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Economia nacional se afasta cada vez

mais da revolução industrial 4.0


Carlos Drummond
17 de dezembro de 2019
Fonte: www.cartacapital.com.br

“Sem ingressar na etapa 4.0, o Brasil não vai conseguir


agregar valor aos seus produtos”
A famigerada desindustrialização, medida pelo declínio da participação do setor no PIB,
é a maior em 73 anos, segundo dados do terceiro trimestre. A modernização rumo à
Indústria 4.0, saída para evitar a degradação ainda mais profunda, caminha para trás,
mostra uma sondagem da Fiesp realizada em novembro. A dificuldade de inovação
resulta, em parte, da própria regressão da manufatura, que incluiu o desmantelamento
do segmento de microeletrônica, parte integrante da terceira revolução industrial
perdida pelo Brasil, mas essencial à quarta revolução, a da Indústria 4.0, aponta um
trabalho do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.

A decisão de realizar a sondagem foi tomada pelo vice-presidente da Fiesp, José


Ricardo Roriz Coelho, depois de visitar empresas e instituições na Ásia, EUA,
Alemanha e Itália para observar a implantação da Indústria 4.0 nas economias mais
dinâmicas. O empresário voltou preocupado com a diferença de ritmos em relação ao
processo brasileiro e resolveu fazer a sondagem em 417 companhias locais entre
pequenas, médias e grandes para comparação com levantamento anterior do mesmo
tipo.

Os resultados reforçaram suas apreensões. Entre 2017 e novembro deste ano, caiu de
30% para 23% o total de empresas que implantaram alguns dispositivos da Indústria
4.0, apesar do maior conhecimento dos empresários sobre o assunto. Diminuiu também,
de 35% para 22%, a parcela que acredita que a 4.0 trará um progresso significativo para
sua firma e só 3% sente-se bem preparado para dar conta das inovações.

“No Brasil, provavelmente devido à crise e sua duração, as empresas estão muito
concentradas na sobrevivência financeira, mas o mundo digital avança em alta
velocidade e estamos ficando para trás. É preocupante, pois vamos nos distanciar dessas
plataformas digitais e também das empresas-âncora das cadeias de suprimento, onde
quem não está digitalizado fica fora. Se a Indústria 4.0 e a produtividade não
avançarem, as empresas brasileiras, inclusive as médias e pequenas, ficarão à margem
da cadeia de suprimentos desse mundo onde as novas tecnologias estão inseridas”,
alerta Roriz Coelho.

As novas tecnologias incluem Sistemas ciberfísicos (CPS), Big Data Analytics,


Computação em Nuvem, Internet das Coisas (IoT) e Internet dos Serviços (IoS),
Impressão 3D e outras formas de manufatura aditiva, Inteligência artificial,
Digitalização, Colheita de Energia (Energy Harvesting) e Realidade Aumentada, entre
outras.

A combinação dessas tecnologias na prática foi resumida pelos pesquisadores da


Technische Universität Dortmund, da Alemanha, Hermann, Pentek e Otto, nesta
descrição: “No interior das fábricas inteligentes e modulares da Indústria 4.0, sistemas
ciberfísicos (CPS) monitoram processos, criam uma cópia virtual da realidade e tomam
decisões descentralizadas. Através da Internet das Coisas (IoT), os CPS se comunicam e
cooperam entre si e com seres humanos em tempo real, e através da Internet dos
Serviços (IoS) são oferecidos serviços organizacionais internos e externos, utilizados
por participantes desta cadeia de valor”.

A Indústria 4.0, prosseguem os economistas, cria e articula fábricas inteligentes em um


sistema produtivo e de comercialização distinto do tradicional. As empresas
estabelecem redes globais com os seus equipamentos, depósitos e unidades de produção
articulados aos sistemas que incluem máquinas, sistemas de armazenagem e unidades de
produção inteligentes, capazes de trocar informações de forma autônoma e de
desencadear ações e controles mútuos de modo independente.

Os produtos das fábricas inteligentes possuem identidade única e a sua história de


frabricação e consumo pode ser rastreada a qualquer momento, permitindo mudanças
importantes ou ajustes pontuais ao longo dos processos de produção. Os sistemas de
fabricação estão conectados verticalmente aos processos das fábricas e das empresas e
horizontalmente a outras redes de valor e podem ser geridos em tempo real desde a
emissão do pedido até a expedição. Uma consequência de grande impacto desta
transformação é a possibilidade de eliminação de estoques e a fabricação sob demanda
de lotes mínimos, inclusive unidades.

A implementação da Indústria 4.0 atrai grande interesse no mundo, sublinha Roriz


Coelho, por proporcionar um salto de produtividade. “Antes, quando se aumentava a
produtividade em um processo industrial, obtinham-se ganhos de 3% a 5% e era muito.
Hoje, com a utilização dessas tecnologias, aumentos de 25% são comuns. O Brasil,
entretanto, desindustrializa-se.”

Apesar do quadro desfavorável, entretanto, “as janelas de oportunidade de um novo


paradigma existem”, “mas envolvem algum tipo de compromisso de produtores e
usuários das soluções da Indústria 4.0 para o estabelecimento de trajetórias factíveis,
com custos e benefícios distribuídos ao longo do tempo de forma equânime entre as
partes interessadas. O maior desafio para o Brasil é o da construção de uma estratégia
consensual entre os principais interessados, sejam usuários do modelo, sejam produtores
dos seus componentes materiais e de serviços”.

A escolha do modelo de incorporação rápida dos componentes da Indústria 4.0 por meio
de importações, advertem os autores do trabalho do Iedi, assegura ilhas de modernidade,
mas desperdiça oportunidades industriais e sua difusão pelo sistema produtivo. A opção
pelo modelo de produção nacional de soluções desta nova fase pode ampliar o
desenvolvimento tecnológico e as oportunidades, com difusão mais ampla do padrão.
“Apesar dos riscos que acompanham esta última opção, ela deveria estar no centro da
política industrial do País. A hesitação entre uma estratégia rápida de assimilação dos
componentes do modelo por meio de importações e uma de produção local estimulada
por políticas pode criar o pior das duas fórmulas.”

Só 4% das indústrias são 4.0

As mudanças promovidas pela Indústria 4.0, sublinham, “apresentam um potencial


bastante promissor para combater o modelo de produção em larga escala e baixo custo
dos países emergentes, bem como os seus efeitos nos fluxos de comércio e, ao menos
parcialmente, na desindustrialização”.
Não há alternativa, destaca Roriz Coelho: “O que vai acontecer é que, sem ingressar na
etapa 4.0, o Brasil não vai conseguir agregar valor aos seus produtos. Nós estamos
fazendo aberturas comerciais através do Mercosul com a Associação Europeia de Livre
Comércio (bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e a União
Europeia e corremos o risco de importar produtos de alto valor agregado, com um
conteúdo tecnológico muito mais elevado e ficar exportando só minério, grãos e
petróleo. Isso é muito ruim, porque os bons empregos estão associados à indústria.
Estamos batendo recorde na agricultura, na exportação de petróleo, de minérios, mas o
padrão de vida do brasileiro é muito baixo, a renda per capita é baixa e há um
desemprego muito alto”.

Estamos destinados a exportar grãos?

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