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O CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

(PARO, 2003)

Profª. Me. Camila Oliveira Neves

Disciplina: Gestão Educacional e Escolar


VITOR HENRIQUE PARO

• Vitor Henrique Paro possui mestrado em Educação pela USP, doutorado em Educação
pela PUC-SP e livre-docência em Educação pela USP.
• Atualmente é professor titular (Colaborador Sênior) da Faculdade de Educação da USP,
onde exerce a pesquisa, a docência e a orientação em nível de pós-graduação. É
coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar (Gepae).
• Atua na área de Educação, com ênfase em Políticas Educacionais e Administração de
Unidades Educativas.
• É autor, entre outros, dos seguintes livros: Administração escolar: introdução crítica,
Gestão democrática da escola pública, Por dentro da escola pública, Reprovação
escolar: renúncia à educação, Educação como exercício do poder, Crítica da estrutura da
escola, Diretor escolar: educador ou gerente? e Professor: artesão ou operário? (Fonte:
Currículo Lattes).
• A sociedade se apresenta como um enorme conjunto de instituições que realizam tarefas
sociais determinadas. Em virtude da complexidade das tarefas, da escassez dos recursos
disponíveis, da multiplicidade de objetivos a serem perseguidos e do grande número de
trabalhadores envolvidos, assume-se a absoluta necessidade de que esses trabalhadores
tenham suas ações coordenadas e controladas por pessoas ou órgãos com funções
chamadas administrativas.

• Nesse contexto, acha-se obviamente a escola que, como qualquer outra instituição, precisa
ser administrada, e tem na figura de seu diretor o responsável último pelas ações aí
desenvolvidas.
A NATUREZA DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA

• O conceito de administração em geral, ou seja, a administração abstraída de seus determinantes


sociais que, sob o capitalismo, por exemplo, configuram a chamada administração capitalista (existi
sob outras relações de produção);

• O conceito de administração em sua “essência” está a serviço de propósitos não-autoritários;

• Em seu sentido geral, podemos afirmar que a administração é a racional de recursos para a
realização de fins determinados. Assim, pensada, ela se configura, inicialmente, como uma
atividade exclusivamente humana, já que somente o homem é capaz de estabelecer livremente
objetivos a serem cumpridos.
• O animal também realiza atividade, mas sua ação é qualitativamente diversa da
ação humana, já que ele não consegue transcender seu estado natural, agindo
apenas no âmbito da necessidade.

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha


envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos
de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de
construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um
resultado que já no inicio deste existiu na imaginação do trabalhador, e
portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma
da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu
objetivo, que determina, com lei, a espécie e o modo de sua atividade e
ao qual tem de subordinar sua vontade (MARX, 1983, 149-50, v. 1, t.1)
• Porque se propõe objetivos, o homem precisa utilizar racionalmente os meios de
que dispõe para realiza-los. A atividade administrativa é, então, não apenas
exclusiva mas também necessária à vida do homem. O animal, como ser
indiferenciado da natureza, não realiza trabalho humano, já que não busca
objetivos livremente, colocando-se portanto no âmbito da pura necessidade.

• Ele só é homem porque transcende sua situação natural. Essa transcendência se dá


na medida em que ele busca realizar, através da ação racional, os objetivos a que se
propõe.
• O homem domina a “utilização racional de recursos”. A
palavra racional vem do latim ratio, que quer dizer
razão;

• Utilizar racionalmente os recursos (utilizá-los de acordo


com a razão) significa, por um lado, que tais recursos
sejam adequados ao fim visado, por outro, que seu
emprego se dê de forma econômica;

• Adequação aos fins significa, primeiramente, que, dentre


os meios disponíveis, há que selecionar aqueles que mais
se prestam à atividade ou atividades a serem
desenvolvidas com vistas à realização de tais fins.
• O objetivo deve estar sempre norteando as ações para que não ocorram desvios em sua
realização;

• A dimensão econômica, da utilização racional de recursos, se faz presente à medida que o alcance
dos objetivos se concretiza no menor tempo possível e com o dispêndio mínimo de recursos;

• Os recursos podem ser classificados em materiais e conceptuais que o homem coloca entre si e a
natureza para dominá-la em seu proveito; por outro, os esforços despendidos pelos homens e que
precisam ser coordenados com vistas a um propósito comum.
• O homem relaciona-se com a natureza pelo trabalho. O trabalho, como “atividade
orientada a um fim”;

• A relação do homem com a natureza não se dá, entretanto, de forma imediata. Mediando a
relação entre o homem e a matéria que ele aplica seu trabalho, ou seja, o objeto de
trabalho, existem os meios de trabalho;

• O homem se utiliza diretamente para modificar o objeto de trabalho de acordo com seus
objetivos, mas também aqueles meios;

• São meios de produção, portanto, todos os elementos materiais que, direta ou


indiretamente, participam do processo de produção;
• Ao lado desses elementos
materiais, o homem faz uso
também daquilo que estou
denominado “recursos
conceptuais”, que consistem nos
conhecimentos e técnicas que ele
acumula historicamente;
• Com o passar do tempo, porém, e como resultado de sua ação constante sobre a natureza e de
suas relações recíprocas, os homens vão podendo acumular conhecimentos em quantidade
cada vez mais significativa, o mesmo acontecendo com as técnicas que vão aos poucos se
sofisticando e possibilitando o domínio cada vez mais efetivo sobre a natureza;
• No que se refere à relação do homem com a natureza, e de acordo com o
conceito de administração que estamos examinando, esses recursos
materiais e conceptuais precisam ser utilizados de maneira racional com
vistas à realização de objetivos. O que quer dizer que o homem age tanto
mais administrativamente quanto mais ele conjuga seus conhecimentos e
técnicas, os faz avançar e os aperfeiçoa, na utilização de seus meios de
produção;
• Outro tipo de relações que têm lugar no processo de
produção material da existência humana, são as
relações que os homens estabelecem entre si.

• O relacionar-se dos homens entre si é condição


essencial da existência humana. [...] o desenvolvimento
de um indivíduo está condicionado pelo de todos os
outros, com quem se encontra em relações diretas ou
indiretas...(MARX & ENGELS, 1975).
• No interior do processo de produção, a atividade humana não se dá, via de
regra, de maneira isolada, existindo, em vez disso, uma conjugação das
atividades de todos os indivíduos envolvidos;

• Os homens perceberam, por força da inevitabilidade de suas relações


recíprocas, que os objetivos a que se propunham podiam ser atingidos
mais efetivamente e com economia de recursos quando, em lugar de
agirem isoladamente, suas ações fossem conjugadas na busca de objetivos
comuns;
• Seja no interior do processo de produção, seja no contexto da divisão social do
trabalho, as relações dos homens entre si para produzirem sua existência material
envolvem a utilização de esforço humano. Apenas se lhes for associado este recurso,
os elementos materiais e conceptuais interpostos entre o homem e a natureza podem
concorrer para a realização de fins determinados. Assim sendo, a utilização racional de
recursos deve incluir, além dos elementos materiais e conceptuais, o emprego
econômico e a devida adequação aos fins de todo esforço humano despendido no
processo.
• A administração, entretanto, não se ocupa do esforço despendido por pessoas
isoladamente, mas com o esforço humano coletivo.

A atividade administrativa é uma atividade grupal. As situações simples, nas quais um


homem executa e planeja o seu próprio trabalho, lhe são familiares; porém, à medida
que essa tarefa se expande até o ponto em que se faz necessário o esforço de numerosas
pessoas para leva-la a cabo, a simplicidade desaparece, tornando necessário
desenvolver processos especiais para a aplicação do esforço organizado em proveito da
tarefa do grupo (CHIAVANETO, 1979, 179).

• À utilização racional desse esforço humano coletivo, chamo de coordenação do


esforço humano coletivo ou simplesmente “coordenação”.
• Utilizo a palavra “coordenação” muito
precisamente para indicar o campo de
interesse teórico-prático da administração
que diz respeito ao emprego racional do
esforço humano coletivo. Enquanto a
“racionalização do trabalho” se refere às
relações homem/natureza, no processo
administrativo, a “coordenação” tem a ver,
no interior desse processo, com as relações
dos homens entre si.
• Os elementos materiais e conceptuais não cumprem sua função
no processo se não estiverem associados ao esforço humano
coletivo; da mesma forma, o esforço humano coletivo necessita
dos elementos materiais e conceptuais para ser aplicado
racionalmente. Cada um desses dois grupos de recursos,
entretanto, possui sua especificidade, que permite, em termos
teóricos, identifica-los separadamente. Enquanto os elementos
materiais e conceptuais dizem respeito à relação do homem com
a natureza, servindo como mediação nessa relação, o esforço
humano coletivo refere-se às relações que os homens são
levados a estabelecer entre si para que o processo se realize.
• Observa-se que o agrupamento dos recursos, com base nas relações do homem
com a natureza e com os outros homens, não coincidem com a abordagem que
reúne, de um lado, os recursos naturais e, de outro, os recursos humanos.

Recursos naturais – sinônimo de recursos matérias.

Recursos humanos – sinônimo de recursos do homem, no sentido de que só este é


capaz de criar novas técnicas, produzir novos conhecimentos e acumulá-los
historicamente.
Essa expressão “recursos humanos” precisa ser entendida no sentido especifico de
recurso do homem e não do homem como recurso.
• Considerar o homem como fim implica tê-lo como sujeito e não como objeto no
processo em que se busca a realização de objetivos;

• As relações entre os homens não podem ser de dominação, sob pena de se perder
sua característica humana, quer dizer, característica de seres diferenciados do
mundo meramente natural;

• Precisa ser de cooperação e não de dominação;


O GRAU DE CONSCIÊNCIA NA ATIVIDADE
ADMINISTRATIVA

• Segundo Sanchez Vasquez, em toda atividade humana encontra-se presente a


consciência. Em toda práxis – entendida esta como “uma atividade material,
transformadora e ajustada a objetivos” – intervém, em maior ou menor grau,
as consciência do homem;
• A consciência do homem se manifesta na chamada práxis criadora, mas não
deixa de estar presente também na práxis reiterativa ou imitativa. Ambos esses
tipos, ou níveis, da práxis são de importância decisiva para o homem.

[...] o homem não vive num constante estado criador. Ele só cria por necessidade;
cria para adaptar-se a anovas situações ou para satisfazer novas necessidades.
Repete, portanto, enquanto não se vê obrigado a criar. Contudo, criar é para ele a
primeira e mais vital necessidade humana [...] (VÁSQUEZ, 19977, p. 247-8).
• “Práxis”: palavra grega que significa ação. Mas, não qualquer
ação, mas a ação que distingue o homem, a ação mediada pela
teoria.
PRÁXIS CRIADORA

• Na práxis criadora há a unidade indissolúvel da atividade da consciência (o subjetivo,


o interior) e da realização do projeto (o objetivo, o exterior), o que quer dizer que “ a
produção do objeto ideal é inseparável da produção do objeto real, a material”;
• Criar implica a idealização e objetivação de algo novo;
• O projeto inicial defronta-se com a resistência em sua concretização. Ao tentar vencê-
las, há a necessidade de sua constante modificação, não só no modo de realiza-lo –
modificando, com isso, o processo – mas, também na forma do objeto ideal,
resultando, no final, um produto que não será mais idêntico ao inicialmente projetado.
PRÁXIS REITERATIVA

• Em oposição a essa práxis criadora de caráter único e irrepetível, a práxis reiterativa,


como o próprio termo indica, caracteriza-se exatamente por sua repetibilidade~;

• Repetição de um processo e de um resultado alcançado por uma práxis criadora anterior,


sem contudo, a imprevisibilidade e a unicidade desta;

• O lado positivo da práxis reiterativa reside em seu poder de ampliar e multiplicar a


práxis criadora. Seus aspectos negativos aparecem, todavia, quando sua ocorrência se dá
de maneira a barrar as possibilidades de novas criações.
ADMINISTRAÇÃO CRIADORA E REITERATIVA

• A administração criadora vale-se de conquistas anteriores, assimilando


procedimentos que foram bem-sucedidos em outras situações para criar novas
formas de atingir objetivos de modo mais efetivo;
• A administração reiterativa multiplica a aplicação dos procedimentos criados,
ampliando o seu alcance;

• Ambos níveis de administração são de extrema importância para a atividade


humana.
• A administração criadora precisa ser pensada me termos de relevância, propondo
soluções e descobrindo novas alternativas que respondam às reais necessidades
humanas. Por sua vez, a administração reiterativa encontra sua aplicação na
repartição de procedimentos que, uma vez criados, não têm porque não serem
repetidos e aplicados em situações análogas;

• Essa reiteração não pode erigir-se em fim em si mesma, sob pena de degenerar-se
numa práxis burocratizada.
• Como toda práxis, tanto a administração
criadora quanto a reiterativa estão
impregnadas pela consciência humana;

• Vázquez a chama de consciência prática;

• Na atividade administrativa é necessário


levar em conta o grau de consciência do
sujeito, ou seja, sua consciência da práxis.
• De acordo com o grau de consciência da práxis, pode–se falar em dois novos níveis
da práxis: práxis reflexiva e práxis espontânea. No primeiro caso, ocorre um alta
consciência da atividade prática que, no segundo, encontra-se bastante reduzida ou
quase não existe;

• Isso significa que tanto pode existir uma prática administrativa espontânea, na qual
a utilização dos recursos, embora realizada de maneira racional, é feita mais de
modo a atender às necessidades imediatas que vão surgindo no processo prático,
sem que se tenha uma visão clara e consciente de como isto se dá, quanto a
administração reflexiva, na qual, além da consciência prática, representada pela
utilização racional dos recursos, o sujeito (individual ou coletivo) se acha consciente
da racionalidade do processo e da participação nele de sua consciência.
• O homem vai conseguindo cada vez mais passar do nível de uma administração
espontânea para o de uma administração reflexiva, abrindo possibilidade para o
surgimento, no final do século passado e inicio deste, de uma “teoria geral de
administração”;

• O homem atingiu um estagio em que ele não apenas utiliza racionalmente seus
recursos para atingir fins, mas possui também consciência desse fato. Por isso
refletir sobre ele e sistematizar os conhecimentos, técnicas e procedimentos já
alcançados e buscar intencionalmente fazê-los avançar de modo mais acelerado;
• A atividade administrativa, enquanto utilização racional de recursos para
atingir fins, é, como já vimos, condição necessária da vida humana.
Sempre existiu, portanto, permeando as mais diversas formas de
organização social;

• O homem foi conseguindo superar seu primitivo estado de necessidade


natural, produzir sua existência material de forma cada vez mais eficaz,
bem como produzir-se a si próprio como realidade diferenciada da
natureza;
• Nas sociedades de classes, em que o poder está confinado nas mãos de
uma minoria, a administração tem servido historicamente como
instrumento nas mãos da classe dominante para manter o status quo e
perpetuar ou prolongar ao máximo seu domínio. O que não significa que
ela não possa vir a concorrer para a transformação social em favor dos
interesses das classes subalternas, desde que suas potencialidades sejam
aproveitadas na articulação com esses interesses.

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