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FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO

Disciplina 3 – Fundamentos da Prática Pedagógica

Unidade 7
EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

Guiomar Namo de Mello

UM COMEÇO DE CONVERSA

“Se a educação sozinha não transforma a


sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”
Paulo Freire

Émile Durkheim, considerado o pai da Sociologia da Educação, afirmava que há dois seres inseparáveis
em cada aluno: um deles é o “ser individual”, formado pelos estados mentais de cada pessoa. O segundo ser do
aluno, segundo Durkheim, é “o ser social”, formado pelo conjunto de ideias e valores que exprimem a sociedade
da qual ele faz parte.

A educação poderia ser vista como o processo pelo qual uma sociedade cuida da integração e da
harmonia entre o ser individual e o ser social. E as ciências que fundamentam a educação tratariam de entender
esse duplo ser em cada aluno: a psicologia se dedicaria ao individual e a sociologia ao social. A sociologia daria
conta do processo pelo qual os conhecimentos, valores e normas de conduta são transmitidos às novas gerações
para que elas se integrem na sociedade. A psicologia trataria de entender como as pessoas crescem e aprendem
para que se desenvolvam em adultos ajustados e produtivos.

Parece lógico, mas infelizmente as coisas são mais complicadas do que isso, porque tanto os indivíduos
quanto as sociedades estão permanentemente mudando e essa mudança é inevitável, independe da vontade
individual ou coletiva. Uma primeira pergunta que se coloca então é: A educação cuida do ser social para que ele
acompanhe a mudança ou para que ele resista a essa mudança? Qual é o papel da educação nesta dinâmica da
sociedade? As pessoas são muito diferentes entre si; como a educação vai constituir pessoas para os mesmos
valores sociais se elas às vezes são tipos opostos?

Quando se considera o ser individual, também surgem várias perguntas. O que acontece quando as
normas e valores vigentes entram em conflito com as necessidades de crescimento e aprendizagem das pessoas?
Como é possível harmonizar os dois processos de mudança, as mudanças da sociedade e as que ocorrem nos
indivíduos que queremos educar os quais, na maioria das vezes, são seres imaturos, que estão em pleno
processo de mudança para se tornarem adultos? Como é possível educar para as mesmas normas sociais
crianças e jovens de origem e necessidades tão diversas, e ao mesmo tempo atender às suas necessidades
individuais?

Este texto se ocupará de perguntas como essas, que os educadores fazem todos os dias, e para as quais
não existem respostas únicas e definitivas. Por esta razão não se pretende que você aprenda todas as respostas,
mas que consiga entender os problemas que elas buscam resolver e saiba identificar alguns dos caminhos
possíveis para resolvê-las no seu trabalho como professor. Ao concluir a leitura, espera-se que você possa:

 compreender porque é importante que o professor saiba o que é a sociologia da educação;


 aprender alguns conceitos básicos para seguir estudando sociologia e relacionando essa área de
estudos com a educação;

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 informar-se sobre as diferentes funções da educação escolar de acordo com a perspectiva
sociológica;
 entender para que serve ao professor conhecer sociologia da educação nos dias atuais.
 entender como evoluiu a relação entre educação e democracia no Brasil e relacionar essa história
com alguns dos problemas atuais da educação escolar.

MÃOS A OBRA

Ponto de partida: você sabe mais do que imagina

Você sabe que as pessoas ocupam posições diferentes na sociedade, dependendo de quanto
dinheiro elas ganham e da profissão que exercem que, por sua vez, depende bastante da educação que
tiveram. Você sabe também que as pessoas mudam de posição social. Alguns melhoram de vida, outros
pioram, dependendo de fatores que nem sempre estão sob seu controle. Quando o desemprego é grande a
qualidade de vida das pessoas que dependem de salário se deteriora muito. Este é um saber intuitivo, que se
adquire na própria convivência social.

Esse mosaico de origens e características distintas está presente no grupo de professores que são
alunos deste curso. Isso significa que mesmo num grupo formado por mesmo com o mesmo status social
(todos são professores de ensino médio com curso técnico ou superior), as origens de cada um são
diferentes. Isso é produto de mudanças sociais que no espaço de uma geração promove ascensão para
grupos distintos no mesmo ambiente social. Se houvessem mais dados como local de nascimento, profissão
do pai e da mãe, entre outros, melhor seriam discriminadas as diferenças de origem dentro deste grupo.

Embora bastante corriqueiros esses dados mostram que por mais homogêneo que um grupo possa
parecer numa fotografia do presente, muita diversidade aparece se consideramos sua origem e seu destino, o
passado e o futuro. Quando se analisa o que determina a situação atual e o que vai afetar o futuro, estamos
fazendo perguntas sociológicas básicas, que ocorrem a muita gente, não apenas aos sociólogos.

Em busca de informação: você precisa saber mais

A diferença é que a sociologia, ciência praticada pelos sociólogos, usa o rigor do método científico
para fazer suas perguntas e elaborar suas respostas. Na terminologia sociológica as questões sobre a posição
dos membros ou dos grupos de uma sociedade e as relações que se estabelecem entre eles, referem-se à
estrutura social; as mudanças na posição social, a origem e o destino das pessoas e dos grupos referem-se à
dinâmica social.

Sociologia e Educação

Por ser uma das mais importantes práticas da sociedade, a educação foi objeto de preocupação
desde a origem da sociologia. A grande pergunta que essa ciência faz diante dos fenômenos educacionais é se
eles afetam a posição das pessoas ou grupos na estrutura da sociedade e, consequentemente se constituem

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um fator de mudança ou de conservação da ordem social. Isso significa que a sociologia estuda a educação do
ponto de vista de seu papel ou funções na sociedade.

Quais são as funções sociais da educação? Para responder essa questão a sociologia já teve duas
posições extremas

 a que atribui à educação uma função apenas reprodutora da ordem social existente por ter um
caráter conservador;

 a que considera que a educação tem sempre uma função inovadora que garante o progresso
individual e social.

Em ambas as abordagens a resposta é mais difícil se considerarmos a educação num sentido amplo,
que acontece em diferentes espaços além do escolar, porque muitos desses processos educativos não têm
uma intencionalidade explícita nem são organizados. Mas se delimitarmos nossa indagação à educação
escolar, que é o objeto de preocupação central deste curso, a resposta é mais simples. Sendo intencional e
sistemática, a educação escolar tem objetivos claros em relação aos quais é possível avaliar seus resultados
para analisar seu papel transformador ou reprodutor da ordem social. Mesmo assim a resposta sobre se a
educação é transformadora ou reprodutora mudou ao longo da história.

A educação como fator de progresso e inovação

Até a primeira metade do Século XIX a sociedade se transformava num ritmo lento, mas a partir
desse período a mudança se acelerou muito, como resultado da revolução industrial, o avanço do capitalismo
e da urbanização. Pode-se mesmo afirmar que de meados do século XIX até hoje, a mudança passou a ser a
única coisa estável no mundo. A sociedade capitalista institucionalizou a mudança que se traduzia em
crescimento econômico e inovação tecnológica.

Essa mudança continuada gerou grandes expectativas diante da educação escolar. Não por acaso foi
nesse período, que se inicia em fins do Séc. XVIII e vai até meados do XIX, a escola primária se tornou direito
de todos e foi universalizada para todas as camadas sociais, no mundo ocidental. À essa escola atribuiu-se o
papel de preparar a cidadania necessária a uma sociedade na qual os governantes passaram a ser eleitos, os
indivíduos iguais perante a lei e perante a ordem jurídica e a vida social. A igreja que por séculos regia os
valores dessa vida social começa a perder hegemonia.

Um grande otimismo pedagógico marcou essa fase da história, alimentado pela crença de que a
escola podia garantir a homogeneidade cultural em torno dos valores seculares próprios da nova ordem
social. Esse otimismo se manteve mesmo quando, vencida a etapa de formação da nova cidadania, agrega-se
à educação escolar a nova função de preparar os recursos humanos necessários para um crescimento
econômico cada vez mais sofisticado do ponto de vista tecnológico. O otimismo agora se manifesta em razão
dos benefícios individuais e sociais – medidos em termos econômicos – que a escolaridade poderia produzir:
maiores salários para os que estudam e melhoria da produtividade em geral na medida em que aumentam os
anos de escolaridade da força de trabalho.

Mas contradições existentes no próprio sistema de produção e distribuição capitalistas, impediram


que a educação escolar correspondesse a todas as expectativas da sociedade. Os grandes embates do mundo
contemporâneo puseram a pão e água o sonho de uma educação para o progresso, a paz e a justiça social. A
pobreza e a desigualdade aumentaram em várias regiões do mundo. Duas guerras mundiais e os conflitos
localizados que a elas se sucederam, obrigaram os educadores a rever seus anseios de construir, pela

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educação, um mundo pacífico mais justo e fraterno. Enfoques mais pessimistas surgiram nas análises
sociológicas da educação.

A educação como força de reprodução


Como pode acontecer com questões desse tipo, a vara que estava muito curvada para o lado da
mudança, inovação e progresso, foi muito curvada para o lado oposto. A sociologia da segunda metade do
século XX produziu análises cruéis da educação escolar, atribuindo-lhe a reprodução das injustiças sociais e,
mais ainda, a legitimação de injustiças e desigualdades. Para isso, disseram seus críticos, a escola recorreu à
noção de capacidade, medida pelo sucesso ou fracasso na aprendizagem. Sob a aparência de neutralidade e
objetividade a escola oculta o caráter arbitrário dos critérios que medem o desempenho escolar, estigmatiza
os excluídos convencendo-os de que vão continuar excluídos porque não são capazes.

Visão sociológica da educação escolar nos dias de hoje


As análises sociológicas que reduziram os sistemas educativos a uma função apenas reprodutora da
estrutura social, não conseguiram explicar alguns fatos importantes. O primeiro deles é o de que a escola é
uma aspiração generalizada na sociedade. Tanto os mais favorecidos como os menos favorecidos buscam a
educação escolar como forma de desenvolvimento pessoal para o trabalho, para a vida em comum e para o
exercício de seus direitos. Estariam todos tão equivocados? Será que de fato a escola apenas reproduz as
desigualdades? O embate que existem na sociedade, por exemplo as revoltas juvenis, a militância ecológica, a
reivindicação das mulheres por igualdade de condições são contestações dentro da sociedade capitalista.
Estaria a escola totalmente à margem desses movimentos, ou eles de alguma forma se fazem presentes na
escola, no currículo, na sala de aula?

A ideia sociológica sobre o papel da educação escolar nos dias atuais procura responder a estas
últimas questões. Em primeiro lugar afirmando que a escola é uma parte da sociedade. Sendo assim, os
movimentos que desafiam a desigualdade e a pobreza, as discriminações, o uso predatório dos recursos
naturais, também se fazem presentes na escola. Isso dificulta, às vezes até impede, sua função
exclusivamente reprodutora.

A sociologia da educação atual abandonou a visão ingênua de que a escola sozinha seria capaz de
acabar com os problemas de desigualdade e injustiça social. Também já não entende que ela apenas
reproduz a sociedade. Conclui que sem a instituição da educação escolar, vai ser mais difícil para sociedade
resolver esses problemas. As mudanças políticas que aconteceram nas últimas décadas do século passado,
simbolizadas na queda do muro de Berlim, e a disseminação cada vez mais ampla das TIC - tecnologias de
informação e da comunicação - criaram novas demandas para a escola. À sociologia tem cabido analisar o
impacto das TIC não só na escola como em outros espaços sociais.

Num mundo sem a divisão maniqueísta entre capitalismo e socialismo a sociologia se ocupa agora de
repensar a estrutura e a dinâmica social diante de novas formas de exercício da cidadania. Esta, que no
passado era entendida em termos de direitos e deveres dos cidadãos perante a ordem estabelecida, hoje vai
muito além desses direitos formais e os incorporou num espectro muito mais amplo.

Meio ambiente limpo, reconhecimento da diferença, atendimento das pessoas com deficiência,
igualdade social e profissional entre homens e mulheres, respeito pela etnia, respeito pela orientação sexual,
qualidade de vida na cidade, consumo consciente, promoção da solidariedade, enfim, são inúmeras as áreas
em que hoje acontece o exercício da cidadania.

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Tudo isso vem exercendo uma enorme influência sobre a educação escolar. Educação ambiental,
educação especial, educação indígena e muitas outras modalidades foram criadas e introduzidas a partir da
segunda metade do século XX, mudando o perfil do ambiente escolar. Uma perspectiva que permita ao
professor entender esses mundos diversos, complexos e em constante mudança é, portanto, indispensável. A
Sociologia é um dos meios eficazes para esse entendimento.

É também parte desse cenário o fato de que a identidade de cada pessoa passa a ser valorizada
como afirmação de suas características de sexo, gênero, etnia, cultura, profissão, entre outras. Conhecer e
acolher as características físicas, culturais e condições de vida dos grupos humanos tornou-se importante
para as profissões que lidam com pessoas - médicos, assistentes sociais, professores, entre outros...

Nos países de desenvolvimento capitalista tardio como o Brasil e demais países latinoamericanos, os
benefícios, críticas e desafios da educação escolar na sua relação com a democracia, desembarcam
tardiamente na agenda dos educadores e estudiosos da educação. As relações entre escola e democracia,
entre nós, se explicita como tema nacional a partir dos anos 1930 e seu momento simbólico é o Manifesto
dos Pioneiros em 1932.

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Ainda para saber mais, consulte as indicações abaixo.


Delors, Jacques. Educação um tesouro a descobrir; Ed. Cortez, MEC, UNESCO -1998
www.educadores.bs2.com.br/esq.htm
FUNDAÇÃO VICTOR CIVITA. Oficio de professor, fascículo 07 FVC - Ed. Abril 2002
Werthein, Jorge e Cunha, Célio Fundamentos da Educação: Cadernos UNESCO Brasil volume 05 – 2000
Cullar, J.P. Nossa diversidade criadora. Campinas: Papirus; Brasília, UNECO, 1997
TEDESCO, Juan Carlos. Sociologia da Educação

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CENPEC. A escola e sua função social. São Paulo: Raízes e Asas, s.d.
CHANEM, Elie. “A participação da comunidade na educação escolar”. In: Cadernos do Observatório, nº 2,
outubro de 2000, pp. 82-5.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96.
Durkheim, Emile – Educação e Sociologia; Ed. Melhoramentos – SP 1995
Oficio de professor, fascículo 07 FVC - Ed. Abril 2002
Delors, Jacques. Educação um tesouro a descobrir; Ed. Cortez, MEC, UNESCO -1998
Parâmetros curriculares do Ensino Médio: Ciências Humanas e suas tecnologias - Sociologia MEC 2000
Centro Ruth Cardoso (org). Educação e cidadania - Políticas sociais: ideias e práticas. São Paulo: Editora Moderna, 2011. Também acessível em
http://www.centroruthcardoso.org.br/

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