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DESTAQUE 7

DESENVOLVER A EDUCAÇÃO INCLUSIVA


Dimensões do desenvolvimento profissional
David Rodrigues1
drodrigues@fmh.utl.pt

Resumo
A disseminação do modelo de Educação Inclusiva, no- as atitudes que são necessárias para se trabalhar com
meadamente pela inclusão de alunos com condições classes inclusivas. Realça-se, ainda, a importância
de deficiência na escola regular, origina novos de- das estratégias de formação como inseparáveis do
safios para a formação de professores. Já não se trata processo de formação: a inovação e a valorização da
de formar professores para alunos que são educados diferença são partes essenciais da formação de pro-
num modelo segregado, mas, sim, professores que fessores.
são capazes de trabalhar com eficácia com turmas
assumidamente heterogêneas. Para isto é necessário Palavras-chave: formação de professores, educação
um novo olhar sobre os saberes, as competências e inclusiva.

1
Doutor em Ciências da Motricidade Humana na área de Educação Especial e Reabilitação (UTL/FMH), professor da Universidade Técnica de Lisboa, e
coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (www.fmh.url.pt/feei)

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 7-16, jul./out. 2008 7


Abstract

The growing process of including pupils with special knowledge, the competencies and the attitudes that
educational needs, in the regular schools, became a teachers need to be efficient in Inclusive Education.
new challenge for teacher’s education. This is a new In this paper we present a reflective analysis about
challenge considering that the present aim is not which kind of teacher education – including contents,
“Special Education” in “Special Schools” but to attend experiences and strategies – is needed to provide the
in the regular schools the heterogeneous needs of teacher with the skills he/she needs to act in Inclusive
the population. It is necessary to train teacher to pres- schools.
ent a wide range of competencies to work in hetero-
geneous classes. This implies a new “look” over the Key words: teacher education, inclusive education.

Introdução dos currículos de formação. Mas de decisões que tradicionalmente


não parece ser esta, certamente, a são da sua responsabilidade e que
A formação de professores en- solução. Não é a simples aquisição lhe outorgam um elevado grau de
contra-se, hoje, em profundas mu- de mais conhecimentos de índole autonomia no quotidiano da sua
danças tanto do ponto de vista de teórica que fará o professor mais profissão. Por isso, é tão comple-
conceitos e valores como de práti- capaz de responder aos numerosos xa a profissão e a sua respectiva
desafios que enfrenta. Isto porque formação e se torna claro o motivo
cas. A este fato, não é estranho que
dado o caráter multifacetado e au- pelo qual resulta insuficiente um
as competências que se esperam
tonômico da profissão de professor, simples incremento de formação
que o professor domine se revelem
esta implica modelos diversificados teórica.
cada vez mais complexas e diversi-
de formação, modelos que não se Uma outra mudança significa-
ficadas. Espera-se que o professor
podem centrar na simples aquisi- tiva refere-se à forma como se al-
seja competente num largo espec-
ção de saberes teóricos. terou a relação que se estabelece
tro de domínios que vão desde o
Deve-se, assim, proporcionar entre o professor e a informação.
conhecimento científico do que en-
ao professor um conjunto de ex- Proporcionar informação era, tra-
sina à sua aplicação psicopedagó- periências que não só lhe revelem dicionalmente, uma das compo-
gica, bem como em metodologias novas perspectivas teóricas sobre nentes principais do processo edu-
de ensino, de animação de grupos, o conhecimento (perspectiva aca- cativo. Mas, a profissão docente
atenção à diversidade etc. Isto sem dêmica), mas que também o impli- deixou de estar tão intimamente
considerar as grandes expectativas quem em situações empíricas que comprometida com um ensino ba-
que existem sobre o que o pro- lhe permitam aplicar estes conhe- seado na informação. O Livro Bran-
fessor deve promover no âmbito cimentos num contexto real (pers- co, publicado pela União Européia,
educacional mais geral, tal como pectiva profissional). em 1995, sobre a “Sociedade Cog-
a educação para a cidadania, edu- Este caráter autonômico refere- nitiva” aponta para o caráter im-
cação cívica, sexual, comunitária, se ao professor como “gestor lo- perioso de transformar em conhe-
entre outras. Alguns autores têm, cal do currículo” (CAMPOS, 2000), cimento toda a plêiade de dados e
por isso, denominado a missão do salientando que o professor não informações que nos rodeiam, num
professor na escola contemporâ- é um técnico (no sentido em que processo renovado de assimilação,
nea como uma “missão impossível” aplica “técnicas” adequadas) nem com vista a responder à globaliza-
(BEN-PERETZ, 2001). um funcionário (no sentido em que ção e à necessidade de se criar no-
Poder-se-ia pensar que este pro- executa estritamente indicações vos saberes (CASPAR, 2007).
blema se resolveria com a adição oriundas de uma cadeia hierárquica É certo que, pelo menos teorica-
de mais conteúdos à formação e, em que integra). A profissão de pro- mente, todos os saberes do mun-
eventualmente, com a extensão fessor envolve um grande número do estão ao alcance do cidadão

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comum (e isto inclui certamente formação, ele passou a ser um faci- 1. Novos desafios
os alunos). Dizemos teoricamente, litador do processo de aquisição de
porque, na verdade, existem infor- conhecimento. Este procedimento Os desafios de adequação dos
mações que não são disponibiliza- implica que para que a informação modelos de formação às novas
das ou que são disponibilizadas, se transforme em conhecimento necessidades podem, talvez, ser
mas pouco realçadas, ou mesmo precisa ser contextualizada, refle- sintetizados em cinco pontos prin-
disponibilizadas por vieses envol- tida e, muitas vezes, completada. cipais:
tos em critérios de verdade. Tam- Esta é uma nova competência do 1. Face ao período da vida profis-
bém não podemos ignorar que professor e da escola. sional em que esta formação
muito se fala mas também muito Tomando como exemplo uma tem lugar. Tradicionalmente, a
se cala: a informação disponível na dilatada experiência na formação componente essencial da for-
rádio, televisão, internet, bases de de professores na área das NEE, mação passava-se em uma fase
dados etc. são representações da tanto no campo graduado como pré-profissional num período
realidade e que, por isso mesmo, pós-graduado, vamos discutir os que se convencionou chamar
necessitam ser assimiladas, inter- modelos e estratégias que nos pa- de “formação inicial”. Se pen-
pretadas, re-interpretadas, contex- recem mais adequados para prepa- sarmos na profissão docente
tualizadas. O papel do professor rar os professores para os desafios como uma das que se encontra
mudou: de um transmissor de in- da Educação Inclusiva. mais exposta a mudanças e a
compararmos com profissões
semelhantes, concluímos que
para poder fazer face ao rápi-
do avanço do conhecimento
que lhe é essencial, necessita
adaptar modelos de formação
em serviço ou permanente.
Sabemos que esta mudança
paradigmática não é fácil. Foi
atribuído durante muito tempo
à formação inicial o estatuto de
“necessária e suficiente”. Hoje,
busca-se que os professores se
comprometam em processos
de formação que se identifi-
cam com um modelo de “de-
senvolvimento profissional”,
entendido como um processo
contínuo, e durante toda a vida
profissional que conduza o
professor a tornar-se mais com-
petente na resolução dos pro-
blemas com que se defronta no
seu dia-a-dia (AINSCOW, 2007).
Um exemplo interessante é a
organização de formação que
se verifica na Europa (Escócia).
Trata-se de um modelo de for-
mação em que o professor só é
considerado formado se, após
quatro anos de educação su-
perior, tiver sido aprovado em

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dois anos de exercício profis- a crescente complexidade dos
sional supervisionado. Não se programas, a heterogeneidade
trata de um modelo reciclado do comportamento dos alunos,
dos antigos “estágios pedagó- das respostas institucionais das
gicos”, mas de um modelo que novas áreas curriculares etc. im-
visa habituar o professor a ver plicam que a profissão docente
a sua profissão como sendo in- não seja desempenhada por
completa se for solitária e que, professores sozinhos, mas por
por isso, o alerta para a impor- professores que trabalhem co-
tância do trabalho cooperativo operativamente com colegas,
e da supervisão. outros profissionais, famílias.
2. O papel que desempenha o Têm sido experimentadas es-
trabalho cooperativo nas co- tratégias bem sucedidas de “re-
munidades de professores é des de professores” (PARRILLA,
outro dos desafios atuais. O 2000) que mostram a sua eficá-
professor tem tendência para cia no fortalecimento das com-
considerar os seus sucessos e petências dos professores e na
insucessos como feitos pesso- qualidade do ensino em geral.
ais. O planejamento, a progra- 3. Um outro desafio relaciona-se
mação, as estratégias, a gestão com a conciliação entre a teoria
da sala de aula, a avaliação, e as aptidões necessárias para
entre outros, são processos atuar em Educação (FREITAS,
que cada professor tem por 2006). Do lado da teoria temos
tradição reservar para si. Ora a investigação, o conhecimento

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pedagógico e outros saberes; blemática de insucesso, seleção as escolas e os professores sabem
do lado das aptidões temos a precoce ou abandono escolar. mais do que pensam que sabem.
experiência e o conhecimento Promove a heterogeneidade Aqui, como sempre, é importante
específico da matéria a lecionar em lugar da homogeneidade, reconceptualizar as finalidades da
(HEGARTY, 2007). O que pode- a construção de saberes em Educação.
rá ligar estes dois mundos que lugar da sua mera transmissão, Precisamos, assim, de um pro-
parecem tão próximos mas se a promoção do sucesso para fessor que, para além das áreas
encontram freqüentemente se- todos em lugar da seleção dos conteudísticas habituais de forma-
parados? Segundo Hegarty (op. academicamente mais aptos e ção possa, ainda, conhecer e de-
cit.), o fator que pode ligar estes a cooperação em lugar da com- senvolver um conjunto de práticas
dois mundos é uma compreen- petição. que permita aos alunos alcançar
são alargada da causa pela qual Na verdade, a escola não foi o sucesso, isto é, atingirem o limi-
um aluno particular tem dificul- pensada para atender a heteroge- te superior das suas capacidades.
dades. Estas dificuldades não neidade. Toda a estrutura e fun- Como se depreende, a resposta a
podem ser só resolvidas pela cionamento da escola regular é este desafio da Educação Inclusiva
teoria nem só pela experiência: mais confortável ao considerar a parece ser algo que deveria estar
necessitam sobretudo de um homogeneidade do que com a di- disseminado, embutido em todas
discernimento, de uma perspi- ferença entre os alunos. Mas o que as matérias de formação. Será
cácia (insight) do professor. Esta é certo é que a heterogeneidade é possível ensinar Psicologia Educa-
perspicácia, esta capacidade cada vez maior nas nossas escolas cional sem referir e estudar os alu-
de conjugar o conjunto de co- e a premência de lhe dar uma res- nos diferentes pela precocidade,
nhecimentos e de experiência posta de sucesso é também cada agilidade ou dificuldade no seu
que se dispõe para tomar uma vez mais inadiável. Em sociedades processo de aprendizagem? Será
decisão adequada em relação que prezam o seu desenvolvimen- possível ensinar Metodologias de
à aprendizagem de um aluno to não é aceitável que existam Intervenção sem mencionar como
com dificuldades, é um dos fa- alunos que abandonem a escola se ensina uma criança com proble-
tores que não pode deixar de ou que, nela permanecendo, não mas lingüísticos? Será possível en-
ser enfatizado e desenvolvido obtenham sucesso. Na perspectiva sinar Desenvolvimento Curricular
em modelos de formação de da promoção da Educação Inclusi- sem fazer uma extensa referência
professores. va existem novos recursos e novos às formas que podem tornar mais
4. Um outro desafio é o do desen- olhares sobre os recursos existen- dúctil e mais flexível o currículo?
volvimento da Educação Inclu- tes, que é necessário desenvolver. Parece difícil responder afirmati-
siva (EI). Cada vez que se fala Mas, por certo que o professor vamente a qualquer uma destas
de Educação Inclusiva é pre- com todo o conjunto de compe- perguntas. A formação inicial de
ciso distinguir qual o conceito tências e experiências que tem é professores com relação à inclusão
que dela usamos. Usaremos o certamente o principal recurso em deveria toda ela ser feita contem-
termo EI como um modelo edu- que a Educação Inclusiva se pode plando em cada disciplina da for-
cacional que promove a educa- apoiar (FERREIRA, 2006). Portanto, mação conteúdos que pudessem
ção conjunta de todos os alunos para promover a Educação Inclusi- conduzir a uma atuação inclusiva.
independentemente das suas va a questão não é, muitas vezes, Conhece-se o argumento que mais
capacidades ou estatuto sócio- a de encontrar mais pessoas ou impede este modelo: nem todos
econômico. A EI tem por objetivo pessoas com perfis profissionais os formadores sabem como le-
alterar as práticas tradicionais, diferentes, não é, talvez, encontrar cionar nas suas áreas disciplinares
removendo as barreiras à apren- novos recursos ou recursos dife- estes conteúdos. E a questão é: se
dizagem e valorizando as dife- rentes; é, sobretudo, por meio de não sabem, vamos encarar esta si-
renças dos alunos. A Educação estratégias reflexivas, do trabalho tuação de modo a que aprendam,
Inclusiva organiza e promove cooperativo lançar um novo olhar dado que esta falta de competên-
um conjunto de valores e prá- sobre as práticas docentes, sobre a cia dos formadores poderá criar
ticas que procuram responder equipe e os recursos que a escola graves problemas para o sucesso
a uma situação existente e pro- dispõe. Como diz Ainscow (op. cit.), dos alunos. Não podemos encarar

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os formadores como “completos”, de alunos com deficiência? Por desenvolvimento. Tradicionalmen-
mas como profissionais em apren- outro lado, só os alunos com te é dada uma grande ênfase ao
dizagem. Até que se possa chegar deficiências têm direito a um estudo das condições de deficiên-
a um modelo em que a formação atendimento especializado? cia nomeadamente à etiologia e à
esteja disseminada em todas as Quais são as competências dos patologia em termos clínicos. Pre-
áreas curriculares, vamos tendo professores que se encontram cisamos, pelo contrário, reforçar o
nos cursos de formação inicial de nas escolas com a função espe- olhar educacional para as dificulda-
professores disciplinas com o título cífica de apoiar alunos com di- des encaradas sob o ponto de vista
de “Educação Especial”, ou “Neces- ficuldades ou com deficiências? educacional; isto é, conhecer como
sidades Educativas Especiais”, ou Em que âmbito devem exercer se avalia, como se planeja, como se
outras. Temos, assim, um currículo as suas ações? Como se ligam desenvolve um processo educacio-
de formação para os alunos “nor- estes níveis de ação com os ní- nal e de aprendizagem em alunos
mais” e uma disciplina para alunos veis exercidos pelos professo- com dificuldades ou com deficiên-
“especiais” o que, sem dúvida, não res não especializados? Muitas cias que, se não forem enquadra-
é uma contribuição à partida para dessas questões são muito pre- das, poderão influenciar a plena
a criação de ambientes inclusivos. sentes em Portugal. participação no processo educativo.
5. Um outro desafio ainda é como Pensamos que existem três di- Torna-se importante que o próprio
se podem interligar os diferentes mensões de formação que devem modelo em que estes processos são
níveis de formação. Em muitos ser consideradas para capacitar os estudados seja um modelo de ins-
sistemas educativos existem professores no apoio à Educação piração educacional e não clínica.
lugares específicos para pro- Inclusiva tanto no âmbito de espe- São conhecidos os traços distintivos
fessores cuja função é apoiar a cialização como nível generalista: de um e outro modelo: o modelo
aprendizagem de alunos com os saberes, as competências e as clínico mais centrado numa aproxi-
dificuldades. Esses professores atitudes. mação do “caso”, do seu diagnósti-
podem designar-se como “Co- co, de prescrição a adotar em forma
ordenadores de Necessidades de um programa ou de um trata-
Educativas Especiais” (“Special
2. Dimensão dos mento; o modelo educacional que
Educational Needs Coordina- saberes mais se aproxima da concepção da
tor”, como, por exemplo, é no aprendizagem como um processo,
Reino Unido) ou por “Profes- A dimensão dos saberes refere- dos seus diferentes condicionantes,
sores de Métodos e Técnicas” se ao conjunto de conhecimentos caracterizando situações comple-
(Canadá). Em 2006 foi criado de índole mais teórica que funda- xas para as quais freqüentemente
em Portugal um quadro de mentam as opções de intervenção. não existe uma forma inequívoca
“Professores de Educação Espe- Estes conhecimentos vão desde as- de atuação, mas, sim, aproxima-
cial”, cuja função é a de apoiar pectos mais diretamente teóricos, ções sucessivas, no que Perrenaud
a aprendizagem de alunos que tais como o contacto com o pensa- (2000) definiu como “agir na urgên-
tenham uma condição de defi- mento e a teorização de diferentes cia e decidir na dúvida”.
ciência identificada através da autores, até (e sobretudo) trabalhos Adotar um paradigma educa-
aplicação da Classificação In- de investigação feitos em contex- cional significa, por exemplo, que,
ternacional de Funcionalidade tos reais que possam fundamentar devem ser realçadas em termos
(CIF), elaborada pela Organiza- a adoção de determinadas opções de formação as relações que tem o
ção Mundial de Saúde. O qua- metodológicas. processo de aprendizagem de um
dro de apoio e de delimitação No que respeita à Educação In- aluno com deficiência mental com
do tipo de apoio e de quem clusiva, esta dimensão de saberes o de outro aluno sem deficiência
pode usufruir desse apoio é um envolve o conhecimento das carac- mental. Realçar as continuidades,
assunto de discussão pertinen- terísticas de desenvolvimento e de similitudes, os pontos comuns de
te (LIMA-RODRIGUES, 2007). aprendizagem de alunos com con- desenvolvimento e os que não sen-
Será que uma classificação des- dições não habituais. Envolve certa- do comuns permitem por meio de
te tipo é adequada para iden- mente a caracterização pedagógica estratégias específicas o trabalho
tificar e planejar a intervenção destas condições não habituais de em conjunto.

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A dimensão dos saberes implica inclusivos (RODRIGUES, 2007). O qüentemente difíceis de siste-
também conhecer formas diversifi- conhecimento das diferenças entre matizar como fundantes de um
cadas de animação de grupos, quer os alunos pode servir para justifi- processo de intervenção. Por
na esfera da decisão quer no nível car a sua não inclusão. Pode servir, exemplo, referem-se à observa-
do desenvolvimento do currículo, ainda, para encontrar estratégias e ção dos produtos de aprendi-
bases sobre o trabalho com famílias metodologias que levem à anula- zagem, mas faltam os critérios
e com comunidades em diferentes ção dessas diferenças. Neste caso, que podem fazer desta obser-
escalas de compreensão ecológica. conhecer as diferenças seria só o vação uma avaliação. É também
primeiro passo para as anular; con- citada a utilização de testes (ex:
siderar a heterogeneidade não se- “teste da figura humana”, “teste
3. Dimensão das ria mais que a primeira etapa de um perceptivo-motor de Bender”,
competências processo educativo, que teria como “testes psicomotores”, etc.), mas
finalidade promover a homogenei- também sem uma idéia clara do
A dimensão das competências dade dos alunos. significado educacional destas
relaciona-se com o “saber fazer”, Não é esse o objetivo da Educa- provas, isto é, de como é que
isto é, o conhecimento específico ção Inclusiva. Acreditando que as elas contribuem para encontrar
que o professor deve ter para con- diferenças são inerentes a todos os ou identificar áreas de inter-
duzir, com sucesso, processos de humanos e dando-lhes uma cono- venção. É essencial desenvolver
intervenção em contextos assumi- tação positiva, a Educação Inclusiva modelos de avaliação educacio-
damente diversos. procura usar as diferentes abor- nal que permitam, numa lógica
Cabe aqui refletir sobre os obje- dagens, entendimentos, valores e ligada ao processo educativo,
tivos do trabalho pedagógico com práticas dos alunos para enriquecer encontrar indicadores que con-
grupos assumidamente heterogêne- o processo pedagógico. Se assim sintam a avaliação de fatores
os. Podemos dizer “assumidamen- pensamos, anular as diferenças que influenciam a aprendiza-
te” porque todos os grupos são significaria empobrecer e anular o gem.
heterogêneos em termos de apren- poderoso efeito que ela tem para 2. Planejamento encontra-se tam-
dizagem; a questão é se nós os tra- a educação em grupos diversifica- bém com grandes dificuldades.
tamos como tal (considerando que dos. O objetivo da Educação Inclu- Como se planeja uma aula ou
a heterogeneidade é inerente ao siva não é, pois, anular as diferenças um ciclo de atividades para um
grupo e, portanto, “natural”) ou se e, sim, entendê-las, mantendo-as grupo assumidamente hetero-
nos relacionamos como grupos (na- ativas, encorajar o seu aparecimen- gêneo? Como é que o conheci-
turalmente) heterogêneos como se to e expressão enfim, torná-las pre- mento dos alunos influencia o
fossem problemáticos só pelo fato sentes e utilizáveis para o processo planejamento? De que forma a
de não serem homogêneos. Traba- educativo de todos os alunos. natureza dos objetivos influen-
lhar com grupos assumidamente Esta dimensão de competências cia os enquadramentos que se
heterogêneos é, pois, considerar tem vários momentos interligados: propõem para a aprendizagem?
em termos de avaliação, planeja- avaliação, planejamento, interven- Sabemos que os professores
mento e intervenção, que a hetero- ção. planejam mais em termos de
geneidade é própria do grupo e a 1. Avaliação. Trata-se de uma das conteúdos e menos em termos
situação anômala seria a de encon- áreas em que os professores de estratégias necessárias para
trar um grupo de aprendizagem sentem mais dificuldades, em o ensino destes conteúdos.
que se pudesse considerar homo- particular quando procuram Também neste aspecto o traba-
gêneo. Ainda refletindo sobre o tra- uma sistematização destas ava- lho cooperativo entre professo-
balho com grupos assumidamente liações para passar às fases se- res pode ser determinante.
heterogêneos, cabe perguntar o guintes. Quando perguntados 3. Por fim, a intervenção propria-
que significa considerar as diferen- sobre quais as áreas, os instru- mente dita com os seus múlti-
ças dos alunos. Como afirmamos mentos e os critérios de avalia- plos aspectos: conhecimento
antes, o simples conhecimento ção que usam, os professores de de estratégias de ensino gerais
das diferenças não conduz inexo- EE referem-se que usam conjun- e específicas face a dificuldades
ravelmente à adoção de modelos to de metodologias que são fre- que os alunos podem eviden-

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ciar (trabalho multinível, resolu- convictos e eficazes promotores de
ção de problemas, trabalho de práticas inovadoras, valorizadoras
projeto, pesquisa de informa- da diferença e promotoras de um
ção etc.) conhecimento significativo para o
Uma questão determinante na aluno?
aquisição de competência docen- Quando se fala de modelos iso-
te na área da Educação Inclusiva mórficos em formação de profes-
diz respeito às estratégias de for- sores quer-se dizer que os profes-
mação que são usadas. Frequen- sores devem ter ao longo da sua
temente, utilizam-se estratégias formação profissional acesso a um
convencionais para a formação de conjunto de experiências em tudo
profissionais que se espera sejam semelhantes às que vão encontrar
perspicazes, inovadoras, inclusivas na vida profissional. Um professor
e criativas na sua intervenção. De que vai ser um agente de inclusão
onde lhes vem, então, esta clari- na escola será certamente um pro-
vidência, e criatividade se ela não fissional mais conhecedor, convicto
for explicitamente desenvolvida e eficaz se ele próprio tiver passado
durante a formação? Será que pro- na sua formação por experiências
fessores que são formados com semelhantes às que desejaria que
ensino magistral, uniforme, pouco os seus colegas e a escola adotas-
claro sobre a importância do gru- sem em benefício da Inclusão. Nes-
po, fazendo apelo exclusivo ao de- te aspecto faz também sentido in-
sempenho individual, menospre- centivar uma grande mudança nos
zando a criatividade e a iniciativa programas e estratégias de forma-
do aluno etc. podem depois ser ção de professores.

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4. Dimensão das soas que conseguiram construir os habilitasse a trabalhar, tam-
vidas autônomas e úteis apesar de bém, com casos que evidencias-
atitudes condições adversas, são certamen- sem dificuldades escolares não
te fatores que influenciam a forma- provocados por uma condição
De pouco serviriam os saberes ção de atitudes. Claro que quanto de deficiência. Alunos sem defi-
e as competências se os professo- maior for a implicação e proximida- ciência poderão ter dificuldades
res não tivessem atitudes positivas de da pessoa com estes processos que necessitam de um apoio es-
face à possibilidade de progresso bem sucedidos, mais sedimentada pecializado.
dos alunos. É fundamental que os e convicta será a sua atitude positi- 4. Os professores que realizam um
professores do ensino regular e de va face à possibilidade de sucesso curso especializado de apoio a
Educação Especial conheçam por de alunos com dificuldade. alunos com necessidades edu-
experiência própria situações em cativas especiais deverão ad-
que uma adequada modificação
do currículo e das condições de
5. Síntese quirir uma sólida formação em
modelos educativos, em que os
aprendizagem consiga eliminar alunos com NEE sejam educados
As reflexões que colocamos,
barreiras à aprendizagem e pro- em modelos inclusivos (incluin-
anteriormente, talvez possam ser
mover a aquisição de novos sa- do as práticas supervisionadas).
sintetizadas em doze pontos que,
beres e competências aos alunos. 5. O objetivo da Educação Inclusi-
na nossa opinião, deveriam ser ob-
Um professor para desenvolver va não é acabar com as diferen-
jeto de uma ponderada reflexão
atitudes positivas não pode, como ças, mas mantê-las ativas para
por parte dos responsáveis desta
era tradicional, construir a sua in- poderem ser rentabilizadas na
formação, qualquer que seja o nível
tervenção baseado no déficit, mas, a que trabalham. Como dissemos educação de todos os alunos. A
sim, naquilo que o aluno é capaz de acima, este processo da formação anulação ou “impermeabiliza-
fazer para além da sua dificuldade. de professores é um processo per- ção” das diferenças impede que
Basta imaginar qual seria o futuro manente de avaliação e de modifi- os alunos se confrontem com
acadêmico de um jovem que ten- cação que se encontra em todos os outros pontos de vista e realida-
do dificuldades, por exemplo, em países. Esta dúzia de reflexões pro- des e por este motivo empobre-
Matemática, visse todo o seu currí- cura obviamente contribuir para a ce a qualidade da educação.
culo escolar ser referenciado à essa discussão nos seus diferentes as- 6. Os professores deverão ser for-
matéria. Assim, a construção curri- pectos. mados com técnicas pedagógi-
cular baseada na deficiência ou na 1. A existência de uma disciplina cas semelhantes às que se pre-
dificuldade, para além de ter uma de “Necessidades Educativas tende que eles usem quando
duvidosa probabilidade de sucesso Especiais” ou análoga deverá forem profissionais (ex: ensino
para o aluno, evidencia uma visão evoluir para uma organização multinível, aprendizagem e en-
do professor que mais realça as di- curricular que sedie os conteú- sino cooperativo, modelos ati-
ficuldades do aluno do que as suas dos, habitualmente ministrados vos e criativos de aquisição do
potencialidades. Para desenvolver nesta disciplina, em cada uma conhecimento, hábitos de tra-
expectativas positivas é essencial das disciplinas que compõem a balho em equipe e práticas re-
que o professor conheça múltiplas ementa dos cursos de formação flexivas etc.). Um exemplo deste
formas de eliminar e contornar di- de professores. ponto pode ser encontrado na
ficuldades e barreiras e que possa, 2. Os conteúdos a tratar na forma- maior intensidade de prática de
a partir deste trabalho, acreditar e ção inicial dos professores de- acesso à Internet de professores
fazer acreditar que o aluno é muito verão dar ênfase às deficiências que foram formados usando es-
mais do que as suas dificuldades e de maior incidência e menor in- tratégias de pesquisa orientada
que existem variadas formas para tensidade realçando os aspec- no espaço virtual.
se chegar ao sucesso. tos psicopedagógicos e não os 7. Os modelos de formação devem
Conhecer casos de boas práti- clínicos. enfatizar a ligação entre a teoria
cas, conhecer percursos pessoais 3. Os profissionais formados para e a prática, sobretudo, propor-
para além da idade escolar, conhe- dar apoio nas escolas deveriam cionando a oportunidade de
cer, enfim, depoimentos de pes- ter uma formação específica que tomar decisões pragmáticas e

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fundamentadas teoricamente. e aconselhamento de proble- CASPAR, Pierre. Ser formador nos dias que
O recurso a sítios virtuais de su- mas sentidos internamente é de correm. Novos atores, novos espaços, no-
pervisão e acompanhamento é grande eficácia. A possibilidade vos tempos. Sísifo-Revista de Ciências da
certamente um meio importan- de dispor de “amigos críticos” Educação. 02, p. 87-94, 2007.
te para que se efetue a integra- pode ser formalizada por parce- HEGARTY, S. Special Education and its
ção teoria-prática. rias de formação entre grupos contribution to the broader discourse of
8. A formação deve contemplar de escolas e centros de forma- education. In: FLORIAN, L. (Edt.). The SAGE
igualmente o domínio dos sabe- ção. Handbook of Special Education. London:
res, das competências e das ati- Na década de 70/80 do século SAGE, 2007.
tudes. É essencial que cada um passado desenvolveu-se uma polê- FERREIRA, W. B. Inclusão x Exclusão no
destes domínios seja submetido mica sobre se a escola faria ou não Brasil: reflexões sobre a formação docente
a um rigoroso escrutínio reflexi- diferença no perfil dos alunos. Esta dez anos após Salamanca. In: RODRIGUES,
vo, de forma a criar profissionais polêmica foi resolvida com aceita- D. (Org.). Inclusão e Educação: doze olha-
capazes de fazer uma avaliação ção afirmativa, que certamente a res sobre a Educação Inclusiva. São Paulo:
equilibrada e pragmática do seu escola e os seus meios representam Summus Editorial, 2006.
trabalho. um modo importante de promo-
9. A formação por meio da resolu- FREITAS, S.N. A formação de professores
ção do conhecimento dos alunos,
ção de problemas concretos é na educação inclusiva: construindo a base
instrumento de aquisição de múlti-
uma poderosa estratégia. Esta de todo o processo. In: RODRIGUES,D
plas competências, meio de socia-
estratégia vale não só para a for- (Org.). Inclusão e Educação: doze olhares
lização e, sobretudo, um meio de
mação permanente, mas tam- sobre a Educação Inclusiva. São Paulo:
promoção da cidadania e da mobi- Summus Editorial, 2006.
bém para a formação inicial e lidade social.
especializada onde a investiga- Com o conhecimento que dis- LIMA-RODRIGUES, L. et al. Percursos da
ção, a partir de casos e de con- pomos não é legítimo colocar em Educação Inclusiva em Portugal: dez estu-
textos concretos, permanece dúvida a utilidade da formação, dos de caso. Lisboa: Fórum de Estudos de
como uma importante estraté- quer seja inicial ou permanente. É, Educação Inclusiva, 2007.
gia. A criatividade e a inovação sim, possível questionar quais os PARRILLA, A. & HARRY, D. Criação e desen-
podem e devem ser desenvol- modelos, quais os valores, objeti- volvimento de Grupos de Apoio entre pro-
vidas por meio da implicação vos e práticas sob as quais se realiza fessores. São Paulo: Ed. Loyola, 2003.
dos formandos em processos de esta formação. É sobre este aspec-
investigação-ação. PERRENOUD, P. Ensinar: agir na urgência,
to que este texto e as suas 12 re- decidir na incerteza. Saberes e compe-
10. Os locais de prática supervisio- flexões finais procuram encontrar a
nada (estágio) devem ser esco- tências de uma profissão complexa. Porto
sua pertinência como elemento de Alegre: ARTMED, 2001.
lhidos em função dos enquadra-
identificação e de discussão sobre
mentos em que se prevê que os RODRIGUES, D. Notas sobre a Investigação
tão importante questão.
futuros profissionais vão traba- em Educação Inclusiva. In: RODRIGUES, D.
lhar e em total participação na (Org.). Investigação em Educação Inclusiva.
vida quotidiana das escolas. Referências Lisboa: Edições FMH, 2007.
11. É necessário incentivar uma RODRIGUES, D. A Sopa de Pedra e a Edu-
atitude de supervisão e de de- AINSCOW, M. From Special Education to
effective schools for all: a review of the cação Inclusiva, In: RODRIGUES, Bibiana
senvolvimento profissional nos progress so far. In: FLORIAN, L. (Edt.). The Magalhães (Org.). Aprender juntos para
docentes de NEE. Para isto é es- SAGE Handbook of Special Education. Lon- aprender melhor. Lisboa: Fórum de Estu-
sencial que existam espaços de don: SAGE, 2007. dos de Educação Inclusiva, 2007.
informação disponibilizados via BEN-PERETZ, M. The impossible role of
espaço virtual e momentos pre- RODRIGUES, D. Formation des enseig-
teacher educators in a changing world.
senciais de partilha e discussão. nants et Education Inclusive. In: André
Journal of Teacher Education. 52 (1), p. 48-
PHILIP, André (Org.). Scolarisation des
12. O modelo de alguém “de fora” 56, 2001.
élèves en situation d’handicap ou de diffi-
(escola de formação ou outra es- CAMPOS, B. P. Políticas de Formação de culté. Paris: Ed. INS HEA, 2007.
trutura) que venha até à escola Profissionais de Ensino em Escolas Autôno-
para fazer o acompanhamento mas. Porto: Ed. Afrontamento, 2000.

16 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 7-16, jul./out. 2008


ENFOQUE 17

DIFERENÇA E EXCLUSÃO
ou ... a gestação de uma mentalidade inclusiva
Marisa Faermann Eizirik1
meizirik.ez@terra.com.br

Resumo
Este artigo se propõe a examinar a questão da diferen- guerra como metáfora, defendo a idéia de ser a inclu-
ça e seus atravessamentos com o poder, tratando a in- são escolar um projeto revolucionário em processo de
clusão pelo seu avesso, a exclusão, partindo do questio- implantação que, por ser complexo, difícil e doloroso,
namento: não se trataria de tornar visíveis as forças que demanda a gestação de uma mentalidade inclusiva,
emperram as mudanças? As resistências que micropo- constituinte de novas formas de subjetividade.
liticamente cerram fileiras contra aquelas que insistem
em trazer para o solo institucional novas práticas, outros Palavras-chave: diferença, exclusão, inclusão, poder,
saberes e formas de ensinar e de aprender. Utilizando a subjetividade.

1
Marisa Faermann Eizirik é doutora em Educação, psicóloga e professora/UFRGS. Desenvolve pesquisas no campo da inclusão escolar, com ênfase nas
relações de poder institucionais. Além de artigos publicados, é autora de Educação e Escola: a aventura institucional (AGE, 2001); Michel Foucault, um
pensador do presente (Unijuí, 2005, 2a ed.) e co-autora de A escola (In)-visível ( Editora da UFGRS, 2005, 2a. ed).

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 17-23, jul./out. 2008 17


Abstract

This article focuses the question of difference and its hypothesis that the inclusion, as a new paradigm of
departing splittings with power. Inclusion is analysed teaching, is a revolutionary process. It is a complex,
inversely when the process of exclusion asks: what difficult and painful process of implanting, that asks
about making visible the allied forces that get stiffen? for an inclusive mentality in its constitution by form-
The micro-politics closes up the ranks that pushes ing the mind in new ways of subjectivity.
away our new institutional practices, our knowledges
in their manner of teaching and learning. Key words: difference, exclusion, inclusion, power, sub-
If we take the war as a metaphor, we stand up for our jectivity.

Inclusão escolar, uma tornar visíveis as forças que emper- entram pelos mecanismos legais e
ram as mudanças, as resistências forçam a presença – nas empresas,
guerra? que micropoliticamente cerram fi- nas escolas, nos lugares públicos,
leiras contra aquelas que insistem nas diferentes formas de cultura,
O debate sobre a inclusão esco- em trazer para o solo institucional lazer e diversão, na sexualidade, n o
lar tem proporcionado intensa refle- novas práticas, outros saberes e for- trabalho. Como estamos enfrentan-
xão e numerosos artigos, trabalhos, mas de ensinar e de aprender? do esse desafio? Quais as lutas que
experiências, questionamentos e A inclusão se apresenta como se travam no cotidiano das escolas,
muitas dúvidas, especialmente, em uma revolução, como contra-face em seus processos de ensino regu-
seus processos de implementação. da exclusão. Revolução porque está lar, currículos, formas de avaliação,
Como forma de participar desse produzindo um turbilhão de movi- tempos e ritmos? Como se sacode
debate, pensei em compartilhar al- mentos que invadem todas as áreas, o torpor da acomodação, do silên-
gumas reflexões sobre a questão da
diferença e seus atravessamentos
com o poder, examinando a expe-
riência da segregação e suas impli-
cações nos processos de exclusão e
inclusão, articulando com as formas
de subjetivação contemporâneas e
suas implicações para a educação.
Ou seja, penso em tratar da inclu-
são pelo seu avesso, a exclusão, e
utilizar como metáfora, a guerra.
Por estarmos tão acostumados
a excluir, não seria a inclusão esco-
lar um projeto revolucionário que
precisaria “decifrar as dissimetrias,
os desequilíbrios, as injustiças, as
violências, que funcionam apesar
da ordem das leis, sob a ordem das
leis, por meio das ordens das leis e
graças a elas?”2 Não se trataria de

2
FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 92.

18 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 17-23, jul./out. 2008


cio, do parado, do resignado ao vegetais, minerais, fluidos. Eros é o complexo, exige rupturas, apostas
seu lugar, do impedimento? Qual deus de toda a união, da afinidade e riscos?
a lógica que se instala, rompendo universal, que assim dilui o magma O tema da diferença6, atravessa-
com as idéias de homogeneização, que aprisiona todos os elementos, da pelos dispositivos de exclusão e
totalidade, identidade, mesmidade, ganhando cada um deles espaço suas implicações na formação da
igualdade? próprio. Tão poderoso quanto Eros, subjetividade, é significativo e de-
As antigas explicações e pres- seu irmão, Anteros5, é o deus da safiador para todos os que se dedi-
supostos que sustentaram muitas discórdia, tudo separa, desagrega, cam a pensar a educação, e a edu-
de nossas ações não servem para desune. Enquanto um é o deus da cação especial de modo particular.
enfrentar esse desafio. Há inúme- concórdia, o outro é o da desunião. Sob o signo de novas lingua-
ras experiências acontecendo em Anteros nasceu quando Vênus pre- gens, num mundo global integra-
instituições educacionais públicas ocupada com seu filho Eros, que do pela informação, com emoções
e privadas, acolhendo crianças com permanecia criança, queixa-se à e experiências cada vez mais sofis-
sérias dificuldades de aprendiza- deusa Têmis, que a aconselha a ticadas, como pensar a noção de
gem, portadoras de disfunções que dar-lhe um irmão. Por meio do en- “diferença”? Em relação a que, a
as colocariam de antemão fora do frentamento com seu oposto, seu quem? Quem determina a medida,
ensino regular. Há teorias se desen- “outro”, Anteros, é que Eros começa a fronteira? Quem levanta os muros
volvendo, pesquisas sendo feitas, a crescer. Oposição que se faz una, das múltiplas separações? Quem
seminários e congressos se reali- estranhamento que se indissocia, dita as normas?
zando, mas, ainda nos deparamos num mesmo ser, e se religa numa De acordo com Canguilhem7,
com dificuldades, tropeçamos no mesma perturbadora natureza. que estudou o problema da verda-
embate com a diferença e a exclu- O que nos diz a lenda? A diferen- de e da vida, a norma não se define
são. ça faz crescer, é uma oportunidade por uma lei natural, mas pelo papel
de sair dos limites, do conhecido, de exigência e de coerção que ela
ultrapassar fronteiras, exercer ou- é capaz de exercer em relação aos
Por que a diferença tros olhares, experimentar novas domínios aos quais se aplica. A nor-
incomoda tanto?3 experiências, mesmo quando essas ma é portadora, por conseqüência,
possibilidades e esses impedimen- de uma pretensão de poder. Ela não
Um mito pode nos ajudar a pen- tos são constituintes de nossa hu- é simplesmente, e nem mesmo, um
sar. mana natureza. princípio de inteligibilidade; a nor-
Na aurora da nossa civilização, Esse, porém, não é um exercício ma é um elemento por meio do
como nos conta Ovídio4 nas Meta- fascinante apenas, pois a vida com qual um exercício de poder se en-
morfoses, a principal obra mitográ- o outro é difícil, e sem o outro é im- contra fundado e legitimado.
fica tardia da Antigüidade, havia o possível. Gratificação e padecimen- Conforme Foucault8
Caos Primordial, em que ar, água e to, traduzidos nesta lenda, convívio
A regra não é um sistema formal. Eu
terra eram elementos misturados inquietante e perturbador com a
a vejo como um preciso, real, coti-
uns aos outros, como uma mas- alteridade, com nossa própria divi- diano e, conseqüentemente, indivi-
sa informe, indiferenciados. Com são e mal-estar, o horror e a angús- dualizado instrumento de coerção.
a intervenção de uma mediação tia de nos enfrentarmos com o que O que me interessa é o constrangi-
simbólica, ocorre a intervenção de está escondido, o secreto, a som- mento; como ele pesa nas consciên-
um deus cujo poder une, mistura, bra. Como podemos pensar esse cias e como se inscreve nos corpos;
multiplica toda a criação: animais, convívio com o que, num mundo como ele revolta as pessoas e como

3
EIZIRIK, M.F. Por que a diferença incomoda tanto? In. EIZIRIK, M.F. Educação e Escola: a aventura institucional. Porto Alegre: AGE, 2001: 37-57.
4
OVIDIO. Metamorfosis. Barcelona: Brugueda, 1983.
5
PUGLIESI, M. Mitologia Greco-Romana: Arquétipos dos deuses e heróis. São Paulo: Madras Editora, 2003.
6
LYOTARD, J. F. La Diferencia. Barcelona: Gedisa, l988.
7
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000.
8
FOUCAULT, M. Loucura e sociedade. IN: FOUCAULT, M. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Univer-
sitária, 2002. (Ditos e escritos; I)

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 17-23, jul./out. 2008 19


elas o combatem. É precisamente produtor de subjetividade. Como separações são paradoxais porque
o ponto de contato, de fricção, de sujeitos nos constituímos em redes, produzem, ao mesmo tempo, re-
possibilidade do conflito, entre o micropolíticas, em que os saberes sistências, contemporâneas e inte-
sistema de regras e o interjogo das são peças nas relações de forças gráveis às estratégias de poder. São
irregularidades, onde eu sempre dos dispositivos. porosas, misturadas, complexas.
coloco minha interrogação.
Constituem uma economia política
As separações, as da verdade. Estudando os grandes
Este interjogo ocorre via dispo- modelos de exclusão – dos loucos,
sitivos sustentados por técnicas, es- exclusões... dos prisioneiros –, mostrou que, na
tratégias, instrumentos, táticas que sociedade ocidental, as exclusões
fazem parte do exercício do poder. Alguns de nós somos reconheci-
são acumuladas, nunca vêm sozi-
Esses conjuntos não consistem em dos em nossos discursos e práticas,
nhas, e constituem uma separação
uma homogeneização, mas mui- outros não. Alguns de nós somos
original, um princípio estrutural,
to mais em um jogo complexo de percebidos como “normais”, outros
fundante, que impõe limites e de-
apoios que tomam, uns sobre os não. Alguns de nós temos acesso à
termina lugares que, nestes tempos
outros, os diferentes mecanismos do educação, à cultura, à socialização,
líquidos, são cada vez mais difusos,
poder, que permanecem bem especí- à reprodução, ao trabalho, outros
com fronteiras menos visíveis e de-
ficos. As relações de poder se elabo- não. Somos todos participantes des-
limitações menos previsíveis.
ram, se transformam, se organizam, se jogo, pois as formas de exclusão
Ao analisar o princípio de sepa-
se dotam de procedimentos mais são próprias da civilização, como diz ração, Foucault explica que em seu
ou menos ajustados, constituindo- Foucault9, esclarecendo que os regi- movimento perpétuo de se recon-
se em estratégias de poder cujos mes de verdade que se instalam – e duzir a seu próprio limite, se enra-
meios, postos em ação, fazem fun- constituem a cultura de uma época íza a noção do “intolerável” que se
cionar ou sustentam um dispositivo – trazem consigo diferentes formas quer escondido, separado, oculto,
de poder. de exclusão, juntamente com as iro- que está na base da separação, des-
O poder, portanto, é uma prática nias e contradições que permeiam de seu início. As técnicas e disposi-
social constituída historicamente e esses processos, mostrando que as tivos pelos quais esses mecanismos
se solidificam e se reconduzem,
pela perpétua separação, se distri-
buem e se fortalecem por meio das
disciplinas, do exame, do exercício
do poder de normalização.
Foucault10 chama a atenção
para os dispositivos de poder que
permeiam a sociedade, para os jo-
gos de coações e exclusões, dizen-
do que “sempre haverá indivíduos
que, por não obedecerem às regras
ou a elas resistirem, ficam coloca-
dos às margens dessa mesma so-
ciedade. Esse resíduo esse escape,
essa margem, se recorta na existên-
cia de quatro grandes sistemas de
exclusão”.

9
Ver EIZIRIK, M. F. Michel Foucault, um pensador do presente. Ijuí: Editora Unijuí, 2005, 2ª ed.
10
FOUCAULT, M. La loucura y la sociedad. IN: FOUCAULT, M. Estética, ética y hermenéutica. Barcelona, Paidós, 1999. Obras Esenciales, Volumen III: 73-95.

20 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 17-23, jul./out. 2008


que toma todas as decisões eco-
nômicas importantes e que flutua
além do controle humano; de uma
sociedade excludente, que enfatiza
a descartabilidade humana; o desa-
parecimento da confiança e a insta-
lação da suspeita universal; a cultu-
ra do excesso e o enfraquecimento
das relações interpessoais12. As ví-
timas são as baixas humanas pro-
duzidas pelo progresso do próprio
homem, ou o que Bauman chama
de refugo ou lixo humano.
Esvaziada de confiança, saturada
da suspeita, a vida é assaltada por
antinomias e ambigüidades que ela
não pode resolver.
A sociedade e as instituições
desenvolvem mecanismos de se-
paração, rotulação, localização - de
pessoas, grupos, idéias. Estes me-
canismos são poderosos produ-
tores de verdades e de ações que
regulam a vida das pessoas. Ao
Segundo este autor, há quatro A cultura do lixo, ou o fazer isso, porém, produzem uma
grandes sistemas de exclusão: –
em relação ao trabalho, com a pro- refugo humano complexidade enorme de outros
dução econômica; – em relação à tantos movimentos, atravessando
família e à reprodução da socieda- Mudaram as formas de repres- o campo social por forças de várias
de; – em relação ao discurso em são e os modos de exercê-la: mais ordens, naturezas e intensidades.
relação ao sistema de produção sutis, disfarçados, os instrumentos
de símbolos: a palavra de uns não repressivos se diluem no magma O estranho em nós...
é recebida da mesma maneira que da sociedade pós-moderna, ou mo-
a de outros; – em relação ao jogo: dernidade líquida, como caracteriza Em face da alteridade, produz-
há sempre indivíduos que não Bauman11, em que os valores do se um desassossego, um temor que
ocupam, na relação com o jogo, capitalismo tardio produzem flexi- acompanha o golpe no modelo
a mesma posição que os demais: bilidade, mobilidade, versatilidade, identitário e um decorrente desam-
estão excluídos ou incapazes de transitoriedade, incerteza, necessi- paro. Ficamos orfãos de conheci-
jogar. dades transformadas em virtudes mentos e certezas que até então
Há indivíduos, portanto, que que, num movimento paradoxal, nos davam suporte. Quem sabe
estão excluídos em todos os sis- silencia e faz desaparecer essa mes- podemos aproveitar da perplexida-
temas (do trabalho, da família, da ma sociedade, através dos fluxos de e do fascínio pelo novo – senti-
linguagem e do discurso, do jogo). gerados pela supremacia do mer- mentos que deram origem a todo
São os resíduos de todos os resídu- cado e a crença na tecnologia. o conhecimento –, como motores
os, estão marginalizados da socie- Em sua análise, este autor des- para pensar e inventar uma educa-
dade. creve a existência da elite global, ção inclusiva?

BAUMAN, Z. La sociedad sitiada. B. Aires: Fondo de Cultura Economica, 2004.


11

BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.


12

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 17-23, jul./out. 2008 21


Apesar das experiências de in- Até que ponto rupturas nos dis- nuamente nos desafiando a olhar,
clusão que pipocam por todos os positivos de exclusão, dando aber- pensar e agir.
lados, das estratégias que apon- tura às experiências de inclusão, Estamos em meio a um proces-
tam caminhos em curso, há muito não estariam intrinsecamente liga- so de gestação. Buscamos novas
a se criar e desenvolver. O movi- dos à produção de novas subjetivi- formas, contornos, possibilidades,
mento acena com alguns passos, dades? Subjetividade compreendi- com todas as alegrias e sofrimentos
que começam por nós mesmos: da, de acordo com Foucault, como que o acompanham.
onde estamos nesse movimento? um processo sempre provisório, a Seria o caso de realizar uma re-
Retomo as palavras de Baptis- relação consigo, que se estabele- forma educacional14, como fez a
ta13, que analisa a situação da in- ce por meio de uma série de pro- Espanha, constituindo um proces-
clusão no Brasil a partir de questio- cedimentos que são propostos e so de gestação de uma mentalida-
namentos extraídos de encontros prescritos aos indivíduos, em todas de inclusiva, ao sancionar uma lei
com professores em formação, e as civilizações, para fixar sua iden- criando uma disciplina chamada
situando três pontos de reflexão - tidade, mantê-la ou transformá-la, Educação para a Cidadania? Esta
a inclusão, a prática docente e os em função de um certo número de disciplina visa o respeito ao dife-
sujeitos envolvidos, enfatiza a ne- fins. rente, ensinando às crianças valores
cessidade de diálogo com todos os Será que não precisamos inven- constitucionais e direitos humanos,
envolvidos e, para isso, “o primeiro tar uma subjetividade que possa li- respeito e tolerância. Há indicações
passo pode ser pensado em dois dar com o estranhamento, produzir de filmes e textos, que tratam da de-
planos: auto-conhecimento e bus- estratégias e táticas em que as dife- sigualdade entre homens e mulhe-
ca de referenciais. O movimento renças façam parte da experiência, res, combatem a violência, a intole-
de conhecer-se é necessário para e não o mesmo, o igual, a repeti- rância, o racismo, o anti-semitismo,
que possamos identificar muitas ção? a xenofobia. Ministrada nas 5ª e 6ª
de nossas barreiras que agem nos Será que podemos tolerar, e séries do ensino fundamental, e fa-
encontros com o outro”. mesmo experimentar, o sentimen- zem parte do currículo básico.
Nem sempre o outro, perce- to de orfandade que advém da per- Esse seria um modo de subjeti-
bido como perturbador, é o que da das certezas, da vertigem pro- vação, que se faz na relação mesma
está fora, distante: muitas vezes, duzida pelas rupturas nos modelos do sujeito com a cultura.
o que incomoda é o “estranho preestabelecidos, do embate com Freud, em seu ensaio O estra-
em nós”, aquilo que percebemos a realidade que é turbulência, per- nho15 nos faz percorrer a semânti-
como diferente em nós mesmos turbação, desordem, convívio com ca dos termos heimlich, o familiar,
e com o qual não queremos nos a diferença, num equilíbrio sempre e unheimlich, o estranho, em que
defrontar. Assim, rejeitamos nos provisório, móvel, multifacetado, mostra o encontro dos contrários.
demais aquilo que não podemos complexo? Ambos coincidem e se fundem,
tolerar. Coloca-se, então, a neces- Educação e inclusão se consti- num mesmo nós, o conhecido que
sidade de reformular uma ima- tuem nessas redes, micropolíticas, se tornou alheio, excluído da cons-
gem narcisista que foi abalada, e em fluxos e devires inscritos em ciência, mas vibrante, habitante da
abrir canais para a experiência do regimes de verdade e relações de experiência, núcleo de ditos e não
“diferente”. forças, dentro dos quais vivemos e ditos, fonte de inquietude, vivência
Isso implica a guerra: contra o nos debatemos, mas cujos dispo- do insuportável.
mesmo, contra o desejo de não se sitivos – ainda que desvendados Morada de outras lógicas, habita
desacomodar, contra as prerroga- em alguns de seus regimes de visi- o estranho outros mundos, percebe
tivas de poder já estabelecidas e bilidade e de enunciação – se mo- outras imagens, fala outras línguas,
asseguradas, contra os nichos de dificam e se atravessam em novos enxerga outras paisagens. Associa-
saber consolidados contornos e profundidades, conti- do à angústia, o estranho não se

13
BAPTISTA, C.R. Inclusão em Diálogo: algumas questões que insistem...In: III Seminário Nacional de Formação de gestores – Educação Inclusiva: direito
à diversidade. Ensaios pedagógicos. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial: 36-40, 2007. 146 p
14
Folha de São Paulo, caderno A 13- Mundo -, 8 de julho de 2007.
15
FFREUD, S. O Estranho (1919), in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976, v
XVII: 273-314.

22 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 17-23, jul./out. 2008


confunde com ela, como destaca mento universalizante e unívoco, de professores, alunos e familiares.
Kristeva16 pois, para além da intensi- da previsibilidade, da certeza, es- Todos sabemos o quanto é difícil
dade e da sobrecarga do ego, com tamos diante de novas formas de e quão longe estamos de um por-
a vivência do “choque entre algo construção de subjetividade. to de chegada. Haverá este lugar?
“muito bom” ou “muito ruim”, pode Eros e Anteros somos todos. Não Este momento? Talvez não se trate
se inscrever como abertura em di- estaríamos, ao evitar a diferença, de chegar, mas de fazer a viagem,
reção ao novo, numa tentativa de nos prevenindo contra o descon- e desfrutar de cada momento dela,
adaptação ao que é incongruente”. forto com esse estrangeiro que é, descobrindo encantos numa paisa-
Desse encontro, desse choque, ao mesmo tempo, íntimo e secreto, gem que se conhece ao percorrer.
desse desmoronamento de limites duplo e opaco, destituído de forma,
abre-se uma perspectiva face ao que inspira horror e que queremos Referências
insólito, e com isso, a oportunidade ver fora, mas que retorna, constan-
da vivência de novas experiências. temente, como fantasma, estranha
BAPTISTA, C.R. Inclusão em Diálogo: algu-
Temos de nos livrar das tiranias presença do que nos é tão familiar mas questões que insistem... In: III Semi-
– do pensamento fechado, do im- e tão (in)visível? nário Nacional de Formação de Gestores e
perativo da ordem, da obsessão É próprio da gestação a inquie- Educadores – Educação Inclusiva: direito à
pela norma, da cobrança do “mes- tude, a expectativa, o desejo de diversidade. Ensaios Pedagógicos. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Edu-
mo”, das filiações identitárias, dos criar e conhecer o que cresce e se
cação Especial: 36-40, 2007. 146 p
currículos pasteurizados, dos confi- move, esse misterioso ser que está
BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas. Rio de Ja-
namentos dos programas e avalia- por nascer e que ainda não tem um
neiro: Jorge Zahar, 2005.
ções, das disciplinas encompassa- rosto, mas já se apresenta como
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico.
doras de ritmos e talentos. forma, como vida, palpável, con-
Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000.
No presente, com a fragmenta- creta. No caso de uma mentalidade
EIZIRIK, M.F. Por que a diferença incomoda
ção e a ruptura dos modelos dog- inclusiva, enfrentamos as dificulda-
tanto? In: EIZIRIK, M.F. Educação e Escola: a
máticos e enrijecidos, do conheci- des no cotidiano de cada escola, aventura institucional. Porto Alegre: AGE,
2001: 37-57.
EIZIRIK, M. F. Michel Foucault, um pensador
do presente. Ijuí: Editora Unijuí, 2005, 2ª ed.
FOLHA DE S. PAULO, caderno A 13- Mundo
-, 8 de julho de 2007.
FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade: cur-
so no Collège de France (1975-1976). São
Paulo: Martins Fontes, 1999
FOUCAULT, M. Loucura e sociedade. In:
FOUCAULT, M. Problematização do sujeito:
psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002. (Ditos
e escritos; I)
FREUD, S. O Estranho. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1976, v XVII: 273-314.
KRISTEVA, J. Estrangeiros para nós mesmos.
Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
LYOTARD, J. F. La Diferencia. Barcelona: Ge-
disa, l988.
OVIDIO. Metamorfosis. Barcelona: Brugue-
da, 1983.
PUGLIESI, M. Mitologia Greco-Romana: Ar-
quétipos dos deuses e heróis. São Paulo:
Madras Editora, 2003.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 17-23, jul./out. 2008 23


VEJA TAMBÉM 51

Educação inclusiva: direito inquestionável


Martinha Clarete Dutra dos Santos1
martinha.santos@mec.gov.br

C
aro leitor e leitora, venho onde tanto a sociedade quanto o pé: independência, autonomia e
aqui opinar a respeito da sujeito com deficiência constróem emancipação, base do paradigma
educação da pessoa com juntos as relações sociais. da inclusão social.
deficiência. Para iniciar esta expo- Neste contexto, vale lembrar Partindo deste pressuposto,
sição, parto do princípio geral de que o histórico de submissão e é fácil inferir que este segmento
que a inclusão social da pessoa tutela vivido pelas pessoas com da população não pode prescin-
com deficiência é uma questão de deficiência interfere, preponde- dir de educação e trabalho neste
políticas públicas e ação bilateral, rantemente, na conquista do tri- processo de construção do novo

1
Coordenadora geral da Política de Inclusão da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação; conselheira do Conselho Nacional dos Di-
reitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE – 2006/2008; licenciada em Letras – Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Educação
Especial – UNIFIL. Especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional – UNOPAR. Mestre em Educação pela Universidade Cidade de
São Paulo.

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 48-50, jul./out. 2008 51


paradigma. Todavia, não me refiro “educação inclusiva”, “abordagem ciência, em idade de freqüentá-lo,
a quaisquer modelos de educação. de educação inclusiva”, “classes in- não podem ser privadas dele. As-
Falo, efetivamente, de uma edu- clusivas”, “escolas inclusivas”, “prin- sim, toda vez que não se admitem
cação inclusiva, sem restrições ou cípios de inclusão”, “escolaridade alunos com deficiência em classes
condicionantes. Em que me funda- inclusiva”, “políticas educacionais comuns fere-se o disposto na Con-
mento para defender esta opinião? inclusivas”, “provisão inclusiva às venção da Guatemala.
Simplesmente na experiência de necessidades especiais”, “inclusão A simples inserção de alunos
vida de uma aluna com deficiên- na educação e no emprego”, e “so- com deficiência, sem apoio ou as-
cia que sempre esteve inclusa no ciedade inclusiva”. sistência nos sistemas regulares de
sistema público de ensino regular, Dois anos depois, em 1996, o ensino, pode redundar em fracas-
desde um tempo em que a palavra documento Normas sobre a Equi- so, na medida em que estes siste-
inclusão não se relacionava com o paração de Oportunidades para mas apresentam problemas gra-
universo da escola. Falo também Pessoas com Deficiência afirma: ves de qualidade, expressos pelos
do lugar da educadora com defi- 1. As autoridades devem garantir altos níveis de repetência, evasão
ciência que trabalha em escolas que a educação de pessoas com e baixos níveis de aprendizagem.
públicas e particulares regulares, deficiência seja uma parte inte- Educação inclusiva pressupõe apri-
contrariando a tese de que pessoas grante do planejamento edu- moramento do sistema de ensino.
com deficiência visual devem ensi- cacional, do desenvolvimento A prática pedagógica e a gestão
nar apenas aos de mesma condição de currículo e da organização escolar carecem de contínuo aper-
sensorial. Além disso, não posso escolar; feiçoamento.
omitir minha condição de militante 2. A educação em escolas comuns Segundo Berger e Luckman,
do movimento social de defesa de propõe a provisão de intérpre- as instituições sociais, incluindo
direitos da pessoa com deficiência tes e outros serviços de apoio aí as escolas, são produtos histó-
e profissional do ensino superior, à adequados. Serviços adequados ricos da atividade humana sendo
disposição do Ministério da Educa- de acessibilidade e de apoio, impossível compreendê-las ade-
ção. projetados para atender às ne- quadamente sem entender o pro-
Nesta condição, desconheço cessidades de pessoas com di- cesso histórico que as produziu.
argumentos capazes de refutar a ferentes deficiências devem ser Entender o processo histórico da
legitimidade do direito inquestio- prestados. educação implica investigar a or-
nável de todo cidadão, a uma edu- A Convenção da Guatemala, va- dem econômica, política e social
cação inclusiva. lidada pelo Decreto Legislativo n.º na qual está inserida. O confronto
Em 1983, o Programa Mundial 198, de 13 de junho de 2001, e pro- dos fenômenos socioculturais fará
de Ação Relativo às Pessoas com mulgada pelo Decreto n.º 3.956, de emergir uma realidade concreta,
Deficiência preceitua que a edu- 8 de outubro de 2001, da Presidên- socialmente definida.
cação das pessoas com deficiência cia da República, define a discrimi- Assim, a segregação escolar da
deve ocorrer no sistema escolar nação como “[...]toda diferenciação, pessoa com deficiência, produzi-
comum e que as medidas para tal exclusão ou restrição baseada em da em um determinado momento
efeito devem ser incorporadas no deficiência, antecedente de defici- histórico, cumpriu seu papel de
processo de planejamento geral ência, conseqüência de deficiência agente determinado e determi-
e na estrutura administrativa de anterior ou percepção de deficiên- nante na história deste segmento.
qualquer sociedade. cia presente ou passada, que tenha Hoje, impõem-se modificações es-
O direito da pessoa com defici- o efeito ou propósito de impedir truturais nos sistemas escolares a
ência à educação comum aparece ou anular o reconhecimento, gozo fim de consolidar o caráter univer-
implícito também na Declaração ou exercício por parte das pessoas sal e plural da escola que se deseja
Mundial de Educação para Todos, portadoras de deficiência de seus construir em nosso tempo. É nessa
aprovada pela ONU, em 1990, que direitos humanos e suas liberdades direção que políticas nacionais e
inspirou o Plano Decenal de Educa- fundamentais.” (art.1º). internacionais vêm sendo procla-
ção para Todos. O acesso ao ensino fundamen- madas para combater a segrega-
A Declaração de Salamanca, tal é um direito humano indisponí- ção escolar e edificar, os alicerces
em 1994, aborda os conceitos de vel, por isso, as pessoas com defi- de uma escola para todos.

52 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 51-53, jul./out. 2008


Em 9 de junho de 2008, acon- ve a autonomia, a independência e de direitos humanos e combate à
teceu a ratificação da convenção a emancipação do estudante com discriminação, têm realizado con-
sobre os Direitos das Pessoas com deficiência visual. O computador ferências municipais, estaduais
Deficiência, com equivalência equipado com programa que per- e nacionais, seminários e fóruns
constitucional. Este documento mite ao usuário com deficiência de debates sobre a realidade e os
internacional é o resultado de dez visual, acesso ao mundo da leitura desafios enfrentados por tais ci-
anos de intensa discussão e refle- e escrita comum, é uma poderosa dadãos. A educação vem sendo
xão acerca dos conceitos e práticas ferramenta no processo de desen- um dos temas mais discutidos.
de inclusão por todos os Estados volvimento pessoal, social, educa- Este é um sintoma transparente
Parte da Organização das Nações cional e profissional dessas pesso- de que esta deixa de ser matéria
Unidas. No Brasil, houve forte mo- as. De posse deste equipamento, o exclusiva de especialistas e ganha
bilização pela ratificação como aluno terá a sua disposição, muito domínio público. Os sujeitos que
emenda à Constituição Federal. No mais do que um ledor de livros di- antes, eram apenas pacientes de
artigo 24, em seu primeiro parágra- dáticos. Ganha um precioso aliado uma ação imposta, conforme a
fo, assegura-se a educação inclusi- para sua interação com o mundo vontade e determinação de seus
va: “Os Estados Partes reconhecem dos “videntes”. Esta é uma política tutores, agora, protagonizam sua
o direito das pessoas com deficiên- pública, verdadeiramente, inclu- própria história, apropriam-se de
cia à educação. Para realizar este sivista. Um exemplo ilustrativo da um debate que lhes diz respeito e
direito sem discriminação e com importância de uma política de Es- contribuem decisivamente para a
base na igualdade de oportuni- tado, para a vida concreta das pes- mudança de um cenário aparen-
dades, os Estados Partes deverão soas com deficiência. É nelas que temente, rígido. A inclusão escolar
assegurar um sistema educacional devemos nos focar no momento é um caminho que se faz cami-
inclusivo em todos os níveis, bem da definição e elaboração das po- nhando. Quem discursa em favor
como o aprendizado ao longo de líticas. de que primeiro pavimentamos a
toda a vida[...]” (ONU, 2006). Pensar uma escola capaz de estrada e, depois, aprendemos a
Nesta perspectiva, a política de atender a todos com qualidade e trafegar por ela, realmente, deseja
inclusão em desenvolvimento pela respeito às diferenças é um desa- escamotear o processo e atrasar o
Secretaria de Educação Especial fio a ser superado pela sociedade curso da história.
(SEESP) do Ministério da Educa- brasileira. Construir uma cultura de A inclusão escolar se faz na es-
ção, é uma resposta afirmativa às valorização da diversidade exige cola com a participação dos seus
diretrizes aprovadas durante a 1ª de quem ocupa espaços de toma- atores protagonistas.
Conferência Nacional dos Direitos da de decisão, coragem e com-
da Pessoa com Deficiência, ocorri- promisso. Coragem de enfrentar “ O êxito consiste em ter êxito,
da em maio de 2006, em Brasília. “verdades cristalizadas” e grupos Não em ter situação de êxito.
As ações da SEESP simbolizam o politicamente, edificados sobre o Condição de palácio toda terra
compromisso do governo fede- processo de segregação escolar e larga tem.
ral com nosso segmento social. A social da pessoa com deficiência. Mas, onde estará o palácio se
formação docente e de gestores Compromisso com a implementa- não o construirmos? ”
Fernando Pessoa.
públicos se desenvolve a partir do ção dos documentos internacio-
ideal da educação inclusiva. Impor- nais ratificados pelo Brasil, relati-
tantes investimentos na educação vos ao direito à educação inclusiva
da pessoa com deficiência devem e, por fim, contribuir, efetivamente,
ser destacados. Chamo a atenção para uma profunda transformação
para um deles: computadores por- social.
táteis fazem parte do material es- A educação nunca esteve tão
colar dos alunos com deficiência pautada nos espaços sociais como
visual das escolas públicas de todo nesses últimos anos. Os conse-
o País. Este é um investimento que lhos de defesa de direitos da pes-
não apenas democratiza a tecnolo- soa com deficiência, juntamente
gia disponível. Sobretudo, promo- com outros órgãos de promoção

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v. 4, n. 2, p. 51-53, jul./out. 2008 53


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32 ENFOQUE

INCLUIR NÃO É INSERIR,


MAS INTERAGIR E CONTRIBUIR

Rita Vieira de Figueiredo1

Resumo
A inclusão se traduz pela capacidade da escola em dar danças significativas na gestão da escola, tornando-a
respostas eficazes à diferença de aprendizagem dos mais democrática e participativa, compreendendo o
alunos. Ela demanda que a escola se transforme em espaço da escola como um verdadeiro campo de
espaço de trocas o qual favoreça o ato de ensinar e de ações pedagógicas e sociais, no qual as pessoas com-
aprender. Transformar a escola significa criar as condi- partilham projetos comuns. Ela se caracteriza por seu
ções para que todos participem do processo de cons- carácter colaborativo, desenvolvendo valores e organi-
trução do conhecimento independente de suas carac- zando o espaço da escola de modo que todos se sin-
terísticas particulares. A inclusão requer também mu- tam dele integrantes. Esta escola tem como princípio

1
(Ph.D) Professora da Universidade Federal do Ceará.

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fundamental compartilhar liderança e estimular a troca quando o professor o percebe como sujeito de apren-
de experiências, minimizando as dificuldades do con- dizagem e organiza propostas didáticas que favore-
texto e dos alunos e favorecendo as mudanças neces- çam essa participação. Os professores que enfrentam
sárias na gestão da sala de aula e das práticas peda- o desafio da inclusão percebem que este processo
gógicas. A escola que inclui valoriza o papel social do modifica a vida escolar e a relação com os demais
aluno, pois repousa sobre o princípio da contribuição. membros da sua escola, modificando inclusive sua for-
A classe se constitui em um reagrupamento no qual mação pessoal e profissional.
cada aluno deve colaborar com o processo de constru-
ção do conhecimento dentro de suas possibilidades. A Palavras-chave: Inclusão escolar; Práticas pedagógicas;
participação ativa do aluno com deficiência é possível Educação nas diferenças.

Abstract
The inclusion is reflected by the ability of the school to and fostering the necessary changes in the manage-
respond effectively to the difference in student learning. ment of the classroom and teaching practices. The
It demands that the school would become an area of school values that includes the social role of student
trade that favors the act of teaching and learning. because it rests on the principle of contribution. The
Transforming school means creating the conditions for class constitutes a family in which each student must
everyone to participate in the process of constructing cooperate with the process of constructing knowledge
knowledge regardless of their particular characteristics. within their possibilities. The active participation of stu-
Inclusion also requires significant changes in school dents with disabilities is possible when the teacher per-
management and make it more democratic and partici- ceives as the subject of learning and organizes didactic
patory, including school space as a true field of educa- proposals that encourage such participation. Teachers
tional and social activities in which people share com- who face the challenge of inclusion realize that this
mon projects. It is characterized by its collaborative process changes the school life and relationship with
nature of developing values and organizing the space of the other members of their school, including changing
the school so that everyone feels his members. This their personal and professional development.
school has the fundamental principle of sharing leader-
ship and encourage the exchange of experiences, thus Key-words: School inclusion; Pedagogical practices,
reducing the difficulties of the context and the students Differences in education.

Introdução 2008) assegura o direito de toda cri- essa política, este atendimento as-
A premissa da inclusão escolar é ança freqüentar a escola comum, segura que os alunos aprendam o
relativamente bem compreendida esclarecendo ações que são de que é diferente do currículo do ensi-
em nosso país. A polêmica em torno competência da educação especial no comum e que é necessário para
do tema parece se situar na maneira daquelas que são de competência que possam ultrapassar as barreiras
como realizar as condições para do ensino comum. Este último é res- impostas pela deficiência. O Atendi-
concretizar a convivência e a apren- ponsável pela escolarização de to- mento Educacional Especializado
dizagem de alunos com e sem defi- dos os alunos, indistintamente, nas foi regulamentado pelo Decreto Nº.
ciência no espaço da sala de aula, classes comuns de ensino, o primei- 6.571, de 2008. O referido decreto
bem como explicitar as ações e inte- ro, pelos serviços de que podem ne- reestrutura a educação especial,
rações entre a educação especial e cessitar os alunos público alvo da consolida diretrizes e ações já exis-
os sistemas comuns de ensino. A educação especial. Dentre esses tentes, voltadas à educação inclusi-
Política da Educação Especial na serviços, a política orienta para a va, e destina recursos do Fundo da
Perspectiva de Educação Inclusiva, oferta do Atendimento Educacional Educação Básica (Fundeb) ao aten-
de janeiro de 2008 (MEC/SEESP, Especializado - AEE. De acordo com dimento de necessidades específi-

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010 33


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cas do segmento. que contribui com as ações daquela Segundo Hemmingson e Borell
O professor de AEE oferece comunidade educativa. Este mesmo (2002), promover a educação inclu-
acompanhamento em sala de aula preceito deve ser observado no inte- siva tem como pré-requisito a parti-
para ensinar o uso de recursos des- rior da sala de aula, espaço pedagó- cipação efetiva dos alunos, a qual
tinados aos alunos com deficiência gico em que cada aluno se constitui está relacionada ao ambiente esco-
aos professores e demais alunos. O em sujeito de aprendizagem que lar. Os autores desenvolveram na
professor do AEE deve identificar e contribui efetivamente para elabora- Suécia um estudo que teve como
desenvolver estratégias educativas ção de um saber o qual só tem sen- objetivo identificar as barreiras para
visando à superação das dificulda- tido quando compartilhado por to- a participação em escolas inclusi-
des de aprendizagem dos alunos. dos os membros da classe. vas a partir da perspectiva dos pró-
Ele inclui em suas ações: avaliação A concretização da política de in- prios estudantes com deficiência fí-
do aluno, a gestão do seu processo clusão se expressa pela criação de sica. Os resultados mostram que
de aprendizagem e acompanha- salas de recursos multifuncionais dois terços dos estudantes experi-
mento desse aluno na sala de recur- nas escolas públicas brasileira, por mentaram barreiras na participação
sos multifuncionais (espaço destina- uma política de formação de profes- tanto no ambiente físico quanto no
do para realização do AEE) e na in- sores em Atendimento Educacional social. A maioria das barreiras teve
terlocução com o professor do ensi- Especializado voltado para o atendi- origem na maneira como as ativida-
no comum. mento das crianças nessas escolas, des da escola estão organizadas e
Apesar de assegurado pelo de- bem como pela transformação das são executadas. Por exemplo, mes-
creto acima mencionado, o AEE não práticas pedagógicas e da gestão mo com todas as salas adaptadas
está implementado em todas as es- escolar nas redes de ensino. Deste fisicamente, o fato das atividades
colas brasileiras e, ainda como se modo, o desafio de escolarizar to- desenvolverem-se em lugares dife-
trata de um serviço recente, não dis- das as crianças no ensino comum rentes dependendo da disciplina,
pomos de pesquisas que indiquem não é tarefa da educação especial, dificultava a participação dos alu-
o impacto desse atendimento na mas das redes públicas de ensino. nos com deficiência física simples-
aprendizagem dos alunos que dele Uma política de vanguarda não mente pelo fato desses alunos apre-
se beneficiam. O atendimento edu- garante a acessibilidade aos sabe- sentarem maior lentidão na locomo-
cacional por si só não garante a res escolares se não houver uma ção de um espaço a outro da esco-
aprendizagem dos alunos, ou seja, verdadeira transformação no interior la. As falhas em conseguir os ajus-
mudanças substanciais no interior da escola. Faz-se necessário con- tes ambientais adequados resulta-
da escola e nos sistemas de ensino cretizar, no cotidiano dessa institui- ram na restrição da participação ou
se fazem necessárias para garantir a ção, o que já está assegurado por exclusão destes alunos de algumas
aprendizagem de todos os alunos. A lei. Não basta garantir a acessibilida- das atividades em classe. Os resul-
colaboração entre os diversos agen- de, ou seja, é preciso criar as condi- tados do estudo sugerem que a ma-
tes da escola tais como os gestores ções para que a escola se transfor- neira como as atividades estão or-
e a equipe técnica, os professores me em espaço verdadeiro de trocas ganizadas na escola devem ser o
da sala comum e os professores do que favoreçam o ato de ensinar e de principal alvo de transformação pa-
AEE é imprescindível para o desen- aprender. Neste sentido, nosso país ra garantir uma total participação
volvimento de uma prática sintoniza- ainda tem um importante caminho a dos alunos que apresentam defici-
da com as necessidades dos alu- percorrer para assegurar educação ência. Este aspecto não prevê ape-
nos. Esses profissionais devem a todos os jovens, crianças, adultos nas a previsão de atividades didáti-
aprender a trabalhar juntos e or- e adolescentes que integram o siste- cas, mas também o ambiente sócio-
questrar seus esforços em favor do ma público de ensino. interacional da escola.
desenvolvimento de uma educação Transformar a escola significa Em relação ao ambiente escolar
de qualidade. Faz-se necessário às criar as condições para que TODOS favorável à inclusão, Soodak (2003)
redes de ensino conceberem um os alunos possam atuar efetivamen- faz referência ao desenvolvimento
modelo de formação e acompanha- te nesse espaço educativo, focando de estratégias para melhorar a qua-
mento que permita a cada um des- as dificuldades do processo de lidade global do ambiente da sala
ses grupos desenvolver um saber e construção para o ambiente escolar de aula para acolher os alunos com
um saber fazer que valorize a partici- e não para as características particu- deficiência. Essas estratégias con-
pação de cada um como membro lares dos alunos. templam a organização de um am-

34 Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010


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biente, onde os alunos se sentem quado o professor procurava discu- apoiar, estabelecendo rotinas de tra-
acolhidos, seguros e apoiados. Su- tir com todas as crianças as medi- balho cotidiano da sala de aula e as-
as principais sugestões são: criar das que deveriam ser tomadas para segurando a participação de todos
uma comunidade inclusiva, promo- contornar ou resolver aquele pro- os alunos nas atividades da classe.
ver o sentimento de pertença, facili- blema. Ainda no contexto da convivência da
tar a aproximação das crianças, fa- O autor exemplifica com o caso classe é importante reconhecer que
vorecendo a amizade entre os alu- de uma criança com síndrome de a criança é fonte de um saber e de
nos, desenvolver a colaboração en- Down que freqüentemente fugia da uma cultura. Logo, ela participa da
tre pais e professores e entre pro- sala. O professor discutiu o proble- construção de um saber coletivo de
fessores e outros membros da es- ma com a turma e pediu que escre- modo que a participação de cada
cola, apoiar e incentivar comporta- vessem possíveis soluções para fa- aluno nas atividades da classe é re-
mentos positivos em todos os alu- zer a criança ficar em sala. As solu- conhecida pelos demais colegas. O
nos e não apenas naqueles que de- ções apresentadas pelos colegas acolhimento é garantido quando o
monstram comportamentos inade- estavam vinculadas aos aspectos professor faz o acompanhamento
quados ao ambiente escolar, evitan- afetivos e atitudinais tais como: de- das estratégias utilizadas pelas cri-
do punições e expulsões. monstrar que gosta do colega com anças em suas aprendizagens, sen-
Ainda em relação à interação síndrome de Down e dar mais aten- do capaz de ouvi-la manifestando in-
entre os alunos em contexto de in- ção para ele. teresse e afetividade por ela (pelos
clusão, Bloom e Perlmutter (1999) O autor ressalta também a im- seus sucessos, suas dificuldades,
alertam que problemas relaciona- portância da crença no sucesso do suas preocupações). Estes aspec-
dos a comportamentos devem ser trabalho para que o processo de in- tos dizem respeito diretamente à
abordados como um problema clusão aconteça. Ele enfatiza que é gestão da sala de aula, mas estão
pertencente a toda a classe, e não fundamental não apenas o profes- relacionados também a gestão da
apenas ao professor. O autor res- sor acreditar que participação da- escola. Eles se constituem em ele-
salta a importância de construir quela criança na sala de aula regu- mentos centrais na mudança de
um ambiente acolhedor e interati- lar é possível, como também fazer uma escola que exclui para aquela
vo entre as crianças, contrapon- as outras crianças acreditarem nis- que inclui.
do-se à punição e repreensão. Ele so. E isso está diretamente ligado à
aponta alguns aspectos importan- capacidade de acreditar em si mes- A gestão da escola e
tes para o processo de inclusão mo e de manter a auto-estima de to-
a gestão da classe
de crianças com deficiência no dos os alunos.
que se refere ao comportamento e Em estudo por nós realizado (FI- como elementos
à interação da turma toda: a pre- GUEIREDO, 2008) em uma escola constitutivos de
paração dos demais alunos que pública em contexto de inclusão es- atenção às diferenças
devem desde sempre ser ensina- colar, constatamos que o tipo de
dos a respeitar, a cuidar uns dos convivência estabelecida na classe Mudanças na gestão da escola
outros e a expressar afetividade; a independe da presença de alunos se configuram no sentido de torná-la
auto-regulação das crianças com com deficiência, bem como as difi- mais democrática e participativa pa-
deficiência no que concerne aos culdades de inserção não estão re- ra alunos, professores e demais ato-
comportamentos apropriados pa- lacionadas à deficiência, mas a for- res desse espaço pedagógico. Sig-
ra viver em comunidade. ma como a criança é educada. No nifica compartilhar projetos e deci-
O autor observa que algumas espaço da sala da aula, a convivên- sões e desenvolver uma política que
crianças com deficiência não pos- cia se torna mais harmoniosa quan- compreenda o espaço da escola co-
suem habilidades de selecionar e do a professora consegue estabele- mo um verdadeiro campo de ações
controlar seu próprio comportamen- cer com seu grupo um ambiente on- pedagógicas e sociais, no qual as
to de modo a interagir socialmente de as crianças se sentem seguras, pessoas compartilham projetos co-
de forma positiva; trabalhar tendo respeitadas, acolhidas e percebem muns, cada um deles representando
em vista uma abordagem do tipo re- o reconhecimento do outro sobre as uma oportunidade real de desenvol-
solução de problemas: a cada suas ações. Para isso, o professor vimento pessoal e profissional. A
acontecimento perturbador provo- deve ser uma referência de seguran- gestão na escola inclusiva tem um
cado por um comportamento inade- ça sobre a qual a criança pode se caráter colaborativo que implica no

Inclusão: R. Educ. esp., Brasília, v.5, n.2, p. 32-38, jul/dez. 2010 35


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desenvolvimento de valores que mo- trabalho conjunto entre professores Uma das grandes marcas da es-
bilizam as pessoas a pensarem, vive- regulares e professores especiais, cola que inclui é a valorização do
rem e organizarem o espaço da es- sugerindo atividades que podem ser papel social do aluno, qualquer que
cola, incluindo nele todos os alunos. divididas ao mesmo tempo em sala sejam suas características, visto
Segundo Hines (2008), a atua- de aula por ambos. Por fim, o autor que esta escola repousa sobre o
ção da direção é fundamental para o reforça a importância de trabalhar princípio da contribuição. Deste mo-
sucesso na transformação de uma mediante uma sistemática de resolu- do, a classe do ensino regular se
escola para uma perspectiva inclusi- ção de conflitos. O diretor deve es- constitui em um reagrupamento no
va. A ação da direção é importante forçar-se para explorar de forma qual cada aluno deve colaborar
no sentido de guiar, estimular e faci- aprofundada as estratégias de reso- com o processo de construção do
litar a colaboração entre os profes- lução dos conflitos que surgirão. conhecimento dentro de suas pos-
sores do ensino comum e entre es- Ouvir cada professor, estimular a co- sibilidades. A valorização do papel
tes e os professores especializados, municação entre eles, esclarecer social do aluno só é possível na me-
sendo, portanto, o trabalho coletivo pontos de divergência deixando cla- dida em que ele é reconhecido por
como tarefa incontornável por parte ro para cada um a fonte do proble- seus pares como uma pessoa que
do contexto escolar. De acordo com ma e sugerindo que cheguem a um traz uma contribuição, mesmo que
o autor, quatro princípios devem fun- ponto em comum deve ser parte in- seja modesta, ao desenvolvimento
damentar o trabalho do diretor na dispensável do trabalho de uma de saberes, de saber-fazer e do sa-
perspectiva da construção de uma gestão escolar inclusiva. O aspecto ber ser coletivo. A criança percebe-
escola que inclui. O primeiro diz res- da comunicação e da colaboração se como um indivíduo que contribui
peito à manutenção de uma comuni- também foi identificado por Penafor- para o desenvolvimento de saberes
cação aberta com o corpo docente te (2009) como fundamental no pro- e do saber-fazer coletivo e retira dis-
da escola, bem como estimular e in- cesso de construção de uma escola so múltiplas vantagens. Entretanto,
termediar a comunicação livre e ho- inclusiva. Na nossa compreensão, a essa participação ativa do aluno
nesta. Dentro deste princípio, ele gestão compartilhada aumenta as com deficiência no contexto da sala
enxerga seis atividades que devem possibilidades dos atores escolares regular só é possível se o professor
ser sugeridas aos professores: assumirem os projetos da escola co- perceber esse aluno como sujeito
compartilhar experiências bem su- mo de todos e minimizando as difi- de aprendizagem e se conseguir or-
cedidas, agendar tempo para plane- culdades do contexto e dos alunos, ganizar propostas didáticas que fa-
jamento conjunto, registrar suas ati- favorecendo as mudanças necessá- voreçam essa participação.
vidades, suas preocupações e o rias na gestão da sala de aula e con- A percepção de professores de
modo como conseguiram resolvê- seqüentemente nas práticas peda- classes regulares a respeito de co-
las, visitar outras instituições que te- gógicas. Isso significa transformar mo eles organizam seu trabalho ten-
nham experiência no processo de as práticas que temos hoje (na sua do em vista a presença de um aluno
inclusão, coletar material de fontes maioria, pautadas no conceito de com deficiência foi investigada na
diversas sobre a temática da inclu- homogeneidade) em práticas que Austrália por O'Donoghue e Chal-
são e, finalmente, comemorar cada atendam às diferenças dos alunos mers (2000). A pesquisa durou em
acerto, como forma de valorizar as da sala de aula. torno de um ano letivo e teve como
pequenas conquistas. Essa transformação da escola sujeitos 22 professores de escolas
O segundo princípio consiste em não decorre apenas da demanda de ensino fundamental. Os resulta-
compartilhar a liderança e estimular de crianças com deficiência que dos permitiram classificar os profes-
a troca de conhecimento, bem como apresentam dificuldades para se sores em três categorias: 1) os que
empoderar os professores, fazendo- apropriarem dos conteúdos esco- realizavam adaptações seletivas
os capazes de compartilhar suas ex- lares, mas também de uma grande com ênfase na organização da sala
periências como professores espe- parte daquelas consideradas nor- de aula, 2) os que realizam o traba-
cializados de modo a estimular a mais que também apresentam difi- lho enfatizando metodologias (estra-
união de forças, e não a concorrên- culdades semelhantes, e ainda, tégias) de ensino e 3) aqueles que
cia entre eles. O terceiro princípio re- por uma consciência coletiva de baseavam suas modificações tendo
fere-se ao estabelecimento de me- que a escola que temos já não como foco os conteúdos curricula-
tas viáveis e objetivos comuns. Nes- atende mais as exigências da soci- res. Tais categorias foram definidas
te ponto, o autor reforça a idéia de edade atual. a partir da forma como os professo-

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res elaboravam suas estratégias de mudança. Alguns professores ade- realização de projetos comuns. A
manejo de sala de aula tendo nela rem rapidamente e demonstram colaboração estabelecida entre os
um aluno com deficiência. De acor- confiança na possibilidade de de- professores, conforme já descrita
do com os autores, os professores senvolverem uma pedagogia que anteriormente, é outro aspecto que
evoluíam no processo de adaptação contemple as diferenças de todos deve ser ressaltado também na es-
de suas estratégias de sala de aula os alunos. Outros, ao contrário, re- cola das diferenças.
que consistem nas seguintes eta- sistem a essa idéia, e, há aqueles Thousand e Villa (2006) realiza-
pas: 1) Diante da informação de que que se apropriam pouco a pouco ram um estudo no qual exploraram
iriam receber alunos com deficiência dessa concepção e vão implemen- os benefícios do planejamento cola-
em suas salas, os professores co- tando pequenas mudanças no ensi- borativo e concluíram que quando
meçavam a discutir as bases legais no e na gestão da classe. Os aspec- os professores trabalham em coo-
dessa inclusão e as possibilidades tos de investimento das mudanças peração no seu planejando e em su-
de recusar esses alunos, no qual também se diferenciam. Alguns as atividades práticas de ensino,
uma certa resistência era observa- atentam rapidamente para a organi- eles tornam-se mais capazes de su-
da. 2) O professor começava a con- zação da classe e as formas de prirem as necessidades específicas
siderar efetivamente o impacto des- agrupamento de seus alunos; ou- de seus alunos e podem cumprir
se processo na sua prática de sala tros priorizam o desenvolvimento de melhor os objetivos propostos. O
de aula e no seu trabalho como um atividades com diferentes propostas estudo explicita os diferentes modos
todo e começava a considerar alte- didáticas que favorecem as diferen- de colaborar e co-ensinar, inclusive
rações em sua atividade em sala pa- tes possibilidades de manifestação tendo os estudantes como parceiros
ra realização do trabalho. 3) Os pro- de aprendizagem por parte dos alu- colaborativos. Os autores ilustram
fessores definitivamente engajavam- nos e há os que começam a trans- esses modos de colaboração com
se (ou não) no processo de inclusão formação pelo desenvolvimento da os seguintes exemplos:
de seus alunos. Nesta etapa, eles pedagogia de projetos. A autono- l Suporte natural do colega:
definem um ponto de vista e come- mia dos alunos se constitui no as- quando um colega da mesma ida-
çam a racionalizar sua execução. 4) pecto mais difícil a ser implementa- de ou mais velho pode assumir a
Os professores começam identificar do pelos professores (FIGUEIRE- responsabilidade de apoiar a parti-
as práticas que deverão ser modifi- DO, 2008b). Investigando o proces- cipação de um estudante com de-
cadas para acomodar o aluno incluí- so de mudança de práticas pedagó- ficiência em atividades curriculares
do, desenvolvem estas práticas e re- gicas no contexto da inclusão esco- e atividades sociais. Por exemplo,
organizam o trabalho de acordo lar, Lustosa (2009) observou resulta- os colegas podem tomar notas pe-
com os resultados obtidos. E, por úl- dos semelhantes no processo de lo amigo, facilitar a comunicação
timo, os professores fazem uma es- mudanças das professoras que fize- com os outros colegas conheci-
timativa das mudanças realizadas ram parte de sua pesquisa. dos, ajudar na locomoção, dentre
em suas salas e dos resultados po- Em uma escola que organiza as outras possibilidades.
sitivos do trabalho. situações de aprendizagem consi- l Suporte consultivo: ocorre quan-
A pesquisa revela ainda que os derando as diferenças, o ensino e do um ou vários adultos, muitas ve-
professores consideram que o pro- os apoios ao ensino se integram zes um professor especializado,
cesso de inclusão modifica a vida para orquestrar a aprendizagem, encontram-se regularmente com o
escolar e a relação com os demais garantindo a participação efetiva professor de sala de aula para tro-
membros da sua escola. Figueiredo dos alunos em todas as práticas car informações sobre o progresso
(2008) constatou que as professo- educativas. Elas se embasam na do estudante, avaliar a necessida-
ras em contexto de inclusão atribu- implementação de um ensino que de de adaptar ou complementar
em transformações não somente na leve em conta as especificidades materiais e solucionarem proble-
gestão da sala de aula, mas tam- de cada sujeito e que faz apelo à mas em conjunto.
bém em sua vida pessoal. Essas cooperação em situação de apren- Segundo os autores, é possível
mudanças não se fazem de modo dizagem. O professor deve respei- ainda que dois ou mais professores
similar nem nas crenças dos profes- tar os diferentes ritmos de aprendi- trabalhem colaborativamente com
sores quanto às próprias capacida- zagem dos alunos, favorecendo a grupos diferentes de estudantes
des de efetuarem a mudança nem atividade conjunta entre eles, com em diferentes situações. Essas
nos aspectos de investimento dessa e sem deficiência no momento da ações, certamente, constituem-se

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em estratégias eficientes para a colares. A concretização da política


gestão da sala de aula que contem- de inclusão se torna perceptível
pla todos os alunos da turma, per- quando as redes de ensino come-
mitindo ao professor seguir a evolu- çam a se organizar para receber e
ção do desenvolvimento das com- oferecer as condições de aprendiza-
petências dos alunos. gem a todo seu alunado.
Muitas outras formas de colabo-
ração são possíveis de serem imple- Referências
mentadas no contexto de uma clas-
se que vive o princípio da colabora- BLOOM, L. A., J. C. PERLMUTTER, et al.
The general educator: applying construc-
ção em detrimento à competição e tivism to inclusive classrooms. Interventi-
compreendem o processo de cons- on in School and Clinic 34(3),1999, p.
trução do conhecimento como emi- 132-136.

nentemente cooperativo com o qual BRASIL, Ministério da Educação. Política


todos podem contribuir indepen- de Nacional de Educação Especial na
Perspectiva de Educação Inclusiva. Brasí-
dendo de limites ou dificuldades.
lia: MEC/SEESP, 2008.

Considerações finais FIGUEIREDO, R. V. Gestão da Aprendiza-


gem na Diversidade. Relatório de pesqui-
sa. Fortaleza: Universidade Federal do Ce-
A inclusão se traduz pela capaci- ará, 2008a.
dade da escola em dar respostas
FIGUEIREDO, E. V. Práticas de Leitura e de
eficazes às diferenças de aprendiza- Escrita na Diversidade da Sala de Aula. Dis-
gem dos alunos, considerando o sertação (Mestrado em Educação). Fortale-
desenvolvimento deles como priori- za: Universidade Federal do Ceará, 2008b.

tário. A prática da inclusão implica HEMMINGSON, H.; BORELL, L. Environ-


no reconhecimento das diferenças mental barriers in mainstream schools. Hi-
nes: Child, Care, Health and Development:
dos alunos e na concepção de que 2002, p. 57-63.
a aprendizagem é construída em co-
operação a partir da atividade do su- HINES, J. T. Making Collaboration Work in
Inclusive High School Classrooms: Recom-
jeito diante das solicitações do mendations for Principals. Intervention in
meio, tendo o sujeito de conheci- School and Clinic, 2008, p. 277-282.
mento como um sujeito autônomo.
LUSTOSA, G. Inclusão, o olhar que ensina:
O professor pode ampliar as possi- o movimento da mudança e a transforma-
bilidades aprendizagem do aluno a ção das práticas pedagógicas no contexto
de uma pesquisa-ação. Tese (Doutorado
partir de diferentes propostas didáti-
em Educação). Fortaleza: Universidade Fe-
cas as quais ele pode organizar no deral do Ceará, 2009.
desenvolvimento das práticas peda-
O'DONOGHUE, T. A.; CHALMERS, R. How
gógicas. Para isso, é importante re- teachers manage their work in inclusive
fletir sobre os desafios do cotidiano classrooms. Teaching and Teacher Educati-
escolar. Este novo olhar e esta nova on, 2000, p. 889-904.
forma de atuar ampliam as possibili- PENAFORTE, S. A gestão para a inclu-
dades de desenvolvimento profissi- são: uma pesquisa-ação colaborativa no
onal e pessoal do professor. meio escolar. Tese (Doutorado em Educa-
ção). Fortaleza: Universidade Federal do
A educação brasileira enfrenta o Ceará, 2009.
desafio de, no desenvolvimento das
SOODAK, L. C. Classroom Management in
práticas cotidianas, transformar-se,
Inclusive Settings. Theory into Practice v.
para ser capaz de garantir a acessi- 42 nº 4, 2003, p. 327-333.
bilidade e a permanência de todas
THOUSAND, J. S.; R. A. VILLA, Et al. The
as crianças, de modo que elas pos- Many Faces of Collaborative Planning and
sam se apropriar dos bens culturais Teaching. Theory into Practice, 2006, p.
traduzidos como conhecimentos es- 239-248.

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