internação hospitalar, com exceção da atenção ao
parto, e os atendimentos caracterizados como de urgência e
emergência, não incluindo atendimentos ambulatoriais para fins de
diagnóstico, terapia ou recuperação. Não há previsão de um tempo
limite de internação.
São as previstas na legislação e no Rol de Procedimentos Médicos
para o segmento hospitalar sem Obstetrícia, entre outras:
a) Internações em unidades hospitalares, inclusive em UTI/CTI, sem
limitação de prazo, valor máximo e quantidade;
b) Honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação;
c) Exames de diagnóstico e de controle da evolução da doença;
d) Fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais,
transfusões, sessões de quimioterapia e radioterapia durante o período
de internação;
e) Qualquer taxa, incluindo os materiais utilizados;
f) Remoção do paciente, quando comprovadamente necessário, dentro
dos limites da cobertura geográfica previstos em contrato;
g) Despesas do acompanhante para pacientes menores de 18 anos;
h) Cirurgias, mesmo as passíveis de realização em consultório,
quando, por imperativo clínico, necessitem ser realizadas durante a
internação hospitalar, como as cirurgias odontológicas
bucomaxilofaciais;
i) Procedimentos considerados especiais, cuja necessidade esteja
relacionada à continuidade da assistência prestada em regime de
internação hospitalar, como:
Hemodiálise e diálise peritoneal;
Quimioterapia;
Radioterapia, incluindo radiomoldagem, radioimplante e
braquiterapia;
Hemoterapia;
Nutrições parenteral e enteral;
Procedimentos diagnósticos e terapêuticos em hemodinâmica;
Embolizações e radiologia intervencionista;
Exames pré-anestésicos e pré-cirúrgicos;
Fisioterapia;
Cirurgia plástica reconstrutiva de mama para tratamento de
mutilação decorrente de câncer;
Acompanhamento clínico no pós-operatório, imediato e tardio, dos
submetidos a transplantes de rim e córnea, exceto medicação de
manutenção.

São exclusões no plano hospitalar sem obstetrícia:


a) Limitação para internação em Psiquiatria em 15 dias para
transtornos decorrentes de dependência de álcool ou drogas e 30 dias
para os transtornos agudos. Após esse prazo, o custo da internação
deve ser dividido entre o paciente e a operadora;
b) Tratamento em clínicas de emagrecimento (exceto para tratamento
de obesidade mórbida);
c) Tratamento em clínicas de repouso, estâncias hidrominerais, clínicas
para acolhimento de idosos, internações que não necessitem de
cuidados médicos em ambiente hospitalar;
d) Transplantes, à exceção de córnea e rim;
e) Consultas ambulatoriais e domiciliares;
f) Atendimento pré-natal e parto;
g) Tratamentos e procedimentos ambulatoriais.

6.4.2.3 Plano hospitalar com Obstetrícia

Engloba os atendimentos realizados durante internação hospitalar e


os procedimentos relativos ao pré-natal e à assistência ao parto.
Garante também a cobertura ao recém-nascido filho natural ou
adotivo (do contratante ou dependente) durante os primeiros 30 dias
após o parto.
São as previstas na legislação e no Rol de Procedimentos Médicos
para o segmento hospitalar com Obstetrícia, além das coberturas
elencadas para o plano hospitalar, incluindo, entre outras:
a) Procedimentos relativos ao pré-natal, inclusive consultas obstétricas
de pré-natal;
b) Exames relacionados, ainda que realizados em ambiente
ambulatorial;
c) Partos.

Não inclui consultas ambulatoriais e domiciliares, tratamentos e


procedimentos ambulatoriais não ligados ao pré-natal.
6.4.2.4 Plano Referência

Constitui o padrão de assistência médico-hospitalar, pois conjuga as


coberturas ambulatorial, hospitalar e obstétrica com acomodação na
enfermaria. A Lei estabelece que a operadora de plano de saúde deva
oferecer aos consumidores obrigatoriamente o Plano Referência.
Além disso, a lei estabelece que o atendimento de urgência e
emergência deve ser integral após 24 horas da contratação.
6.4.2.5 Plano exclusivamente odontológico

Compreende consultas, exames, atendimentos de urgência e


emergência odontológicos, além dos exames, tratamentos e
procedimentos realizados ambulatorialmente com a finalidade de
complementar o diagnóstico do beneficiário que estejam
determinados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
O quadro a seguir sumariza as coberturas conforme a
seguimentação.
Quadro 6.2 - Coberturas proporcionadas

Os procedimentos que, de acordo com a Lei 9.656/98, não são


obrigatoriamente cobertos pelas operadoras de planos de saúde, são:
a) Transplantes, à exceção de córnea e rim;
b) Tratamento clínico ou cirúrgico experimental;
c) Procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos;
d) Fornecimento de órteses, próteses e seus acessórios, não ligados
ao ato cirúrgico ou para fins estéticos;
e) Fornecimento de medicamentos importados, não nacionalizados
(fabricados e embalados no exterior);
f) Fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar;
g) Inseminação artificial;
h) Tratamentos ilícitos, antiéticos ou não reconhecidos pelas
autoridades competentes;
i) Casos decorrentes de cataclismos, guerras e comoções internas
declarados pelas autoridades competentes;
j) Tratamento em clínicas de emagrecimento (exceto para tratamento
de obesidade mórbida);
k) Tratamentos em clínicas de repouso, estâncias hidrominerais,
clínicas para acolhimento de idosos ou internações que não
necessitem de cuidados médicos em ambiente hospitalar.

Não pode haver limitação do número de consultas, da cobertura para


exames e do prazo para internações, mesmo em leitos de alta
tecnologia (Unidade de Terapia Intensiva/Centro de Terapia
Intensiva), salvo na assistência relacionada a transtornos
psiquiátricos.
6.4.3 Quanto à abrangência geográfica
O termo “cobertura” também é utilizado para especificar a
abrangência geográfica onde o beneficiário pode ser atendido. A
cobertura geográfica – que deve ser especificada no contrato – pode
alcançar um município (abrangência municipal), um conjunto de
municípios, um estado (cobertura estadual), um conjunto de estados
ou todo o país (cobertura nacional).
6.4.4 Quanto à época da contratação

#IMPORTANTE
Dependendo da época em que o plano de saúde
foi contratado, pode ser considerado antigo,
novo ou adaptado, tendo como referência a
plena vigência da Lei 9.656/98, em 02.01.1999.

6.4.4.1 Planos antigos

São os contratados antes de 02.01.1999. Como são anteriores às


regras da Lei 9.656/98, a cobertura é exatamente aquela que consta
no contrato, e as exclusões estão nele expressamente relacionadas.
6.4.4.2 Planos novos

São os contratados a partir de 02.01.1999 e comercializados de


acordo com as regras da Lei 9.656/98.
6.4.4.3 Planos adaptados

São os firmados antes de 02.01.1999 e posteriormente adaptados às


regras da Lei 9.656/98, passando a garantir ao consumidor a mesma
cobertura dos planos novos. Os consumidores do plano antigo
podem adaptá-lo à lei, bastando solicitar à sua operadora uma
proposta. A operadora é obrigada a oferecer-lhes essa proposta
(inclusive com novo valor de mensalidade), mas, como os
consumidores não são obrigados a aceitá-la, podem permanecer
com o plano antigo, caso seja mais conveniente. Aos contratos
antigos, o ponto crítico da legislação, foram garantidos alguns dos
direitos da nova regulamentação:
a) Proibição de limites de consultas e suspensão de internação,
inclusive em UTI;
b) Proibição de rompimento unilateral para os contratos individuais;
c) Controle dos reajustes para os contratos individuais. Em adição, os
usuários de planos antigos passaram a beneficiar-se do maior controle
sobre as operadoras.

Figura 6.5 - Beneficiários de planos de assistência médica por época de contratação do


plano (Brasil – junho/2019)
Fonte: adaptado de Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2019.

A Figura 6.6 apresenta as principais características antes e após a


regulamentação da lei de 1998.
Figura 6.6 - Características do setor antes e depois da regulamentação
Fonte: Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Uma análise, mesmo superficial, das mudanças evidencia o desafio


da regulamentação. Das empresas que antes se organizavam
livremente para atuar no setor, submetendo-se, unicamente, à
legislação do tipo societário escolhido, foi exigido o cumprimento de
medidas específicas, desde o registro de funcionamento até a
constituição de garantia financeira. A regulamentação determinou a
sujeição das operadoras a processos de intervenção e liquidação.
Foi estabelecido um prazo para a migração de todos os contratos
antigos para as novas regras: dezembro de 1999. A resistência do
mercado à fixação dos preços dos planos novos e o questionamento
da retroatividade inviabilizaram a cobrança do cumprimento desse
dispositivo da legislação, que foi revogado. Os usuários mantiveram
o direito de permanecer com seu plano antigo por tempo
indeterminado e o de exigir a adaptação – a qualquer tempo – para
um contrato novo.
Principais alterações após a regulamentação: quanto à empresa, há
uma atuação controlada por meio de autorização de funcionamento,
regras de operação uniformes e empresas sujeitas a intervenção,
com exigência de reserva ou garantias financeiras; quanto à saúde e
acesso, a mudança prevê assistência integral à saúde obrigatória,
com proibição da rescisão unilateral dos contratos, definição e
limitação das carências, reajustes controlados e proibição de limites
para internação.
6.5 CARÊNCIA E PRAZOS MÁXIMOS
PARA ATENDIMENTO
A Carência corresponde ao tempo necessário para liberação de
determinados procedimentos a serem realizados pelo plano de
saúde. Conforme a legislação, para planos contratados a partir de 02
de janeiro de 1999 ou adaptados à lei, a empresa que vende o plano
de saúde pode exigir:
a) 24 horas para atendimentos de casos de urgência (acidentes
pessoais ou complicações no processo gestacional);
b) 300 dias para partos a termo, excluídos os partos prematuros e
decorrentes de complicações no processo gestacional;
c) 180 dias para demais situações.

As carências, contudo, são definidas no contrato.


A portabilidade de carências é um direito concedido aos beneficiários
de planos de saúde ao mudarem de planos ou de operadoras, sem ter
a necessidade de cumprir os períodos de carências ou coberturas
parciais temporárias. Inicialmente, pela Resolução Normativa (RN)
186 de 2009, era permitida somente para beneficiários de planos de
contratação individual ou familiar. Em 2011, pela RN 252, também
foi permitida a portabilidade para os beneficiários com planos
coletivos por adesão e foi criada a portabilidade especial de carências
para situações especiais (quando a mudança de plano ou operadora
acontecia por motivos alheios ao desejo do beneficiário). Em 2018 a
RN 438 estabeleceu que os beneficiários de planos de saúde coletivos
empresariais também poderiam realizar a portabilidade. Essa RN
entrou em vigor em junho de 2019 e também retirou a exigência da
“janela” (prazo necessário para realizar a troca de plano) e da
compatibilidade de cobertura entre os planos para realização da
portabilidade. Nesse caso, ao beneficiário ficou o dever de cumprir as
carências para as coberturas não contratadas no plano de origem.
Após o prazo de carência, o beneficiário terá direito ao atendimento,
conforme segmentação do plano (se odontológico ou médico-
hospitalar; ambulatorial ou hospitalar com ou sem Obstetrícia;
referência). Esse atendimento deverá ocorrer dentro dos prazos
máximos conforme Resolução Normativa 259 a seguir.
Quadro 6.3 - Prazos para atendimento no plano de saúde
6.6 REGULAMENTAÇÃO
A regulamentação do setor de saúde suplementar compõe um
sistema, mas sua evolução pode ser mais bem analisada em 6
dimensões capazes de expressar as ações normativas e fiscalizadoras
para garantir o cumprimento da legislação:
a) Cobertura assistencial e condições de acesso;
b) Condições de ingresso, operação e saída do setor;
c) Regulação de preço;
d) Fiscalização e efetividade da regulação;
e) Comunicação e informação;
f) Ressarcimento ao SUS.

6.6.1 Cobertura assistencial e condições de acesso


Configuram-se como dimensão essencial e, talvez, o maior desafio
da regulação devido à sua importância e ao absoluto ineditismo. Não
havia paradigma nacional ou internacional de regulação do setor
privado de saúde com as características adotadas pela nossa
legislação: cobertura assistencial integral, proibição de seleção de
risco, limite de 24 meses para alegação de doença e lesão
preexistente com fixação de conceito jurídico para sua definição e
proibição de rompimento unilateral do contrato individual ou
familiar. São pontos de destaque na regulamentação da ANS:
a) Plano Referência;
b) Registro de Produtos;
c) Rol de Procedimentos Médicos;
d) Rol de Procedimentos Odontológicos;
e) Urgência e Emergência;
f) Coordenador de Informações Médicas;
g) Definição de Faixas Etárias;
h) Regulamentação do Acesso nos Casos de Doença e Lesão
Preexistente.

Deve-se notar que o impacto dessa regulamentação, exceto quanto


ao Coordenador de Informações Médicas, ocorreu apenas sobre os
planos novos, contratados a partir de janeiro de 1999, posto que, nos
contratos antigos, prevalece a cobertura assistencial constante no
contrato.
6.6.2 Condições de ingresso, operação e saída do
setor
A ANS foi responsável por toda a regulamentação das condições de
ingresso, funcionamento e saída de operação do setor de saúde
suplementar. Aqui estão os pontos de destaque na regulamentação
da Agência Nacional de Saúde Suplementar:
a) Registro de operadoras;
b) Garantias e provisões técnicas;
c) Regulamentação das seguradoras especializadas em saúde;
d) Transferência de carteira;
e) Transferência de controle (acionário/societário);
f) Regimes especiais (direção fiscal e técnica, liquidação extrajudicial)
e falência;
g) Cancelamento de registro.

6.6.3 Regulação de preço


Diferentemente dos setores regulados que operam em regime de
concessão e tarifação, no setor de saúde suplementar é livre a
determinação do preço de venda dos planos. A regulamentação
estabelece somente a necessidade de registro de uma nota técnica
atuarial, que define, na verdade, o custo do plano a ser oferecido,
impede sua comercialização abaixo desse patamar e garante sua
operacionalidade.
Também estão estabelecidas as exigências para a fixação de preços
diferenciados por faixa etária. Desde 2004, após a implementação do
estatuto do idoso, são admitidas 10 faixas etárias com intervalos de 5
anos – exceto quanto à primeira faixa, que vai de 0 a 18 anos. O valor
fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser
superior a 6 vezes o valor da primeira faixa (0 a 18). Além disso,
proíbe-se a variação de preços para usuários com mais de 60 anos e
mais de 10 anos de plano.
Os reajustes dos planos individuais e familiares são controlados pela
ANS, que estabelece o teto máximo do reajuste. Em dezembro de
2018 foi aprovada a medida regulatória que estabeleceu a nova
metodologia de cálculo para reajuste (Índice de Reajuste dos Planos
Individuais) para os planos contratados com data de aniversário a
partir de maio de 2019. Este novo índice de Reajuste dos Planos
Individuais é baseado na variação das despesas médicas das
operadoras dos próprios planos individuais e na inflação geral da
economia.
O reajuste aplicado a contratos individuais/familiares dos planos
antigos (realizados antes de 1º de janeiro de 1999 e não adaptados à
Lei 9.656/98) fica limitado ao que estiver estipulado no contrato.
Caso o contrato não seja claro ou não trate do assunto, o reajuste
anual de preços deverá estar limitado ao mesmo percentual de
variação divulgado pela ANS para os planos novos. Os preços dos
planos antigos foram calculados com base no contexto do setor
antes da Lei 9.656/98: preço de venda livre, reajustes anuais
automáticos e indexados (em geral, pelo IGP-M), cláusulas de
reequilíbrio econômico-financeiro com aplicação automática a
critério da operadora, periodicidade anual dos contratos e
possibilidade de não renovação e de rompimento a qualquer tempo.
As operadoras que assinaram o Termo de Compromisso com a ANS
para estabelecer a forma de apuração do percentual de reajuste a ser
aplicado aos contratos dos planos antigos têm os percentuais
autorizados para o reajuste anual, por variação de custos e são
diferenciados por operadora.
#IMPORTANTE
Na saúde suplementar, é livre a determinação
do preço de venda dos planos. No entanto, os
reajustes dos planos individuais e familiares são
controlados pela ANS.

As Figuras 6.7 e 6.8 apresentam os índices de reajuste aplicados de 2000 a 2016.

Figura 6.7 - Índices de reajuste aplicados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar

Figura 6.8 - Evolução dos índices dos planos de saúde (individual) da Agência Nacional de
Saúde Suplementar em relação à inflação (IPCA) acumulados entre 2006 e 2016
6.6.4 Fiscalização e efetividade da regulação
A ANS dispõe de mecanismos diversos de fiscalização. Entre eles,
merecem destaque:
a) Canais de atendimento da ANS: por meio deles os beneficiários de
planos de saúde podem acessar a ANS para esclarecimento de
dúvidas e registo de reclamações ou denúncias sobre os serviços das
operadoras. A ANS disponibiliza a central de relacionamento formada
pelo Disque ANS, pela Central de Atendimento por meio de formulário
eletrônico (disponível no portal da ANS na internet), pelos núcleos de
atendimento presenciais (disponíveis em 11 estados) e pela central de
atendimento especializado para deficientes auditivos. Denúncias ou
reclamações registradas nos canais de atendimento podem gerar
notificações para as operadoras com intermédio da ANS. A partir de
fevereiro de 2012, observou-se tendência de aumento no índice de
reclamações, demonstrando o crescimento da procura pela ANS. A
Figura 6.9 apresenta o perfil de reclamações dirigidas à ANS.

Figura 6.9 - Perfil de reclamações por tema (Brasil – 2019)


Notas: Dados referentes ao período de Jan/2019 a Junho/2019.
Fonte: adaptado de Agência Nacional de Saúde Suplementar, 2019.

b) Programa Parceiros da Cidadania: é uma estratégia voltada para a


consolidação da relação institucional entre a ANS e os órgãos e
entidades de defesa do consumidor em todo o país. Busca a
integração dos trabalhos desenvolvidos pela Agência e outros órgãos
públicos, de forma que estas instituições possam ter acesso a
informações técnicas do setor de saúde suplementar para melhor
orientar os beneficiários de planos de saúde e facilitar a troca de
informações entre as instituições visando o alinhamento de decisões
com garantia de proteção ao consumidor e redução da judicialização.
c) Notificação de Intermediação Preliminar (NIP) é um instrumento de
mediação que visa solucionar de forma consensual conflitos entre
operadoras e beneficiários de planos. A partir da reclamação
cadastrada pelo usuário em um dos canais de atendimento da ANS, a
operadora é notificada, e tem até dez dias úteis para adotar as
medidas necessárias para a solução do problema do demandante. A
NIP é completamente eletrônica e tem natureza pré-processual. Caso
resolva o conflito, não é aberto um processo administrativo
sancionador.

A Intervenção Fiscalizatória corresponde a um programa de ações


fiscalizatórias planejadas, sistematizadas e com escopo pré-
definido, conforme o previsto no Plano Semestral, executadas em
operadoras selecionadas de acordo com critérios de seleção
objetivos, por agentes especialmente designados para a realização
das operações fiscalizatórias, a fim de identificar e solucionar falhas
operacionais e administrativas que dão causa a condutas infrativas
potencial e/ou efetivamente praticadas.
6.7 RESSARCIMENTO AO SUS
A legislação estabelece que devem ser ressarcidos pela operadora,
em valores superiores aos pagos pelo SUS, os atendimentos feitos
pelo SUS a usuários de planos privados de assistência à saúde –
procedimentos com cobertura prevista nos respectivos contratos.
Nos contratos novos, as exclusões ao ressarcimento estão limitadas
ao período de carência, à cobertura parcial temporária, à área de
abrangência do contrato e à segmentação (ambulatorial ou
hospitalar). Nos contratos antigos, as exclusões ao ressarcimento
abrangem as próprias exclusões de cobertura dos contratos
anteriores à Lei 9.656/98 que ainda estão em vigor.
O ressarcimento é cobrado com base na Tabela Única Nacional de
Equivalência de Procedimentos (TUNEP), com valores, em média, 1,5
vez superiores à Tabela SUS. Os valores arrecadados pela ANS no
âmbito do ressarcimento ao SUS são encaminhados diretamente ao
Fundo Nacional de Saúde, nos termos do que preceitua o artigo 32, §
2º, da Lei 9.656/98, com redação dada pela Lei 12.469/11.
O processamento é feito sem qualquer envolvimento direto ou
indireto do usuário de plano privado que foi atendido pelo SUS: a
ANS, com o apoio do Departamento de Informática do SUS
(DATASUS), compara o cadastro de beneficiários de planos de saúde
com as Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs) processadas
para pagamento pelo SUS, identifica os usuários atendidos e informa
às operadoras o valor a ser ressarcido.
Atualmente, a efetividade do ressarcimento está comprometida por
um conjunto de fatores:
a) Faltam informações completas nas AIHs, com a ocorrência de
homônimos e falhas no preenchimento dos campos relativos a
procedimentos e valores, o que impede a correta identificação do
usuário e do motivo da internação e, portanto, a cobrança à respectiva
operadora;
b) Cerca de 20% de operadoras ativas não fornecem seus cadastros
de beneficiários, em descumprimento sistemático da legislação ou
amparadas por medidas judiciais. Há operadoras que obtiveram
liminares judiciais contra a cobrança do ressarcimento. É conveniente
lembrar que o ressarcimento ao SUS é objeto de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIn) ainda não julgada pelo Supremo Tribunal
Federal;
c) Há um elevado número de operadoras que não pagam os valores
cobrados e estão em processo de inscrição na dívida ativa da União.

A ANS repassou valor recorde ao Sistema Único de Saúde (SUS), em


2018: R$ 783,38 milhões. As medidas que possibilitaram esse
aumento dos valores incluem: aprimoramento do sistema, adoção de
mecanismos processuais padronizados, abertura de processos
exclusivamente eletrônicos (reduzindo custos e alocação de recursos
na abertura, trâmite e movimentação de processos físicos grandes) e
aumento no valor dos atendimentos cobrados pelo SUS.
Quais as principais
atividades realizadas pela
Agência Nacional de Saúde
Suplementar?
O sistema de saúde brasileiro é híbrido, isto é, composto
por serviços públicos garantidos por legislação pelo Estado
e um sistema privado que o complementa, chamado saúde
suplementar, regulamentado pela Lei dos Planos de Saúde
9.656 de 3 de junho de 1998. ANS é a agência reguladora,
vinculada ao Ministério da Saúde, responsável pelo setor
de planos privados de saúde no Brasil, tendo sido criada
pela Lei 9.961/00, com a finalidade institucional de
promover a defesa do interesse público na assistência
suplementar à saúde, em um processo de regulação
marcado tanto pela perspectiva econômica, objetivando a
organização do mercado e o estímulo à concorrência, como
pela assistencial, voltada à garantia dos interesses dos
consumidores.
Quais as caraterísticas e
resultados dos programas
de provimento de médicos
no Brasil?

7.1 O CONTEXTO DE SURGIMENTO DO


PROGRAMA MAIS MÉDICOS
A Constituição de 1988 reconheceu o direito à saúde como um direito
fundamental, exigindo do Estado a garantia da sua efetividade. A
criação do Sistema Único de Saúde (SUS), também estabelecida pela
Constituição de 1988, produziu o desafio da universalização e da
integralidade da saúde, com vistas à promoção, prevenção e
recuperação da saúde dos cidadãos brasileiros. Para isso, desde a
década de 1990, o SUS opta por um modelo de saúde organizado a
partir da Atenção Básica (AB), a qual deve ordenar o acesso aos
demais serviços e níveis de cuidado da rede de saúde de forma
equânime, oportuna, integral e com qualidade (Brasil, 1988, 1990a,
1990b, 1990c, 2011).
O PMM objetiva resolver a questão emergencial
do atendimento básico, além de criar condições
para um atendimento qualificado no futuro
àqueles que acessam cotidianamente o SUS.
A AB é a porta de entrada preferencial do SUS, organizada
prioritariamente pelo modelo Estratégia Saúde da Família (ESF)
(Brasil, 2011, 2012). É na AB que podem ser solucionados cerca de
80% dos problemas de saúde da população. Nesse contexto, entre
2011 e 2014, foi realizada uma série de medidas que reforçam o seu
papel central e a sua importância dentro da rede de atenção à saúde
(Brasil, 2015).
Dentre as medidas estabelecidas nesse processo de valorização e
fortalecimento da AB no país, destacam-se: a Resolução 439/11, do
Conselho Nacional de Saúde, que tratou de diretrizes para a AB,
demandando um conjunto de ações; o Decreto 7.508/11, que
regulamentou a Lei Orgânica 8.080/90 e, em geral, dispôs sobre a
organização do SUS; a Portaria 2.488/11, que aprovou a Política
Nacional de Atenção Básica (PNAB); o Programa de Requalificação
das Unidades Básicas de Saúde (Requalifica UBS), instituído em 2011
com o objetivo de melhorar as condições de trabalho dos
profissionais de saúde, bem como modernizar e qualificar o
atendimento à população; o Programa Nacional de Melhoria do
Acesso e da Qualidade (PMAQ), que propõe um conjunto de
estratégias de qualificação, acompanhamento e avaliação do
trabalho das equipes de saúde; a Portaria 1.412/13, que instituiu o
novo Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica
(SISAB), integrante da estratégia e-SUS AB, que visa informatizar e
melhorar a gestão da informação e dos processos de trabalho; entre
outras (Brasil, 2015).
Como resultado das discussões e medidas instituídas pelo Governo
Federal e pelo Ministério da Saúde, foram identificados os principais
desafios que condicionavam o desenvolvimento da AB e que
deveriam ser considerados na definição das ações e dos programas
em saúde propostos pelos entes federativos, mostrados a seguir
(Brasil, 2015):
a) Financiamento insuficiente da AB;
b) Infraestrutura inadequada das Unidades Básicas de Saúde (UBSs);
c) Baixa informatização dos serviços e pouco uso das informações
disponíveis para a tomada de decisões na gestão e na atenção à
saúde;
d) Necessidade de ampliar o acesso, reduzir o tempo de espera e
garantir atenção, especialmente aos grupos mais vulneráveis;
e) Necessidade de melhorar a qualidade dos serviços, incluindo
acolhimento, resolubilidade e longitudinalidade do cuidado;
f) Pouca atuação na promoção da saúde e no desenvolvimento de
ações intersetoriais;
g) Desafio de avançar na mudança do modelo de atenção e na
mudança de modelo e qualificação da gestão;
h) Inadequadas condições e relações de trabalho, mercado de trabalho
predatório, déficit de provimento de profissionais e contexto de baixo
investimento nos trabalhadores;
i) Necessidade de contar com profissionais preparados, motivados e
com formação específica para atuação na AB;
j) Importância de ampliar a legitimidade da AB com os usuários e
estimular a participação da sociedade.

Nesse contexto, apesar do aumento de recursos e dos esforços


implementados em função da AB a partir de 2011, a cobertura da ESF
representou um incremento de somente 1,5% ao ano na cobertura da
população durante os últimos 7 anos, o que equivale a um
crescimento médio de 1.141 equipes de ESF. Segundo estudos da Rede
de Observatórios de Recursos Humanos do SUS, um dos maiores
condicionantes da expansão da ESF é a disponibilidade de médicos
para compor as equipes (Pinto et al., 2014; Brasil, 2015). Essa opinião
é compartilhada pela população: de acordo com os dados do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 58% dos entrevistados
consideravam um problema a quantidade insuficiente de médicos
para atender à demanda de trabalho no SUS e defendiam que a
medida mais importante a ser tomada pelo governo para melhoria
do atendimento público de saúde era o aumento do número de
médicos nos serviços (IPEA, 2011; Brasil, 2015).
Assim, ainda em 2011, o Governo Federal definiu que o problema
prioritário a ser enfrentado era o “déficit de provimento de
profissionais de saúde”, de forma a garantir acesso aos serviços de
saúde para a população. A definição dessa prioridade foi seguida por
inúmeros debates e eventos que abordaram o tema da atração,
provimento e fixação dos profissionais de saúde. Além disso, foram
reunidos estudos de todo o mundo para compreender como os
diversos países lidavam com essa questão. Dessa forma, no fim de
2011, o governo brasileiro implementou 2 ações para enfrentar o
problema: regulamentou a Lei 12.202/2010 e lançou o Programa de
Valorização dos Profissionais da Atenção Básica – PROVAB (Tabela
7.1). Ambas as medidas tiveram efeito no provimento de médicos
para a AB, mas em quantidade inferior à que o sistema demandava
(Pinto et al., 2014; Brasil, 2015).
Quadro 7.1 - Primeiras ações implementadas diante do déficit de provimento de
profissionais

Embora sejam importantes, essas medidas de incentivo não tiveram


volume e abrangência para enfrentar o problema da falta de médicos.
Tal problema foi reforçado no início de 2013 pelo movimento “Cadê
o médico?”, organizado pelos prefeitos eleitos em 2012, que
demandou que o Governo Federal tomasse medidas para enfrentar o
problema da falta de profissionais (FNP, 2013; Pinto et al., 2014;
Brasil, 2015). Somando-se a isso, em junho de 2013, as massivas
manifestações de rua que tinham entre suas pautas a exigência de
melhores condições e serviços de saúde para a população levaram o
Governo Federal a concluir a política pública que estava sendo
formulada desde o início do ano: o Programa Mais Médicos (Pinto et
al., 2014; Brasil, 2015).
7.2 LEI 12.871/2013: PROGRAMA MAIS
MÉDICOS
O PMM foi instituído em 8 de julho de 2013 e é composto por
medidas que buscam intervir de forma quantitativa e qualitativa na
formação de médicos brasileiros, com efeitos sinérgicos às demais
ações da PNAB (Pinto et al., 2014; Brasil, 2015). Foi criado por meio
de Medida Provisória 621/2013, convertida em Lei (12.871/2013) em
outubro desse mesmo ano, após diversos aperfeiçoamentos
decorrentes de amplo debate público e tramitação no Congresso
Nacional (Brasil, 2015).
O PMM é composto por uma dimensão de resposta imediata e
emergencial e por outra de medidas estruturantes de médio e longo
prazo, que serão detalhadas a seguir. Por ora, vale destacar que o
Programa está articulado a um conjunto de ações associadas à
qualificação da estrutura dos serviços, à melhoria das condições de
atuação das equipes e ao funcionamento das UBSs, de forma a
consolidar um novo padrão de qualidade para a AB brasileira (Pinto
et al., 2014; Brasil, 2015). Nesse contexto, o PMM apresenta, como
objetivos:
a) Diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS,
a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da Saúde;
b) Fortalecer a prestação de serviços de AB em saúde no país;
c) Aprimorar a formação médica no país e proporcionar maior
experiência no campo de prática médica durante o processo de
formação;
d) Ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de
atendimento do SUS, desenvolvendo o seu conhecimento sobre a
realidade da saúde da população brasileira;
e) Fortalecer a política de educação permanente com a integração
ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação
superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas
pelos médicos;
f) Promover a troca de conhecimentos e experiências entre
profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições
estrangeiras;
g) Aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde
do país e na organização e no funcionamento do SUS;
h) Estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.

Para a consecução dos objetivos do PMM, destaca-se a adoção das


seguintes ações:
a) Reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas para
Residência Médica, priorizando regiões de saúde com menor relação
de vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de
saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de
qualidade aos alunos;
b) Estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no
país;
c) Promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de
médicos na área de AB em saúde, mediante integração ensino-serviço,
inclusive por meio de intercâmbio internacional.

Dessa forma, considerando o conjunto da Lei do PMM, pode-se dizer


que o Programa é constituído por 3 grandes eixos: o eixo de
Provimento Emergencial de médicos, o eixo de Investimento na
Infraestrutura da rede de serviços da AB e, por fim, o eixo
Educacional, relacionado à formação médica no Brasil (Brasil, 2015).
7.3 EIXOS CONSTITUINTES
Como dito, o PMM reúne um conjunto de iniciativas de curto, médio
e longo prazos com efeitos sinérgicos às demais ações da PNAB. Em
síntese, o Programa recruta médicos graduados no Brasil e fora do
país, brasileiros ou estrangeiros, para atuar nos serviços de AB em
áreas com maior necessidade e vulnerabilidade. De forma
concomitante à atuação assistencial, os profissionais selecionados
participam de uma série de atividades de educação e ensino-serviço,
de forma a desenvolver competências importantes para a prática
profissional na AB e promover a implantação de melhorias no
serviço de saúde (Brasil, 2013). Antes de nos debruçarmos sobre a
forma como o PMM funciona, nos deteremos na compreensão do
contexto que embasa cada um de seus eixos constituintes.
7.3.1 Provimento Emergencial: o Projeto Mais
Médicos para o Brasil
Correspondendo à dimensão de resposta imediata e emergencial,
este eixo é denominado na Lei que institui o Programa de “Projeto
Mais Médicos para o Brasil” (PMMB). Como já explicitado, o
Provimento Emergencial, além de recrutar e alocar profissionais
para a AB, disponibiliza aos participantes um conjunto de incentivos
educacionais, monetários e formativos que envolvem treinamento
em serviço, curso de especialização e supervisão com a participação
das principais instituições de ensino do país, pontuação adicional na
nota de exames de Residência Médica, entre outros (Brasil, 2015).
O SUS, desde a sua criação, enfrenta obstáculos em sua gestão
decorrentes do baixo investimento e escassez de recursos. Somado a
isso, houve, nas últimas décadas, em nível mundial, profundas
mudanças provocadas por transições demográficas,
epidemiológicas, nutricionais e econômicas (Paim et al., 2011). Nesse
contexto, o déficit de provimento de profissionais era expressivo,
sendo considerado, a partir de 2011, o problema prioritário a ser
enfrentado com vistas a garantir o direito social fundamental à
saúde, previsto na Constituição de 1988 (Brasil, 2015).
No ano de lançamento do PMM, o Brasil apresentava uma proporção
de 1,8 médico por 1.000 habitantes, número muito aquém de
diversos países das Américas e da Europa (Argentina: 3,9
médicos/1.000 habitantes; Uruguai: 3,7 médicos/1.000 habitantes;
Portugal: 3,8 médicos/1.000 habitantes; Espanha: 3,5 médicos/1.000
habitantes; Reino Unido: 2,7 médicos/1.000 habitantes). Não há um
parâmetro de proporção ideal de médico por habitante que seja
reconhecido e validado internacionalmente, logo, recomenda-se que
cada contexto seja individualizado, com base no modelo assistencial
adotado. Dessa forma, o antigo Reino Unido foi considerado a
referência para essa situação, visto que, depois do Brasil, é o país que
apresenta o maior sistema público de saúde de caráter universal e
orientado pela AB (Brasil, 2015).
Além de o Brasil apresentar uma proporção insuficiente de médicos,
esses profissionais estão mal distribuídos pelo território, de modo
que as áreas e populações mais pobres são as que contam
proporcionalmente com o menor número de médicos por habitantes.
Outro agravante, que será detalhado adiante, consiste no fato de o
país formar menos médicos do que a criação anual de empregos para
a categoria nos setores público e privado. Todos esses pontos
assinalados prejudicam o acesso e a qualidade da AB.
Essa insuficiência de médicos leva a uma disputa por esses
profissionais entre os municípios, gerando, entre outras
irregularidades e ilegalidades, um alto índice de rotatividade nas
equipes de ESF. Tal rotatividade prejudica o trabalho
multiprofissional, o vínculo entre as equipes de ESF e a população e,
consequentemente, a resolubilidade da AB. A falta de profissionais e
sua má distribuição são evidenciadas no baixo crescimento da
cobertura populacional da ESF nos últimos anos, conforme aspectos
já mencionados (média anual de 1.141 equipes de ESF; incremento de
1,5% ao ano na cobertura da população) (Brasil, 2015).
Não há resposta simples para o problema da escassez de
profissionais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS), as estratégias para enfrentar essa problemática incluem, pelo
menos, 4 dimensões: políticas educacionais, como mudanças nos
currículos de Medicina e admissão de estudantes provenientes de
áreas rurais; políticas de regulação, como serviço civil e incentivo
para o ingresso na formação especializada para quem trabalha em
áreas remotas; incentivos monetários, como bolsas de estudo e
salários mais elevados; incentivos não monetários, como extensão
de visto de permanência para estrangeiros e supervisão com apoio
entre pares. O Brasil, no entanto, até a instituição do PMM, era um
dos países com regras mais restritivas à atuação, no território
nacional, de médicos graduados no exterior, fossem brasileiros ou
não (Brasil, 2015).
De 2011 a 2013, políticas públicas foram formuladas e implantadas,
mas sem resultar em avanço efetivo na superação da falta de
recursos humanos para a ocupação dos postos de trabalho na AB e
para a expansão de novos postos (Lei 12.202/2010 e PROVAB). Todo
esse cenário, somado à pressão popular e dos demais entes
federativos, culminou na criação do PMM em julho de 2013 (Pinto et
al., 2014; Brasil, 2015).
Os elementos que sustentam o eixo de Provimento Emergencial são:
a) “Déficit de provimento de profissionais de saúde”, definido como
prioridade de governo em 2011;
b) Disponibilidade de médicos como um dos maiores condicionantes
da expansão da ESF;
c) Baixa proporção brasileira de médicos por habitantes (1,8
médico/1.000 habitantes);
d) Má distribuição de médicos pelo território nacional;
e) Menos médicos no mercado de trabalho do que a criação anual de
empregos na área;
f) Medidas governamentais pregressas sem volume e abrangência
necessárias para enfrentar o problema;
g) Pressão popular (manifestações de 2013) e forte movimento dos
prefeitos solicitando uma solução mais robusta.

7.3.2 Infraestrutura
A Lei do PMM delimitou um prazo de 5 anos, a partir da data de sua
publicação, para “dotar as Unidades Básicas de Saúde com qualidade
de equipamentos e infraestrutura, a serem definidas nos planos
plurianuais” (Brasil, 2013). No entanto, vale ressaltar que, no
momento de promulgação da Lei, já havia um Programa dirigido à
qualificação da infraestrutura dos serviços de saúde, o Programa
Requalifica UBS.
Tal iniciativa já vinha apresentando resultados efetivos na melhoria
da infraestrutura e modernização das Unidades Básicas de Saúde
(UBSs). Em 2013, no lançamento do PMM, o Requalifica UBS
apresentou uma nova etapa de adesão a todos os seus componentes
(Construção, Reforma e Ampliação), e novas propostas foram
autorizadas e tiveram recursos alocados para iniciar sua execução. O
PMM possibilitou que o número de reformas e ampliações saltasse
de aproximadamente 9.800 para 15.300 UBSs reformadas/ampliadas
e o de construções, de 2.400 para 7.900 UBSs. Além disso, as UBSs
Fluviais atingiram o número de 45 novas unidades, em comparação
às 28 unidades criadas antes da instituição do PMM (Brasil, 2015).
Esses números correspondem a um total de mais de R$5 bilhões
investidos no financiamento de obras em quase 5.000 municípios
brasileiros, das quais aproximadamente 46% (em torno de 10.500
obras) foram concluídas em 2 anos de Programa. A esse eixo também
estão associadas iniciativas como a informatização das UBSs com o
Plano Nacional de Banda Larga e a implantação do novo SISAB e a
estratégia e-SUS AB (Brasil, 2015). Todos esses esforços visam
garantir a estrutura necessária para que os profissionais atendam a
população com o máximo de qualidade e motivação, de forma a
possibilitar o enfrentamento do problema da alta rotatividade de
médicos nas equipes de ESF.
Os elementos que sustentam o eixo de Infraestrutura são:
a) “Inadequadas condições de trabalho”, identificado como um dos
fatores que condicionam o desenvolvimento da AB;
b) “Infraestrutura inadequada das UBSs”, identificado como um dos
fatores que condicionam o desenvolvimento da AB;
c) Má distribuição de médicos pelo território nacional, especialmente
em áreas de maior vulnerabilidade;
d) Alta rotatividade de médicos nas equipes de ESF, prejudicando, em
última instância, a resolubilidade da AB;
e) Efeito sinérgico a outras medidas governamentais (Requalifica UBS,
SISAB, e-SUS AB etc.).

7.3.3 Educação
Esse eixo corresponde a um conjunto de medidas estruturantes de
médio e longo prazo que visam intervir na formação médica e
solucionar o problema da insuficiência de médicos nos serviços de
saúde brasileiros. O PMM determina a expansão de vagas de
graduação em Medicina e a universalização da Residência Médica.
Além disso, propõe uma formação baseada em novas diretrizes,
instrumentos e metodologias, de forma a diplomar profissionais
mais capacitados para a AB (Brasil, 2013). É por meio dessa expansão
planejada que o governo almeja superar a proporção de 1,8
médico/1.000 habitantes, atingindo, até 2026, a mesma marca do
Reino Unido, de 2,7 médicos/1.000 habitantes (Brasil, 2015).
Os eixos do PMM são Provimento Emergencial,
Infraestrutura e Educação.

O contexto desse eixo corresponde ao desequilíbrio entre o número


anual de graduados em Medicina em relação à demanda de médicos
no mercado de trabalho. De acordo com um estudo conduzido pela
Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado em Saúde, do Núcleo de
Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Minas Gerais,
de 2003 a 2012 o mercado de trabalho abriu 143.000 novas vagas de
emprego formal para médicos. No entanto, durante esse mesmo
período, as escolas médicas do país formaram somente 93.000
médicos. Em outras palavras, nos 10 anos que antecederam a criação
do PMM, o Brasil atendia somente 65% da demanda de médicos do
mercado de trabalho, o que representa um déficit acumulado de
50.000 médicos (UFMG, 2009; Brasil, 2015). Para fins deste capítulo,
esse eixo será tratado em 2 partes: a graduação em Medicina e,
posteriormente, a formação de especialistas.
7.3.3.1 Formação médica (graduação em Medicina)

Com relação à graduação, o PMM determinou mudanças


importantes na orientação da formação médica e na lógica da
expansão de vagas nas escolas brasileiras. A Lei 12.871/2013 instituiu
que o Conselho Nacional de Educação (CNE) discutisse e aprovasse
novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de
Medicina do país, de modo que a formação médica fosse dirigida
fundamentalmente para as reais necessidades de saúde da população
e do sistema de saúde brasileiro, com ênfase na atuação do médico
na AB. A Lei exige que todos os cursos de Medicina, tanto os já
existentes quanto aqueles em implantação, se adaptem às novas
DCNs e determina que essa implantação seja avaliada e auditada pelo
Ministério da Educação – MEC (Brasil, 2013, 2015).
Além disso, o PMM determina que no mínimo 30% do internato –
que deve corresponder a pelo menos 2 anos da formação médica –
ocorra na AB e em serviços de urgência e emergência do SUS. Essa
maior aproximação com o sistema de saúde tem em vista o
desenvolvimento, por parte dos alunos, de atitudes e habilidades
necessárias para atuação em equipe, bem como uma formação mais
adequada e contextualizada à realidade de saúde brasileira. Por fim,
o PMM determina uma avaliação a todos os alunos dos 2º, 4º e 6º
anos de Medicina, de forma a contrabalançar seus estados
momentâneos de conhecimento com o perfil esperado pelas novas
DCNs, além de acompanhar a evolução desses educandos,
permitindo identificar insuficiências e fragilidades relacionadas à
instituição formadora (Brasil, 2013, 2015).
Considerando a meta do PMM de alcançar a proporção de 2,7
médicos/1.000 habitantes, o Programa propõe a ampliação das vagas
de graduação em Medicina. A expansão de escolas públicas passa a
ter maior acompanhamento do MEC e intenso movimento de
interiorização dos cursos, exigindo a implantação de novos campi
para universidades já existentes ou mesmo a criação de novas
universidades. Para as instituições privadas, o Ministério da Saúde,
com base em parâmetros públicos (rede de serviço, demanda
populacional, oferta de vagas e médicos na região etc.), indica quais
regiões de saúde têm necessidade de expansão de vagas e define os
padrões exigidos em termos de rede de saúde para oportunizar
campo de prática adequado. Dessa forma, há a abertura de um edital
para as instituições privadas concorrerem entre si e ganharem o
direito de abrir um curso de Medicina em um dos municípios
selecionados (Brasil, 2013, 2015).
7.3.3.2 Formação de médicos especialistas

Com relação à Residência Médica e à formação de especialistas, o


PMM institui o Cadastro Nacional de Especialistas, o qual deve
reunir informações de todos os especialistas do país sobre o local em
que atuam e o local/modo como se formaram ou foram reconhecidos
como especialistas (Brasil, 2013, 2015). Tal medida tem como
objetivo permitir ao Estado brasileiro melhor planejamento,
dimensionamento e regulação da quantidade e formação de médicos
especialistas, atendendo, assim, o artigo constitucional que atribui
ao SUS a responsabilidade de “ordenar a formação de recursos
humanos em saúde” (Brasil, 1988, 1990a).
A Lei 12.871/2013 também determinou mudanças na formação dos
especialistas, visando a uma formação mais adequada às
necessidades da população. Em primeiro lugar, o Programa
determinou que até o fim de 2018 houvesse o mesmo número de
vagas de Residência Médica de acesso direto que o número de
egressos em Medicina (universalização da Residência Médica). Em
segundo lugar, a Lei alterou as especialidades que são de acesso
direito – programas de Residência para os quais o candidato pode
concorrer sem o pré-requisito de ter concluído outra Residência. Os
Programas de Residência Médica que possuem acesso direto,
segundo a Lei 12.871/2013, são:
a) Genética Médica;
b) Medicina do Tráfego;
c) Medicina do Trabalho;
d) Medicina Esportiva;
e) Medicina Física e Reabilitação;
f) Medicina Legal;
g) Medicina Nuclear;
h) Patologia;
i) Radioterapia.

Tal mudança está associada a uma terceira, que estabeleceu uma


especialidade central na formação da maioria dos especialistas do
país: a Medicina Geral de Família e Comunidade – MGFC (Brasil,
2013, 2015). A residência em MGFC terá duração mínima de 2 anos,
sendo o primeiro ano obrigatório para o ingresso em programas de
Residência Médica em: Clínica Médica, Pediatria, Ginecologia e
Obstetrícia, Cirurgia Geral, Psiquiatria e Medicina Preventiva e
Social. Para as demais especialidades, exceto as de acesso direto,
será necessário cumprir 1 ou 2 anos de MGFC, conforme disciplinado
pela Comissão Nacional de Residência (Brasil, 2013). O objetivo dessa
medida é exigir que, antes de focarem em um universo restrito de
problemas de saúde (especialização), os médicos tenham
experiência e consolidem seus conhecimentos em relação aos
cuidados básicos em saúde (Brasil, 2015).
São elementos que sustentam o eixo de Educação:
a) Baixa proporção brasileira de médicos por habitantes (1,8
médico/1.000 habitantes);
b) Má distribuição de médicos pelo território nacional;
c) Necessidade de contar com profissionais com formação específica
para atuação na AB;
d) Possibilitar ao SUS o cumprimento de suas responsabilidades
constitucionais;
e) Melhor planejamento, dimensionamento e regulação da quantidade
e formação de médicos especialistas.

7.4 FUNCIONAMENTO
Como apresentado até aqui, o PMM visa enfrentar a falta de médicos
no Brasil de forma permanente e estrutural, por meio da melhoria da
infraestrutura e das condições de trabalho, bem como do
aprimoramento da formação médica. Paralelamente, o Programa
trabalha para preencher as lacunas emergenciais de demanda por
médicos da população brasileira, por meio do PMMB e seu
recrutamento de profissionais, brasileiros ou estrangeiros, para
atuar nas regiões prioritárias do SUS.
Essas regiões são definidas em função de um conjunto de critérios
inicialmente definidos com base no que estabelece a Portaria
interministerial 1.377, de 13 de junho de 2011, como áreas de difícil
acesso, de difícil provimento de médicos ou que tenham populações
em situação de maior vulnerabilidade. Delimitadas as áreas com
maior necessidade e vulnerabilidade, abre-se um edital para que os
municípios possam aderir voluntariamente, mediante a assinatura
de um termo de compromisso com ações e responsabilidades de
curto e médio prazos. Esse termo responsabiliza os municípios de
garantir condições específicas, como o funcionamento das Unidades
Básicas de Saúde, a inserção do médico para atuação em uma equipe
de ESF, benefícios (moradia, alimentação e deslocamento) aos
médicos selecionados, a gestão dos sistemas de informação
previstos etc. (Brasil, 2015).
Assinado o termo de compromisso, os municípios solicitam as vagas
de acordo com o número máximo definido pelo Programa em função
da demanda populacional, rede de saúde disponível e quantidade de
equipes/serviços para receber o profissional. Todo esse processo de
adesão é realizado exclusivamente pela internet, e, ao seu fim, são
conhecidos o número total de vagas solicitadas e a distribuição delas
(Brasil, 2015).
O próximo passo consistiu na abertura de um edital para o
recrutamento dos médicos. Nessa etapa, podem se inscrever médicos
brasileiros ou estrangeiros com registro no Brasil conferido por um
Conselho Regional de Medicina e médicos brasileiros ou estrangeiros
formados no exterior e sem registro no país. No entanto, o Programa
estabelece uma ordenação para a escolha de vaga. Só é vedada a
inscrição de profissionais, brasileiros ou estrangeiros, que se
formaram ou atuam em países com proporção de médicos por
habitantes menor do que a do Brasil, de forma a cumprir a regra de
equidade e solidariedade internacional, que busca atrair médicos
somente de países que têm mais profissionais por habitantes do que
o país solicitante (Brasil, 2015).
A ordenação para escolha de vagas entre os diferentes perfis de
médicos que podem se inscrever no programa fica assim definida
(Brasil, 2013, 2015):
1. Primeiro grupo de prioridade: médicos, brasileiros ou
estrangeiros, formados no Brasil ou fora do país, mas com diploma
revalidado e registro junto ao Conselho de Classe;
2. Segundo grupo de prioridade: médicos brasileiros formados no
exterior, mas sem diploma revalidado e sem inscrição no Conselho de
Classe;
3. Terceiro grupo de prioridade: médicos estrangeiros formados no
exterior, mas sem diploma revalidado e sem inscrição no Conselho de
Classe;
4. Quarto grupo de prioridade: médicos cooperados.

As chamadas seguem a ordem de prioridade, sendo o próximo grupo


recrutado somente se as vagas não forem preenchidas. O último
grupo de prioridade diz respeito a um acordo de cooperação
internacional firmado, em agosto de 2013, com a Organização Pan-
Americana da Saúde (OPAS). Nesse acordo, a OPAS é responsável por
trazer médicos para atuação específica no PMM. Essa Organização,
por sua vez, estabeleceu cooperação com o governo cubano, que
disponibilizou médicos com experiência e formação para atuação na
AB. Por isso, esses profissionais são chamados de médicos
cooperados, pois não se inscreveram no PMM individualmente, mas
foram recrutados pela OPAS (Brasil, 2015).
Para todos os médicos sem diploma revalidado no Brasil e,
consequentemente, sem registro junto ao Conselho de Classe, o
Ministério da Saúde concede o Registro Único, que permite ao
médico exercer a Medicina exclusivamente no âmbito das atividades
do Programa e na localidade específica definida por ele. Esse registro
dispensa a necessidade de revalidar o diploma somente no período
em que participar do PMM, que tem durabilidade de até 3 anos,
prorrogável por mais 3. Todos esses médicos precisam,
obrigatoriamente, realizar um processo de acolhimento, no qual são
orientados e avaliados nos quesitos comunicação em português,
legislação e características e especificidades para atuação nos
serviços de AB do SUS (Brasil, 2015).
O acompanhamento dos médicos recrutados pelo PMM foi atribuído
a tutores (médicos) ligados a instituições de ensino, que coordenam
a atuação de supervisores (também médicos), que deverão estar
ligados a instituições de ensino, hospitais-escola, escolas do SUS,
programas de Residência Médica etc.
Para todos os profissionais cuja inserção ocorre individualmente,
são previstas bolsas e garantidos todos os direitos previstos na
legislação para bolsistas em processos de formação. Para os
profissionais cooperados, são cumpridas as regras da cooperação
internacional, com respeito, obviamente, a toda legislação nacional.
Da mesma forma, a Lei do PMM prevê o acompanhamento dos
médicos recrutados, de forma a apoiar e orientar seus processos de
educação permanente.
7.5 RESULTADOS ALCANÇADOS PELO
PROGRAMA MAIS MÉDICOS
Em julho de 2017, o PMM completou 4 anos de existência. Ao final
dos 2 primeiros anos, o Programa já atendia toda a demanda
emergencial das prefeituras por médicos, por meio do PMMB. Isso
significava, em 2015, um contingente de 18.240 médicos em 4.058
municípios (73% dos municípios brasileiros) e em 34 distritos de
saúde indígena, representando atendimento médico na Atenção
Primária à Saúde para 63 milhões de brasileiros, com a estimativa
de, até o final de 2018, chegar a 70 milhões (Brasil, 2015). A
concretização do intercâmbio de médicos estrangeiros resultou de
um trabalho conjunto dos seguintes órgãos federais: Ministérios das
Relações Exteriores, do Planejamento, da Defesa, da Previdência e da
Educação, além da Casa Civil, Polícia Federal, Receita Federal e
Banco do Brasil (Brasil, 2015).
Em 2016, o PMMB foi prorrogado por mais 3 anos. Contudo, entre
2016 e 2017, passou a apresentar instabilidades, mediante atrasos
salariais e anúncios de mudanças, por parte do Ministério da Saúde,
chegando a ser suspenso o envio de 710 médicos cubanos em abril de
2017, sob a alegação de Cuba de descumprimento dos termos do
acordo de cooperação internacional por parte do Brasil. Em janeiro
de 2017, dos 18.240 médicos do PMMB, 62,6% eram cubanos, 29%
brasileiros formados no Brasil e 8,4% brasileiros e estrangeiros
formados no exterior. Conforme divulgado pelo Ministério da Saúde,
em março de 2018, o número de brasileiros formados no Brasil que
atuam no PMM aumentou 38% em 1 ano: passou de 3,8 mil, em 2016,
para 5,2 mil, em 2017. Do total de participantes, 8,5 mil (47%) são
profissionais cubanos da cooperação com a OPAS, 8,4 mil (46%) são
brasileiros formados no Brasil ou no exterior, e 483 (3%) são
intercambistas estrangeiros.
As ofertas educacionais do PMMB têm sido realizadas por 11
instituições públicas de ensino superior por meio da rede da
Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS). As ações de educação
permanente ocorrem por meio da integração ensino-serviço e são
ofertadas por 74 instituições supervisoras (universidades públicas,
escolas públicas de saúde pública e programas de Residência
Médica), perfazendo um contingente de mais de 200 tutores
responsáveis pelo acompanhamento de mais de 2.000 supervisores,
que, por sua vez, são responsáveis por visitas periódicas in loco para
todos os profissionais que atuam no PMM (Brasil, 2015).
Em relação ao eixo Educacional, em 2014 foram aprovadas as novas
DCNs para os cursos de Medicina, que têm até 2018 para adequarem
seus currículos. Até 2015, foram abertas no país 5.300 vagas de
graduação (1.690 em universidades federais e 3.616 em instituições
privadas), com a projeção de criar 11.550 novas vagas até 2017. Pela
1ª vez, as cidades do interior passaram a ter mais vagas do que as
capitais: o número de vagas nestas corresponde a 10.637 e, no
interior, a 14.522. Entretanto, segundo a Lei de Acesso à Informação,
até dezembro de 2016 foram criadas 7.732 vagas, muito aquém das
prometidas até 2017.
Além da graduação, o PMM criou 4.742 vagas de Residência Médica
em todo o país e tinha a meta de triplicar esse número até 2017 e
universalizar a Residência Médica até 2019 (Brasil, 2015; Santos et
al., 2015). Segundo informações do Ministério da Saúde, entretanto,
o número de vagas em 2017 não conseguiu chegar ao esperado,
alcançando 7.652 vagas.
Com relação ao Investimento em Infraestrutura, o Requalifica UBS,
articulado ao PMM, possibilitou, até o fim de 2015, a construção de
aproximadamente 9.000 UBSs e a reforma e a ampliação de
aproximadamente 17.000, em 5.000 municípios do país, totalizando
um investimento superior a R$5 bilhões de reais (Brasil, 2015;
Santos et al., 2015). Verifica-se, nesse momento, uma escassez de
dados oficiais sobre o PMM relativos ao período 2016-2017 que
permita avaliação do desempenho do Programa.
7.6 A MUDANÇA DO “PROGRAMA
MAIS MÉDICOS” PARA O “PROGRAMA
MÉDICOS PELO BRASIL”
Desde o primeiro momento, houve resistência por parte de alguns
setores da sociedade ao Programa Mais Médicos, principalmente
quanto à vinda de médicos estrangeiros para atuarem no Brasil.
Apesar da discussão acalorada que envolveu o PMM e a Saúde no
Brasil em seu início, os primeiros impactos do Programa são
positivos no sentido de reduzir as iniquidades em saúde. As
evidências científicas, produzidas por diversos pesquisadores e
instituições brasileiras, apontam redução importante do número de
municípios com escassez de médicos; implantação
predominantemente orientada para os que apresentam maior
vulnerabilidade social; aumento do acesso aos serviços de Atenção
Primária, impacto positivo em indicadores de saúde; satisfação de
usuários.
Em março de 2018, o 12º termo de ajuste ao 80º termo de cooperação
técnica formalizou a prorrogação por mais 5 anos das ações voltadas
à AB, inclusive a atuação de profissionais de Cuba. Atualmente, o
programa está presente em mais de 4 mil municípios e 34 Distritos
Sanitários Especiais Indígenas. Entretanto, em novembro de 2018,
chegou ao fim o acordo de cooperação técnica entre Cuba e Brasil,
intermediado pela OPAS. Segundo Declaração do Ministério da Saúde
de Cuba, o encerramento da cooperação deveu-se à declarações aos
médicos cubanos do presidente do Brasil e às modificações
propostas para o Termo de Cooperação tais como a revalidação do
diploma no Brasil e a contratação individual dos médicos cubanos.
Em 1º de agosto de 2019, o governo brasileiro institui, com a medida
provisória 890, o “Programa Médicos pelo Brasil” revingando os
artigos 6º e 7º da Lei 12.871 de 2013.
7.7 MEDIDA PROVISÓRIA 890: O
PROGRAMA MÉDICOS PELO BRASIL
O Programa Médicos pelo Brasil tem a finalidade de incrementar a
prestação de serviços médicos em locais de difícil provimento ou alta
vulnerabilidade e fomentar a formação de médicos especialistas em
medicina de família e comunidade, no âmbito da atenção primária à
saúde no SUS.
São objetivos do Programa Médicos pelo Brasil:
a) Promover o acesso universal e igualitário da população às ações e
aos serviços do SUS, especialmente nos locais de difícil provimento ou
alta vulnerabilidade;
b) Fortalecer a atenção primária à saúde, com ênfase na saúde da
família;
c) Valorizar os médicos da atenção primária à saúde, principalmente
no âmbito da saúde da família;
d) Aumentar a provisão de médicos em locais de difícil provimento ou
alta vulnerabilidade;
e) Desenvolver e intensificar a formação de médicos especialistas em
medicina de família e comunidade;
f) Estimular a presença de médicos no SUS.

7.8 A AGÊNCIA PARA O


DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE (ADAPS)
A medida provisória 890 cria a Agência para o Desenvolvimento da
Atenção Primária à Saúde (ADAPS) para executar o Programa
Médicos pelo Brasil, sob a orientação técnica e a supervisão do
Ministério da Saúde. A Agência constitui um serviço social
autônomo, na forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins
lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública, com a
finalidade de promover, em âmbito nacional, a execução de políticas
de desenvolvimento da atenção primária à saúde, com ênfase na na
saúde da família; nos locais de difícil provimento ou alta
vulnerabilidade; na valorização da presença dos médicos na atenção
primária à saúde no SUS; na promoção da formação profissional,
especialmente na área de saúde da família; e na incorporação de
tecnologias assistenciais e de gestão relacionadas com a atenção
primária à saúde.
São competências das ADAPS:
a) Prestar serviços de atenção primária à saúde no âmbito do SUS, em
caráter complementar à atuação dos entes federativos, especialmente
nos locais de difícil provimento ou alta vulnerabilidade;
b) Desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão que terão
componente assistencial por meio da integração entre ensino e
serviço;
c) Executar o Programa Médicos pelo Brasil, em articulação com o
Ministério da Saúde;
d) Promover programas e ações de caráter continuado para a
qualificação profissional na atenção primária à saúde;
e) Articular-se com órgãos e entidades públicas e privadas para o
cumprimento de seus objetivos;
f) Monitorar e avaliar os resultados das atividades desempenhadas no
âmbito de suas competências;
g) Promover o desenvolvimento e a incorporação de tecnologias
assistenciais e de gestão relacionadas com a atenção primária à
saúde;
h) Firmar contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos
congêneres com órgãos e entidades públicas e privadas, inclusive com
instituições de ensino, para o cumprimento de seus objetivos.
7.9 CONTRATAÇÃO E SELEÇÃO DE
MÉDICOS
A ADAPS realizará contratação de médicos de família e comunidade e
médicos tutores por meio de processo seletivo público que observe
os princípios da impessoalidade, da moralidade e da publicidade e o
conhecimento necessário para exercer as atribuições de cada função,
exigindo como requisitos para inscrição:
a) Registro em Conselho Regional de Medicina;
b) Para a seleção de tutor médico, que o profissional seja especialista
em medicina de família e comunidade ou em clínica médica.

O processo seletivo para tutor médico será realizado por meio de


prova escrita, de caráter eliminatório e classificatório. O do médico
de família e comunidade será composto pelas seguintes fases:
a) Prova escrita, de caráter eliminatório e classificatório;
b) Curso de formação, eliminatório e classificatório;
c) Prova final escrita para habilitação de título de especialista em
medicina de família e comunidade, de caráter eliminatório e
classificatório.

O curso de formação, com duração de dois anos, consistirá em


especialização realizada por instituição de ensino parceira, com
avaliações semestrais intermediárias e prova final de conclusão do
curso, e envolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão, que
terá componente assistencial mediante integração entre ensino e
serviço, com supervisão do tutor médico. Durante o curso de
formação, o candidato perceberá bolsa-formação e não estabelecerá
vínculo empregatício.
Quais as caraterísticas e
resultados dos programas
de provimento de médicos
no Brasil?
A partir da década de 2010, observam-se ações e
programas de provimento médico no Brasil. O Programa
Mais Médicos, lançado em 2013, esteve organizado em três
eixos: Provimento Emergencial, Infraestrutura e Educação.
Seus resultados foram positivos, englobando redução do
número de municípios com escassez de médicos;
ampliação e reestruturação curricular de cursos de
graduação, especialmente em lugares com maior
vulnerabilidade social; aumento do acesso aos serviços de
Atenção Primária; melhoria de indicadores de saúde; e
maior satisfação de usuários. O Programa Médicos pelo
Brasil, recentemente instituído pela Medida Provisória 890
de 2019, trata do provimento de médicos e da criação da
Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à
Saúde. Por ter sido recém-criado, seus resultados ainda
não podem ser averiguados.
Como a Medicina do
Trabalho pode atuar frente
aos riscos, acidentes e
doenças relacionados ao
trabalho?

8.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA


A Medicina do Trabalho é, segundo a Associação Nacional de
Medicina do Trabalho, a especialidade médica que lida com as
relações entre homens e mulheres trabalhadores e seu trabalho,
visando não somente à prevenção dos acidentes e das doenças do
trabalho, mas à promoção da saúde e da qualidade de vida. Tem por
objetivo assegurar ou facilitar aos indivíduos e ao coletivo de
trabalhadores a melhoria contínua das condições de saúde, nas
dimensões física e mental, e a interação saudável entre as pessoas e,
estas, com seu ambiente social e o trabalho (ANAMT, 2017).
A Medicina do Trabalho surgiu na primeira metade do século XIX na
Inglaterra, no contexto da Revolução Industrial, para recuperar a
força de trabalho cuja sobrevivência nas indústrias estava ameaçada
pelas péssimas condições de trabalho. Tem, como características, a
prevenção de danos à saúde resultantes dos riscos do trabalho, a
responsabilidade pelos problemas de saúde ocorridos nos ambientes
de trabalho das empresas, a centralidade na figura do médico e a
relação de confiança deste com os empregadores, contratantes de
seus serviços (Mendes; Dias, 1991).
As mudanças no mundo do trabalho, oriundas dos processos
produtivos e dos movimentos sociais, impulsionaram
transformações nessas práticas, de modo que estas incorporaram
novos enfoques e instrumentos de trabalho, em uma perspectiva
interdisciplinar, o que culminou na delimitação posterior da
chamada “Saúde Ocupacional” e, mais recentemente, do campo da
“Saúde do Trabalhador” (ANAMT, 2017; Mendes; Dias, 1991).
A Saúde do Trabalhador desenvolveu-se no Brasil acompanhando a
Reforma Sanitária Brasileira, a partir do início da década de 1980,
sob a influência de uma concepção ampliada de saúde ancorada na
Teoria da Determinação Social do Processo Saúde-Doença. Com isso,
a relação trabalho e saúde passou a ser compreendida com base no
social, como uma categoria que diz respeito às formas de produção e
reprodução da sociedade. Portanto, pauta intervenções não somente
na recuperação biológica da saúde dos trabalhadores doentes e
acidentados, ou em modificações de seu ambiente de trabalho a fim
de preveni-las, mas também nas condições de trabalho e seus
determinantes e condicionantes. A Saúde do Trabalhador foi
incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), abrindo novas
possibilidades e novos desafios para a atuação médica e
multiprofissional diante dos problemas de saúde relacionados ao
trabalho, nos diversos âmbitos do sistema de saúde.
A relevância do campo de atuação pode ser expressa a partir dos
dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2013), os
quais mostram que 2,34 milhões de mortes relacionadas ao trabalho
ocorrem por ano, 321 mil decorrentes de acidentes de trabalho, e os
2,02 milhões restantes, causados por diversos tipos de enfermidades
relacionadas com o trabalho, o que equivale a uma média diária de
mais de 5.500 mortes. Países em desenvolvimento, como o Brasil,
possuem elevados indicadores de mortes e lesões, pois uma grande
parte de suas populações está empregada em atividades perigosas,
como a agricultura, a construção civil, a pesca e a mineração.
8.2 POLÍTICAS DA SAÚDE DO
TRABALHADOR NO BRASIL
A Saúde do Trabalhador é, segundo a Constituição de 1988, uma
atribuição do SUS. Em 2002, foi criada no Brasil a Portaria 1.679, de
19 de setembro de 2002, a Rede de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (RENAST) com o objetivo de implementar a Saúde do
Trabalhador nos diversos níveis de atenção à saúde (Atenção
Primária, Secundária e Terciária), tendo os Centros de Referência em
Saúde do Trabalhador (CERESTs) como eixo articulador (Evangelista
et al., 2011). Em 2012, foi estabelecida pela Portaria 1.823, de 23 de
agosto de 2012, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora (PNSTT) com a finalidade de definir princípios,
diretrizes e estratégias para a Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador, com ênfase na vigilância em saúde, visando à
promoção e proteção da saúde dos trabalhadores e redução da
morbimortalidade decorrentes dos modelos de desenvolvimento e
dos processos produtivos (Brasil, 2012).
São objetivos da PNSTT (Brasil, 2012):
a) Fortalecer a Vigilância em Saúde do Trabalhador e a integração com
os demais componentes da Vigilância em Saúde;
b) Promover a saúde e ambientes e processos de trabalho saudáveis;
c) Garantir a integralidade na atenção à saúde do trabalhador;
d) Ampliar o entendimento de que a Saúde do Trabalhador deve ser
concebida como uma ação transversal, devendo a relação saúde-
trabalho ser identificada em todos os pontos e instâncias da rede de
atenção;
e) Incorporar a categoria trabalho como determinante do processo
saúde-doença dos indivíduos e da coletividade, incluindo-a nas
análises de situação de saúde e nas ações de promoção em saúde;
f) Assegurar que a identificação da situação do trabalho dos usuários
seja considerada nas ações e serviços de saúde do SUS e que a
atividade de trabalho realizada pelas pessoas, com as suas possíveis
consequências para a saúde, seja considerada no momento de cada
intervenção em saúde;
g) Assegurar a qualidade da atenção à saúde do trabalhador usuário
do SUS.

Para fins de intervenção, consideram-se trabalhadores todos os


homens e mulheres, independentemente da localização (urbana ou
rural), da forma de inserção no mercado de trabalho (formal ou
informal), do vínculo empregatício (público ou privado, assalariado,
autônomo, avulso, temporário, cooperativados, aprendiz, estagiário,
doméstico, aposentado ou desempregado), que são sujeitos dessa
Política (Brasil, 2012).
Segundo a PNSTT, os CERESTs têm o papel de realizar suporte
técnico, educação permanente, assessoria ou coordenação de
projetos de assistência, promoção e vigilância à saúde dos
trabalhadores, no âmbito da sua área de abrangência (lembrar que os
CERESTs são regionais, englobando municípios circunvizinhos de
uma mesma região); articular e organizar ações intra e intersetoriais
de saúde do trabalhador, realizando a retaguarda técnica para o
conjunto de ações e serviços da rede; e irradiar experiências de
vigilância em saúde do trabalhador. Esta retaguarda deve ser
organizada segundo o método do apoio matricial às equipes de
referência, mediante trabalho multiprofissional e práticas
interdisciplinares, na perspectiva da clínica ampliada, da promoção
e vigilância em saúde do trabalhador (Brasil, 2012).
O Ministério da Saúde é o coordenador Nacional da Política de Saúde
do Trabalhador (Brasil, 2012), mas outros órgãos executivos, como o
Ministério do Trabalho e o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), atuam na Saúde do Trabalhador. O Ministério do Trabalho é
responsável pela normatização de toda atividade laborativa,
fiscalização e investigação de denúncias e de acidentes graves e
óbitos. O INSS é o responsável pelos benefícios pecuniários dos
trabalhadores (acidentados e/ou aposentados) com registro em
Carteira Profissional. O Ministério da Saúde é responsável pelo
cuidado à saúde de todos os trabalhadores, desde a prevenção do
adoecimento ao seu tratamento, como um direito garantido pelo SUS
a toda a população. De acordo com a Lei 13.341/2016, o Ministério do
Trabalho e a Previdência Social foram convertidos em Ministério do
Trabalho.
Nesse contexto, desde 1978 o Ministério do Trabalho publica normas
relativas à segurança e saúde do trabalho, as chamadas Normas
Regulamentadoras (NRs), as quais obrigam empresas privadas e
públicas, e pelos órgãos públicos da administração direta e indireta,
bem como pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, que
possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), a regular seus ambientes e suas condições para o
exercício do trabalho, de modo a observar a segurança e saúde de
seus trabalhadores.
A Portaria 917, de 30 de julho de 2019 criou um grupo de trabalho
para revisão da PNSST. A comissão deverá apresentar uma proposta
de revisão em 60 dias a partir da data de publicação da portaria.
8.2.1 As Normas Regulamentadoras
As NRs são normas relativas à Segurança e à Medicina do Trabalho
inicialmente criadas pela Portaria nº 3.214, de 8 de junho de 1978 e
ampliadas nas décadas posteriores, totalizando 36 NRs em 2018. Em
2019, foi desencadeado um processo de revisão das NRs, em curso no
momento, e que já resultou em mudanças na NR 1, NR 12 e na
revogação da NR 2. Elas devem ser cumpridas pelas empresas
privadas e públicas que tenham empregados regidos pela CLT.
As NRs são elaboradas por uma comissão tripartite, composta por
representantes do governo, dos empregadores e dos empregados.
Além de regulamentarem, fornecem parâmetros e instruções sobre
Saúde e Segurança do Trabalho. Existem NRs gerais e rurais.
Sobre as mudanças recentes nas NRs, em linhas gerais, o novo texto
da NR1 modificou as regras para treinamento e capacitação de
trabalhadores nas empresas, especialmente nas microempresas e
empresas de pequeno porte; e dispensou aquelas com grau de risco 1
e 2 e que não possuírem riscos químicos físicos e biológicos de
elaborarem o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e
aquelas com grau de risco 1 e 2 e que não possuírem riscos químicos
físicos e biológicos e ergonômicos de elaborarem o Programa de
Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). Sobre a NR 12, uma
das mudanças foi o alinhamento das normas nacionais de segurança
de máquinas às normas internacionais, fazendo com que as
empresas que importam máquinas não mais precisem fazer
adequações de segurança nas mesmas para colocá-las em
funcionamento no Brasil.
Quadro 8.1 - Normas regulamentadoras
Nota: a periculosidade é percebida no trabalho em que o empregado fica exposto a pelo
menos 1 dos seguintes agentes: radiação, inflamáveis, explosivos ou eletricidade. O
exercício de trabalho em condições de periculosidade assegura ao trabalhador a
percepção de adicional de 30%, incidente sobre o salário, sem os acréscimos resultantes
de gratificações, prêmios ou participação nos lucros da empresa.
1 Trabalho insalubre é aquele prestado em condições que expõem o trabalhador a agentes
nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da
intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos (CLT, Art. 189 e NR 15).
O exercício de trabalho em condições de insalubridade assegura ao trabalhador o
recebimento de adicional, incidente sobre o salário mínimo da região, equivalente a 40%
para insalubridade de grau máximo, 20% para insalubridade de grau médio e 10% para
insalubridade de grau mínimo.
Fonte: Ministério do Trabalho.

8.3 ATUAÇÃO MÉDICA NA MEDICINA


DO TRABALHO/SAÚDE DO
TRABALHADOR
Um dos campos mais visíveis e tradicionais da Medicina do Trabalho
tem sido nas empresas, no âmbito dos SESMTs e dos PCMSOs,
conforme estabelecem as NR 04 e pela NR 07, respectivamente.
Os SESMTs devem ser compostos por Médicos do Trabalho,
Engenheiros de Segurança do Trabalho, Técnicos de Segurança do
Trabalho, Enfermeiros do Trabalho e Auxiliares ou Técnicos em
Enfermagem do Trabalho, a depender do número de empregados e
do Grau de Risco (GR) da atividade econômica da empresa. Sua
obrigatoriedade também ocorre de acordo com o número de
empregados e o GR da atividade econômica, que varia de 1 (menor
risco) a 4 (maior risco), conforme a NR 04. Por exemplo, empresas
com atividades econômicas de GR 01 possuem obrigatoriedade desse
serviço apenas quando têm mais de 501 empregados. Já empresas
com GR 04 devem dispor desse serviço já a partir de 50 empregados.
A NR 07 estabeleceu a obrigatoriedade de elaboração e
implementação, por parte de todos os empregadores e instituições
que admitam trabalhadores como empregados, do PCMSO, com o
objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos seus
trabalhadores. Esse programa deve ser parte do conjunto mais amplo
de iniciativas da empresa no campo da saúde dos trabalhadores.
Devem-se considerar as questões de risco coletivo e individual,
utilizar abordagem epidemiológica e ter caráter de prevenção,
rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos à saúde
relacionados ao trabalho. No caso de a empresa estar desobrigada de
manter médico do trabalho, de acordo com a NR 04, deverá o
empregador indicar médico do trabalho, empregado ou não da
empresa, para coordenar o programa, o qual deve incluir, entre
outros, a realização obrigatória dos exames médicos: admissional,
periódico, de retorno ao trabalho, de mudança de função e
demissional.
A Portaria 915, de 30 de julho de 2019 dispensou as empresas com
grau de risco 1 e 2 e que não possuírem riscos químicos, físicos,
biológicos e ergonômicos de elaborarem o Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).
PCMSO são as iniciais do Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional. Trata-se de uma legislação federal, especificamente a
Norma Regulamentadora nº 07, emitida pelo Ministério do Trabalho
e Emprego no ano de 1994, que determina a obrigatoriedade de
elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores e
instituições que admitam trabalhadores como empregados, com
base no programa, com o objetivo de promoção e preservação da
saúde do conjunto dos seus trabalhadores.
Com a criação do SUS, na Constituição de 1988, abriram-se novos
espaços de atuação para médicos e outros profissionais de saúde em
saúde do trabalhador, compondo as ações e os serviços desse
sistema. Com o avanço normativo e legislativo do SUS nessa área
(RENAST, em 2002; Pacto Pela Saúde, 2006; PNSTT, 2012 etc.), tem
se ampliado a compreensão de que os serviços de saúde do
trabalhador devem ser ofertados em todos os níveis (Atenção
Primária, Secundária e Terciária), criando-se a necessidade de os
médicos atuantes em todas as partes do sistema possuírem
conhecimentos e habilidades para reconhecer e lidar com os
problemas de saúde decorrentes do trabalho, reportando-os aos
serviços especializados, quando necessário, ou pedindo apoio a eles.
O CEREST, por exemplo, funciona como retaguarda técnica e
apoiador matricial dos demais serviços.
Há várias possibilidades de atuação médica nessa área. Em geral,
podem ser assim resumidas (ANAMT, 2017):
a) Nos espaços do trabalho ou da produção (as empresas), como
empregado nos SESMTs, como prestador de serviços técnicos, para a
elaboração do PCMSO ou de consultoria;
b) Na normalização e fiscalização das condições de Saúde e
Segurança no Trabalho (SST) desenvolvidas pelo Ministro do Trabalho
e Emprego;
c) Na rede pública de serviços de saúde e no desenvolvimento das
ações de saúde do trabalhador;
d) Na assessoria sindical em saúde do trabalhador, nas organizações
de trabalhadores e de empregadores;
e) Na perícia médica da Previdência Social, enquanto seguradora do
acidente do trabalho;
f) Na atuação junto ao Sistema Judiciário como perito judicial em
processos trabalhistas, ações cíveis e ações da promotoria pública;
g) Na atividade docente e na formação e capacitação profissional;
h) Na atividade de investigação no campo das relações entre saúde e
trabalho;
i) Em consultoria privada no campo da SST.

8.3.1 Atribuições do médico


Há atribuições mais gerais que o médico compartilha com as equipes
de saúde em que se integra nos diversos espaços onde atua e há
aquelas atribuições que lhes são privativas. Ambas variam em razão
da instituição e parte do sistema de saúde em que ele realiza suas
atividades. De modo geral, são algumas dessas atribuições:
a) Avaliar as principais consequências ou danos para a saúde dos
trabalhadores, bem como identificar os principais fatores de risco
presentes no ambiente de trabalho decorrentes do processo de
trabalho e das suas formas de organização;
b) Controlar os fatores de risco presentes nos ambientes e nas
condições de trabalho e identificar as principais medidas de prevenção,
inclusive a correta indicação e os limites do uso dos EPIs;
c) Efetuar exames (admissionais, periódicos, demissionais),
considerando a história médica e ocupacional, a avaliação clínica e
laboratorial, a avaliação das demandas profissiográficas e o
cumprimento dos requisitos legais vigentes – Ministério do Trabalho
(NR 07); Ministério da Saúde (SUS); Conselhos Federal/Regional de
Medicina etc.;
d) Tratar e diagnosticar as doenças e os acidentes relacionados com o
trabalho, incluindo as providências para a reabilitação física
profissional, e prover atenção médica de emergência na ocorrência de
agravos à saúde, não necessariamente relacionados ao trabalho;
e) Juntamente aos trabalhadores e empregadores, implementar
atividades educativas;
f) Organizar e participar da inspeção e da avaliação das condições de
trabalho com vistas ao seu controle e à prevenção dos danos para a
saúde dos trabalhadores;
g) Opinar sobre o potencial tóxico de risco e avaliar o perigo para a
saúde de produtos químicos mal conhecidos ou insuficientemente
avaliados quanto à sua toxicidade;
h) Cumprir e interpretar regulamentos legais e normas técnicas,
colaborando, sempre que possível, com os órgãos governamentais, no
desenvolvimento e no aperfeiçoamento dessas normas;
i) Em acidentes de grandes proporções ou situações de desastres,
planejar e implantar ações;
j) Participar da implementação de programas de reabilitação de
trabalhadores com dependência química;
k) Para fins da vigilância da saúde e do planejamento, implementar e
avaliar programas de saúde; l) Gerenciar as informações estatísticas e
epidemiológicas relativas à mortalidade, morbidade e incapacidade
para o trabalho, bem como planejar e implementar outras atividades de
promoção da saúde, priorizando o enfoque dos fatores de risco
relacionados ao trabalho;
m) Programar e realizar ações de assistência básica e de vigilância em
saúde do trabalhador;
n) Realizar inquéritos epidemiológicos em ambientes de trabalho;
o) Realizar vigilância em ambientes de trabalho com outros membros
da equipe ou com órgãos que atuem no campo da saúde do
trabalhador;
p) Notificar acidentes e doenças do trabalho, mediante instrumentos de
notificação do SUS.

8.3.2 Exames médicos do Programa de Controle


Médico de Saúde Ocupacional
8.3.2.1 Admissional

É uma avaliação médica antes do registro em carteira e do efetivo


início de suas atividades, direcionada para riscos específicos como
esforço ou características próprias do trabalho. O médico deve
averiguar se o candidato não apresenta patologia que pode ser
agravada pelo trabalho, se não apresenta doenças ou condição física
que possam colocar terceiros em risco e se está fisicamente
capacitado às tarefas a ele propostas.
8.3.2.2 Outros exames
Periódico, de retorno ao trabalho, de mudança de função e
demissional – todos esses exames devem compreender avaliação
clínica, abrangendo anamnese ocupacional, exames físico e mental e
exames complementares. Para cada um desses exames médicos, será
emitido um Atestado de Saúde Ocupacional (ASO), em que deverão
constar a identificação do trabalhador e do profissional, os riscos
ocupacionais específicos existentes ou a ausência deles, a indicação
dos procedimentos médicos a que foi submetido, incluindo os
exames complementares e a definição de apto ou inapto para a
função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.
Todos esses dados, além das informações de doenças não
relacionadas ao trabalho, devem estar presentes no prontuário da
saúde do trabalhador, cuja guarda é obrigatória pela empresa até 20
anos após o seu desligamento.
São obrigações do médico responsável pelo Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional:
a) Solicitar à empresa a emissão da Comunicação de Acidente do
Trabalho (CAT) e indicar, quando necessário, o afastamento do
trabalhador da exposição ao risco ou do trabalho;
b) Encaminhar o trabalhador à Previdência Social para
estabelecimento de nexo causal, avaliação de incapacidade e
definição da conduta previdenciária em relação ao trabalho;
c) Orientar o empregador quanto à necessidade de adoção de medidas
de controle no ambiente de trabalho;
d) Realizar os primeiros socorros em caso de acidente.

8.4 RISCOS OCUPACIONAIS


Cabe ao profissional envolvido na saúde do trabalhador:
a) Reconhecer o risco, o que significa identificar, no ambiente de
trabalho, fatores ou situações com potencial de dano;
b) Avaliar o risco, o que significa estimar a probabilidade e a gravidade
de que o dano ocorra.

8.4.1 Físicos
Quadro 8.2 - Exemplos de agentes físicos que podem oferecer risco à saúde dos
trabalhadores expostos

Fonte: Ministério da Saúde/representação da OPAS (Manual de Procedimentos para os


Serviços de Saúde).

8.4.2 Químicos
1. Poeiras: partículas sólidas produzidas mecanicamente por ruptura
de partículas maiores;
2. Fumos: partículas sólidas produzidas por condensação de vapores
metálicos;
3. Névoas: partículas líquidas produzidas mecanicamente, por
exemplo, em processo spray;
4. Neblinas: partículas líquidas produzidas por condensações de
vapores;
5. Gases: dispersões de moléculas no ar, misturadas completamente
com este;
6. Vapores: são, também, dispersões de moléculas no ar que, ao
contrário dos gases, podem condensar-se para formar líquidos ou
sólidos em condições normais de temperatura e pressão.
Toda vez que nos deparamos com uma questão
de riscos ocupacionais de natureza química
devemos lembrar que químicos se referem a
partículas e/ou moléculas de dispersão como
fatores de risco ocupacional.
Quadro 8.3 - Exemplos de agentes químicos e outros contaminantes atmosféricos que
podem oferecer risco à saúde dos trabalhadores expostos
Fonte: Ministério da Saúde/representação da OPAS (Manual de Procedimentos para os
Serviços de Saúde).

8.4.3 Biológicos
Quadro 8.4 - Exemplos de agentes biológicos que podem oferecer risco à saúde dos
trabalhadores e as respectivas situações de exposição

Fonte: Ministério da Saúde/representação da OPAS (Manual de Procedimentos para os


Serviços de Saúde).

8.4.4 Ergonômicos
a) Esforço físico e intenso;
b) Levantamento e transporte manual de peso;
c) Exigência de postura inadequada;
d) Controle rígido de produtividade;
e) Imposição de ritmos excessivos;
f) Trabalho em turno e noturno;
g) Jornadas de trabalho prolongadas;
h) Monotonia e repetitividade;
i) Outras situações causadoras de estresse físico e/ou psíquico.

8.4.5 Riscos de acidentes


a) Arranjo físico inadequado;
b) Máquinas e equipamentos sem proteção;
c) Ferramentas inadequadas ou defeituosas;
d) Iluminação inadequada;
e) Eletricidade;
f) Probabilidade de incêndio ou explosão;
g) Armazenamento inadequado;
h) Animais peçonhentos;
i) Outras situações de risco que podem contribuir para a ocorrência de
acidentes.

8.5 ACIDENTES DE TRABALHO


Afetam o empregado segurado, o trabalhador avulso, bem como o
segurado especial, provocando lesão corpórea ou perturbação
funcional que cause a morte, a perda ou redução, temporária ou
permanente, da capacidade para o trabalho.
Os acidentes de trabalho, típicos e de trajeto, geralmente se
constituem de fenômenos traumáticos e são, respectivamente, os
que ocorrem a serviço da empresa ou no percurso da residência ou da
refeição para o local de trabalho e vice-versa. Também se incluem
nessa categoria a doença profissional, isto é, aquela produzida ou
desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada
atividade, constante da relação publicada pelo Ministério da Saúde, e
a doença do trabalho, assim entendida como aquela adquirida ou
desencadeada em função de condições especiais em que é realizado e
com ele se relacione diretamente, desde que também constante em
regulamentação.
Os acidentes em que profissionais de saúde se expõem a sangue e
outros fluidos biológicos devem ser considerados emergência
médica. Há, portanto, necessidade de priorizar o atendimento a eles
no mais curto espaço de tempo possível. As condutas específicas
visam evitar a disseminação do HIV e dos vírus das hepatites B e C no
ambiente de trabalho.
São tipos de exposição que envolvem material biológico
considerados de risco:
1. Exposições percutâneas: lesões provocadas por instrumentos
perfurantes ou cortantes (exemplo: agulhas, lâminas de bisturi,
vidrarias etc.);
2. Exposições de mucosas: ocorrência de respingos na face, no olho,
nariz ou na boca; ou exposição de mucosa genital;
3. Exposição de pele não íntegra: contato com locais onde a pele
apresenta dermatites ou feridas abertas;
4. Arranhaduras e/ou mordeduras: são consideradas de risco
quando envolvem a presença de sangue.

8.5.1 Acompanhamento pós-exposição


a) Coleta e realização das sorologias para HIV e hepatites B e C do
profissional acidentado e do paciente-fonte. Outras sorologias podem
ser solicitadas, de acordo com a situação epidemiológica, como
sorologia para doença de Chagas, HTLV, sífilis;
b) Indicação de profilaxia quando recomendada.

8.5.2 Caracterização do acidente


1. Acidente leve: contato com secreções, urina ou sangue em pele
íntegra;
2. Acidente moderado: contato com secreções ou urina em mucosas;
sem sangue visível;
3. Acidente grave: contato de líquido orgânico contendo sangue
visível com mucosas ou exposição percutânea com material
perfurocortante.

8.5.3 Profilaxia
Logo após o acidente deverá se proceder à descontaminação do sítio
exposto, limpando a ferida com água e sabão ou irrigando as
membranas mucosas com água limpa.
1. Acidente leve: solicitar sorologias de HIV e hepatites virais do
profissional acidentado e sorologia de HIV do paciente-fonte. Não
prescrever antirretroviral. Encaminhar à Coordenadoria de DST/AIDS
para acompanhamento;
2. Acidente moderado: comunicar a enfermeira para proceder à
notificação do caso. Solicitar sorologias de HIV e hepatites virais do
acidentado e sorologia de HIV do paciente-fonte. Prescrever: AZT
(zidovudina), 100mg, 2cps, VO, a cada 12 horas; e Epivir®
(lamivudina), 150mg, 1cp, VO, a cada 12 horas;
3. Acidente grave: seguir as recomendações do acidente moderado e
prescrever: AZT (zidovudina), 100mg, 2cps, VO, a cada 12 horas;
Epivir® (lamivudina), 150mg, 1cp, VO, a cada 12 horas; Viracept®
(nelfinavir), 250mg, 3cps, VO, a cada 8 horas.

8.5.4 Equiparam-se também a acidente de


trabalho
a) Acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa
única, tenha consequência significativa de saúde;
b) Acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho por
causas diversas às laborais;
c) Doença proveniente de contaminação acidental do empregado no
exercício de sua atividade;
d) Acidente sofrido, ainda que fora do local e do horário de trabalho,
desde que a serviço da empresa ou durante o trajeto de ida e volta do
trabalho. A Lei 13.467, de 13 de Julho de 2017, da chamada “reforma
trabalhista”, modificou o artigo 58º da CLT que passou a vigorar com a
seguinte redação: “o tempo despendido pelo empregado desde a sua
residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu
retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o
fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de
trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”.

8.5.5 Não são consideradas doenças de trabalho


a) Doença degenerativa;
b) Inerente a grupo etário;
c) Aquela que não produz incapacidade laborativa;
d) Doença endêmica adquirida por segurados habitantes de região
onde ela se desenvolva, salvo se comprovado que resultou de
exposição ou de contato direto determinado pela natureza do trabalho.

8.5.6 Comunicação de Acidente de Trabalho


As ocorrências de acidentes de trabalho são comunicadas ao INSS
pelo documento de registro oficial desse tipo de ocorrência no Brasil,
denominado Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Esse
documento deve ser preenchido pelo departamento de pessoal da
empresa ou empregador e entregue ao posto do seguro social até o
primeiro dia útil após a ocorrência do acidente. No caso de morte, a
comunicação deve ser feita imediatamente. Na falta de comunicação
por parte da empresa, podem preencher a CAT o próprio segurado
acidentado ou seus dependentes, sindicato a que seja filiado, o
médico que o atendeu ou qualquer autoridade, sem que isso, no
entanto, isente a empresa da sua responsabilidade.
Nos casos de doença ocupacional, o médico do trabalho responsável
comunica o caso ao INSS após constatação da doença e emissão da
CAT. Então, o trabalhador é encaminhado ao INSS para perícia e
estabelecimento do nexo causal. Este se refere ao estabelecimento de
uma relação de causa e consequência entre as condições e histórico
de trabalho e o quadro clínico apresentado. Em caso de incapacidade,
deverá ser feito o encaminhamento ao auxílio-doença.
Em caso de acidentes típicos e de trajeto, é emitida a CAT e
estabelecido o tempo de afastamento para tratamento e recuperação.
Se esse tempo for menor que 15 dias, o pagamento do auxílio-doença
será de responsabilidade da empresa. Caso seja maior que 15 dias,
esse benefício é de responsabilidade do INSS.
Em caso de doença não ocupacional, deverá ser estabelecido o tempo
de afastamento para tratamento e recuperação. Se esse tempo for
menor que 15 dias, o pagamento do auxílio-doença será de
responsabilidade da empresa. A partir do 16º dia, o benefício é de
responsabilidade do INSS, em semelhança ao acidente de trabalho.
Quadro 8.5 - Tipos de Comunicação de Acidente de Trabalho
A comunicação será feita ao INSS por intermédio do formulário CAT,
preenchido em 6 vias, com a seguinte destinação:
1. Primeira via: ao INSS;
2. Segunda via: à empresa;
3. Terceira via: ao segurado ou dependente;
4. Quarta via: ao sindicato de classe do trabalhador;
5. Quinta via: ao SUS;
6. Sexta via: à Delegacia Regional do Trabalho (DRT).

É importante ressaltar que a CAT deve ser emitida para todo acidente
ou doença relacionados ao trabalho, ainda que não haja afastamento
ou incapacidade.
Dos itens que mais são cobrados nas provas, no
que se refere ao preenchimento da doença que
levará ao afastamento do trabalho, podemos
citar o agente causador, a situação geradora do
acidente e se houve afastamento.
8.6 DOENÇAS DO TRABALHO E
PROFISSIONAIS
A doença profissional é aquela produzida ou desencadeada pelo
exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante
da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego e pela Previdência Social. Exemplos: saturnismo
(intoxicação provocada pelo chumbo) e silicose (sílica).
Já a doença do trabalho é aquela adquirida ou desencadeada em
função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com
ele se relacione diretamente (também constante da relação
supracitada). Exemplo: disacusia (surdez) em trabalho realizado em
local extremamente ruidoso.
O Quadro 8.6 resume e exemplifica os grupos das doenças
relacionadas com o trabalho, de acordo com a classificação proposta
por Schilling (1984).
Quadro 8.6 - Classificação das doenças segundo sua relação com o trabalho
Fonte: Ministério da Saúde, 2011.

São apresentados a seguir exemplos de doenças que têm, como causa


necessária, fatores de exposição relacionados ao trabalho.
8.6.1 Perda auditiva induzida por ruídos
A Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) é um dos agravos mais
frequentes à saúde dos trabalhadores, presente em diversos ramos
de atividade, principalmente siderurgia, metalurgia, gráfica, têxteis,
papel e papelão, vidraria, entre outros. Atualmente, tem sido
utilizado um novo termo: Perda Auditiva Induzida por Níveis de
Pressão Sonora Elevados (PAINSPE).
Entende-se por limite de tolerância a
concentração ou intensidade máxima ou
mínima, relacionada com a natureza e o tempo
de exposição ao agente, que não causará danos
à saúde do trabalhador durante a sua vida
laboral.

O manual técnico sobre o assunto, publicado pelo Ministério da


Saúde em 2006, indica os sinais e sintomas da PAIR a seguir.
a) Sintomas auditivos:
Perda auditiva;
Zumbidos;
Dificuldade no entendimento da fala;
Outros sintomas auditivos menos frequentes: algiacusia
(sensação dolorosa a ruído de alta intensidade), sensação de
audição “abafada”, dificuldade na localização da fonte sonora.
b) Sintomas não auditivos:
Transtornos da comunicação;
Alterações do sono;
Transtornos neurológicos;
Transtornos vestibulares;
Transtornos digestivos;
Transtornos comportamentais.

Uma regra mnemônica para gravar os sintomas


de PAIR é o “PAZA”, que representa,
respectivamente, perda auditiva, algiacusia,
zumbidos e abafada.

São características importantes da PAIR:


a) Ser sempre neurossensorial, uma vez que a lesão está localizada
no órgão de Corti da orelha interna;
b) Normalmente bilateral, com padrões similares. Em algumas
situações, observam-se diferenças entre os graus de perda em cada
orelha;
c) A sua progressão cessa com o fim da exposição ao ruído intenso;
d) A perda tem início e predomínio nas frequências de 3, 4 ou 6kHz,
progredindo, posteriormente, para 8, 2, 1, 0,5 e 0,25kHz.

8.6.2 Silicose
A mais antiga, mais grave e mais prevalente das doenças pulmonares
relacionadas à inalação de poeiras minerais é a silicose. As
pneumoconioses são definidas pela OIT como “doenças pulmonares
causadas pelo acúmulo de poeira nos pulmões e reação tissular à
presença dessas poeiras”. E, por não ser passível de tratamento e
totalmente irreversível, pode cursar com graves transtornos à saúde
do trabalhador.
É vasta a relação das atividades de risco: mineração subterrânea e de
superfície; corte de pedras, britagem, moagem, lapidação,
cerâmicas, fundições que utilizam areia no processo, vidro industrial
de abrasivos, marmorarias, corte e polimento de granito,
cosméticos, protéticos, cavadores de poços; artistas plásticos e
jateadores de areia. Dentre as principais atividades, com respectivos
registros de prevalência de silicose, podemos citar indústria
cerâmica (3,9%), atividades em pedreiras (3 a 16%), jateamento de
areia na indústria naval (23,6%) e perfuração de poços no Nordeste
(17%).
Boa parte dos casos só será diagnosticada anos depois de o
trabalhador estar afastado da exposição, já que a silicose é, em geral,
uma doença de desenvolvimento lento, com progressão
independentemente do término da exposição, praticamente
assintomática na fase inicial.
Os sintomas característicos e predominantes começam a aparecer
com a progressão da doença:
1. Fase inicial: dispneia de esforço, astenia, tosse e/ou expectoração
constantes e dor torácica à inspiração profunda e aos esforços;
2. Fase avançada: insuficiência respiratória grave, dor torácica
progressiva, dispneia aos mínimos esforços e até em repouso,
comprometimento cardíaco, astenia grave e até cor pulmonale crônico.

Caso os sintomas da fase inicial da silicose se


apresentem antes de 10 anos de exposição à
sílica cristalina, podem ser atribuídos ao
tabagismo ou a outras doenças associadas,
como a silicotuberculose.

Em conjunto com a história clínica ocupacional (inquérito rigoroso


sobre profissão, ramo industrial, atividades específicas detalhadas,
presentes e passadas) coerente, o diagnóstico da silicose se baseia na
radiografia de tórax – específico, recomendado pela OIT, que
permite identificar pequenas lesões no pulmão.
Figura 8.1 - Silicose
Classicamente são descritas 3 formas clínicas distintas:
1. Silicose crônica (ou nodular simples): mais comum, ocorre após
longo tempo de início da exposição (entre 10 a 20 anos) sob níveis
baixos de sílica. Caracteriza-se prela presença de pequenos nódulos
difusos (menores que 1 cm de diâmetro) predominantemente no terço
superior do pulmão. Os pacientes muitas vezes são assintomáticos ou
tem os sintomas (em especial a dispneia aos esforços) precedidos por
alterações radiológicas.
2. Silicose acelerada ou subaguda: apresenta alterações
radiológicas mais precoces (em torno de 5 a 10 anos do início da
exposição). Os sintomas respiratórios normalmente são mais precoces
e limitantes. Há um maior risco de evolução para formas complicadas
(formação de conglomerados e fibrose maciça).
3. Silicose aguda: forma rara, relacionada a exposições maciças de
sílica livre por períodos de 4 meses a 5 anos. Em geral a dispneia é
grave e pode evoluir para morte por insuficiência respiratória.
Associadamente há tosse seca e mal-estar geral. Ao exame físico
estão presentes crepitantes pulmonares difusos. O padrão radiológico
é de infiltrado alveolar difuso, progressivo, ocasionalmente
acompanhado por nodulações inespecíficas.

8.6.3 Asbestose
O Brasil é um dos grandes produtores mundiais de asbesto,
principalmente na fabricação de produtos de cimento-amianto;
materiais de fricção, como pastilhas de freio; materiais de vedação,
piso e produtos têxteis, como mantas e tecidos resistentes ao fogo.
Clinicamente a doença é inicialmente assintomática. Com a
progressão surgem dispneia aos esforços, estertores crepitantes nas
bases, baqueteamento digital, alterações funcionais e opacidades
irregulares em bases pulmonares (à radiologia).
Considerada uma doença eminentemente ocupacional, a asbestose é
a pneumoconiose associada ao asbesto ou amianto. A doença, de
caráter progressivo e irreversível, pode se manifestar alguns anos
depois de cessada a exposição, com período de latência superior a 10
anos. Clinicamente, caracteriza-se por dispneia de esforço,
estertores crepitantes nas bases pulmonares, baqueteamento digital,
alterações funcionais e pequenas opacidades irregulares na
radiografia de tórax.
É a partir da história ocupacional, do exame físico e das alterações
radiológicas que o diagnóstico é realizado. A radiografia de tórax,
assim como a sua leitura, deverá ser feita de acordo com o
preconizado pela OIT.
8.6.3.1 Procedimento

a) Afastamento imediato e definitivo da exposição, mesmo nas formas


iniciais;
b) Notificação e investigação do caso;
c) Solicitação de emissão de CAT pela empresa e preenchimento do
Laudo de Exame Médico (LEM) pelo médico.

Além da asbestose, a exposição às fibras de asbesto está relacionada


ao surgimento de outras doenças, como as alterações pleurais
benignas, o câncer de pulmão e os mesoteliomas malignos, que
podem acometer a pleura, o pericárdio e o peritônio.
Figura 8.2 - Corpos de asbesto do tipo anfibólio: fibras finas e retas no tecido pulmonar
Fonte: Anatpat-Unicamp.

8.6.4 Lesões por esforços repetitivos/distúrbios


osteomusculares relacionados ao trabalho
As Lesões por Esforços Repetitivos (LERs) e os Distúrbios
Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORTs) abrangem
diversas patologias; dentre as mais conhecidas, a tenossinovite, a
tendinite e a bursite.
Trata-se da 2ª causa de afastamento do trabalho no Brasil. As
LERs/DORTs atingem o trabalhador no auge de sua produtividade e
experiência profissional. A maior incidência está na faixa etária de
30 a 40 anos, e as mulheres são as mais atingidas.
As categorias profissionais que encabeçam as estatísticas são
bancários, digitadores, operadores de linha de montagem,
operadores de telemarketing, secretárias, jornalistas, entre outros.
Não há uma etiologia única e determinada para a ocorrência de
LERs/DORTs. Vários fatores existentes no trabalho contribuem para
a sua existência:
a) Repetitividade de movimentos;
b) Manutenção de posturas inadequadas por tempo prolongado;
c) Esforço físico;
d) Invariabilidade de tarefas;
e) Pressão mecânica sobre determinados segmentos do corpo, em
particular membros superiores;
f) Trabalho muscular estático;
g) Choques e impactos, vibração, frio e fatores organizacionais.

São caracterizadas pela exigência de ritmo intenso de trabalho,


existência de pressão, autoritarismo das chefias e mecanismos de
avaliação de desempenho com base em produtividade.
8.6.5 Síndrome do túnel do carpo
O túnel do carpo é um canal situado ao nível do punho e formado, em
sua base, pelos ossos do carpo, e em sua parte superior ou teto, pelo
ligamento transverso do carpo. É através dele que passa o nervo
mediano, responsável pela inervação do polegar (primeiro dedo), do
indicador (segundo dedo), do dedo médio (terceiro dedo) e a face
interna do anular (quarto dedo).
Pelo interior do canal do carpo, passam os tendões flexores dos
dedos e o nervo mediano.
A Síndrome do Túnel do Carpo (STC) é a neuropatia de origem
compressiva mais frequente, incidindo em cerca de 1% da população
geral. Os pacientes são predominantemente do sexo feminino, à
proporção de 4:1, geralmente na faixa etária entre 40 e 60 anos. Em
cerca de 50% dos casos, a STC é bilateral, iniciando-se na mão
dominante, na qual os sintomas geralmente são mais intensos.
As manifestações iniciais são dor, queimação, formigamento e
dormência na mão, geralmente de evolução insidiosa, acometendo
território de inervação do nervo mediano. De forma clássica, os
sintomas acentuam-se no período noturno, por vezes de forma
intensa, chegando a despertar o paciente. Movimentos repetitivos
também podem exacerbar os sintomas.
São fatores ocupacionais contribuintes para a STC fadiga de baixa
frequência, esforço e repetitividade, postura e fatores mecânicos
externos. Assim, vários fatores associados ao trabalho concorrem
para a ocorrência dessa síndrome, como a repetitividade de
movimentos, a manutenção de posturas inadequadas, o esforço
físico, a invariabilidade de tarefas, a pressão mecânica sobre
determinados segmentos do corpo, o trabalho muscular estático,
impactos e vibrações.
1. Diagnóstico: teste de Phalen
a) Posição do paciente: sentado ou em pé, com os cotovelos fletidos
a 90° e os punhos e o dorso em contato e a 90° de flexão;
b) Descrição do teste: o terapeuta instrui o paciente a realizar uma
flexão do punho e colocar o dorso da mão em contato com a outra
mão, permanecendo assim por 1 minuto;
c) Sinais e sintomas: o aparecimento de formigamento ou dormência
na mão, principalmente na região que vai até o 3º dedo, demonstra
positividade do teste.

O sinal de Tinel, obtido a partir da percussão leve sobre a prega


flexora do punho, tem valor diagnóstico questionável devido ao
elevado índice de resultados falsos positivos. O sinal da compressão
geralmente é positivo e é obtido por meio da compressão da região
do punho na altura do osso pisiforme, o que piora os sintomas.
Embora as alterações na eletroneuromiografia sejam consideradas
importantes na definição da STC, esse exame pode ser normal em
cerca de 5 a 8% dos pacientes.
8.6.6 Intoxicações exógenas
8.6.6.1 Agrotóxicos
Todo produto agrotóxico é classificado, pelo menos, quanto a 3
aspectos, apresentados a seguir.
1. Quanto aos tipos de organismos que controlam: inseticidas,
acaricidas, fungicidas, herbicidas, nematicidas, moluscicidas, raticidas,
avicidas, columbicidas, bactericidas e bacteriostáticos são termos que
se referem à especificidade do agrotóxico com relação aos tipos de
pragas ou doenças.
2. Quanto à toxicidade da substância: quanto ao grau de toxicidade, a
classificação adotada é aquela preconizada pela OMS, que distingue
os agrotóxicos em classes I, II, III e IV. A classificação utilizada na
definição da coloração das faixas nos rótulos dos produtos agrotóxicos
é: vermelho, amarelo, azul e verde, respectivamente. Temos, assim, a
classificação presente no Quadro 8.7.

Quadro 8.7 - Classificação toxicológica dos agrotóxicos

A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por meio da


Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 294, de 29 de julho de
2019, publicada no dia 31 de julho de 2019 no Diário Oficial da União
estabeleceu o uso do GHS (Sistema Globalmente Harmonizado de
Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos do inglês para
Globally Harmonized System of Classification and Labelling of
Chemicals). Este sistema de classificação e rotulagem de produtos
químicos foi elaborado no âmbito das Nações Unidas e tem como
objetivo a harmonização global da forma de classificação, rotulagem
e comunicação do perigo dos produtos químicos. Segundo essa nova
classificação os rótulos dos produtos passarão a ter 6 tipos de
classificações, em vez das 4 atuais. São elas:
a) Extremamente tóxico – fatal se ingerido, inalado ou posto em
contato com a pele. Tarja vermelha.
b) Altamente tóxico – igual a extremamente tóxico, porém muda o risco
conforme o grau da exposição ao produto. Tarja vermelha.
c) Moderadamente tóxico – causa intoxicação se ingerido, inalado ou
em contato com a pele. Tarja amarela.
d) Pouco tóxico – nocivo se ingerido, inalado ou em contato com a
pele. Tarja azul.
e) Improvável de causar dano agudo – pode ser perigoso se ingerido,
inalado ou em contato com a pele. Tarja azul.
f) Não classificado (por não ter toxidade) – sem riscos ou
recomendações. Tarja verde.

Quanto ao grupo químico ao qual pertencem:


a) Organofosforados;
b) Carbamatos;
c) Organoclorados;
d) Piretroides;
e) Dietilditiocarbamatos;
f) Derivados do ácido fenoxiacético.

No grupo dos inseticidas, os organofosforados e carbamatos,


inibidores das colinesterases, têm causado o maior número de
intoxicações (agudas, subagudas e crônicas) e mortes no Brasil e no
mundo.
Os organofosforados penetram por vias dérmica, pulmonar e
digestiva, causando sudorese, sialorreia, miose, hipersecreção
brônquica, colapso respiratório, tosse, vômitos, cólicas, diarreia,
miofasciculações, hipertensão arterial fugaz, confusão mental,
ataxia, convulsões e choque cardiorrespiratório, podendo levar a
coma e óbito.
A ação tóxica e a sintomatologia dos carbamatos são semelhantes às
dos organofosforados.
Os organoclorados penetram no organismo pelas vias dérmica,
gástrica e respiratória, são lipossolúveis (contraindicado o uso de
leite nas intoxicações) e eliminados pela urina e pelo leite materno.
Em sua ação tóxica, comprometem a transmissão do impulso
nervoso nos níveis central e autônomo, provocando alterações
comportamentais, sensoriais, do equilíbrio, da atividade da
musculatura voluntária e de centros vitais, principalmente do bulbo
respiratório.
Os inseticidas piretroides causam irritação nos olhos, nas mucosas e
na pele. São muito utilizados em “dedetizações” de domicílios e
prédios e têm sido responsabilizados pelo aumento de casos de
alergia em adultos e crianças. Em altas doses, podem levar a
neuropatias (agem na bainha de mielina e a desorganizam,
promovendo a ruptura de axônios).
Os fungicidas do grupo dietilditiocarbamatos são proibidos no
exterior, mas aqui são usados na cultura do tomate, do pimentão e
de frutas. A absorção ocorre pela via dérmica. Alguns contêm
manganês, o que possibilita o surgimento de sintomas de
parkinsonismo. Sua impureza, ETU (etileno-etilureia), é tida como
carcinogênica, teratogênica e mutagênica. A exposição intensa
provoca dermatite, conjuntivite, faringite e bronquite.
Os herbicidas são produtos de uso crescente, por serem substitutivos
de mão de obra. O produto mais conhecido e usado é o paraquat
(Gramoxone®), que provoca lesões hepáticas e renais e fibrose
pulmonar (insuficiência respiratória e óbito). Ainda nesse grupo
estão o ácido 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D) e o 2,4,5-
triclorofenoxiacético (2,4,5-T). A mistura de 2,4-D e 2,4,5-T
representa o principal componente do agente laranja, utilizado como
desfolhante na guerra do Vietnã.
São bem absorvidos pelas 3 vias já citadas. O primeiro produz neurite
periférica e diabetes transitório; o segundo leva a abortamentos,
teratogênese, carcinogênese (está relacionado à dioxina, que aparece
como impureza do processo de fabricação) e cloroacnes. Provocam,
ainda, neurite periférica retardada, lesões do sistema nervoso
central e lesões degenerativas – hepáticas e renais.
1. Procedimento: estabelecido o nexo pela avaliação clínico-
ocupacional, os casos devem ser notificados ao Sistema de
Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e encaminhados à rede
de referência para atendimentos especializados, quando necessário.
Os exames laboratoriais, como dosagem de colinesterase, deverão ser
realizados em função do produto ao qual esteve exposto o trabalhador.
Caso o trabalhador intoxicado tenha carteira de trabalho assinada,
deverá ser solicitada a emissão da CAT pela empresa, sendo o médico
responsável pelo preenchimento do LEM. Deverá ser procedida a
notificação nos instrumentos do SUS e ser feita a investigação da
situação que ocasionou a intoxicação; a partir de então, deverão ser
desencadeadas as medidas de controle.

8.6.6.2 Chumbo (saturnismo)

As principais fontes de contaminação ocupacional e/ou ambiental


são as atividades de mineração e industriais, especialmente fundição
e refino.
A doença causada pelo chumbo é chamada saturnismo. A exposição
ocupacional ao chumbo inorgânico provoca, em sua grande maioria,
intoxicação em longo prazo, podendo ser de variada intensidade. As
principais atividades profissionais em que ocorre exposição ao
chumbo são: fabricação e reforma de baterias; indústria de plásticos;
fabricação de tintas; pintura à pistola/pulverização com tintas à base
de pigmentos de chumbo; fundição de chumbo, latão, cobre e
bronze; reforma de radiadores; manipulação de sucatas; demolição
de pontes e navios; trabalhos com solda; manufatura de vidros e
cristais; lixamento de tintas antigas; envernizamento de cerâmica;
fabricação de material bélico à base de chumbo; usinagem de peças
de chumbo; manufatura de cabos de chumbo; trabalho em joalheria
etc.
As intoxicações podem causar danos aos sistemas sanguíneo,
digestivo, renal, nervoso central e, em menor extensão, ao nervoso
periférico. O contato com os compostos de chumbo pode ocasionar
dermatites e úlceras na epiderme.
1. Sinais e sintomas na intoxicação crônica:
a) Cefaleia, astenia;
b) Alterações do comportamento (irritabilidade, hostilidade,
agressividade, redução da capacidade de controle racional);
c) Alterações do estado mental (apatia, obtusidade,
hipoexcitabilidade, redução da memória);
d) Alteração da habilidade psicomotora, com redução da força
muscular, dor e parestesia nos membros;
e) Queixas de impotência sexual e diminuição da libido (comuns);
f) Hiporexia, epigastralgia, dispepsia, pirose, eructação;
g) Dor abdominal aguda, às vezes confundida com abdome
agudo, pode ser sintoma de intoxicação crônica por chumbo;
h) Modificação da frequência e do volume urinários, das
características da urina, aparecimento de edema e hipertensão
arterial;
i) O exame oral pode revelar a existência da orla gengival de
Burton. É um sinal relativamente frequente e constitui-se numa
linha azulada da gengiva imediatamente por cima da implantação
dos dentes. Aparece mais nas áreas dos caninos, mas nos casos
de má higiene (tártaro) ou cáries junto ao colo costuma incidir
mais nas áreas correspondentes aos dentes com patologia. A orla
azulada é ocasionada pelo sulfeto de chumbo formado nos
intoxicados pela presença do chumbo eliminado na saliva, que
age com o ácido sulfídrico normalmente existente na boca, vindo
a formar o sulfeto de chumbo. Esse sulfeto, que tem a coloração
azulada, deposita-se na gengiva (Figura 8.3).
Figura 8.3 - Orla gengival de Burton (linha azulada na gengiva, próxima à região de
implantação dos dentes)
8.6.6.3 Mercúrio (hidrargirismo)

O mercúrio e os seus compostos tóxicos ingressam no


organismo por inalação, absorção cutânea e pela via digestiva. O
mercúrio metálico é utilizado principalmente em garimpos, na
extração do ouro e da prata, em células eletrolíticas para a
produção de cloro e soda, na fabricação de termômetros (no
Brasil será proibida sua fabricação, importação e
comercialização a partir de 2019), barômetros e aparelhos
elétricos e em amálgamas para uso odontológico. Os compostos
inorgânicos são utilizados principalmente em indústrias de
compostos elétricos, eletrodos, polímeros sintéticos e como
agentes antissépticos. Já os compostos orgânicos são utilizados
como fungicidas, fumigantes e inseticidas.
Assim, os trabalhadores expostos são aqueles ligados à extração
e à fabricação do mineral, na fabricação de tintas, barômetros,
manômetros, termômetros, lâmpadas, no garimpo, na
recuperação do mercúrio por destilação de resíduos industriais
etc.
Os vapores de mercúrio e seus sais inorgânicos são absorvidos,
principalmente, pela via inalatória. A absorção cutânea tem
importância limitada. Sua principal ação tóxica se deve à sua
ligação com grupos ativos da enzima monoaminoxidase (MAO),
resulta no acúmulo de serotonina endógena e na diminuição do
ácido 5-hidroxindolacético, com manifestações de distúrbios
neurais.
Em exposições prolongadas, em baixas concentrações, produz
sintomas complexos, incluindo cefaleia, redução da memória,
instabilidade emocional, parestesias, diminuição da atenção,
tremores, fadiga, debilidade, perda de apetite, perda de peso,
insônia, diarreia, distúrbios de digestão, sabor metálico,
sialorreia, irritação na garganta e afrouxamento dos dentes.
Podem ocorrer proteinúria e síndrome nefrótica. De maneira
geral, a exposição crônica apresenta 4 sinais, que se destacam,
entre outros, gengivite, sialorreia, irritabilidade e tremores.
8.6.6.4 Solventes orgânicos

Neste grupo químico, estão os hidrocarbonetos alifáticos (n-


hexano e benzina), os hidrocarbonetos aromáticos (benzeno,
tolueno, xileno), os hidrocarbonetos halogenados
(di/tri/tetracloroetileno, monoclorobenzeno, cloreto de
metileno), os álcoois (metanol, etanol, isopropenol, butanol,
álcool amílico), as cetonas (metilisobutilcetona, ciclo-
hexanona, acetona) e os ésteres (éter isopropílico e éter etílico).
Ocupacionalmente, as vias de penetração são a pulmonar e a
cutânea. A primeira é a mais importante, pois, ao volatilizarem-
se, os solventes podem ser inalados pelos trabalhadores
expostos e atingir os alvéolos pulmonares e o sangue capilar.
Havendo penetração e, consequentemente, biotransformação e
excreção, os efeitos tóxicos dessas substâncias nos níveis
hepático, pulmonar, renal, hemático e do sistema nervoso
podem manifestar-se.
1. Benzenismo:
a) É o nome dado às manifestações clínicas ou alterações
hematológicas compatíveis com a exposição ao benzeno. Os
processos de trabalho que expõem trabalhadores ao
benzeno estão presentes no setor siderúrgico, nas refinarias
de petróleo, nas indústrias de transformação que utilizam o
benzeno como solvente ou nas atividades em que se utilizem
tintas, vernizes, seladores, tíneres etc.
b) Os sintomas clínicos são pobres, mas pode haver queixas
relacionadas às alterações hematológicas, como fadiga,
palidez cutânea e de mucosas, infecções frequentes,
sangramentos gengivais e epistaxe. Podem ser encontrados
sinais neuropsíquicos, como astenia, irritabilidade, cefaleia e
alterações da memória. Laboratorialmente, esses quadros
podem se manifestar por meio de mono, bi ou pancitopenia,
caracterizando, nesta última situação, quadros de anemia
aplástica.
c) Vários estudos epidemiológicos demonstram a relação do
benzeno com leucemia mieloide aguda, leucemia mieloide
crônica, leucemia linfocítica crônica, doença de Hodgkin e
hemoglobinúria paroxística noturna.
2. Procedimento: estabelecer o nexo causal pela investigação
clínico-ocupacional, fazer no mínimo 2 hemogramas com
contagem de plaquetas e reticulócitos no intervalo de 15 dias,
dosar ferro sérico, capacidade de ligação e saturação do ferro e,
ainda, 2 amostras de fenol urinário, uma no fim da jornada e outra
antes dela (no momento da consulta).

8.6.6.5 Cromo

As maiores fontes de contaminação no ambiente de trabalho são as


névoas ácidas, que acontecem principalmente nas galvanoplastias
(cromagem), na indústria do cimento, na produção de ligas
metálicas, na soldagem de aço inoxidável, na produção e na
utilização de pigmentos nas indústrias têxtil, de cerâmica, vidro e
borracha e fotográfica.
Os sintomas associados à intoxicação são prurido nasal, rinorreia e
epistaxe, que evoluem com ulceração e perfuração de septo nasal;
irritação de conjuntiva com lacrimejamento e irritação de garganta;
na pele, observam-se prurido cutâneo nas regiões de contato,
erupções eritematosas ou vesiculares e ulcerações de aspecto
circular com dupla borda, a externa rósea e a interna escura
(necrose), o que lhe confere o aspecto característico de “olho de
pombo”; a irritação das vias aéreas superiores também pode
manifestar-se com dispneia, tosse, expectoração e dor no peito. O
câncer pulmonar é, porém, o efeito mais importante sobre a saúde
do trabalhador.
1. Procedimento: havendo suspeita de intoxicação por cromo, os
trabalhadores devem ser encaminhados ao serviço especializado em
saúde do trabalhador para monitorização biológica – pesquisa do
cromo no sangue e tecidos – e tratamento especializado. Uma vez
detectada a presença do cromo no ambiente, se não houver segurança
quanto ao limite legal para a duração da exposição, a vigilância ou os
trabalhadores poderão pedir a verificação do nível de exposição. Os
trabalhadores com intoxicação devem ser acompanhados por longos
períodos, uma vez que o câncer pulmonar se desenvolve de 20 a 30
anos após a exposição.

8.6.7 Outras patologias


Podemos citar, ainda, patologias desencadeadas por fatores
ocupacionais:
a) Distúrbios mentais;
b) Alcoolismo;
c) Dermatoses ocupacionais: dermatite de contato;
d) Radiações ionizantes: catarata, neoplasias;
e) Pressão atmosférica: osteonecrose;
f) Picadas por animais peçonhentos.

8.7 BENEFÍCIOS
8.7.1 Previdência Social
Os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social são os
segurados e os dependentes. Os primeiros são as pessoas físicas:
empregado pela CLT, empregado doméstico e contribuinte
individual (atividade agropecuária ou pesqueira, mineradora,
religioso, sócio-empresário e autônomo). Os benefícios do Regime
Geral de Previdência Social para o segurado são:
a) Aposentadoria por invalidez;
b) Aposentadoria por idade;
c) Aposentadoria por tempo de serviço;
e) Aposentadoria especial;
f) Auxílio-doença;
g) Salário-família;
h) Salário-maternidade;
i) Auxílio-acidente.

8.7.1.1 Benefícios para o dependente

a) Pensão por morte;


b) Auxílio-reclusão.

8.7.1.2 Benefícios para ambos

a) Serviço social;
b) Reabilitação profissional.

A aposentadoria por invalidez será devida ao segurado que, em gozo


ou não de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de
reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência, e lhe será paga enquanto permanecer nessa condição. A
doença ou lesão preexistente somente garantirá o benefício em caso
de progressão ou agravamento.
O auxílio-doença será devido ao segurado se ficar incapacitado para
o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias
consecutivos, por acidente de trabalho ou doença não relacionada ao
trabalho.
O auxílio-acidente será concedido como indenização ao segurado
quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de
qualquer natureza, aparecerem sequelas que impliquem redução da
capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
A quantificação da incapacidade laboral é realizada por uma perícia.
A tabela da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) é uma das
utilizadas para quantificar a perda da capacidade laboral. O segurado
pode, também, obter isenção de carência para concessão de
aposentadoria por invalidez caso sejam constatadas, em perícia
médica, as seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase,
alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível
e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondilite
anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget
(osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica
adquirida (AIDS) e contaminação por radiação.
8.7.2 Centro de Referência em Saúde do
Trabalhador
Os CERESTs promovem ações para melhorar as condições de
trabalho e a qualidade de vida do trabalhador por meio da prevenção
e vigilância. Existem os CERESTs estaduais e os regionais, e cabem a
eles capacitar a rede de serviços de saúde, apoiar as investigações de
maior complexidade e apoiar a estruturação da assistência de média
e alta complexidades para atender aos acidentes de trabalho e
agravos.
A equipe de profissionais dos CERESTs regionais é composta por,
pelo menos, 4 profissionais de nível médio (2 auxiliares de
enfermagem) e 6 profissionais de nível universitário (2 médicos e 1
enfermeiro). No caso dos estaduais, a equipe é integrada por 5
profissionais de nível médio (2 auxiliares de enfermagem) e 10
profissionais de nível superior (2 médicos e 1 enfermeiro).
Como a Medicina do
Trabalho pode atuar frente
aos riscos, acidentes e
doenças relacionados ao
trabalho?
A Medicina do Trabalho atua visando à prevenção dos
acidentes e das doenças do trabalho e, também, à
promoção da saúde e da qualidade de vida dos
trabalhadores. O Médico do trabalho atua em diferentes
espaços como empresas, órgãos governamentais, tais
como ministérios do trabalho ou da previdência,
sindicatos, sistema judiciário e nos sistemas público e
privado de saúde, em ações de prestação de serviços de
atenção à saúde, de emissão de pareceres, e de consultoria,
entre outras. As atribuições específicas são variadas,
conforme o espaço de trabalho e a função exercida.
Prevenção, redução e controle de riscos ocupacionais,
doenças relacionadas ao trabalho, doenças profissionais e
acidentes de trabalho estão no centro das preocupações
desse ramo de atuação médica.
Qual a importância da
Classificação Internacional
de Doenças para a
medicina?

9.1 O QUE É A CID?


A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID) é uma ferramenta diagnóstica padrão para a
epidemiologia, gestão de saúde e prática clínica, que agrupa doenças
análogas, semelhantes ou afins e é utilizada para monitorizar a
incidência e prevalência de doenças e outros problemas de saúde, de
forma a fornecer um panorama da situação de saúde dos países e das
populações. A CID é utilizada para converter diagnósticos de doenças
e outras condições de saúde em um código alfanumérico, permitindo
o armazenamento, a recuperação e a análise de dados. Além de servir
de instrumento estatístico para análises de âmbito nacional, a CID é
cada vez mais utilizada para o cuidado clínico e desenvolvimento de
pesquisas que visam definir doenças e/ou estudar os padrões das
doenças, bem como na gestão dos cuidados em saúde, a fim de
monitorizar os desfechos e a alocação de recursos. Dessa forma,
trata-se de uma classificação utilizada por médicos, enfermeiros,
pesquisadores, formuladores de políticas públicas, seguradoras,
gestores de saúde, entre outros profissionais interessados no
conhecimento de uma doença específica quanto a sua história
natural e maneiras de diagnóstico, tratamento e/ou prevenção
(Laurenti, 1991; OMS, 2019).
9.2 BREVE HISTÓRICO
Para cumprir o principal objetivo da Saúde Pública, que é evitar
doenças, prolongar a vida e promover a saúde mediante a atividade
organizada da sociedade, é preciso identificar os problemas de saúde
e a forma como estes se distribuem na população. Nesse contexto,
para analisar estatisticamente a frequência de doenças, é necessário
um instrumento que as agrupe ou classifique segundo determinados
critérios. Ao se obter uma uniformização terminológica
(nomenclatura de doenças ou nosografia), é possível ter uma
linguagem comum que favoreça uma melhor troca de informações
sobre a doença, possibilitando, ainda, comparações da sua
frequência em áreas distintas, de forma a contribuir à sua prevenção
(Laurenti, 1991).
Nomeadas as doenças, o agrupamento destas segundo
características comuns (nosologia) constitui, então, uma
classificação, que serve, basicamente, para fins estatísticos de
análises das situações de saúde das populações. Em uma
classificação estatística de doenças, o interesse principal está,
portanto, nos agrupamentos e não nos casos individualizados. A
busca por uma classificação ordenada de doenças é secular, mas em
meados do século XVIII e ao longo do século XIX houve um interesse
mais expressivo na obtenção de um instrumento estatístico que
sistematizasse as causas de morte e que fosse de uso internacional,
principalmente para possibilitar comparações (Laurenti, 1991,
1999).
Após diversas tentativas com aceitações bastante limitadas, houve,
em 1893, um acordo internacional para o uso de uma classificação de
doenças que eram causas de morte (77 causas de mortes) e uma
recomendação para que esta fosse revista decenalmente, de modo a
incorporar novas causas que fossem sendo descritas. Esta
classificação ficou conhecida como Lista Internacional de Causas de
Morte e foi adotada pelo Instituto Estatístico Internacional. A
primeira revisão ocorreu em 1900 e, até a quinta revisão em 1938,
havia um reduzido número de códigos, visto que era somente uma
classificação de doenças que causavam morte. A partir da 6ª revisão,
aprovada em 1948, este documento passou a englobar classificações
de doenças, lesões e causas de morte e suas revisões tornaram-se
responsabilidade da Organização Mundial da Saúde – OMS.
Da sexta à atual décima revisão, a CID ampliou enormemente o
número de categorias e, principalmente, subcategorias, visando
satisfazer plenamente aos seus vários usos em análises de
morbidade. Além disso, também foram incorporadas à Classificação
diversas definições usadas em estatísticas vitais e de saúde
(Laurenti, 1991).
A décima revisão da CID foi aprovada em 1989 e recomendada para
entrar em vigor em 1º de janeiro de 1993 pela 43ª Assembleia
Mundial de Saúde. No entanto, por diversos motivos, especialmente
de ordem operacional, muitos países a implementaram entre 1995 e
1997. No Brasil, a CID-10 foi introduzida em 1º de janeiro de 1996,
em cumprimento à Portaria 1.832/94.
Antes da décima revisão da CID, não havia atualizações entre as
revisões. Contudo, na Conferência Internacional para a Décima
Revisão, de 1989, foi recomendado que “a OMS endosse o conceito
de um processo de atualização no período entre 2 revisões e
considere os mecanismos para que esta atualização seja colocada em
prática”. A partir dessa proposta, 2 grupos foram estabelecidos para
coordenar o processo de atualização: o Grupo de Referência de
Mortalidade (Mortality Reference Group – MRG) e o Comitê de
Referências de Atualizações (Update Reference Committee – URC).
Em 2007, a OMS lançou formalmente o processo de revisão da CID-
10. A CID-11 teve várias fases de desenvolvimento desde o
lançamento formal da revisão e incorporou uma ampla gama de
aspectos clínicos, científicos e técnicos sugeridos como requisitos
por usuários futuros da classificação, tanto para fins estatísticos
quanto clínicos. Neste processo, inicialmente uma lista de problemas
conhecidos relacionados ao uso da CID-10 foi compilada, bem como
formuladas possíveis soluções. Em segundo lugar, foram criados
grupos consultivos de tópicos para aconselhar sobre áreas-chave,
com foco na perspectiva clínica. Outros grupos de consulta de
tópicos transversais foram formados para ter uma visão geral das
questões de mortalidade, morbidade, qualidade, segurança e
funcionamento. Em etapas avançadas, a edição ocorreu de forma
centralizada na OMS com orientação de uma força-tarefa conjunta
da CID-11 que incluiu especialistas no uso da CID para codificação de
mortalidade e morbidade (para todos os níveis de assistência), dados
de coleta e relatório de estatísticas. Além disso, nos últimos estágios
a OMS contou com a colaboração de entidades como a WONCA
(World Organization of National Colleges, Academies and Academic
Associations of General Practitioners/Family Physician) e a WICC
(Comitê internacional de Classificação) para inclusão de todos os
conceitos necessários para registro e notificação da atenção
primária. Uma versão da CID-11 foi divulgada para comentários dos
Estados Membros da OMS na CID-11 na Conferência de Revisão em
Tóquio, em 12 de outubro de 2016. Após isso, foram realizados
ensaios de campo entre 2016 e 2017. A partir do feedback destes
ensaios e de outros colaboradores, mais ajustes foram realizados e
em junho de 2018 a OMS lançou a nova CID-11. Na Assembleia
Mundial da Saúde de 2019 a CID-11 foi adotada e tem prazo para
entrar em vigor a partir do dia 1º de janeiro de 2022. A versão em
Inglês da CID-11 pode ser acessada no endereço:
https://icd.who.int/browse11/l-m/en.
9.3 APRESENTAÇÃO E MODO DE USO
A CID-11 baseia-se no método de combinação de vários códigos para
descrever uma condição clínica no nível de detalhe desejado. Sua
arquitetura eletrônica permite atribuir identificadores exclusivos a
qualquer condição listada - independentemente de a condição estar
agrupada em uma classe estatística ou se ela representa uma classe
própria. As duas abordagens juntas permitem a opção de manter a
codificação simples onde os detalhes do diagnóstico são limitados; e
a alternativa de adicionar detalhes onde os relatórios de diagnóstico
exigem um alto nível de sofisticação.
9.3.1 Estrutura do capítulo
A CID é uma classificação de eixo variável. A estrutura de
classificação: doenças epidêmicas, constitucionais ou gerais,
doenças locais organizadas por local, doenças do desenvolvimento,
lesões, permanece nos capítulos da CID-11 devido a sua importância
para fins de estudo epidemiológico. Houve a incorporação de seções
adicionais. Estas seções agrupam condições que seriam
inconvenientemente arranjadas em estudos epidemiológicos, caso
fossem dispersas, por exemplo, em uma classificação organizada
principalmente pelo local anatômico. Essas condições formulam os
capítulos dos “grupos especiais” (vide Quadro 9.1):
Quadro 9.1 – Capítulos dos “grupos especiais” da CID-11
A distinção entre os capítulos dos grupos especiais e os capítulos dos
sistemas corporais tem implicações práticas para entender a
estrutura da classificação, codificá-la e interpretar as estatísticas
baseadas nela. Sempre que houver dúvida sobre em que local a
condição está listada, os capítulos dos grupos especiais devem ter
prioridade. O princípio é aplicado nas notas de exclusão no início de
cada capítulo da CID. Por exemplo, a displasia cervical grau 1 é
codificada no Capítulo 2: Neoplasias, porque a distinção entre
displasia e neoplasia e tratamento clínico está sujeita a um conjunto
de critérios recomendados que podem mudar com o tempo.
9.3.2 Características gerais da CID-11
A principal inovação estrutural da CID-11 é que ela é construída
sobre um componente de fundação a partir do qual a lista tabular (a
classificação estatística para morbimortalidade) pode ser derivada. A
nova CID apresenta, também diversos novos termos, os quais são
apresentados a seguir em inglês, pois não há disponível uma
tradução oficial:
1. Foundation components: conteúdo de base do banco de dados
que contém todas as informações necessárias para gerar versões
impressas da lista tabular e do índice alfabético, além de informações
adicionais necessárias para gerar linearizações especiais do CID-11 e
modificações específicas de cada país.
2. Stem code: códigos que podem ser usados sozinhos. Eles são
encontrados na lista tabular da CID-11 para Estatísticas de Mortalidade
e Morbidade. Estes códigos-tronco podem ser entidades ou
agrupamentos de alta relevância ou condições clínicas que sempre
devem ser descritas como uma única categoria.
3. Extension code: os códigos de extensão são projetados para
padronizar a maneira como informações adicionais são associadas a
um código-tronco quando usuários e configurações estão interessados
em relatar mais detalhes do que os incluídos em um código-tronco. Os
códigos de extensão nunca podem ser usados sem um código-tronco e
nunca podem aparecer na primeira posição em um cluster.
4. Precoordination: os códigos-tronco podem conter todas as
informações pertinentes sobre um conceito clínico de forma pré-
combinada. Isso é chamado de pré-coordenação. Exemplo: BD50.40
Aneurisma da aorta abdominal com perfuração. Exemplo: CA40.04
Pneumonia por Mycoplasma pneumoniae.
5. Postcoordination: a pós-coordenação refere-se à vinculação
(através da codificação de cluster) de vários códigos (ou seja, códigos-
tronco e/ou códigos de extensão), para descrever completamente um
conceito clínico documentado.
6. Cluster coding: a codificação de cluster refere-se a uma convenção
usada (barra invertida (/) ou e comercial (&)) para mostrar mais de um
código usado em conjunto (por exemplo, código-tronco/código(s)-
tronco e código(s) de extensão) para descrever um conceito clínico
documentado. Exemplo: Diagnóstico: úlcera duodenal com hemorragia
aguda, Cluster: DA63.Z / ME24.90. Condição - DA63 Úlcera duodenal
não especificada. Tem manifestação (use código adicional, se
desejado) - ME24.90 Sangramento gastrointestinal agudo, não
classificado em outra parte.
7. Primary and secondary parents: a hierarquia da CID-11 é definida
da mesma forma que nas versões anteriores da CID. A possibilidade
de conectar doenças e conceitos específicos da classificação a outro
código parental foi introduzida para permitir extratos específicos da
lista tabular para especialidades médicas ou para casos de uso
específicos. Exemplo: um código para uma neoplasia maligna da pele
está no capítulo para neoplasias malignas. A categoria principal desse
código é um código ou um bloco deste capítulo. No entanto, um
médico que trata apenas doenças de pele pode querer ver apenas
códigos da classificação relevantes para seu objetivo clínico
específico. Portanto, uma categoria secundária foi definida no capítulo
de capa que mostrará apenas o código neste capítulo se a extração
específica de código para seu caso de uso for selecionada.

9.3.3 Esquema de codificação


O esquema de codificação sempre possui uma letra na segunda
posição para diferenciar dos códigos da CID-10.
Os códigos da CID-11 são alfanuméricos e cobrem o intervalo de
1A00.00 a ZZ9Z.ZZ. O primeiro caractere do código sempre se refere
ao número do capítulo e pode ser um número ou uma letra. As letras
‘O’ e ‘I’ são omitidas para evitar confusão com os números ‘0’ e ‘1’.
Os códigos que começam com “X” indicam um código de extensão.
Para descrever uma relação causal entre condições em um título de
código, o termo preferido é ‘devido a’. Para indicar a simultaneidade
de duas condições em um título de código, o termo preferido é
‘associado’.
9.4 PRINCIPAIS MUDANÇAS DA CID-11
A partir da rigorosa revisão realizada, a CID-11 resultou em uma
estrutura de capítulo reformulada e um novo sistema de indexação,
compreendendo mais de 55.000 entidades. A nova estrutura de
codificação possibilita maior flexibilidade do que na CID-10 e nas
demais versões anteriores, pela combinação de códigos. Assim, pode
ser feita uma codificação simples ou com detalhes clínicos
complexos.
Outra mudança importante é que a nova CID possui formato digital,
sendo projetada para integrar-se aos sistemas locais de informação
em saúde. Pode ser usado online ou o ine e, caso integrada à
infraestrutura de tecnologia de informação local, também se torna
um sistema de coleta de dados.
A principal inovação estrutural da CID-11 é a criação de seu
Foundation components (Componente Fundamental ou de base),
que é um banco de dados ontológico subjacente, contendo todas as
entidades da CID: doenças, distúrbios, lesões, sintomas e assim por
diante, possibilitando um registro muito amplo ou finamente
especificado. Este conteúdo é equivalente a Lista Tabular e Índice
Alfabético na CID-10.
A partir da extensa colaboração e envolvimento dos profissionais e
entidades de saúde, a CID-11 apresenta:
a) Novos conceitos de cuidados primários (considerando sua aplicação
em ambientes nos quais ainda não se tem o diagnóstico fechado);
b) Uma seção sobre o registro dos eventos relacionados à segurança
do paciente;
c) Codificação para resistência antimicrobiana;
d) Atualização da codificação referente aos problemas relacionados ao
vírus da imunodeficiência humana (HIV), com novas subdivisões e
remoção de detalhes;
e) Incorporação de uma seção suplementar para avaliação do
funcionamento;
f) Incorporação de todas as doenças raras;
g) Inserção de um capítulo pertinente à medicina tradicional.

A Figura 9.1 apresenta algumas das principais mudanças da CID-11


conforme lista de quadros disponibilizados pela OMS.
Figura 9.1 - Principais mudanças na nova CID-11
Fonte: adaptado de Word Health Organization.

O Quadro 9.2 apresenta de forma simplificada os capítulos da nova


CID-11 e uma breve descrição de suas características ou explicação
de problemas que são correlacionados, mas estão codificados em
outro capítulo.
Quadro 9.2 - Lista Tabular simplificada: capítulos e descrição
Nota: A nova CID ainda não foi traduzida para o português e os nomes dos capítulos aqui
apresentados tratam-se de uma tradução livre.
Fonte: Adaptado do CID-11
Qual a importância da
Classificação Internacional
de Doenças para a
medicina?
A CID define o universo de doenças, distúrbios, lesões e
outras condições de saúde que servem como base para a
identificação de estatísticas de saúde no mundo todo. É o
padrão internacional para registro das condições de saúde
e doenças, sendo a classificação diagnóstica para usos em
pesquisa e fins clínicos. Pela sua formatação, permite o
compartilhamento e a comparação de informações de
saúde entre hospitais, regiões e países diferentes, bem
como a comparação de informações do mesmo local em
períodos diferentes, o monitoramento da incidência e
prevalência de doenças e a observação da alocação de
recursos dentro das situações de saúde. Essas estatísticas
de saúde formam a base de quase todas as decisões
tomadas atualmente nos serviços de saúde - compreender
do que as pessoas adoecem e o que eventualmente as mata
é o cerne do mapeamento de tendências de epidemias e
doenças, da programação e alocação serviços de saúde e
dos gastos e investimentos em pesquisa e
desenvolvimento.
Qual a importância do
conhecimento das
condições de morte e do
preenchimento adequado
da declaração de óbito?

10.1 INTRODUÇÃO
A Medicina Legal compreende o ramo da Medicina que utiliza
conhecimentos das Ciências Médicas para atender às demandas da
Justiça, ou seja, realiza as perícias necessárias para a elucidação de
um fato relevante para o Direito.
A Tanatologia Forense é o ramo da Medicina Legal que, partindo do
exame do local, oferece informação acerca das circunstâncias da
morte e, atendendo aos dados do exame de necrópsia, procura
estabelecer a identificação do cadáver, o mecanismo da morte, a
causa da morte e o diagnóstico diferencial médico-legal (acidente,
suicídio, homicídio ou morte de causa natural).
10.2 LESÕES CORPÓREAS
As lesões corpóreas têm o significado jurídico de configurar, no dolo
(o autor tem a intenção de provocar lesão) ou na culpa (o autor não
tem a vontade de lesar, mas por imprudência, imperícia ou
negligência a lesão ocorre na vítima) um crime contra a pessoa.
As lesões corpóreas dolosas, consideradas quanto à quantidade e à
qualidade do dano, classificam-se em leves, graves e gravíssimas. O
crime de lesão corpórea está previsto no Art. 129 do Código Penal
(CP).
As lesões corpóreas podem ser leves (pouca
repercussão clínica), graves (incapacidade
temporária) e gravíssimas (incapacidade
permanente).

10.2.1 Leves
São representadas por danos de pouca repercussão orgânica ou por
perdas superficiais, de fácil recuperação individual.
10.2.2 Graves
São exemplos de lesões graves aquelas que produzem:
a) Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias;
b) Perigo de vida;
c) Debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) Aceleração de parto.

10.2.3 Gravíssimas
São exemplos de lesões gravíssimas aquelas que resultam em:
a) Incapacidade permanente para o trabalho;
b) Enfermidade incurável;
c) Perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
d) Deformidade permanente;
e) Aborto.
10.3 TRAUMATOLOGIA MÉDICO-LEGAL
10.3.1 Conceito
A Traumatologia médico-legal trata das lesões corporais sob o ponto
de vista jurídico e das energias causadoras do dano. Estuda as lesões
e estados patológicos, imediatos ou tardios, produzidos por
violência sobre o corpo humano, incluindo aspectos do diagnóstico,
do prognóstico e das suas implicações legais e socioeconômicas.
1. Energias causadoras de dano:
a) Energias de ordem mecânica;
b) Energias de ordem física;
c) Energias de ordem química;
d) Energias de ordem físico-química;
e) Energias de ordem bioquímica;
f) Energias de ordem biodinâmica;
g) Energias de ordem mista.

10.3.2 Energia mecânica


10.3.2.1 Características

A maior parte das lesões corpóreas é causada pela energia mecânica.


Tem-se o contato direto da energia com área de tegumento
corpóreo. São agentes que atuam pela energia mecânica e abrangem
os estudos dos tipos de instrumentos e ações no organismo, de
forma simples e combinada.
Quanto ao modo da ação da energia, pode se apresentar como ativo
(ação da energia sobre o corpo da vítima), passivo (ação do corpo da
vítima sobre a energia) e misto (um atua sobre o outro).
O trauma pode ser contuso ou penetrante. A transferência de energia
e a lesão produzida são semelhantes em ambos os tipos de trauma. A
única diferença real é a penetração na pele. No trauma contuso (ou
fechado), as lesões são produzidas à medida que os tecidos são
comprimidos, desacelerados ou acelerados. No trauma penetrante,
as lesões acontecem conforme os tecidos são esmagados e separados
ao longo do caminho do objeto penetrante. Ambos os tipos criam
cavidade, forçando os tecidos para fora de sua posição normal.
O trauma contuso cria tanto lacerações por cisalhamento quanto por
cavitação. Cavitação é, frequentemente, apenas uma cavidade
temporária, afastada do ponto de impacto. O trauma penetrante cria
tanto uma cavidade permanente (cujo diâmetro é menor do que o do
instrumento devido à elasticidade dos tecidos) quanto uma
temporária. No trauma contuso, duas forças estão envolvidas no
impacto: cisalhamento e compressão. Cisalhamento é o resultado da
mudança de velocidade mais rápida de um órgão ou estrutura (ou
parte dele) do que de outro órgão ou estrutura (ou parte dele).
Compressão é o resultado de um órgão ou de uma estrutura (ou parte
dele) serem comprimidos diretamente entre outros órgãos ou outras
estruturas.
Quadro 10.1 - Tipos de lesões geradas por diferentes instrumentos durante o ato lesivo
#IMPORTANTE
As lesões podem ser simples, por instrumentos
perfurantes, cortantes e contundentes ou
podem ser lesões mistas causadas por
instrumentos perfurocortantes,
perfurocontundentes e cortocontundentes.

10.3.2.2 Estudo das lesões

a) Ferida produzida por ação perfurante

Geralmente é causada pela ação de instrumentos perfurantes, os


quais têm as seguintes características:
1. Os instrumentos são finos, alongados, pontiagudos, de diâmetro
transversal extremamente reduzido em relação ao seu comprimento;
2. Podem ser de pequeno ou médio calibre;
3. Produzem as lesões punctórias ou puntiformes;
4. Atuam por pressão sobre determinado ponto, em geral afastando as
fibras dos tecidos atingidos, como espinho, agulha, estilete, garfo,
espeto (de churrasco), seta, florete e furador de gelo;
5. Comumente, causam acidentes e, eventualmente, são usados em
homicídio.

São características da ferida punctória:


1. Ponto de entrada na pele com pouco sangramento de forma circular
ou fusiforme;
2. Trajeto geralmente retilíneo;
3. Prevalência da profundidade (comprimento) sobre o diâmetro
(largura);
4. Término em “fundo cego” (fundo de saco – lesão penetrante);
5. Possibilidade de transfixação (lesão “em túnel”) – com orifício de
saída semelhante ao de entrada;
6. Respeito pelo plano ósseo;
7. Instrumento perfurante de médio calibre que segue a elasticidade e
a contratilidade da pele (lei de Filhós e Langer), lesão “em botoeira”
(biconvexa).

As feridas punctórias são causadas por agulha,


estilete, espinho, espeto etc.
Figura 10.1 - Feridas punctórias (puntiformes)
b) Ferida produzida por ação cortante

A ferida incisa é causada pela ação de instrumento cortante que age


por pressão e deslizamento com “gume afiado” ou fio (bordo de
ataque) e atinge a superfície, em ângulos variáveis. Fibras dos
tecidos são seccionadas (exemplos: navalha, gilete, bisturi, lâminas
metálicas afiladas, “papel”, estilhaços de vidros, capim-navalha). É
geralmente de origem homicida, mas pode ser de origem suicida ou
acidental, apresentando as características relatadas a seguir:
1. Regularidade e nitidez de margens ou bordas e do fundo da lesão;
2. Ausência de traumatismos perilesionais (lesão limpa);
3. Sangramento (hemorragia) quase sempre abundante;
4. Predomínio do comprimento sobre a profundidade;
5. Afastamento das bordas da ferida;
6. Início mais profundo (pressão inicial maior);
7. Parte média mais profunda do que as extremidades;
8. Presença de cauda (final) em superficialização continuada que
orienta o sentido da lesão e com “leve” escoriação (cauda de
escoriação ou de saída);
9. Angulação de extremidades (ação perpendicular) ou aspecto “em
bisel” (ação oblíqua).

Figura 10.2 - Características da fenda incisa, como profundidade e comprimento


Legenda: (A) bordas regulares; (B) afastamento das bordas da ferida e ausência de
trabéculas; (C) extensão maior do que profundidade.

São designações especiais de algumas feridas incisas:


1. Defesa (mãos, antebraços, pés e pernas);
2. Hesitação (superficiais localizadas nos pulsos ou no antebraço);
3. Degola (região posterolateral do pescoço);
4. Esgorjamento (região anterolateral do pescoço);
5. Decapitação (secção completa do pescoço com separação completa
da cabeça);
6. Emasculação (amputação do pênis);
7. Castração (retirada dos testículos);
8. Incisão cirúrgica.

As feridas incisas são causadas por


instrumentos como navalha, gilete, bisturi,
estilhaços de vidro etc.
Figura 10.3 - Diferentes feridas incisas
Legenda: (A) agressão; (B) esgorjamento; (C) autoprovocadas no punho esquerdo
(hesitação)

c) Ferida produzida por ação contundente

A lesão contusa é causada pela ação de instrumento ou agente


contundente sólido, líquido ou gasoso, sem borda (rombo). Age por
pressão (impacto), torção, percussão, distensão, sucção,
deslizamento (arrasto) ou misto. A grande maioria dos agentes
lesivos mecânicos está nesse grupo, como cabeça e extremidades do
homem e dos animais; instrumentos próprios para ataque e defesa
(soco-inglês, borduna, cassetete etc.); ferramentas de trabalho
(martelo, marreta e outros utensílios, desde que utilizados por
impacto); objetos no seu estado natural (pedras, paus etc.); objetos
dos mais variados (qualquer estrutura, pouco importando se é ela
que vem de encontro ao corpo da vítima ou se é este que se choca
contra ela, como paredes, solo etc.).
As lesões contusas são causadas por
instrumentos como martelo, pau, pedra,
cassetete, soco-inglês etc.

A lesão contusa produz alteração de cor, volume ou continuidade na


superfície (nesse caso, serão chamadas feridas contusas). As
espécies de lesões contusas são:
1. Eritema ou hiperemia ou rubefação:
a) Vasodilatação de capilares e vênulas da pele causada pela
liberação de mediadores químicos (histamina);
b) Ausência de saída de sangue dos vasos;
c) Desaparecimento à pressão da lesão;
d) Curta duração (de 10 minutos a 2 horas);
e) Ausência de marcas.

Figura 10.4 - Eritema na face lateral da coxa direita


Nota: Observar a forma do instrumento – chinelo.

2. Edema ou tumefação:
a) Inchaço e elevação;
b) Palidez da pele na área do impacto;
c) Surgimento depois de 1 a 3 minutos;
d) Tríplice reação de Lewis (rubor, tumor e calor);
e) Coleção de líquido transudato;
f) Ausência de extravasamento de sangue e de lesão de vasos
sanguíneos.

Figura 10.5 - Edema na face dorsal de pés


Legenda: (A) esquerdo e (B) direito, no qual se pode ver o sinal de Godet positivo.

3. Escoriação:
a) Arrancamento da camada superior da pele (epiderme) por ação
tangencial da força (atrito) com exposição da derme;
b) No processo de cicatrização, há a formação de crosta.

Figura 10.6 - Diferentes níveis de escoriações com formação de crostas


Legenda: (A) retalho arrancado da epiderme; (B) direção da força escoriativa; (C)
epiderme; (D) derme.

4. Equimose:
a) Ruptura de vasos sanguíneos (capilares, vênulas e arteríolas),
com extravasamento de sangue e infiltração nos tecidos;
b) Coloração avermelhada no início;
c) Pele íntegra (sem solução de continuidade);
d) Forma e tamanho:
Petéquia (forma de ponto ou “cabeça de alfinete”);
Sugilação (pequenos grãos formados pela confluência de
numerosas lesões puntiformes). Exemplo: “chupão”;
Víbices (forma de estrias). Exemplo: cassetete;
Sufusão (hemorragia mais extensa).
e) Mecanismo de lesão: compressão, tração ou sucção;
f) Podem surgir de imediato ou mais tardiamente;
g) Espectro equimótico de Legrand Du Saulle:
Depende das dimensões e da localização das equimoses e
de fatores intrínsecos da vítima;
Em média, as equimoses desaparecem em 15 a 20 dias.

Esta é a sequência cronológica da equimose: primeiro dia, vermelha;


segundo e terceiro dias, violácea; do quarto ao sexto dia, azul; do
sétimo ao décimo dia, esverdeada; e do décimo primeiro ao décimo
quinto dia, amarelada.
Figura 10.7 - Esquimoses
Legenda: (A) Formação de víbices violáceos no dorso e (B) múltiplas fases de equimose
no globo e periocular.

5. Hematoma:
a) Ruptura de um número maior de vasos (mais calibrosos) que
forma uma coleção de sangue afastando os tecidos vizinhos e
ocupa espaço próprio (neocavidade);
b) Ausência de infiltração do sangue nas malhas do tecido.
Localização:
a) Superficial (subungueal, subperiostal);
b) Órgãos e tecidos (fígado, baço, músculo e encéfalo);
c) Regiões anatômicas (mediastino, retroperitônio, espaços
extradural e subdural do crânio, cervical).

Figura 10.8 - Formação de hematomas


Legenda: (A) subgaleal e (B) extradural

6. Ferida contusa:
a) Compressão da pele entre 2 superfícies rígidas;
b) Lesão da pele com bordas irregulares (solução de
continuidade), escoriadas e equimosadas;
c) Fundo e vertente irregulares;
d) Presença de pontes de tecido íntegro ligando as vertentes;
e) Pouco sangrante;
f) Integridade de vasos, nervos e tendões no fundo da lesão;
g) Ângulos obtusos e irregulares.

Figura 10.9 - Ferimento contuso com bordas irregulares e equimosadas


Legenda: (A) bordas irregulares; (B) margens contundidas; (C) pontes de tecidos; (D)
fundo irregular, contuso e hemorrágico.

As feridas contusas envolvem a compressão da


pele entre 2 superfícies rígidas, causando lesões
com bordas irregulares, escoriadas e
equimosadas.

7. Fraturas
a) Solução de continuidade óssea;
b) Classificação: fechada ou aberta (exposta); completa ou
incompleta; cominutiva ou simples; diafisária ou epifisária;
c) Cicatrização que produz “calo ósseo”.

Figura 10.10 - Diferentes níveis de fraturas em ossos longos

Fonte: acervo Medcel.

8. Luxações
a) Deslocamento permanente das superfícies articulares de 2
ossos com ruptura da cápsula articular e de ligamentos;
b) Pode ser completa ou incompleta (subluxação);
c) Comum em homens e nos membros superiores (articulação
escapuloumeral).

Figura 10.11 - Luxação de articulação umeroulnar


Fonte: adaptado de Luxação lateral bilateral isolada do cotovelo, 2006.

9. Entorses
a) Estiramento da cápsula de uma articulação, com ou sem rotura
ligamentar;
b) Dor intensa, impotência funcional, edema, rubor, equimose,
hematomas e derrame articular.

Figura 10.12 - Espectro de diferentes lesões no tornozelo

Fonte: acervo Medcel.

10. Lesões internas

São causadas por impacto direto, aumento súbito da pressão no


interior das vísceras e cavidades, compressão lenta ou
aceleração/desaceleração (traumatismo cranioencefálico, trauma
abdominal, trauma torácico).
Figura 10.13 - Tomografia que demonstra lesão esplênica após trauma abdominal contuso
Fonte: Tratamento não-operatório e operatório de lesões esplênicas em crianças, 2003.

d) Ferida cortocontusa

A ferida cortocontusa é resultado da ação mista. Os instrumentos


cortocontundentes apresentam um gume que age no primeiro
momento e um peso que exerce a ação contundente pelo
esmagamento e pela destruição dos tecidos, podendo causar fraturas
e até amputações. A lesão resulta do próprio peso do agente,
intensificada pela força (ativa) de quem o maneja. Exemplos: foice,
facão, machado, enxada, serra elétrica, motosserra, rodas de trem,
dentes.
As feridas cortocontusas são causadas por
instrumentos cortocontundentes como foice,
facão, machado, enxada, serra elétrica, dentes
etc.
Figura 10.14 - Ferimento cortocontuso
Legenda: (A) equimoses em torno da lesão; (B) trabéculas; (C) borda irregular; (D) fundo
anfractuoso

e) Ferida perfurocontusa

As feridas perfurocontusas são resultantes da ação de instrumentos


perfurocontundentes que atuam por meio de uma ponta romba e
produzem lesão em forma de túnel. Exemplo: Projétil de Arma de
Fogo (PAF), flecha, lança, tesoura fechada, vergalhas etc. O
mecanismo de ação é misto: pressão contínua e contundente. As
feridas perfurocontusas, na maior parte dos casos, são decorrentes
da ação de PAFs. Ao redor do ferimento de entrada por PAF, teremos
as orlas e as zonas, de acordo com a distância do disparo.
As feridas perfurocontusas são causadas por
instrumentos como projétil de arma de fogo,
flecha, lança, tesoura fechada etc.

As orlas, pela ação do PAF perfurando e contundindo os tecidos,


dividem-se em:
1. Orla de escoriação (contusão): arrancamento da epiderme;
2. Orla de enxugo: impurezas (sujidades) do PAF que ficam aderidas
à derme;
3. Orla (auréola) equimótica: na vizinhança da ferida, pela ruptura de
vasos sanguíneos, causada pela onda de choque.

As zonas são formadas pelos resíduos que saem pela boca do cano da
arma e atingem o alvo, dividindo-se em:
1. Zona de queimadura ou chamuscamento: queimadura causada
pelos gases em combustão. Atinge pele, pelos e roupas;
2. Zona de esfumaçamento: resíduos da combustão (fuligem)
depositados na pele ou na roupa, de cor acinzentada ou escura;
3. Zona de tatuagem: grãos de pólvora incombusta que atingem o
alvo; na pele, penetram na derme. Podem ficar na roupa.

Figura 10.15 - Formação de zonas e orla


Legenda: (A) orla de contusão; (B) orla de enxugo; (C) zona de tatuagem verdadeira; (D)
zona de esfumaçamento ou zona de tatuagem falsa.

De acordo com a distância entre a boca do cano da arma e os


vestígios encontrados no alvo, os disparos de arma de fogo podem
ser classificados em:
1. Disparo (tiro) encostado (ou de contato)

Figura 10.16 - Feridas perfurocontusas por disparo encostado no corpo (câmara de mina
de Hoffmann)
2. Disparo (tiro) a curta distância

Figura 10.17 - Feridas perfurocontusas por disparo a curta distância


3. Disparo (tiro) a longa distância

Figura 10.18 - Feridas perfurocontusas por disparo a longa distância

O trajeto é o caminho percorrido pelo PAF dentro do corpo da vítima,


desde a entrada até a saída ou até o local de retenção. A trajetória é o
caminho percorrido pelo PAF da boca do cano da arma até atingir o
alvo (fora do corpo da vítima). O estudo é feito pela balística externa.
O orifício de saída do PAF tem as seguintes características: forma
irregular e variada (estrelada, “em fenda” etc.), bordas evertidas,
maior sangramento e ausência de orlas e zonas.
Figura 10.19 - Lesão irregular, sangrante e com bordas evertidas, gerada por projétil de
arma de fogo
Os objetivos da perícia médico-legal nos casos de PAF são
determinar:
1. Características, número e localização dos ferimentos;
2. Individualização dos trajetos;
3. Análise da letalidade individual de cada PAF no seu trajeto;
4. Resgate individual dos PAFs;
5. Radiografias;
6. Fotografias;
7. Gráficos;
8. Outros exames.

f) Ferida perfuroincisa

A ferida perfuroincisa decorre da ação mista de instrumento


perfurocortante com “ponta e gume” que age por pressão
(perfuração) e corte (bordas afiadas – deslizamento), atingindo
profundidade variável, de acordo com a forma do agente. Produz
feridas perfuroincisas também chamadas “em botoeira” ou
biconvexas, com um ângulo agudo com cauda exígua de escoriação
(gume) e o outro arredondado, nos instrumentos com 1 gume. A
profundidade é maior do que a largura (e pode ser maior do que o
comprimento do instrumento), com bordas regulares e sem
trabéculas no fundo da lesão.
10.3.3 Outras energias de ordem física
Dentre as energias físicas mais encontradas na prática da Medicina
Legal, estão a energia térmica e a energia elétrica.
10.3.3.1 Térmica

Tanto o calor como o frio são capazes de lesar o corpo humano. O


calor pode lesar pelo contato direto (ação local): chama ou corpos
aquecidos (sólidos, líquidos e gases); ou pelo calor irradiado (ação
difusa): solar (insolação) ou industrial (intermação). Do ponto de
vista médico-legal, as queimaduras podem ser classificadas em 4
graus, segundo Ho mann e Lussena:
a) Primeiro grau: eritema

1. Vasodilatação com pele vermelha, edemaciada e dolorosa;


2. Não deixa cicatriz.

b) Segundo grau: bolhas (flictena)

1. Formação de bolhas com conteúdo rico em proteínas;


2. Eritema, edema e dor;
3. Não lesa a camada basal;
4. Não deixa cicatriz.

c) Terceiro grau: escara

1. Destruição da epiderme e da derme;


2. Aspecto endurecido e indolor;
3. Deixa cicatriz.

d) Quarto grau: carbonização

1. Destruição da pele e de tecidos moles por ação direta do fogo;


2. Posição “do boxeador” (braços repuxados).

O frio também age de forma local e difusa. Sua ação local se chama
geladura e classifica-se em 4 graus:
1. Primeiro grau: palidez ou eritema e aspecto anserino da pele;
2. Segundo grau: bolhas dolorosas com conteúdo hemorrágico;
3. Terceiro grau: necrose de tecidos moles;
4. Quarto grau: gangrena ou desarticulação.

10.3.3.2 Elétrica

A energia elétrica pode ser dividida em 2 tipos: natural (raios) e


artificial (industrial).
#IMPORTANTE
A eletricidade artificial produz, no local de
contato com o corpo humano, uma lesão
indolor de bordas elevadas e coloração amarelo-
esbranquiçada, denominada marca elétrica de
Jellinek.

O mecanismo de morte nos casos de eletroplessão depende da


voltagem a que o indivíduo foi exposto:
1. Baixa voltagem: altera o batimento cardíaco, levando a fibrilação
ventricular;
2. Média voltagem: leva a tetania e parada respiratória periférica;
3. Alta voltagem: semelhante ao calor, provoca queimaduras
(carbonização) e parada respiratória central.

Figura 10.20 - Lesão elétrica (marca elétrica de Jellinek) na face plantar do hálux direito
10.3.4 Energia vulnerante físico-química (asfixias)
A palavra “asfixia” vem do grego a (falta) + sphyzo (palpitar) e
significa “falta de pulso”. É a síndrome caracterizada pela supressão
da respiração e pela cessação das trocas gasosas por causa patológica
(natural ou interna) ou violenta (externa). A fisiopatologia decorre
de ↓O2 e ↑CO2. Os sinais gerais de asfixias são:
1. Externos: manchas de hipóstase mais escuras e precoces, cianose
e petéquias na pele e nas mucosas;
2. Internos: petéquias viscerais (manchas de Tardieu), aspecto do
sangue escuro e fluido, congestão polivisceral e distensão e edema
dos pulmões.

As modalidades (espécies) de asfixias são afogamento,


soterramento, confinamento, sufocação direta, sufocação indireta,
enforcamento, estrangulamento e esganadura.
10.3.4.1 Afogamento

1. Definição: asfixia mecânica, produzida pela penetração de um meio


líquido nas vias respiratórias, impedindo a passagem de ar até os
pulmões;
2. Mecanismo de ação: havendo a submersão, ocorre a morte na
sequência das seguintes fases:
a) Fase de defesa:
Surpresa ou inspiração inicial;
Dispneia de submersão;
Fase de resistência;
Apneia;
Inspiração profunda;
Fase de exaustão;
Perda da consciência;
Insensibilidade;
Convulsão;
Morte.
b) Lesões externas:
Hipotermia;
Pele anserina;
Retração do mamilo, do escroto e do pênis;
▪ Maceração da epiderme;
Tonalidade vermelha dos livores cadavéricos;
Cogumelo de espuma;
Erosão dos dedos;
Presença de corpos estranhos sob as unhas;
Equimoses da face e das conjuntivas;
Mancha verde de putrefação (tórax);
Lesões post mortem produzidas por animais aquáticos.
c) Lesões internas:
Líquidos nas vias respiratórias;
Corpos estranhos no líquido das vias respiratórias;
Lesões dos pulmões: aumentados, distendidos, enfisema
aquoso e equimoses;
Sinal de Brouardel: enfisema aquoso subpleural (“esponja
molhada”);
Manchas de Tardieu: equimose subpleural (raras);
Manchas de Paltauf: hemorragias subpleurais (equimoses
vermelho-claras com ≥ 2 cm de diâmetro, devido à ruptura
das paredes alveolares);
Diluição do sangue (hidremia);
Crioscopia (temperatura de congelamento): aumentada
(água doce) e diminuída (água salgada);
Sinal de Wydler: presença de espuma, líquido e sólido no
estômago;
Sinal de Niles: hemorragia temporal;
Sinal de Vargas Alvarado: hemorragia etmoidal;
Sinal de Étienne Martin: congestão hepática;
Equimoses nos músculos e no pescoço.
3. Diagnóstico: o diagnóstico do afogamento torna-se possível pelos
exames externo e interno do cadáver e por exames complementares.
A presença de lesões intra vitam e post mortem concorre para o
diagnóstico diferencial entre o afogado verdadeiro e a simulação de
afogamento, assim como a causa jurídica da morte.

10.3.4.2 Soterramento

1. Definição: asfixia pela permanência do indivíduo em um meio sólido


ou semissólido, de modo que as substâncias ali contidas penetram na
árvore respiratória, impedindo a entrada de ar e levando à morte;
2. Mecanismo de ação: a causa da morte varia, portanto é necessário
muito cuidado no exame da vítima para explicar o mecanismo da
morte. Pode ocorrer pela penetração de corpos estranhos do local em
que a vítima ficou soterrada na árvore respiratória, produzindo, então,
asfixia mecânica por mudança do meio gasoso para sólido;
3. Diagnóstico: obtido pela existência da substância pulverulenta nas
vias respiratórias, sendo indispensável excluir a possibilidade de sua
penetração post mortem, em outras causas de morte. Para isso, têm
importância a penetração profunda dessa substância nas vias
respiratórias com indícios de reação vital e a sua penetração nas vias
digestivas, nos movimentos de deglutição;
4. Natureza jurídica: pode ser acidente e, com relativa frequência,
acidente de trabalho; pode ser, também, homicídio (praticado, em
geral, em casos em que a vítima não pode se defender ou em casos
de infanticídio). O estudo de reações vitais e o grau de penetração
profunda da substância nas vias respiratórias contribuem para o
diagnóstico de soterramento em vida.

10.3.4.3 Confinamento

1. Definição: asfixia causada pela permanência do indivíduo num


ambiente restrito e/ou fechado, sem condições de renovação do ar
respirável, sendo consumido o oxigênio pouco a pouco, e o gás
carbônico, acumulado gradativamente;
2. Mecanismo de ação: na respiração normal, exige-se um ambiente
externo contendo ar respirável, com oxigênio em quantidade próxima
de 21%. Quando, no ar atmosférico, o oxigênio atinge 7%, surgem
distúrbios relativamente graves, sobrevindo a morte se essa taxa está
em torno de 3%. No confinamento, há diminuição progressiva do
suprimento de oxigênio do organismo, concomitante ao aumento do
teor de anidro carbônico no sangue (hipercapnia). Simultaneamente, o
ar satura-se de vapor de água, dificultando sua eliminação pelos
pulmões e pela transpiração, o que contribui consideravelmente para
que se instale a asfixia;
3. Lesões externas:
a) Manchas de hipóstases: precoces, abundantes e de tonalidade
escura;
b) Cianose de face: sinal mais frequente;
c) Equimoses de pele: arredondadas e de pequenas dimensões,
não maiores do que uma lentilha, formando agrupamento em
determinadas regiões, principalmente na face, no tórax e no
pescoço, tomando tonalidade mais escura nas partes de declive;
d) Equimoses de mucosas: encontradas, mais frequentemente,
nas conjuntivas palpebral e ocular, nos lábios e, mais raramente,
na mucosa nasal.
4. Lesões internas:
a) Equimoses viscerais (manchas de Tardieu);
b) Congestão polivisceral;
c) Distensão e edemas dos pulmões;
d) Sangue: escuro e líquido (fluidez).

Não existe nenhum sinal que, isoladamente,


faça o diagnóstico das asfixias mecânicas.
Deve-se considerar o somatório das lesões
estudadas, associando-as aos sinais e às
circunstâncias do acontecimento.

10.3.4.4 Sufocação direta

1. Oclusão direta das narinas e da boca:


a) Acidental: ocorre em recém-nascidos que, dormindo com as
mães, são sufocados por elas ou por panos que estão sobre o
leito. Nos adultos, o acidente pode resultar de ataques epilépticos,
síncopes, embriaguez etc., caindo a vítima sobre o leito, com o
rosto fortemente apoiado contra o travesseiro ou contra panos
que impeçam a respiração;
b) Criminosa: mais comum em recém-nascidos, mas pode ser
encontrada também em adultos;
c) Suicida: o paciente coloca, sobre o corpo e a cabeça,
cobertores, panos etc., até asfixiar-se.
2. Oclusão direta dos orifícios da faringe e da laringe:
a) Acidental: modalidade mais frequente, surge especialmente
entre crianças, que levam à boca botões, bolinhas de gude,
pedaços de carne e outros corpos estranhos. Os recém-nascidos
podem sufocar-se com líquido amniótico e restos de membranas.
Entre adultos, esse tipo de morte é encontrado nos que ingerem
grandes fragmentos de alimento sem a devida cautela;
b) Criminosa: pode ser produzida pela introdução na boca de
tampões de panos, dedos, papel ou qualquer outro objeto. É
comum no infanticídio, mas também pode ser encontrada nos
adultos;
c) Suicida: é um tipo raro, embora a literatura relate casos de
indivíduos que se mataram introduzindo na garganta panos ou
objetos.

10.3.4.5 Sufocação indireta

1. Definição: asfixia mecânica por impedimento dos movimentos


respiratórios devido à compressão do tórax ou do abdome;
2. Lesões externas: as manifestações de sufocação indireta nem
sempre se apresentam com sinais evidentes de asfixia. Um dos sinais
mais importantes é a máscara equimótica de Morestin, ou cianose
cervicofacial, produzida pelo refluxo sanguíneo da veia cava superior
em face da compressão torácica. Caracteriza-se por cor violácea
intensa da face, do pescoço e da parte superior do tórax;
3. Lesões internas: os pulmões mostram-se distendidos (sinal de
Valentin), congestos, com sufusões hemorrágicas subpleurais. Podem
ocorrer, também, rupturas. O fígado é congesto; o sangue do coração,
escuro e fluido. Pode ocorrer fratura dos arcos costais;
4. Diagnóstico: é fornecido pelas lesões externas e internas
observadas durante o exame clínico ou a necrópsia.

10.3.4.6 Enforcamento

1. Definição: constrição do pescoço causada por um laço acionado


pelo peso da própria vítima;
2. Sinais externos:
a) Sulco cervical oblíquo ascendente e interrompido;
b) Cianose e congestão facial;
c) Protrusão da língua e dos olhos;
d) Petéquias conjuntivais;
e) Hipóstases nas extremidades dos membros.
3. Sinais internos:
a) Lesão da parte profunda da pele, do subcutâneo e da
musculatura do pescoço;
b) Lesão do feixe vasculonervoso do pescoço:
c) Sinal de Amussat: secção transversal da túnica íntima da
artéria carótida comum;
d) Sinal de Friedberg: hemorragia na túnica externa da artéria
carótida comum;
e) Sinal de Ziemke: rotura da túnica interna da veia jugular;
f) Sinal de Dotto: rotura da bainha de mielina do nervo vago;
g) Lesão do aparelho laríngeo;
h) Fratura do enforcado: espondilolistese traumática do áxis,
considerada uma das formas mais frequentes de lesão da coluna
cervical alta. Embora seja popularmente descrita como fratura “do
enforcado”, em alusão ao dano cervical causado pelos
enforcamentos, esse tipo de lesão pode decorrer, também, de
acidentes automobilísticos;
I) Lesão da coluna vertebral.

10.3.4.7 Estrangulamento

1. Definição: constrição do pescoço causada por um laço acionado


por força muscular externa;
2. Sinais externos:
a) Sulco cervical horizontal e contínuo;
b) Petéquias conjuntivais;
c) Cianose e congestão facial.
3. Sinais internos:
a) Lesão da parte profunda da pele, do subcutâneo e da
musculatura do pescoço;
b) Lesão do feixe vasculonervoso do pescoço;
c) Lesão do aparelho laríngeo.

10.3.4.8 Esganadura

1. Definição: constrição do pescoço com as mãos (típica) ou outras


partes do corpo, como pés, joelhos e golpes – “gravata”, “mata-leão”
(atípica);
2. Sinais externos:
a) Marcas ungueais no pescoço;
b) Equimose no pescoço;
c) Cianose e congestão facial;
d) Petéquias conjuntivais.
3. Sinais internos:
a) Infiltração hemorrágica das estruturas profundas do pescoço;
b) Lesão do aparelho laríngeo e fratura do osso hioide;
c) Lesão do feixe vasculonervoso;
d) Fratura de processo estiloide do crânio.

10.4 ABORTO
A Organização Mundial da Saúde define abortamento como a
interrupção da gestação antes de 20 a 22 semanas ou feto com peso
inferior a 500 g. Para o Direito, aborto é a interrupção da gestação,
com a morte do produto conceptual, haja ou não expulsão, qualquer
que seja o seu estado evolutivo, desde a concepção até o parto;
assim, a legislação, ao contrário da Medicina, não define tempo
limite para a ocorrência de aborto, aceitando a denominação desde a
concepção até o termo. No Código Penal Brasileiro, o aborto
provocado é considerado crime, exceto nas situações abordadas a
seguir.
10.4.1 Aborto praticado por médico (Art. 128)
a) Se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto
terapêutico – necessário).
b) Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante
(aborto sentimental – piedoso ou moral).

10.4.2 Resolução 1.989/12


Autoriza a interrupção da gestação nos casos de feto anencéfalo.
Para tanto, o diagnóstico de anencefalia deve conter: exame
ultrassonográfico realizado a partir da 12ª semana com 2 fotografias
identificadas e datadas, uma com a face do feto em posição sagital e
outra com a visualização do polo cefálico no corte transversal,
demonstrando a ausência da calota craniana e de parênquima
cerebral identificável, e laudo assinado por 2 médicos capacitados
para tal diagnóstico.
Após o diagnóstico e esclarecimentos, a gestante pode optar por
manter ou interromper a gravidez. Em ambos os casos, é assegurada
assistência médica e multiprofissional, se houver disponibilidade
local. No caso de antecipação terapêutica do parto, há que se lavrar
ata do procedimento, onde conste consentimento da gestante e/ou
representante legal, se for o caso. É dever informar a paciente sobre
os riscos de recorrência da anencefalia e referenciá-la para
programas de planejamento familiar.
A ata, as fotografias e o laudo integrarão o prontuário da paciente.
A Resolução 1.989 foi publicada em maio de 2012, ou seja, no mês
seguinte ao STF ter julgado a ADPF (Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental) 54, em que declara que a interrupção da
gravidez de feto anencéfalo não pode ser conduta tipificada nos
artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal Brasileiro, ou
seja, exclui a hipótese de crime de aborto, quando se tratar de feto
anencéfalo.
À luz da legislação atual, só se permite o aborto
em casos de estupro ou de comprovado risco de
morte para a mãe. Com a Resolução 1.989/12, o
aborto é consentido quando se tem
diagnosticada a presença de feto anencéfalo.
Quadro 10.2 - Tipos de aborto e consequências jurídicas
10.5 MORTE ENCEFÁLICA
10.5.1 Características clínico-jurídicas
Com o advento dos transplantes de órgãos, o conceito de morte
mudou nas últimas décadas. Antigamente, considerava-se morte
como a cessação definitiva das atividades respiratória e cardíaca;
atualmente, o conceito de morte é a encefálica. A Lei Federal
9.434/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do
corpo humano para transplantes e tratamento, determina em seu
Artigo 3º que os parâmetros para determinação da morte encefálica
sejam definidos pelo Conselho Federal de Medicina, e este, por meio
da Resolução CFM 2.173/17, definiu tais critérios. Essa resolução foi
publicada após o Decreto 9.175/17, que regulamentou esta Lei.
A constatação da morte encefálica é fundamental tanto para a
doação post mortem de tecidos, órgãos e partes do corpo humano,
quanto para a otimização dos recursos nas UTIs, uma vez que o
indivíduo está clínica e juridicamente morto.
Os parâmetros clínicos para a definição de
morte encefálica são coma não perceptivo,
ausência de reatividade supraespinal e apneia
persistente.

O paciente deve apresentar lesão encefálica de causa conhecida,


irreversível e capaz de causar a morte encefálica, ausência de fatores
tratáveis que possam confundir o diagnóstico de morte encefálica,
temperatura corporal superior a 35°, saturação arterial de oxigênio
acima de 94% e pressão arterial sistólica ≥ 100 mmHg para adultos.
O termo de declaração deverá ser arquivado no prontuário do
paciente, juntamente com os exames complementares utilizados
para o diagnóstico de morte encefálica.
A doação dependerá da autorização da família, cônjuge ou parente,
maior de idade, obedecendo à linha sucessória, reta ou colateral, até
o segundo grau, inclusive, firmada em documento subscrito por 2
testemunhas. É proibida a doação post mortem de pessoas não
identificadas.
A doação em vida de órgãos duplos ou de partes de órgãos ou tecidos,
cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar a viver
e não represente comprometimento de suas funções vitais nem
cause mutilação ou deformação inaceitável, é permitida à pessoa
juridicamente capaz, para o cônjuge ou parentes consanguíneos até
quarto grau. No caso de doação para receptor não consanguíneo
(sem parentesco), deverá haver autorização judicial.
A gestante só poderá doar medula óssea (não outros órgãos e
tecidos) caso não ofereça riscos à sua saúde ou ao feto. O doador vivo
deverá autorizar por escrito preferencialmente, e diante de
testemunhas, a doação. E o transplante ou enxerto só serão feitos
com o consentimento expresso do receptor ou do responsável legal.
Todos os estabelecimentos de saúde têm a obrigação legal de
notificar todos os casos com diagnóstico de morte encefálica
(notificação compulsória).
10.5.2 Resolução CFM 2.173/17
Publicada no D.O.U. de 15 de dezembro de 2017, Seção I, p. 274-6.
Define os critérios do diagnóstico de morte encefálica.
Os procedimentos para determinação de morte encefálica devem ser
iniciados em todos os pacientes que apresentem coma não
perceptivo, ausência de reatividade supraespinal e apneia
persistente e que atendam a todos os seguintes pré-requisitos:
a) Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e
capaz de causar morte encefálica;
b) Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico
de morte encefálica;
c) Tratamento e observação em hospital pelo período mínimo de 6
horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-
isquêmica, esse período de tratamento e observação deverá ser de, no
mínimo, 24 horas;
d) Temperatura corpórea > 35°C, saturação arterial de oxigênio > 94%
e pressão arterial sistólica ≥ 100 mmHg ou pressão arterial média ≥ 65
mmHg para adultos.

É obrigatória a realização mínima dos seguintes procedimentos para


determinação da morte encefálica:
a) 2 exames clínicos que confirmem coma não perceptivo e ausência
de função do tronco encefálico;
b) Teste de apneia que confirme ausência de movimentos respiratórios
após estimulação máxima dos centros respiratórios;
c) Exame complementar que comprove ausência de atividade
encefálica.

O exame clínico deve demonstrar de forma inequívoca a existência


das seguintes condições:
a) Coma não perceptivo;
b) Ausência de reatividade supraespinal manifestada pela ausência
dos reflexos fotomotor, corneopalpebral, oculocefálico,
vestibulocalórico e de tosse.

Serão realizados 2 exames clínicos, cada um deles por um médico


diferente, especificamente capacitado (especialista em uma das
seguintes especialidades: Medicina Intensiva, Medicina Intensiva
Pediátrica, Neurologia, Neurologia Pediátrica, Neurocirurgia ou
Medicina de Emergência ou conforme descrito no Anexo III) a
realizar esses procedimentos para a determinação de morte
encefálica. As conclusões do exame clínico e o resultado do exame
complementar deverão ser registrados pelos médicos examinadores
no termo de declaração de morte encefálica (Anexo II) e no
prontuário do paciente ao final de cada etapa. Nenhum desses
médicos poderá participar de equipe de remoção e transplante,
conforme estabelecido no Art. 3º da Lei 9.434/1997 e no Código de
Ética Médica.
10.5.2.1 Anexo I

Manual de procedimentos para determinação de morte encefálica.


Para o diagnóstico de morte encefálica, é essencial que todas as
seguintes condições sejam observadas:
a) Pré-requisitos:
Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e
capaz de causar a morte encefálica;
Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico
de morte encefálica;
Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período
mínimo de 6 horas;
Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-
isquêmica, esse período de tratamento e observação deverá ser
de, no mínimo, 24 horas;
Temperatura corpórea (esofágica, vesical ou retal) > 35°C,
saturação arterial de oxigênio > 94% e pressão arterial sistólica ≥
100mmHg ou pressão arterial média ≥ 65mmHg para adultos, ou
conforme tabela para menores de 16 anos.
b) 2 exames clínicos para confirmar a presença do coma e a ausência
de função do tronco encefálico em todos os seus níveis, com intervalo
mínimo de acordo com a Resolução;
c) Teste de apneia para confirmar a ausência de movimentos
respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios em
presença de paCO2 > 55 mmHg;
d) Exames complementares para confirmar a ausência de atividade
encefálica, caracterizada pela falta de perfusão sanguínea encefálica,
de atividade metabólica, encefálica ou de atividade elétrica encefálica.

Intervalo mínimo entre as 2 avaliações de acordo com a idade:


a) De 7 dias a 2 meses incompletos: 24 horas;
b) De 2 a 24 meses incompletos: 12 horas;
c) Acima de 2 anos: 1 hora.

Na repetição do exame clínico (segundo exame) por outro médico,


será utilizada a técnica do primeiro exame. Não é necessário repetir o
teste de apneia quando o resultado do 1º teste for positivo (ausência
de movimentos respiratórios na vigência de hipercapnia
documentada).
O intervalo mínimo de tempo a ser observado entre o primeiro e o
segundo exame clínico é de 1 hora nos pacientes com idade ≥ 2 anos.
Nas demais faixas etárias, esse intervalo é variável.
Os familiares do paciente ou seu responsável legal deverão ser
adequadamente esclarecidos, de forma clara e inequívoca, sobre a
situação crítica do paciente, o significado da morte encefálica, o
modo de determiná-la e os resultados de cada etapa de sua
determinação. Esse esclarecimento é de responsabilidade da equipe
médica assistente do paciente ou, na sua impossibilidade, da equipe
de determinação da morte encefálica.
A decisão quanto à doação de órgãos somente deverá ser solicitada
aos familiares ou responsáveis legais do paciente após o diagnóstico
da morte encefálica e a comunicação da situação a eles.
10.5.2.2 Anexo II

Termo de declaração de morte encefálica.


A equipe médica que determinou a morte encefálica deverá registrar
as conclusões dos exames clínicos e os resultados dos exames
complementares no termo de Declaração de Morte Encefálica (DME)
ao término de cada etapa e comunicá-la ao médico assistente do
paciente ou a seu substituto.
Esse termo deverá ser preenchido em 2 vias. A primeira via deverá
ser arquivada no prontuário do paciente, junto com o(s) laudo(s) de
exame(s) complementar(es) utilizados na sua determinação. A
segunda via ou cópia deverá ser encaminhada à Central Estadual de
Transplantes (CET), complementarmente à notificação da ME, nos
termos da Lei 9.434/97, Art. 13.
Nos casos de morte por causa externa, uma cópia da declaração será
necessariamente encaminhada ao Instituto Médico-Legal (IML).
A Comissão Intra-Hospitalar de Transplantes (CIHDOTT), a
Organização de Procura de Órgãos (OPO) ou a CET deverão ser
obrigatoriamente comunicadas nas seguintes situações:
a) Possível morte encefálica (início do procedimento de determinação
de morte encefálica);
b) Após constatação da provável morte encefálica (primeiro exame
clínico e teste de apneia compatíveis);
c) Após confirmação da morte encefálica (término da determinação
com o segundo exame clínico e exame complementar confirmatórios).
A Declaração de Óbito (DO) deverá ser preenchida pelo médico-
legista nos casos de morte por causas externas (acidente, suicídio ou
homicídio), confirmada ou suspeita. Nas demais situações, caberá
aos médicos que determinaram o diagnóstico de morte encefálica ou
aos médicos assistentes ou seus substitutos preenchê-la. A data e a
hora da morte a serem registradas na DO deverão ser as do último
procedimento de determinação da morte encefálica, registradas no
termo de DME.
Constatada a morte encefálica, o médico tem autoridade ética e legal
para suspender procedimentos de suporte terapêutico em uso e
assim deverá proceder, exceto se doador de órgãos, tecidos ou partes
do corpo humano para transplante, quando deverá aguardar a
retirada deles ou a recusa à doação (Resolução CFM nº 1.826/2007).
Essa decisão deverá ser precedida de comunicação e esclarecimento
sobre a morte encefálica aos familiares do paciente ou seu
representante legal, fundamentada e registrada no prontuário.
10.5.2.3 Anexo III

Capacitação para determinação de morte encefálica.


Curso teórico-prático com duração mínima de 8 horas, sendo 4 de
discussão de casos clínicos. Para cada 8 alunos, deve haver no
mínimo 1 instrutor, com capacitação comprovada em determinação
de morte encefálica há pelo menos 2 anos e com Residência Médica
ou título de especialista em Neurologia, Neurologia Pediátrica,
Medicina Intensiva, Medicina Intensiva Pediátrica, Neurocirurgia ou
Medicina de Emergência. O coordenador deve ter sido capacitado há,
no mínimo, 5 anos. A programação do curso contém:
a) Conceito de morte encefálica;
b) Fundamentos éticos e legais (legislação pertinente);
c) Metodologia da determinação (pré-requisitos, exame clínico, teste
de apneia, exame complementar e conclusão da determinação);
d) Conduta pós-determinação (comunicação da morte aos familiares,
retirada do suporte vital).
Para ser capacitado, é pré-requisito que o médico tenha experiência
no atendimento de pacientes em coma, de, no mínimo, 1 ano.
10.5.3 Resolução CFM 1.826/07
Publicada no D.O.U. de 6 de dezembro de 2007, Seção I, pg. 133.
Dispõe sobre a legalidade e o caráter ético da suspensão dos
procedimentos de suportes terapêuticos quando da determinação de
morte encefálica de indivíduo não doador. O objetivo é a otimização
dos recursos nas UTIs, em vista do diagnóstico de morte encefálica.
10.6 DECLARAÇÃO DE ÓBITO
A declaração de óbito (DO) é o documento-base do Sistema de
Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS). É
composta de 3 vias. A primeira via (branca), destina-se à Secretaria
Municipal de Saúde, na Vigilância Epidemiológica. Nos casos de
óbitos naturais ocorridos em localidades sem médico destina-se
primeiramente ao Cartório de Registro Civil, para posterior coleta
pela Secretaria Municipal de Saúde responsável pelo processamento
dos dados. A segunda via (amarela), destina-se ao
representante/responsável da família do falecido, para ser utilizada
na obtenção da Certidão de Óbito junto ao Cartório do Registro Civil.
A terceira via (rosa), permanece na unidade do atendimento para
arquivar em prontuário, ou no Instituto Médico Legal (IML), quando
se tratar de óbitos por causas acidentais e/ou violentas. No caso dos
óbitos naturais ocorridos fora dos estabelecimentos de saúde e com
assistência médica, a DO será preenchida pelo médico responsável
que deverá destinar à Secretaria Municipal de Saúde, na Vigilância
Epidemiológica. Nos óbitos naturais ocorridos em localidades sem
médico, a via é destinada ao Cartório de Registro Civil, para posterior
coleta pela Secretaria Municipal de Saúde responsável pelo
processamento dos dados.
Além da sua função legal possui importância epidemiológica. A
emissão da DO é um ato médico, segundo a legislação do país.
Portanto, ocorrida uma morte, o médico tem a obrigação legal de
constatar e atestar o óbito, usando o formulário oficial “Declaração
de Óbito” mencionado. O documento tem, por finalidade:
a) A inumação (enterramento) do cadáver, pois nenhum enterramento
pode ser feito sem certidão oficial do cartório, extraída após lavratura
do assento de óbito feito à vista do atestado médico (Lei dos Registros
Públicos);
b) A certidão de óbito é prova cabal e incontestável do
desaparecimento do indivíduo e extingue a personalidade civil da
pessoa;
c) A determinação da causa jurídica da morte (natural ou violenta);
d) O esclarecimento de questões de ordem sanitária e elaboração de
estatísticas para serem usadas em Saúde Pública.

10.6.1 Resolução CFM 1.779/05


Publicada no D.O.U. de 5 de dezembro de 2005, seção I, p. 121.
Regulamenta a responsabilidade médica no fornecimento da
Declaração de Óbito. Revoga a Resolução CFM 1.601/2000 Destaca a
DO como parte integrante da assistência médica, fonte de dados
epidemiológicos, a morte natural como consequência de doença ou
lesão que iniciou a sucessão de eventos mórbidos que causaram
diretamente o óbito, a morte não natural como consequência de
causas externas e a necessidade de regulamentar a responsabilidade
médica no fornecimento da DO. Os médicos, quando do
preenchimento da Declaração de Óbito, obedecerão às seguintes
normas:
1. Morte natural:
a) Morte sem assistência médica:
Nas localidades com Serviço de Verificação de Óbitos
(SVO):
A DO deverá ser fornecida pelos médicos do SVO.
Nas localidades sem SVO:
A DO deverá ser fornecida pelos médicos do serviço
público de saúde mais próximo do local onde ocorreu o
evento e, na sua ausência, por qualquer médico da
localidade.
b) Morte com assistência médica:
A DO deverá ser fornecida, sempre que possível, pelo
médico que vinha prestando assistência ao paciente;
A DO de paciente internado sob regime hospitalar deverá ser
fornecida pelo médico assistente e, na sua falta, por médico
substituto pertencente à instituição;
A DO de paciente em tratamento sob regime ambulatorial
deverá ser fornecida por médico designado pela instituição
que prestava assistência, ou pelo SVO;
A DO de paciente em tratamento sob regime domiciliar
(Programa Saúde da Família, internação domiciliar e outros)
deverá ser fornecida pelo médico pertencente ao programa
ao qual o paciente estava cadastrado, ou pelo SVO, caso o
médico não consiga correlacionar o óbito com o quadro
clínico concernente ao acompanhamento do paciente.
2. Morte fetal: em caso de morte fetal, os médicos que prestaram
assistência à mãe ficam obrigados a fornecer a DO quando a gestação
tem duração ≥ 20 semanas ou o feto tem peso corporal ≥ 500g e/ou
estatura ≥ 25cm.
3. Morte violenta ou não natural: a DO deverá ser fornecida pelos
serviços médico-legais. Nas localidades onde existir apenas 1 médico,
este será o responsável pelo fornecimento da DO.

Figura 10.21 - Fornecimento da declaração de óbito

Fonte: elaborado pelos autores.


10.6.2 Resolução CFM 2.139/16
Publicada no D.O.U. de 6 de maio de 2016, seção I, p. 284.
Altera o artigo 23 da Resolução CFM 2.110, publicada no D.O.U. de 19
de novembro de 2014, Seção I, p. 199, e revoga a Resolução CFM
2.132/2015, publicada no D.O.U. de 13 de janeiro de 2016, Seção I, p.
67.
Altera as normas para a emissão de atestados de óbito fornecidos
pelos médicos intervencionistas do Serviço Pré-Hospitalar Móvel de
Urgência e Emergência (SAMU), pois a Resolução CFM 2.110/2014,
normatizadora do funcionamento do SAMU, apresentava
inconsistência com normativos do CFM acerca da emissão do
atestado de óbito.
O artigo 23 da Resolução CFM 2.110/14 passa a vigorar com a seguinte
redação:
Art. 23. O médico intervencionista, quando envolvido em atendimento
que resulte em óbito de suposta causa violenta ou não natural
(homicídio, acidente, suicídio, morte suspeita), deverá
obrigatoriamente constatá-lo, mas não atestá-lo. Neste caso, deverá
comunicar o fato ao médico regulador, que adotará as medidas
necessárias para o encaminhamento do corpo para o IML.
Parágrafo único. Em caso de atendimento a paciente que resulte em
morte natural (com ou sem assistência médica) ou óbito fetal em que
estiver envolvido, o médico intervencionista deverá observar o disposto
na Resolução CFM 1.779/05 em relação ao fornecimento da DO.

10.6.3 Aspectos éticos


1. O que o médico deve fazer:
a) Preencher os dados de identificação com base em um
documento da pessoa falecida. Na ausência de documento,
caberá à autoridade policial proceder ao reconhecimento do
cadáver;
b) Registro com letra legível e sem abreviações ou rasuras;
c) Registrar as causas da morte, obedecendo ao disposto nas
regras internacionais, anotando um diagnóstico por linha e o
tempo aproximado entre o início da doença e a morte;
d) Revisar se todos os campos estão preenchidos corretamente
antes de assinar.
2. O que o médico não deve fazer:
a) Assinar DO em branco;
b) Preencher a DO sem, pessoalmente, examinar o corpo e
constatar a morte;
c) Utilizar termos vagos para o registro das causas de morte,
como parada cardíaca, parada cardiorrespiratória ou falência de
múltiplos órgãos;
d) Cobrar pela emissão da DO.

O ato médico de examinar e constatar o óbito


pode ser cobrado desde que se trate de
paciente particular a quem não vinha prestando
assistência.

3. Quando deve ser emitida a DO:


a) Em todos os óbitos (natural ou violento);
b) Quando a criança nascer viva e morrer logo após o
nascimento, independentemente da duração da gestação, do
peso e do tempo que tenha permanecido viva;
c) No óbito fetal, se a gestação teve duração ≥ 20 semanas, ou
feto com ≥ 500 g, ou estatura ≥ 25 cm.
4. Não emitir a DO:
a) No óbito fetal, com gestação < 20 semanas, ou peso < 500 g,
ou estatura < 25 cm. A legislação atualmente existente permite
que, na prática, a emissão da DO seja facultativa para os casos
em que a família queira realizar o sepultamento do produto de
concepção;
b) Peças anatômicas amputadas.

No caso de peças anatômicas retiradas por ato cirúrgico ou de


membros amputados, o médico elaborará um relatório em papel
timbrado do hospital descrevendo o procedimento. Esse documento
será levado ao cemitério, caso o destino da peça venha a ser o
sepultamento.
10.6.4 Definições
1. Causas da morte:
a) As causas de morte a serem registradas na DO são todas as
doenças, estados mórbidos ou lesões que produziram a morte, ou
que contribuíram para ela, e as circunstâncias do acidente ou da
violência que provocou essas lesões.
2. Causa-base de morte:
a) É a doença ou lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos
patológicos que conduziram diretamente à morte;
b) São as circunstâncias do acidente ou a violência que causou a
lesão fatal.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, causa-base da morte é “a


doença ou lesão que iniciou a sucessão de eventos mórbidos, os quais
levaram diretamente à morte, ou as circunstâncias do acidente ou
violência que produziu a lesão fatal”.
10.6.4.1 Definições em relação à mortalidade fetal, perinatal,
neonatal e infantil

Quadro 10.3 - Definições em relação à mortalidade fetal, perinatal, neonatal e infantil


Fonte: Departamento de Informática do SUS, [sem data].

10.6.5 Como preencher o atestado


Figura 10.22 - Ficha de declaração de óbito nacional
Fonte: Ministério da Saúde, 2009.

Na Parte VI, que trata das Condições e Causas do Óbito, o campo 49 é


dividido em Parte I e Parte II.
A Parte I é subdividida em 4 itens (“a”, “b”, “c” e “d”), e seu
preenchimento deve seguir uma ordem lógica e cronológica dos
acontecimentos sofridos pelo paciente, iniciando-se pela causa
terminal ou imediata e terminando com causa-base. Esta deve ser
colocada em último lugar, ou seja, deve ser o último item da Parte I.
Antecedendo a causa-base, são colocados os outros eventos (“devido
a ou como consequência de”), até chegar à causa terminal ou
imediata.
A Parte II deve ser usada para informar outras condições
significativas que interferiram no curso do processo mórbido,
chamadas de causas contribuintes ou contributórias.
Figura 10.23 - Campos das causas de morte primária (parte I) e contribuintes (parte II)
Fonte: acervo Medcel.

O modelo de DO adotado permite, pelas suas características, facilitar


a seleção da causa-base quando são informados 2 ou mais
diagnósticos. Isso porque o médico, ao registrar os diagnósticos no
atestado, deveria colocar a causa-base em último lugar da Parte I.
Assim, a causa-base do exemplo da Figura 3.23, registrada dessa
forma (último lugar da Parte I, linha “d”), dá origem a algumas
complicações (causas e consequências), que devem ser registradas
nas linhas acima (“c” e “b”). A última causa consequencial,
registrada na linha “a”, é chamada causa terminal ou imediata.
Caso a morte ocorra por causa não natural ou, como mais
usualmente se diz, por causas violentas ou causas externas, também
deve constar da última linha a causa-base, no caso, as circunstâncias
da violência (queda, homicídio por arma de fogo, afogamento etc.) e,
acima da causa-base, as consequenciais (fratura de crânio, rotura de
fígado, esmagamento de tórax etc.). As DOs, nos casos de causa
externa, são sempre preenchidas por médicos-legistas.
Alguns exemplos de preenchimento do atestado de óbito:
1. Exemplo 1 (causa natural): sexo masculino, 65 anos. Há 35 anos,
sabia ser hipertenso e não fez tratamento. Há 2 anos, começou a
apresentar dispneia de esforço. Foi ao médico, que diagnosticou
hipertensão arterial e cardiopatia hipertensiva, e iniciou o tratamento.
Há 2 meses, teve insuficiência cardíaca congestiva e, hoje, edema
agudo de pulmão, falecendo após 5 horas. Há 2 meses, foi
diagnosticado câncer de próstata.
Figura 10.24 - Preenchimento da declaração de óbito por causa natural

Fonte: A Declaração de Óbito: documento necessário e importante, 2009.

2. Exemplo 2 (causa não natural): sexo masculino, 25 anos, pedreiro,


estava trabalhando quando sofreu queda de andaime (altura
correspondente a 2 andares). Foi recolhido pelo serviço de resgate e
encaminhado ao hospital, onde fez cirurgia em virtude de traumatismo
cranioencefálico. Morreu após 3 dias.

Figura 10.25 - Preenchimento da declaração de óbito por causa não natural

Fonte: A Declaração de Óbito: documento necessário e importante, 2009.

3. Exemplo 3: sexo masculino, 42 anos, pedreiro, estava trabalhando


em um andaime, à altura do 12º andar, quando caiu acidentalmente.
Teve morte instantânea. O relatório de necrópsia (IML) evidenciou
traumatismos múltiplos (de crânio, bacia, membros).

Figura 10.26 - Preenchimento da declaração de óbito acrescentando intervalos enunciados


no exemplo 3
Fonte: adaptado de Atestado de óbito: aspectos médicos, estatísticos, éticos e jurídicos,
2017.

4. Exemplo 4: sexo masculino, 26 anos. Há 3 anos, foi diagnosticado


portador do vírus HIV, não tendo nenhuma manifestação até 10 meses
antes, quando começou a ter febre, emagrecimento intenso e muita
tosse. Foi feito diagnóstico de AIDS com tuberculose pulmonar. Evoluiu
muito mal, não respondendo à terapêutica, e teve o quadro confirmado
de broncopneumonia, vindo a falecer após 4 dias.

Figura 10.27 - Preenchimento da declaração de óbito considerando apenas causas de


morte do exemplo 4

Fonte: acervo Medcel.

A seguir, alguns exemplos de DOs preenchidas incorretamente e sua


correção:
1. Exemplo 1: uma mulher foi atendida na Emergência às 22 horas,
com quadro de queda da pressão arterial, hemoglobina de 7g/L,
volume globular de 28%, dor à palpação de abdome, distensão
abdominal e macicez de decúbito. Às 23 horas, foi encaminhada para
laparotomia e recebeu 2 unidades de concentrado de hemácias.
Durante a cirurgia, teve parada cardíaca. Durante a laparotomia, foi
constatado o quadro de gravidez ectópica rota.
a) Causas da morte na DO:
Parte I (incorreto):
Parada cardiorrespiratória.
Insuficiência renal aguda.
Choque hipovolêmico.

Comentário: nessa situação, ainda que o médico tivesse cuidado do


caso e diagnosticado a gravidez ectópica rota, isso não foi declarado
na DO, que deveria ter sido preenchida da seguinte maneira:
Parte I (correto):
Choque hipovolêmico.
Abdome agudo hemorrágico.
Gravidez ectópica rota.

2. Exemplo 2: uma parturiente de 23 anos, G3P1A1, fez 10 consultas


de pré-natal desde janeiro. Internada no dia 28.09.97 às 2 horas,
com história de gestação no curso do 9º mês em trabalho de parto,
apresentação cefálica, dilatação cervical de 6cm, PA = 110x60 mmHg
e deu à luz às 5h45 do mesmo dia. Às 8 horas, detectou-se
hemorragia pós-parto, sendo a puérpera submetida a histerectomia
subtotal e evoluindo para óbito materno às 9h40 no transoperatório.
a) Causas da morte na DO:
Parte I (incorreto):
Anemia aguda.
Hemorragia intensa.
Coagulopatia intravascular disseminada.

Comentário: foi omitido, na DO, que a coagulopatia foi decorrente de


quadro grave de hemorragia puerperal. Ela deveria ser preenchida da
seguinte maneira:
Parte I (correto):
Choque hemorrágico.
Coagulopatia intravascular disseminada.
Hemorragia pós-parto.
Parte II: Gestação de 9 meses.

3. Exemplo 3: uma parturiente de 15 anos, casada há 2 anos,


primigesta, fez 9 consultas de pré-natal desde o 2º mês. No final da
gestação, diagnosticou-se, pela ultrassonografia, posição fetal
pélvica. A gestante, nessa ocasião, apresentava quadros
hipertensivos. Segundo os familiares, quando as dores se
intensificaram, o marido a levou para o hospital pela madrugada, e a
médica lhe deu uma injeção e disse que ainda não era hora. A
gestante passou toda a madrugada com dor e, como não melhorou
pela manhã, retornou ao hospital, onde ficou em observação.
Segundo o prontuário, a parturiente foi admitida, às 7 horas, em
trabalho de parto com idade gestacional de 40 semanas, junto com
doença hipertensiva específica da gravidez leve. Evoluiu, na sala de
pré-parto, apresentando pico hipertensivo de 190x110 mmHg, sendo
medicada com Aldomet® 750 mg/d e hidralazina. Às 14h15, indicou-
se cesárea, devido à apresentação pélvica, e constataram-se feto
morto em primigesta e evolução de doença hipertensiva específica
da gravidez leve para grave. Por ocasião da indução anestésica,
apresentou convulsões generalizadas, que persistiram no
transoperatório, evoluindo com parada cardiorrespiratória
irreversível. Foi encaminhada para o SVO, cujo laudo foi:
a) Parte I (incorreto):
A esclarecer, dependendo de exames complementares.

Comentário: o médico patologista não recebeu as informações


médicas sobre a história de saúde da paciente e, assim, não
conseguiu determinar a causa de óbito. Na realidade, o próprio
médico que atendeu a paciente já tinha feito o diagnóstico. A DO
deveria ser preenchida da seguinte forma:
a) Parte I (correto):
Convulsões eclâmpticas.
Eclâmpsia grave.
b) Parte II: Gestação de 9 meses
Feto morto.

4. Exemplo 4: uma paciente de 19 anos, casada há 1 ano, primigesta,


fez pré-natal desde o 2º mês de gestação. A partir do 4º mês, foi
diagnosticada gestação de alto risco. Esteve internada e, no 5º mês,
foi aconselhada a interromper a gravidez. Antes da data prevista para
a interrupção, teve parada cardíaca. Foi internada com diagnóstico
de cardiopatia reumática descompensada. No 3º dia de internação,
teve nova parada cardíaca, respondendo a manobras de
ressuscitação, e foi feita cesárea para a retirada do feto morto. Às 20
horas, teve outra parada cardiorrespiratória em assistolia, sem
resposta às manobras.
a) Parte I (incorreto):
Edema e congestão pulmonar.
Cardiopatia dilatada.
Cardiopatia reumática crônica com estenose mitral acentuada.

Comentário: o médico na DO omitiu o estado gestacional. Na


realidade, houve descompensação de seu estado de saúde pela
presença da gestação; assim, o atestado deveria ser preenchido da
seguinte forma:
a) Parte I (correto):
Edema e congestão pulmonar.
Cardiopatia dilatada.
Cardiopatia reumática crônica complicada pela gestação.
b) Parte II:
Cardiopatia reumática crônica com estenose mitral acentuada.
Gestação de 5 meses.

5. Exemplo 5: uma paciente de 21 anos, branca, solteira, estudante,


com última gestação em 20.08.97, G2A2, usava anticoncepcional
hormonal. Admitida em 23.01.98, às 11h30, com 3 a 4 meses de
gestação e sangramento vaginal, no momento da admissão
apresentava quadro de choque hipovolêmico, com PA = 60x30
mmHg, pulso = 120 bpm, mucosas hipocoradas. Por ocasião do
internamento, negava que estava grávida. Foi diagnosticado aborto
incompleto infectado, sendo indicada curetagem uterina. Sob
anestesia peridural, foram administradas 30 unidades de
Syntocinon®. Após a curetagem, apresentava hemorragia uterina e,
às 12h45, perdeu o acesso venoso, sendo transferida para a UTI do
hospital B, com diagnóstico de choque hipovolêmico e septicemia,
por abortamento infectado. O óbito ocorreu às 15h05.
a) Parte I (incorreto):
Choque septicêmico.
Endometrite.

Comentário: o preenchimento da DO foi incorreto: a causa-base do


óbito (aborto não especificado complicado com hemorragia – CID
O06.1) não está referida na letra “c” na DO.
a) Parte I (correto):
Choque septicêmico.
Endometrite.
Aborto incompleto infectado.

10.6.5.1 Dúvidas frequentes

Quadro 10.4 - Dúvidas frequentes no preenchimento da declaração de óbito


Fonte: A declaração de óbito, 2009.

10.7 CREMAÇÃO
A cremação consiste na incineração do cadáver. Necessita haver
manifestação prévia ou interesse da saúde pública. A DO deve ter
sido firmada por 2 médicos ou por 1 médico-legista, no caso de
morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária.
Qual a importância do
conhecimento das
condições de morte e do
preenchimento adequado
da declaração de óbito?
O conhecimento da Medicina Legal, especialmente da
análise dos eventos relacionados à morte, assim como a
evolução clínica dos problemas relacionados a ela, é
importante não só para a avaliação médica, mas também
judicial. O conhecimento básico das resoluções que
fundamentam aborto, morte encefálica e o preenchimento
da declaração de óbito são importantes para a prática
médica, pois é inevitável, em algum momento, a sua
utilização.
# FALA AÍ
Como preencher o atestado de óbito no caso de morte natural?
Morte natural é aquela morte cuja causa básica foi uma doença ou
um estado mórbido. Ela se diferencia das mortes por causas
externas, que são mortes acidentais. Nos casos de mortes naturais,
deve-se evitar colocar expressões imprecisas como "parada
cardiorrespiratória" ou "falência múltipla de órgãos", pois são
considerados modos de morrer, e não causas básicas do óbito.
Portanto, o médico que for preencher a declaração de óbito deve
tentar ao máximo estabelecer a causa de óbito, inclusive com
anamnese com familiares caso necessário. Se, mesmo assim, não se
conseguir chegar a uma conclusão definitiva, o médico poderá
colocar na declaração que a morte foi por causa desconhecida.

# FALA AÍ
Como fica o preenchimento do atestado de óbito em casos
constatados de morte cerebral?
De acordo com a Resolução 2.173/2017 do CFM, os médicos que
determinaram o diagnóstico de morte encefálica ou os médicos
assistentes ou seus substitutos deverão preencher a declaração de
óbito definindo como data e hora aquela correspondente ao
momento da conclusão do último procedimento para determinação
de morte encefálica. Nos casos de morte por causas externas, a
declaração de óbito será de responsabilidade do médico legista, que
deverá receber o relatório de encaminhamento médico e uma cópia
do termo de declaração de morte encefálica (artigo 9º).
Qual a importância de
existir um ramo da ética
dedicado à medicina e de
que forma ela é
normatizada na profissão
médica?

11.1 INTRODUÇÃO
A Ética estuda o comportamento moral dos homens dentro de uma
sociedade, isto é, estuda uma forma específica de comportamento
humano. Baseia-se nos atos humanos voluntários e conscientes e
que podem envolver outros indivíduos, grupos sociais e até mesmo
toda a sociedade. Embora estejam profundamente relacionados, os
termos “ética” e “moral” não devem ser confundidos, mas
entendidos como complementares.
“Ética”, do grego ethos, significa “modo de ser”, “caráter”; e
“moral”, do latim mos, significa “costume”, “conjunto de normas
adquiridas pelo homem”. Portanto, esses termos se referem a duas
qualidades especificamente humanas: o “modo de ser” ou o
“caráter” de cada um, sobre o qual se assentam os “costumes” ou as
“normas adquiridas”, plasmando o comportamento moral do
homem.
A Ética Médica é responsável pelo estudo do comportamento moral
dos médicos durante o exercício profissional, ou seja, enquanto
estão em atividade médica. A Deontologia Médica, por sua vez, é
responsável pelos estudos dos deveres dos médicos, enquanto a
Diceologia estuda os direitos dos médicos. Essas duas vertentes
estão ordenadas no Código de Ética Médica (CEM): os Princípios
Fundamentais, os Direitos dos Médicos e os capítulos relativos às
vedações a eles.
A Bioética, termo criado pelo oncologista e biólogo americano Van
Rensselaer Potter em seu livro “Bioethics: bridge to the future”, é o
estudo sistemático da conduta humana na área das Ciências da Vida
e dos Cuidados da Saúde, na medida em que essa conduta é
examinada à luz dos valores e dos princípios morais. Esse conceito é
o atualmente empregado e foi lançado pela Encyclopedia of Bioethics
em 1978. Como campo emerso da Ética Médica, a Bioética é fruto da
evolução do saber e de concepções novas geradas pelas realidades
atuais da Medicina, da Biologia, da Sociologia e da Filosofia e tem
como princípios fundamentais a autonomia, beneficência e não
maleficência (Quadro 11.1).
Quadro 11.1 - Princípios da Bioética

A atividade médica, assim como todas as demais atividades


humanas, é regulamentada por normas jurídicas. As normas
jurídicas gerais são comuns a todos os cidadãos, dentro do espaço
territorial brasileiro, e as normas jurídicas especiais regulamentam
matérias específicas.
Assim, o médico, em sua atividade, está sujeito a diversas normas
jurídicas gerais e especiais. As normas gerais são a Constituição de
1988, o Código Civil de 2002, o Código Penal, a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT) e outras leis estaduais e municipais. As normas
especiais que regulamentam a atividade médica são elaboradas pelo
Ministério da Saúde, pelo Conselho Nacional de Saúde, pelo
Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelos Conselhos Regionais de
Medicina (CRMs), por meio de resoluções e portarias. Devemos
lembrar que há uma hierarquia entre as normas e que nenhuma pode
ser contrária à Constituição (Lei Magna).
11.2 ETICIDADE EM PESQUISA
Já no campo da pesquisa, a ética também possui conceitos e
fundamentos bem definidos (Quadro 11.2).
Quadro 11.2 - Conceitos de eticidade em pesquisas
Dentre os fundamentos formais e obrigatórios relacionados à
bioética, à eticidade e à pesquisa, destacamos os apresentados a
seguir.
11.2.1 Consentimento livre e esclarecido

O termo de consentimento livre e esclarecido


tem, como finalidade, documentar as possíveis
consequências e complicações do ato médico e
cumpre finalidade ético-jurídica em casos de
processos médicos.

O médico tem o dever de informar ao paciente os riscos do ato


médico, dos procedimentos e das consequências dos medicamentos
prescritos. Além disso, tem responsabilidades civil, penal e
disciplinar sobre seus atos, devendo essa responsabilidade ser
avaliada em cada caso. O termo de consentimento livre e esclarecido
tem, como finalidade, formalizar ou documentar ao médico e ao
paciente as possíveis consequências do ato médico, inclusive
hipóteses de caso fortuito e de força maior, desconhecidas da Ciência
e que fogem ao controle da Medicina. Dessa forma, o termo não tem
a virtude de excluir a responsabilidade do médico; não pode ser
entendido, pois, como excludente de responsabilidade ou cláusula de
não indenização. O documento cumpre finalidade ético-jurídica e
pode ser apreciado como prova da lisura do procedimento médico.
Assim, jamais deve ser de cunho impositivo, devendo ser grafado em
linguagem acessível e simples para o entendimento do paciente que
subscreverá o documento ou de seu representante legal.
Quando a pesquisa é direcionada a criança, adolescente, pessoa com
doença mental ou em situação de diminuição da capacidade de
discernimento, além do termo de consentimento livre e esclarecido
para o responsável legal, é necessário o assentimento livre e
esclarecido assinado pelo participante. Esta obrigatoriedade,
considerando não apenas o menor de idade, é uma das atualizações
do novo Código de Ética Médica brasileiro (em vigor em 2019).
11.2.2 Comitês de ética em pesquisa
Hospitais e instituições de saúde que realizam pesquisas clínicas
devem atender a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de
Saúde (CNS), que traz as normas regulamentadoras de experimentos
com seres humanos no país. Pesquisas envolvendo seres humanos
devem ser submetidas à apreciação do Sistema CEP/CONEP (Comitês
de Ética em Pesquisa/ Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). Os
CEPs são colegiados interdisciplinares e independentes, de
relevância pública, de caráter consultivo, deliberativo e educativo,
criados para defender os interesses dos participantes da pesquisa em
sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da
pesquisa dentro de padrões éticos:
a) As instituições e/ou organizações nas quais se realizem pesquisas
envolvendo seres humanos podem constituir 1 ou mais de 1 CEP,
conforme suas necessidades e atendendo aos critérios normativos;
b) Na inexistência de um CEP na instituição proponente ou em caso de
pesquisador sem vínculo institucional, caberá à CONEP a indicação de
um CEP para proceder à análise da pesquisa dentre aqueles que
apresentem melhores condições para monitorá-la.

São atribuições dos CEPs: avaliar protocolos de pesquisa envolvendo


seres humanos, com prioridade nos temas de relevância pública e de
interesse estratégico da agenda de prioridades do SUS, com base nos
indicadores epidemiológicos, emitindo parecer, devidamente
justificado, sempre orientado, dentre outros, pelos princípios da
impessoalidade, transparência, razoabilidade, proporcionalidade e
eficiência, dentro dos prazos estabelecidos em norma operacional,
evitando redundâncias que resultem em morosidade na análise;
desempenhar papel consultivo e educativo em questões de ética;
elaborar seu Regimento Interno.
11.3 CONSELHOS DE MEDICINA
O CFM e os CRMs, em conjunto, constituem uma autarquia dotada de
personalidade jurídica de direito público com autonomia
administrativa e financeira. São os órgãos supervisores da ética
profissional em toda a República e, ao mesmo tempo, julgadores e
disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por
todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da
Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a
exerçam legalmente. Há, em Brasília, o CFM com jurisdição em todo
o território brasileiro, ao qual ficam subordinados os CRMs, e, em
cada capital de estado e no Distrito Federal, há um CRM, cuja
jurisdição alcançará a do estado ou do Distrito Federal.
Os médicos só poderão exercer legalmente a Medicina, em quaisquer
dos seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus
títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e
de sua inscrição no CRM sob cuja jurisdição se achar o local de sua
atividade. Se o médico exercer sua atividade por mais de 90 dias em
outra jurisdição, ficará obrigado a requerer inscrição secundária no
quadro do CRM dessa jurisdição.
11.4 COMISSÕES DE ÉTICA MÉDICA
As Comissões de Ética Médica compreendem uma extensão do CRM,
eleitas pelo corpo clínico das instituições médicas, estando a ele
vinculadas. Devem ser instaladas em unidades de saúde e são órgãos
com funções opinativas, educativas e fiscalizadoras do desempenho
ético da Medicina. São atribuições das Comissões de Ética Médica:
a) Orientar e fiscalizar o desempenho ético da profissão dentro da
instituição;
b) Atuar como controle de qualidade das condições de trabalho e
prestação de assistência médica na instituição, sugerindo e
acompanhando as modificações necessárias;
c) Denunciar às instâncias superiores, inclusive ao CRM, as eventuais
más condições de trabalho na instituição;
d) Colaborar com o CRM, divulgando resoluções, normas e pareceres;
e) Assessorar as diretorias clínica, administrativa e técnica da
instituição, dentro da sua área de competência;
f) Proceder à sindicância a pedido de interessados, médicos, do
próprio CRM ou por iniciativa própria.

11.5 CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA (CEM)


O CEM, elaborado com a tentativa da participação de vários setores
da sociedade e da classe médica, configura-se como uma mescla de
código de moral com código administrativo que regula aspectos
práticos da profissão e prevê sanções a quem o infringir. O Código
está, portanto, subordinado à Constituição e às leis.
O primeiro CEM do Brasil foi elaborado em 1965 pelo CFM e refletia a
Medicina Liberal praticada na época com ênfase nas relações
médico-paciente (4 artigos) e médico-médico (12 artigos), além de
um capítulo apenas sobre conferências médicas com 9 artigos, muito
semelhante a um código de etiqueta médica.
Em 1984, esse Código foi substituído pelo Código Brasileiro de
Deontologia Médica, elaborado sigilosa e exclusivamente pelo CFM,
o qual enfrentou resistências generalizadas, tendo vida curta e
dando origem ao Código de 1988. Este apresentava, ao todo, 145
artigos, divididos em 14 capítulos, e era mais extenso e detalhado do
que os anteriores.
O CFM, e, 2009, no uso de suas atribuições aprovou um novo CEM
(RESOLUÇÃO CFM 1931/2009), o qual trouxe uma série de
questionamentos importantes acerca do exercício profissional no
que se refere aos deveres e aos direitos dos médicos. Pela primeira
vez, temas importantes e polêmicos foram levados em consideração.
Este CEM manteve o esquema de Princípios, Direitos e Deveres;
preservou a essência do anterior, em vigor desde 1988, que surgiu na
esteira das conquistas da sociedade brasileira e da convivência
democrática que também resultou na Constituição, na consagração
da dignidade humana, dos direitos fundamentais, do Estado de
Direito, da liberdade, da igualdade e da Justiça. O Código tratava,
dentre outros temas, dos direitos dos médicos, da responsabilidade
profissional, dos direitos humanos, da relação com pacientes e
familiares, da doação e dos transplantes de órgãos, da relação entre
médicos, do sigilo profissional, dos documentos médicos e do
ensino, da pesquisa e da publicidade médicos. O CEM/2009, além de
considerar as mudanças sociais, jurídicas e científicas, levou em
conta os atuais códigos de ética médica de outros países e considerou
elementos de jurisprudência, posicionamentos que já integravam
pareceres, decisões e resoluções da Justiça, das Comissões de Ética
locais e resoluções éticas do Conselho Federal de Medicina e dos
Conselhos Regionais de Medicina editadas desde 1988.
Ao longo dos anos de 2016 a 2018, considerando propostas dos
CRMs, entidades médicas, médicos, instituições científicas e
participação da sociedade brasileira por meio da consulta pública foi
desenvolvida a reforma do CEM/2009. Essas contribuições foram
revisadas, ao longo desses dois anos, pelos membros das Comissões
Nacional e Regional de Revisão de Código de Ética Médica, criadas
pela portaria CFM 13 de 01 de fevereiro de 2016. Na III Conferência
Nacional de Ética Médica (Conem) de 2018 foi elaborado o novo
Código de Ética Médica Revisado, com a participação de delegados
médicos de todo o Brasil. Por fim, o novo código foi aprovado pelo
Conselho Pleno Nacional em setembro de 2018 e publicado no Diário
Oficial da União em 01 de novembro de 2018, passando a vigorar 180
dias após a sua publicação. Assim como o anterior, o novo CEM não
entra em detalhes nem considera todas as circunstâncias que
envolvem a prática e a ética médicas: são mantidos os princípios
tradicionais que regem a prática médica, desde o juramento de
Hipócrates – a honestidade e a dedicação do médico, sua obrigação
de preservar a vida, de não prejudicar os pacientes, mas sim
respeitar seus interesses, sua privacidade e a confidencialidade,
sendo acrescido mais um princípio, no total, agora, de 26. Foi
mantida a dupla finalidade da Deontologia Médica, que supõe a
autonomia da prática profissional e a sua regulação. O CEM serve de
referência para a atuação judicante dos Conselhos de Medicina, ao
mesmo tempo que é o guia dos médicos em sua prática cotidiana a
serviço dos pacientes, bem como enfatiza que o respeito pela vida
não é exclusividade do médico, mas particularmente aplicável a ele.
O princípio de liberdade do indivíduo é mantido como pilar do
Código atual. O sujeito é livre para escolher seu médico e aceitar ou
rejeitar o que lhe é oferecido: exames, consultas, internações,
atendimento de qualquer espécie, prontuários médicos, participação
em pesquisa clínica, transmissão de dados etc. Mas o exercício da
liberdade depende de o paciente receber informações justas, claras e
adequadas. Daí a importância do consentimento informado, livre e
esclarecido; o princípio de liberdade do médico deve estar
concatenado com a liberdade do paciente.
O médico deve exercer a Medicina sem discriminação de qualquer
natureza, praticando a solidariedade entre seus companheiros e,
pessoalmente responsável pelos seus atos, preservar a sua
independência profissional, livrando-se, em benefício do paciente,
de influências pessoais ou materiais de empregadores, pagadores,
instituições, indústria e outros interesses.
Outra categoria de princípios ressaltada no Código diz respeito às
habilidades e qualidades exigidas do médico, pois é essa a missão
que a sociedade lhe confere. Para cumpri-la, o médico deve ser
competente para tanto. Daí a relevância da habilidade profissional e
do compromisso do médico com a Ciência, obviamente
reconhecendo seus limites.
O médico tem no Código a preservação de sua independência
profissional, daí a preocupação ética de eliminar conflitos, de afastar
o médico de influências desmedidas de empregadores, da indústria e
dos interesses puramente empresariais e mercantis.
Procurou-se ao máximo não alterar a numeração dos artigos dos
Códigos de Ética Médica de 2009. As principais alterações serão
apresentadas a seguir (Quadro 11.3):
Quadro 11.3 – Principais alterações do CEM/2019
11.5.1 Destaques (importantes temas de prova)
A seguir, estão compilados os principais temas abordados nas provas
de concursos médicos. Os artigos em que esses princípios estão
inseridos são citados para possibilitar a consulta do dispositivo legal
na íntegra.
1. Abandono de paciente: o médico não pode abandonar o paciente
(Cap. 5, Art. 36);
2. Anúncios profissionais: é obrigatório incluir o número do CRM em
anúncios (Cap. 13, Art. 117);
3. Apoio à categoria: o médico deve apoiar os movimentos da
categoria (Cap. 1, XV);
4. Condições de trabalho: o médico pode recusar-se a exercer a
Medicina em locais inadequados (Cap. 2, IV);
5. Conflito de interesses: o médico é obrigado a declarar conflitos de
interesses (Cap. 12, Art. 109);
6. Consentimento esclarecido: o paciente precisa dar o
consentimento (Cap. 4, Art. 22);
7. Denúncia de tortura: o médico é obrigado a denunciar prática de
tortura (Cap. 4, Art. 25);
8. Direito de escolha: o médico deve aceitar as escolhas do paciente
(Cap. 1, XXI);
9. Falta em plantão: abandonar o plantão é falta grave (Cap. 3, Art. 9);
10. Financiamentos e consórcios: o médico não pode estar
vinculado a financiamentos ou consórcios de procedimentos médicos
(Cap. 8, Art. 72);
11. Letra legível: a receita e o atestado médico têm de ser legíveis e
com identificação (Cap. 3, Art. 11);
12. Limitação de tratamento: nada pode limitar o médico em definir o
tratamento (Cap. 1, XVI);
13. Manipulação genética: o médico não pode praticar a manipulação
genética (Cap. 3, Art. 16; Cap. 1, XXV);
14. Métodos contraceptivos: o paciente tem direito de decidir sobre
métodos contraceptivos (Cap. 5, Art. 42);
15. Pacientes terminais: o médico deve evitar procedimentos
desnecessários em pacientes terminais (Cap. 5, Art. 41; Cap. 1, XXII);
16. Participação em propaganda: o médico não pode participar de
propaganda (Cap. 13, Art. 115);
17. Prontuário médico: o paciente tem direito a cópia do prontuário
médico (Cap. 10, Art. 86; Cap. 10, Art. 87; Cap. 10, Art. 88; Cap. 10,
Art. 89);
18. Relações com farmácias: o médico não pode ter relação com
comércio e farmácias (Cap. 8, Art. 69);
19. Responsabilidade: a responsabilidade médica é pessoal e não
pode ser presumida (Cap. 3, Art. 1º);
20. Segunda opinião: o paciente tem direito a uma 2ª opinião e a
encaminhamento a outro médico (Cap. 5, Art. 39; Cap. 7, Art. 53);
21. Sexagem: a escolha do sexo do bebê é vedada na reprodução
assistida (Cap. 3, Art. 15);
22. Sigilo médico: o sigilo médico deve ser preservado, mesmo após
a morte (Cap. 1, XI; Cap. 9, Art. 73);
23. Uso de placebo: é proibido em pesquisa quando há tratamento
eficaz (Cap. 12, Art. 106).

11.5.2 Código de Ética Médica (conteúdo na


íntegra)
O Código de Ética Médica está, na íntegra, disponível no Anexo A.
11.5.3 Comentários ao Código de Ética Médica
De modo geral, a maior parte do CEM/2009 foi mantida, com
algumas atualizações e inovações no novo CEM. Sobre o código de
ética médica brasileiro, num geral, é possível destacar os seguintes
tópicos:
a) Há a separação clara dos princípios fundamentais e dos direitos dos
médicos em relação aos deveres mandamentais;
b) Deixa claro que o não cumprimento das normas deontológicas
sujeitará os infratores às penas disciplinares;
c) A natureza do ato médico é personalíssima e não caracteriza
relação de consumo;
d) A responsabilidade profissional é pessoal, e a culpa não pode ser
presumida;
e) Traz, tacitamente, o conceito da ortotanásia e dos cuidados
paliativos aos pacientes em situações clínicas irreversíveis e terminais;
f) Proíbe o médico de abreviar a vida do paciente mesmo com o
consentimento e limita o uso de ações diagnósticas ou terapêuticas
inúteis ou obstinadas nos casos de doença incurável e terminal,
sempre em sintonia com a vontade do paciente;
g) No caso da ausência de plantonista substituto, a direção técnica do
estabelecimento de saúde deverá providenciar a substituição;
h) Regulamenta alguns tópicos da RA e terapia genética;
i) O atendimento médico a distância por telemedicina ou outro método
é regulamentado pelo CFM;
j) Veda o mercantilismo na Medicina, a dupla cobrança de honorários,
o vínculo com empresas que comercializem planos de financiamento
ou consórcios para procedimentos médicos;
k) Proíbe a quebra do segredo profissional nos casos de investigação
criminal quando possa expor o paciente a processo penal;
l) O sigilo profissional só pode ser revelado por motivo justo, dever
legal ou consentimento por escrito do paciente;
m) Proíbe o médico de fazer referências a casos clínicos identificáveis,
exibir pacientes ou fotos em anúncios ou divulgação de assuntos
médicos nos meios de comunicação em geral, mesmo com
autorização dos pacientes;
n) Regulamenta o prontuário médico quanto à forma, à guarda e ao
fornecimento de cópias;
o) Veda a realização de exames médico-periciais de corpo de delito em
seres humanos em delegacias de polícia, unidades militares, casas de
detenção e presídios;
p) O médico perito ou auditor não pode ter sua remuneração ou
gratificação vinculada à glosa ou ao sucesso da causa;
q) Para que as pesquisas possam ser com crianças, adolescentes,
pessoas com transtorno ou doença mental, em situação de diminuição
de sua capacidade de discernir, além do consentimento do
responsável legal, é necessário o assentimento do indivíduo na medida
de sua compreensão;
r) Veda o uso de placebo isolado nas pesquisas envolvendo seres
humanos quando houver tratamento eficaz e efetivo para a doença
pesquisada;
s) O médico nas pesquisas deve zelar pela veracidade, clareza e
imparcialidade, assim como declarar conflitos de interesse com relação
a indústrias de remédios, próteses, equipamentos etc.;
t) Os anúncios médicos devem conter o número da inscrição no CRM e
o estado da Federação em qual foi inscrito o Registro de Qualificação
de Especialista (RQE) quando anunciar a especialidade.

Há a suspensão cautelar do exercício profissional nos casos de faltas


graves, para evitar danos irreparáveis ao paciente e à sociedade.
11.6 TÓPICOS RELACIONADOS AO CEM
11.6.1 Alta médica
O médico pode negar-se a conceder alta a paciente sob seus cuidados
quando considerar que isso possa acarretar-lhe risco de morte. Se o
paciente, os responsáveis ou os familiares tomarem a decisão de
transferência, deverão responsabilizar-se pelo ato por escrito. Nesse
caso, o médico também tem o direito de passar a assistência que
vinha prestando para outro profissional indicado, ou aceito pelo
paciente, ou pela família, documentando as razões da medida. A
decisão sobre a alta é técnica, ou seja, só o médico pode manifestar-
se tecnicamente sobre a necessidade ou não de o paciente
permanecer internado; portanto, o termo “alta a pedido” não tem
qualquer relação com o julgamento técnico do médico, sendo apenas
um ato administrativo.
Ao médico compete fazer o que julgar melhor para assistir o
paciente. Porém, esse poder é limitado e se subordina à aceitação
deste, se tiver capacidade de autodeterminar-se ou de alguém que
possa falar por ele – por consanguinidade ou delegações legítimas
de outra natureza, inclusive as constituídas por decisão judicial. O
Código Civil traz no Art. 15 o seguinte preceito legal: “ninguém pode
ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento
médico ou a intervenção cirúrgica”, que vai ao encontro do princípio
da autonomia da vontade do paciente.
A questão da alta a pedido deve ser bem discutida, pois no dia a dia
vemos essa situação com frequência e não nos atentamos que, do
ponto de vista do julgamento técnico do médico, ela não tem valor na
avaliação, sendo considerada um problema muito comum na vida
médica.
11.6.2 Abandono do paciente
Iniciado o tratamento, o médico não pode abandonar o paciente, a
menos que tenham ocorrido fatos que comprometam a relação entre
ambos e o desempenho profissional. Nesse caso, o paciente (ou o
responsável) deve ser informado. O médico, por sua vez, deve expor
os motivos do desligamento e assegurar-se de que haverá
continuidade na assistência prestada, sem prejuízo ao tratamento.
11.6.3 Exames compulsórios
Compõem-se de teste sorológico ou outros exames (para HIV ou
outro exame qualquer).
O exame anti-HIV deve ser voluntário, após informações completas
e adequadas ao paciente quanto à finalidade.
O paciente que se recusa a ser testado não deve ter prejuízos em sua
assistência em decorrência de tal decisão.
O CFM decidiu que é vedada a realização compulsória de sorologia
para HIV, em especial como condição necessária a internamento
hospitalar, pré-operatório, ou exames pré-admissionais ou
periódicos e, ainda, em estabelecimentos prisionais.
11.6.4 Terapias alternativas
O CEM veda ao médico “usar experimentalmente qualquer tipo de
terapêutica ainda não liberada para uso no país, sem a devida
autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do
paciente ou do responsável legal, devidamente informados da
situação e das possíveis consequências”.
11.6.5 Sigilo profissional
Este é um tema bastante abordado no CEM no Capítulo IX, bem como
no Código Penal Brasileiro.
O médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de
que tem conhecimento no desempenho de suas funções. O mesmo se
aplica ao trabalho em empresas, exceto nos casos em que seu
silêncio prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador ou da
comunidade.
Art. 154 do Código Penal: “revelar a alguém, sem justa causa,
segredo de que tem ciência em razão de função de ministério, ofício
ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. A pena
compreende detenção de 3 meses a 1 ano ou multa.
11.6.5.1 Código de Processo Penal

Art. 207: “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de


função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo,
salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu
testemunho”.
11.6.5.2 Código de Processo Civil

Art. 407: “a testemunha não é obrigada a depor de fatos: II – a cujo


respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo”
11.6.5.3 Quebra do sigilo

A quebra do sigilo profissional pode ocorrer em 3 situações: motivo


justo, dever legal ou consentimento por escrito do paciente.
O sigilo profissional deve ser rigorosamente respeitado. Isso se
aplica, inclusive, aos casos em que o paciente deseja que a condição
não seja revelada sequer aos familiares, persistindo a proibição de
quebra de sigilo mesmo após a sua morte. No caso de possível
contaminação de um terceiro (por exemplo, parceiro sexual) em uma
infecção sexualmente transmissível, como HIV, podemos configurar
motivo justo e revelar ao contactuante.
O médico que presta serviços a uma empresa está proibido de revelar
o diagnóstico do funcionário ou candidato a emprego, inclusive ao
empregador e à seção de pessoal da empresa, cabendo-lhe informar,
exclusivamente, quanto à capacidade ou não de exercer determinada
função.
O dever legal da quebra do sigilo profissional está previsto em lei
como nos casos das doenças de notificação compulsória, declaração
de óbito, casos de morte encefálica (Lei de Transplantes), maus-
tratos contra a criança e o adolescente (Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA), doenças e acidentes relacionados ao trabalho,
maus-tratos contra idosos (Estatuto do Idoso) e violência contra a
mulher (Lei nº 10.778/03).
A quebra de sigilo profissional pode ocorrer por
motivo justo, consentimento por escrito do
paciente e por dever legal, sendo esses temas
importantes para a sua preparação.

11.6.6 Responsabilidade médica


O médico deve ser responsável por todos os seus atos nas esferas
ética, administrativa, cível e criminal, principalmente ao realizar
atos médicos e assinar documentos médicos. Apesar de a assinatura
ser atividade rotineira em sua vida, o profissional não pode se
esquecer da responsabilidade que ele assume com esse ato: um
atestado, uma receita ou um laudo.
O CEM traz que a responsabilidade profissional nunca é presumida,
portanto deve ser provada dentre uma das modalidades de culpa
(imperícia, imprudência ou negligência). A atuação profissional do
médico não caracteriza relação de consumo. Exceção se faz aos
procedimentos estéticos (cirurgias plásticas, por exemplo).
11.6.7 Documentos médicos
Os aspectos éticos e legais, como sigilo médico e responsabilidade
médica, também se aplicam aos documentos médicos, porém a
Constituição de 1988 permite o habeas data, que é o direito de saber
ou ter conhecimento das informações relativas à pessoa que busca as
informações.
Entende-se por documento qualquer base de conhecimento fixada
materialmente e disposta de maneira que se possa utilizar para
consulta, estudo, prova etc. Nessa definição, documentos médicos
são todos aqueles diariamente elaborados e guardados pelo médico.
Os aspectos éticos e legais são muito importantes e devem ser
lembrados, dentre os quais se destacam o sigilo médico e a
responsabilidade médica.
As fichas clínicas, os arquivos ou os prontuários médicos constituem
elemento fundamental para a prática clínica cotidiana, pois neles
estão guardadas todas as informações sobre os pacientes. São,
portanto, documentos sigilosos, e todo cuidado tem de ser tomado
para que o seu conteúdo não seja revelado por todos que os
manuseiam. Convém lembrar que a Constituição de 1988 prevê o
habeas data, isto é, o direito de conhecer os elementos relativos à sua
pessoa que constem de registros ou banco de dados.
11.6.7.1 Fichas clínicas

As fichas clínicas são documentos cujas responsabilidades de redigir


e de arquivar são do médico. A utilização é exclusiva deste em nova
consulta, em pesquisa clínica, ou para atestar fatos verificados no
atendimento clínico. São documentos decorrentes, diretamente, da
relação médico-paciente, portanto, em caso de falecimento do
médico, devem ser destruídos ou devolvidos ao paciente.
11.6.7.2 Prontuário clínico

Prontuário clínico é o registro feito pelo(s) médico(s) dos


comemorativos do paciente, de um hospital, de uma clínica ou de
grupos de médicos. Estes, diferentemente do consultório particular,
são centralizados na instituição, e esta é a responsável pela sua
guarda. É o conjunto de documentos padronizados, destinados ao
registro da assistência prestada ao paciente desde a sua matrícula
até a sua alta. O médico incorrerá em falta ética grave se deixar de
elaborá-lo.
Atualmente, com a grande quantidade de informações anexadas a tal
registro, muitas instituições se utilizam de registros informatizados,
os quais devem seguir as diretrizes gerais de confidencialidade e
armazenagem.
11.6.7.3 Receituários e prescrições médicas
São documentos de que constam os medicamentos utilizados em
determinado quadro, como devem ser ministrados, diretrizes de
dietas e orientações gerais ao paciente.
O receituário comum deve ter um cabeçalho de que constem os dados
da instituição e do médico, o endereço, o número de inscrição no
CRM etc.
A Lei 13.732, publicada no dia 9 de novembro de 2018 que entrou em
vigor no dia 7 de fevereiro de 2019 determina que todos os
receituários médicos (inclusive os de medicamentos sujeitos à
controle especial) tem validade nacional, facilitando a compra de
medicamentos com receita em qualquer estado ou no Distrito
Federal, sem depender do local em que foi emitida.
1. Receituários especiais, receita A (amarela) e receita B (azul):
Além dos itens constantes do receituário comum, o receituário especial
deve ser feito em 2 vias carbonadas, devendo constar nome e
endereço do paciente, e a sua utilização é limitada a 5 ampolas ou o
necessário a 60 dias de tratamento, para outras formas de
apresentação. Podem ser prescritos até 3 medicamentos nesta receita.
A receita A, impressa na cor amarela, é fornecida por autoridade
sanitária local (Vigilância Sanitária), pessoalmente aos profissionais
habilitados, e pode conter até 5 ampolas ou o equivalente a 30 dias de
tratamento em caso de outras formas de apresentação. A receita B, na
cor azul, é impressa pelo próprio médico ou instituição segundo
modelo padronizado, e sua numeração de controle é fornecida pela
autoridade sanitária local. Nela poderão ser prescritas até 5 ampolas
injetáveis ou o equivalente a 30 dias de tratamento, para outras formas
de apresentação. Em linhas gerais, os medicamentos entorpecentes
são controlados via receituário amarelo (morfina, por exemplo), e os
psicotrópicos, via receituário azul (como benzodiazepínicos).

11.6.7.4 Atestados médicos

O atestado corresponde à afirmação simples e por escrito de um fato


médico e suas consequências. É sempre de muita responsabilidade,
não importando a sua finalidade e incorrendo nas penas da lei.
Assim, de acordo com o Código Penal, fica vedado ao médico:
Art. 302: “dar o médico, no exercício de sua profissão, atestado
falso”. A pena compreende detenção de 1 mês a 1 ano.
O CEM prevê no Art. 80 que é vedado ao médico “expedir documento
médico sem ter praticado ato profissional que o justificasse, que seja
tendencioso ou que não corresponda à verdade”. Classificação
1. Idôneo: expedido pelo profissional habilitado, e o seu conteúdo
expressa a veracidade do ato;
2. Gracioso: fornecido sem a prática do ato profissional que o
justifique, não importando se gratuitamente ou pago, ou ainda por
“caridade, humanidade, amizade, motivos políticos”. É sempre antiético
e pode transformar-se em imprudente ou falso;
3. Imprudente: fornecido por um médico particular para fins
administrativos, sabendo-se que a empresa ou repartição têm serviço
médico próprio;
4. Falso: aquele que, na sua expressão, falta com a verdade,
dolosamente. É crime previsto no Código Penal como falsidade
ideológica.

11.6.7.5 Boletim médico

Consiste em um pequeno escrito noticioso no qual o médico presta


informações sobre a situação de saúde do paciente. Neste tópico, é
fundamental ressaltar os artigos do CEM que regem sobre a
revelação do sigilo médico, sendo a revelação do estado de saúde de
imprescindível autorização do paciente ou seu responsável legal.
11.6.7.6 Notificações compulsórias

São comunicações compulsórias feitas pelos médicos às autoridades


competentes de um fato profissional, por necessidade social ou
sanitária, como acidente do trabalho, doenças infectocontagiosas,
uso habitual de substâncias entorpecentes ou crime de ação pública,
de que tiverem conhecimento, e que não exponham o cliente a
procedimento criminal. O não cumprimento desses dispositivos
incorre em infração ética e penal do profissional passível de punição.
11.6.7.7 Parecer médico

É a resposta à consulta feita por interessado a um ou mais médicos, à


comissão de profissionais ou à sociedade científica sobre fatos
referentes à questão a ser estabelecida. Sua resposta visa apresentar
fundamentos legais e éticos para uma conclusão que tenta esclarecer
as dúvidas em questão.
11.6.7.8 Perícia e relatório médico-legal

A perícia médico-legal é toda sindicância promovida por autoridade


policial ou judiciária na qual a natureza do exame prescinde de
realização por médico.
O Relatório Médico-Legal expressa todas as operações de uma
perícia médica. Receberá o nome de auto quando ditado ao escrivão
logo após o exame ou laudo caso seja redigido pelo próprio perito.
Dele devem constar preâmbulo, quesitos, histórico, descrição,
discussão, conclusões e respostas aos quesitos solicitados.
11.6.8 Normas de publicidade médica
Conforme a Resolução CFM 1.974/11, que estabelece os critérios
norteadores da propaganda em Medicina, os anúncios médicos
devem conter dados referentes à inscrição do profissional no CRM.
Só pode ser anunciada especialidade reconhecida pelo CRM por
médicos registrados no quadro de especialistas do órgão. Por ocasião
de entrevistas, comunicações, publicações de artigos e informações
ao público, o médico deve evitar a autopromoção e o
sensacionalismo.
Os boletins médicos devem ser elaborados de modo sóbrio,
impessoal e verídico, rigorosamente fiel ao segredo médico.
É proibido ao médico anunciar cura de determinadas doenças para as
quais não haja tratamento próprio, exercício de mais de 2
especialidades, consultas por meio de correspondência, imprensa,
caixa postal, rádio ou processos análogos, prestação de serviços
gratuitos em consultórios particulares e especialidade ainda não
reconhecida pelo respectivo ensino profissional.
Com a diversificação das redes sociais, houve a necessidade de
alterações na Resolução para atender essa demanda. Assim, a
Resolução CFM 2.126/15 e a Resolução 2.133/15 atualizam a questão.
O Quadro 11.4 apresenta um resumo dos pontos necessários para
publicidade nas redes sociais.
Quadro 11.4– Publicidade médica nas redes sociais
11.6.9 Reprodução humana assistida
No Brasil, até a presente data, não há legislação específica a respeito
da reprodução assistida (RA). Tramitam no Congresso Nacional, há
anos, diversos projetos a respeito do assunto, mas nenhum deles
chegou a termo.
Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da
aplicação da RA são detalhadamente expostos na Resolução CFM
2.168/2017.
1. Princípios gerais:
a) As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de
auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana,
facilitando o processo de procriação;
b) As técnicas de RA podem ser utilizadas na preservação social
e/ou oncológica de gametas, embriões e tecidos germinativos;
c) As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista
probabilidade de sucesso e não se incorra em risco grave de
saúde para o(a) paciente ou o possível descendente;
d) §1ºA idade máxima das candidatas à gestação por técnicas de
RA é de 50 anos;
e) §2ºAs exceções a esse limite serão aceitas baseadas em
critérios técnicos e científicos fundamentados pelo médico
responsável quanto à ausência de comorbidades da mulher e
após esclarecimento ao(s) candidato(s) quanto aos riscos
envolvidos para a paciente e para os descendentes
eventualmente gerados a partir da intervenção, respeitando-se a
autonomia da paciente;
f) O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para todos
os pacientes submetidos às técnicas de RA. Os aspectos médicos
envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma
técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os
resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica
proposta. As informações devem também atingir dados de caráter
biológico, jurídico e ético. O documento de consentimento livre e
esclarecido será elaborado em formulário especial e estará
completo com a concordância, por escrito, obtida a partir de
discussão bilateral entre as pessoas envolvidas nas técnicas de
reprodução assistida;
g) As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de
selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou
qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto para
evitar doenças no possível descendente;
h) É proibida a fecundação de oócitos humanos com qualquer
outra finalidade que não a procriação humana;
i) Quanto ao número de embriões a serem transferidos, fazem-se
as seguintes determinações de acordo com a idade:
Mulheres até 35 anos: até 2 embriões;
Mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões;
Mulheres com 40 anos ou mais: até 4 embriões;
Nas situações de doação de oócitos e embriões, considera-
se a idade da doadora no momento da coleta dos oócitos. O
número de embriões a serem transferidos não pode ser
superior a quatro.
j) Em caso de gravidez múltipla decorrente do uso de técnicas de
RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução
embrionária.
2. Pacientes das técnicas de reprodução assistida:
a) Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o
procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta
resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA, desde que
os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente
esclarecidos, conforme legislação vigente;
b) É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos
homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito a objeção
de consciência por parte do médico;
c) É permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva
feminina em que não exista infertilidade. Considera-se gestação
compartilhada a situação em que o embrião obtido a partir da
fecundação do(s) oócito(s) de uma mulher é transferido para o
útero de sua parceira.
3. Referente a clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas
de reprodução assistida: as clínicas, centros ou serviços que aplicam
técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças
infectocontagiosas, pela coleta, pelo manuseio, pela conservação, pela
distribuição, pela transferência e pelo descarte de material biológico
humano dos pacientes das técnicas de RA. Devem apresentar como
requisitos mínimos:
a) Um diretor técnico (obrigatoriamente um médico registrado no
Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição) com registro de
especialista em áreas de interface com a RA, que será
responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais
executados;
b) Um registro permanente (obtido por meio de informações
observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações,
dos nascimentos e das malformações de fetos ou recém-nascidos
provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade
em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na
manipulação de gametas e embriões;
c) Um registro permanente dos exames laboratoriais a que são
submetidos os pacientes, com a finalidade precípua de evitar a
transmissão de doenças;
d) Os registros deverão estar disponíveis para fiscalização dos
Conselhos Regionais de Medicina.
4. Doação de gametas ou embriões:
a) A doação não poderá ter caráter lucrativo ou comercial;
b) Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores
e vice-versa;
c) A idade limite para a doação de gametas é de 35 anos para a
mulher e de 50 anos para o homem;
d) Será mantido, obrigatoriamente, sigilo sobre a identidade dos
doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em
situações especiais, informações sobre os doadores, por
motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para
médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a);
e) As clínicas, centros ou serviços onde são feitas as doações
devem manter, de forma permanente, um registro com dados
clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma
amostra de material celular dos doadores, de acordo com
legislação vigente;
f) Na região de localização da unidade, o registro dos
nascimentos evitará que um(a) doador(a) tenha produzido mais
de duas gestações de crianças de sexos diferentes em uma área
de um milhão de habitantes. Um(a) mesmo(a) doador(a) poderá
contribuir com quantas gestações forem desejadas, desde que
em uma mesma família receptora;
g) A escolha das doadoras de oócitos é de responsabilidade do
médico assistente. Dentro do possível, deverá garantir que a
doadora tenha a maior semelhança fenotípica com a receptora;
h) Não será permitido aos médicos, funcionários e demais
integrantes da equipe multidisciplinar das clínicas, unidades ou
serviços participar como doadores nos programas de RA;
i) É permitida a doação voluntária de gametas, bem como a
situação identificada como doação compartilhada de oócitos em
RA, em que doadora e receptora, participando como portadoras
de problemas de reprodução, compartilham tanto do material
biológico quanto dos custos financeiros que envolvem o
procedimento de RA. A doadora tem preferência sobre o material
biológico que será produzido
5. Criopreservação de gametas ou embriões:
a) As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar
espermatozoides, oócitos, embriões e tecidos gonádicos;
b) O número total de embriões gerados em laboratório será
comunicado aos pacientes para que decidam quantos embriões
serão transferidos a fresco, conforme determina esta Resolução.
Os excedentes, viáveis, devem ser criopreservados;
c) No momento da criopreservação, os pacientes devem
manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado
aos embriões criopreservados em caso de divórcio ou dissolução
de união estável, doenças graves ou falecimento de um deles ou
de ambos, e quando desejam doá-los;
d) Os embriões criopreservados com três anos ou mais poderão
ser descartados se esta for a vontade expressados pacientes;
e) Os embriões criopreservados e abandonados por três anos ou
mais poderão ser descartados. Parágrafo único: Embrião
abandonado é aquele em que os responsáveis descumpriram o
contrato pré-estabelecido e não foram localizados pela clínica.
6. Diagnóstico genético pré-implantação de embriões:
a) As técnicas de RA podem ser aplicadas à seleção de embriões
submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de
doenças –podendo nesses casos ser doados para pesquisa ou
descartados, conforme a decisão do(s) paciente(s) devidamente
documentada em consentimento informado livre e esclarecido
específico.
b) As técnicas de RA também podem ser utilizadas para tipagem
do sistema HLA do embrião, no intuito de selecionar embriões
HLA-compatíveis com algum irmão já afetado pela doença e cujo
tratamento efetivo seja o transplante de células-tronco, de acordo
com a legislação vigente.
c) O tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será
de até 14 dias.
7. Sobre a gestação de substituição (cessão temporária do útero):
as clínicas, centros ou serviços de reprodução assistida podem usar
técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de
substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou
contraindique a gestação na doadora genética, em união homoafetiva
ou pessoa solteira;
a) A cedente temporária do útero deve pertencer à família de um
dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau
(primeiro grau –mãe/filha; segundo grau –avó/irmã; terceiro grau –
tia/sobrinha; quarto grau –prima). Demais casos estão sujeitos à
autorização do Conselho Regional de Medicina;
b) A cessão temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo
ou comercial;
c) Nas clínicas de reprodução assistida, os seguintes documentos
e observações deverão constar no prontuário da paciente:
Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos
pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando
aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo
gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação;
Relatório médico com o perfil psicológico, atestando
adequação clínica e emocional de todos os envolvidos;
Termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente
temporária do útero (que receberá o embrião em seu útero),
estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;
Compromisso, por parte do(s) paciente(s) contratante(s) de
serviços de RA, de tratamento e acompanhamento médico,
inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à
mãe que cederá temporariamente o útero, até o puerpério;
Compromisso do registro civil da criança pelos pacientes
(pai, mãe ou pais genéticos), devendo esta documentação
ser providenciada durante a gravidez;
Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por
escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver
em união estável.
8. Reprodução assistida post mortem:

É permitida a RA post mortem desde que haja autorização prévia


específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico
criopreservado, de acordo com a legislação vigente.
11.7 CÓDIGO DE PROCESSO ÉTICO-
PROFISSIONAL (RESOLUÇÃO CFM
2.145/16)
Assim como no Direito, os processos administrativos contra médicos
devem seguir uma norma estabelecida e amplamente divulgada, na
qual se destaca o direito fundamental da ampla defesa do acusado.
Os processos ético-profissionais são regidos pelo CEM, e a
competência para julgar infrações éticas será do Conselho Regional
de Medicina em que o médico estiver inscrito ao tempo da ocorrência
do fato punível.
Contudo, a competência para instaurar sindicância, analisar seu
relatório e, se for necessário instaurar o processo ético-profissional
e a sua instrução é do CRM onde o fato punível ocorreu, ainda que o
médico não possua inscrição na respectiva circunscrição ou tenha
transferido para outro CRM.
O processo ético-profissional se regerá pelo Código de Processo
Ético-Profissional (CPEP) e tramita em sigilo processual. A
competência para julgar infrações éticas será do CRM em que o
médico estiver inscrito. No caso de a infração ética ter ocorrido em
local onde o médico não tenha inscrição, a apuração será realizada
onde ocorreu o fato.
A sindicância é um procedimento informativo com o objetivo de
verificar a ocorrência de uma infração ética. Pode ter início a partir
de uma denúncia escrita ou tomada a termo da qual constem o relato
dos fatos e a identificação completa do denunciante. O CRM pode
instaurar a sindicância de ofício (ex o cio) por sua própria
deliberação, ao tomar conhecimento de denúncia formulada por
conselheiro. As Comissões de Ética Médica, Delegacias Regionais ou
Representações poderão instaurar sindicância quando tiverem
ciência do fato com supostos indícios de infração ética. Concluída a
sindicância, é elaborado um relatório a ser apresentado ao
presidente do Conselho, que designará a inclusão em pauta de Sessão
Plenária para apreciação do fato. Do julgamento do relatório da
sindicância pode resultar arquivamento da denúncia ou instauração
de processo ético-profissional.
O processo ético-profissional segue um rito processual
determinado:
a) O denunciado receberá notificação para apresentar defesa prévia
com rol de testemunhas no prazo de 30 dias. Se o denunciado não for
encontrado ou for revel, o presidente do Conselho designará defensor
dativo;
b) O conselheiro instrutor poderá determinar diligências que julgar
necessárias;
c) Concluída a instrução, será aberto prazo de 15 dias para a
apresentação das razões finais;
d) O conselheiro instrutor proferirá relatório circunstanciado, que será
encaminhado ao presidente do CRM;
e) Depoimento do denunciante;
f) Oitiva (depoimento) de testemunhas;
g) Depoimento do denunciado;
h) O presidente do Conselho, após o recebimento do processo
devidamente instruído, designará o conselheiro relator e o revisor que
elaborarão relatórios;
i) Sessão de Câmara para julgamento. Após as exposições efetuadas
pelo relator e revisor, o presidente dará a palavra ao denunciante e ao
denunciado, por 10 minutos para sustentação oral. Depois, há a
votação; proferidos os votos, o presidente anuncia o resultado do
julgamento, e, posteriormente, é elaborado o acórdão. O julgamento
disciplinar será a portas fechadas, permitida a presença das partes e
dos seus procuradores;
j) Das decisões da Câmara, cabe recurso ao CFM.

Transitada em julgado a sentença, isto é, quando não couber mais


recursos, as penalidades impostas serão executadas pelos CRMs e
pelo CFM.
As penas disciplinares aplicáveis aos infratores de ética profissional
estão previstas no Art. 22 da Lei Federal nº 3.268, de 30 de setembro
de 1957, e são:
a) Advertência confidencial, em aviso reservado;
b) Censura confidencial, em aviso reservado;
c) Censura pública em publicação oficial;
d) Suspensão do exercício profissional, por até 30 dias;
e) Cassação do exercício profissional.

11.8 ATO MÉDICO


Ato médico, ou ato profissional de médico, é a ação ou o
procedimento profissional praticado por um médico com os
objetivos gerais de prestar assistência médica, investigar as
enfermidades ou a condição de enfermo ou ensinar disciplinas
médicas. Toda ação ou procedimento deve estar voltado para a
melhoria do bem-estar das pessoas, a profilaxia ou o diagnóstico de
enfermidades, a terapêutica ou a reabilitação de enfermos. O ato
médico deve ser exercido sempre de boa fé e em benefício de quem
dele necessita.
O exercício é função privativa de quem é formado em Medicina em
estabelecimento educacional oficial ou oficialmente reconhecido.
Exige-se também a inscrição no CRM da região de exercício
profissional. Os atos médicos podem ser privativos de profissional
médico ou compartilhados com outros profissionais.
Temos duas características essenciais da atividade médica que a
diferenciam das demais atividades: a vulnerabilidade do paciente
diante do médico e a incerteza deste perante as medidas
terapêuticas, que o caracterizam como profissional responsável pelo
empenho, e não pelo resultado que elas alcançam.
A Medicina deve lidar com 2 complexidades: a do seu objeto (as
enfermidades, os seres humanos e as interações entre eles) e a dos
seus recursos e dos métodos diagnósticos e terapêuticos utilizados.
A relação médico-paciente tem 3 aspectos fundamentais:
a) Uma relação socioeconômica, pois todo ato profissional presume a
existência de um contrato de prestação de serviço (explícito ou não);
b) Uma relação técnico-científica, pois todo ato médico deve ser uma
atividade cientificamente fundamentada;
c) Uma relação intersubjetiva de ajuda, entre alguém que dela
necessita e alguém que pode oferecê-la.

A Medicina tem 5 funções sociais: assistência aos enfermos,


pesquisa sobre as doenças e sobre os doentes, ensino das matérias
médicas, exercício da perícia e supervisão das auditorias técnicas
médicas.
O CFM, na Resolução 1.627/2001, definiu o ato médico como “todo e
qualquer procedimento técnico-profissional praticado por médico
legalmente habilitado e dirigido para:
a) A promoção da saúde e a prevenção da ocorrência de enfermidades
ou profilaxia (prevenção primária);
b) A prevenção da evolução das enfermidades ou a execução de
procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária);
c) A prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos (prevenção
terciária).”
Em 2013, a então presidente Dilma Rousse sancionou, com 10
vetos, a lei que disciplina o exercício da Medicina no país. A questão
mais polêmica, referente à responsabilidade pela formulação do
diagnóstico e pela prescrição terapêutica, foi vetada pela presidente
com a justificativa de evitar prejudicar inúmeros programas do
Sistema Único de Saúde. A norma determina que são privativas do
médico atividades como indicação e execução de intervenção
cirúrgica, sedação profunda e procedimentos invasivos (terapêuticos
ou estéticos), como biópsias, endoscopias e acessos vasculares
profundos. Também são privativos do médico perícia e auditoria
médicas, ensino de disciplinas especificamente médicas e
coordenação dos cursos de graduação em Medicina, dos programas
de Residência Médica e dos cursos de pós-graduação específicos
para médicos. A direção administrativa de serviços de saúde, porém,
pode ser exercida por outro profissional.
Os vetos permitem que a aplicação de injeção, sucção, punção e
drenagem sejam feitas por outros profissionais, bem como a
“invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou
abrasivos” (peeling facial, por exemplo). A justificativa é que o
projeto de lei transformaria a prática da acupuntura em privativa dos
médicos, o que iria contra a Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde. Além
disso, outros profissionais de saúde podem formular o diagnóstico e
a respectiva prescrição terapêutica, além de indicar o uso de órteses
e próteses e de prescrever órteses e próteses oftalmológicas.
Os vetos presidenciais sancionados em 2013
para a lei que disciplina o exercício da Medicina
no país preveem que outros profissionais de
saúde formulem o diagnóstico e a respectiva
prescrição terapêutica.
11.9 PROGRAMA NACIONAL DE
SEGURANÇA DO PACIENTE
Hipócrates (460 a 370 a.C.) cunhou o postulado primum non nocere,
que significa “primeiro não cause dano”. O pai da Medicina tinha a
noção, desde aquela época, de que o cuidado poderia causar algum
tipo de dano.
A partir da divulgação do relatório To Err is Human, do Institute of
Medicine, o tema segurança do paciente ganhou relevância. Esse
relatório se baseou em 2 pesquisas de avaliação da incidência de
Eventos Adversos (EAs) em revisões retrospectivas de prontuários,
realizadas em hospitais de Nova York, Utah e Colorado. Nessas
pesquisas, o termo EA foi definido como dano causado pelo cuidado
à saúde e não pela doença de base, que prolongou o tempo de
permanência do paciente ou resultou em incapacidade presente no
momento da alta. O relatório apontou que cerca de 100 mil pessoas
morreram em hospitais a cada ano vítimas de EAs nos Estados
Unidos e que estes eventos representavam, além do dano para as
pessoas, grave prejuízo financeiro. No Reino Unido e na Irlanda do
Norte, o prolongamento do tempo de permanência no hospital
devido aos EAs custou cerca de 2 bilhões de libras ao ano, e o gasto
do Sistema Nacional de Saúde com questões litigiosas associadas a
EAs foi de 400 milhões de libras ao ano. Nos Estados Unidos, os
gastos anuais decorrentes de EAs foram estimados entre 17 e 29
bilhões de dólares anuais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2004, demonstrando
preocupação com a situação, criou a World Alliance for Patient
Safety. Os objetivos desse programa (que passou a chamar-se
Patient Safety Program) eram, entre outros, organizar os conceitos e
as definições sobre segurança do paciente e propor medidas para
reduzir riscos e mitigar os EAs. Dada a divergência entre as
definições de erro em saúde e EA, a OMS desenvolveu a Classificação
Internacional de Segurança do Paciente (International Classification
for Patient Safety – ICPS). O Centro Colaborador para a Qualidade do
Cuidado e a Segurança do Paciente traduziu os conceitos chave do
ICPS para a língua portuguesa. Vide, no Quadro 11.5, alguns desses
conceitos.
Quadro 11.5 - Alguns conceitos-chave da Classificação Internacional de Segurança do
Paciente da Organização
Fonte: Documento de referência para o Programa Nacional de Segurança do Paciente,
2014.

Neste contexto, por meio da Portaria MS/GM nº 529, de 1º de abril de


2013, foi instituído o Programa Nacional de Segurança do Paciente
(PNSP) e definido o Comitê de Implementação do Programa Nacional
de Segurança do Paciente – o CIPNSP, colegiado, de caráter
consultivo, para promover ações de melhoria da segurança do
cuidado em saúde.
O PNSP apresenta como:
1. Objetivo principal: contribuir para a qualificação do cuidado em
saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional,
quer sejam públicos, quer sejam privados.
2. Objetivos específicos:
a) Implantar a gestão de risco e os Núcleos de Segurança do
Paciente (NSPs) nos estabelecimentos de saúde;
b) Envolver os pacientes e familiares nas ações;
c) Ampliar o acesso da sociedade às informações;
d) Produzir, sistematizar e difundir conhecimentos;
e) Fomentar a inclusão do tema segurança do paciente no ensino
técnico e de graduação e pós-graduação na área da saúde.

O PNSP possui 4 eixos que serão detalhados a seguir. A cultura de


segurança do paciente é o elemento que perpassa todos esses eixos,
então a Portaria MS/GM 529/2013 dedicou espaço específico para
esse conceito:
a) Cultura na qual todos os trabalhadores, incluindo profissionais
envolvidos no cuidado e gestores, assumem responsabilidade pela sua
própria segurança, pela segurança de seus colegas, pacientes e
familiares;
b) Cultura que prioriza a segurança acima de metas financeiras e
operacionais;
c) Cultura que encoraja e recompensa a identificação, a notificação e a
resolução dos problemas relacionados à segurança;
d) Cultura que, a partir da ocorrência de incidentes, promove o
aprendizado organizacional;
e) Cultura que proporciona recursos, estrutura e responsabilização
para a manutenção efetiva da segurança.
O conceito de que o profissional de saúde não comete erros é muito
difundido na sociedade; porém, a partir do entendimento da
premissa de que “errar é humano”, defende-se que não se pode
organizar os serviços de saúde sem considerar que os profissionais
irão errar. Cabe ao sistema, contudo, criar mecanismos para evitar
que o erro atinja o paciente. Associadamente, o entendimento de que
os erros podem ser ativos (atos inseguros cometidos por quem está
em contato direto com o sistema, como uma troca de medicamento
no momento da administração) ou latentes (atos ou ações evitáveis
dentro do sistema, que surgem a partir da gestão, como a falta de
medicamento no hospital) justifica o modelo de “barreiras” para
impedir que o erro chegue ao paciente. Esse modelo pressupõe uma
abordagem sistêmica para gerenciar o erro ou a falha em camadas
(ou barreiras). As diversas barreiras que precisam ser atravessadas a
fim de que um erro chegue ao paciente podem ser: profissionais
atualizados, uso de protocolos clínicos, checklists cirúrgicos,
protocolos de higiene das mãos, dose unitária de medicamentos etc.
O princípio norteador dessa abordagem é de que os EAs não são
causados por pessoas más, e sim por sistemas que foram mal
desenhados e produzem resultados ruins, mudando o foco anterior
do erro do individual para os defeitos do sistema.
O PNSP possui 4 eixos principais (Figura 11.1).
Figura 11.1 - Eixos do Programa Nacional de Segurança do Paciente
Fonte: elaborado pelos autores.

De forma mais detalhada:


1. Eixo 1 – Estímulo a uma prática assistencial segura:
1.1 - Os protocolos:
A Portaria MS/GM 529/2013 estabelece que um conjunto de
protocolos básicos, definidos pela OMS, deve ser elaborado e
implantado: prática de higiene das mãos em estabelecimentos de
saúde; cirurgia segura; segurança na prescrição, uso e administração
de medicamentos; identificação de pacientes; comunicação no
ambiente dos estabelecimentos de saúde; prevenção de quedas;
úlceras por pressão; transferência de pacientes entre pontos de
cuidado; uso seguro de equipamentos e materiais.
1.2 - Planos (locais) de segurança do paciente dos estabelecimentos
de saúde:
São planos desenvolvidos pelos Núcleos de Segurança do Paciente
(NSP) nos estabelecimentos de Saúde. A Classificação Internacional
de Segurança do Paciente da OMS pretende fornecer uma
compreensão global do domínio da segurança do paciente. Tem
como objetivo representar um ciclo de aprendizagem e de melhoria
contínua, realçando a identificação, a prevenção, a detecção e a
redução do risco, a recuperação do incidente e a resiliência do
sistema.
Para a organização do plano, é importante conhecer os fatores
contribuintes, que são circunstâncias, ações ou influências que
desempenham um papel na origem ou no desenvolvimento de um
incidente ou no aumento do risco de incidente. Os fatores podem ser:
a) Humanos: relacionados ao profissional;
b) Sistêmicos: relacionados ao ambiente de trabalho;
c) Externos: relacionados a fatores fora da governabilidade do gestor;
d) Relacionados ao paciente: por exemplo, não adesão ao tratamento.

Conhecer e modificar o fator contribuinte de um incidente é uma


ação de prevenção primária.
Para a elaboração do plano de segurança do paciente dos
estabelecimentos de saúde, os NSPs deverão consultar os programas
de saúde do trabalhador/ocupacionais dos estabelecimentos de
saúde. Muitas das medidas que protegem o profissional da saúde
ajudam a proteger o paciente e vice-versa.
1.3 - Criação dos NSPs:
Os NSPs, previstos na Portaria MS/GM nº 529/2013 e na RDC nº
36/2013/Anvisa, são instâncias que devem ser criadas nos
estabelecimentos de saúde para promover e apoiar a implementação
de iniciativas voltadas à segurança do paciente. Os NSPs devem,
antes de tudo, atuar como articuladores e incentivadores das demais
instâncias do hospital que gerenciam riscos e ações de qualidade,
promovendo complementaridade e sinergias neste âmbito.
1.4 - Sistema de notificação de incidentes:
Para que um sistema de notificação de incidentes ser efetivo, são
necessárias as seguintes características:
a) Não punitivo;
b) Confidencial;
c) Independente (com dados analisados por organizações);
d) Resposta oportuna para os usuários do sistema;
e) Orientado para soluções dos problemas notificados;
f) As organizações participantes devem ser responsivas às mudanças
sugeridas.

No Brasil, a vigilância de EAs relacionados ao uso dos produtos que


estão sob a vigilância sanitária (incluindo o monitoramento do uso
desses produtos) objetiva a detecção precoce de problemas
relacionados a esse uso para desencadear as medidas pertinentes
para que o risco seja interrompido ou minimizado.
2. Eixo 2 – Envolvimento do cidadão na sua segurança:
Paciente pela Segurança do Paciente é um programa da OMS que
estabelece que haverá melhoria na segurança se os pacientes forem
colocados no centro dos cuidados e incluídos como parceiros. A visão
desse programa, segundo a OMS, é a de “um mundo em que os
pacientes devem ser tratados como parceiros nos esforços de
prevenir todo mal evitável em saúde”. Corresponsabilidade e
vínculos solidários são termos utilizados na Política Nacional de
Humanização e correspondem ao termo “parceria” utilizado no
Paciente pela Segurança do Paciente.
3. Eixo 3 – Inclusão do tema segurança do paciente no ensino:
Envolve a inclusão do tema no ensino técnico e de graduação, na
pós-graduação na área da Saúde e na educação permanente dos
profissionais de saúde.
4. Eixo 4 – Incremento de pesquisa em segurança do paciente:
O foco na investigação tem se concentrado em 5 componentes
(OMS):
a) Medir o dano;
b) Compreender as causas;
c) Identificar as soluções;
d) Avaliar o impacto;
e) Transpor a evidência em cuidados mais seguros.

O Ministério da Saúde desenvolve ações que visem à promoção da


segurança do paciente, por meio de medidas de educação e
divulgação das boas práticas para profissionais de saúde, pacientes e
acompanhantes e com ações preventivas, como a implementação
das 6 metas da OMS:
a) Identificar corretamente o paciente;
b) Melhorar a comunicação entre profissionais de saúde;
c) Melhorar a segurança na prescrição, no uso e na administração de
medicamentos;
) Assegurar cirurgia em local de intervenção, procedimento e paciente
corretos;
e) Higienizar as mãos para evitar infecções;
f) Reduzir o risco de quedas e úlceras por pressão.

O Ministério da Saúde, em parceria com os Hospitais Certificados de


Excelência, via Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Sistema
Único de Saúde (PROADI-SUS), realiza ações, por meio de projetos,
para implantação do PNSP, disseminação da cultura de segurança,
melhoria contínua de processos e implementação de boas práticas.
Os projetos fornecem apoio à implantação dos NSP; à construção dos
planos de segurança; à capacitação/qualificação de profissionais;
além de estímulo à promoção da cultura de segurança com ênfase no
aprendizado e aprimoramento organizacional; ao engajamento dos
profissionais na prevenção de incidentes, com ênfase em sistemas
seguros; à implementação de protocolos, guias e manuais de
segurança do paciente, além de estímulo a notificação dos EAs, com
análises dos EAs ocorridos.
Qual a importância de
existir um ramo da ética
dedicado à medicina e de
que forma ela é
normatizada na profissão
médica?
A profissão médica acontece de forma relacional: entre
médico e paciente, médico e outros médicos, médico e
profissionais de saúde e médico e sociedade. Esses diversos
encontros são sujeitos a ações com grandes impactos
individuais e sociais que precisam ser balizados por
normas a fim de garantir o melhor resultado e a segurança
dos envolvidos. Princípios éticos básicos, como autonomia,
beneficência e não maleficência são utilizados em cada
atendimento médico, como, por exemplo, na indicação de
um procedimento ou na prescrição de um tratamento. O
Código de Ética Médica, ao considerar as mudanças sociais,
jurídicas e científicas, apresenta-se como documento
norteador atualizado do exercício da profissão médica de
forma a garantir que os princípios éticos básicos sejam
preservados tanto para pacientes quanto para médicos. O
Programa Nacional de Segurança do Paciente propõe
medidas práticas para a não maleficência, e o Código de
Processo Ético Profissional indica as condutas corporativas
no caso de descumprimento das condutas éticas do CEM,
fechando todo o processo que envolve a ética na profissão
médica.
RESOLUÇÃO CFM Nº 2217/2018
Publicada no D.O.U. de 01 de novembro de 2018, Seção I, p.179.
MODIFICADA: Resolução CFM 2.222/2018 e Resolução CFM
2.226/2019
Aprova o Código de Ética Médica.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições
conferidas pela Lei 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada
pelo Decreto 44.045, de 19 de julho de 1958, modificado pelo Decreto
6.821, de 14 de abril de 2009 e pela Lei 11.000, de 15 de dezembro de
2004, e consubstanciado na Lei 6.838, de 29 de outubro de 1980, e na
Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999; e;
CONSIDERANDO que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo
julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e
trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito
desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da
profissão e dos que a exerçam legalmente;
CONSIDERANDO que as normas do Código de Ética Médica devem
submeter-se aos dispositivos constitucionais vigentes;
CONSIDERANDO a busca de melhor relacionamento com o paciente e
a garantia de maior autonomia à sua vontade;
CONSIDERANDO as propostas formuladas ao longo dos anos de 2016
a 2018 e pelos Conselhos Regionais de Medicina, pelas entidades
médicas, pelos médicos e por instituições científicas e universitárias
para a revisão do atual Código de Ética Médica;
CONSIDERANDO as decisões da III Conferência Nacional de Ética
Médica de 2018, que elaborou, com participação de delegados
médicos de todo o Brasil, um novo Código de Ética Médica revisado;
CONSIDERANDO o decidido pelo Conselho Pleno Nacional reunido
em 27 de setembro de 2018;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em sessão plenária de 27 de
setembro de 2018,
RESOLVE:
Art. 1º Aprovar o Código de Ética Médica anexo a esta Resolução,
após sua revisão e atualização.
Art. 2º O Conselho Federal de Medicina, sempre que necessário,
expedirá resoluções que complementem este Código de Ética Médica
e facilitem sua aplicação.
Art. 3º O Código anexo a esta Resolução entra em vigor cento e
oitenta dias após a data de sua publicação e, a partir daí, revoga-se o
Código de Ética Médica aprovado pela Resolução CFM nº 1.931/2009,
publicada no Diário Oficial da União no dia 13 de outubro de 2009,
Seção I, página 90, bem como as demais disposições em contrário.
Preâmbulo:
O presente Código de Ética Médica contém as normas que devem ser
seguidas pelos médicos no exercício de sua profissão, inclusive nas
atividades relativas a ensino, pesquisa e administração de serviços
de saúde, bem como em quaisquer outras que utilizem o
conhecimento advindo do estudo da medicina.
II – As organizações de prestação de serviços médicos estão sujeitas
às normas deste Código.
III – Para o exercício da medicina, impõe-se a inscrição no Conselho
Regional do respectivo estado, território ou Distrito Federal.
IV – A fim de garantir o acatamento e a cabal execução deste Código,
o médico comunicará ao Conselho Regional de Medicina, com
discrição e fundamento, fatos de que tenha conhecimento e que
caracterizem possível infração do presente Código e das demais
normas que regulam o exercício da medicina.
V – A fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas neste
Código é atribuição dos Conselhos de Medicina, das comissões de
ética e dos médicos em geral.
VI – Este Código de Ética Médica é composto de 26 princípios
fundamentais do exercício da medicina, 11 normas diceológicas, 117
normas deontológicas e quatro disposições gerais. A transgressão
das normas deontológicas sujeitará os infratores às penas
disciplinares previstas em lei
Capítulo I – Princípios fundamentais
I – A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e
da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma
natureza.
II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em
benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de
sua capacidade profissional.
III – Para exercer a medicina com honra e dignidade, o médico
necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma
justa.
IV – Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho
ético da medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da
profissão.
V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus
conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício
do paciente e da sociedade.
VI – O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará
sempre em seu benefício, mesmo depois da morte. Jamais utilizará
seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o
extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativas
contra sua dignidade e integridade.
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo
obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua
consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de
ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou
quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
VIII – O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob
nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem
permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a
eficiência e a correção de seu trabalho.
IX – A medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser
exercida como comércio.
X – O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com
objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa.
XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que
detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com
exceção dos casos previstos em lei.
XII – O médico empenhar-se-á pela melhor adequação do trabalho
ao ser humano, pela eliminação e pelo controle dos riscos à saúde
inerentes às atividades laborais.
XIII – O médico comunicará às autoridades competentes quaisquer
formas de deterioração do ecossistema, prejudiciais à saúde e à vida.
XIV – O médico empenhar-se-á em melhorar os padrões dos
serviços médicos e em assumir sua responsabilidade em relação à
saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde.
XV – O médico será solidário com os movimentos de defesa da
dignidade profissional, seja por remuneração digna e justa, seja por
condições de trabalho compatíveis com o exercício ético-
profissional da medicina e seu aprimoramento técnico-científico.
XVI – Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou
de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico,
dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o
estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento, salvo
quando em benefício do paciente.
XVII – As relações do médico com os demais profissionais devem
basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na independência de
cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente.
XVIII – O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e
solidariedade, sem se eximir de denunciar atos que contrariem os
postulados éticos.
XIX – O médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca
presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação
particular de confiança e executados com diligência, competência e
prudência.
XX – A natureza personalíssima da atuação profissional do médico
não caracteriza relação de consumo.
XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo
com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico
aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos
diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas
ao caso e cientificamente reconhecidas.
XXII – Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico
evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos
desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os
cuidados paliativos apropriados.
XXIII – Quando envolvido na produção de conhecimento científico,
o médico agirá com isenção, independência, veracidade e
honestidade, com vista ao maior benefício para os pacientes e para a
sociedade.
XXIV – Sempre que participar de pesquisas envolvendo seres
humanos ou qualquer animal, o médico respeitará as normas éticas
nacionais, bem como protegerá a vulnerabilidade dos sujeitos da
pesquisa.
XXV – Na aplicação dos conhecimentos criados pelas novas
tecnologias, considerando-se suas repercussões tanto nas gerações
presentes quanto nas futuras, o médico zelará para que as pessoas
não sejam discriminadas por nenhuma razão vinculada a herança
genética, protegendo-as em sua dignidade, identidade e integridade.
XXVI – A medicina será exercida com a utilização dos meios técnicos
e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados.
Capítulo II – Direitos dos médicos
É direito do médico
I – Exercer a medicina sem ser discriminado por questões de
religião, etnia, cor, sexo, orientação sexual, nacionalidade, idade,
condição social, opinião política, deficiência ou de qualquer outra
natureza.
II – Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as
práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação
vigente.
III – Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das
instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício
da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros,
devendo comunicá-las ao Conselho Regional de Medicina de sua
jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver.
IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou
privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam
prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais
profissionais. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior
brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de
Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição,
quando houver.
V – Suspender suas atividades, individualmente ou coletivamente,
quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não
oferecer condições adequadas para o exercício profissional ou não o
remunerar digna e justamente, ressalvadas as situações de urgência
e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao
Conselho Regional de Medicina.
VI – Internar e assistir seus pacientes em hospitais privados e
públicos com caráter filantrópico ou não, ainda que não faça parte do
seu corpo clínico, respeitadas as normas técnicas aprovadas pelo
Conselho Regional de Medicina da pertinente jurisdição.
VII – Requerer desagravo público ao Conselho Regional de Medicina
quando atingido no exercício de sua profissão.
VIII – Decidir, em qualquer circunstância, levando em consideração
sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser dedicado ao
paciente sem permitir que o acúmulo de encargos ou de consultas
venha prejudicar seu trabalho.
IX – Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por
lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.
X – Estabelecer seus honorários de forma justa e digna.
XI – É direito do médico com deficiência ou com doença, nos limites
de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a
profissão sem ser discriminado.
Capítulo III – Responsabilidade
profissional
É vedado ao médico
Art. 1º: Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável
como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A
responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.
Art. 2º: Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivas
da profissão médica.
Art. 3º: Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento
médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários
médicos tenham assistido o paciente.
Art. 4º: Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato
profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou
consentido pelo paciente ou por seu representante legal.
Art. 5º: Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou
ou do qual não participou.
Art. 6º: Atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias
ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente
comprovado.
Art. 7º: Deixar de atender em setores de urgência e emergência,
quando for de sua obrigação fazê-lo, mesmo respaldado por decisão
majoritária da categoria.
Art. 8º: Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo
temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do
atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave.
Art. 9º: Deixar de comparecer a plantão em horário preestabelecido
ou abandoná-lo sem a presença de substituto, salvo por justo
impedimento. Parágrafo único. Na ausência de médico plantonista
substituto, a direção técnica do estabelecimento de saúde deve
providenciar a substituição.
Art. 10º: Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a medicina
ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem
atos ilícitos.
Art. 11º: Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou
ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no
Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar
em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer
outros documentos médicos.
Art. 12º: Deixar de esclarecer o trabalhador sobre as condições de
trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato
aos empregadores responsáveis. Parágrafo único. Se o fato persistir,
é dever do médico comunicar o ocorrido às autoridades competentes
e ao Conselho Regional de Medicina.
Art. 13º: Deixar de esclarecer o paciente sobre as determinantes
sociais, ambientais ou profissionais de sua doença.
Art. 14º: Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou
proibidos pela legislação vigente no País.
Art. 15º: Descumprir legislação específica nos casos de transplantes
de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial,
abortamento, manipulação ou terapia genética.
§ 1ºNo caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não
deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões
supranumerários.
§ 2ºO médico não deve realizar a procriação medicamente assistida
com nenhum dos seguintes objetivos: I –criar seres humanos
geneticamente modificados; II –criar embriões para investigação;
III–criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou
para originar híbridos ou quimeras.
§ 3ºPraticar procedimento de procriação medicamente assistida sem
que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente
esclarecidos sobre o método.
Art. 16º: Intervir sobre o genoma humano com vista à sua
modificação, exceto na terapia gênica, excluindo-se qualquer ação
em células germinativas que resulte na modificação genética da
descendência.
Art. 17º: Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas
emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de
atender às suas requisições administrativas, intimações ou
notificações no prazo determinado.
Art. 18º: Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos
Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.
Art. 19º: Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função
de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas
para o desempenho ético-profissional da medicina.
Art. 20º: Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou
de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior
hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à
saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção,
diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente
reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade.
Art. 21º: Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou
infringir a legislação pertinente.
Capítulo IV – Direitos humanos
É vedado ao médico
Art. 22º: Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu
representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser
realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 23º: Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração,
desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou
sob qualquer pretexto. Parágrafo único. O médico deve ter para com
seus colegas respeito, consideração e solidariedade.
Art. 24º: Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de
decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como
exercer sua autoridade para limitá-lo.
Art. 25º: Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos
degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser
conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos,
substâncias ou conhecimentos que as facilitem.
Art. 26º: Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa,
considerada capaz física e mentalmente, em greve de fome, ou
alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das prováveis
complicações do jejum prolongado e, na hipótese de risco iminente
de morte, tratá-la.
Art. 27º: Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou
utilizar-se de meio que possa alterar sua personalidade ou sua
consciência em investigação policial ou de qualquer outra natureza.
Art. 28º: Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em
qualquer instituição na qual esteja recolhido, independentemente da
própria vontade. Parágrafo único. Caso ocorram quaisquer atos
lesivos à personalidade e à saúde física ou mental dos pacientes
confiados ao médico, este estará obrigado a denunciar o fato à
autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina.
Art. 29º: Participar, direta ou indiretamente, da execução de pena de
morte.
Art. 30º: Usar da profissão para corromper costumes, cometer ou
favorecer crime.
Capítulo V – Relação com pacientes e
familiares
É vedado ao médico
Art. 31º: Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante
legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas
ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Art. 32º: Deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de
saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças,
cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.
Art. 33º: Deixar de atender paciente que procure seus cuidados
profissionais em casos de urgência ou emergência quando não
houver outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.
Art. 34º: Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o
prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a
comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso,
fazer a comunicação a seu representante legal.
Art. 35º: Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico,
complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas,
consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos.
Art. 36º: Abandonar paciente sob seus cuidados.
§ 1°Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom
relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional,
o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que
comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal,
assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as
informações necessárias ao médico que o suceder.
§ 2°Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou à sua família,
o médico não o abandonará por este ter doença crônica ou incurável
e continuará a assisti-lo e a propiciar-lhe os cuidados necessários,
inclusive os paliativos.
Art. 37º: Prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame
direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e
impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso,
fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim
como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de
comunicação de massa.
§ 1º Oatendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina
ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho
Federal de Medicina.
§ 2º Ao utilizar mídias sociais e instrumentos correlatos, o médico
deve respeitar as normas elaboradas pelo Conselho Federal de
Medicina.
Art. 38º: Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados
profissionais.
Art. 39º: Opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião
solicitada pelo paciente ou por seu representante legal.
Art. 40º: Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-
paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de
qualquer outra natureza.
Art. 41º: Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de
seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença
incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados
paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração
a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, ade seu
representante legal.
Art. 42º: Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente
sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre
indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método.
Capítulo VI – Doação e transplante de
órgãos e tecidos
É vedado ao médico
Art. 43º: Participar do processo de diagnóstico da morte ou da
decisão de suspender meios artificiais para prolongar a vida do
possível doador, quando pertencente à equipe de transplante.
Art. 44º: Deixar de esclarecer o doador, o receptor ou seus
representantes legais sobre os riscos decorrentes de exames,
intervenções cirúrgicas e outros procedimentos nos casos de
transplante de órgãos.
Art. 45º: Retirar órgão de doador vivo quando este for juridicamente
incapaz, mesmo se houver autorização de seu representante legal,
exceto nos casos permitidos e regulamentados em lei.
Art. 46º: Participar direta ou indiretamente da comercialização de
órgãos ou de tecidos humanos.
Capítulo VII – Relação entre médicos
É vedado ao médico
Art. 47º: Usar de sua posição hierárquica para impedir, por motivo
de crença religiosa, convicção filosófica, política, interesse
econômico ou qualquer outro que não técnico-científico ou ético,
que as instalações e os demais recursos da instituição sob sua
direção sejam utilizados por outros médicos no exercício da
profissão, particularmente se forem os únicos existentes no local.
Art. 48º: Assumir emprego, cargo ou função para suceder médico
demitido ou afastado em represália à atitude de defesa de
movimentos legítimos da categoria ou da aplicação deste Código.
Art. 49º: Assumir condutas contrárias a movimentos legítimos da
categoria médica com a finalidade de obter vantagens.
Art. 50º: Acobertar erro ou conduta antiética de médico.
Art. 51º: Praticar concorrência desleal com outro médico.
Art. 52º: Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente,
determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia
ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o
paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico
responsável.
Art. 53º: Deixar de encaminhar o paciente que lhe foi enviado para
procedimento especializado de volta ao médico assistente e, na
ocasião, fornecer-lhe as devidas informações sobre o ocorrido no
período em que por ele se responsabilizou.
Art. 54º: Deixar de fornecer a outro médico informações sobre o
quadro clínico de paciente, desde que autorizado por este ou por seu
representante legal.
Art. 55º: Deixar de informar ao substituto o quadro clínico dos
pacientes sob sua responsabilidade ao ser substituído ao fim do seu
turno de trabalho.
Art. 56º: Utilizar-se de sua posição hierárquica para impedir que
seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos.
Art. 57º: Deixar de denunciar atos que contrariem os postulados
éticos à comissão de ética da instituição em que exerce seu trabalho
profissional e, se necessário, ao Conselho Regional de Medicina.
Capítulo VIII – Remuneração
profissional
É vedado ao médico
Art. 58º: O exercício mercantilista da medicina.
Art. 59º: Oferecer ou aceitar remuneração ou vantagens por paciente
encaminhado ou recebido, bem como por atendimentos não
prestados.
Art. 60º: Permitir a inclusão de nomes de profissionais que não
participaram do ato médico para efeito de cobrança de honorários.
Art. 61º: Deixar de ajustar previamente com o paciente o custo
estimado dos procedimentos.
Art. 62º: Subordinar os honorários ao resultado do tratamento ou à
cura do paciente.
Art. 63º: Explorar o trabalho de outro médico, isoladamente ou em
equipe, na condição de proprietário, sócio, dirigente ou gestor de
empresas ou instituições prestadoras de serviços médicos.
Art. 64º: Agenciar, aliciar ou desviar, por qualquer meio, para clínica
particular ou instituições de qualquer natureza, paciente atendido
pelo sistema público de saúde ou dele utilizar-se para a execução de
procedimentos médicos em sua clínica privada como forma de obter
vantagens pessoais.
Art. 65º: Cobrar honorários de paciente assistido em instituição que
se destinam à prestação de serviços públicos, ou receber
remuneração de paciente como complemento de salário ou de
honorários.
Art. 66º: Praticar dupla cobrança por ato médico realizado.
Parágrafo único. A complementação de honorários em serviço
privado pode ser cobrada quando prevista em contrato.
Art. 67º: Deixar de manter a integralidade do pagamento e permitir
descontos ou retenção de honorários, salvo os previstos em lei,
quando em função de direção ou de chefia.
Art. 68º: Exercer a profissão com interação ou dependência de
farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização
destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização
de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza.
Art. 69º: Exercer simultaneamente a medicina e a farmácia ou obter
vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela prescrição
e/ou comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou
implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência
direta em virtude de sua atividade profissional.
Art. 70º: Deixar de apresentar separadamente seus honorários
quando outros profissionais participarem do atendimento ao
paciente.
Art. 71º: Oferecer seus serviços profissionais como prêmio, qualquer
que seja sua natureza.
Art. 72º: Estabelecer vínculo de qualquer natureza com empresas
que anunciam ou comercializam planos de financiamento ou
consórcios para procedimentos médicos.
Capítulo IX – Sigilo profissional
É vedado ao médico
Art. 73º: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do
exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou
consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece
essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou
o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como
testemunha(nessa hipótese, o médico comparecerá perante a
autoridade e declarará seu impedimento); c) na investigação de
suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que
possa expor o paciente a processo penal.
Art. 74º: Revelar sigilo profissional relacionado a paciente criança ou
adolescente, desde que estes tenham capacidade de discernimento,
inclusive a seus pais ou representantes legais, salvo quando a não
revelação possa acarretar dano ao paciente.
Art. 75º: Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir
pacientes ou imagens que os tornem reconhecíveis em anúncios
profissionais ou na divulgação de assuntos médicos em meios de
comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.
Art. 76º: Revelar informações confidenciais obtidas quando do
exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos
dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser
em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.
Art. 77º: Prestar informações a empresas seguradoras sobre as
circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das
contidas na declaração de óbito, salvo por expresso consentimento
do seu representante legal.
Art. 78º: Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o
sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.
Art. 79º: Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de
honorários por meio judicial ou extrajudicial.
Capítulo X – Documentos médicos
É vedado ao médico
Art. 80º: Expedir documento médico sem ter praticado ato
profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não
corresponda à verdade.
Art. 81º: Atestar como forma de obter vantagem.
Art. 82º: Usar formulários institucionais para atestar, prescrever e
solicitar exames ou procedimentos fora da instituição a que
pertençam tais formulários.
Art. 83º: Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente,
ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no
último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto ou em
caso de necropsia e verificação médico-legal.
Art. 84º: Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando
assistência, exceto quando houver indícios de morte violenta.
Art. 85º: Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por
pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua
responsabilidade.
Art. 86º: Deixar de fornecer laudo médico ao paciente ou a seu
representante legal quando aquele for encaminhado ou transferido
para continuação do tratamento ou em caso de solicitação de alta.
Art. 87º: Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.
§ 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a
boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em
ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro
do médico no Conselho Regional de Medicina.
§ 2ºO prontuário estará sob a guarda do médico ou da instituição que
assiste o paciente atos executados no exercício profissional, quando
solicitado pelo paciente ou por seu representante legal. § 3ºCabe ao
médico assistente ou a seu substituto elaborar e entregar o sumário
de alta ao paciente ou, na sua impossibilidade, ao seu representante
legal.
Art. 88º: Negar ao paciente ou, na sua impossibilidade, a seu
representante legal, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer
cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações
necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao
próprio paciente ou a terceiros.
Art. 89º: Liberar cópias do prontuário sob sua guarda exceto para
atender a ordem judicial ou para sua própria defesa, assim como
quando autorizado por escrito pelo paciente.
§ 1ºQuando requisitado judicialmente, o prontuário será
encaminhado ao juízo requisitante.
§ 2ºQuando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o
médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional.
Art. 90º: Deixar de fornecer cópia do prontuário médico de seu
paciente quando de sua requisição pelos Conselhos Regionais de
Medicina.
Art. 91º: Deixar de atestar atos executados no exercício profissional,
quando solicitado pelo paciente ou por seu representante legal.
Capítulo XI – Auditoria e perícia
médica
É vedado ao médico
Art. 92º: Assinar laudos periciais, auditoriais ou de verificação
médico-legal caso não tenha realizado pessoalmente o exame.
Art. 93º: Ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua
família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de
influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.
Art. 94º: Intervir, quando em função de auditor, assistente técnico
ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer
apreciação em presença do examinado, reservando suas observações
para o relatório.
Art. 95º: Realizar exames médico-periciais de corpo de delito em
seres humanos no interior de prédios ou de dependências de
delegacias de polícia, unidades militares, casas de detenção e
presídios.
Art. 96º: Receber remuneração ou gratificação por valores
vinculados à glosa ou ao sucesso da causa, quando na função de
perito ou de auditor.
Art. 97º: Autorizar, vetar, bem como modificar, quando na função de
auditor ou de perito, procedimentos propedêuticos ou terapêuticos
instituídos, salvo, no último caso, em situações de urgência,
emergência ou iminente perigo de morte do paciente, comunicando,
por escrito, o fato ao médico assistente.
Art. 98º: Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado
para servir como perito ou como auditor, bem como ultrapassar os
limites de suas atribuições e de sua competência. Parágrafo único. O
médico tem direito a justa remuneração pela realização do exame
pericial.
Capítulo XII – Ensino e pesquisa
médica
É vedado ao médico
Art. 99º: Participar de qualquer tipo de experiência envolvendo seres
humanos com fins bélicos, políticos, étnicos, eugênicos ou outros
que atentem contra a dignidade humana.
Art. 100º: Deixar de obter aprovação de protocolo para a realização
de pesquisa em seres humanos, de acordo com a legislação vigente.
Art. 101º: Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o
termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de
pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações
sobre a natureza e as consequências da pesquisa.
§ 1ºNo caso de o paciente participante de pesquisa ser criança,
adolescente, pessoa com transtorno ou doença mental, em situação
de diminuição de sua capacidade de discernir, além do
consentimento de seu representante legal, é necessário seu
assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão.
§ 2ºO acesso aos prontuários será permitido aos médicos, em
estudos retrospectivos com questões metodológicas justificáveis e
autorizados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) ou pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Art. 102º: Deixar de utilizar a terapêutica correta quando seu uso
estiver liberado no País. Parágrafo único. A utilização de terapêutica
experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes e
com o consentimento do paciente ou de seu representante legal,
adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis
consequências.
Art. 103º: Realizar pesquisa em uma comunidade sem antes
informá-la e esclarecê-la sobre a natureza da investigação e deixar
de atender ao objetivo de proteção à saúde pública, respeitadas as
características locais e a legislação pertinente.
Art. 104º: Deixar de manter independência profissional e científica
em relação a financiadores de pesquisa médica, satisfazendo
interesse comercial ou obtendo vantagens pessoais.
Art. 105º: Realizar pesquisa médica em sujeitos que sejam direta ou
indiretamente dependentes ou subordinados ao pesquisador.
Art. 106º: Manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas
médicas em seres humanos que usem placebo de maneira isolada em
experimentos, quando houver método profilático ou terapêutico
eficaz.
Art. 107º: Publicar em seu nome trabalho científico do qual não
tenha participado; atribuir a si mesmo autoria exclusiva de trabalho
realizado por seus subordinados ou outros profissionais, mesmo
quando executados sob sua orientação, bem como omitir do artigo
científico o nome de quem dele tenha participado.
Art. 108º: Utilizar dados, informações ou opiniões ainda não
publicadas, sem referência ao seu autor ou sem sua autorização por
escrito.
Art. 109º: Deixar de zelar, quando docente ou autor de publicações
científicas, pela veracidade, clareza e imparcialidade das
informações apresentadas, bem como deixar de declarar relações
com a indústria de medicamentos, órteses, próteses, equipamentos,
implantes de qualquer natureza e outras que possam configurar
conflitos de interesse, ainda que em potencial.
Art. 110º: Praticar a medicina, no exercício da docência, sem o
consentimento do paciente ou de seu representante legal, sem zelar
por sua dignidade e privacidade ou discriminando aqueles que
negarem o consentimento solicitado.
Capítulo XIII – Publicidade médica
É vedado ao médico
Art. 111º: Permitir que sua participação na divulgação de assuntos
médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deixe de ter
caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da sociedade.
Art. 112º: Divulgar informação sobre assunto médico de forma
sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico.
Art. 113º: Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento
ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente
reconhecido cientificamente por órgão competente.
Art. 114º: Anunciar títulos científicos que não possa comprovar e
especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e
registrado no Conselho Regional de Medicina.
Art. 115º: Participar de anúncios de empresas comerciais, qualquer
que seja sua natureza, valendo-se de sua profissão.
Art. 116º: Apresentar como originais quaisquer ideias, descobertas
ou ilustrações que na realidade não o sejam.
Art. 117º: Deixar de incluir, em anúncios profissionais de qualquer
ordem, seu nome, seu número no Conselho Regional de Medicina,
com o estado da Federação no qual foi inscrito e Registro de
Qualificação de Especialista (RQE) quando anunciar a especialidade.
Parágrafo único. Nos anúncios de estabelecimentos de saúde, devem
constar o nome e o número de registro, no Conselho Regional de
Medicina, do diretor técnico.
Capítulo XIV – Disposições gerais
I – O médico portador de doença incapacitante para o exercício
profissional, apurada pelo Conselho Regional de Medicina em
procedimento administrativo com perícia médica, terá seu registro
suspenso enquanto perdurar sua incapacidade.
II – Os médicos que cometerem faltas graves previstas neste Código
e cuja continuidade do exercício profissional constitua risco de
danos irreparáveis ao paciente ou à sociedade poderão ter o exercício
profissional suspenso mediante procedimento administrativo
específico.
III – O Conselho Federal de Medicina, ouvidos os Conselhos
Regionais de Medicina e a categoria médica, promoverá a revisão e
atualização do presente Código quando necessárias.
IV – As omissões deste Código serão sanadas pelo Conselho Federal
de Medicina.

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