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PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO: INSTRUMENTO DE

MODERNIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA1

Lídia Maria Lopes Rodrigues Ribas 2

Mestre e Doutora pela PUC/SP em Direito do Estado

Pós-doutoranda em Direito Público pela UMSA da Argentina

Pesquisadora do CNPq

Professora e orientadora na graduação e na pós-graduação

Introdução

A atualização e modernização da estrutura normativa da Administração Tributária


passa pela necessidade de instrumentos eficazes para lançar de ofício e cobrar os tributos de
competência do Estado, sem, todavia, olvidar os legítimos e sagrados direitos do administrado
de somente pagar o quanto efetivamente é devido e, em conseqüência disso, impugnar e
acionar a justiça administrativa contra o não-devido por meio de um processo ágil e que
atenda aos princípios da ordem jurídica.

A busca de mecanismos de soluções dos conflitos fora do Poder Judiciário se dá


no mundo inteiro e, no Brasil, a Constituição de 1988 assegurou o contraditório e a ampla
defesa aos litigantes do processo administrativ o, que se configuram como pilastras da
segurança jurídica.

Assim, o processo administrativo tributário atua como instrumento de atuação do


direito material e alternativo em matéria tributária que, para cumprir seu papel há de ter um
trâmite claro, lógico, que atenda aos princípios da ordem jurídica, cuja matriz é idêntica à do
Judiciário em que o contribuinte tem um espaço de exercício de cidadania e que viabiliza a
justiça fiscal.

1 Baseado no livro da mesma autora Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Malheiros, 2000 e palestra
proferida no XII CONAFISCO - Águas de Lindóia, nov/2001.
2 E-mail: limari@vento.com.br.
Os órgãos judicantes administrativos, embora com autonomia em relação à
Administração ativa e com representantes do fisco e da sociedade, hão de ser fortalecidos,
para agilizar a solução dos conflitos entre a Administração e os contribuintes, mantendo as
garantias e reduzindo os feitos tributários no Judiciário, ainda que a escolha do fórum perante
o qual deseja postular seus direitos fique a critério exclusivo do contribuinte. A opção pela via
administrativa é pertinente constitucionalmente e desejável pela vantagem de ser atrativa pela
gratuidade, dar efeito suspensivo dos recursos e com a certeza das garantias constitucionais.

A obrigação tributária resume condições peculiares em relação a outras


obrigações de natureza civil o que exige sistematização do processo tributário sendo preciso
que haja conectores entre o processo administrativo tributário e o judicial, resultando em
regras que evitem repetições nas fases administrativa e judicial, visando à agilização,
mantendo-se as garantias.

O objetivo deste trabalho é aprofundar essas questões que, norteadas pelo


princípio da legalidade tributária, juntamente com outros princípios, liberdades e garantias
obtêm plena recepção no ordenamento. Mas a realidade do processo tributário brasileiro
aponta para uma falta de estruturação, de acordo com os princípios que se adequam ao
verdadeiro conteúdo normativo dos valores do Estado de Direito. A necessidade de que o
Estado, juridicamente organizado, esteja estruturado e organizado em um sistema que tutele
os direitos dos contribuintes de modo ágil e eficaz exige que um conjunto de posições do
corpo doutrinal que pareciam solidamente assentes sobre o objeto e papel do processo
administrativo tributário e sua natureza, revelem-se passíveis de acatar uma realidade mais
moderna desse instrumento no melhor encaminhamento das questões tributárias visando a
transparência e a justiça fiscal .

Cabe demonstrar que o processo tributário tem que ser estruturado segundo os
princípios constitucionais, mas com uma vinculação em relação a outros princípios
processuais que atendem a natureza dessa relação obrigacional tributária e com a necessária
conexão entre o processo judicial e o administrativo.

A obtenção da verdade material que impende sobre a Administração judicante é


conseqüência da legalidade tributária e tem natureza constitucional, para cuja estrutura
processual é indispensável o princípio inquisitório. Essa finalidade do processo administrativo
tributário tem imediatos efeitos nos princípios ou máximas que o estruturam, para assegurar
uma efetiva tutela legal, refletida pelos poderes de cognição dos julgadores na delimitação
fática do processo e na natureza e limites do objeto do processo.

É importante referir-se ainda a importância da tutela judicial dos direitos dos


contribuintes que a Constituição garante, cuja intervenção na resolução dos conflitos entre o
fisco e os contribuintes asseguram a unidade jurisdicional do sistema brasileiro.

Papel do processo administrativo tributário, princípios informadores e fases

Inicialmente coloca-se o processo administrativo tributário como sendo um


instrument o de atuação do direito material. Representa a própria construção do título
executivo necessário para que a administração pública possa vir a pleitear, junto ao judiciário,
a execução do crédito tributário que constitui seu direito subjetivo.

É importante lançar a idéia de alguns antecedentes que configuram a importância


do processo administrativo tributário. Esses antecedentes passam pela maior importância e
aprofundamento que foi sendo dado ao ato administrativo, já na década de setenta, e se
consolida a partir do maior desenvolvimento das relações fisco/contribuinte, principalmente a
partir do fato de deixar de servir à autoridade pública administrativa, para servir acima de
tudo ao cidadão.

Então, tem-se a figura do processo administrativo tributário se impondo nessa


maior conscientização que o cidadão começa a ter e constituiu-se em alternativa; como mais
um instrumento tendente a solucionar, a pacificar os conflitos na relação fisco/contribuinte,
que se dá a partir da atuação da legislação tributária e em razão da própria necessidade dos
contribuintes a partir das posições assumidas pelo legislador, de se levar aos cofres públicos
os recursos necessários para o Estado prover as finalidades públicas.

Uma outra questão que também reforça a importância e a necessidade da


efetivação do processo administrativo tributário diz respeito aos mecanismos de solução fora
do judiciário, não apenas nacionalmente, mas internacionalmente. O mundo inteiro reconhece
a importância de se criarem alternativas; mecanismos de solução de caráter urgente e até
preventivo para evitar que o judiciário tenha que se posicionar em todas as questões que são
às vezes passíveis de soluções mais ágeis, mais fáceis, e que não deixem de garantir os
mesmos princípios que são dados pelo próprio judiciário e exigidos pelo sistema jurídico.

Por último e não menos importante, está o fato do processo administrativo ter sido
elevado a um plano constitucional, na medida em que o próprio constituinte explicitamente
destacou a importância do processo administrativo tributário, ao exigir dele a necessidade de
respeito à ampla defesa e ao contraditório, dentre outros princípios que devem ser seguidos no
processo administrativo tributário.

Nesse contexto é que está situada a importância e o papel do processo


administrativo tributário na modernização da Administração Tributária.

De se destacar a idéia de que a tutela jurídica que está ligada ao interesse desse
instrumento, diz respeito à importância de que diante das relações sociais que se travam, em
particular nas relações fisco/contribuinte, é que deve estar prevista sempre a realização da
justiça, e de modo específico em matéria tributária. A proteção necessária e suficiente para
que se leve adiante a verdadeira tutela jurídica dos bens que estão envolvidos nas questões
tributárias. Por um lado, para se poder garantir e prevenir das medidas arbitrárias e ilegais que
são cometidas eventualmente pelos agentes públicos e por outro para que os contribuintes
cumpram suas obrigações tributárias exigidas pelo legislador em nome da sociedade.

Não há dúvida que a Fazenda Pública deve se preservar contra condutas ilegais
dos próprios contribuintes ou responsáveis pelo tributo. Então, se de um lado há a importância
que deve ser dada aos interesses da própria Faze nda Pública, por outro e não menos
importante é necessário que se prestigiem as questões dos particulares, principalmente quando
essas medidas ilegais e arbitrárias são cometidas em favor da arrecadação tributária.

A construção do processo de modo geral, e em particular a construção científica


do direito processual atravessou várias fases, podendo se destacar como uma delas a de
natureza autonomista, com prevalência, aliás, mais do que isso, de uma verdadeira
exacerbação à importância do instrumento em si. Então o direito processual se construiu
inicialmente a partir de uma grande importância dada ao próprio instrumento. Esta fase não
alcançou e não instrumentalizou o direito material como era de se esperar, do direito
processual. Isso produziu, na verdade, um distanciamento; quer dizer, era uma
instrumentalização que não permitia a verdadeira realização dos direitos consignados pelo
direito material em todos os aspectos e em todas as áreas jurídicas, mas que se queria afirmar
por si só.

Pode-se dizer que felizmente houve um avanço processual no sentido de se


colocar o processo a serviço do resultado, e nessa visão, enquanto instrumento pacificador de
conflitos, parece então que o direito processual começou a reconhecer sua posição no
contexto jurídico, e com isso começou a se perceber que sua importância é relevante para se
poder efetivamente levar o direito material adiante.

Ainda dentro dessa teoria geral do processo administrativo, uma outra questão que
deve ser colocada é exatamente o fato de que deve existir um autocontrole. O controle da
legalidade é imprescindível para o bom andamento das questões nas relações tributárias
existentes entre o cidadão e o Estado.

Nesse sentido, o processo administrativo tributário cumpre na verdade esse papel


de autocontrole, mas é um papel de autocontrole que deve estar ligado a uma questão de
parahierarquia, porque não se pode ver o processo administrativo tributário a serviço da
administração fazendária. Tem que se ver o processo administrativo tributário como
instrumento, que está fora da hierarquia da Fazenda Pública, mas no sentido de que não deva
submissão à vontade da própria Fazenda, mas no cumprimento da lei; aquela lei que busca a
legalidade e não a arrecadação em si.

Não se pode deixar de distinguir uma funç ão ativa da Administração Pública,


como sendo aquela em que os agentes públicos procuram buscar o cumprimento da lei em
busca da arrecadação necessária para o cumprimento das finalidades do Estado e de uma outra
função que é relativa e pertinente ao processo administrativo tributário, que é uma função de
natureza judicante. Aqui não está presente uma das partes, que é a Fazenda Pública, mas tão
somente o julgador, como sendo alguém que de modo imparcial possa bem atender as partes,
quais sejam, o particular que busca solucionar seu conflito e a outra parte que é a
Administração Publica com interesse na arrecadação tributária. O interesse público no que diz
respeito à busca da arrecadação, não deve estar presente no processo administrativo tributário
já que ele serve para a solução desses conflitos, de modo imparcial. Isso é possível se todos
esses órgãos que têm atribuições no processo administrativo tributário conseguirem se
posicionar nesta colocação de autocontrole parahierárquico, sem ter que se submeter à
vontade da função ativa arrecadadora e assim possam então preservar o maior bem que é o da
justiça, em termos da tutela que está sendo prestigiada.

No que diz respeito ao interesse substancial do processo administrativo tributário,


o norte, o rumo, a finalidade maior é o cumprimento da ordem jurídica; que dizer, não é o
cumprimento da lei em si, mas é o cumprimento de algo maior - do direito; da ordem jurídica
que leva à justiça como fim último do próprio direito. Aliás, deve-se destacar uma visão que
deve ser dada e encaminhada nesse sentido que é aquela, e é muito bem vista em
determinados regimes jurídicos, por exemplo no direito alemão, com destaque dado à menção
que faz a constituição alemã em relação ao cumprimento da lei e do direito , mostrando
exatamente a grandeza do direito como um todo e em prevalência à lei específica.

Historicamente o processo administrativo tributário passou por alguns momentos


de encaminhamento e de maior prevalência no sentido de se fazer presente nessa possibilidade
que lhe é dada, qual seja, o espaço dessa possível solução dos conflitos em matéria tributária.
Mas não se obteve uma sistematização constante no decorrer de sua existência,
principalmente em nível de Brasil. De toda forma, apesar de uma grande atuação de Rubens
Gomes de Souza, Gilberto de Ulhoa Canto e tantos outros que contribuíram e mostraram a
importância e possibilidade desse mecanismo ajudar, auxiliar a bem cumprir o papel nas
questões de direito material tributário, na prática isso não se efetivou.

Na verdade, sendo como é um instrumento de atuação do direito material, o que se


espera dele é que cumpra as finalidades que lhe são colocadas - distribuição de justiça e
pacificação dos conflitos, mas a partir de algo que seria seu norte primeiro, que é ser ágil,
claro, lógico, mas sem que com isso venha a ferir, a prejudicar qualquer das garantias que
estão institucionalizadas pela própria Constituição.

A matriz do processo administrativo tributário é equivalente àquela estruturada


pelo próprio poder judiciário. Os órgãos judicantes que compõem o processo administrativo
tributário possibilitam a implementação da verdadeira democracia. O Estado Democrático de
Direito está consignado na própria ação do processo administrativo tributário na medida em
que, via de regra, na estruturação desses órgãos estão presentes as representações dos próprios
contribuintes.

Assim, nos órgãos do processo administrativo tributário estão envolvidos não


apenas os representantes do Estado mas também os representantes da sociedade, o que se
constitui num mecanismo do exercício do Estado Democrático de Direito. Aliás, disse
Canotilho, com muita propriedade, que o verdadeiro exercício da democracia se dá na
possibilidade de uma maior participação da sociedade em todos os interesses do Estado. Logo,
não poderia ser diferente nesse que está tão de perto ligado a todos os interesses dos cidadãos
que é aquele da sua “contribuição”, da sua participação efetiva com o bem estar social,
levando aos cofres o dinheiro que o Estado precisa para alcançar suas finalidades.

José Afonso da Silva também destaca essa idéia na medida em que levanta a
questão da efetiva participação da sociedade em todos os aspectos da atuação do Poder
Público. Então é claro que na medida em que a sociedade participa do processo administrativo
tributário há melhores condições do exercício verdadeiro do Estado Democrático de Direito.

Cumpre afastar a idéia que alguns ainda fazem a respeito de que o processo
administrativo tributário estaria “desprezado”, insistindo assim em chamá-lo de procedimento.
Na verdade vê-se o processo a partir da existência de um procedimento, como sendo aquele
conjunto de atos sucessivos que se dão para atender uma finalidade. Pois bem, isso é
procedimento, mas processo existe a partir do momento em que se estabelece o contraditório,
explicitamente exigido pelo Constituinte, não havendo porquê se retirar do administrativo a
figura do processo apenas porque não está no âmbito do judiciário. Felizmente boa parte da
doutrina processualista vem entende ndo que estando presente o contraditório no processo
administrativo tributário, não há como considerá-lo apenas procedimento. Procedimento é,
por exemplo, o inquérito policial, em que não está presente o contraditório.

Ainda neste contexto geral, pode-se dizer também que há que se considerar a
visão maior que se pode ter para todos os aplicadores das várias áreas do direito, e não é
diferente no processo administrativo tributário - aquela idéia de sistema.

Não se pode deixar de lado essa visão sistêmica, em que estão presentes os
princípios, ou seja, aqueles nortes dados pelo constituinte, aquelas diretrizes estabelecidas
explícita ou implicitamente e que devem permear todo o processo administrativo tributário.

Então, é claro que tanto no que diz respeito ao conteúdo próprio do processo
administrativo tributário, que é de natureza instrumental, deve -se estar sempre levando em
conta a aplicação dos princípios. Os princípios gerais, como sendo aqueles que têm função
genérica, que se aplicam a todas as áreas, mas que dão apenas a orientação comum às várias
áreas do direito. Além deles, os princípios específicos, que são os que se dirigem de modo
particular, e têm a ver com as especificidades da área; nesse caso as especificidades do
processo administrativo tributário. Todos eles dão a ordem e a unidade necessárias a essa
visão sistêmica que se deve ter do direito como um todo, e não poderia ser diferente para os
operadores do direito, no caso específico, do processo administrativo tributário.

Rapidamente lembrando alguns dos princípios presentes no processo


administrativo tributário, tem-se o princípio da igualdade que “é a própria constituição”, como
diz o professor Souto Maior Borges. Esse ponto angular do direito é a confirmação da
verdadeira justiça e do Estado de Direito.

O princípio da legalidade como sendo na verdade um pressuposto da certeza e da


própria segurança jurídica e do Estado de Direito, levando-se em conta inclusive que a lei
representa a vontade popular.

O devido processo legal, na idéia de processo regular ordenado, cujo conteúdo é


material e formal e que se desdobra na ampla defesa e no contraditório. A ampla defesa como
sendo a própria afirmação da justiça e um pressuposto da eficácia, quer dizer, a efetiva
participação das partes em toda a extensão de possibilidades de defesa que a lei permite. E o
contraditório, que se traduz em verdadeira evidência equilibrada das peças colocadas em
contraponto - a verdade a partir das teses contrapostas pelas partes no decorrer de todo o
processo.

Em relação aos princípios específicos é claro que têm que estar presentes os
demais, relativos à administração pública, colocados explicitamente no art. 37 da Constituição
Federal (impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). A moralidade, mais do que
ética, está explicitada na Constituição e há de ser levada em conta por todos e em particular
no processo administrativo tributário.

Pode-se dizer que em termos de princípio específico a legalidade objetiva se faz


presente na defesa objetiva da norma, quer dizer, o império da legalidade na justiça deve ser
levado adiante pois se espera exatamente que o processo possa cumprir todos os aspectos
previstos na lei. E aí a referência é então não apenas à lei, mas também ao direito.

No que diz respeito à oficialidade, como sendo o princípio segundo o qual todos
os agentes devem promover o impulsionamento necessário à conclusão; ao desfecho do
próprio processo, em favor dessa agilidade que busca a justiça e a conciliação, pacificando o
conflito entre a administração e o contribuinte.

Um outro princípio é o do informalismo dentro do processo administrativo


tributário, exatamente para evitar que seja o mesmo levado ao império do “juízo de
admissibilidade do protocolo”, de modo a que questões de menor importância prevaleçam
sobre aquelas que busquem a verdade material, que é um objetivo maior do próprio processo
administrativo tributário. Então, nesse sentido, as formalidades essenciais, essas sim são
necessárias para se obter a certeza jurídica e a segurança processual, mas sem que isso leve a
esse excesso de rigores formalísticos, sem levar adiante o objetivo maior do processo
administrativo tributário.

Há também o princípio da verdade material, exatamente porque, diferentemente


do processo civil, em que prevalece um pr incípio de natureza outra, diversa do processo
administrativo tributário, deve ser buscado o uso de todas as provas conhecidas, por meio de
mecanismo inquisitório. Não interessa apenas, como no processo civil, o impulso que as
partes dão; as vontades que as partes traduzem no próprio processo, às quais o juiz fica
cingido. No processo administrativo tributário o órgão julgador deve buscar todas as formas
da verdade material do processo para poder garantir essa justiça que se espera. Então, nesse
sentido, o julgador deve buscar e usar todas as provas conhecidas para que possa levar adiante
a verdade no próprio processo. O princípio inquisitivo respalda essa idéia da verdade material,
na medida em que a amplitude do julgador independe da vontade das partes.

A revisibilidade se aplica, com base na possibilidade da existência de exigências


infundadas. É claro que diante da previsibilidade legal, imposta pelo próprio sistema, no
sentido de que revisões devem ser feitas e elas servem para poder efetivar o autocontrole
esperado.

O princípio da proporcionalidade, dentre outros também é destacado para que haja


equilíbrio entre os meios e os fins utilizados, visando o equilíbrio do binômio custo/benefício.

Outra questão a ser abordada refere-se à importância das consultas tributárias em


todo o contexto das relações jurídicas tributáveis, principalmente no aspecto de que essas
consultas tributárias servem como instituto orientador de natureza preventiva. Não há como se
entender as relações jurídicas de natureza tributária , sem se levar em conta uma série de
estudos que devem estar presentes para seu bom andamento e uma visão maior que se deve ter
na efetivação dessas relações e das próprias garantias do contribuinte. Então, levando-se em
conta a incerteza em razão da própr ia complexidade das relações jurídicas tributárias
existentes e consignadas na própria legislação, é natural que deva haver por parte da
administração pública uma grande preocupação com esse instituto da consulta, que nada mais
é do que um instrumento auxiliar do próprio processo como um todo e em particular do
processo administrativo tributário, buscando essa harmonização dos interesses
fisco/contribuinte.

Como foi dito, o processo administrativo tributário nasce a partir do contraditório,


o que leva à idéia da impugnação como sendo a peça que o inaugura. Então, a partir de um
lançamento levado adiante pelo fisco, é natural que com ele não concordando os particulares -
os contribuintes - venham a questioná-lo. É claro que desde logo fica feita a ressalva que o
contribuinte tem o direito de poder vir a discutir a questão com a qual ele não concorda, seja
na via administrativa, ou pode de imediato discutí-la no âmbito judicial. De toda forma, já que
é uma alternativa para o contribuinte e havendo a possibilidade de que este processo
administrativo tributário se dê de forma ágil e respeite as garantias, tendo todas as condições
necessárias para o seu devido aproveitamento, certamente o contribuinte será induzido a
buscar a via administrativa em vez que ir direto ao judiciário.

Essa impugnação, que inaugura o processo administrativo tributário, vai permitir


então uma alternativa de discussão dessas questões que envolvem esse conflito entre o fisco e
o contribuinte. Levada adiante a impugnação, é processada pela própria estrutura que os
órgãos julgadores normalmente têm, mas via de regra, é um julgador singular que promove
então o julgamento (caráter monocrático) sobre aquelas questões que a ele foram submetidas.

Tão logo seja proferida a decisão singular, e com ela não concordando o
contribuinte, há normalmente uma estrutura no sentido de que essa decisão seja submetida a
um recurso, que permite então uma revisão dessa decisão proferida pelo julgador
monocrático.

A doutrina não é pacífica em dizer que haja necessidade de que a estrutura dos
órgãos julgadores se dê na via administrativa com implementação de um órgão em segundo
grau. De toda forma tem surgido em quase todas as estruturas essa revisão por parte do órgão
de segundo grau, que permite a revisão no caso de uma decisão injusta ou até errada e
também pela própria natureza política de todos os órgãos que dizem respeito à implementação
legal que é a de que nenhum órgão fique imune e possa estar submetido aos necessários
controles.

Esse recurso tanto pode se dar de ofício, nos casos em que a própria lei
especificamente determinar, em que o próprio julgador deve levar adiante e promover o
recurso quando perdedora a Fazenda Pública, e por iniciativa ou recurso voluntário do próprio
contribuinte.

Existem algumas le gislações que caracterizam a exigência de um depósito prévio


para a efetivação do recurso, caso do Conselho de Contribuintes da União. A doutrina
questiona se é válida ou não essa exigência de depósito, mas tem sido bem dividida a questão
de que se pode ou não exigir esse valor de depósito, tido como pressuposto de admissibilidade
e garantia recursal. Existe ainda a possibilidade de algumas legislações exigirem valores
mínimos para recurso, mas que enfim são questões ligadas às legislações específicas na
estruturação desses órgãos julgadores de natureza administrativa.

Quanto aos poderes de cognição dos julgadores no processo administrativo


tributário deve-se levar em conta a necessidade de se posicionarem nas questões que são a
eles submetidas, principalmente pelo critério positivo, a partir das provas oferecidas pelas
partes no processo. De se ressaltar a importância desse livre convencimento, do qual devem
estar imbuídos os julgadores do processo administrativo tributário, em razão da necessidade
da distribuição da justiça, o que justifica a própria existência do processo administrativo
tributário. Então esse livre convencimento se dá a partir dessa necessidade de buscar a
verdade maior e última do processo administrativo tributário.

São utilizados, falando-se em provas, todos os recursos ou elementos passíveis de


demonstração da verdade. A existência da verdade que se alega, como sendo exatamente o
verdadeiro ônus da prova, é tido como de caráter geral no sentido de que quem alega deve
provar a verdade que está alegando. É claro que no processo administrativo tributário tem
prevalência a prova de natureza documental. Muito utilizada a pericial e até métodos
indiciários quando de incorreções na escrita fiscal e inexatidão dos elementos indispensáveis à
determinação dos fatos imponíveis.

No que diz respeito às presunções, muito questionadas no direito tributário, elas


na verdade partem de um fato conhecido para se chegar a concluir um fato ignorado. É
diferente da ficção jurídica já que nela a lei estabelece como verdadeiro fato provavelmente
falso, mas pré-juridicamente esse fato já é tido pelo instituto da ficção como sendo
verdadeiro.

A perícia é também muito utilizada no processo administrativo tributário, como


sendo a possibilidade de aplicação de fatos e circunstâncias que interessam ao caso, com
conhecimento especializado, como vistorias, exames, avaliações e são feitas por técnicos que
conhecem a matéria, utilizadas em busca da verdade material.

Os julgadores exigem ainda, para se convencerem, eventuais diligências, como


sendo aquelas informações e esclarecimentos reduzidos a termo e levadas adiante,
normalmente por funcionários do fisco.

Quanto aos efeitos das decisões, quando favoráveis ao contribuinte, haverá a


extinção do crédito tributário, mas se forem favoráveis à Fazenda Pública, são então
suscetíveis de discussão no judiciário, já que é uma outra possibilidade que é dada ao
contribuinte para discutir, não esquecendo que as decisões administrativas não fazem coisa
julgada, e isto tem a ver com a própria unidade e universalidade de jurisdição, que é dada tão
somente ao poder judiciário.

A inscrição na dívida ativa é uma fase levada adiante após as decisões


administrativas e com ela se ressalta a presunção da legitimidade e certeza do crédito
tributário. É com a certidão da dívida ativa, que o crédito tributário se constitui em título
executivo extrajudicial, o que permite à Fazenda Pública ir ao judiciário para que este faça a
exigência devida para pagamento do respectivo crédito tributário. A certidão é líquida quanto
ao montante e é certa quanto à legalidade.

Entre outras questões relativas à importância do processo administrativo


tributário, destaca -se o espaço de exercício da cidadania. E deve ser considerado como tal -
mais um espaço que o cidadão tem para o exercício da verdadeira cidadania, pela obrigação
que têm todos os cidadãos na efetivação do bem estar geral e atingimento das finalidades
públicas.

O processo administrativo tributário tem esse caráter alternativo em matéria de


tributação e permite efetivamente uma possibilidade de simplificação do processo, visando e
buscando exatamente esse gerenciamento, mantendo-se as garantias constitucionais. Ele é um
instrumento auxiliar que busca nada mais do que alcançar os fins últimos do direito que é a
própria justiça fiscal, como garantia e segurança jurídica na relação entre cidadão e o próprio
Estado.

Também tem importância pela maior estabilidade que consegue levar adiante na
ordem social, pela própria possibilidade de antecipação da solução de eventuais controvérsias
que estão sendo sistematicamente colocadas a partir dessa complexidade das relações
fisco/contribuinte.

De novo destaca-se a participação da sociedade, principalmente pelo fato de que


nos órgãos julgadores de segunda instância estão as representações dos contribuintes no
auxílio à atuação do Estado, levando-se em conta ainda uma outra característica própria do
processo administrativo tributário que é aquela da especialização, é dizer, na medida em que
há uma possibilidade de conhecimento maior e profundamente técnico a respeito das questões
que são a ele submetidas, haverá uma maior possibilidade de buscar uma solução que possa
vir a pacificar o conflito ali colocado sob apreciação.

Há ainda a importância que outros sistemas jurídicos já deram ao processo


administrativo tributário, cuja sistematização está consolidada na Argentina, na Alemanha, em
Portugal e na Espanha, com algumas características peculiares, mas trazendo o processo
administrativo tributário como mais uma forma de pacificação de conflitos fora do âmbito
judiciário. Infelizmente, para a legislação brasileira não há nenhum liame entre o processo
administrativo tributário e o processo judicial tributário. Nesse sentido, há um prejuízo muito
grande em gastos e tempo, ou seja, necessário se fazia uma relação mais íntima de tal modo
que houvesse uma organicidade entre o processo administrativo tributário (fase administrativa
em que o contribuinte discute nos órgãos administrativos) e aquela outra do judiciário; até
porque afinal não se pode esquecer que quem paga a conta é o contribuinte. Além de mais
oneroso demora mais a pacificação desses conflitos, por não haver aproveitamento dos atos
que são levados adiante no processo administrativo tributário.

É necessário que o legislador tenha essa consciência e venha a criar alguns liames
que sejam capazes de proporcionar uma possibilidade de aproveitamento do processo em
busca de uma melhor utilização desses atos preparatórios e de todos os demais que são
levados adiante no processo administrativo tributário.

A fragmentação que existe atualmente na legislação permite que isso aconteça, o


que só prejudica a concepção unitária do processo tributário como um todo, seja na fase
administrativa, seja na fase judicial, havendo que se estabelecer uma relação mais íntima entre
eles.

Dificilmente se ouve alguém falar em reforma tributária com uma visão mais
ampla, que dê condições à verdadeira efetividade do direito material, desde que ela traga junto
a instrumentalização necessária para a ativação desses direitos materiais. Então, qualquer
reforma tributária só pode ser bem sucedida se levar em conta questões relativas ao direito
material, se acompanhadas dos instrumentos processuais hábeis à efetivação desses direitos,
senão elas ficam sempre capengas e prejudicadas.

O que se evidencia é a importância da edificação didática do processo


administrativo tributário como área do conhecimento conferido-lhe caráter sistemático, cujo
conteúdo envolve articulação do Direito Tributário, do Direito Administrativo, do Direito
Processual Civil, de modo a nortear as questões das lides administrativas de natureza
tributária, em que reside a necessidade de sistematização de princípios e outras questões de
natureza científica, pela diferenças existentes entre a lide tributária e a lide comum, que
particulariza, o processo administrativo tributário, cujo estudo é indispensável à sua
compreensão. Deste modo o processo administrativo tributário é um forte instrumento de
transparência do Fisco e principalmente no encaminhamento da justiça fiscal.

As peculiaridades que apresenta o processo administrativo tributário exigem


interdisciplinariedade, e o iter jurídico das soluções das lides entre o fisco e o contribuinte não
se ajusta perfeita e exclusivamente na órbita das soluções das lides existentes seja no campo
do Direito Público, seja no do Direito Privado.

A construção do processo administrativo tributário tem caráter de exceção do


regime geral do processo e está alicerçado em dois pólos. De um lado, o Estado precisa de
meios para combater a evasão tributária e a lide tributária em si, instituindo para tal, órgãos
administrativos que identifiquem a obrigação, promovam a cobrança administrativa e decidam
os conflitos daí resultantes. Do outro lado, o contribuinte que deve dispor de normas jurídicas
e possibilidade desses órgãos administrativos e do judiciário protegê -lo contra os desbordos
do Estado. Preleciona James Marins 3 que “Esta autotutela, que representa o trato unilateral
que é concedido ao Estado quando cuida do interesse público, embora não seja prestigiada

3
MARINS, James. Princípios Fundamentais do Direito Processual Tributário. São Paulo: Dialética, 1998, p.
121.
com foros de intangibilidade (já que não é imune ao controle do Poder Judiciário), é
instrumento essencial ao atendimento das premências instrumentais do Estado.”

Afirma José Arias Velasco4 que “É condição do Estado de Direito que as normas
que delimitam as faculdades e deveres da Administração com os particulares e as destes com
o Estado sejam respeitadas com a garantia de um procedimento em que devam se ajustar os
atos da Administração com os recursos e uma jurisdição encarregados de decidir, julgar e
falar sobre as questões que suscitam a interpretação ou aplicação daquelas normas.”

Depois, como pontifica José Cretella Júnior 5, “o prestígio da Administração é


assegurado sempre que há possibilidade de resolver -se o litígio entre o administrado e o
Estado, na própria esfera administrativa, dada a mínima repercussão dos procedimentos
internos”. Essa é a razão pela qual, na maioria dos países, se criam órgãos e sistemas
administrativos que reduzem as causas instauradas perante o Judiciário, cuja legislação
criadora impõe o objetivo de alcançar o interesse público sem lesar os interesses legítimos dos
contribuintes. Essas regras tendem à simplicidade e celeridade, sem afetar os princípios
essenciais da legalidade na revisão do ato tributário do lançamento, mediante apreciação das
provas apresentadas pelo contribuinte e dos documentos oficiais de que dispõe a Fazenda
Pública e na aplicação da lei com a máxima objetividade e imparcialidade, de forma a obter-
se uma decisão legal.

O parâmetro metodológico antes realçado no poder e na autoridade administrativa,


cada vez mais vem cedendo lugar à preocupação com as relações entre fisco e contribuintes e
por isso preocupando-se com o lado do administrado, facilitando-lhe o acesso a documentos,
obrigando-se a Administração a motivar as decisões, que confirmam a sua transparência, e
possibilitando-se decisões mais equilibradas, em função de maior independência dos órgãos
julgadores e composição paritária.

A necessidade de dedução das lides tributárias a partir da informação de critérios


científicos e princípios próprios foi defendida com ênfase por Rubens Gomes de Sousa, a
partir de 1943, mas a doutrina tem se preocupado mais com os aspectos materiais e muito

4
VELASCO, José A. Procedimientos Tributarios.6. ed. Madri: Marcial Pons, 1996, p. 521.
5
CRETELLA JÚNIOR, José. Controle Jurisdicional do Ato Administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1993, p. 332.
pouco com a sistematização processual. Além da carência de estudos nesse sentido, os
assuntos a eles relativos são tratados de forma isolada e pontual.

Recentemente James Marins6 volta a defender a necessidade de regras processuais


tributárias “que informem a atuação do Estado na solução das lides tributárias, seja em seu
campo administrativo ou judicial e no inter-relacionamento entre estes dois momentos.” Essas
regras específicas, dada a unidade fundamental do sistema jurídico, apóiam-se no caráter
supletivo das dema is leis processuais.

Se todas as questões entre o fisco e o contribuinte fossem submetidas ao


Judiciário, o acúmulo de processos dificultaria mais ainda as soluções dos litígios pela
demora, o que resulta na utilização do contencioso administrativo como meio adequado para
reduzir o número de causas instauradas perante o Poder Judiciário, de modo célere e eficaz
quando esses organismos atuam no processo administrativo tributário, como instrumento
auxiliar no aperfeiçoamento do Estado de Direito, para controle do poder e efetivação da
justiça.

Na expressão de Aurélio Pitanga Seixas Filho7: “Num Estado democrático a


função de evitar ou dirimir conflitos de interesses deve ser repartida por alguns órgãos ou
poderes do Estado, evitando-se a sua aglutinação em um único, que acumularia um poder
absoluto sobre a sociedade.”

Nas palavras de Geraldo Ataliba, defendendo o Contencioso Fiscal, “grande


número de litígios podem assim ser resolvidos, sem que os contribuintes, quando vencidos,
recorram ao Poder Judiciário. Para tanto, basta que o contencioso seja célere, equânime e
enseje ao contribuinte a mais ampla oportunidade de produção de provas e dedução de
argumentos.”

Sainz de Bujanda 8 apresenta defesa da conveniência das soluções das lides


jurídicas tributárias no âmbito administrativo e por via de órgãos colegiados, que ele chama
de quase-jurisdicionais, com preparação específica e que ofereçam garantias similares às do

6
Op. cit., p. 15.
7
SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Questões Relacionadas à Chamada Coisa Julgada Administrativa em
Matéria Fiscal, in Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Dialética, v. 3, p. 11.
8
BUJANDA, Fernando Sainz de. Lecciones de Derecho Financiero, 7. Ed. Madri: Universidad Complutense,
1989, p. 362 e 363.
processo judicial. Essas garantias é que fazem idôneo o processo administrativo tributário
para a realização de seus precípuos fins.

Desfiando argumentos à utilização do processo administrativo tributário como


solução de conflitos entre o fisco e os contribuintes no âmbito administrativo pode -se dizer
que não constitui limitação às garantias democráticas fundamentais e não fere o princípio da
irredutibilidade do Poder Judiciário. O exame dessas controvérsias pelo poder jurisdicional
deve ser exceção e não regra, para não sobrecarregá -lo com soluções de questões que podem
ter seu desate no âmbito administrativo, uma vez que o excesso de causas é exatamente um
dos principais motivos da morosidade da máquina judiciária. Assim, o processo
administrativo tributário funciona como mecanismo redutor do volume de feitos no Judiciário.

Para Odete Medauar9 o processo administrativo tributário funciona como um filtro


nas controvérsias e reduz o número de ações perante o Judiciário, já muito sobrecarregado, ao
mesmo tempo que distribui “justiça fiscal na esfera administrativa, atendendo, nesse âmbito, a
um dos objetiv os da Administração, que é a justiça, visto não ser esta exclusivamente do
Poder Judiciário”. Para a autora, além do julgamento de recursos, os Conselhos de
Contribuintes discutindo sobre matérias e normas tributárias, possibilitam o constante
aprimoramento e desenvolvimento das normas tributárias.

A utilidade dos órgãos administrativos nos julgamentos das decisões tributárias é


ressaltada por Hugo de Brito Machado10 ao afirmar que “muitas vezes o exame dos fatos, no
processo administrativo fiscal, se faz com mais conhecimento de causa. E muitas questões de
direito ordinário são também melhor apreciadas. A legislação específica de cada tributo é
muito melhormente conhecida das autoridades administrativas julgadoras do que da maioria
dos Juízes.” E adiante conclui: “a decisão administrativa é mais uma possibilidade que o
sistema jurídico oferece ao contribuinte, para uma adequada solução de seus conflitos com o
Fisco, e constitui um direito seu, amparável pela via do mandado de segurança.”

O aumento das questões de Direito Público e o congestionamento do Judiciário,


que agrega à solução a qualidade de definitividade e que conduz à realização da justiça
tributária, justifica uma regulamentação harmônica e sistemática do processo administrativo

9
MEDAUAR, Odete. Conselho de Contribuintes , IOB – Repertório de Jurisprudência 2/34. São Paulo, 1995. p.
34.
tributário e do processo judicial, como já defendia Rubens Gomes de Sousa, refletindo sobre a
Justiça Fiscal. Essa justiça, no âmbito do processo tributário, é o elemento propulsor da
aproximação e harmonização entre a fase administrativa e a judicial, para alcançar os fins
últimos do Direito – consecução e manutenção da paz jurídica e a realização da justiça.

A lide tributária, que no processo administrativo tributário se manifesta quando o


contribuinte formaliza sua resistência à pretensão do fisco, exige que o Estado ofereça
instrumental que possibilite, com celeridade conferir ao contribuinte as garantias
(contraditório, ampla defesa) necessárias para que se verifique se o Estado atuou dentro da
legalidade. Esses órgãos funcionam como mecanismos de realização da justiça tributária,
como fim genérico da Administração pública tributária, e permitem que a solução da lide se
dê de modo satisfatório e célere e produzam também melhores resultados econômicos.

A dialética processual permite que a divergência se manifeste no processo


administrativo tributário de modo a atingir a justiça fiscal, objeto maior do processo, que
garante outros valores como paz social e segurança jurídica. A relação isonômica entre os
interesses do fisco e do contribuinte exige a equilibrada ponderação, em cujo meio está a
virtude da justiça.

Tratando da importância da antecipação da ordem jurídica Michel Temer11


pontifica: “A preservação da ordem social pela inexistência de conflitos entre seres
personalizados é a determinação máxima da ordem jurídica. Por isto que, quanto antes se der
solução a eventuais controvérsias, maior estabilidade ganhará a ordem social” (itálico
ausente no original).

Como afirma Valdir de Oliveira Rocha 12 “o processo administrativo não é um


legitimador de qualquer ato da Administraçã o, mas, antes, o processo administrativo visa a
conferir a justiça positivada – com o que não atende a pretenso interesse nem da
Administração nem do administrado e, sim, o interesse público que é o do Estado
democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos individuais, a segurança, o bem-

10
MACHADO, Hugo de Brito. O Devido Processo Legal Administrativo Tributário e o Mandado de Segurança,
in Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Dialética, v. 3, p. 88 e 89.
11
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 15 ed., São Paulo: Malheiros Editores, p. 182.
12
ROCHA, Valdir de Oliveira. Processo Administrativo Fiscal, São Paulo: Dialética, 1996, p. 141.
estar, o desenvolvimento, a justiça, etc. como valores supremos da sociedade brasileira (tudo
conforme o Preâmbulo da Constituição)."

Independente de se dar caráter jurisdicional à função dos órgãos de julgamento


administrativo tributário, como sustentado por parte da doutrina, ou como caráter judicante,
como defendido neste estudo, para que não se confunda com a função jurisdicional de
declarar o direito de modo definitivo e imutável, competência exclusiva do Poder Judiciário, o
importante é que no processo administrativo tributário o cidadão contribuinte deve encontrar
as garantias e os princípios de aplicação necessária.

Para tanto, os órgãos julgadores administrativos devem ser dotados de autonomia


e independê ncia, para agir com imparcialidade e, para isso, devem funcionar fora da função
ativa da Administração. A Administração judicante tem regime jurídico litigioso ou
contraditório, diferenciado do regime da Administração ativa.

É inegável que a atuação estanque das esferas administrativa e judicial no


processo tributário, até porque as estruturas funcionais são diferentes, causa prejuízos à
sociedade. Melhor será para a solução definitiva do problema da justiça fiscal harmonizar-se o
entrosamento entre as duas instâncias, administrativa e judicial, sem exclusão da supremacia
do controle judicial, de modo que seus procedimentos, em vez de se sobreporem ou se
excluírem, passem a se completar, ou seja, integrando-se sincronizadamente em uma
sistematização.

Já a partir de 1943, Rubens Gomes de Sousa defendia uma concepção unitária e


orgânica do processo fiscal sem “duplicação de atos e medidas processuais substancialmente
idênticas e apenas formalmente diversas” e um “ordenamento sistemático de jurisdição, cuja
diversidade de funções seja regulada em razão de uma delimitação substantiva de poderes e
atribuições [...] para uma melhoria substancial na atuação concreta do ideal de justiça
tributária” 13.

O funcionamento dos órgãos de contencioso administrativo tributário, nos moldes


constitucionais e legais não fere a independência dos órgãos judiciais e espelha as

13
SOUSA, Rubens Gomes de. Idéias Gerais para uma Concepção Unitária e Orgânica do Processo Fiscal,
RDA 34/14-33, p. 27 e s.
características próprias dos interesses envolvidos nos litígios; como ensina Kelsen14 “não há
qualquer diferença entre a função de um tribunal que, no caso de furto, aplica uma pena de
prisão e, no caso de uma ofensa à dignidade, aplica uma pena de multa, e a função de um
órgão administrativo que, no caso de violação de preceitos fiscais, de sanidade ou de trânsito,
ordena a execução de sanções análogas. De resto, a execução da sanção, mesmo quando seja
ordenada por um tribunal, é um ato administrativo.”

Essa harmonização evita desgastes no aparelho estatal e está demonstrada nas


experiências bem sucedidas nos sistemas alemão e português, entre os países citados
anterioremente. Solução que afasta a dualidade não harmônica de conhecimento das lides em
matéria tributária. Ao mesmo tempo, é necessário e importante que todos os entes políticos
também uniformizem a legislação processual administrativa tributária, que acarreta enormes
dificuldades e custos aos contribuintes.

Conclusões

O Estado de Direito exige que os atos da Administração Pública sejam exercidos


em restrita obediência às normas legais e com uma disciplina indispensável à estabilidade
desses atos bem como ao respeito dos interesses jurídicos da Administração e do cidadão. O
processo administrativo fiscal tem de garantir a segurança jurídica e a justiça, eliminando
conflitos com o fisco.

O processo administrativo tributário é um mecanismo de revisão desencadeado


por força de ação externa – ação dos particulares, detentores do direito de exigir que a
Administração atue sempre na via do direito – permite à Administração exercer controle sobre
seus atos e se desenvolve quando existe uma reação do contribuinte contra o interesse público
defendido pela Administração e o direito subjetivo atingido por essa atuação.

O dever de realizar o interesse público de acordo com a lei obriga a


Administração a realizar controle da legalidade de seus atos e se alinha como reforço da
garantia dos contribuintes e permite a transparência nas atividades públicas.

14
KELSEN, Hans. Teoria Puro do Direito, 3. ed. São Paulo: Marins Fontes, 1991, p. 280.
O ideal seria que os conflitos tivessem pronta solução tão logo apresentados ao
Judiciário. Tal não é possível, pois ao lado da duração do processo, o seu custo e o
enfra quecimento do sistema constituem óbices à plenitude do cumprimento da função
pacificadora.

Essa e outras dificuldades têm conduzido o Estado à criação de meios alternativos


e reforço aos já existentes na solução de conflitos, cuja tendência tem como tônica a
desformalização processual (que se constitui em um fator de celeridade) e até a gratuidade é
marcante nessa tendência.

O processo como instrumento desse contexto passa por simplificação e


racionalização de procedimentos, além de justiça acessível e participativa, na medida em que,
tendo um caráter de massa, justifica a adoção de métodos decisórios acessíveis, que
simultaneamente têm de salvaguardar a justeza da decisão e o seu caráter rápido para a
maioria dos casos concretos. Sua condução é feita também pela atividade dos representantes
dos contribuintes, que traduz uma espécie de participação ativa na atuação do Estado.

Os órgãos julgadores administrativos fiscais caracterizam-se por sua


especialização técnica e possuem melhores elementos para apreciaçã o de situações de fato e
dados técnicos para o pleno conhecimento da situação objeto do conflito.

O acatamento dessas decisões administrativas fiscais por parte dos contribuintes é


fruto de uma aceitação voluntária, mas influenciada pela credibilidade no exercício da função
judicante desenvolvida por esses órgãos, por meio dos quais os contribuintes têm comprovado
as mesmas possibilidades de êxito e idênticas garantias de imparcialidade que no âmbito
judicial, para a configuração da justiça.

Colocado à disposição dos contribuintes, com as garantias e princípios


constitucionais, o processo administrativo tributário não pode continuar dissociado do
processo judicial tributário. Se o âmbito administrativo é realçado pelo efeito de filtro que o
sistema possui, principalmente em virtude da relativa autonomia em que está concebido, não
se justifica que nessa dualidade de vias de acesso, com todos os inconvenientes burocráticos,
de incômodo para o particular e delongas desnecessárias, repitam-se determinadas atividades
processuais nas esferas administrativa e judicial. Por princípio de economia processual não se
justifica repetir (duplicar) certas atividades processuais para atingir um único objetivo – a
justiça.
A reformulação dos julgamentos administrativos fiscais e a potencialização de
suas atividades depende de revisão e atualização da legislação processual e do cometimento
de maior autonomia e independência no julgamento, visando conceder-lhe maior utilidade
como instrumento de aplicação da justiça tributária.

A legislação vigente não assinala com clareza nem regula de modo uniforme os
momentos capitais de cada uma das fases dos processos administrativos tributários. A
diversidade continua sendo a regra, o que gera insegurança e desorientação nas atividades das
partes junto aos atos processuais, querendo dizer que também nesse particular, como nas
situações levantadas, o campo se apresenta largamente aberto à reforma dessa legislação.

As constantes investidas em matéria de reforma fiscal não têm trazido acoplada


nenhuma manifestação de importância técnica e jurídica da uniformização processual que a
acompanhe. Qualquer reforma tributária há de contemplar o processo tributário em toda a sua
extensão – do administrativo ao judicial, sob pena de ficar inacabada e de não operacionalizar
a devida aplicação dos direitos e garantias na tutela adequada.

A falta de Código de Processo Tributário tem levado a grandes equívocos na


medida em que se utiliza supletivamente o Código de Processo Civil e no âmbito fiscal o
processo guarda pontos de contato mais fortes com outras áreas.

A natureza da lide no processo administrativo tributário, que versa sobre questão


ligada a interesse público15, escapa aos raios de ação do processo civil e exige uma teoria
geral do processo moldada em uma relação entre os princípios processuais envolvendo o
processo civil, o processo penal e o processo fiscal. Não se trata exatamente de extrair
conceituação da justaposição de noções opostas, mas da impossibilidade da transposição pura
e simples de conc eitos de direito privado para o direito público.

Este é outro fator a não permitir importação de legislação de outras áreas e países,
mas a exigir legislação específica que não seja aquela que soluciona conflitos de interesses
privados, porém que versem sobre os litígios de que participam sujeitos públicos.

15
O interesse público que domina todo o processo administrativo tributário não está relacionado à maximização
das receitas, mas à tributação de acordo com a lei, à determinação legal e exata do quantitativo da obrigação
tributária.
A edição de código de processo tributário permite, pois, que se apliquem ao
Direito Público soluções compatíveis, não com a abordagem de natureza privada, mas com
limitações aos excessos ou abusos em vista da concentração de competências no poder estatal,
evitando-se infringir os fundamentos do Estado Democrático de Direito, para o que se exige
submissão a um regime jurídico reservado para situações específicas que lhe são atinentes.

Pela sistemática constitucional o ato administrativo está sujeito ao controle do


Poder Judiciário que é instância superior aos órgãos julgadores administrativos fiscais.
Superior porque pode rever, para cassar ou anular o ato administrativo.

O que se pugna é pela necessidade de Código de Processo Tributário que trate de


modo orgânico e uniforme os princípios e garantias processuais e que ao abrigo do sistema de
jurisdição única os órgãos de julgamento administrativo sejam melhor estruturados, dotados
de autonomia e como órgãos especializados, em que a segunda instância administrativa seja
integrada por representantes do fisco e dos contribuintes e sejam pessoas com formação
jurídica 16, comprovadamente conhecedoras do assunto, aptas a funcionar livres de injunções
de qualquer natureza.

A aceitação da especialização e da celeridade como características da existência


de órgãos judicantes administrativos com os meios necessários ao cumprimento de suas
funções é defendida desde que com as mesmas possibilidades de êxito e idênticas garantias de
imparcialidade que no âmbito judicial.

A estrutura dos órgãos judicantes administrativos tributários tem demonstrado no


decorrer de sua existência ter consolidado seu prestígio junto aos administrados pela
harmonização dos interesses das partes nos conflitos. Essa solidez e credibilidade justifica
plenamente sua consolidação como solução à necessidade de que os problemas originados
entre a Administração e os contribuintes tenham decisões que se caracterizem pela
especialização, como etapa prévia à ação Judicial e garantidoras da transparência e da justiça.

As autoridades administrativas têm meios de investigação que a lei coloca a seu


dispor, sendo melhor que o Estado, mediante o exercício de jurisdição, só intervenha, quando
tais órgãos não tiverem surtido efeitos.

16
Só profissionais com formação jurídica têm a visão geral do sistema jurídico e de sua unidade. Afinal, o
Direito Tributário é de superposição e o aplicador deve interpretá-lo em toda a sua dimensão.
O processo administrativo tributário reduz as incertezas derivadas da
complexidade e da heterogeneidade das obrigações tributárias, cujo aprimoramento é
indispensável para harmonizar as relações fisco/contribuinte, na medida em que reforça a
transparência, a certeza e as segurança jurídicas, além da justiça fiscal, que são finalidades a
serem alcançadas na modernização da administração tributária.

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