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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
FILOSOFIA DA CULTURA   2020.2
PROFº. ALMIR SILVA

1ª A V A L I A Ç Ã O

1) A expressão “filosofia da cultura” pressupõe uma relação conceitual entre a


tarefa do filosofar e o fenômeno da cultura, o que nos permite uma reflexão deste
último em seu caráter ontológico (modo de ser) e ético (ação).

Considerando o enunciado acima, responda:   


                       
a) A explicitação conceitual da cultura como como cultivo e morada.

A palavra “cultura” origina-se do latim culturae, que tem como significado “ação de
tratar”, “cultivar” ou “cultivar a mente e os conhecimentos”. Ao longo do tempo, foi
desempenhada uma analogia entre cuidado na construção e tratamento do plantio, com o
aprimoramento das capacidades intelectuais e educacionais das pessoas.
No decorrer da história, "Cultura" inicialmente indicava um processo material que
posteriormente foi modificado para questões do espírito. A cultura faz parte da transição
histórica ao mesmo tempo em que codifica diversas questões filosóficas fundamentais.
Tendo em vista que cultura etimologicamente se refere ao cultivo, ou seja, um cuidar que é
ativo, de algo que naturalmente cresce, esse termo sugestiona uma dialética entre o natural e o
artificial, entre as ações do sujeito para com o mundo e as ações do mundo para os sujeitos.
Em primeiro lugar a natureza produz a cultura, esta que por sua vez modifica e transforma a
natureza. Entende-se, pois, a cultura como meio de autorrenovação constante da natureza.
Durante o período pré-moderno, a cultura (como ideia) começa a ser importante em quatro
momentos de crise histórica: 1) quando se torna a única alternativa possível a uma sociedade
degradada; 2) quando se pensa que sem uma mudança social profunda cultura não será mais
nem mesmo possível; 3) quando fornece os termos em que um povo busca sua emancipação
política; e 4) quando uma potência imperialista é forçada a entrar em acordo com o modo de
vida daqueles que subjuga.

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Para o iluminismo, Cultura representava a ligação sentimental de um sujeito com um
lugar, com a tradição, dizia respeito à reverencia e ao respeito a hierarquia. Ou seja, todos os
apegos regressivos que impossibilitavam o indivíduo ingressar em uma cidadania do mundo.
Na modernidade, cultura não significava mais uma descrição do que se era, mas daquilo que
poderia ser – ou que costumava ser. Ela não mais descrevia uma existência social, mas sim a
um determinado tipo de sociedade.
No século XIX, com o desenvolvimento do colonialismo, o significado antropológico
de cultura passa a ser aceito e torna-se popular a compreensão da mesma como um modo de
vida singular (o modo de vida em questão é geralmente aquele dos considerados
"incivilizados").
Contemporaneamente, é preponderante a consciência da imensa e diversificada
variedade de culturas, se por um lado durante a modernidade era pregado um ideal cultural,
atualmente é entendido não uma cultura, mas culturas.
Nesse aspecto, entender a criação da cultura é importante para assimilar a presença do
ser humano no mundo, sua própria existência, seus desejos, interesses, as normas e leis,
compreender, portanto, a vida e como o sujeito a vive.
Em linhas anteriores foi citada a percepção do termo “cultura” de acordo com o período
histórico, porém, para conceber uma definição de cultura é preciso partir da distinção entre
natureza e cultura.
A relação entre ambas é dialética1. Cultura é a manifestação da natureza refletida e
humanizada, esta humanização da natureza é concebida como a satisfação das necessidades
humanas. Ou como a compreensão de Lima Vaz “o cultural é o natural suprassumido na
esfera das necessidades e fins do ser humano”.
A partir desse ponto de vista, o sujeito não cria suas obras do nada, mas produz doravante
aquilo que lhe é dado, da natureza. Assim, o homem autotransforma-se intencionalmente ao
refletir sobre si mesmo, e acaba recriando-se na forma de cultura.
Para além disso, uma explicação filosófica sobre o fenômeno da cultura torna-se
importante nessa discussão. Como ser-no-mundo, o homem se realiza somente através
mundo, ao se realizar, humaniza o mundo e produz cultura. Pensar uma ontologia (modo de
ser) da cultura, em primeiro lugar, é pensar as relações entre filosofia e o fenômeno cultura; o
entendimento desta como o cultivo e como a morada que o sujeito refaz constantemente para
tornar possível a sua sobrevivência no mundo.

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B) Segundo Lima Vaz, se por um lado, só podemos pensar a cultura a partir da
instauração da filosofia como legado do pensamento grego (Paidéia), por outro, não
podemos desconsiderar a cultura como um cultivo espiritual que altera a natureza e que,
nesse sentido, pressupõe e gera a filosofia. Comente.

Assim como pensado por Lima Vaz, é de extrema importância uma explicação
filosófica para o fenômeno cultura. Como ser-no-mundo o homem só se realiza pelo mundo,
ao se realizar humaniza o mundo, ou seja, eleva o natural na esfera de necessidades e de seus
fins e produz cultura. Entender a ontologia da cultura (modo se ser) é tematizar as relações
entre cultura e filosofia. O pensador supracitado entende cultura como “a morada que o
homem refaz constantemente para tornar possível a sua sobrevivência na terra”. A filosofia se
mostra enquanto um dos resultados da construção humana de morada, de um ethos.
Ao ser produzida, a filosofia mostra seu aspecto singular em seu modo de pensa. Essa
singularidade se apresenta enquanto busca incessante, constante em instaurar-se nos diferentes
domínios da cultura, gerando assim, uma inversão em sua intencionalidade espontânea,
impondo, pois, a tarefa de uma “auto fundamentação” reflexiva, na qual somente a própria
filosofia pode realizar.
Desta maneira, nota-se que em uma cultura na qual a filosofia se faz presente é
necessariamente, uma cultura que tem obrigação de dar razão de si mesma, ou seja, a
justificar-se filosoficamente. O filosofar, portanto, dirige-se a todos os domínios fundamentais
da cultura, religião, ética, história, ciências humanas, naturais, arte, política, etc.
O surgimento da filosofia representa uma ruptura na unidade e harmonia do universo
cultural. Nesse aspecto, a filosofia se preocupará em justificar sua própria existência. No que
diz respeito ao vínculo entre filosofia e cultura, esta ocorre como uma relação em que a
criatura (filosofia) reflete, questiona, critica, julga as regras de seu criador (cultura). A
filosofia, obra da cultura, como um saber racional tem com si a intenção de compreender e
explicar o todo da realidade e também a própria cultura de que provém.
Destarte, a filosofia assume a tarefa de dar razão da própria cultura e de si mesma, ou nas
palavras de Hegel “captar seu tempo no conceito”. Para a filosofia, pensar a cultura significa
examinar os primeiros conceitos ontológicos que tornam possível a atividade espiritual,
cultural do ser humano, isto é, o ser, a verdade, o bem, o belo, os valores, os fins; Em segundo
lugar, significa definir as condições de exercício dos artífices da construção, ou seja, a razão e
a liberdade.

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A estrutura da relação entre cultura e filosofia expõe-se dialeticamente, visto que cultura e
filosofia invertem o papel do termo fundante da relação. Sendo assim, a primeira e principal
tarefa da filosofia é crítica. A filosofia procura justificar e legitimar seu objeto de reflexão
(cultura). Há também certa tensão dialética, pois, o resultado da cultura (a filosofia) reflete
criticamente sobre a própria cultura.
 Portanto, cultura, enquanto problema filosófico, só pode ser pensada, pois, a partir da
própria filosofia. Ela só pode ser pensada enquanto cultivo e cuidado a partir de uma tradição
filosófica.

2)Alfredo Veiga Neto em seu texto cultura, culturas e educação, nos apresenta uma
reflexão sobre a relação histórica entre cultura e educação, ressaltando a importância da
educação em uma sociedade cada vez mais plural, e em mundo multicultural. Daí a
relevância de uma reflexão crítica sobre modelos hegemônicos de cultura. Comente.

 Veiga Neto reflete, a partir de uma análise histórico-genealógica da relação entre


cultura e educação variados entendimentos sobre cultura e enfatiza a busca pela proveniência
e a emergência – em termos nietzschianos- do conceito moderno de Cultura.
Durante muito tempo, a cultura era interpretada como sendo universal e única,
representava o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor, seja
enquanto criações materiais, artísticas, filosóficas, científicas, literárias etc. Era compreendido
que, através da educação os sujeitos atingiriam as mais elevadas formas de cultura, tendo
como influência as conquistas de comunidades bem educadas e “cultas”.
Com a eclosão do século das luzes e os pensadores alemães do século XVIII, Kultur
designava todas as contribuições para o mundo, isto é, maneiras de ser e estar no mundo,
produção e apreciação da arte, literatura, do pensamento e organização dos sistemas
filosóficos e religiosos.
Nessa perspectiva, o modo de escrita da palavra “cultura” fôra modificado, passando a
ser escrita com inicial maiúscula e sempre no singular, isto por ser entendida como única e
com status elevado, tornando-se, pois, um modelo a ser seguido por outras sociedades. Assim,
foi originada a diferenciação entre alta e baixa cultura. Alta cultura tornou-se um modelo,
significava a cultura daqueles que já haviam atingido um nível elevado, ao passo que à baixa
cultura pertenciam os homens “menos cultivados” que precisavam atingir o grau mais
elevado. Assim, a educação era considerada como o percurso para uma elevação cultural de
um povo.

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Immanuel Kant e da mesma forma outros pensadores do século XVIII separaram Cultura de
civilidade, destacando e estabelecendo um contraponto entre ambas.
Três características de Cultura merecem ser apontadas:
1- o caráter elitista e diferenciador.
2- o caráter único e unificador da Cultura.
3- o caráter idealista de Cultura.

Em primeiro lugar, o modelo instituído pelos alemães de cultura, bem como o sentido
para Kultur que os diferenciava dos demais povos.
Em segundo lugar, este caráter único e unificador da Cultura, relaciona-se com o papel
atribuído à educação. Isto é, o modo como a educação contribuiria para a construção de um
novo povo alemão. A educação agindo para uma imposição de um padrão cultural único: uma
monocultura branca, machista, com conotação judaico-cristã, eurocêntrica e alemã.
Em terceiro lugar está o traço idealista de Cultura. Sob influência da doutrina platônica dos
dois mundos, tinha como ideal efetivar neste mundo as formas perfeitas do mundo das ideias
(esquecendo ou ocultando o caráter construído de tal doutrina).
Esse movimento idealista foi importante para a crença na possibilidade de uma cultura única e
universal, a partir dele, a civilidade colocou a Cultura neste mundo como uma projeção de um
ideal metafisico localizado em outro lugar.

Posteriormente, a virada linguística atuou na modificação do entendimento tradicional


da linguagem e também a impossibilidade de fundamentá-la lógica e ontologicamente fora
dela mesma. Com a abdicação dos filósofos da virada linguística da busca de um critério
metalinguístico ou metacultural (de qualquer essência translingüística ou transcultural) há o
desprendimento de uma metafisica da linguagem e a linguagem, pois, volta-se para o dia-a-
dia, estando fundada no cotidiano e em nenhum outro lugar.

Isso foi de extrema importância para a compreensão de um sustentamento da cultura


que não pode ocorrer em nenhum outro mundo além desse, além do aqui e agora.
A virada linguística destrói e pluraliza a linguagem e a Cultura, e leva os homens a falar em
linguagens e em culturas.

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Nesse sentido, percebe-se que a humanidade está sempre inserida na linguagem e em
determinada cultura, de tal forma que tudo aquilo é dito sobre elas não está isento delas
mesmas.
Analisar criticamente o percurso histórico da cultura é importante não somente para uma
reflexão mais crítica, mas também para a criação de ideais culturais. Percebendo não somente
uma relação dialética entre educação e cultura, mas uma interação direta entre filosofia,
educação e Cultura.

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