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FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
Fortaleza -CE
Junho, 2009
LAVRO GONDIM GUIMARÃES
~abícula: 0267489
Fortaleza - Ceará
2009
TERMO DE APROVAÇÃO
Por
CA EXAMINADORA
Novamente a Gabi, meu grande amor, por ter me ajudado efetivamente na construção deste
trabalho, dedicando seu carinho, compreensão e atenção.
Ao uncle Jamp, pela salutar assessoria prestada na tradução do resumo deste trabalho.
Ao professor Samuel Arruda, pela disponibilidade que me foi fomecida para a orientação
deste trabalho.
À já saudosa centenária Salamanca, por ter me proporcionado uma parcela, ainda que
diminuta, de seu saber jurídico, bem como a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas que
guardarei um grande apreço por toda vida.
''Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem .."
Cazuza
RESUMO
A teoria da imputação objetiva, inseri da como um dos elementos do fato típico - caracterizada
como elemento normativo implícito do tipo -, vem ganhando uma maior expressividade na
doutrina estrangeira e nacional nesta última década, principalmente em decorrência da expansão
da corrente do funcionalismo penal. Ela possui, em princípio, o condão de limitar os excessos
cometidos pela tradicional teoria da equivalência dos antecedentes adotada pelo Código Penal
Brasileiro, bem como de trazer soluções jurídicas para situações em que a teoria da ausência do
dolo não comporta. Funda-se, portanto, em fornecer uma solução jurídica primada pelo valor de
uma justa aplicação da norma penal. A aplicação vanguardista desta teoria parte da idéia do
conceito de risco relevante e proibido, bem como da realização deste em um resultado jurídico,
formando assim o chamado nexo de causalidade normativo. Além da inovação trazida pelo
conceito de risco proibido e relevante, a imputação objetiva envolve também, para a justa solução
de conflitos, institutos outros, como a proibição do regresso ao infinito e o princípio da confiança.
Assim, com a adoção desta teoria, muitos problemas, antes solucionados através da teoria da
ausência do dolo e das causas justificantes - excludentes de antijuridicidade -, solucionam-se
com espeque na atipicidade da conduta ou do resultado, por falta de imputação objetiva deste
àquela.
Key words: Theory of the Equivalence of Antecedents. Theory of the Objective Accusation.
Relevant and Prohibited Risk. Typical Fact.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1. SISTEMAS OU TEORIAS PENAIS 11
1.1 Terminologia utilizada 11
1.2 Breve análise dos sistemas penais 11
1.2.1 Sistema Clássico 11
1.2.2 Sistema Neoclássico 13
1.2.3 Sistema Finalista 13
1.2.3.1 A Teoria Social da Ação 17
1.2.4 Sistema Funcionalista 19
2 ESTRUTURA DO CRIME 23
2.1 Fato Típico ; 23
2.2 Conduta 24
2.3 Tipicidade , 27
2.4 Resultado 30
2.5 Nexo Causal. 32
2.5.1 Teorias da Causalidade 33
2.5.1.1 Teoria da Equivalência dos Antecedentes 33
CONSIDERAÇÕES FINAIS 67
REFERÊNCIAS 69
INTRODUÇÃO
o Direito Penal contemporâneo, em razão do crescimento das diversidades das relações
jurídicas, bem como em relação aos valores trazidos pela nova ordem constitucional, deve ser
observado com um enfoque diferenciado.
A funcionalidade deve ser priorizada para frns de aplicação desse ramo da ciência jurídica,
pois, de todos os ramos, é o que traz uma maior invasão à esfera jurídica do indivíduo, por ser
capaz de lhe tolher a liberdade.
Dessa forma, o tecnicismo didático trazido à baila pelos sistemas clássico e finalista para a
teoria do crime, indicando critérios insuficientes para contemplar a diversidade das relações, não
condiz muitas vezes com os princípios constitucionais e as garantias individuais que atuam como
balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas penais. Não se pode, portanto,
cogitar da aplicação meramente robotizada dos tipos incriminadores.
A presente teoria tem sua importância, pelo fato de estabelecer critérios de atribuição de
conduta e resultados normativos ao indivíduo responsável por eles, com bases na idéia do risco
proibido e permitido.
Diante do exposto, é que o nosso Código Penal, elaborado sobre a influência da Teoria
Finalista da Ação, deve se coadunar com a nova ordem constitucional trazida pela CF/88, o que
através da Teoria da Imputação Objetiva se faz possível.
1 SISTEMAS OU TEORIAS PENAIS
A palavra "sistema" nos parece mais escorreita e técnica, afirmando, ainda, que o
"Sistema penal, portanto, indica um conjunto de teorias intrinsecamente relacionadas,
desenvolvidas durante determinado período da evolução da dogmática penal". I
Hodiemamente, podem ser destacados quatro sistemas penais, dentre eles, tem-se: a)
Sistema Clássico; b) Sistema Neoclássico; c) Sistema Finalista e d) Sistema Funcionalista,
sendo este objeto de estudo mais detalhado no decorrer deste trabalho.
No final do século XIX, primeiramente com Franz Von Liszt, depois com Beling e
Radbruch - por isso é conhecido também como sistema "Liszt/Beling/Radbruch" -, surgiu o
sistema clássico.
Este sistema contempla duas importantes teorias, quais sejam: a) a teoria causal ou
naturalista da ação e b) a teoria psicológica da culpabilidade.
I ESTEF AM, André. Direito Penal]: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008, p.58.
12
Para a teoria causal da ação, preceitua-se que a ação é o elemento capaz de modificar o
mundo exterior, sendo vista como uma simples inervação muscular, produzida por energias de
um impulso cerebral.
Inúmeras críticas se levantaram contra este sistema, referentes tanto a teoria causal da
ação, quanto à teoria psicológica da culpabilidade.
Para os críticos, a ação deveria ser voltada a uma finalidade - teoria finalista da ação -,
possuindo a conduta elementos como a exteriorização de um pensamento, voluntariedade e
consciência, podendo ser ela dolosa ou culposa, elementos estes que pertenciam a
culpabilidade para os clássicos.
Em assim sendo, seriam atípicas condutas baseadas em ato reflexos e atos inconscientes,
por exemplo. Hipóteses estas que seriam consideradas típicas pela teoria causal da ação.
Outra crítica bastante contundente era o fato de os elementos culpa e dolo serem
inseridos no âmbito da culpabilidade. Ocorre que não se pode separar a intenção da conduta,
visto que indissociáveis na prática. Isso porque ninguém age sem ter, por detrás, alguma
intenção, por mais singela que seja.
Em certas ocasiões, fica difícil até de se saber se houve um fato típico ou não, ao
tomarmos com base a teoria psicológica da culpabilidade. Dessa forma, quando um médico
passa suas mãos nas partes Íntimas de uma paciente, não temos como saber se ocorreu algum
delito - atentado violento ao pudor mediante fraude, por exemplo - se não for analisada a
intenção do médico no momento da prática da conduta.
Vale ressaltar que a teoria da ação continuou sendo a mesma", bem como o dolo e a
culpa continuaram no seio da culpabilidade, restando, por conseguinte, inúmeras das críticas
que eram feitas em desfavor do sistema clássico.
Procurou Frank apenas solucionar, como dito outrora, um dos problemas encontrados na
teoria clássica: a necessidade de explicar lógica e juridicamente a absolvição nos casos de
coação moral irresistível e obediência hierárquica.
Welzel percebe que ajinalidade constitui a espinha dorsal da conduta humana. Para ele,
a ação não é um mero acontecer causal, mas sim um acontecer final. A finalidade está sempre
presente, uma vez que o homem pode direcionar sua ação para a produção de um resultado
querido.
Essa teoria tem como ponto de partida a concepção do homem como ser livre e
responsável pelos seus atos. Consoante os apontamentos de Cleber Masson, "[ ...] as regras do
Direito não podem ordenar ou proibir meros processos causais, mas apenas atos dirigidos
finalisticamente, ou então a omissão de tais atos". 3
Isso tem aplicabilidade tanto para os delitos dolosos, quanto para os culposos. A
diferença entre eles reside no fato de que o resultado perseguido pelo agente, no delito
culposo, não ocorre como o esperado, mas sim de maneira diversa da pretendida. Dessa
forma, constata-se que toda conduta humana é motivada por um fim que é perseguido pelo
agente, sendo que se este fim ocorre da maneira almejada e, caso se subsuma em um tipo
penal, ocorre um fato típico doloso.
Quanto aos crimes culposos, a despeito do defendido acima, a teoria finalista da ação
sofreu pesadas críticas, porquanto não se sustentava a finalidade da ação concemente ao
resultado naturalístico involuntário.
3 MASSON, Cleber. Direito Penal- Parte geral. São Paulo: Método, 2008, p. 223.
4 LUNA, Everardo da Cunha. Capítulos de direito penal- Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 108.
15
estrutura ôntica da conduta. Para ele, essa estrutura ôntica-ontológica da conduta remonta a
Aristóteles, o qual não concebia qualquer conduta voluntária que não fosse final, adotando,
pois uma teoria realista, que se contrapõe à idealista.5
o consignado acima nada mais é do que a ratificação do já defendido por mim outrora".
Nota-se que, nos crimes culposos, há uma conduta direcionada a um fim, ocorre que,
entretanto, esse fim - resultado naturalístico - ocorre de maneira diversa do pretendido pelo
agente. Tem-se, pois, quando doloso, o resultado é voluntário - condizente com a intenção da
conduta -, entretanto, quando culposo, o resultado é involuntário.
Exemplo: Imaginemos um motorista "A" que acelera seu veículo em alta velocidade em
uma avenida de nossa capital com a finalidade de ganhar tempo e chegar ao trabalho mais
cedo. Vê-se que a velocidade empreendida pelo agente fora acima do permitido pela
legislação de trânsito naquele local. Tem-se também que ele estava nas proximidades de uma
escola primária em horário de término de aula, no qual os alunos estavam saindo do recinto e
atravessando a rua. Suponha-se que uma dessas crianças venha a ser atingida pelo veículo do
motorista "A", que vinha em alta velocidade, dirigindo de maneira imprudente.
Com isso, infere-se que o mencionado penalista transporta o dolo e a culpa, que
pertenciam à culpabilidade, para o fato típico, mais precisamente, para dentro da conduta.
Forma-se a chamada culpabilidade vazia, desprovida do dolo e da culpa.
Importante frisar, ainda, que o dolo pertencente à culpabilidade era dolo híbrido ou
normativo, já que apresentava em seu interior o elemento normativo da consciência da
ilicitude.
5 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral.
5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 395 e 396.
6 P. 14.
16
Ao se transportar o dolo para o fato típico - para o interior da conduta -, ele perdeu essa
carga normativa, permanecendo a consciência da ilicitude no campo da culpabilidade, mas,
agora, com um novo enfoque, transformando-se em potencial consciência da ilicitude.
A culpabilidade, por sua vez, passou a ser integrada apenas por elementos normativos:
Potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e imputabilidade; todos
carecendo de um juízo de valor para a sua análise. Pelo fato de só comportar elementos
normativos em sua estrutura, deduz-se a nomenclatura de sua teoria: Teoria normativa pura
da culpabilidade.
Veja-se que tal conceito de crime é incompossível com o sistema clássico, visto que
estar-se-ia consagrando a responsabilidade penal objetiva, pois, se assim o fosse, possível
seria imputar a alguém um crime sem que fosse analisada a existência de culpa ou dolo pelo
agente.
A relevância prática dessas mudanças teóricas trazidas pelo finalismo pode ser bem
delineada através de um exemplo hipotético, demonstrando que o dolo está na ação e não na
culpabilidade.
o arquivamento do inquérito policial, o que não seria possível se o dolo estivesse inserido na
culpabilidade, visto que a análise desta cabe ao juiz.
Por fim, cumpre destacar que o Código Penal brasileiro em vigor, com a Reforma da
Parte Geral pela Lei 7.209/1984, parece ter manifestado preferência pela teoria finalista da
ação, consagrando o dolo e culpa na conduta/ação.
Uma forte evidência se encontra no art. 20, caput, do Código Penal: "O erro sobre o
elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime
culposo, se previsto em lei".
Ora, se a ausência de dolo acarreta a exclusão do fato típico - ainda que somente na
forma dolosa -, é porque o dolo está na conduta do agente.
A presente teoria tem grande relevância para este trabalho, porquanto foi uma das raízes
de alguns critérios trazidos posteriormente pelos adeptos da teoria da imputação objetiva.
Jescheck, partidário dessa teoria, define a conduta como "[ ...]0 comportamento humano
com transcendência social"."
É também rotulada como Teoria da Adequação Social e pode ser enquadrada dentro do
finalismo - um de seus teóricos foi o próprio Hans Welzel -, visto que incorpora parte de suas
premissas. Foi concebida visando suplantar o conceito finalista e, por essa razão, agregou um
elemento até então inexistente ao conceito de ação, qual seja a relevância social.
Dessa forma, a ação passa a ser entendida como a conduta socialmente relevante,
dominada ou dominável pela ação e dirigida a uma finalidade. A presente teoria não ganhou
muitos adeptos, visto que, em última análise, significava a revogação de uma lei penal por um
costume social.
Ela defende que o Direito Penal só deveria tipificar condutas que tinha alguma
relevância social. Assim, aquelas condutas socialmente adequadas não deveriam ser objeto de
censura pela lei penal, devendo ser excluídas do âmbito da tipicidade. Um fato, portanto, não
pode ser aceito pela sociedade e, ao mesmo tempo, tipificado como um ilícito penal.
Desde já, pode-se adiantar que esse conceito de conduta socialmente adequada
assemelhasse muito com um dos critérios utilizados pelos defensores da imputação objetiva,
qual seja o risco permitido.
Ocorre que, à época da teoria da adequação social, esta idéia ainda era imprecisa,
servindo mais como um método hermenêutico. A principal critica que se faz a essa teoria
repousa na vastidão da extensão do conceito de transcendência ou relevância social, que se
presta a tudo, inclusive a fenômenos acidentais e da natureza.
Assim, é que Welzel estabeleceu uma conexão entre a realidade social e hermenêutica,
partindo da premissa de que as relações sociais desenvolvem-se em uma constante dialética,
cujas mutações tomam necessária a permanente evolução do trabalho exegético. O método
8 WELZEL, Hans apud BUSATO, Paulo César. Fatos e Mitos sobre a Imputação Objetiva. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2008, p. 40.
9 WELZEL, Hans apud Id., Ibid., 2008, p. 41.
10 '
CANCIO MELIA, Manuel apud Ibid., 2008, p. 41.
19
lógico, rígido e inflexível de interpretação deu lugar a uma interpretação evolutiva, de acordo
- SOCla.
com a evo Iuçao . I II
Tais apontamentos corroboram para o que se demonstrará mais tarde, neste trabalho,
qual seja, a compatibilidade entre o sistema finalista e a teoria da imputação objetiva, sendo
esta - já adiantando - um fator limitador ao nexo causal material defendido pelos finalistas.
Paulo César Busato, apoiado em Cancio, confirma o aqui esposado, ao indicar:
Faz-se salutar fazer uma breve distinção entre o princípio da adequação social e o
princípio da insignificância, conquanto aparentam apresentar o mesmo conteúdo. Há, pelo
menos, dois pontos em que eles se distinguem.
11CAPEZ, Fernando. Consentimento do Ofendido e Violência Desportiva. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 43-44.
12CANCIO MELIÁ, Manuel apud BUSATO, Paulo César, op. cit., 2008, p. 41.
13CANCIO MELIÁ, Manuel apud BUSATO, Paulo César, op. cit., 2008, p. 42.
14Ibid, 2008, p. 42.
15PALIERO, Carlos Enrico apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da /nsignificancia no Direito
Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. 2.
20
Esse movimento teve como principal foco o estudo dos fins - missão - do direito penal,
rompendo com toda a metodologia utilizada pelos sistemas anteriores, os quais buscavam
estruturar o crime sobre premissas técnicas, didáticas e empíricas.
Assim, é que, acima da rígida técnica jurídica de imputação - utilizando-se, para tanto,
os métodos inerentes à verificação do nexo causal material -, deve-se procurar uma solução
justa. Mais importante, por conseguinte, que situar o dolo e a culpa no fato típico ou na
culpabilidade é resolver, com justiça, a situação concreta e executar um plano de atuação
jurídico penal visando propiciar melhor convivência entre os membros da sociedade.
Segundo aponta Capez, "A tarefa de adequação típica deixa de ser um exercício rígido
de lógica formal, em que se comparam elementos concretos com abstratos para ver se se
encaixam. O tipo penal não podia continuar sendo tratado como uma calça justa [... ]".16
Para esta corrente, não importa fincar uma estrutura rígida do delito, estabelecendo nela
seus componentes de forma estática, mas sim apresentar uma proposta voltada à finalidade do
direito penal, procurando sempre uma solução justa, o que, para isso, necessita ser um sistema
mais aberto e flexível, utilizando critérios através de princípios.
A grande distinção reside no fato de que Roxin propõe limitações expressas ao direito
de punir estatal, o que não é defendido por Jackobs. Abaixo, colaciona-se uma síntese sobre o
pensamento de cada um.
Roxin: "Os limites da faculdade estatal de punir só podem resultar da finalidade que tem
o direito penal no âmbito do ordenamento jurídico estatal. [...]." Ainda acrescenta: "Penso
que o direito penal deve garantir os pressupostos de uma convivência pacífica, livre e
igualitária entre os homens, na medida em que isso não seja possível através de outras
medidas de controle sociopolíticas menos gravosas?'. Nota-se o caráter subsidiário do direito
Percebe-se que a visão de Roxin é, de certo modo, de um direito penal mais garantista,
ao passo que J ak:obs defende um direito penal com maior intervenção, devendo a lei penal ser
sempre aplicada para garantir as suas próprias expectativas normativas, determinando, desse
modo, o comportamento da sociedade conforme o direito. Tal diferença encontra reflexo
também em outras posições desses autores, como por exemplo, a criação do princípio da
insignificância por Roxin e a proposta do direito penal do inimigo - atual e revolucionária -
trazida por Jakcobs.
A critica que fazem a este sistema consiste no fato de que ele é apoiado por critérios
fluidos - como é o caso do risco permitido -, comprometendo a segurança jurídica e, ao meu
ver, pelo menos de forma rasteira, a taxatividade do direito penal. Mais para frente, irá ser
abordado esta problemática da suposta falta de segurança jurídica dos critérios utilizados pelo
funcionalismo penal.
Foi no seio deste sistema aberto, com enfoque em princípios norteadores para alcançar
um critério justo de imputação, que a teoria da imputação objetiva ganhou força no direito
penal.
Frisa-se que a imputação objetiva não surgiu com o funcionalismo penal, como alguns
pensam. O tema imputação não é exatamente um assunto novo - como será destacado mais
adiante -, nem muito menos fruto de concepções modernas sobre a teoria do delito - como,
por exemplo, o funcionalismo -, ainda que tenha lugar nelas. 19
19 GRECO, Luís. Imputação objetiva: uma introdução. in ROXIN, Claus, Funcionalismo e imputação objetiva
no Direito penal. Trad. Luís Greco, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 10 e ss.
2 ESTRUTURA DO CRIME
o crime pode ser conceituado levando-se em conta critérios diferentes, o que faz com
que o seu conceito seja diferente conforme a adoção de cada um desses critérios.
De uma forma sintética, podemos afirmar que o crime pode ser conceituado conforme o
critério material ou substancial, legal e analítico - também chamado de formal' ou dogmático.
Consoante o critério material, o crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou
expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados. Já segundo o critério legal, o
conceito de crime é fornecido pelo próprio legislador, o que nos é dado pela Lei de Introdução
ao Código Penal (Decreto-lei 3.914, de 9 de dezembro de 1941).
Basileu Garcia sustentava ser o crune composto por quatro elementos: fato típico,
ilicitude, culpabilidade e punibilidade./Essa posição é minoritária.
Outros autores adotam uma posição tripartida, pela qual seriam elementos do crime:
fato típico, ilicitude e culpabilidade. Perfilham esse entendimento, entre outros, Nélson
Hungria, Aníbal Bruno, Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Regis Prado.
Por fim, há autores que entendem o crime como fato típico e ilícito. Alguns deles são
Damásio E. de Jesus e Julio Fabbrini Mirabete. Para os seguidores dessa teoria bipartida, a
culpabilidade seria um pressuposto de aplicação da pena.
Nesse trabalho, iremos adotar a teoria dualista, por ser ela a mais recente e a mais aceita
dentre os finalistas3.
Fato típico é o fato humano ou também praticado por pessoa jurídica" que se encaixa
com perfeição aos elementos descritos no tipo penal. Conforme leciona Damásio E. de Jesus,
"Fato típico é o previsto na lei como infração penal (crime ou contravençãoj't '
Os elementos que compõem o fato típico, pela doutrina causalista tradicional, nos
crimes materiais dolosos, são: conduta humana, resultado naturalístico, nexo de causalidade
material entre a conduta e o resultado e a tipicidade.
Vale consignar que o resultado jurídico ou normativo é elemento que integra todas as
espécies de crime. Ele difere do resultado naturalístico, o qual será analisado, mais
especificamente, adiante.
Dito isso, passaremos a analisar nos tópicos seguintes cada de um desses elementos,
quais sejam: a conduta, a tipicidade, o resultado e o nexo causal.
2.2 Conduta
o direito pretende regular conduta humana, não podendo ser o delito outra coisa
além de uma conduta. Se admitíssemos que o delito é algo diferente de uma conduta,
o direito penal pretenderia regular algo distinto da conduta e, portanto, não seria
direito, pois romperia o atual horizonte de projeção de nossa ciência. O princípio
nullum crimen sine conducta é uma garantia jurídica elementar. Se fosse eliminado,
o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o
A conduta é a ação ou omissão humana", voluntária e consciente voltada para uma certa
finalidade e que tem como característica a alteração do mundo exterior, em virtude da
exteriorização de um pensamento.
o conceito acima trazido traz um sincretismo entre a teoria causal e a teoria finalista da
ação. Veja-se que, para a teoria causal ou naturalista da ação", esta é a inervação muscular
produzida por energias de um impulso cerebral, que provoca modificações no mundo exterior.
Esse conceito remonta ao teórico Von Liszt, mas, de forma mais simplificada, temos que a
conduta é a mera exteriorização de um pensamento, consistente numa modificação causal do
mundo exterior.
Damásio E. de Jesus conceitua a conduta como a "[ ...] ação ou omissão humana
consciente e dirigida a determinada finalidade.". Depois acrescenta "Só os comportamentos
corporais externos constituem ações. O Direito Penal não se ocupa da atividade puramente
psíquica". 10
Dessa maneira, infere-se que, da conduta, podem ser extraídos alguns elementos, tais
como: a) exteriorização de um pensamento, b) consciência e c) voluntariedade. Importante
ainda lembrar que a conduta poderá ser dolosa ou culposa, já que esses elementos, segundo os
finalistas, não pertencem mais à culpabilidade.
Destarte, para que a conduta tenha alguma relevância penal, ela deve conter todos esses
elementos, pois, caso contrário, não poderá ser caracterizada como conduta, sendo, por
conseguinte, um fato atípico.
6 É o que a corrente do Direito Penal do Inimigo pretende suplantar, filiando-se a um direito penal do autor, e
não ao direito penal do fato.
7 ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique, op. cit., p. 389.
8 Ou realizada por uma pessoa jurídica, nos casos dos crimes ambientais.
9 O conceito funcional já foi destacado no capítulo relacionado aos sistemas penais, contudo, será abordado
adiante novamente.
10 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 4.
26
Assim, é que os atos involuntários e os atos inconscientes são atípicos, por não poderem
ser considerados como conduta. Dessa forma, não podem ser caracterizados como conduta os
chamados atos reflexos e os casos de coação fisica irresistível, por serem involuntários; bem
como também não podem ser considerados como conduta o fato praticado em estado de
sonambulismo ou sob efeito de hipnose, por serem inconscientes.
Outro ponto digno de destaque é a exteriorização do pensamento, visto que, sem que
isto ocorra, não poderá ser caracterizada a conduta. Afinal, cogitationis poenam nemo patitur,
vale dizer, o direito penal não pune o pensamento, por mais imoral, pecaminoso ou criminoso
que seja.
Nosso código adotou a teoria normativa ou jurídica da omissão, que parte do princípio
de que a omissão é um nada e do nada, nada vem - ex nihilo, nihil -, não podendo, portanto, a
omissão ser considerada causal.
A respeito do que dispõe o art. 13, §2° do CP, Damásio de Jesus preceitua que o nosso
código parece ter se inclinado nesta ocasião para a teoria da imputação objetiva, senão
vejamos:
Pode-se afimar que o art. 13, §2°, do CP, regulamentando a relação de causalidade
normativa nos delitos comissivos por omissão (ou omissivos impróprios) e, assim,
acatando a omissão normativa, já adota, sem que o desejasse o legislador, a teoria da
imputação objetiva. Determina que a omissão é penalmente relevante quando o
omitente devia e podia agir para evitar o resultado. E este é tomado no sentido
jurídico e não naturalístico. 11
Por fim, vale destacar a diferença entre conduta e ato. Este corresponde a um momento,
uma fração da conduta, podendo a conduta ser composta de um só ato ou de vários atos. Os
tipos penais que comportam uma conduta composta por um só ato são chamados de
unissubsistentes, enquanto que os plurissubsistentes são aquelas condutas compostas por mais
de um ato.
2.3 Tipicidade
O princípio da reserva legal é uma das facetas do princípio da legalidade. Este, por sua
vez, possui amplitudes diferentes, de acordo com a sua inserção, seja no direito público ou no
direi to privado 12.
Para Damásio E. de Jesus, tipicidade "É a qualidade que possui o fato de se encontrar
descrito em lei como infração penal".13 Cleber Masson indica o conceito de tipicidade como
sendo um "[ ...] juizo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o
modelo descrito pelo tipo penal". 14
Jiménez de Asúa sistematizou a evolução do conceito em três fases distintas, nas quais
foram aperfeiçoando os ensinamentos de Beling. São elas:
Fase da "ratio essendi" da ilicitude (Mezger - 1931): Mezger atribui ao tipo função
constitutiva de ilicitude, de tal forma que, se o fato for lícito, será atípico. A ilicitude faz parte
da tipicidade.l '
Mezger foi alvo de muitas críticas, pOIS não permite uma exata separação entre a
tipicidade e a antijuridicidade. Diante dela, todas as condutas típicas seriam ilícitas. É de
Mayer a concepção que melhor se adapta à prática penal. "A tipicidade não é a ratio essendi
da antijuridicidade, mas seu indício [...]. Praticando um fato típico, presume-se também
antijurídico até prova em contrário". 18
Um ponto importante para se salientar é a chamada adequação típica. Para alguns, ela
representa um sinônimo para tipicidade, para outros não. Os adeptos da corrente que prima
pela diferenciação afirmam que a tipicidade seria a mera correspondência formal entre o fato
e a norma, enquanto a adequação típica, a correspondência que levaria em conta não apenas
uma relação formal de justaposição, mas a consideração de outros requisitos, como o dolo e a
culpa.
Por sua vez, na adequação típica de subordinação mediata - ampliativa ou por extensão
-, a conduta humana não se enquadra prontamente na lei penal incriminadora, reclamando-se,
para complementar a tipicidade, a interposição de um dispositivo contido na parte geral do
Código Penal. É o que se dá na tentativa, na participação e nos crimes omissivos impróprios.
Por fim, faz-se salutar perfilharmos uma espécie de tipicidade oriunda do direito penal
alienígena. Eugênio Raúl Zaffaroni, penalista argentino, trata com bastante primor da
chamada tipicidade conglobante.
Parte o autor de urna premissa que ele denomina como ordem normativa. Para ele,
dentro dessa ordem normativa, não se concebe que uma norma proíba o que outra ordena ou
fomenta. Caso contrário, não se teria uma ordem normativa, mas um "amontoado caprichoso
de normas arbitrariamente reunidas". 19
Poder-se-ia argumentar que o caso pode ser resolvido por uma causa justificante, ou
seja, uma causa de exclusão de ilicitude, qual seja, o exercício regular de um direito. Ocorre
que, para o renomado autor, tal conclusão não pode ser admitida, uma vez que a tipicidade
implica antinormatividade e não se pode admitir que, na ordem normativa, urna norma ordene
o que outra proíbe. O ordenamento jurídico é um todo indivisível, ocorrendo uma cisão para
meros fins didáticos. Zaffaroni preceitua:
As normas jurídicas não "vivem" isoladas, mas num entrelaçamento em que umas
limitam as outras, e não podem ignorar-se mutuamente. Uma ordem normativa não é
19 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique., op. cit., 2004, p. 522.
30
Esta ordem mínima, que as normas devem guardar entrei si, impede que uma norma
proíba o que a outra ordena, como também impede que uma norma proíba o que a
outra fomenta. A lógica mais elementar nos diz que o tipo não pode proibir o que o
direito ordena e nem o q ele fomenta. 20
Nota-se que o caminho inverso não pode ser feito, ou seja, não se pode conceber que
uma conduta sem tipicidade legal, possa ser típica penalmente, por haver uma proibição de
uma norma extrapenal. Dessa forma, em não havendo tipicidade legal, mas havendo uma
tipicidade conglobante, não se tem tipicidade penal, sob pena de se ferir o princípio basilar da
reserva legal. Não é possível a utilização da tipicidade conglobante para se realizar uma
interpretação analógica, considerando um fato como um tipo penal incriminador.
Nota-se que a solução trazida pela teoria da tipicidade conglobante, além de ser muito
similar com a causa justificante do exercício regular de um direito, em muito se parece com a
idéia da teoria da imputação objetiva, objeto do presente trabalho.
Assim que o critério do risco permitido que será melhor examinado posteriormente traz
uma idéia bastante congruente com a idéia da análise conglobada do ordenamento jurídico
para a análise da tipicidade. Destarte, tanto adotando a teoria da imputação objetiva, quanto a
da tipicidade conglobante, estaríamos diante de um fato atípico e, por conseguinte, obtendo
idêntica solução prática.
Dessa forma é que hoje, acatada a teoria da imputação objetiva, alguns conceitos devem
ser revistos.
2.4 Resultado
20 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique., op. cit., 2004, p. 435.
31
Toda conduta tem uma manifestação no mundo fisico; esta manifestação no mundo
fisico é uma alteração que se opera nele. Antes da conduta, as coisas estavam num
estado diferente daquele que se encontravam depois dela.
[...] o resultado é um iniludível fenômeno fisico, que acompanha toda conduta: nào
há conduta sem resultado.21
Todavia, não há crime sem resultado jurídico, sendo este a "afetação de um interesse
protegido pela norma penal".22 Em outras palavras, o resultado normativo é a lesão ou
exposição a perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado pela lei penal. A simples violação
da lei penal, mediante a agressão do valor por ela tutelado configura o resultado jurídico.
Veremos adiante que o nexo causal objetivo está relacionado com o resultado material,
ao passo que o nexo de causalidade normativo - elemento presente para que haja a imputação
objetiva - está intrinsecamente ligado ao resultado jurídico.
21 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PlERANGELI, José Henrique., op. cit., 2004, p. 447.
22 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 5.
32
Agora estamos entrando talvez no ponto mais importante para a boa compreensão da
teoria da imputação objetiva, pois, através do estudo pormenorizado das teorias da
causalidade, é que serão traçadas as arestas para a fundamentação e necessidade de aplicação
dessa teoria "vanguardista".
De forma bem rasa, o nexo causal simboliza a conexão entre o resultado naturalístico e
a conduta praticada pelo agente. Sendo ele utilizado para fins de imputação - atribuição - da
modificação provocada no mundo exterior ao seu agente provocador.
Para o professor Femando Capez, o nexo causal "[ ...] é o elo de ligação concreto, fisico,
material e natural que se estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por
meio do qual é possível dizer se aquela deu ou não causa a este23".
Dessa maneira, podemos dizer que o nexo de causalidade é o liame ou vínculo que une
a conduta ao resultado nos crimes materiais, tendo, por conseguinte, pertinência apenas para
esses tipos de delitos. Nos crimes de atividade, o resultado naturalístico pode ocorrer
(formais) ou não (de mera conduta). De qualquer forma, é dispensável, pois se consumam
com a simples prática da conduta ilícita.
As expressões comumente utilizadas são: nexo causal material, relação causal objetiva,
relação de causalidade etc. O Código Penal Brasileiro, em seu art. 13, todavia, preferiu adotar
a expressão "relação de causalidade", sendo esta, portanto, a denominação legal.
Para responder as indagações acima, surgiram diversas teorias, sendo uma delas adotada
pelo nosso CP, ainda que incompleta. Destacam-se três teorias na busca de definir a relação
de causalidade: a) teoria da equivalência dos antecedentes; b) teoria da causalidade
adequada; c) teoria da causalidade tipicamente relevante; e, por último d) teoria da
imputação objetiva.
Passaremos, nos próximos tópicos, a tratar das três primeiras teorias, deixando a última
para um capítulo próprio.
Para que o tema imputação objetiva seja compreendido de forma clara e consistente,
deve-se traçar o contorno das teorias da causalidade, abordando o conceito de causa, de nexo
causal material e normativo; bem como dar um principal enfoque à teoria da causalidade
adequada e à teoria da equivalência dos antecedentes e o seu método da eliminação hipotética,
dentro outros aspectos que serão examinados a seguir.
Esta é a teoria que foi acolhida, como regra, pelo Código Penal Brasileiro, em seu art.
13, caput, in fine:
§2° A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para
evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
Além dessa terminologia, a teoria possui outras, dentre as quais: teoria da equivalência
das condições, teoria da condição simples, teoria da condição generalizada, ou, finalmente,
teoria da conditio sine qua nono
Tem sua origem em Glaser e, posteriormente, desenvolvida por Von Buri e Stuart Mill,
em 1873.
Para essa teoria, causa é todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido,
quando ocorreu e como ocorreu. Ela sustenta, dessa maneira, que todo fator que de forma
direta ou indireta exerceu alguma influência no resultado deve ser considerado com sua causa.
Isto posto, pode-se concluir o que vem a ser a causa. Esta nada mais é do que todo o
comportamento humano - comissivo ou omissivo - que, de qualquer modo, concorreu para a
produção do resultado naturalístico. Pouco importa, desse modo, o seu grau de contribuição.
Basta que tenha contribuído para o resultado material, naforma e quando ocorreu.
Para se determinar, no caso concreto, qual fator é causa ou não, a doutrina criou um
procedimento: trata-se do juízo da eliminação hipotética, desenvolvido pelo sueco Thyrén, em
1894. Por esse processo, suprime-se mentalmente determinado fato que compõe o histórico do
crime. Caso desapareça o resultado naturalístico, é porque se tratava de uma causa, todavia, se
o resultado permanecesse íntegro - ocorrendo da mesma forma -, não se pode falar que tal
acontecimento autuou como causa.
Exemplo: "A", pretendendo matar "B", dirige-se à residência da vítima à noite e, vendo
seu corpo deitado sobre a cama, efetua disparos de arma de fogo. Constata-se, posteriormente,
35
que "B" havia falecido duas horas antes dos tiros, em virtude de um envenenamento realizado
por "C". Os disparos que "A" efetuou, nesse caso, não foram causa da morte de "B". Basta
excluir mentalmente a conduta do atirador para concluir que o resultado teria ocorrido
exatamente como ocorreu.
No caso acima, se eliminarmos a conduta de "C" o que ocorreria? Caso "C" não
conseguisse envenenar "B", o resultado morte iria ocorrer, pois "A" iria efetuar os disparos
contra "B" que estaria deitado em seu leito. Seria correta a conclusão de que o
envenenamento realizado por "C" não seria causa, pelo fato de que a morte de "B" ocorreria
depois? A resposta é negativa, pois a morte não teria ocorrido da mesma maneira, ou seja, não
teria ocorrido como e quando ocorreu.
A primeira crítica, portanto, aponta que essa teoria é cega, porquanto possibilitaria uma
regressão ao infinito (regressus ad infinitum). Dessa forma, o sujeito que vende uma arma de
fogo para outrem que se utiliza dela para matar um desafeto deveria ser responsabilizado
penalmente pelo resultado, caso se adotasse essa teoria sem os devidos temperamentos.
Essa crítica, para alguns, não tem propósito, pois basta a utilização da teoria da ausência
do dolo para corrigir a problemática do regresso ao infinito. No exemplo citado, por não haver
dolo na conduta do vendedor de armas no que diz respeito ao homicídio cometido
posteriormente pelo comprador, àquele não poderá ser imputado o evento morte.
26 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique., op. cit., 2004, p. 448.
36
no outro dia? Caso soubesse quem iria ser assassinado? E se, em seu íntimo, desejasse a morte
da vítima?
As indagações acima não podem ser respondidas pela teoria da ausência de dolo. Em
certas situações, haveria dolo direto e noutras, dolo eventual ou culpa, pelo menos. Seria caso
de imputar o evento delituoso ao vendedor de armas?
É aqui que se tem a necessidade de aplicação da teoria da imputação objetiva. Por ela, a
resposta que se pode dar no momento é de que o vendedor não realizara o fato típico do
homicídio. Adiante, iremos explicar com mais detalhes esta situação.
Exemplo: "A" e "B", de forma independente, ministram, cada qual, uma dose de veneno
mortal em desfavor de "C", que vem a falecer em razão de intoxicação.
r situação: A prova pericial demonstra que apenas o veneno ministrado por "A" foi
responsável pela intoxicação sofrida por "C". Nesta hipótese, imputa-se a "A" o resultado
morte e a "B" a modalidade de homicídio tentado.
Jfl situação: A prova pericial não logra demonstrar qual dos venenos causou a morte do
ofendido, ou se causada por ambos. Aqui, é caso de imputar a modalidade tentada para
ambos.
Por força das deficiências desta teoria, e com o intuito de superá-Ias, passou a doutrina a
formular outras teorias do nexo causal: dentre elas a da causalidade adequada e da causalidade
tipicamente relevante, que serão tratadas nos próximos tópicos.
A causa ganha urna nova conceituação, qualificando-se por ser o antecedente não só
necessário, mas adequado para a produção de determinado evento. Assim, para se imputar um
resultado a determinada pessoa, imprescindível que esta pratique não apenas um antecedente
indispensável, mas também realize urna conduta adequada à concretização do evento.
Para Santoro Filho, "As demais condições, ainda que, sob o aspecto meramente
naturalístico, pertençam ao desdobramento causal que leva ao resultado, não poderão ser
qualificadas corno causa se não portarem, na concreção das relações sociais, a idoneidade
necessária à sua realização'v"
A grande crítica feita a esta teoria reside no fato de que ela busca limitar a cadeia causal
utilizando, sob o ponto de vista normativo, critérios não seguros para fixação do adequado e
do inadequado - idôneo ou inidôneo. Parte ela de um conceito de causa completamente
apartado do válido para as demais ciências.
o Código Penal, em seu art. 13, §10, parece adotar a teoria da causalidade adequada,
sendo imprescindível a análise sobre as chamadas concausas.
27 SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Teoria da Imputação Objetiva. Apontamentos críticos à luz do Direito
Positivo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 17.
28 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 8.
38
Exemplo: "A" tem a intenção de matar "B". Após espancá-lo, coloca uma corda em seu
pescoço, amarrando-a ao seu carro. Em seguida, dirige o automóvel, arrastando a vítima ao
longo da estrada, circunstância que provoca a sua morte. As condutas consistentes em agredir,
amarrar e arrastar a vítima são interdependentes para a produção do resultado final.
o Código Penal Brasileiro adotou, ainda que por exceção, esta teoria no §lOdo art. 13:
"A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só,
produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou".
Damásio E. de Jesus traz um bom critério para se saber quando urna causa, por si só, é
capaz de produzir um resultado, senão vejamos: "O melhor critério, de acordo, com a doutrina
da legislação em vigor, é o que considera autônoma a causa superveniente quando não se
encontra na linha de desdobramento físico da conduta anterior". Ele ainda complementa
afirmando que a causa superveniente, que por si só produz o resultado "[ ...] é a que forma um
novo processo causal, que substitui ao primeiro, não estando em posição de homogeneidade
com o comportamento'V"
Bons exemplos para ilustrar esta situação são os mars famosos dentre os citados
academicamente, vejamos:
Exemplo 2: ferido que morre durante o trajeto para o hospital, em face de acidente de
tráfego que atinge a ambulância que o transportava.
Paulo José da Costa Júnior aduz que a solução acima deveria ter sido ampliada também
para as causas preexistentes e concomitantes, senão vejamos:
Não vemos motivo para que se levante uma barreira tão rígida entre causas que
apresentam estrutura idêntica e eficiência equivalente. Consequentemente, teria sido
preferível que nova lei penal houvesse contemplado, no §1°, do art. 13, a par da
superveniência, a preexistência ou a intercorrência de causa relativamente
indepentente. É com base em uma aplicação analógica que se pode coerentemente
fazer semelhante extensão. Desde que o dispositivo em foco se destina a favorecer a
posição do agente, tratando-se de uma analogia in banam partem, é ela admissível
em direito penal. 31
Nota-se que, para a teoria da imputação objetiva, também não se poderia imputar o
resultado ao agente que praticou a conduta inicial - provocação dos ferimentos - em virtude
de o risco criado por ele não ter se produzido no resultado jurídico. Em relação às causas
preexistentes e concomitantes relativamente independentes, a teoria da imputação objetiva
também traz uma solução, o que será melhor apontado adiante, como exemplo da chamada
constituição pessoal patológica da vítima - condições personalíssimas do ofendido.
Para os adeptos desta teoria, a causalidade jurídica não se esgota na mera causalidade
física, devendo esta, para configurar aquela, se apresentar como causa juridicamente
relevante.
31 COSTA JR., Paulo José. Nexo Causal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 108-109.
41
sejam típicos, senão também que o curso causal que intercede entre uma e outro sejam
relevantes, conforme o sentido do correspondente tipo".32
Isto não significa separar a causalidade jurídica da causalidade fisica, como ocorria na
teoria da causalidade adequada, mas acrescentar a esta, para fins de imputação típica, dados
normativos que traduzam a relevância jurídico-penal sob a perspectiva do bem jurídico
lesionado.V
Em suma, pode-se inferir que a teoria da causalidade tipicamente relevante, ainda que
eventualmente sujeita a crítica, é apta a resolver, no plano concreto e com fundamento na
legislação penal brasileira, os problemas de imputação do resultado à ação, sem incorrer, por
um lado, nos excessos da teoria da equivalência dos antecedentes.
Como pontos negativos desta teoria, aponta-se o fato de que, para a determinação da
conduta provocadora de determinado evento danoso, há a necessidade de se recorrer a uma
análise demasiadamente subjetiva, já que trabalha basicamente com critérios normativos,
aproveitando os critérios objetivos da teoria da equivalência dos antecedentes. Tem, todavia, o
mérito de primeiro passo para a elaboração da nova teoria da imputação objetiva.
32 MOURULLO, Rodriguez apud SANTORO FILHO, Antonio Carlos., op. cit., 2007, p. 19.
33 MOURULLO, Rodriguez apud SANTORO FILHO, Antonio Carlos., op. cit., 2007, p. 19.
3 A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
A teoria da imputação objetiva não representa uma nova teria do delito e nem é uma
discussão somente cabível no âmbito de moderníssimas concepções do sistema de imputação.
Suas origens estão situadas em trabalhos que datam mais de setenta anos.
Karl Larenz, em 1927, define o conceito de imputação para o direito em sua tese de
doutorado, intitulada A teoria da imputação de Hege! e o conceito de imputação objetiva. O
problema básico que se procurava resolver é o seguinte: quais são os critérios adequados para
se distinguir entre as conseqüências de nossos atos que nos podem ser atribuídas como obra
nossa e quais são mera obra do acaso?
Para Hegel, a racionalidade humana implica liberdade, que se expressa pela vontade,
através das realizações. O controle exercido pela vontade humana a respeito dessas
realizações é o que determina que o resultado decorrente dela possa ser considerado obra de
quem atuou voluntariamente I.
O surgimento, dentro do direito penal, dessa teoria se deu com a obra de Richard Honig,
em seu ensaio intitulado Causalidade e imputação objetiva. Parte da antiga polêmica entre a
teoria da equivalência dos antecedentes e a teoria da causalidade adequada, no sentido de
estabelecer o critério mais acertado para se atribuir a uma pessoa um resultado.
Honig, dessa forma, concluiu que não se pode admitir seja a comprovação de uma
relação de causalidade material o aspecto mais importante da teoria do crime. Deve-se, ao
revés, verificar quais são as exigências jurídicas para que se estabeleça um liame entre ação e
resultado. Para ele, da mesma forma que para Larenz, a ação consiste em uma exteriorização
da vontade humana e [...] a vontade aqui não deve ser compreendida em termos subjetivos,
no sentido daquilo que o autor almejava e sim em termos objetivos, como aquilo que podia ser
almejado't.'
I HEGEL, Georg Wilhlm Friedrich apud BUSATO, Paulo César, op. cit., 2008, p. 7.
2 GRECO, Luís., op. cit., 2002, p.21.
43
Parte ele da premissa de que a equivalência dos antecedentes, adotada pelo Código
Penal, é muito rigorosa no estabelecimento do nexo causal, na medida em que se contenta
com a mera relação física de causa e efeito. Ela surge, em princípio, limitada ao campo do
nexo causal nos crimes materiais, procurando apenas reduzir o alcance da causalidade
objetiva entre a conduta e o resultado naturalístico. 3
Faz-se salutar a menção ao também insigne teórico Günther Jackobs, que também se
inclui no rol dos adeptos desta teoria, embora discorde de Roxin quando este sustenta que se
deve abandonar o nexo de causalidade fundado na teoria da equivalência dos antecedentes.
Para Jakobs, a imputação de um resultado a uma conduta dá-se em duas etapas: a) verifica-se
o nexo de causalidade material; b) analisa-se a existência de imputação objetiva entre a
conduta e o resultado. Esta última serve como limitação da primeira, atuando como um freio
à causalidade material.
Posto isto, é que, nesse contexto, surgiu a teoria da imputação objetiva como verdadeira
alternativa à causalidade, pretendendo substituir o dogma causal material por uma relação
jurídica entre a conduta e o resultado, complementando a teoria do nexo de causalidade
objetiva, fornecendo uma solução adequada às hipóteses em que as doutrinas naturalistas não
apresentam uma resposta suficientemente satisfatória".
Luís Greco a define como "[ ...]0 conjunto de pressupostos que fazem de uma causação
uma causação típica, a saber, a criação de um risco não permitido em um resultado't'.
Para Damásio, "Imputação objetiva significa atribuir a alguém uma realização de uma
conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e a produção de um resultado
jurídico.". Ainda complementa, aduzindo que "[ ...] cuida-se de uma teoria com missão de
restringir a atribuição da imputação, delimitando as fronteiras entre o penalmente permitido e
o proibido"."
Ao contrário do que seu nome parece em princípio indicar, não se confunde com a
responsabilidade penal objetiva. Sua função é completamente diversa: limitar a
responsabilidade penal.
"Imputar" significa atribuir. E a expressão' objetiva' liga-se ao fato da análise que tem
que ser feita acerca desta atribuição, que deverá ser objetiva, levando em conta os conceitos
de riscos relevantes e proibidos. Estes devem ser analisados objetivamente, tomando-se em
consideração a moral média de uma sociedade acerca da proibição e relevância do risco.
Busato indica que "[ ...] há um limite de tolerabilidade. Há um limite de risco que a
sociedade já não está disposta a admitir e, ao contrário, pretende limitar, quando não,
7
proibir".
São utilizados, dessa maneira, critérios normativos, aos quais é lançado um juízo de
valor, fazendo-se, então, uma análise objetiva da conduta causadora do já mencionado risco.
Não é perquirida, nesse momento, a existência ou ausência de dolo ou culpa - a chamada
causalidade psíquica -. Fase esta que será analisada posteriormente.
Por fim, por ser uma teoria que tem por função imputar uma conduta delituosa a
alguém, constitui, assim como a teoria do nexo de causalidade, um elemento do fato típico,
caracterizando-se como um elemento normativo implícito do tipo.
Outra não poderia ser a conclusão, visto que possui um caráter nitidamente jurídico. Por
sua vez, em virtude de ser um elemento do fato típico, sua ausência toma a conduta atípica.
A ilicitude e a culpabilidade, por sua vez, não são afetadas por esta teoria. Sendo certo,
todavia, que muitas situações que antes eram solucionadas sob o enfoque da ilicitude serão
tidas como fatos atípicos, em virtude da inserção da imputação objetiva dentro do fato típico.
Para Luís Greco, conforme dito acrma, a imputação objetiva enuncia o conjunto de
pressupostos genéricos que fazem da causação uma causação objetivamente típica; e estes
pressupostos são a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste risco
8
no resultado.
Assim, com base no próprio conceito já exposto alhures, pode-se retirar dele os
pressupostos ou requisitos para a aplicação desta 'vanguardista teoria. São eles:
Em virtude do princípio da exclusiva proteção aos bens jurídicos, o Direito Penal deve
limitar-se a proibir ações perigosas, que causem lesão ou exponham a um perigo de lesão os
bens juridicamente tutelados.
o risco, consoante Masson", é tido como uma ação que, por meio de um prognose
póstuma objetiva, ocasiona uma possibilidade de lesão a um bem jurídico. A "prognose" se
refere à situação do agente no momento da ação; "póstuma", porque será avaliada
postecipadamente por um magistrado, após a prática do fato supostamente delituoso; e
"objetiva", pois parte do conhecimento do homem de mediana prudência e discemimento.
Um bom exemplo seria o do sobrinho que manda um tio em viagem de avião, com a
intenção de que o avião caia e o parente morra. Não haveria, no caso, responsabilidade do
sobrinho, mesmo que sua intenção fosse concretizada, uma vez que "viajar de avião" é risco
tolerado pela sociedade, sendo um mero risco cotidiano. Outro argumento favorável a esta
dedução é o fato de que, caso não ocorresse o sinistro, seria ao sobrinho imputado um
homicídio doloso tentado? Infere-se que não, pois tal solução seria absurda.
8 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva.Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p.5-9.
9 MASSON, Cleber. op. cit., 2008, p. 251.
46
Dessa maneira, os riscos gerais da vida são irrelevantes penalmente. Quem se aproveita
desses riscos não poderá ser responsabilizado, porquanto não poderão ser considerados como
obras suas, em virtude também do fato de que não se possui, nesse caso, o controle sobre o
curso causal.
Damásio E. de Jesus elucida de forma brilhante o que vem a ser esses riscos autorizados
pela sua utilidade social, senão vejamos:
Capez aduz: "A prática de uma ação socialmente padronizada, normal, adequada,
natural [...] imprescindível para a continuidade da espécie humana, jamais poderá dar causa a
um resultado proibido". Acrescenta, ainda: "[ ...] os comportamentos que atendem às
expectativas sociais não são, nem mesmo do ponto de vista objetivo, provocadores de eventos
típicos". 12
Outro aspecto do risco permitido reside no chamado princípio da confiança. Este tem
como base a confiança de que a conduta de terceiros realizada na seqüência será conforme o
direito, bem como aquele que realizou a conduta precedente cumpriu corretamente com o seu
papel dentro da sociedade, agindo como cidadão e, portanto, conforme o direito.
Parte da premissa, portanto, que todas as pessoas são responsáveis e agem de acordo
com as normas da sociedade, com o fito de evitar danos a outrem.
Podemos citar dois exemplos que ilustram com clareza as situações acima indicadas.
Vejamos:
Exemplo 1: o motorista que conduz pela via preferencial confia que o outro irá aguardar
sua passagem, se isso não acontece, não se pode imputar àquele que trafegava na via principal
responsabilidade penal alguma pelo possível acidente, ainda que fosse possível evitá-lo.
Exemplo 2: o médico que utiliza um material cirúrgico confia que seus assistentes o
esterilizaram corretamente; caso isso não tenha ocorrido o médico não poderá responder pela
infecção porventura contraída, cabendo tal responsabilidade exclusivamente aos seus
assistentes.
Nota-se uma aproximação desse critério do risco relevante e permitido com o conceito
de dever cuidado objetivo inserido dentro do fato típico culposo. Esse dever cuidado objetivo
é retirado também de uma diligência de um homem de mediana prudência e discemimento -
homem médio -, sendo esta aferida de acordo com as máximas de uma sociedade.
Dessa maneira, é que os indivíduos devem agir conforme o direito, praticando os riscos
inerentes à vida em sociedade, mas desde que permitidos pelo próprio sistema jurídico.
Devem se afastar, todavia, da prática dos riscos proibidos pelo ordenamento jurídico e pelo
conceito médio da sociedade - conduta socialmente adequada.
130RDEIG, Henrique Gimbernat apud JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 40.
48
concreta. Já o conceito de risco permitido é considerado através de uma análise ex ante facto e
de forma abstrata, portanto.
Não se pode confundir risco tolerado pela sociedade com o princípio da adequação
social, este incide sobre o próprio delito, tomando-o atípico, não pela exclusão da conduta ou
de nexo de imputação objetiva, mas sim pela exclusão da tipicidade. Observa-se que tal
princípio não é, de toda sorte, acolhido de forma unânime, pois ele pretende revogar uma lei
através de costumes, o que não é possível, tanto pelo disposto na LICC - princípio da
continuidade -, como pelo próprio princípio constitucional da separação entre os poderes.
Diante de todo o esposado, conclui-se que tanto a criação quando o aumento do risco
são indícios para que ocorra a imputação objetiva. No entanto, a diminuição do risco afasta a
imputação objetiva.
Exemplo: pessoa que consegue convencer um ladrão a subtrair mil reais em vez de
cinco mil não responde por furto, embora tenha influenciado no ato do furtador.
O agente aqui causa um dano menor ao objeto jurídico para lhe evitar um mal maior.
Não cria e nem aumenta o perigo juridicamente reprovável ao objeto jurídico. Colacionemos
mais um exemplo de muita utilidade acadêmica, vejamos:
Exemplo: Caso do atirador de pedras: "A" atira uma pedra na direção da cabeça de
"B", com a intenção de matá-Io. O arremesso, pela forma de execução, é mortal. No entanto,
"C" desvia a pedra com as mãos, vindo esta a atingir "D", causando-lhes lesões corporais.
Não resta dúvidas, que "A" responderá por tentativa de homicídio. Todavia, qual será a
solução jurídica para a conduta de "C"? Será atípica em virtude da falta de imputação objetiva
- pelo fato da diminuição do risco operada por sua conduta - ou seria caso de incidência de
uma causa de justificação - no caso estado de necessidade de terceiro?
49
o assunto não é pacífico. Para os defensores da teoria da imputação objetiva, o caso não
seria de estado de necessidade de terceiro, pois se o fosse, estaria sendo admitido haver um
fato típico, o que exatamente se pretende afastar. Para eles, o Direito Penal não pode
considerar típica uma conduta interveniente no intuito de diminuir o risco gerado por terceira
pessoa." Desse modo, toma-se supérfluo a análise da existência ou não da causa de
justificação, quando já observada a atipicidade da conduta.
14 ROXIN, Claus apud JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 82.
50
A doutrina, aqui, divide-se em duas correntes: uma diz que é caso de imputação
objetiva, pois houve um incremento do risco por parte do agente; a outra nega a imputação
objetiva, em virtude de o bem jurídico já se encontrar anteriormente em situação de exposição
de perigo.
Acreditamos que podem existir duas situações distintas, nas qUaIS podem ser
consideradas as duas correntes acima postas. Dessa maneira, caso as circunstâncias do caso
concreto comprovem que nenhuma diferença faria se houvesse ou não a conduta do agente,
não há que se falar em imputação objetiva. Caso contrário, seria caso sim de imputação
objetiva.
No caso acima, se, ainda que o motorista tivesse guardado a distância regulamentar,
houvesse a morte da mesma forma por atropelamento, em virtude do ciclista cair em direção
ao meio da pista, não há que se falar em imputação objetiva. Caso a morte não ocorresse na
hipótese do motorista do caminhão guardar a distância regulamentar, é caso, ao nosso ver, de
imputação objetiva.
Quando houve a criação de um risco relevante e proibido, deverá ele ser efetivamente
produzido no resultado, a fim de que este possa ser imputável objetivamente ao autor. Deve
haver, portanto, uma conversão do risco em um resultado. Este não é o naturalístico, mas sim
o jurídico.
O resultado adequado é o que se encontra na mesma linha do risco causado pelo agente,
que só responde por aquilo que se encontra dentro do seu plano de autor.
Dessa forma, o resultado jurídico ocorrido deve guardar uma relação com o risco criado
pelo agente, este deve ser capaz de ocasionar aquele. Dessa feita, o resultado jurídico morte
51
deverá guardar uma relação de compatibilidade com o risco relevante e proibido que tenha a
potencialidade de ocasioná-Ia. O risco criado pelo agente provocador da conduta deve estar
inserido no resultado jurídico.
Assim, é que o agente que faz um corte leve na mão da vítima, provocou um risco
compatível com um resultado jurídico correspondente a uma lesão corporal. Dessa forma,
caso a vítima seja hemofilica e padeça, o resultado morte não guarda relação com o risco que
o agente criou.
No exemplo acima, caso o sujeito não conhecesse a condição especial da vítima - o fato
de sê-Ia hemofilica -, segundo a teoria da imputação objetiva, a conduta seria atípica no que
diz respeito ao resultado morte, entretanto subsistiria a tipicidade pelas lesões corporais.
Importante destacar que, caso não haja esse nexo jurídico entre o risco efetivamente
criado e o resultado - jurídico -, a questão se resolve em termos de tentativa ou atipicidade -
seja ela absoluta ou relativa. A valoração desse nexo de causalidade jurídico deve ser feito ex
posto
Por fim, faz-se necessário comentar sobre a questão do fim de proteção da norma. A
norma de proibição visa evitar que um certo bem jurídico seja afetado de uma determinada
maneira. Assim, é imprescindível analisar qual a finalidade da norma de cuidado, ou seja, o
que ela visa proteger. Para que haja imputação objetiva, será preciso que o agente tenha
produzido um resultado compreendido dentro do fim de proteção da norma.
Exemplo: há uma norma que exige dos ciclistas, durante à noite, que utilizem um farol.
Essa norma tem como finalidade evitar acidentes pessoais. Se dois ciclistas andam com farol
apagado, e o que vai à frente é abalroado por um caminhão, não se pode imputar esse
resultado ao outro ciclista, ainda que se demonstrasse que o fato de ele ter utilizado o farol
evitaria a morte do ciclista que seguia à frente. Isto é assim porque a finalidade da norma de
proteção é para evitar acidentes pessoais e não de terceiros.
É possível que, tendo o sujeito realizado uma conduta imprudente, descumprindo uma
regra jurídica, venha a causar um resultado que não teria ocorrido se houvesse agido de
acordo com o Direito. Citemos um exemplo:
Supondo-se que, no exemplo acima, a morte não teria ocorrido caso o veículo trafegasse
de acordo com as leis de trânsito, imputa-se o resultado morte ao motorista, em virtude do
princípio do incremento do risco.
Dessa feita, não há razão para confundir fim de proteção da norma com alcance do tipo
(ou finalidade de proteção do tipo). Enquanto o primeiro está no âmbito da criação de um
risco juridicamente relevante, o segundo está no âmbito de realização do mesmo.
Este tema tem uma realização muito prática no que diz respeito aos crimes culposos.
Em relação aos dolosos, há três hipóteses em que se aplica o critério acima exposto: a)
autocolocação dolosa em perigo; b) heterocolocação consentida em perigo; c) âmbito de
responsabilidade de terceiros. São as chamadas ações de próprio risco.
Essas condutas, segundo Santoro Filho, "[ ...] não estariam ao alcance do tipo, pois a
finalidade da norma penal não é a de vedar e muito menos de punir terceiros por
autocolocações em situações de perigo".l7
Dessa maneira, Claus Roxin defende a não imputação do resultado na hipótese em que
vítima, incitada ou induzi da pelo agente, atua voluntariamente e com a consciência de que seu
comportamento é idôneo para gerar um incremento de risco a um bem jurídico.
Exemplo 1: Alguém aconselha a outrem que atravesse um lago coberto por uma fina
camada de gelo. A pessoa, ainda que consciente do perigo que implica a travessia, resolve
fazê-lo. O gelo quebra e a pessoa morre afogada.
Exemplo 2: O traficante de drogas que vende em uma quantidade excessiva heroína para
um "cliente" viciado e ciente dos riscos de sofrer uma overdose capaz de levá-lo a óbito.
Deve-se ter em mente que a vítima deve ter a efetiva consciência do risco que corre, e
mesmo assim, predispõe-se a realizar a atividade arriscada. Também não é supérfluo atentar
para o fato de que a vítima deve praticar uma conduta que ponha risco um bem jurídico seu, e
não de outrem. Caso contrário, a vítima não seria vítima, mas sim sujeito ativo de um delito,
ao passo que o instigador praticaria o delito como partícipe.
Além disso, o nosso código fala da omissão penalmente relevante no §2°, de seu art. 13,
destacando hipóteses em que o agente tem que agir para evitar o resultado danoso, sendo sua
omissão capaz de responsabilizá-lo por um crime omissivo impróprio. Dentre estas situações,
encontra-se a chamada ingerência na norma: "c) com seu comportamento anterior, criou o
risco da ocorrência do resultado".
Santoro Filho traça alguns critérios para se resolver a solução no caso concreto,
baseando-se no fato da existência de relação imediata ou mediata da conduta instigadora do
terceiro com a própria conduta da vítima criadora do risco, vejamos:
Diante das considerações acima realizadas, nota-se que solução jurídica irá depender
muito de cada caso concreto. Em alguns casos, torna-se evidente a possibilidade de imputação
do resultado morte ao agente, ainda que na modalidade culposa. Noutras, no entanto, a
imputação deverá ser afastada em virtude do instituto do alcance do tipo na variante da
auto colocação dolosa em perigo.
Importante ressaltar que, para haver esta equivalência, devem ser observados dois
pressupostos, os quais demonstrariam a assunção do risco pela vítima, quais sejam: a) a lesão
deve ser conseqüência unicamente do risco ocorrido; b) autor e vítima devem ter a mesma
responsabilidade pelo fato, isto é, ambos devem conhecer o risco na mesma medida.
Exemplo 2: Apesar da tempestade, "A" quer que o condutor "B" de um barco faça com
ele travessia de um rio. "B" desaconselha a travessia, em virtude dos riscos envolvidos. "A"
insiste e a travessia é realizada. O barco afunda, "A" afoga-se e morre.
Assim, é que o erro substitui o perigo gerado anteriormente, havendo uma solução de
continuidade no curso causal iniciado pelo agente.
desenvolvimento teórico, encontrando-se muitas falhas neste instituto. Não se deve adotá-lo
sem as devidas restrições, sob pena de tornar-se uma atividade temerária.j"
Consoante vimos, eles divergem em relação à própria função do Direito Penal sendo
Jakobs adepto do funcionalismo sistêmico e Roxin, do funcionalismo racional-teleológico.
Claus Roxin apresenta um novo conceito de ação diferente do proposto por causalistas e
finalistas. Sua idéia é de que a ação é uma "manifestação da personalidade, ou seja, tudo que
se pode atribuir como centro anímico-espiritual a um ser humano". 21
Além disso, apresenta uma nova concepção do tipo. No seu ponto de vista o tipo
objetivo contém, em geral, a descrição do sujeito ativo, de uma ação típica e do resultado que
é punido. A parte especial do Código Penal é responsável pela interpretação desses elementos
e à parte geral cabe a apresentação de princípios que venham a reger a ação típica. Dentro
ainda do tipo objetivo há uma subdivisão entre elementos descritivos (que são os que revelam
os processos naturais e anímicos cognoscíveis) e normativos (onde se leva em conta o âmbito
de proteção da norma, já visto aqui anteriormente). O tipo subjetivo é representado pelo dolo
e outros elementos subjetivos adicionais já apresentados pela teoria finalista da ação
Ele parte ainda da premissa de que o contato social gera riscos, sendo estes inerentes a
vida em sociedade. A eliminação desses riscos, como vimos outrora, é inapropriada, ob pena
de engessar a sociedade. Portanto, o que se deve esperar é que cada pessoa cumpra com o eu
papel dentro da sociedade, agindo conforme o ordenamento jurídico.
Diante disso, conclui-se que a imputação objetiva, para o teórico ora analisado deve
apenas focar os comportamentos que violam o seu devido papel social.
O insigne autor traça algumas hipóteses nas quais a imputação objetiva será afastada,
quais sejam: a) criação de um risco permitido; b) princípio da confiança; c) proibição do
regresso; e, por fim, d) capacidade da vítima.
De forma bem sintética e didática, podemos apontar como situações em que o risco
permitido se manifesta as seguintes: a) norma jurídicas que autorizam comportamentos
perigosos; b) fatos socialmente adequados;c) lex artis;e d) autorizações contidas em normas
extrapenais.
Este princípio parte da premissa segundo a qual vi emo em uma o iedade de riscos e
que, muitos deles, são tolerados pela própria sociedade. A solução que no é dada insere-se na
idéia de que cada pessoa deve agir conforme o direito, fazendo o seu papel como cidadão.
Dessa forma, em virtude da idéia de que cada pessoa deva assumir o seu papel dentro de
uma sociedade de riscos, é que o indivíduo acredita - e lhe é dado esse direito de acreditar -
que todos os demais agirão conforme a boa ordem. Não nos é dado a fiscalizar a conduta de
outrem em todos os momentos e em todos os locais, porquanto não somos onipresentes.
"As pessoas não podem ser obrigadas a desconfiar das demais, supondo constantemente
que os outros não cumprirão seu papel. Daí a exclusão da responsabilidade penal quando
alguém agiu na confiança de que o outro o cumpriu (ou cumpriria)".22
Os exemplos mais comuns são o da intervenção cirúrgica, em que o médico confia que
o instrumentista esterilizou o bisturi; bem como o do tráfego de veículos em uma cidade, no
qual o motorista confia no fato de que os demais não irão ultrapassar a preferencial.
Faz-se mister salientar a existência de autores que defendem a aplicação desse princípio
apenas para os comportamentos futuros, não o aplicando aos atos precedentes, já que estes
não possuem "[ ...] o condão, em princípio, de excluir a culpa em sentido estrito, uma vez que
lhe competiria - ao agente -, antes de agir, criando uma nova situação de risco, acautelar-se
para que tal risco não encontrasse caracterização'?".
Dessa forma, no caso do condutor de um veículo puder constatar que o seu direito de
preferência não será obedecido por outrem, que vem em alta velocidade, não poderá aquele,
apoiado em seu direito, forçá-lo, provocando uma colisão inevitável e depois alegar defesa
com espeque no dito princípio.
Ao meu ver, tal possibilidade encontraria grande dificuldade no campo probatório, não
restando elementos de convicção suficientes para a constatação de que o agente agiu ou não
com abuso de direito para, assim, afastar a aplicação do princípio. Por sua vez, vale lembrar
que o instituto ora citado - abuso de direito - pertence ao direito civil - art. 187 do Código
Civil -, e não ao direito penal, o que enfraquece, de certo modo, a sua aplicação, que possui
nítida finalidade de desfavorecer o réu.
Ao meu ver, em análise perfunctória, poderia ensejar um ilícito civil, já que casou dano
em virtude da prática de um ato ilícito. Entretanto, a sua aplicação no âmbito do Direito Penal
deve ser vista com temperamentos.
Tema também bastante debatido, quando da análise do nexo de causalidade e das teorias
sobre a causalidade. Viu-se que o nexo de causalidade material, com fulcro na teoria da
equivalência dos antecedentes e no seu método de eliminação hipotética, trouxe à tona a
problemática do regresso ao infinito, o qual responsabilizava todos os integrantes de uma
longa cadeia do curso causal material.
Destarte, a teoria da imputação objetiva limita esse nexo de causalidade fisico, inserindo
o princípio da proibição do regresso. Por ele, a conduta lícita não gera responsabilidade por
atos ilícitos praticados posteriormente por terceiros.
25 Entende-se como circunstâncias especiais as distrações manifestas, os casos de embriaguez, os defeitos fisicos,
etc.
26 TA VARES, Juarez apud SANTORO FILHO, Antonio Carlos, op. cit., 2007, p. 84.
60
Nota-se uma nítida aproximação com o instituto do alcance do tipo, nas modalidades:
autocolocação dolosa em perigo e na heterocolocação consentida em perigo.
As diferenças que mais merecem destaque entre os pensamentos dos dois autores são
encontradas na missão da causalidade material e nos níveis de imputação objetiva.
Roxin constrói uma teoria geral da imputação objetiva para os crimes materiais,
substituindo a relação de causalidade tradicional. Jakobs, entretanto, não exclui o nexo causal
material, afirmando que não há como abandonar um mínimo de causalidade na aferição da
responsabilidade penal. A imputação objetiva, para ele, tem como função restringir o alcance
do nexo causal.
Com relação aos níveis de imputação, podemos destacar que "[ ...] a principal
peculiaridade do sistema de Roxin em face da doutrina dominante é a existência de um
terceiro nível de imputação, a saber, o alcance do tipo .27
A maioria dos autores define imputação objetiva em dois níveis: criação de um risco
proibido e relevante e sua realização no resultado.
Jakobs, por sua vez, estrutura o risco juridicamente relevante e proibido em quatro
subníveis, conforme visto acrma: risco permitido, princípio da confiança, proibição do
regresso e capacidade da vítima.
A imputação objetiva veio para facilitar a compreensão das diversas nuances do curso
causal, imputando ao autor apenas o que resultar de sua obra. Da mesma forma que o caput do
artigo, seu § 10 tampouco deve ser visto como um obstáculo à recepção da imputação objetiva
em nosso ordenamento.
Luís Greco conclui que a função do art. 13, § IOdo Código Penal é a de ser o
dispositivo com base no qual a moderna teoria da imputação pode encontrar um ponto de
apoio legislativo expresso. Dessa forma, o art.13 perde a função de ser o fundamento legal da
(complexa) teoria das concausas.
Ela, por conseguinte, não exclur" os demais requisitos, e com isso não alarga, mas sim
estreita o campo de imputação, não correndo contra, mas a favor da ampliação das garantias
no campo penal.
Dessa feita, é que a imputação objetiva constitui-se de uma série de princípios que
corroboram para uma aplicação mais justa do sistema penal como um todo, corroborando com
as garantias de um suposto investigado, indiciado ou réu.
Os critérios adotados pela imputação objetiva parecem ser mais adequados a diversas
situações antes "mal" resolvidas no campo do tipo subjetivo.
Assim, é que a teoria aqui defendida não vai de encontro aos princípios basilares do
direito penal, tais como: reserva lega, alteridade, dignidade da pessoa humana, lesividade,
auto-responsabilidade, exclusiva proteção dos bens jurídicos, proporcionalidade, confiança,
etc., todos já com grande destaque nos tribunais pátrios.
28 Filiamos-nos aqui com a corrente defendida por Jakobs, no sentido de não se excluir o nexo de causalidade
material.
62
A seguir segue inteiro teor do acórdão proferido numa apelação criminal demonstrando,
na prática, a aplicação da teoria da imputação objetiva. Vejamos:
Unânime
Excertos do acórdão
"VOTOS - O Exmo. Sr. Juiz Antônio Armando dos Anjos: Quanto aos fatos,
narra a denúncia de f. 2-6 que os réus agiram de forma negligente ao administrar a
unidade industrial da M., situada no Barreiro, local em que foram vítimas os
menores D.S.V., M.J.F.L., e C.R.S., lesionados por queimaduras de 2.0 e 3.0 graus,
sendo que o último, não resistindo aos ferimentos, veio a falecer. Segundo a inicial
acusatória, aos 26.7.1996, D.S.V., de dez anos, adentrou o terreno da empresa dos
réus, objetivando resgatar uma 'pipa', o mesmo ocorrendo com os menores M.J.F.L.
e C.R.S. em data de 31.7.1996. Não obstante o terreno ser de grande perigo, já que
formado por rescaldo (moinha) de carvão incandescente - derivado do
processamento de ferro gusa - o local não era devidamente sinalizado ou vigiado,
possibilitando a entrada de estranhos na empresa, como ocorreu com os menores.
Adentrando o terreno, as vítimas menores se depararam com uma camada de
significativa espessura sobre o solo, mas em combustão espontânea em seu interior,
que foi a causa eficiente para as queimaduras experimentadas".
(...)
Em suma, é o relatório.
(...)
o MÉRITO
63
(...)
suas dependências e a ocorrência dos sinistros. Em que pese a po tura do réus - não
acondicionamento do material nocivo - ter incrementado o risco para a produção
dos resultados lesivos, verifica-se que as medidas adotadas para a d tinação
daquele material (moinha de carvão) encontrava-se em consonância com regras
administrativas, contando mesmo com a tolerância dos órgão público quanto à
solução traçada. É de se destacar que os lamentáveis acidentes apurado n t auto
ocorreram dentro dos prazos consignados no Termo de Compromisso para a
acomodação dos indigitados resíduos sólidos, revelando que a empresa do .
comportava-se dentro dos parâmetros estabelecidos pelos órgãos ambienta' (i e
3.3 e 3.5, do quadro de f. 144).
Os adeptos da teoria da imputação objetiva aduzem que essa crítica não prepondera,
uma vez que esses elementos "vagos" e "imprecisos" não passam de elementos normativos
implícitos do tipo como tanto outros utilizados pelos próprios finalistas e clássicos. Alem
disso, a culpa, por exemplo, ao indicar o dever de cuidado objetivo e a previsibilidade
objetiva, aponta conceitos tão "vagos" quanto o do risco desaprovado, por exemplo. Utiliza-
se, muitas vezes, um juízo de valor muito similar para aferir o que vem a ser risco
desaprovado e o dever de cuidado objetivo.
Afirmam que a ausência do dolo em certas situações já é suficiente para que se tenha
uma solução jurídica.
Os defensores da "novel" teoria afirmam que ela não trata especificamente do dolo. A
análise da imputação objetiva precede a análise da causalidade psíquica - análise dos
elementos subjetivos do tipo -. Assim, se agiu com dolo ou não, este problema será analisado
em outra fase.
29 FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo apud JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 164.
66
Para os teóricos da teoria ora analisada, não é aceitável a proposição acima posta, uma
vez que "[ ...] se fosse assim, a simples criação do risco tomaria típica qualquer conduta, ainda
que permitido, livrando o autor da malha penal somente em nível de ilicitude".31
30 Como por exemplo, no clássico exemplo doutrinário sempre citado do sobrinho que, com intenção de ver o tio
morto, compra diversas passagens de avião para este parente, crendo que, um dia, o avião irá cair, levando-o ao
esperado óbito.
31 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 165.
67
CONSIERAÇÕES FINAIS
o funcionalismo penal, crescente corrente doutrinária, traz em seu bojo uma no a teoria
da imputação objetiva, fixando um método e critérios de aplicação desta teoria no eio do
Direito Penal.
o sistema funcionalista traz novos parâmetros para o Direito Penal, rompendo com
tecnicismo didático trazido à baila pelos sistemas clássico e finalista para a teoria do crime,
que não condiz muitas vezes com os princípios constitucionais e as garantias individuai que
atuam como balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas penais.
A imputação objetiva, embora possua seus méritos, não é capaz de substituir por
completo a teoria da equivalência dos antecedentes, sendo que, para se imputar um re ultado a
alguém, deve existir um mínimo de causalidade material complementada pela idéia da
causalidade normativa.
A imputação objetiva, então, funciona como uma análise a ser realizada após a aferição
de um nexo de causalidade material, com o fito de limitar os excessos cometidos pela teoria
da equivalência das condições e o seu método da eliminação hipotética.
Dessa forma, é que, através de conceitos novos e outros não tão genuínos, como a
criação de um risco e sua realização em um resultado jurídico; a proibição ao regresso; o
princípio da confiança; capacidade da vítima; dentre outros, a transgressora teoria tomou
possível uma análise mais justa da imputação penal.
Em assim sendo, a imputação objetiva foi inserida dentro do fato típico, sendo
reconhecida como um elemento normativo implícito do tipo. Dessa feita, é que a sua não
configuração implica a atipicidade da conduta ou do resultado realizado.
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Outra grande funcionalidade dessa teoria é o fato de o seu juízo de imputação poder
incidir sobre os crimes formais e de mera conduta, os quais não detinham a possibilidade de
uma análise mais acurada no que tange a imputação através da teoria da equivalência dos
antecedentes, visto que eles prescindem de resultado naturalísticos - ou mesmo não o
possuem - para fins de consumação, não havendo, por conseguinte, a idéia de nexo de
causalidade material, em virtude da inexistência de um resultado para se ligar a uma conduta.
A maior vantagem, ao meu ver, dessa "vanguardista" teoria deve-se ao fato da solução
de muitos conflitos ser tomada através da atipicidade ou tipicidade da conduta e/ou resultado
como mencionado acima, o que beneficia, de certa forma, a possibilidade de uma defesa
antecipada, ainda em fase de persecução penal extrajudicial. Isto se deve ao fato da
atipicidade da conduta e/ou resultado, quando bem demonstrada, ter o condão de determinar o
arquivamento de um inquérito policial, por exemplo.
Por fim, vislumbramos a sua possível aplicabilidade - ainda que temperada - em face do
sistema jurídico brasileiro, a despeito de o nosso Código Penal ter adotado expressamente em
seu art. 13 a teoria da equivalência de condições ao nexo causal.
Dessa forma, é que o parágrafo 1°, embora para alguns sustente a tese da causalidade
adequada, evidencia - segundo Greco, como já mencionado anteriormente - um fundamento
para a inserção da moderna teoria da equivalência dos antecedentes no sistema jurídico pátrio.
De outra sorte, vale destacar que, conforme defendemos, o ordenamento não pode ser
fechado, segundo preconizava Kelsen. Hodiernamente, com base no crescimento do
constitucionalismo e dos métodos hermenêuticos ligados a ele - aberto, dialógico, pragmático
e normativo - o sistema torna-se aberto, utilizando normas princípios como vetores de
interpretação e aplicação dos tipos penais ao caso concreto.
Por fim, infere-se que a teoria aqui defendida se coaduna com diversos princípios do
Direito Penal já consagrados pela doutrina e jurisprudência nacional.
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REFERÊNCIAS
BATI AGLINI, Julio. Direito penal. Parte geral, Trad. Paulo José da Costa Jr. E Anninda
Bergamini Miotto. São Paulo: Saraiva, Ed. Universidade de São Paulo, 1973, v. 1.
BUSATO, Paulo César. Fatos e Mitos sobre a Imputação Objetiva. Rio de Janeiro: Lúm
Júris, 2008.
COSTA JR., Paulo José. Nexo Causal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
ESTEF AM, André. Direito Penal 1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008.
GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva.Rio de Janeiro: Lumen J' is,
2007.
LUNA, Everardo da Cunha. Capítulos de direito penal- Parte geral. São Paulo: oararva,
1985.
MASSON, Cleber. Direito Penal- Parte Geral. São Paulo: Método, 2008.