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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O SISTEMA


JURÍDICO BRASILEIRO

Lauro Gondim Guimarães

Fortaleza -CE
Junho, 2009
LAVRO GONDIM GUIMARÃES
~abícula: 0267489

A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O SISTEMA


JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada como


exigência parcial para a obtenção
do grau de bacharel em Direito,
sob a orientação do professor
Samuel Miranda Arruda.

Fortaleza - Ceará
2009
TERMO DE APROVAÇÃO

A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O SISTEMA


JURÍDICO BRASILEIRO

Por

LAURO GONDIM GUIMARÃES


Matrícula: 0267489

Monografia apresentada como


exigência parcial para a obtenção
do grau de bacharel em Direito,
sob a orientação do professor
Samuel Miranda Arruda.

Aprovada em: () 2 / 06/ êPt

CA EXAMINADORA

Professor Samuel Miranda Arruda


Orientador - UFC

Bruno Cunha Weyne


Examinador - UFC

Gustavo Cesar Machado Cab ai


Examinador - UFC
Primeiramente, a Deus, por ser a razão de todo
o universo.
Aos meus pais, pela preciosa instrução e pelo
amor incondicional que me proporcionam.

À minha Pitoca, por estar sempre ao meu lado,


seja nos momentos bons ou ruins.
AGRADECIMENTOS

Novamente a Gabi, meu grande amor, por ter me ajudado efetivamente na construção deste
trabalho, dedicando seu carinho, compreensão e atenção.

Aos meus pais, por acreditarem sempre no meu potencial.

Ao uncle Jamp, pela salutar assessoria prestada na tradução do resumo deste trabalho.

Ao professor Samuel Arruda, pela disponibilidade que me foi fomecida para a orientação
deste trabalho.

Aos mestrandos e, além de tudo, colegas Bruno e Gustavo, por me honrarem na


composição dessa banca examinadora.

À já saudosa centenária Salamanca, por ter me proporcionado uma parcela, ainda que
diminuta, de seu saber jurídico, bem como a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas que
guardarei um grande apreço por toda vida.
''Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem .."

Cazuza
RESUMO
A teoria da imputação objetiva, inseri da como um dos elementos do fato típico - caracterizada
como elemento normativo implícito do tipo -, vem ganhando uma maior expressividade na
doutrina estrangeira e nacional nesta última década, principalmente em decorrência da expansão
da corrente do funcionalismo penal. Ela possui, em princípio, o condão de limitar os excessos
cometidos pela tradicional teoria da equivalência dos antecedentes adotada pelo Código Penal
Brasileiro, bem como de trazer soluções jurídicas para situações em que a teoria da ausência do
dolo não comporta. Funda-se, portanto, em fornecer uma solução jurídica primada pelo valor de
uma justa aplicação da norma penal. A aplicação vanguardista desta teoria parte da idéia do
conceito de risco relevante e proibido, bem como da realização deste em um resultado jurídico,
formando assim o chamado nexo de causalidade normativo. Além da inovação trazida pelo
conceito de risco proibido e relevante, a imputação objetiva envolve também, para a justa solução
de conflitos, institutos outros, como a proibição do regresso ao infinito e o princípio da confiança.
Assim, com a adoção desta teoria, muitos problemas, antes solucionados através da teoria da
ausência do dolo e das causas justificantes - excludentes de antijuridicidade -, solucionam-se
com espeque na atipicidade da conduta ou do resultado, por falta de imputação objetiva deste
àquela.

Palavras-chave: Teoria da Equivalência dos Antecedentes. Teoria da Imputação Objetiva. Risco


relevante e proibido. Fato típico.
ABSTRACT
The theory of the objective accusation, inserted as one of the elements of the anti-juridical fact -
characterized as an implicit normative element of the kind -, has been acquiring more projection
both in the foreign and national doctrines ofthe last decade, mainly as a result ofthe expansion of
the trend of penal functionalism. In principIe, it holds the power to limit the excesses of the
traditional theory of the equivalence of antecedents, adopted by the Brazilian Penal Code, and to
provide a juridical solution to situations where the theory of no-harm does not apply. Thus, it is
bottomed at producing a juridical solution prioritized by the value of the fair employment of the
penal norm. The cutting-edge application of this theory stems from the idea of the re1evant and
prohibited risk concept, in conjunction with its use in a jurídical result, thus establishing the so-
called normative causation nexus. Besides the innovation brought about by the concept of
relevant and prohibited risk, the objective accusation also involves other established laws aiming
at the fair solution of conflicts, such as the ruling out of the infinite causal regression and the
principIe of trust. Therefore, by adopting this theory, many of the problems that were previously
dealt with by means of the no-harm theory and justification - exculpatory of anti-juridicity -, can
now be solved with the support of the atypicality of conduct or result, due to the absence of its
objective accusation to that.

Key words: Theory of the Equivalence of Antecedents. Theory of the Objective Accusation.
Relevant and Prohibited Risk. Typical Fact.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10
1. SISTEMAS OU TEORIAS PENAIS 11
1.1 Terminologia utilizada 11
1.2 Breve análise dos sistemas penais 11
1.2.1 Sistema Clássico 11
1.2.2 Sistema Neoclássico 13
1.2.3 Sistema Finalista 13
1.2.3.1 A Teoria Social da Ação 17
1.2.4 Sistema Funcionalista 19
2 ESTRUTURA DO CRIME 23
2.1 Fato Típico ; 23
2.2 Conduta 24

2.3 Tipicidade , 27
2.4 Resultado 30
2.5 Nexo Causal. 32
2.5.1 Teorias da Causalidade 33
2.5.1.1 Teoria da Equivalência dos Antecedentes 33

2.5.1.2 Teoria da Causalidade Adequada 36


2.5.1.3 Teoria da Causalidade Tipicamente Relevante 40
3 A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA 42
3.1 Breve Histórico 42

3.2 Conceito e Natureza Jurídica 43


3.3 Pressupostos de Aplicação 45
3.3.l Criação ou aumento de um risco relevante e proibido 45
3.3.1.1 Diminuição do risco 48

3.3.1.2 Incremento do risco 49


3.3.1.3 Objeto jurídico já exposto à provável afetação 49
3.3.2 Realização do risco proibido e relevante no resultado 50
3.3.3 Risco compreendido no alcance do tipo 52
3.3.3.1 Autocolocação dolosa em perigo 53

3.3.3.2 Heterocolocação consentida em perigo 55


3.3.3.3 Responsabilidade de terceiro 55
3.4 A Imputação Objetiva segundo Roxin e Jakobs 56
3.4.1 O pensamento de Roxin 56
3.4.2 O pensamento de Jakobs 57
3.4.2.1 Criação de um risco permitido 57
3.4.2.2. Princípio da Confiança 57
3.4.2.3. Proibição do regresso 59
3.4.2.4 Capacidade da vítima 59
3.4.3. As diferenças básicas entre os pensamentos de Roxin e Jakobs 60
3.4.4 A aplicabilidade da Teoria da Imputação Objetiva no Sistema Pátrio 60
3.4.4.1 A Possibilidade de sua aplicação 60
3.4.4.2 Ilustração Jurisprudencial. 62

3.4.5 Críticas à Teoria 65


3.4.6 Vantagens da Teoria 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS 67
REFERÊNCIAS 69
INTRODUÇÃO
o Direito Penal contemporâneo, em razão do crescimento das diversidades das relações
jurídicas, bem como em relação aos valores trazidos pela nova ordem constitucional, deve ser
observado com um enfoque diferenciado.

A funcionalidade deve ser priorizada para frns de aplicação desse ramo da ciência jurídica,
pois, de todos os ramos, é o que traz uma maior invasão à esfera jurídica do indivíduo, por ser
capaz de lhe tolher a liberdade.

Dessa forma, o tecnicismo didático trazido à baila pelos sistemas clássico e finalista para a
teoria do crime, indicando critérios insuficientes para contemplar a diversidade das relações, não
condiz muitas vezes com os princípios constitucionais e as garantias individuais que atuam como
balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas penais. Não se pode, portanto,
cogitar da aplicação meramente robotizada dos tipos incriminadores.

Em assim sendo, é que a teoria da imputação objetiva foi construída no sero do


funcionalismo penal, comungando-se com os ideários constitucionais.

A presente teoria tem sua importância, pelo fato de estabelecer critérios de atribuição de
conduta e resultados normativos ao indivíduo responsável por eles, com bases na idéia do risco
proibido e permitido.

Coaduna-se, portanto, com importantes princípios do Direito Penal, tais como o da


Insignificância, Auto-Responsablidade ou Ações a Próprio Risco, Confiança; os quais serão
melhores explicitados no desenvolvimento desse trabalho.

Todos esses princípios encontram guarida na CF/88, derivando de princípios expressos,


tais quais o da Dignidade da Pessoa Humana, Legalidade, Presunção de Inocência. Derivam
também dos princípios implícitos da Intervenção Mínima do Direito Penal e da Exclusiva
Proteção do Bem Jurídico, bases do Garantismo Penal e do Direito Penal Constitucional.

Diante do exposto, é que o nosso Código Penal, elaborado sobre a influência da Teoria
Finalista da Ação, deve se coadunar com a nova ordem constitucional trazida pela CF/88, o que
através da Teoria da Imputação Objetiva se faz possível.
1 SISTEMAS OU TEORIAS PENAIS

1.1 Terminologia utilizada

A expressão "sistemas penais" é pouco empregada pelos doutrinadores pátrios,


preferindo estes a utilização da terminologia "teorias penais", sendo esta mais comumente
citada nos manuais de direito penal.

A palavra "sistema" nos parece mais escorreita e técnica, afirmando, ainda, que o
"Sistema penal, portanto, indica um conjunto de teorias intrinsecamente relacionadas,
desenvolvidas durante determinado período da evolução da dogmática penal". I

Hodiemamente, podem ser destacados quatro sistemas penais, dentre eles, tem-se: a)
Sistema Clássico; b) Sistema Neoclássico; c) Sistema Finalista e d) Sistema Funcionalista,
sendo este objeto de estudo mais detalhado no decorrer deste trabalho.

1.2 Breve análise sobre os sistemas penais

1.2.1 Sistema Clássico

No final do século XIX, primeiramente com Franz Von Liszt, depois com Beling e
Radbruch - por isso é conhecido também como sistema "Liszt/Beling/Radbruch" -, surgiu o
sistema clássico.

Esses penalistas contribuíram para o sepultamento da responsabilidade penal objetiva,


colocando o dolo e a culpa como elementos essenciais do crime, apesar de apontá-los na
culpabilidade, como veremos adiante.

Este sistema sofreu enorme influência do positivismo científico, adotando-se o


naturalismo do final do século XIX como forma de conceituar o delito, em virtude da forte
tendência àquela época de se submeter as ciências humanas ao ideal de exatidão das ciências
naturais.

Este sistema contempla duas importantes teorias, quais sejam: a) a teoria causal ou
naturalista da ação e b) a teoria psicológica da culpabilidade.

I ESTEF AM, André. Direito Penal]: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008, p.58.
12

Para a teoria causal da ação, preceitua-se que a ação é o elemento capaz de modificar o
mundo exterior, sendo vista como uma simples inervação muscular, produzida por energias de
um impulso cerebral.

Em relação a teoria psicológica da culpabilidade, é ela a responsável por inserir os


elementos dolo e culpa dentro do conceito de culpabilidade. A culpabilidade, para esta teoria,
seria o vínculo psicológico que une o autor ao fato praticado, por meio da culpa ou do dolo.

Inúmeras críticas se levantaram contra este sistema, referentes tanto a teoria causal da
ação, quanto à teoria psicológica da culpabilidade.

Para os críticos, a ação deveria ser voltada a uma finalidade - teoria finalista da ação -,
possuindo a conduta elementos como a exteriorização de um pensamento, voluntariedade e
consciência, podendo ser ela dolosa ou culposa, elementos estes que pertenciam a
culpabilidade para os clássicos.

Em assim sendo, seriam atípicas condutas baseadas em ato reflexos e atos inconscientes,
por exemplo. Hipóteses estas que seriam consideradas típicas pela teoria causal da ação.

Outra crítica bastante contundente era o fato de os elementos culpa e dolo serem
inseridos no âmbito da culpabilidade. Ocorre que não se pode separar a intenção da conduta,
visto que indissociáveis na prática. Isso porque ninguém age sem ter, por detrás, alguma
intenção, por mais singela que seja.

Em conseqüência do parágrafo anterior, a teoria psicológica da culpabilidade encontra


sérios obstáculos ao explicar o crime tentado. Exemplificando, teríamos grande dificuldade
para diferenciar, na prática, um crime de furto tentado de uma invasão de domicílio, visto que,
sem perquirir a intenção do agente no momento da conduta, seria impossível determiná-Ia,
pairando dúvidas sobre qual delito foi cometido.

Em certas ocasiões, fica difícil até de se saber se houve um fato típico ou não, ao
tomarmos com base a teoria psicológica da culpabilidade. Dessa forma, quando um médico
passa suas mãos nas partes Íntimas de uma paciente, não temos como saber se ocorreu algum
delito - atentado violento ao pudor mediante fraude, por exemplo - se não for analisada a
intenção do médico no momento da prática da conduta.

Em virtude desse apanhado de objeções, começou a surgir entre os penalistas uma


tendência em se falar nos elementos subjetivos do injusto como forma de solucionar esses
problemas deixados pelo sistema clássico.
13

1.2.2 Sistema Neoclássico

Reinhard Frank reformulou a noção de culpabilidade com o escopo de solucionar as


questões trazidas pela crítica à teoria psicológica da culpabilidade. Procurou, para tanto,
adequar esta teoria aos problemas concretos, notadamente às situações de coação moral
irresistível e obediência hierárquica.

Frank traz a idéia de reprovabilidade para o sero da culpabilidade, vinculando-as.


Afirmava que só se poderia considerar culpável uma conduta, quando reprovada socialmente,
não se podendo exigir do agente uma conduta diferente, quando esta fosse tolerada pelo meio
social, isto é, quando não fosse digna de censura.

Em assim sendo, é inserido um novo elemento à culpabilidade, qual seja a exigibilidade


de conduta diversa, a qual somada ao dolo e culpa, bem como à imputabilidade, preenchiam o
elemento da culpabilidade.

Essa teoria foi intitulada de "teoria psicológico-normativa da culpabilidade" ou


"normativa da culpabilidade", em virtude da inserção desse elemento normativo, sendo
imprescindível a utilização de um juízo de valor sobre ele.

Vale ressaltar que a teoria da ação continuou sendo a mesma", bem como o dolo e a
culpa continuaram no seio da culpabilidade, restando, por conseguinte, inúmeras das críticas
que eram feitas em desfavor do sistema clássico.

Procurou Frank apenas solucionar, como dito outrora, um dos problemas encontrados na
teoria clássica: a necessidade de explicar lógica e juridicamente a absolvição nos casos de
coação moral irresistível e obediência hierárquica.

1.2.3 Sistema Finalista

Em 1931, Hans Welzel, em sua obra Causalidade e omissão, maugura um novo


pensamento acerca da teoria do crime, rompendo com os sistemas supracitados. Sua maior
contribuição para a construção desse novo sistema - o finalista - foi a elaboração da Teoria
Finalista da Ação e da Teoria Normativa Pura da Culpabilidade.

Welzel percebe que ajinalidade constitui a espinha dorsal da conduta humana. Para ele,
a ação não é um mero acontecer causal, mas sim um acontecer final. A finalidade está sempre

2 Teoria causal da ação.


14

presente, uma vez que o homem pode direcionar sua ação para a produção de um resultado
querido.

A conduta, portanto, é um comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a


um fim.

Essa teoria tem como ponto de partida a concepção do homem como ser livre e
responsável pelos seus atos. Consoante os apontamentos de Cleber Masson, "[ ...] as regras do
Direito não podem ordenar ou proibir meros processos causais, mas apenas atos dirigidos
finalisticamente, ou então a omissão de tais atos". 3

Isso tem aplicabilidade tanto para os delitos dolosos, quanto para os culposos. A
diferença entre eles reside no fato de que o resultado perseguido pelo agente, no delito
culposo, não ocorre como o esperado, mas sim de maneira diversa da pretendida. Dessa
forma, constata-se que toda conduta humana é motivada por um fim que é perseguido pelo
agente, sendo que se este fim ocorre da maneira almejada e, caso se subsuma em um tipo
penal, ocorre um fato típico doloso.

Quanto aos crimes culposos, a despeito do defendido acima, a teoria finalista da ação
sofreu pesadas críticas, porquanto não se sustentava a finalidade da ação concemente ao
resultado naturalístico involuntário.

Surgiu, para tanto, a chamada Teoria Cibernética, a qual buscava compatibilizar o


finalismo penal e os crimes culposos.

Everardo da Cunha Luna tece alguns comentários da citada teoria em Capítulos de


direito penal, vejamos:

Welzel informa que, ao tomar do campo da filosofia de Nicolai Hartmann, pela


primeira vez e em 1935, o termo finalidade, outra expressão não existia que se
adequasse ao seu pensamento sobre a ação humana. Ao surgir, porém, em 1948, com
Norber Wiener, o termo cibernética, seria melhor talvez preferi-lo ao termo
finalidade, para designar a ação como fato dirigido e orientado pela vontade. Como,
porém, o termo cibernética tem uma significação precisa no campo da matemática,
deve ser mantido o uso lingüístico jurídico-penal finalidade, sabendo-se, desde já,
que ocasiona mal-entendidos ao ser interpretado de uma maneira estreita e literal. Se
não fora o inconveniente indicado, a ação cibernética compreenderia, com clareza, o
dolo e a culpa, abrangendo, em ambos, o que existe de juridicamente relevante, ou
seja, a direção?

A biocibemética, segundo Zaffaroni, tem revelado que em toda conduta há uma


programação, a partir de uma antecipação de um resultado, determinando, para tanto, uma

3 MASSON, Cleber. Direito Penal- Parte geral. São Paulo: Método, 2008, p. 223.
4 LUNA, Everardo da Cunha. Capítulos de direito penal- Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 108.
15

estrutura ôntica da conduta. Para ele, essa estrutura ôntica-ontológica da conduta remonta a
Aristóteles, o qual não concebia qualquer conduta voluntária que não fosse final, adotando,
pois uma teoria realista, que se contrapõe à idealista.5

o consignado acima nada mais é do que a ratificação do já defendido por mim outrora".
Nota-se que, nos crimes culposos, há uma conduta direcionada a um fim, ocorre que,
entretanto, esse fim - resultado naturalístico - ocorre de maneira diversa do pretendido pelo
agente. Tem-se, pois, quando doloso, o resultado é voluntário - condizente com a intenção da
conduta -, entretanto, quando culposo, o resultado é involuntário.

Para ilustrar a explanação, finquemos o seguinte exemplo:

Exemplo: Imaginemos um motorista "A" que acelera seu veículo em alta velocidade em
uma avenida de nossa capital com a finalidade de ganhar tempo e chegar ao trabalho mais
cedo. Vê-se que a velocidade empreendida pelo agente fora acima do permitido pela
legislação de trânsito naquele local. Tem-se também que ele estava nas proximidades de uma
escola primária em horário de término de aula, no qual os alunos estavam saindo do recinto e
atravessando a rua. Suponha-se que uma dessas crianças venha a ser atingida pelo veículo do
motorista "A", que vinha em alta velocidade, dirigindo de maneira imprudente.

Destaca-se, no exemplo retro mencionado, que o agente cometeu um homicídio culposo


na direção de veículo automotor. Não se pode concordar que a conduta do agente era vazia de
finalidade. Havia sim, no caso, uma finalidade em sua conduta. O sujeito, de fato, queria
empreender uma alta velocidade em seu veículo com a fmalidade de chegar mais cedo ao
trabalho. Acontece que o resultado pretendido não ocorreu, mas sim um diverso, qual seja, o
atropelamento do infante.

Com isso, infere-se que o mencionado penalista transporta o dolo e a culpa, que
pertenciam à culpabilidade, para o fato típico, mais precisamente, para dentro da conduta.
Forma-se a chamada culpabilidade vazia, desprovida do dolo e da culpa.

Importante frisar, ainda, que o dolo pertencente à culpabilidade era dolo híbrido ou
normativo, já que apresentava em seu interior o elemento normativo da consciência da
ilicitude.

5 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral.
5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 395 e 396.
6 P. 14.
16

Ao se transportar o dolo para o fato típico - para o interior da conduta -, ele perdeu essa
carga normativa, permanecendo a consciência da ilicitude no campo da culpabilidade, mas,
agora, com um novo enfoque, transformando-se em potencial consciência da ilicitude.

O dolo da conduta é o dolo neutro - ou natural - , ou seja, sem elementos normativos.


Sua estrutura é composta pela consciência e pela vontade, ambos elementos psicológicos.

A culpabilidade, por sua vez, passou a ser integrada apenas por elementos normativos:
Potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e imputabilidade; todos
carecendo de um juízo de valor para a sua análise. Pelo fato de só comportar elementos
normativos em sua estrutura, deduz-se a nomenclatura de sua teoria: Teoria normativa pura
da culpabilidade.

A retirada do dolo e da culpa de dentro da culpabilidade tomou possível a criação de um


novo conceito analítico de crime, o que era impossível à época do sistema clássico e
neoclássico. Surge, pois, o conceito bifásico de crime, sendo este um fato típico e antijurídico,
restando a culpabilidade como pressuposto de aplicação da pena.

Veja-se que tal conceito de crime é incompossível com o sistema clássico, visto que
estar-se-ia consagrando a responsabilidade penal objetiva, pois, se assim o fosse, possível
seria imputar a alguém um crime sem que fosse analisada a existência de culpa ou dolo pelo
agente.

A relevância prática dessas mudanças teóricas trazidas pelo finalismo pode ser bem
delineada através de um exemplo hipotético, demonstrando que o dolo está na ação e não na
culpabilidade.

Exemplo: O art. 124 do CP tipifica o crime de auto-aborto. Trata-se de delito punido


apenas na forma dolosa. Logo, se uma gestante ingere, acidentalmente, um comprimido,
desconhecendo o seu efeito abortivo, não responderá pelo crime. Pergunta-se, então, por quê?
E a resposta evidente é: porque o fato é atípico - a lei não pune o aborto culposo -.

Adotando-se o sistema clássico, entretanto, teríamos um fato típico e antijurídico, pois a


falta de dolo, nesse sistema, não conduz à atipicidade do comportamento, mas leva à exclusão
da culpabilidade. Na prática, significa que o Ministério Público, por esse sistema, mesmo após
constatar com absoluta segurança que a mãe não agiu dolosamente, deveria denunciá-Ia pelo
crime do art. 124 do CP, cabendo ao juiz ou ao Júri absolvê-Ia. Com o sistema finalista,
contudo, tal absurdo pode ser evitado. Quando o membro do MP conclui categoricamente que
não houve dolo, tem diante de si um fato atípico, com base em que pode validamente postular
17

o arquivamento do inquérito policial, o que não seria possível se o dolo estivesse inserido na
culpabilidade, visto que a análise desta cabe ao juiz.

Por fim, cumpre destacar que o Código Penal brasileiro em vigor, com a Reforma da
Parte Geral pela Lei 7.209/1984, parece ter manifestado preferência pela teoria finalista da
ação, consagrando o dolo e culpa na conduta/ação.

Uma forte evidência se encontra no art. 20, caput, do Código Penal: "O erro sobre o
elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime
culposo, se previsto em lei".

Ora, se a ausência de dolo acarreta a exclusão do fato típico - ainda que somente na
forma dolosa -, é porque o dolo está na conduta do agente.

1.2.3.1 A Teoria Social da Ação

A presente teoria tem grande relevância para este trabalho, porquanto foi uma das raízes
de alguns critérios trazidos posteriormente pelos adeptos da teoria da imputação objetiva.

Joahannes Wessels, na tentativa de equacionar a problemática da insuficiência dos


ideais clássico e finalista para disciplinar a conduta - por desconsiderarem um aspecto
essencial do comportamento humano: o seu aspecto social -, criou esta teoria.

Jescheck, partidário dessa teoria, define a conduta como "[ ...]0 comportamento humano
com transcendência social"."

É também rotulada como Teoria da Adequação Social e pode ser enquadrada dentro do
finalismo - um de seus teóricos foi o próprio Hans Welzel -, visto que incorpora parte de suas
premissas. Foi concebida visando suplantar o conceito finalista e, por essa razão, agregou um
elemento até então inexistente ao conceito de ação, qual seja a relevância social.

Dessa forma, a ação passa a ser entendida como a conduta socialmente relevante,
dominada ou dominável pela ação e dirigida a uma finalidade. A presente teoria não ganhou
muitos adeptos, visto que, em última análise, significava a revogação de uma lei penal por um
costume social.

Ela defende que o Direito Penal só deveria tipificar condutas que tinha alguma
relevância social. Assim, aquelas condutas socialmente adequadas não deveriam ser objeto de

7 JESCHECK, Hans-Heinrich apud MASSON, Cleber, op cit, 2008, p. 226.


18

censura pela lei penal, devendo ser excluídas do âmbito da tipicidade. Um fato, portanto, não
pode ser aceito pela sociedade e, ao mesmo tempo, tipificado como um ilícito penal.

Desde já, pode-se adiantar que esse conceito de conduta socialmente adequada
assemelhasse muito com um dos critérios utilizados pelos defensores da imputação objetiva,
qual seja o risco permitido.

Ocorre que, à época da teoria da adequação social, esta idéia ainda era imprecisa,
servindo mais como um método hermenêutico. A principal critica que se faz a essa teoria
repousa na vastidão da extensão do conceito de transcendência ou relevância social, que se
presta a tudo, inclusive a fenômenos acidentais e da natureza.

Manuel Cancio Meliá observa que a opinião de Welzel a respeito do critério de


adequação social sofre três distintas fases. Na primeira, que serve de precedente da teoria da
imputação objetiva, considera-se que a adequação social é um critério axiológico de
identificação do tipo; uma segunda, expressa na décima edição de seu Tratado", na qual
Welzel reduz a importância do critério a uma mera causa de justificação consuetudinária e,
finalmente, uma terceira etapa, com a apresentação de seu "Novo Sistema do Direito Penal",
no qual, embora voltando a referir-se à situação da adequação social no tipo, reduz esta a "um
princípio geral em matéria de interpretação?", que serve somente para identificar o substrato
empírico-social em que se baseia a formulação dos tipos.

Essa terceira concepção, que reduz a "adequação social" a um critério hermenêutico de


seleção dos tipos situado fora da teoria do delito tem sido o mais utilizado pela doutrina,
especialmente pelos finalistas, os quais, por vezes, inclusive descartam completamente o
critério por entendê-lo demasiado imprecíso.''' A imprecisão, por conseguinte, decorre do
próprio conceito de socialidade, que não oferece um parâmetro jurídico seguro para aferir a
tipicidade.

Assim, é que Welzel estabeleceu uma conexão entre a realidade social e hermenêutica,
partindo da premissa de que as relações sociais desenvolvem-se em uma constante dialética,
cujas mutações tomam necessária a permanente evolução do trabalho exegético. O método

8 WELZEL, Hans apud BUSATO, Paulo César. Fatos e Mitos sobre a Imputação Objetiva. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2008, p. 40.
9 WELZEL, Hans apud Id., Ibid., 2008, p. 41.
10 '
CANCIO MELIA, Manuel apud Ibid., 2008, p. 41.
19

lógico, rígido e inflexível de interpretação deu lugar a uma interpretação evolutiva, de acordo
- SOCla.
com a evo Iuçao . I II

Tais apontamentos corroboram para o que se demonstrará mais tarde, neste trabalho,
qual seja, a compatibilidade entre o sistema finalista e a teoria da imputação objetiva, sendo
esta - já adiantando - um fator limitador ao nexo causal material defendido pelos finalistas.
Paulo César Busato, apoiado em Cancio, confirma o aqui esposado, ao indicar:

Como resultado, estamos de acordo com Cancio no sentido de que a adequação


social pode ser considerada "um verdadeiro segundo pilar da teoria finalista da ação
em sua concepção original'Y", já que sua formulação original, considerada um filtro
normativo do injusto guarda estreita similitude com a aplicabilidade prática e
extensão das modernas teorias a respeito da imputação objetiva, razão pela qual
"parece dificil seguir afirmando que os resultados alcançados pela teoria finalista da
ação são incompatíveis com a imputação objetiva".1314

Para Maurício Antônio Ribeiro Lopes, o princípio é historicamente necessário em


situações de esclerotização legislativa, quando os velhos esquemas normativos são
dificilmente adequáveis, só com os instrumentos exegéticos, à realidade econômica-social em
radical transformação. 15

Faz-se salutar fazer uma breve distinção entre o princípio da adequação social e o
princípio da insignificância, conquanto aparentam apresentar o mesmo conteúdo. Há, pelo
menos, dois pontos em que eles se distinguem.

Enquanto a adequação social supõe a aprovação social da conduta, o princípio da


insignificância somente afirma uma relativa tolerância por sua escassa gravidade. A outra
diferença reside no fato de que a aquela está, provavelmente, regulada sobre os desvalor da
ação, enquanto este recai sobre o desvalor do resultado.

1.2.4 Sistema Funcionalista

o funcionalismo penal teve suas ongens na Alemanha, a partir da década de 70,


possuindo como principais seguidores os teóricos Claus Roxin (funcionalismo racional-
teleológico) e Günther J akobs (funcionalismo sistêmico),

11CAPEZ, Fernando. Consentimento do Ofendido e Violência Desportiva. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 43-44.
12CANCIO MELIÁ, Manuel apud BUSATO, Paulo César, op. cit., 2008, p. 41.
13CANCIO MELIÁ, Manuel apud BUSATO, Paulo César, op. cit., 2008, p. 42.
14Ibid, 2008, p. 42.
15PALIERO, Carlos Enrico apud LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da /nsignificancia no Direito
Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. 2.
20

Esse movimento teve como principal foco o estudo dos fins - missão - do direito penal,
rompendo com toda a metodologia utilizada pelos sistemas anteriores, os quais buscavam
estruturar o crime sobre premissas técnicas, didáticas e empíricas.

A grande tendência, portanto, desse sistema baseia-se em submeter o rigor da dogmática


penal aos fins do direito penal. O tecnicismo passou a ceder espaço à política criminal. Os
critérios rígidos dos sistemas anteriores, a despeito de possuírem a seu favor a segurança
jurídica, muitas vezes traziam resultados injustos para os casos concretos analisados.

Assim, é que, acima da rígida técnica jurídica de imputação - utilizando-se, para tanto,
os métodos inerentes à verificação do nexo causal material -, deve-se procurar uma solução
justa. Mais importante, por conseguinte, que situar o dolo e a culpa no fato típico ou na
culpabilidade é resolver, com justiça, a situação concreta e executar um plano de atuação
jurídico penal visando propiciar melhor convivência entre os membros da sociedade.

Segundo aponta Capez, "A tarefa de adequação típica deixa de ser um exercício rígido
de lógica formal, em que se comparam elementos concretos com abstratos para ver se se
encaixam. O tipo penal não podia continuar sendo tratado como uma calça justa [... ]".16

Para esta corrente, não importa fincar uma estrutura rígida do delito, estabelecendo nela
seus componentes de forma estática, mas sim apresentar uma proposta voltada à finalidade do
direito penal, procurando sempre uma solução justa, o que, para isso, necessita ser um sistema
mais aberto e flexível, utilizando critérios através de princípios.

A finalidade, entretanto, do direito penal difere conforme os defensores dessa corrente.


Destarte, Roxin e Jackobs divergem quanto à função do direito penal, o que reflete
decisivamente em seu modo de pensar a dogmática penal.

A grande distinção reside no fato de que Roxin propõe limitações expressas ao direito
de punir estatal, o que não é defendido por Jackobs. Abaixo, colaciona-se uma síntese sobre o
pensamento de cada um.

Roxin: "Os limites da faculdade estatal de punir só podem resultar da finalidade que tem
o direito penal no âmbito do ordenamento jurídico estatal. [...]." Ainda acrescenta: "Penso
que o direito penal deve garantir os pressupostos de uma convivência pacífica, livre e
igualitária entre os homens, na medida em que isso não seja possível através de outras
medidas de controle sociopolíticas menos gravosas?'. Nota-se o caráter subsidiário do direito

16 CAPEZ, Femando, op. cit., 2003, p. 50.


17 ROXIN, Claus apud ESTEFAM, André, op. cit., 2008, p. 73.
21

penal na concepção de Roxin, guardando forte relação com o princípio da intervenção


mínima.

Jak:obs: "[ ...] a garantia jurídico-penal da norma deve garantir a segurança de


expectativas". Nesse sentido, "[ ...] a finalidade da pena é a manutenção estabilizada das
expectativas sociais dos cidadãos. Essas expectativas são o fundamento das normas [...]".
Indica, ainda, que "O direito penal, portanto, protege a validade das normas e essa validade é
o bem jurídico do direito penal". 18

Percebe-se que a visão de Roxin é, de certo modo, de um direito penal mais garantista,
ao passo que J ak:obs defende um direito penal com maior intervenção, devendo a lei penal ser
sempre aplicada para garantir as suas próprias expectativas normativas, determinando, desse
modo, o comportamento da sociedade conforme o direito. Tal diferença encontra reflexo
também em outras posições desses autores, como por exemplo, a criação do princípio da
insignificância por Roxin e a proposta do direito penal do inimigo - atual e revolucionária -
trazida por Jakcobs.

Outros reflexos desses posicionamentos díspares serão abordados em momento mais


apropriado, quando da análise da própria teoria da imputação objetiva e seus critérios
norteadores.

A critica que fazem a este sistema consiste no fato de que ele é apoiado por critérios
fluidos - como é o caso do risco permitido -, comprometendo a segurança jurídica e, ao meu
ver, pelo menos de forma rasteira, a taxatividade do direito penal. Mais para frente, irá ser
abordado esta problemática da suposta falta de segurança jurídica dos critérios utilizados pelo
funcionalismo penal.

Foi no seio deste sistema aberto, com enfoque em princípios norteadores para alcançar
um critério justo de imputação, que a teoria da imputação objetiva ganhou força no direito
penal.

Frisa-se que a imputação objetiva não surgiu com o funcionalismo penal, como alguns
pensam. O tema imputação não é exatamente um assunto novo - como será destacado mais

18 Enrique Bacigalup apud Ibid., 2008, p. 73.


22

adiante -, nem muito menos fruto de concepções modernas sobre a teoria do delito - como,
por exemplo, o funcionalismo -, ainda que tenha lugar nelas. 19

19 GRECO, Luís. Imputação objetiva: uma introdução. in ROXIN, Claus, Funcionalismo e imputação objetiva
no Direito penal. Trad. Luís Greco, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 10 e ss.
2 ESTRUTURA DO CRIME

o crime pode ser conceituado levando-se em conta critérios diferentes, o que faz com
que o seu conceito seja diferente conforme a adoção de cada um desses critérios.

De uma forma sintética, podemos afirmar que o crime pode ser conceituado conforme o
critério material ou substancial, legal e analítico - também chamado de formal' ou dogmático.

Consoante o critério material, o crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou
expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados. Já segundo o critério legal, o
conceito de crime é fornecido pelo próprio legislador, o que nos é dado pela Lei de Introdução
ao Código Penal (Decreto-lei 3.914, de 9 de dezembro de 1941).

o conceito analítico de crime fundamenta-se nos elementos que compõem a estrutura do


crime. Com base nele, surgiram três grandes posicionamentos acerca dos elementos
estruturantes do delito.

Basileu Garcia sustentava ser o crune composto por quatro elementos: fato típico,
ilicitude, culpabilidade e punibilidade./Essa posição é minoritária.

Outros autores adotam uma posição tripartida, pela qual seriam elementos do crime:
fato típico, ilicitude e culpabilidade. Perfilham esse entendimento, entre outros, Nélson
Hungria, Aníbal Bruno, Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Regis Prado.

Por fim, há autores que entendem o crime como fato típico e ilícito. Alguns deles são
Damásio E. de Jesus e Julio Fabbrini Mirabete. Para os seguidores dessa teoria bipartida, a
culpabilidade seria um pressuposto de aplicação da pena.

Nesse trabalho, iremos adotar a teoria dualista, por ser ela a mais recente e a mais aceita
dentre os finalistas3.

2.1 Fato Típico

Fato típico é o fato humano ou também praticado por pessoa jurídica" que se encaixa
com perfeição aos elementos descritos no tipo penal. Conforme leciona Damásio E. de Jesus,
"Fato típico é o previsto na lei como infração penal (crime ou contravençãoj't '

I Nomenclatura utilizada por Damásio E. de Jesus.


2 BATI AGLINI, Julio. Direito penal. Parte geral, Trad. Paulo José da Costa Jr. E Arminda Bergamini Miotto.
São Paulo: Saraiva, Ed. Universidade de São Paulo, 1973, v. 1, p. 339.
3 Importante frisar que também há fmalistas tripartidos. O que é impossível é se ter um clássico bipartido.
24

É de salutar importância mencionarmos que, graças ao sistema finalista - em conjunto


com a teoria finalista da ação e a teoria nonnativa pura da culpabilidade - é que podemos
diferenciar um fato típico do crime doloso e outro de crime culposo, uma vez que o dolo e a
culpa saíram da culpabilidade e foram inseridos dentro do fato típico.

Os elementos que compõem o fato típico, pela doutrina causalista tradicional, nos
crimes materiais dolosos, são: conduta humana, resultado naturalístico, nexo de causalidade
material entre a conduta e o resultado e a tipicidade.

Nos crimes culposos, a composição se diferencia um pouco. Vejamos: conduta humana


voluntária, resultado naturalístico involuntário, nexo causal, tipicidade, quebra do dever de
cuidado objetivo e, por fim, a previsibilidade objetiva.

Os crimes formais e de mera conduta não possuem resultado naturalístico e, por


conseguinte, também não têm nexo causal. Veja-se que o tipo do crime formal narra conduta e
resultado, mas prescinde deste para fins de consumação. Por isso são chamados também de
crimes de consumação antecipada, no qual o resultado naturalístico funciona unicamente
como mero exaurimento do crime. Já nos crimes de mera conduta, o resultado naturalístico
sequer é narrado no tipo penal.

Vale consignar que o resultado jurídico ou normativo é elemento que integra todas as
espécies de crime. Ele difere do resultado naturalístico, o qual será analisado, mais
especificamente, adiante.

Dito isso, passaremos a analisar nos tópicos seguintes cada de um desses elementos,
quais sejam: a conduta, a tipicidade, o resultado e o nexo causal.

2.2 Conduta

Preliminarmente, vale destacar os apontamentos de Eugênio Raul Zaffaroni acerca da


conduta:

o direito pretende regular conduta humana, não podendo ser o delito outra coisa
além de uma conduta. Se admitíssemos que o delito é algo diferente de uma conduta,
o direito penal pretenderia regular algo distinto da conduta e, portanto, não seria
direito, pois romperia o atual horizonte de projeção de nossa ciência. O princípio
nullum crimen sine conducta é uma garantia jurídica elementar. Se fosse eliminado,
o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o

4 Em relação aos crimes ambientais definidos pela Lei 9.605/1998.


5 JESUS, Damásio E. de. Imputação Objetiva. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3.
25

pensamento, a forma de ser", as características pessoas etc. neste momento de nossa


cultura isto parece suficientemente óbvio, mas, apesar disto, não faltam tentativas de
suprimir ou de obstacularizar este princípio elementar.'

A conduta é a ação ou omissão humana", voluntária e consciente voltada para uma certa
finalidade e que tem como característica a alteração do mundo exterior, em virtude da
exteriorização de um pensamento.

o conceito acima trazido traz um sincretismo entre a teoria causal e a teoria finalista da
ação. Veja-se que, para a teoria causal ou naturalista da ação", esta é a inervação muscular
produzida por energias de um impulso cerebral, que provoca modificações no mundo exterior.
Esse conceito remonta ao teórico Von Liszt, mas, de forma mais simplificada, temos que a
conduta é a mera exteriorização de um pensamento, consistente numa modificação causal do
mundo exterior.

Já para os finalistas, a ação é a conduta humana consciente e voluntária dirigida a uma


finalidade, conforme preceitua Welzel. O agente, para essa teoria, dirige seus comportamentos
buscando atingir algum objetivo, consoante vimos em itens anteriores.

Damásio E. de Jesus conceitua a conduta como a "[ ...] ação ou omissão humana
consciente e dirigida a determinada finalidade.". Depois acrescenta "Só os comportamentos
corporais externos constituem ações. O Direito Penal não se ocupa da atividade puramente
psíquica". 10

Dessa maneira, infere-se que, da conduta, podem ser extraídos alguns elementos, tais
como: a) exteriorização de um pensamento, b) consciência e c) voluntariedade. Importante
ainda lembrar que a conduta poderá ser dolosa ou culposa, já que esses elementos, segundo os
finalistas, não pertencem mais à culpabilidade.

Destarte, para que a conduta tenha alguma relevância penal, ela deve conter todos esses
elementos, pois, caso contrário, não poderá ser caracterizada como conduta, sendo, por
conseguinte, um fato atípico.

6 É o que a corrente do Direito Penal do Inimigo pretende suplantar, filiando-se a um direito penal do autor, e
não ao direito penal do fato.
7 ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique, op. cit., p. 389.
8 Ou realizada por uma pessoa jurídica, nos casos dos crimes ambientais.
9 O conceito funcional já foi destacado no capítulo relacionado aos sistemas penais, contudo, será abordado
adiante novamente.
10 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 4.
26

Assim, é que os atos involuntários e os atos inconscientes são atípicos, por não poderem
ser considerados como conduta. Dessa forma, não podem ser caracterizados como conduta os
chamados atos reflexos e os casos de coação fisica irresistível, por serem involuntários; bem
como também não podem ser considerados como conduta o fato praticado em estado de
sonambulismo ou sob efeito de hipnose, por serem inconscientes.

Outro ponto digno de destaque é a exteriorização do pensamento, visto que, sem que
isto ocorra, não poderá ser caracterizada a conduta. Afinal, cogitationis poenam nemo patitur,
vale dizer, o direito penal não pune o pensamento, por mais imoral, pecaminoso ou criminoso
que seja.

Importante salientar que o comportamento se apresenta sobre duas formas: ação e


omissão, como fora dito anteriormente. Daí a classificação de crime omissivo e comissivo.
Diante dessas duas espécies de crime, é que se tem as leis penais proibitivas e as leis penais
preceptivas. Estas são as que impõem a realização de uma ação, isto é, reclamam um
comportamento positivo, sendo o seu descumprimento a caracterização de um crime omissivo
próprio. Já as leis penais proibitivas narram um não fazer, proibindo determinados
comportamentos, sendo o seu descumprimento a caracterização de um crime comissivo.

Os crimes omissivos são divididos entre próprios e impróprios - ou comissivo por


omissão. Os próprios foram descritos no parágrafo anterior, já os impróprios possuem seus
tipos indicados por normas também proibitivas, delineando um non facere. No entanto, só
poderá se praticar um crime comissivo por omissão, quando a omissão for penalmente
relevante.

Nosso código adotou a teoria normativa ou jurídica da omissão, que parte do princípio
de que a omissão é um nada e do nada, nada vem - ex nihilo, nihil -, não podendo, portanto, a
omissão ser considerada causal.

A possibilidade de atribuir ao omitente algum resultado naturalístico dá-se não por


haver nexo real entre omissão e o resultado, mas como decorrência de uma obrigação jurídica
anterior à omissão, que impõe ao sujeito que, podendo, aja no sentido de evitar a produção do
resultado. O nexo é, portanto, jurídico ou normativo, e não material. Há um dever jurídico por
parte do agente de evitar o resultado. O art. 13, §2°, do CP, traz as hipóteses nas quais o
agente possui esse dever jurídico.
27

A respeito do que dispõe o art. 13, §2° do CP, Damásio de Jesus preceitua que o nosso
código parece ter se inclinado nesta ocasião para a teoria da imputação objetiva, senão
vejamos:

Pode-se afimar que o art. 13, §2°, do CP, regulamentando a relação de causalidade
normativa nos delitos comissivos por omissão (ou omissivos impróprios) e, assim,
acatando a omissão normativa, já adota, sem que o desejasse o legislador, a teoria da
imputação objetiva. Determina que a omissão é penalmente relevante quando o
omitente devia e podia agir para evitar o resultado. E este é tomado no sentido
jurídico e não naturalístico. 11

Por fim, vale destacar a diferença entre conduta e ato. Este corresponde a um momento,
uma fração da conduta, podendo a conduta ser composta de um só ato ou de vários atos. Os
tipos penais que comportam uma conduta composta por um só ato são chamados de
unissubsistentes, enquanto que os plurissubsistentes são aquelas condutas compostas por mais
de um ato.

2.3 Tipicidade

Tema de suma importância em matéria jurídico-penal, por se revelar na intersecção


entre a conduta humana realizada e a norma penal incriminadora. Vale dizer que um dos
princípios elementares do direito penal é o da reserva legal, o qual indica que só haverá crime
- e pena - se previsto(s) em lei, sendo esta em sentido formal e material.

O princípio da reserva legal é uma das facetas do princípio da legalidade. Este, por sua
vez, possui amplitudes diferentes, de acordo com a sua inserção, seja no direito público ou no
direi to privado 12.

Para Damásio E. de Jesus, tipicidade "É a qualidade que possui o fato de se encontrar
descrito em lei como infração penal".13 Cleber Masson indica o conceito de tipicidade como
sendo um "[ ...] juizo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o
modelo descrito pelo tipo penal". 14

A tipicidade é, pois, a relação de subsunção entre um fato concreto e um tipo penal


previsto abstratamente na lei. Trata-se de uma relação de encaixe, de enquadramento. Esse
conceito passou a ser estruturado a partir das lições de Beling (1906), cujo maior mérito foi
distingui-Ia da antijuridicidade e da culpabilidade.

11 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 132.


12 Essa cisão entre público e privado tende a, cada dia, ser suplantada. Havendo uma zona cinzenta entre esses
dois ramos do direito.
13 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 16.
14 MASSON, Cleber. op. cit., 2008, p. 258.
28

Jiménez de Asúa sistematizou a evolução do conceito em três fases distintas, nas quais
foram aperfeiçoando os ensinamentos de Beling. São elas:

Fase da independência (Beling - 1906): a tipicidade possuía função meramente


descritiva, completamente separada da ilicitude e da culpabilidade, tratando-se de um
elemento valorativamente neutro. Não se admitia o reconhecimento de elementos normativos
ou subjetivos do tipo",

Fase do caráter indiciário da ilicitude ou da "ratio cognoscendi" (Mayer - 1915): esta


é a concepção dominante. Aqui, a tipicidade deixa de ter função meramente descritiva,
passando a representar um indício de antijuridicidade. Embora se mantenha a independência
entre tipicidade e antijuridicidade, admite-se uma como indício da outra. Para Mayer,
praticando-se um fato típico, ele se presume ilícito. Essa presunção, contudo, é relativa. Além
disso, a tipicidade não é valorativamente neutra, de modo que se toma admissível o
reconhecimento de elementos normativos e subjetivos do tipo penal. 16

Fase da "ratio essendi" da ilicitude (Mezger - 1931): Mezger atribui ao tipo função
constitutiva de ilicitude, de tal forma que, se o fato for lícito, será atípico. A ilicitude faz parte
da tipicidade.l '

Mezger foi alvo de muitas críticas, pOIS não permite uma exata separação entre a
tipicidade e a antijuridicidade. Diante dela, todas as condutas típicas seriam ilícitas. É de
Mayer a concepção que melhor se adapta à prática penal. "A tipicidade não é a ratio essendi
da antijuridicidade, mas seu indício [...]. Praticando um fato típico, presume-se também
antijurídico até prova em contrário". 18

Um ponto importante para se salientar é a chamada adequação típica. Para alguns, ela
representa um sinônimo para tipicidade, para outros não. Os adeptos da corrente que prima
pela diferenciação afirmam que a tipicidade seria a mera correspondência formal entre o fato
e a norma, enquanto a adequação típica, a correspondência que levaria em conta não apenas
uma relação formal de justaposição, mas a consideração de outros requisitos, como o dolo e a
culpa.

A adequação típica pode se apresentar sob duas espécies: subordinação imediata e


subordinação mediata.

15 ESTEFAM, André., op. cit., 2008, p. 102.


16 Ibid., 2008, p. 102.
17 Ibid., 2008, p. 102.
18 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 18.
29

Na adequação típica de subordinação imediata, a conduta humana se enquadra de


imediato na lei penal incriminadora, sem necessidade de interposição de qualquer outro
dispositivo legal.

Por sua vez, na adequação típica de subordinação mediata - ampliativa ou por extensão
-, a conduta humana não se enquadra prontamente na lei penal incriminadora, reclamando-se,
para complementar a tipicidade, a interposição de um dispositivo contido na parte geral do
Código Penal. É o que se dá na tentativa, na participação e nos crimes omissivos impróprios.

Por fim, faz-se salutar perfilharmos uma espécie de tipicidade oriunda do direito penal
alienígena. Eugênio Raúl Zaffaroni, penalista argentino, trata com bastante primor da
chamada tipicidade conglobante.

Parte o autor de urna premissa que ele denomina como ordem normativa. Para ele,
dentro dessa ordem normativa, não se concebe que uma norma proíba o que outra ordena ou
fomenta. Caso contrário, não se teria uma ordem normativa, mas um "amontoado caprichoso
de normas arbitrariamente reunidas". 19

A tipicidade conglobante trata de um dos aspectos da tipicidade penal. Esta se subdivide


em tipicidade legal e tipicidade conglobante. Por meio desta, deve-se verificar se o fato, que
aparentemente viola uma norma penal proibitiva, não é permitido ou mesmo incentivado por
outra norma jurídica. Norma esta que poderá ser - e muitas vezes o é - extrapenal.

Destarte, é que se faz necessária urna análise conglobada de todo o ordenamento


jurídico, incluindo as normas extrapenais, para se verificar a tipicidade de urna conduta. Uma
ação poderá ser legalmente típica, porém destituída de tipicidade conglobante, por haver outra
norma que a fomente ou até mesmo a obrigue. Nesse caso, a tipicidade penal não restará
satisfeita.

Poder-se-ia argumentar que o caso pode ser resolvido por uma causa justificante, ou
seja, uma causa de exclusão de ilicitude, qual seja, o exercício regular de um direito. Ocorre
que, para o renomado autor, tal conclusão não pode ser admitida, uma vez que a tipicidade
implica antinormatividade e não se pode admitir que, na ordem normativa, urna norma ordene
o que outra proíbe. O ordenamento jurídico é um todo indivisível, ocorrendo uma cisão para
meros fins didáticos. Zaffaroni preceitua:

As normas jurídicas não "vivem" isoladas, mas num entrelaçamento em que umas
limitam as outras, e não podem ignorar-se mutuamente. Uma ordem normativa não é

19 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique., op. cit., 2004, p. 522.
30

um caos de normas proibitivas amontoadas em grandes quantidades, não é um


depósito de proibições arbitrárias, mas uma ordem de proibições, uma ordem de
normas, um conjunto de normas que guardam entre si uma certa ordem, que lhes
vem dada por seu sentido geral: seu objetivo final [...].

Esta ordem mínima, que as normas devem guardar entrei si, impede que uma norma
proíba o que a outra ordena, como também impede que uma norma proíba o que a
outra fomenta. A lógica mais elementar nos diz que o tipo não pode proibir o que o
direito ordena e nem o q ele fomenta. 20

A tipicidade conglobante é, portanto, um corretivo da tipicidade legal, o que reduz o


âmbito de proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal.

Nota-se que o caminho inverso não pode ser feito, ou seja, não se pode conceber que
uma conduta sem tipicidade legal, possa ser típica penalmente, por haver uma proibição de
uma norma extrapenal. Dessa forma, em não havendo tipicidade legal, mas havendo uma
tipicidade conglobante, não se tem tipicidade penal, sob pena de se ferir o princípio basilar da
reserva legal. Não é possível a utilização da tipicidade conglobante para se realizar uma
interpretação analógica, considerando um fato como um tipo penal incriminador.

Nota-se que a solução trazida pela teoria da tipicidade conglobante, além de ser muito
similar com a causa justificante do exercício regular de um direito, em muito se parece com a
idéia da teoria da imputação objetiva, objeto do presente trabalho.

Assim que o critério do risco permitido que será melhor examinado posteriormente traz
uma idéia bastante congruente com a idéia da análise conglobada do ordenamento jurídico
para a análise da tipicidade. Destarte, tanto adotando a teoria da imputação objetiva, quanto a
da tipicidade conglobante, estaríamos diante de um fato atípico e, por conseguinte, obtendo
idêntica solução prática.

Diante do exposto, apesar da justificativa do mestre Zaffaroni para fazer prevalecer a


tese da tipicidade conglobante em detrimento da tese da exc1udente de ilicitute, ao adotarmos
a teoria da imputação objetiva, resta sem utilidade prática as idéias do supracitado autor
argentino acerca dessa espécie de tipicidade.

Dessa forma é que hoje, acatada a teoria da imputação objetiva, alguns conceitos devem
ser revistos.

2.4 Resultado

20 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique., op. cit., 2004, p. 435.
31

Em síntese, o resultado nada mais é do que a conseqüência provocada pela conduta do


agente. Alguns autores falam em evento, como sinônimo de resultado. Entretanto, no Brasil, a
preferência é pela expressão "resultado". Ele pode ser dividido entre resultado naturalístico -
ou material - e resultado normativo - ou jurídico.

o resultado naturalístico é a modificação do mundo exterior, provocada pela ação ou


omissão. Essa modificação é provocada pela conduta, sendo esta distinta do resultado. O
resultado é a transformação operada pela conduta. ZAFF ARO I explica de maneira brilhante
o significado do que vem a ser o resultado naturalístico, senão vejamos:

Toda conduta tem uma manifestação no mundo fisico; esta manifestação no mundo
fisico é uma alteração que se opera nele. Antes da conduta, as coisas estavam num
estado diferente daquele que se encontravam depois dela.

[...] o resultado é um iniludível fenômeno fisico, que acompanha toda conduta: nào
há conduta sem resultado.21

Nota-se que o mencionado autor fala na impossibilidade de conduta sem resultado, e


não em crime sem resultado. Este pode vir dissociado do resultado material. É o que ocorre
nos chamados crimes formais e nos crimes de mera conduta.

A diferenciação entre os crimes matérias, formais e de mera conduta gira em tomo da


realização do resultado naturalístico para fins de consumação.

Todavia, não há crime sem resultado jurídico, sendo este a "afetação de um interesse
protegido pela norma penal".22 Em outras palavras, o resultado normativo é a lesão ou
exposição a perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado pela lei penal. A simples violação
da lei penal, mediante a agressão do valor por ela tutelado configura o resultado jurídico.

É através do conceito de resultado jurídico que se tem a diferenciação dos chamados


crimes de dano e crimes de perigo. Aqueles indicam a lesão ao bem jurídico para fins de
consumação, enquanto estes preceituam que a simples exposição de perigo ao bem jurídico é
capaz de gerar a consumação do mesmo.

Veremos adiante que o nexo causal objetivo está relacionado com o resultado material,
ao passo que o nexo de causalidade normativo - elemento presente para que haja a imputação
objetiva - está intrinsecamente ligado ao resultado jurídico.

21 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PlERANGELI, José Henrique., op. cit., 2004, p. 447.
22 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 5.
32

2.5 Nexo Causal

Agora estamos entrando talvez no ponto mais importante para a boa compreensão da
teoria da imputação objetiva, pois, através do estudo pormenorizado das teorias da
causalidade, é que serão traçadas as arestas para a fundamentação e necessidade de aplicação
dessa teoria "vanguardista".

Por meio da análise das teorias da causalidade, trataremos de demonstrar suas


insuficiências diante de casos práticos, bem como de demonstrar situações que aparentam
injustiças gritantes, sendo, por conseguinte, imprescindível a aplicação da supra mencionada
teoria com o fito de suplantar tais deslizes, utilizando a imputação objetiva como forma de
complementar o nexo de causalidade material.

De forma bem rasa, o nexo causal simboliza a conexão entre o resultado naturalístico e
a conduta praticada pelo agente. Sendo ele utilizado para fins de imputação - atribuição - da
modificação provocada no mundo exterior ao seu agente provocador.

Para o professor Femando Capez, o nexo causal "[ ...] é o elo de ligação concreto, fisico,
material e natural que se estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por
meio do qual é possível dizer se aquela deu ou não causa a este23".

Dessa maneira, podemos dizer que o nexo de causalidade é o liame ou vínculo que une
a conduta ao resultado nos crimes materiais, tendo, por conseguinte, pertinência apenas para
esses tipos de delitos. Nos crimes de atividade, o resultado naturalístico pode ocorrer
(formais) ou não (de mera conduta). De qualquer forma, é dispensável, pois se consumam
com a simples prática da conduta ilícita.

As expressões comumente utilizadas são: nexo causal material, relação causal objetiva,
relação de causalidade etc. O Código Penal Brasileiro, em seu art. 13, todavia, preferiu adotar
a expressão "relação de causalidade", sendo esta, portanto, a denominação legal.

A relação de causalidade entre a conduta e o resultado constitui elemento objetivo do


tipo24. Damásio E. de Jesus fala que é utilizado um critério ontológico para se estabelecer essa
relação de causalidade, porquanto há a apreciação do fenômeno no plano das leis naturais, e
pré-jurídico, pois a elaboração de tal processo nada tem a ver com as regras jurídicas.

23 CAPEZ, Femando., op. cit., 2003, p. 142.


24 ORDEIG, Henrique Gimbemat apud JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 5.
33

Vislumbrando esses conceitos, parece tratar de um tema simplório, entretanto, o nexo


causal é talvez o tema de maior complexidade do direito penal, em virtude das deficiências
das teorias que o conduzem e da dificuldade, na prática, de se estruturar a causalidade em
certos casos.

Outra conclusão não poderia haver, senão vejamos:

Nem sempre é fácil o estabelecimento do nexo causal entre o comportamento e o


resultado. Supunha-se, no exemplo acadêmico freqüentemente apresentado, que a
vítima, mortalmente ferida a tiros de revólver, venha a ser transportada a um
hospital, onde ocorre um desabamento, falecendo em conseqüência das lesões
provocadas pelo desastre. O autor dos ferimentos iniciais responde pela morte? E se
ela é surpreendida por um incêndio, não conseguindo fugir por causa das lesões e
acaba vindo a óbito em razão de queimaduras? Há homicídio consumado'r"

Para responder as indagações acima, surgiram diversas teorias, sendo uma delas adotada
pelo nosso CP, ainda que incompleta. Destacam-se três teorias na busca de definir a relação
de causalidade: a) teoria da equivalência dos antecedentes; b) teoria da causalidade
adequada; c) teoria da causalidade tipicamente relevante; e, por último d) teoria da
imputação objetiva.

Passaremos, nos próximos tópicos, a tratar das três primeiras teorias, deixando a última
para um capítulo próprio.

2.5.1 Teorias da Causalidade

Para que o tema imputação objetiva seja compreendido de forma clara e consistente,
deve-se traçar o contorno das teorias da causalidade, abordando o conceito de causa, de nexo
causal material e normativo; bem como dar um principal enfoque à teoria da causalidade
adequada e à teoria da equivalência dos antecedentes e o seu método da eliminação hipotética,
dentro outros aspectos que serão examinados a seguir.

2.5.1.1 Teoria da Equivalência dos Antecedentes

Esta é a teoria que foi acolhida, como regra, pelo Código Penal Brasileiro, em seu art.
13, caput, in fine:

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a


quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado
não teria ocorrido.

25 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 5-6.


34

§10 A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação


quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a
quem os praticou.

§2° A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para
evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Além dessa terminologia, a teoria possui outras, dentre as quais: teoria da equivalência
das condições, teoria da condição simples, teoria da condição generalizada, ou, finalmente,
teoria da conditio sine qua nono

Tem sua origem em Glaser e, posteriormente, desenvolvida por Von Buri e Stuart Mill,
em 1873.

Para essa teoria, causa é todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido,
quando ocorreu e como ocorreu. Ela sustenta, dessa maneira, que todo fator que de forma
direta ou indireta exerceu alguma influência no resultado deve ser considerado com sua causa.

Nota-se que o sistema atribuiu relevância a todos os antecedentes do resultado


naturalístico, considerando que nenhum elemento, de que depende a sua produção, pode ser
excluído da linha de desdobramento causal.

Isto posto, pode-se concluir o que vem a ser a causa. Esta nada mais é do que todo o
comportamento humano - comissivo ou omissivo - que, de qualquer modo, concorreu para a
produção do resultado naturalístico. Pouco importa, desse modo, o seu grau de contribuição.
Basta que tenha contribuído para o resultado material, naforma e quando ocorreu.

Para se determinar, no caso concreto, qual fator é causa ou não, a doutrina criou um
procedimento: trata-se do juízo da eliminação hipotética, desenvolvido pelo sueco Thyrén, em
1894. Por esse processo, suprime-se mentalmente determinado fato que compõe o histórico do
crime. Caso desapareça o resultado naturalístico, é porque se tratava de uma causa, todavia, se
o resultado permanecesse íntegro - ocorrendo da mesma forma -, não se pode falar que tal
acontecimento autuou como causa.

Podemos citar um exemplo para melhor elucidar a narrativa acima:

Exemplo: "A", pretendendo matar "B", dirige-se à residência da vítima à noite e, vendo
seu corpo deitado sobre a cama, efetua disparos de arma de fogo. Constata-se, posteriormente,
35

que "B" havia falecido duas horas antes dos tiros, em virtude de um envenenamento realizado
por "C". Os disparos que "A" efetuou, nesse caso, não foram causa da morte de "B". Basta
excluir mentalmente a conduta do atirador para concluir que o resultado teria ocorrido
exatamente como ocorreu.

No caso acima, se eliminarmos a conduta de "C" o que ocorreria? Caso "C" não
conseguisse envenenar "B", o resultado morte iria ocorrer, pois "A" iria efetuar os disparos
contra "B" que estaria deitado em seu leito. Seria correta a conclusão de que o
envenenamento realizado por "C" não seria causa, pelo fato de que a morte de "B" ocorreria
depois? A resposta é negativa, pois a morte não teria ocorrido da mesma maneira, ou seja, não
teria ocorrido como e quando ocorreu.

A proposta do juízo da eliminação hipotética é muito convincente, principalmente nos


casos de delitos materiais, contudo possui uma série de imperfeições. Zaffaroni aponta que "A
causalidade como categoria do ser (onticamente concebida) é um processo cego, uma cadeia
de causas e efeitos [...] Se suprimirmos mentalmente, o pecado original, desapareceriam todos
os delitos [...],,?6

A primeira crítica, portanto, aponta que essa teoria é cega, porquanto possibilitaria uma
regressão ao infinito (regressus ad infinitum). Dessa forma, o sujeito que vende uma arma de
fogo para outrem que se utiliza dela para matar um desafeto deveria ser responsabilizado
penalmente pelo resultado, caso se adotasse essa teoria sem os devidos temperamentos.

Essa crítica, para alguns, não tem propósito, pois basta a utilização da teoria da ausência
do dolo para corrigir a problemática do regresso ao infinito. No exemplo citado, por não haver
dolo na conduta do vendedor de armas no que diz respeito ao homicídio cometido
posteriormente pelo comprador, àquele não poderá ser imputado o evento morte.

Exige-se, dessa forma, além da causalidade fisica, a chamada causalidade psíquica


(imutatio delicti), isto é, reclama-se a presença do dolo ou da culpa por parte do agente em
relação ao resultado. A falta de um deles obsta a configuração do nexo causal. Não é
suficiente, por conseguinte o nexo objetivo entre conduta e resultado, deve haver também um
liame subjetivo.

E, se no caso acima, o vendedor soubesse dos desígnios assassmos do comprador?


Poderia ser responsabilizado? Caso soubesse que o seu comprador iria praticar um homicídio

26 ZAFF ARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique., op. cit., 2004, p. 448.
36

no outro dia? Caso soubesse quem iria ser assassinado? E se, em seu íntimo, desejasse a morte
da vítima?

As indagações acima não podem ser respondidas pela teoria da ausência de dolo. Em
certas situações, haveria dolo direto e noutras, dolo eventual ou culpa, pelo menos. Seria caso
de imputar o evento delituoso ao vendedor de armas?

É aqui que se tem a necessidade de aplicação da teoria da imputação objetiva. Por ela, a
resposta que se pode dar no momento é de que o vendedor não realizara o fato típico do
homicídio. Adiante, iremos explicar com mais detalhes esta situação.

E em relação a denominada causalidade alternativa, na qual duas ou mats causas


aparecem, em princípio, como fundantes de um resultado? Aqui, não é caso de um juízo de
imputação, mas tão-somente se configura como um problema de ordem probatória.

Exemplo: "A" e "B", de forma independente, ministram, cada qual, uma dose de veneno
mortal em desfavor de "C", que vem a falecer em razão de intoxicação.

A partir deste exemplo, algumas situações problemáticas para o juízo de imputação


podem surgir, devendo ser resolvidas no campo da prova.

r situação: A prova pericial demonstra que apenas o veneno ministrado por "A" foi
responsável pela intoxicação sofrida por "C". Nesta hipótese, imputa-se a "A" o resultado
morte e a "B" a modalidade de homicídio tentado.

2" situação: As doses de veneno, isoladamente consideradas, não portavam a aptidão


para causar o resulto morte, mas tão-somente no caso de somadas. Neste caso, é caso de co-
autoria colateral, impossibilitando a imputação do resultado morte para ambos. Eles não
devem responder nem pela modalidade tentada, pois a quantidade era inidônea a causar a
morte, devendo a imputação recair apenas pelas lesões corporais.

Jfl situação: A prova pericial não logra demonstrar qual dos venenos causou a morte do
ofendido, ou se causada por ambos. Aqui, é caso de imputar a modalidade tentada para
ambos.

Por força das deficiências desta teoria, e com o intuito de superá-Ias, passou a doutrina a
formular outras teorias do nexo causal: dentre elas a da causalidade adequada e da causalidade
tipicamente relevante, que serão tratadas nos próximos tópicos.

2.5.1.2 Teoria da Causalidade Adequada


37

Também chamada de teoria da condição qualificada, ou teoria individualizadora,


originou-se dos estudos de Von Kries. Surge para essa teoria a idéia do id quod prelumque
accidit, ou seja, aquilo que normalmente acontece.

A causa ganha urna nova conceituação, qualificando-se por ser o antecedente não só
necessário, mas adequado para a produção de determinado evento. Assim, para se imputar um
resultado a determinada pessoa, imprescindível que esta pratique não apenas um antecedente
indispensável, mas também realize urna conduta adequada à concretização do evento.

A conduta adequada é aquela idônea a gerar o efeito. Esta idoneidade funda-se na


regularidade estatística, excluindo, portanto, os acontecimentos extraordinários, fortuitos,
excepcionais e anormais. A causa adequada é aferida, dessa forma, de acordo com o juízo do
homem médio - aquele de mediana prudência e discemimento - e da experiência comum.

Para Santoro Filho, "As demais condições, ainda que, sob o aspecto meramente
naturalístico, pertençam ao desdobramento causal que leva ao resultado, não poderão ser
qualificadas corno causa se não portarem, na concreção das relações sociais, a idoneidade
necessária à sua realização'v"

A grande crítica feita a esta teoria reside no fato de que ela busca limitar a cadeia causal
utilizando, sob o ponto de vista normativo, critérios não seguros para fixação do adequado e
do inadequado - idôneo ou inidôneo. Parte ela de um conceito de causa completamente
apartado do válido para as demais ciências.

o Código Penal, em seu art. 13, §10, parece adotar a teoria da causalidade adequada,
sendo imprescindível a análise sobre as chamadas concausas.

Concausa é a convergência de urna causa externa à vontade do autor da conduta,


influindo na produção do resultado naturalísitico por ele desejado e posicionando-se
paralelamente ao seu comportamento, comissivo ou omissivo.

Damásio E. de Jesus prefere chama-Ias simplesmente de "causas", explicando-as da


mesma forma que o explicitado no parágrafo anterior, senão vejamos:

Junto à conduta do sujeito podem ocorrer outros comportamentos, condições ou


circunstâncias que interfiram no processo causal, denominados "causa", que podem
ser preexistentes, concomitantes ou supervenientes, relativa ou absolutamente
independentes.i"

27 SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Teoria da Imputação Objetiva. Apontamentos críticos à luz do Direito
Positivo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 17.
28 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 8.
38

Dessa forma, infere-se que as causas podem ser dependentes ou independentes da


conduta do agente, podendo estas ser relativamente ou absolutamente independentes. A
conseqüência jurídica irá ser diferente em cada caso.

As causas dependentes são aquelas que se originam na conduta do agente e se inserem


dentro da sua linha de desdobramento causal natural normalmente esperado (quod plerumque
accidit). São as chamadas decorrências corriqueiras da conduta. Existe, pois, dependência
entre os acontecimentos, porquanto sem o anterior não ocorreria o posterior. Destarte, não é
capaz de excluir a relação de causalidade. Vejamos um exemplo:

Exemplo: "A" tem a intenção de matar "B". Após espancá-lo, coloca uma corda em seu
pescoço, amarrando-a ao seu carro. Em seguida, dirige o automóvel, arrastando a vítima ao
longo da estrada, circunstância que provoca a sua morte. As condutas consistentes em agredir,
amarrar e arrastar a vítima são interdependentes para a produção do resultado final.

No caso acima explicitado, o resultado deve ser imputado ao agente, seguindo-se a


teoria da equivalência dos antecedentes e o seu método de eliminação hipotética, pois se fosse
retirado um acontecimento, não existiria o posterior, impossibilitando, assim, a ocorrência
póstuma do evento danoso.

Em relação às causas independentes que se apresenta uma maior complexidade em sua


análise. Elas podem ser absolutamente ou relativamente independentes, o que altera a solução
jurídica do caso.

A teoria da equivalência dos antecedentes será aplicada para as causas absolutamente


independentes - sejam elas preexistentes, concomitantes ou supervenientes -, bem como para
as causas relativamente independentes - preexistentes e concomitantes -, não se aplicando
tão-somente para as causas supervenientes relativamente independentes. Veremos cada uma
delas.

As causas independentes fogem da linha normal de desdobramento da conduta. Seu


aparecimento é inesperado e imprevisível. É independente porque tem capacidade de
produzir, por si só, o resultado.

A diferença entre a relativamente e a absolutamente independente reside no aspecto da


gênese de sua causa. Dessa feita, havendo alguma relação com a conduta do agente, será ela
relativamente independente, caso contrario será absolutamente independente.
39

As causas absolutamente independentes também são chamadas de "causalidade


antecipadora" 29, pois rompem o nexo causal. Podem ser preexistente, concomitante ou
superveniente, como narrado outrora. Nos três casos, a solução jurídica é a mesma, não
variando: impossibilidade de imputação do resultado ao agente causador da conduta, porque
esta não possui qualquer vínculo com a causa que originou o resultado. Devem ser imputados
ao agente somente os atos por ele praticados, e não o resultado naturalístico.

o mesmo não ocorre com as causas relativamente independentes, quando preexistentes


ou concomitantes. Pois elas - e também a superveniente - originam-se da própria conduta
efetuada pelo agente. Importante destacar que, apesar de relativas, elas são independentes, isto
é, são capazes de produzir, por si só, o resultado naturalístico.

As conseqüências jurídicas delas - preexistente e concomitante - são iguais, ou seja, há


a possibilidade de imputação do evento naturalístico ao agente que praticou a conduta, pois a
partir desta, que se originaram tais concausas.

A grande exceção diz respeito à causa superveniente relativamente independente. Aqui,


é que há a aplicação da teoria da causalidade adequada, uma vez que a causa não é mais o
acontecimento que de qualquer modo concorre para o resultado, mas passa a ser a conduta
idônea a provocar a produção do resultado naturalístico como já explanado em linhas
anteriores.

o Código Penal Brasileiro adotou, ainda que por exceção, esta teoria no §lOdo art. 13:
"A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só,
produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou".

Damásio E. de Jesus traz um bom critério para se saber quando urna causa, por si só, é
capaz de produzir um resultado, senão vejamos: "O melhor critério, de acordo, com a doutrina
da legislação em vigor, é o que considera autônoma a causa superveniente quando não se
encontra na linha de desdobramento físico da conduta anterior". Ele ainda complementa
afirmando que a causa superveniente, que por si só produz o resultado "[ ...] é a que forma um
novo processo causal, que substitui ao primeiro, não estando em posição de homogeneidade
com o comportamento'V"

Bons exemplos para ilustrar esta situação são os mars famosos dentre os citados
academicamente, vejamos:

29 BAUMANN, Jurgen apud MASSON, Cleber. op. cit., 2008, p. 238.


30 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 10.
40

Exemplo 1: a pessoa atingida por disparos de arma de fogo que, internada em um


hospital, falece não em razão dos ferimentos, mas sim queimada por um incêndio que destrói
toda a área dos enfermos;

Exemplo 2: ferido que morre durante o trajeto para o hospital, em face de acidente de
tráfego que atinge a ambulância que o transportava.

Em ambos os casos a teoria da equivalência dos antecedentes acarretaria a imputação do


resultado naturalístico ao responsável pelos ferimentos, pois, com o método da eliminação
hipotética, a morte não teria ocorrido quando e como ocorreu.

Paulo José da Costa Júnior aduz que a solução acima deveria ter sido ampliada também
para as causas preexistentes e concomitantes, senão vejamos:

Não vemos motivo para que se levante uma barreira tão rígida entre causas que
apresentam estrutura idêntica e eficiência equivalente. Consequentemente, teria sido
preferível que nova lei penal houvesse contemplado, no §1°, do art. 13, a par da
superveniência, a preexistência ou a intercorrência de causa relativamente
indepentente. É com base em uma aplicação analógica que se pode coerentemente
fazer semelhante extensão. Desde que o dispositivo em foco se destina a favorecer a
posição do agente, tratando-se de uma analogia in banam partem, é ela admissível
em direito penal. 31

Nota-se que, para a teoria da imputação objetiva, também não se poderia imputar o
resultado ao agente que praticou a conduta inicial - provocação dos ferimentos - em virtude
de o risco criado por ele não ter se produzido no resultado jurídico. Em relação às causas
preexistentes e concomitantes relativamente independentes, a teoria da imputação objetiva
também traz uma solução, o que será melhor apontado adiante, como exemplo da chamada
constituição pessoal patológica da vítima - condições personalíssimas do ofendido.

2.5.1.3 Teoria da Causalidade Tipicamente Relevante

Para os adeptos desta teoria, a causalidade jurídica não se esgota na mera causalidade
física, devendo esta, para configurar aquela, se apresentar como causa juridicamente
relevante.

É imprescindível, pois, saber se, no nexo causal, há uma relevância jurídico-penal da


conduta, e não apenas a relevância físico-mecanicista. Com efeito, "A exigência da tipicidade
requer não só que a ação do sujeito, que operou como contitio sine qua non, e o resultado

31 COSTA JR., Paulo José. Nexo Causal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 108-109.
41

sejam típicos, senão também que o curso causal que intercede entre uma e outro sejam
relevantes, conforme o sentido do correspondente tipo".32

Isto não significa separar a causalidade jurídica da causalidade fisica, como ocorria na
teoria da causalidade adequada, mas acrescentar a esta, para fins de imputação típica, dados
normativos que traduzam a relevância jurídico-penal sob a perspectiva do bem jurídico
lesionado.V

A só presença, entretanto, da causa no sentido naturalístico, não é suficiente à sua


relevância para efeito de imputação típica do resultado. A relação causal deve ser direta entre
ato e resultado, de modo que se possa atribuir aos agentes a causa preponderante e, por isso,
juridicamente relevante pelo evento, dentro da normalidade das relações sociais. Causa, neste
sentido, é aquela idônea e possível a produzir o resultado e, por esse motivo, relevante.

Em suma, pode-se inferir que a teoria da causalidade tipicamente relevante, ainda que
eventualmente sujeita a crítica, é apta a resolver, no plano concreto e com fundamento na
legislação penal brasileira, os problemas de imputação do resultado à ação, sem incorrer, por
um lado, nos excessos da teoria da equivalência dos antecedentes.

Como pontos negativos desta teoria, aponta-se o fato de que, para a determinação da
conduta provocadora de determinado evento danoso, há a necessidade de se recorrer a uma
análise demasiadamente subjetiva, já que trabalha basicamente com critérios normativos,
aproveitando os critérios objetivos da teoria da equivalência dos antecedentes. Tem, todavia, o
mérito de primeiro passo para a elaboração da nova teoria da imputação objetiva.

32 MOURULLO, Rodriguez apud SANTORO FILHO, Antonio Carlos., op. cit., 2007, p. 19.
33 MOURULLO, Rodriguez apud SANTORO FILHO, Antonio Carlos., op. cit., 2007, p. 19.
3 A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

3.1 Breve Histórico

Ao contrário do que eventualmente se pode pensar, o tema da imputação objetiva não é


exatamente um assunto novo, nem muito menos fruto de concepções modernas sobre a teoria
do delito, ainda que tenha lugar nelas.

A teoria da imputação objetiva não representa uma nova teria do delito e nem é uma
discussão somente cabível no âmbito de moderníssimas concepções do sistema de imputação.
Suas origens estão situadas em trabalhos que datam mais de setenta anos.

Karl Larenz, em 1927, define o conceito de imputação para o direito em sua tese de
doutorado, intitulada A teoria da imputação de Hege! e o conceito de imputação objetiva. O
problema básico que se procurava resolver é o seguinte: quais são os critérios adequados para
se distinguir entre as conseqüências de nossos atos que nos podem ser atribuídas como obra
nossa e quais são mera obra do acaso?

Para Hegel, a racionalidade humana implica liberdade, que se expressa pela vontade,
através das realizações. O controle exercido pela vontade humana a respeito dessas
realizações é o que determina que o resultado decorrente dela possa ser considerado obra de
quem atuou voluntariamente I.

O surgimento, dentro do direito penal, dessa teoria se deu com a obra de Richard Honig,
em seu ensaio intitulado Causalidade e imputação objetiva. Parte da antiga polêmica entre a
teoria da equivalência dos antecedentes e a teoria da causalidade adequada, no sentido de
estabelecer o critério mais acertado para se atribuir a uma pessoa um resultado.

Honig, dessa forma, concluiu que não se pode admitir seja a comprovação de uma
relação de causalidade material o aspecto mais importante da teoria do crime. Deve-se, ao
revés, verificar quais são as exigências jurídicas para que se estabeleça um liame entre ação e
resultado. Para ele, da mesma forma que para Larenz, a ação consiste em uma exteriorização
da vontade humana e [...] a vontade aqui não deve ser compreendida em termos subjetivos,
no sentido daquilo que o autor almejava e sim em termos objetivos, como aquilo que podia ser
almejado't.'

I HEGEL, Georg Wilhlm Friedrich apud BUSATO, Paulo César, op. cit., 2008, p. 7.
2 GRECO, Luís., op. cit., 2002, p.21.
43

Parte ele da premissa de que a equivalência dos antecedentes, adotada pelo Código
Penal, é muito rigorosa no estabelecimento do nexo causal, na medida em que se contenta
com a mera relação física de causa e efeito. Ela surge, em princípio, limitada ao campo do
nexo causal nos crimes materiais, procurando apenas reduzir o alcance da causalidade
objetiva entre a conduta e o resultado naturalístico. 3

Finalmente, Claus Roxin, em 1970, elabora o ensaio Reflexões sobre a problemática da


imputação no Direito Penal, em que resgata o ponto de partida de Honig. Roxin é o
responsável pela elaboração das bases da moderna teoria da imputação objetiva (fundada no
princípio do risco).

Faz-se salutar a menção ao também insigne teórico Günther Jackobs, que também se
inclui no rol dos adeptos desta teoria, embora discorde de Roxin quando este sustenta que se
deve abandonar o nexo de causalidade fundado na teoria da equivalência dos antecedentes.
Para Jakobs, a imputação de um resultado a uma conduta dá-se em duas etapas: a) verifica-se
o nexo de causalidade material; b) analisa-se a existência de imputação objetiva entre a
conduta e o resultado. Esta última serve como limitação da primeira, atuando como um freio
à causalidade material.

Posto isto, é que, nesse contexto, surgiu a teoria da imputação objetiva como verdadeira
alternativa à causalidade, pretendendo substituir o dogma causal material por uma relação
jurídica entre a conduta e o resultado, complementando a teoria do nexo de causalidade
objetiva, fornecendo uma solução adequada às hipóteses em que as doutrinas naturalistas não
apresentam uma resposta suficientemente satisfatória".

Atualmente, é amplamente dominante na doutrina, especialmente na Alemanha - seu


berço - e Espanha. Na América Latina, no entanto, não possui muita força, sendo alvo
também de muitas críticas. Entre nós - no Brasil -, no final do último século, era quase
desconhecida.

3.2 Conceito e Natureza Jurídica

A imputação objetiva constitui uma teoria, fundada em sua concepção moderna,


principalmente, por Claus Roxin, por meio da qual se sustenta que um resultado só pode ser
atribuído a quem realizou um comportamento gerador de um risco relevante e proibido, que
se produziu neste resultado.

3 CAPEZ, Femando., op. cit., 2003, p. 154 ..


4 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, pp. 23-24.
44

Luís Greco a define como "[ ...]0 conjunto de pressupostos que fazem de uma causação
uma causação típica, a saber, a criação de um risco não permitido em um resultado't'.

Para Damásio, "Imputação objetiva significa atribuir a alguém uma realização de uma
conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e a produção de um resultado
jurídico.". Ainda complementa, aduzindo que "[ ...] cuida-se de uma teoria com missão de
restringir a atribuição da imputação, delimitando as fronteiras entre o penalmente permitido e
o proibido"."

Ao contrário do que seu nome parece em princípio indicar, não se confunde com a
responsabilidade penal objetiva. Sua função é completamente diversa: limitar a
responsabilidade penal.

Diferencia-se da relação de causalidade pelo fato de que esta procura estabelecer um


liame no mundo natural, ao passo que, na imputação objetiva, procura-se equacionar uma
relação jurídica entre uma conduta, um risco a um bem jurídico e o resultado jurídico.

"Imputar" significa atribuir. E a expressão' objetiva' liga-se ao fato da análise que tem
que ser feita acerca desta atribuição, que deverá ser objetiva, levando em conta os conceitos
de riscos relevantes e proibidos. Estes devem ser analisados objetivamente, tomando-se em
consideração a moral média de uma sociedade acerca da proibição e relevância do risco.

Busato indica que "[ ...] há um limite de tolerabilidade. Há um limite de risco que a
sociedade já não está disposta a admitir e, ao contrário, pretende limitar, quando não,
7
proibir".

São utilizados, dessa maneira, critérios normativos, aos quais é lançado um juízo de
valor, fazendo-se, então, uma análise objetiva da conduta causadora do já mencionado risco.
Não é perquirida, nesse momento, a existência ou ausência de dolo ou culpa - a chamada
causalidade psíquica -. Fase esta que será analisada posteriormente.

Por fim, por ser uma teoria que tem por função imputar uma conduta delituosa a
alguém, constitui, assim como a teoria do nexo de causalidade, um elemento do fato típico,
caracterizando-se como um elemento normativo implícito do tipo.

Outra não poderia ser a conclusão, visto que possui um caráter nitidamente jurídico. Por
sua vez, em virtude de ser um elemento do fato típico, sua ausência toma a conduta atípica.

5GRECO, Luís., op. cit., 2002, p. 15.


6 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 34.
7 BUSATO, Paulo César, op. cit., 2008, p. 67.
45

A ilicitude e a culpabilidade, por sua vez, não são afetadas por esta teoria. Sendo certo,
todavia, que muitas situações que antes eram solucionadas sob o enfoque da ilicitude serão
tidas como fatos atípicos, em virtude da inserção da imputação objetiva dentro do fato típico.

o sistema funcionalista, dentro do qual se insere a teoria da imputação objetiva, opõe-se


ao finalismo quanto ao seu método, sendo neste empírico e naquele normatizante.

3.3 Pressupostos de Aplicação

Para Luís Greco, conforme dito acrma, a imputação objetiva enuncia o conjunto de
pressupostos genéricos que fazem da causação uma causação objetivamente típica; e estes
pressupostos são a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste risco
8
no resultado.

Assim, com base no próprio conceito já exposto alhures, pode-se retirar dele os
pressupostos ou requisitos para a aplicação desta 'vanguardista teoria. São eles:

3.3.1 Criação ou aumento de um risco relevante e proibido

Em virtude do princípio da exclusiva proteção aos bens jurídicos, o Direito Penal deve
limitar-se a proibir ações perigosas, que causem lesão ou exponham a um perigo de lesão os
bens juridicamente tutelados.

o risco, consoante Masson", é tido como uma ação que, por meio de um prognose
póstuma objetiva, ocasiona uma possibilidade de lesão a um bem jurídico. A "prognose" se
refere à situação do agente no momento da ação; "póstuma", porque será avaliada
postecipadamente por um magistrado, após a prática do fato supostamente delituoso; e
"objetiva", pois parte do conhecimento do homem de mediana prudência e discemimento.

Um bom exemplo seria o do sobrinho que manda um tio em viagem de avião, com a
intenção de que o avião caia e o parente morra. Não haveria, no caso, responsabilidade do
sobrinho, mesmo que sua intenção fosse concretizada, uma vez que "viajar de avião" é risco
tolerado pela sociedade, sendo um mero risco cotidiano. Outro argumento favorável a esta
dedução é o fato de que, caso não ocorresse o sinistro, seria ao sobrinho imputado um
homicídio doloso tentado? Infere-se que não, pois tal solução seria absurda.

8 GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva.Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p.5-9.
9 MASSON, Cleber. op. cit., 2008, p. 251.
46

Dessa maneira, os riscos gerais da vida são irrelevantes penalmente. Quem se aproveita
desses riscos não poderá ser responsabilizado, porquanto não poderão ser considerados como
obras suas, em virtude também do fato de que não se possui, nesse caso, o controle sobre o
curso causal.

Nesse diapasão, os riscos permitidos também obstam a imputação objetiva do resultado.


Como exemplos, podemos citar aqueles riscos autorizados pela sua utilidade social - como o
decorrente do tráfego de carros de acordo com as regras de trânsito; a correta utilização da lex
artis no caso da medicina, da engenharia etc.; práticas desportivas, dentre outros.

Damásio E. de Jesus elucida de forma brilhante o que vem a ser esses riscos autorizados
pela sua utilidade social, senão vejamos:

Quando o ordenamento juridico permite e regula a construção de uma ponte ou a


fabricação de um automóvel, um avião, um navio, uma arma de fogo etc., o
legislador tem consciência de que a utilização desses bens, ainda que de forma
normal, carrega riscos a intere es que ele mesmo pretende proteger. Assim, a
condução de um veículo motorizado, mesmo que de acordo com as regras
regulamentares, traz ri cos ao condutor e a todo que se utilizam des e meio de
transporte. A não ser as im eria quase impo ivel a convivência social com o uso
das modernas fontes de energia [...]. O perigo de um dano é inerente a toda atividade
humana. 10

Dessa maneira, infere-se que vivemos em uma "sociedade de riscos"!', na qual o


impedimento da ocorrência desses seria responsável por um engessamento da sociedade e,
para evitar esta estagnação do progresso e do convívio social, é que são permitidos e tolerados
uma série de riscos.

Capez aduz: "A prática de uma ação socialmente padronizada, normal, adequada,
natural [...] imprescindível para a continuidade da espécie humana, jamais poderá dar causa a
um resultado proibido". Acrescenta, ainda: "[ ...] os comportamentos que atendem às
expectativas sociais não são, nem mesmo do ponto de vista objetivo, provocadores de eventos
típicos". 12

Outro aspecto do risco permitido reside no chamado princípio da confiança. Este tem
como base a confiança de que a conduta de terceiros realizada na seqüência será conforme o
direito, bem como aquele que realizou a conduta precedente cumpriu corretamente com o seu
papel dentro da sociedade, agindo como cidadão e, portanto, conforme o direito.

10 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 39.


11 sÁNCHEZ, Jesus Maria Silva apud JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 39.
12 CAPEZ, Fernando., op. cit., 2003, p. 160 .
47

Parte da premissa, portanto, que todas as pessoas são responsáveis e agem de acordo
com as normas da sociedade, com o fito de evitar danos a outrem.

Podemos citar dois exemplos que ilustram com clareza as situações acima indicadas.
Vejamos:

Exemplo 1: o motorista que conduz pela via preferencial confia que o outro irá aguardar
sua passagem, se isso não acontece, não se pode imputar àquele que trafegava na via principal
responsabilidade penal alguma pelo possível acidente, ainda que fosse possível evitá-lo.

Exemplo 2: o médico que utiliza um material cirúrgico confia que seus assistentes o
esterilizaram corretamente; caso isso não tenha ocorrido o médico não poderá responder pela
infecção porventura contraída, cabendo tal responsabilidade exclusivamente aos seus
assistentes.

Segundo Damásio E. de Jesus, o risco permitido pOSsUI um conceito ontológico e


axiológico. "É ontológico porque sua presença em determinada situação deve ser considerada
em face de dados do ser, não possuindo nenhum conteúdo normativo. E é axiológico, uma vez
que limite entre o que se admite e o que se proíbe deriva de normas de diligência
estabelecidas pela ordem social"l3.

Nota-se uma aproximação desse critério do risco relevante e permitido com o conceito
de dever cuidado objetivo inserido dentro do fato típico culposo. Esse dever cuidado objetivo
é retirado também de uma diligência de um homem de mediana prudência e discemimento -
homem médio -, sendo esta aferida de acordo com as máximas de uma sociedade.

Dessa maneira, é que os indivíduos devem agir conforme o direito, praticando os riscos
inerentes à vida em sociedade, mas desde que permitidos pelo próprio sistema jurídico.
Devem se afastar, todavia, da prática dos riscos proibidos pelo ordenamento jurídico e pelo
conceito médio da sociedade - conduta socialmente adequada.

Nota-se também uma aproximação com o conceito de tipicidade conglobante


explicitado outrora. Pode confundir-se, ainda, a criação de um risco permitido com o
exercício regular de um direito. Todavia, esses institutos diferem, porquanto o exercício
regular de um direito é uma causa de exclusão de ilicitude que adentra através de uma
apreciação ex post facto, surtindo aplicações diante de circunstâncias de uma situação

130RDEIG, Henrique Gimbernat apud JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 40.
48

concreta. Já o conceito de risco permitido é considerado através de uma análise ex ante facto e
de forma abstrata, portanto.

Há uma zona cinzenta, incerta e difusa, separando o risco permitido do proibido. Na


dúvida, decide-se pro reo.

Não se pode confundir risco tolerado pela sociedade com o princípio da adequação
social, este incide sobre o próprio delito, tomando-o atípico, não pela exclusão da conduta ou
de nexo de imputação objetiva, mas sim pela exclusão da tipicidade. Observa-se que tal
princípio não é, de toda sorte, acolhido de forma unânime, pois ele pretende revogar uma lei
através de costumes, o que não é possível, tanto pelo disposto na LICC - princípio da
continuidade -, como pelo próprio princípio constitucional da separação entre os poderes.

Diante de todo o esposado, conclui-se que tanto a criação quando o aumento do risco
são indícios para que ocorra a imputação objetiva. No entanto, a diminuição do risco afasta a
imputação objetiva.

3.3.1.1 Diminuição do risco

Destarte, quando alguém realiza um comportamento que diminui um risco proibido e


relevante gerado por terceiro, não agirá de modo contrário ao direito, ainda que para a
efetivação dessa detração crie outro risco.

Exemplo: pessoa que consegue convencer um ladrão a subtrair mil reais em vez de
cinco mil não responde por furto, embora tenha influenciado no ato do furtador.

O agente aqui causa um dano menor ao objeto jurídico para lhe evitar um mal maior.
Não cria e nem aumenta o perigo juridicamente reprovável ao objeto jurídico. Colacionemos
mais um exemplo de muita utilidade acadêmica, vejamos:

Exemplo: Caso do atirador de pedras: "A" atira uma pedra na direção da cabeça de
"B", com a intenção de matá-Io. O arremesso, pela forma de execução, é mortal. No entanto,
"C" desvia a pedra com as mãos, vindo esta a atingir "D", causando-lhes lesões corporais.

Não resta dúvidas, que "A" responderá por tentativa de homicídio. Todavia, qual será a
solução jurídica para a conduta de "C"? Será atípica em virtude da falta de imputação objetiva
- pelo fato da diminuição do risco operada por sua conduta - ou seria caso de incidência de
uma causa de justificação - no caso estado de necessidade de terceiro?
49

o assunto não é pacífico. Para os defensores da teoria da imputação objetiva, o caso não
seria de estado de necessidade de terceiro, pois se o fosse, estaria sendo admitido haver um
fato típico, o que exatamente se pretende afastar. Para eles, o Direito Penal não pode
considerar típica uma conduta interveniente no intuito de diminuir o risco gerado por terceira
pessoa." Desse modo, toma-se supérfluo a análise da existência ou não da causa de
justificação, quando já observada a atipicidade da conduta.

Para que se aplique o critério da diminuição de riscos, há necessidade, segundo Claus


Roxin, dos seguintes requisitos:

1°) que o fato apresente um mesmo objeto jurídico pertencente a um só sujeito.


Tratando-se de bens jurídicos diversos, incide o estado de necessidade.

2°) que a relação de risco seja a mesma.

3°) que o autor não esteja inteiramente obrigado a reduzir o risco.

3.3.1.2 Incremento do risco

Ao contrário da diminuição do risco, é de se concluir que, havendo aumento do risco


proibido, ou exacerbação do risco tolerado a ponto de tomá-Io proibido, há imputação
objetiva do resultado à conduta do agente.

Exemplo: Caso dos pincéis de pêlo de cabra chinesa

Havia, na Alemanha, um industrial fabricante de pincéis de pêlo de cabra chinesa, que


exigia, na confecção, tratamento com desinfetante, sob pena de contração de doença e morte
dos empregados. Um dia, morreram quatro funcionários, tendo em vista que o dono da fábrica
não lhes tinha providenciado o desinfetante. Submetido o fato à ótica criminal, a defesa
alegaria que, mesmo com o emprego do desinfetante, ainda haveria risco de morte ou doença,
uma vez que o pêlo de cabra era altamente perigoso, assim como, na construção de arranha-
céus, o uso de dispositivos de segurança não impede que, às vezes, deles despenquem
operários. Esses meios, como é sabido, reduzem o risco de dano, mas não o excluem. De ver-
se, entretanto, contrariando a defesa, que a ausência do tratamento com o desinfetante
aumentou o risco de dano às operárias.

3.3.1.3 Objeto jurídico já exposto à provável afetação

14 ROXIN, Claus apud JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 82.
50

Neste ponto, discute-se a existência de imputação o objetiva quando a conduta do


agente, criadora de um risco proibido, colabora para a eclosão de um resultado danoso, para o
qual o ofendido já se encontrava exposto.

A doutrina, aqui, divide-se em duas correntes: uma diz que é caso de imputação
objetiva, pois houve um incremento do risco por parte do agente; a outra nega a imputação
objetiva, em virtude de o bem jurídico já se encontrar anteriormente em situação de exposição
de perigo.

Acreditamos que podem existir duas situações distintas, nas qUaIS podem ser
consideradas as duas correntes acima postas. Dessa maneira, caso as circunstâncias do caso
concreto comprovem que nenhuma diferença faria se houvesse ou não a conduta do agente,
não há que se falar em imputação objetiva. Caso contrário, seria caso sim de imputação
objetiva.

Vejamos um exemplo para clarificar as idéias acima transcritas:

Exemplo: Caso do ciclista embriagado.

Um motorista, dirigindo um caminhão sem guardar a distância regulamentar, segue um


ciclista que, percorrendo a estrada à sua frente, cai e morre atropelado.

No caso acima, se, ainda que o motorista tivesse guardado a distância regulamentar,
houvesse a morte da mesma forma por atropelamento, em virtude do ciclista cair em direção
ao meio da pista, não há que se falar em imputação objetiva. Caso a morte não ocorresse na
hipótese do motorista do caminhão guardar a distância regulamentar, é caso, ao nosso ver, de
imputação objetiva.

3.3.2 Realização do risco proibido e relevante no resultado

Quando houve a criação de um risco relevante e proibido, deverá ele ser efetivamente
produzido no resultado, a fim de que este possa ser imputável objetivamente ao autor. Deve
haver, portanto, uma conversão do risco em um resultado. Este não é o naturalístico, mas sim
o jurídico.

O resultado adequado é o que se encontra na mesma linha do risco causado pelo agente,
que só responde por aquilo que se encontra dentro do seu plano de autor.

Dessa forma, o resultado jurídico ocorrido deve guardar uma relação com o risco criado
pelo agente, este deve ser capaz de ocasionar aquele. Dessa feita, o resultado jurídico morte
51

deverá guardar uma relação de compatibilidade com o risco relevante e proibido que tenha a
potencialidade de ocasioná-Ia. O risco criado pelo agente provocador da conduta deve estar
inserido no resultado jurídico.

Assim, é que o agente que faz um corte leve na mão da vítima, provocou um risco
compatível com um resultado jurídico correspondente a uma lesão corporal. Dessa forma,
caso a vítima seja hemofilica e padeça, o resultado morte não guarda relação com o risco que
o agente criou.

No exemplo acima, caso o sujeito não conhecesse a condição especial da vítima - o fato
de sê-Ia hemofilica -, segundo a teoria da imputação objetiva, a conduta seria atípica no que
diz respeito ao resultado morte, entretanto subsistiria a tipicidade pelas lesões corporais.

A questão é polêmica e exige a consignação de que não se trata puramente de uma


relação causal material entre a conduta e o resultado, o que é inegável haver. O tema também
não deve ser solucionado com base no dolo do agente, se era de ferir ou de matar. Guarda-se
relação com o risco em si criado pelo agente, e não o risco que ele quis criar, portanto.

Importante destacar que, caso não haja esse nexo jurídico entre o risco efetivamente
criado e o resultado - jurídico -, a questão se resolve em termos de tentativa ou atipicidade -
seja ela absoluta ou relativa. A valoração desse nexo de causalidade jurídico deve ser feito ex
posto

Por fim, faz-se necessário comentar sobre a questão do fim de proteção da norma. A
norma de proibição visa evitar que um certo bem jurídico seja afetado de uma determinada
maneira. Assim, é imprescindível analisar qual a finalidade da norma de cuidado, ou seja, o
que ela visa proteger. Para que haja imputação objetiva, será preciso que o agente tenha
produzido um resultado compreendido dentro do fim de proteção da norma.

Pode-se citar um exemplo, vejamos:

Exemplo: há uma norma que exige dos ciclistas, durante à noite, que utilizem um farol.
Essa norma tem como finalidade evitar acidentes pessoais. Se dois ciclistas andam com farol
apagado, e o que vai à frente é abalroado por um caminhão, não se pode imputar esse
resultado ao outro ciclista, ainda que se demonstrasse que o fato de ele ter utilizado o farol
evitaria a morte do ciclista que seguia à frente. Isto é assim porque a finalidade da norma de
proteção é para evitar acidentes pessoais e não de terceiros.

Santoro Filho afirma que:


52

o recurso ao fim de proteção da norma não nos parece de arrazoado. Ao contrário, é


fruto de uma interpretação teleológica do direito penal, que, como vimos, constitui
substrato indispensável ao juízo de adequação típica, uma vez que o modelo de
conduta proibida (tipo) porta sempre um sentido axiológico, não bastando, para a
sua configuração, um processo de subsunção objetivo e isento de valoração.P

Opõe-se a essa idéia do fim de proteção da norma o que se chama na doutrina de


condutas alternativas conforme o direito.

É possível que, tendo o sujeito realizado uma conduta imprudente, descumprindo uma
regra jurídica, venha a causar um resultado que não teria ocorrido se houvesse agido de
acordo com o Direito. Citemos um exemplo:

Exemplo: Caso do atropelamento na contramão de direção. Imagine que uma criança


descuidada, imprudentemente avance em uma rua para apanhar uma bola com a qual estava
brincando na calçada. Ao correr para o interior da pista, a criança é atropelada por um carro
que vinha na contramão de direção.

Supondo-se que, no exemplo acima, a morte não teria ocorrido caso o veículo trafegasse
de acordo com as leis de trânsito, imputa-se o resultado morte ao motorista, em virtude do
princípio do incremento do risco.

De acordo com o raciocínio do fim de proteção da norma, admite-se uma não


imputação, pelo fato de que a norma que obriga o veículo a trafegar em determinada mão tem
como escopo garantir o devido fluxo de veículos, evitando-se abalroamentos.

Passaremos adiante à análise do terceiro pressuposto.

3.3.3 Risco compreendido no alcance do tipo

Segundo Damásio E. de Jesus:

Não há imputação objetiva quando a extensão punitiva do tipo incriminador não


abrange o gênero de risco criado pelo sujeito ao bem jurídico e nem o resultado ou
as conseqüências dele advindas (do risco ou do resultado). É o que se denomina
âmbito ou extensão da tutela penal ou alcance do tipo."

Há casos em que, mesmo tendo-se verificado a realização de um nsco proibido no


resultado, constata-se que, no caso concreto, o alcance do tipo não compreende resultados da
espécie do ocorrido, isto é, quando o tipo não for determinado a impedir acontecimentos de tal
ordem.

15 SANTORO FILHO, Antonio Carlos., op. cit., 2007, p. 56.


16 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 88.
53

Nota-se uma certa confusão entre o âmbito de proteção da norma incriminadora -


alcance do tipo - e o fim de proteção da norma, pois ambos possuem uma função de
interpretação. O próprio Claus Roxin não fazia distinção entre os dois critérios, no início.
Apenas recentemente recorreu à expressão alcance do tipo.

Dessa feita, não há razão para confundir fim de proteção da norma com alcance do tipo
(ou finalidade de proteção do tipo). Enquanto o primeiro está no âmbito da criação de um
risco juridicamente relevante, o segundo está no âmbito de realização do mesmo.

Este tema tem uma realização muito prática no que diz respeito aos crimes culposos.
Em relação aos dolosos, há três hipóteses em que se aplica o critério acima exposto: a)
autocolocação dolosa em perigo; b) heterocolocação consentida em perigo; c) âmbito de
responsabilidade de terceiros. São as chamadas ações de próprio risco.

3.3.3.1 Autocolocação dolosa em perigo

Como o próprio enunciado já destaca, aqui, a vítima se põe intencionalmente em uma


situação de perigo. Em virtude dessa atitude da vítima, segundo a teoria aqui estudada, fica
excluída a responsabilidade do terceiro que venha, porventura, provocar alguma espécie de
dano e ela.

Essas condutas, segundo Santoro Filho, "[ ...] não estariam ao alcance do tipo, pois a
finalidade da norma penal não é a de vedar e muito menos de punir terceiros por
autocolocações em situações de perigo".l7

Dessa maneira, Claus Roxin defende a não imputação do resultado na hipótese em que
vítima, incitada ou induzi da pelo agente, atua voluntariamente e com a consciência de que seu
comportamento é idôneo para gerar um incremento de risco a um bem jurídico.

Citemos dois exemplos clássicos expostos em quase todos os manuais:

Exemplo 1: Alguém aconselha a outrem que atravesse um lago coberto por uma fina
camada de gelo. A pessoa, ainda que consciente do perigo que implica a travessia, resolve
fazê-lo. O gelo quebra e a pessoa morre afogada.

Exemplo 2: O traficante de drogas que vende em uma quantidade excessiva heroína para
um "cliente" viciado e ciente dos riscos de sofrer uma overdose capaz de levá-lo a óbito.

17 SANTORO FILHO, Antonio Carlos, op. cit., 2007, p. 59.


54

Deve-se ter em mente que a vítima deve ter a efetiva consciência do risco que corre, e
mesmo assim, predispõe-se a realizar a atividade arriscada. Também não é supérfluo atentar
para o fato de que a vítima deve praticar uma conduta que ponha risco um bem jurídico seu, e
não de outrem. Caso contrário, a vítima não seria vítima, mas sim sujeito ativo de um delito,
ao passo que o instigador praticaria o delito como partícipe.

o raciocínio acima se deve ao fato da existência do próprio princípio basilar do direito


penal, qual seja o da alteridade, o qual preceitua que só se considera praticado um crime por
alguém, se este lesionar ou pôr em perigo de lesão um bem jurídico alheio. Ninguém é sujeito
ativo e passivo de um mesmo delitol8.

Nota importante é a do crime capitulado no art. 122, do Código Penal: "participação em


suicídio". Aqui, o legislador brasileiro parece ter ido de encontro aos apontamentos do
instituto em tela, mais principalmente quando dispõe dos verbos "instigar" ou "auxiliar",
tendo em vista que a vítima, nessa hipótese, já se colocara em perigo antes mesmo de
qualquer atuação de terceiro. Tal situação se explica porque o bem jurídico vida é
indisponível, não havendo, pois uma disponibilidade absoluta, uma vez que se inclui em uma
dimensão de interesse coletivo.

Além disso, o nosso código fala da omissão penalmente relevante no §2°, de seu art. 13,
destacando hipóteses em que o agente tem que agir para evitar o resultado danoso, sendo sua
omissão capaz de responsabilizá-lo por um crime omissivo impróprio. Dentre estas situações,
encontra-se a chamada ingerência na norma: "c) com seu comportamento anterior, criou o
risco da ocorrência do resultado".

Santoro Filho traça alguns critérios para se resolver a solução no caso concreto,
baseando-se no fato da existência de relação imediata ou mediata da conduta instigadora do
terceiro com a própria conduta da vítima criadora do risco, vejamos:

o perigo meramente mediato e condicionado não se presta à caracterização da


omissão penalmente relevante, sob pena de indevida ampliação do campo da tutela
penal, em infração ao princípio da legalidade. Além disso, como se depreende dos
termos da lei, é necessária que a conduta crie risco, isto é, que seja o fator
preponderante para a sua existência, não bastando, para tal fim, a mera contribuição
acessória para o surgimento de uma situação perigosa, simples colaboração para a
criação do perigo.l"

18 Salvo raríssimas exceções, como no caso do crime de rixa.


19 SANTORO FILHO, Antonío Carlos., op. cit., 2007, p. 62.
55

Diante das considerações acima realizadas, nota-se que solução jurídica irá depender
muito de cada caso concreto. Em alguns casos, torna-se evidente a possibilidade de imputação
do resultado morte ao agente, ainda que na modalidade culposa. Noutras, no entanto, a
imputação deverá ser afastada em virtude do instituto do alcance do tipo na variante da
auto colocação dolosa em perigo.

3.3.3.2 Heterocolocação consentida em perigo

o mesmo raciocínio tomado na situação acima é aplicável na hipótese de a vítima


consentir em que outrem a coloque em uma situação de perigo.

Importante ressaltar que, para haver esta equivalência, devem ser observados dois
pressupostos, os quais demonstrariam a assunção do risco pela vítima, quais sejam: a) a lesão
deve ser conseqüência unicamente do risco ocorrido; b) autor e vítima devem ter a mesma
responsabilidade pelo fato, isto é, ambos devem conhecer o risco na mesma medida.

Exemplo 1: Caso do sujeito que pede carona a um motorista visivelmente embriagado,


vindo a ferir-se em acidente automobilístico.

Exemplo 2: Apesar da tempestade, "A" quer que o condutor "B" de um barco faça com
ele travessia de um rio. "B" desaconselha a travessia, em virtude dos riscos envolvidos. "A"
insiste e a travessia é realizada. O barco afunda, "A" afoga-se e morre.

3.3.3.3 Responsabilidade de terceiro

A responsabilidade de terceiros no resultado afasta a imputação objetiva de quem deu


início ao curso causal. É o exemplo do erro médico, no qual é capaz de gerar o evento danoso
com proporções distintas das que ocorreria caso não houvesse o erro médico incidente na
tentativa de salvar a vítima de lesões sofridas por um terceiro.

Importante destacar que as lesões, de princípio, causadas não senam capazes de


acarretar um resultado danoso de elevado grau, como o ocorrido em virtude de um erro
médico, na hipótese, por exemplo, de uma morte oriunda de um choque anafilático.

Assim, é que o erro substitui o perigo gerado anteriormente, havendo uma solução de
continuidade no curso causal iniciado pelo agente.

Finalmente, concluindo o tema, é necessário reconhecer, como de resto faz o próprio


Roxin, que o critério do alcance do tipo é matéria que está longe de alcançar um completo
56

desenvolvimento teórico, encontrando-se muitas falhas neste instituto. Não se deve adotá-lo
sem as devidas restrições, sob pena de tornar-se uma atividade temerária.j"

3.4 A Imputação Objetiva segundo Roxin e Jakobs

Conforme já explicitado em um momento oportuno desta obra, Claus Roxin e Günter


Jakobs são teóricos adeptos da corrente do fim cio na lism o penal, na qual é inserida a teoria da
imputação objetiva.

Ocorre que, a despeito de pertencerem a uma mesma corrente doutrinária e adotarem


uma mesma teoria, os dois apresentam pontos de vista divergentes acerca do próprio
funcionalismo penal, o que repercute em certo grau na composição da teoria da imputação
objetiva.

Consoante vimos, eles divergem em relação à própria função do Direito Penal sendo
Jakobs adepto do funcionalismo sistêmico e Roxin, do funcionalismo racional-teleológico.

3.4.10 pensamento de Roxin

Para Roxin, o que importa é estabelecer um critério de imputação capaz de concretizar a


finalidade da norma penal. Ele estrutura a imputação objetiva com os seus requisitos, quais
sejam: a criação de um risco não permitido para o objeto da ação pelo comportamento do
autor; a realização do risco no resultado concreto; e a inserção desse resultado no alcance do
tipo.

Claus Roxin apresenta um novo conceito de ação diferente do proposto por causalistas e
finalistas. Sua idéia é de que a ação é uma "manifestação da personalidade, ou seja, tudo que
se pode atribuir como centro anímico-espiritual a um ser humano". 21

Além disso, apresenta uma nova concepção do tipo. No seu ponto de vista o tipo
objetivo contém, em geral, a descrição do sujeito ativo, de uma ação típica e do resultado que
é punido. A parte especial do Código Penal é responsável pela interpretação desses elementos
e à parte geral cabe a apresentação de princípios que venham a reger a ação típica. Dentro
ainda do tipo objetivo há uma subdivisão entre elementos descritivos (que são os que revelam
os processos naturais e anímicos cognoscíveis) e normativos (onde se leva em conta o âmbito

20 BUSATO, Paulo César, op. cit., 2008, p. 106.


21 GRECO, Luís., op. cit., 2002, p. 380.
57

de proteção da norma, já visto aqui anteriormente). O tipo subjetivo é representado pelo dolo
e outros elementos subjetivos adicionais já apresentados pela teoria finalista da ação

3.4.2 O pensamento de Jakobs

Jakobs vincula a imputação objetiva a uma sociedade concretamente estruturada, para


ele, a imputação sempre acompanhou o progresso da humanidade. Assim, o conteúdo da
imputação, ou seja, o critério para atribuir a alguém a responsabilidade por um resultado irá
depender de uma sociedade concretamente considerada.

Jakobs acrescenta, desse modo, o elemento da imputação objetiva do comportamento.


Este comportamento deve ser padrão em uma dada sociedade, na qual os cidadãos devem
desempenhar um papel

Ele parte ainda da premissa de que o contato social gera riscos, sendo estes inerentes a
vida em sociedade. A eliminação desses riscos, como vimos outrora, é inapropriada, ob pena
de engessar a sociedade. Portanto, o que se deve esperar é que cada pessoa cumpra com o eu
papel dentro da sociedade, agindo conforme o ordenamento jurídico.

Diante disso, conclui-se que a imputação objetiva, para o teórico ora analisado deve
apenas focar os comportamentos que violam o seu devido papel social.

O insigne autor traça algumas hipóteses nas quais a imputação objetiva será afastada,
quais sejam: a) criação de um risco permitido; b) princípio da confiança; c) proibição do
regresso; e, por fim, d) capacidade da vítima.

3.4.2.1 Criação de um risco permitido

o conceito de risco permitido já foi abordado quando tratamos dos requisitos de


aplicação da imputação objetiva, mais especificamente ao fazermos o contraponto ao risco
proibido.

De forma bem sintética e didática, podemos apontar como situações em que o risco
permitido se manifesta as seguintes: a) norma jurídicas que autorizam comportamentos
perigosos; b) fatos socialmente adequados;c) lex artis;e d) autorizações contidas em normas
extrapenais.

3.4.2.2. Princípio da Confiança


58

Assim como o item antecedente, o princípio da confiança também já ganhou algumas


explanações ao longo deste trabalho. Com efeito, iremos aqui traçar alguns apontamentos que
merecem destaque para fins didáticos e metodológicos.

Este princípio parte da premissa segundo a qual vi emo em uma o iedade de riscos e
que, muitos deles, são tolerados pela própria sociedade. A solução que no é dada insere-se na
idéia de que cada pessoa deve agir conforme o direito, fazendo o seu papel como cidadão.

Dessa forma, em virtude da idéia de que cada pessoa deva assumir o seu papel dentro de
uma sociedade de riscos, é que o indivíduo acredita - e lhe é dado esse direito de acreditar -
que todos os demais agirão conforme a boa ordem. Não nos é dado a fiscalizar a conduta de
outrem em todos os momentos e em todos os locais, porquanto não somos onipresentes.

"As pessoas não podem ser obrigadas a desconfiar das demais, supondo constantemente
que os outros não cumprirão seu papel. Daí a exclusão da responsabilidade penal quando
alguém agiu na confiança de que o outro o cumpriu (ou cumpriria)".22

Este princípio tem o condão de excluir a imputação objetiva tanto em relação a


comportamentos antecedentes, quanto supervenientes, funcionando como um vetor
interpretativo. Deve, portanto, haver uma conjunta participação de duas ou mais pessoas para
a aplicação deste princípio.

Os exemplos mais comuns são o da intervenção cirúrgica, em que o médico confia que
o instrumentista esterilizou o bisturi; bem como o do tráfego de veículos em uma cidade, no
qual o motorista confia no fato de que os demais não irão ultrapassar a preferencial.

Faz-se mister salientar a existência de autores que defendem a aplicação desse princípio
apenas para os comportamentos futuros, não o aplicando aos atos precedentes, já que estes
não possuem "[ ...] o condão, em princípio, de excluir a culpa em sentido estrito, uma vez que
lhe competiria - ao agente -, antes de agir, criando uma nova situação de risco, acautelar-se
para que tal risco não encontrasse caracterização'?".

Santoro Filh024 faz um contraponto entre o instituto do abuso de direito e o princípio da


confiança, no qual em um conflito existente entre os dois, prepondera aquele. Parte dessa
premissa com base nos ensinamentos de Juarez Tavares, em sua obra Direito Penal da
Negligência, quando é afirmado que o princípio não pode ser aplicado "[ ...] quando, em

22 ESTEF AM, André., op. cit., 2008, p. 85.


23 SANTORO FILHO, Antonio Carlos., op. cit., 2007, p. 82.
24 Ibid., 2007, p. 84.
59

virtude de circunstâncias especiais'", resulta absolutamente provável, segundo a experiência


da vida diária, que a conduta de outrem lesará o dever de cuidado 26".

Dessa forma, no caso do condutor de um veículo puder constatar que o seu direito de
preferência não será obedecido por outrem, que vem em alta velocidade, não poderá aquele,
apoiado em seu direito, forçá-lo, provocando uma colisão inevitável e depois alegar defesa
com espeque no dito princípio.

Ao meu ver, tal possibilidade encontraria grande dificuldade no campo probatório, não
restando elementos de convicção suficientes para a constatação de que o agente agiu ou não
com abuso de direito para, assim, afastar a aplicação do princípio. Por sua vez, vale lembrar
que o instituto ora citado - abuso de direito - pertence ao direito civil - art. 187 do Código
Civil -, e não ao direito penal, o que enfraquece, de certo modo, a sua aplicação, que possui
nítida finalidade de desfavorecer o réu.

Ao meu ver, em análise perfunctória, poderia ensejar um ilícito civil, já que casou dano
em virtude da prática de um ato ilícito. Entretanto, a sua aplicação no âmbito do Direito Penal
deve ser vista com temperamentos.

3.4.2.3. Proibição do regresso

Tema também bastante debatido, quando da análise do nexo de causalidade e das teorias
sobre a causalidade. Viu-se que o nexo de causalidade material, com fulcro na teoria da
equivalência dos antecedentes e no seu método de eliminação hipotética, trouxe à tona a
problemática do regresso ao infinito, o qual responsabilizava todos os integrantes de uma
longa cadeia do curso causal material.

Destarte, a teoria da imputação objetiva limita esse nexo de causalidade fisico, inserindo
o princípio da proibição do regresso. Por ele, a conduta lícita não gera responsabilidade por
atos ilícitos praticados posteriormente por terceiros.

3.4.2.4 Capacidade da vítima

o consentimento do ofendido em agressões a bens jurídicos a ele pertencentes deve


excluir a responsabilidade penal, quando a vítima possui capacidade para entender e anuir
com a lesão.

25 Entende-se como circunstâncias especiais as distrações manifestas, os casos de embriaguez, os defeitos fisicos,
etc.
26 TA VARES, Juarez apud SANTORO FILHO, Antonio Carlos, op. cit., 2007, p. 84.
60

Nota-se uma nítida aproximação com o instituto do alcance do tipo, nas modalidades:
autocolocação dolosa em perigo e na heterocolocação consentida em perigo.

3.4.3. As diferenças básicas entre os pensamentos de Roxin e Jakobs

As diferenças que mais merecem destaque entre os pensamentos dos dois autores são
encontradas na missão da causalidade material e nos níveis de imputação objetiva.

Roxin constrói uma teoria geral da imputação objetiva para os crimes materiais,
substituindo a relação de causalidade tradicional. Jakobs, entretanto, não exclui o nexo causal
material, afirmando que não há como abandonar um mínimo de causalidade na aferição da
responsabilidade penal. A imputação objetiva, para ele, tem como função restringir o alcance
do nexo causal.

Perfilhamos, nesse sentido, apontamentos de Jakobs.

Com relação aos níveis de imputação, podemos destacar que "[ ...] a principal
peculiaridade do sistema de Roxin em face da doutrina dominante é a existência de um
terceiro nível de imputação, a saber, o alcance do tipo .27

A maioria dos autores define imputação objetiva em dois níveis: criação de um risco
proibido e relevante e sua realização no resultado.

Jakobs, por sua vez, estrutura o risco juridicamente relevante e proibido em quatro
subníveis, conforme visto acrma: risco permitido, princípio da confiança, proibição do
regresso e capacidade da vítima.

3.4.4 A aplicabilidade da Teoria da Imputação Objetiva no Sistema Pátrio

3.4.4.1 A Possibilidade de sua aplicação

No âmbito do nexo de causalidade, verificamos a aplicação da teoria da equivalência


das condições pelo nosso legislador quando do estudo do art. 13 e de seus parágrafos 10 e 20
do Código Penal Pátrio.

Na Alemanha, onde estão os maiores expoentes em matéria de imputação objetiva, não


verificamos tal peculiaridade. Sendo assim, indaga-se: Seria possível a aplicação dos
fundamentos da imputação objetiva dentro do ordenamento jurídico nacional?

27 GRECO, Luís, op. cit., 2002, p. 116.


61

A adoção da teoria da imputação objetiva não depende de reforma legislativa, porquanto


a relação de imputação objetiva caracteriza elemento normativo implícito de todo tipo penal.

o art. 13 não determina que a realização do tipo encerra-se na causalidade. Ao redigir o


§ IOdo referido artigo, a idéia do legislador foi a de limitar o alcance da teoria da equivalência
e, baseado nele, criou-se as teorias das concausas antecedentes, supervenientes e
concomitantes.

A imputação objetiva veio para facilitar a compreensão das diversas nuances do curso
causal, imputando ao autor apenas o que resultar de sua obra. Da mesma forma que o caput do
artigo, seu § 10 tampouco deve ser visto como um obstáculo à recepção da imputação objetiva
em nosso ordenamento.

Luís Greco conclui que a função do art. 13, § IOdo Código Penal é a de ser o
dispositivo com base no qual a moderna teoria da imputação pode encontrar um ponto de
apoio legislativo expresso. Dessa forma, o art.13 perde a função de ser o fundamento legal da
(complexa) teoria das concausas.

É necessário aduzir que, ao contrário do que se pode pensar, a imputação objetiva, ao


oferecer o critério "vanguardista ' do risco, inclui um dado a mais a ser exigido para fins de
responsabilização penal, sendo responsável, portanto, por uma maior dificuldade, em certos
casos, de se atribuir a responsabilidade por um dado evento danoso.

Ela, por conseguinte, não exclur" os demais requisitos, e com isso não alarga, mas sim
estreita o campo de imputação, não correndo contra, mas a favor da ampliação das garantias
no campo penal.

Dessa feita, é que a imputação objetiva constitui-se de uma série de princípios que
corroboram para uma aplicação mais justa do sistema penal como um todo, corroborando com
as garantias de um suposto investigado, indiciado ou réu.

Os critérios adotados pela imputação objetiva parecem ser mais adequados a diversas
situações antes "mal" resolvidas no campo do tipo subjetivo.

Assim, é que a teoria aqui defendida não vai de encontro aos princípios basilares do
direito penal, tais como: reserva lega, alteridade, dignidade da pessoa humana, lesividade,
auto-responsabilidade, exclusiva proteção dos bens jurídicos, proporcionalidade, confiança,
etc., todos já com grande destaque nos tribunais pátrios.

28 Filiamos-nos aqui com a corrente defendida por Jakobs, no sentido de não se excluir o nexo de causalidade
material.
62

A própria imputação objetiva já encontra resposta dentro de nossa jurisprudência.


Apesar da pequena, e muitas vezes equivocada, divulgação de tal teoria dentro da doutrina
nacional, (podemos citar poucas obras que traduzem fielmente o pensamento dos autores
alemães), já temos antecedentes em nossos tribunais.

3.4.4.2 Ilustração Jurisprudencial

A seguir segue inteiro teor do acórdão proferido numa apelação criminal demonstrando,
na prática, a aplicação da teoria da imputação objetiva. Vejamos:

Vejamos o Inteiro teor do acordão proferido na Apelação Criminal N° 356.212 da 2 3

Câmara Criminal de Belo Horizonte:

Apelação Criminal n. 356.212, Belo Horizonte, 23 Câmara Criminal.

Apelante: Ministério Público

Apelados: H.H.B. e H. P.A.H.

Data do julgado: 14 de maio de 2002.

Relator: Juiz Antônio Armando dos Santos

2 Vogal: Juiz Alexandre Victor de Carvalho


0

Unânime

Excertos do acórdão

"VOTOS - O Exmo. Sr. Juiz Antônio Armando dos Anjos: Quanto aos fatos,
narra a denúncia de f. 2-6 que os réus agiram de forma negligente ao administrar a
unidade industrial da M., situada no Barreiro, local em que foram vítimas os
menores D.S.V., M.J.F.L., e C.R.S., lesionados por queimaduras de 2.0 e 3.0 graus,
sendo que o último, não resistindo aos ferimentos, veio a falecer. Segundo a inicial
acusatória, aos 26.7.1996, D.S.V., de dez anos, adentrou o terreno da empresa dos
réus, objetivando resgatar uma 'pipa', o mesmo ocorrendo com os menores M.J.F.L.
e C.R.S. em data de 31.7.1996. Não obstante o terreno ser de grande perigo, já que
formado por rescaldo (moinha) de carvão incandescente - derivado do
processamento de ferro gusa - o local não era devidamente sinalizado ou vigiado,
possibilitando a entrada de estranhos na empresa, como ocorreu com os menores.
Adentrando o terreno, as vítimas menores se depararam com uma camada de
significativa espessura sobre o solo, mas em combustão espontânea em seu interior,
que foi a causa eficiente para as queimaduras experimentadas".

(...)

Em suma, é o relatório.

(...)

O Exmo. Sr. Juiz Antônio Armando dos Anjos:

o MÉRITO
63

(...)

A partir dos elementos fáticos destacados pelo Parquet, postos à análise


segundo um ponto de vista meramente lógico-formal das categorias dogmáticas do
Direito Penal, poder-se-ia sustentar a tese condenatória pretendida. Todavia, o
conjunto de elementos fáticos apurados, aliado a uma visão problemática - e não
sistemática - das categorias penais, conduz a manutenção da decisão vergastada.

É de sabença comezinha que o crime culposo sempre ocupou posição


secundária na Teoria do Crime, restando, assim, nas palavras de Fábio Roberto
DÁvila, 'à margem da dogmática jurídico-penal'. Entretanto, a evolução das
relações sociais, conduzidas pelo próprio avanço tecnológico do homem, culminou
no aumento de situações de perigo, reflexo de uma sociedade mecanizada e em
constante transformação. Neste contexto, a atual visão do crime culposo fruto da
Teoria Finalista da Ação - mostra-se inapropriada a reger inúmeras relações
juridicas do mundo cotidiano, pois estando presa a um conceito puramente lógico,
acaba por relegar a um segundo plano o ideal de Justiça, fim último da Ciência
Juridica. Com efeito, o estudo das teorias do crime anteriormente elaboradas
(causalismo, neokantismo, finalismo) apenas se preocuparam com a construção de
um sistema jurídico-penal lógico (fechado), de modo a fornecer aos operadores do
Direito um instrumento para aplicação da lei penal. Ora, na Teoria Causal de Ação a
tipicidade era formal. Assim, a mera subsunção do fato praticado ao modelo legal de
crime implicaria na tipicidade da conduta, sem se avaliar nenhum outro elemento.
Isto porque, enquanto fruto de um Positivismo Científico (ou empírico), o
Causalismo tinha por finalidade garantir o máximo de segurança juridica, mediante a
objetividade e o fonnalismo nos conceitos das categorias dogmáticas do crime.
Entretanto, esta visão estritamente formal deixava de explicar satisfatoriamente
inúmeras situações práticas, conduzindo, em muitos casos - principalmente naqueles
desprovidos de previsibilidade do sinistro - a decisões injustas.

No atual sistema - Finalista - o rigor formal foi amenizado sem, contudo,


implicar em significativas mudanças. Isto porque a tipicidade exigia, além da
subsunção formal, a falta de adequação social da conduta praticada, sendo este
critério avaliado a partir do consenso comum do que seria certo - ou errado - em um
comportamento.

Reflexo desta visão lógico-formal das categorias penais consistiu na adoção


pelas legislações penais da chamada Teoria da Equivalência dos Antecedentes
Causais, ou teoria da condi/ia sine qua non, desenvolvida por Julius Glaser, visando
solucionar o processo de imputação nos crimes materiais. Segundo esta teoria, o
resultado lesivo só é imputado a quem lhe deu causa, considerando-se esta toda ação
ou omissão sem a qual o evento final não teria ocorrido. Logo, a mera relação de
causalidade naturalística entre o fato e o resultado mostrar-se-ia suficiente ao
processo de imputação e conseqüente responsabilização penal.

Atualmente, vem tomando grande relevância na comunidade jurídica os


estudos desenvolvidos pelo penalista alemão Claus Roxin, em que procurou dar às
categorias do Direito Penal uma nova dimensão, sempre preocupada com os ideais
de justiça. Para tal, reestruturou a concepção lógico-formal das categorias do Direito
Penal tratadas nas anteriores teorias do crime, que, repita-se, apenas se preocupavam
no regular e bom funcionamento do sistema penal, de modo que ele se
desenvolvesse de forma lógica, ainda que as soluções não fossem justas. Entende
Roxin que, se a justiça é o fim último do Direito, não há como prevalecer um
raciocínio meramente sistemático defendido pelos sistemas penais pretéritos.

Ao contrário, far-se-á justiça através de um raciocínio problemático - de


análise caso a caso das situações postas à apreciação dos operadores do Direito. Para
redefinir as categorias dogmáticas do Direito Penal (ação, tipicidade, ilicitude,
culpabilidade), valeu-se de elementos valorativos de Política Criminal como critério
reitor para a solução dos problemas vislumbrados. Neste norte, a reestruturação do
64

elemento tipicidade merece destaque, pois nela houve considerável mudança na


verificação do nexo de causalidade, sendo ali re-introduzido o conceito de
imputação. Assim, a chamada Teoria da Imputação Objetiva fez superar o dogma
causal, ao exigir para o tipo objetivo, além da conexão naturalística ação-resultado
(causalidade natural), a necessidade que esta conexão, segundo valores de política
criminal, sejam imputados ao autor como obra jurídica sua (casualidade típica). Esta
modificação introduzida no âmbito da causalidade ajudou a acabar com o
subjetivismo extremado do finalismo, que dava muita ênfase ao tipo subjetivo
(dolo/culpa), através de uma maior valoração do tipo objetivo, notadamente
incidente sobre o nexo de causalidade. Vê-se, pois, que o nexo de causalidade fisico
não mais implicaria, por si só, em nexo de causalidade jurídico.

Verificada a insuficiência, ou imperfeição, da causalidade natural como


determinante da imputação, passou-se a analisar o tipo objetivo à luz de critérios
teleológicos-normativos, complementares do tipo, e restritivos da causalidade.
Trabalhou-se o conceito de causa dado pela Teoria da Relevância Típica (elaborada
por Edmund Mezger), em que causa era concebida como 'o evento em que o nexo
causal era relevante para o tipo'.

Restou à Teoria da Imputação Objetiva, pois, definir quando o nexo causal


seria relevante para o tipo. Concluiu-se que a relevância surgiria da análise do nexo
de causalidade a partir de critérios valorativos (normativos) do ordenamento
jurídico. Este, por sua vez, foi definido pelo Princípio do Incremento do Risco,
aferido da ponderação entre os bens jurídicos e os interesses individuais, a partir
da análise do risco que o segundo poderia causar ao primeiro.

Em síntese: para se falar em nexo de causalidade é necessário que, após a


verificação da causalidade fisica, seja constatado que o agente criou um perigo
relevante fora do âmbito do risco permitido.

A imputação objetiva, embora não prevista na codificação pátria, não tem


sua aplicação vedada pelo ordenamento. Emerge como objeto de estudo em diversos
países, sendo efetivamente aplicado. No Brasil, conta com crescente adesão dos
estudiosos do Direito Penal, sendo que várias decisões dos Tribunais pátrios já se
valeram de seus fundamentos, inclusive esta 2.a Câmara Criminal.

Extrai-se, pois, a finalidade da imputação objetiva: analisar o sentido social


de um comportamento, precisando se este se encontra, ou não, socialmente proibido
e se tal proibição se mostra relevante para o Direito Penal. Portanto, para se ter a
imputação objetiva será necessário, além da causalidade natural, a verificação da
criação de um risco jurídico penalmente relevante, imputável no resultado e
alcançado pelo fim de proteção do tipo penal. Criou-se, então, diversos critérios
valorativos de natureza negativa que, uma vez verificados, excluiriam a imputação
objetiva frente a não valoração da conduta como juridicamente relevante para o
resultado, culminando na irrelevância jurídica do nexo causal para o tipo.

In casu, há a exclusão da imputação não só pela permissão do ordenamento


jurídico ao risco criado, como também pelo fato de o resultado produzido não estar
amparado pelo fim de proteção da norma de cuidado. Por fim, rompe-se o nexo de
causalidade pelo consentimento das vítimas em sua autocolocação na situação de
perigo.

DA INEXISTÊNCIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA PELA PERMISSÃO DO


ORDENAMENTO AO RISCO CRIADO

A questão dos autos cinge-se à aferição da responsabilidade dos réus H.H.B.


e H.P.A.H. pelas lesões causadas em D. e pelo óbito de c., pois mantendo postura
omissa e negligente, não realizando o efetivo acondicionamento de material nocivo
(moinha de carvão), tampouco o correto isolamento da área industrial - mediante
vigilância, sinalização e cercamento do local - permitiram a entrada das vítimas em
65

suas dependências e a ocorrência dos sinistros. Em que pese a po tura do réus - não
acondicionamento do material nocivo - ter incrementado o risco para a produção
dos resultados lesivos, verifica-se que as medidas adotadas para a d tinação
daquele material (moinha de carvão) encontrava-se em consonância com regras
administrativas, contando mesmo com a tolerância dos órgão público quanto à
solução traçada. É de se destacar que os lamentáveis acidentes apurado n t auto
ocorreram dentro dos prazos consignados no Termo de Compromisso para a
acomodação dos indigitados resíduos sólidos, revelando que a empresa do .
comportava-se dentro dos parâmetros estabelecidos pelos órgãos ambienta' (i e
3.3 e 3.5, do quadro de f. 144).

3.4.5 Críticas à Teoria

o finalismo, juntamente com os doutrinadores clássicos, apontam uma série de críticas


contra a teoria da imputação objetiva. Neste trabalho, iremos abordar três críticas compiladas
por Damásio E. de Jesus, em sua obra denominada de Imputação Objetiva. São elas:

A falta de determinação de conceitos, como "risco relevante e proibido", "âmbito de


proteção da norma", etc. Aduzem que não foi ainda apresentada uma formulação rigorosa e
convincente'".

Os adeptos da teoria da imputação objetiva aduzem que essa crítica não prepondera,
uma vez que esses elementos "vagos" e "imprecisos" não passam de elementos normativos
implícitos do tipo como tanto outros utilizados pelos próprios finalistas e clássicos. Alem
disso, a culpa, por exemplo, ao indicar o dever de cuidado objetivo e a previsibilidade
objetiva, aponta conceitos tão "vagos" quanto o do risco desaprovado, por exemplo. Utiliza-
se, muitas vezes, um juízo de valor muito similar para aferir o que vem a ser risco
desaprovado e o dever de cuidado objetivo.

A sup/antação do dolo. Dizem os críticos tratar a teoria de uma superfluidade em


relação aos delitos dolosos, porque, inserido o dolo no tipo como elemento subjetivo
implícito, sua ausência já conduz a atipicidade da conduta, dispensando uma possível análise
da imputação objetiva.

Afirmam que a ausência do dolo em certas situações já é suficiente para que se tenha
uma solução jurídica.

Os defensores da "novel" teoria afirmam que ela não trata especificamente do dolo. A
análise da imputação objetiva precede a análise da causalidade psíquica - análise dos
elementos subjetivos do tipo -. Assim, se agiu com dolo ou não, este problema será analisado
em outra fase.

29 FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo apud JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 164.
66

Bastasse a ausência do dolo, em certas ocasiões''" ocorreria uma insuficiência da teoria


da equivalência dos antecedentes, acabando por se adotar uma solução um tanto quanto
injusta.

A conversão do risco em resultado jurídico é matéria de antijuridicidade, e não de


tipicidade. Aduzem os resistentes à esta corrente que a afetação jurídica, que se expressa na
lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico, conceme à ilicitude do fato.

Para os teóricos da teoria ora analisada, não é aceitável a proposição acima posta, uma
vez que "[ ...] se fosse assim, a simples criação do risco tomaria típica qualquer conduta, ainda
que permitido, livrando o autor da malha penal somente em nível de ilicitude".31

3.4.6 Vantagens da Teoria

As vantagens da imputação objetiva residem, principalmente, na limitação dos exces o


da teoria da equivalência dos antecedentes, bem como em uma complementação a esta teoria,
solucionando certos problemas de uma maneira mais razoável e justa.

o dogma da causalidade só é aplicável aos crimes materiais, excluindo os delitos


formais, de mera conduta, omissivos, bem como os delitos na modalidade tentada, ao passo
que o juízo de imputação objetiva abarca todas essas espécies de crime.

Hipóteses em que o fato é considerado atípico em face da ausência do nexo causal


material poderão ser causa da instauração de um inquérito policial, podendo levar o
Ministério Público, inclusive a propor uma ação penal, em face do princípio da dúvida em
prol da sociedade que rege este momento da persecução penal. Dessa forma, caso a imputação
objetiva fosse ventilada no caso, poderia ensejar, inclusive, um arquivamento do inquérito,
uma vez que se poderia fundamentar na atipicidade da conduta ou do resultado, em face de
uma ausência de criação de um risco relevante e proibido, por exemplo.

Nesse diapasão, temas como os do risco permitido, consentimento e participação do


ofendido, violência esportiva, intervenções médicas e cirúrgicas etc., que na doutrina clássica
são resolvidos através de causas justificantes, a imputação objetiva considera excludente de
tipicidade, de forma que a liberação penal é antecipada.

30 Como por exemplo, no clássico exemplo doutrinário sempre citado do sobrinho que, com intenção de ver o tio
morto, compra diversas passagens de avião para este parente, crendo que, um dia, o avião irá cair, levando-o ao
esperado óbito.
31 JESUS, Damásio E., op. cit., 2007, p. 165.
67

CONSIERAÇÕES FINAIS
o funcionalismo penal, crescente corrente doutrinária, traz em seu bojo uma no a teoria
da imputação objetiva, fixando um método e critérios de aplicação desta teoria no eio do
Direito Penal.

o sistema funcionalista traz novos parâmetros para o Direito Penal, rompendo com
tecnicismo didático trazido à baila pelos sistemas clássico e finalista para a teoria do crime,
que não condiz muitas vezes com os princípios constitucionais e as garantias individuai que
atuam como balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas penais.

A imputação objetiva, embora possua seus méritos, não é capaz de substituir por
completo a teoria da equivalência dos antecedentes, sendo que, para se imputar um re ultado a
alguém, deve existir um mínimo de causalidade material complementada pela idéia da
causalidade normativa.

A imputação objetiva, então, funciona como uma análise a ser realizada após a aferição
de um nexo de causalidade material, com o fito de limitar os excessos cometidos pela teoria
da equivalência das condições e o seu método da eliminação hipotética.

A supracitada teoria acaba por restringir, de certo modo, a incidência da proibição ou


determinação típica sobre determinado sujeito, transformando-se - pasmem - numa
verdadeira teoria da não imputação.

A proibição do regresso ao infinito, antes solucionada pela teoria da ausência do dolo,


ganha contornos também conforme a teoria objeto deste trabalho. Dessa forma, é que pela
ausência do dolo, algumas situações ficavam sem solução, sob pena de se indicar uma injusta.

Dessa forma, é que, através de conceitos novos e outros não tão genuínos, como a
criação de um risco e sua realização em um resultado jurídico; a proibição ao regresso; o
princípio da confiança; capacidade da vítima; dentre outros, a transgressora teoria tomou
possível uma análise mais justa da imputação penal.

Em assim sendo, a imputação objetiva foi inserida dentro do fato típico, sendo
reconhecida como um elemento normativo implícito do tipo. Dessa feita, é que a sua não
configuração implica a atipicidade da conduta ou do resultado realizado.
68

Destarte, situações antes solucionadas por meio da culpabilidade e antijuridicidade


passam a ser tratadas no interior do fato típico. Dessa feita, a absolvição com base em
excludentes de culpabilidade e excludentes de causas justificantes ganha um novo contorno,
passando a ter fulcro em uma excludente de tipicidade, por inexistência de um nexo de
causalidade jurídico - ou normativo.

Outra grande funcionalidade dessa teoria é o fato de o seu juízo de imputação poder
incidir sobre os crimes formais e de mera conduta, os quais não detinham a possibilidade de
uma análise mais acurada no que tange a imputação através da teoria da equivalência dos
antecedentes, visto que eles prescindem de resultado naturalísticos - ou mesmo não o
possuem - para fins de consumação, não havendo, por conseguinte, a idéia de nexo de
causalidade material, em virtude da inexistência de um resultado para se ligar a uma conduta.

A maior vantagem, ao meu ver, dessa "vanguardista" teoria deve-se ao fato da solução
de muitos conflitos ser tomada através da atipicidade ou tipicidade da conduta e/ou resultado
como mencionado acima, o que beneficia, de certa forma, a possibilidade de uma defesa
antecipada, ainda em fase de persecução penal extrajudicial. Isto se deve ao fato da
atipicidade da conduta e/ou resultado, quando bem demonstrada, ter o condão de determinar o
arquivamento de um inquérito policial, por exemplo.

Por fim, vislumbramos a sua possível aplicabilidade - ainda que temperada - em face do
sistema jurídico brasileiro, a despeito de o nosso Código Penal ter adotado expressamente em
seu art. 13 a teoria da equivalência de condições ao nexo causal.

Dessa forma, é que o parágrafo 1°, embora para alguns sustente a tese da causalidade
adequada, evidencia - segundo Greco, como já mencionado anteriormente - um fundamento
para a inserção da moderna teoria da equivalência dos antecedentes no sistema jurídico pátrio.

De outra sorte, vale destacar que, conforme defendemos, o ordenamento não pode ser
fechado, segundo preconizava Kelsen. Hodiernamente, com base no crescimento do
constitucionalismo e dos métodos hermenêuticos ligados a ele - aberto, dialógico, pragmático
e normativo - o sistema torna-se aberto, utilizando normas princípios como vetores de
interpretação e aplicação dos tipos penais ao caso concreto.

Por fim, infere-se que a teoria aqui defendida se coaduna com diversos princípios do
Direito Penal já consagrados pela doutrina e jurisprudência nacional.
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REFERÊNCIAS

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Bergamini Miotto. São Paulo: Saraiva, Ed. Universidade de São Paulo, 1973, v. 1.

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ESTEF AM, André. Direito Penal 1: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008.

GRECO, Luís. "Imputação objetiva: uma introdução" in ClausRoxin, Funcionalismo e


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GRECO, Luís. Um panorama da teoria da imputação objetiva.Rio de Janeiro: Lumen J' is,
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LUNA, Everardo da Cunha. Capítulos de direito penal- Parte geral. São Paulo: oararva,
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MASSON, Cleber. Direito Penal- Parte Geral. São Paulo: Método, 2008.

SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Teoria da Imputação Objetiva. Apontamen cnncos à


luz do Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.

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